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SERVIÇO SOCIAL
___________________________________________________________________________
CAROLINA DE PARIS
A IDEOLOGIA NEOLIBERAL E A FLEXIBILIZAÇÃO DO TRABALHO NO BRASIL: UM ESTUDO APROXIMATIVO
TOLEDO 2012
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CAROLINA DE PARIS
A IDEOLOGIA NEOLIBERAL E A FLEXIBILIZAÇÃO DO TRABALHO NO BRASIL: UM ESTUDO APROXIMATIVO
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Serviço Social do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Serviço Social. Orientadora: Profa. Dra Marize Rauber Engelbrecht.
TOLEDO 2012
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CAROLINA DE PARIS
A IDEOLOGIA NEOLIBERAL E A FLEXIBILIZAÇÃO DO TRABALHO NO BRASIL: UM ESTUDO APROXIMATIVO
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Serviço Social do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Serviço Social.
BANCA EXAMINADORA
___________________________________
Orientadora Prof. Dra. Marize Rauber Engelbrecht Universidade Estadual do Oeste do Paraná
___________________________________ Prof. Dra. Rosana Mirales
Universidade Estadual do Oeste do Paraná
___________________________________ Prof. Dr. Alfonso Klein
Universidade Estadual do Oeste do Paraná
Toledo, 27 de Novembro de 2012.
4
Dedico este trabalho às pessoas mais importantes da
minha vida, meus pais João Roque e Cleonice, e
meus irmãos, Di e Ju, que sempre confiaram no meu
potencial. Não conquistaria nada se não estivessem
ao meu lado. Obrigada por estarem presentes, em
todos os momentos, me dando carinho, apoio,
incentivo, determinação, fé e principalmente Amor.
Vivo por vocês.
5
AGRADECIMENTOS
Acima de tudo a Deus, que sempre esteve comigo e me privilegiou exercer esta
profissão.
Aos meus pais, por toda a estrutura. Pela confiança e pelo amor que me fortalece.
Aos amigos que fiz durante a graduação e particularmente as amigas que dividiram
suas vidas (e o lar) comigo: Carol, Gi e Du. Obrigada pelo carinho, considero-as verdadeiras
irmãs.
Aos colegas de estágio e principalmente a Vânia Frigotto, pelo conhecimento
profissional e SUPERvisão.
A todos os meus professores, em especial à professora Marize, que foi uma
orientadora exemplar, sempre presente, tendo muita paciência, esclarecendo minhas dúvidas
com competência, confiança e conhecimento.
Agradeço a todos que me ajudaram no que foi preciso.
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"Não sois máquinas! Homens é que sois!” Charles Chaplin
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PARIS, CAROLINA DE. A ideologia neoliberal e a flexibilização do trabalho no Brasil: um estudo aproximativo. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Serviço Social). Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Universidade Estadual do Oeste do Paraná - Campus - Toledo, 2012.
RESUMO
Partindo de uma concepção marxiana de trabalho, compreendido como atividade laboral vital, dotada de sentido – o que não acontece sob a lógica do capital – buscou-se analisar as principais transformações ocorridas no mundo do trabalho ao longo do desenvolvimento do modo de produção capitalista, mais precisamente em seu momento dominante de acumulação – o toyotismo. O tema da pesquisa é “A Ideologia Neoliberal e a Flexibilização do Trabalho no Brasil: um estudo aproximativo”. A relevância da pesquisa se dá pelo fato de justificar a necessidade de o profissional Assistente Social permanecer atento às transformações da atualidade e a incidência dos fatos nos direitos sociais do trabalho. O questionamento norteador do estudo foi quais seriam as implicações do neoliberalismo nas relações de emprego do país. Neste sentido, a pesquisa teve como objeto de estudo a tendência de flexibilização do trabalho no capitalismo contemporâneo e o objetivo geral consistiu numa aproximação à ideologia neoliberal, às tendências contemporâneas de acumulação flexível bem como suas implicações na produção e nos direitos trabalhistas no contexto brasileiro. Para tanto o delineamento da investigação define-se como pesquisa bibliográfica, de caráter exploratório a partir de referencial teórico elaborado, com ênfase nas obras de Marx, José Paulo Netto, Ricardo Antunes, entre outros, bem como a análise da legislação trabalhista brasileira – Consolidação das Leis Trabalhistas e a Constituição Federal de 1988. No Brasil, a legislação social conquistada promoveu avanços importantes na direção da regulação pública do trabalho, mas tais avanços foram limitados. Os resultados da análise sobre a legislação constataram retrocessos sociais importantes traduzidos na flexibilização da regulamentação trabalhista, onde se criam mecanismos legais que imprimem ao trabalho uma falsa autonomia, num contexto em que o Estado adota um padrão de leis que favorece o pólo mais forte da relação capitalista, demonstrando que a justiça, como qualquer instituição burguesa, também sofre as determinações do mercado. Palavras-chave: Trabalho; transformações do trabalho; direitos do trabalho; neoliberalismo; flexibilização do trabalho.
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LISTA DE SIGLAS
BID Banco Interamericano de Desenvolvimento CF /88 Constituição Federal de 1988 CLT Consolidação das Leis Trabalhistas CUT Central Única dos Trabalhadores FAT Fundo de Aparo ao Trabalhador FGTS Fundo de Garantia do Tempo de Serviço FIPE Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas FMI Fundo Monetário Internacional IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada MP Medida Provisória OIT Organização Internacional do Trabalho OMC Organização Mundial do Comércio FED Federal Reserve Banks PLR Programa de Participação nos Lucros e Resultados RAIS Relação Anual de Informações Sociais
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................10
1. O MUNDO DO TRABALHO............................................................................................13
1.1 O TRABALHO...................................................................................................................13
1.2 O TRABALHO NO MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA........................................16
1.3 TRANSFORMAÇÕES DO TRABALHO: TRANSIÇÃO DO MODELO FORDISTA
PARA O TOYOTISTA..............................................................................................................18
2. O TRABALHO NO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO........................................23
2.1 O IDEÁRIO NEOLIBERAL..............................................................................................23
2.2 AS IMPLICAÇÕES DO IDEÁRIO NEOLIBERAL NOS DIREITOS DO
TRABALHO.............................................................................................................................26
2.2.1 A Questão da Flexibilização e Desregulamentação.....................................................30
3. AS RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL NO CONTEXTO NEOLIBERAL...32
3.1 AS CONQUISTAS TRABALHISTAS E AS RELAÇÕES DE TRABALHO NO
CENÁRIO BRASILEIRO........................................................................................................32
3.2 A TENDÊNCIA DE FLEXIBILIZAÇÃO DO TRABALHO NO BRASIL.......................36
3.2.1 Flexibilização dos Contratos de Trabalho....................................................................38
3.2.2 Flexibilização da Jornada de Trabalho........................................................................41
3.2.3 Flexibilização dos Salários.............................................................................................44
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................48
REFERÊNCIAS......................................................................................................................52 ANEXO I..................................................................................................................................56 ANEXO II................................................................................................................................57
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INTRODUÇÃO
Seria muito bom abordar o trabalho como meio de vida e de conquista da dignidade
humana, sem divisar o alívio do esforço do trabalho em face dos avanços tecnológicos e do
conhecimento científico que a humanidade conquistou ao longo da história. Contudo, o que se
constata no mundo real do trabalho é um distanciamento crescente entre práticas
organizacionais e direitos sociais conquistados. Este é o grande paradoxo que instigou à
pesquisa e que define o trabalho contemporâneo: sua combinação com a precariedade.
Neste sentido, a pesquisa teve como objeto de estudo a flexibilização das relações de
trabalho no capitalismo contemporâneo, tendo como questionamentos norteadores, quais
seriam as implicações do neoliberalismo nas relações de emprego no país. Como o ideário
neoliberal tem afetado a questão do trabalho? Essa ideologia tem contribuído para aprofundar
a precariedade das relações de emprego?
Na era da acumulação flexível, a flexibilização da regulamentação trabalhista é uma
das dimensões da flexibilização como conjunto de transformações nos moldes de produção
do capital, reafirmando que a acumulação de capital, por mais contemporânea que seja, não é
parceira da equidade e não rima com igualdade.
As tendências de desenvolvimento atuais, proclamadas no ideário neoliberal, parecem
tornar precárias as relações de trabalho. Aliás, porque há tantos dilemas do trabalho no
capitalismo contemporâneo? E porque, num contexto nacional, a ampla legislação trabalhista
parece não resolver os problemas advindos desta relação antagônica?
Para responder aos questionamentos traçou-se um objetivo geral, analisar a tendência
neoliberal e flexibilização das relações de trabalho no país - no que tange a sua regulação
pública, principalmente depois da proclamação da Constituição Federal de 1988 - através de
análise teórica. Para tanto o delineamento da investigação define-se como pesquisa
bibliográfica, de caráter exploratório, a partir de referencial teórico elaborado, possibilitando a
compreensão do mundo trabalho contemporâneo, a partir de análise empreendida por Marx e
diferentes autores do pensamento marxista.
No contexto da globalização mundial, sobre a hegemonia do grande capital financeiro,
testemunha-se uma revolução dos avanços tecnológicos, instaurando novos padrões de
produzir e gerir o trabalho, o que em contrapartida parece agravar as múltiplas expressões da
questão social, base sócio-histórica da requisição do profissional assistente social.
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Por ser o objeto da pesquisa motivo de intenso debate no Serviço Social é evidente a
necessidade de sintonizar a prática às transformações societárias do trabalho.
Refletir o trabalho na contemporaneidade conduz a indagações instigantes e
inevitáveis. O que aconteceu na história e socialmente para estarmos, hoje, frente a tantos
paradoxos? Porque os avanços da ciência e da tecnologia não têm se traduzido em emprego e
e desenvolvimento social de amplas parcelas da humanidade? Porque o aumento da
produtividade não tem se traduzido em redução da jornada de trabalho sem prejuízos para o
trabalhador?
A lógica de acumulação capitalista permanece a mesma das que regiam as relações de
trabalho do século XVIII, aprofundando a apropriação privada dos elementos da natureza e da
riqueza socialmente gerada, consolidando o mercado como eixo da sociedade. Esta lógica
limita as possibilidades do trabalho de se constituir um meio de desenvolver a dignidade, a
solidariedade e as potencialidades do ser humano.
Não há dúvida sobre os avanços nas sociedades democráticas que resultaram em
direitos sociais marcantes. No Brasil, desde a era Vargas - com a Consolidação das Leis
Trabalhistas, seus desdobramentos posteriores - até a Constituição de 1988. Ao longo do
tempo, houve inclusão social de diversos segmentos de trabalhadores, em maior ou menor
grau, bem como mudanças na configuração das relações de trabalho. Porém, se constatam
retrocessos sociais importantes traduzidos na crescente flexibilização nas normas trabalhistas.
Isso ocorre porque se mantém a relação capitalista em essência, ao tempo que se forjam
mudanças superficiais, através de diferenciados estatutos de trabalhadores, confundindo
figuras sociais básicas que orientam a vigência e a aplicação das leis.
Para nortear os procedimentos da pesquisa e analisar a legislação trabalhista foi
definido um plano de trabalho que fundamentou todo o processo e o delineamento
metodológico utilizado na investigação foi definido enquanto pesquisa bibliográfica, de
caráter exploratório. O levantamento bibliográfico fez-se por categorias de análise, sendo as
seguintes: o trabalho, o modo de produção capitalista, o neoliberalismo e outras que
suscitassem satisfatoriamente o problema. Os autores que abrangem o aspecto teórico desta
pesquisa foram o seguinte: prioritariamente as obras de Marx, para compreensão o caráter
social do trabalho; José Paulo Netto, por possuir uma extensa obra da economia política e;
Ricardo Antunes, para análise das formas contemporâneas de exploração. Em suma, toda
fundamentação marxista elege o trabalho como categoria conceitual básica de interpretação
do social.
A maior parte das referências foi localizada na própria biblioteca do campus Toledo. A
12
coleta de dados deu-se a partir das leituras e sistematização das bibliografias por fichas. Desta
forma, a pesquisa está organizada em três capítulos.
No primeiro capítulo busca-se compreender a concepção de trabalho em Marx, a
constituição do modo de produção capitalista e as principais transformações do trabalho no
capitalismo contemporâneo.
Quanto ao segundo capítulo, apresenta-se o ideário neoliberal e suas implicações nas
relações de trabalho.
O terceiro capítulo analisa as relações de trabalho no contexto nacional além de
indicar marcos da tendência de flexibilização do trabalho no pós-constituinte, bem como as
principais mudanças legislativas que afetaram a regulação dos padrões de contratação, jornada
e salários no país. Para análise da legislação foram utilizadas a CLT e a CF/88. Por fim,
apresenta-se uma síntese dos principais resultados à título das considerações finais.
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1 MUNDO DO TRABALHO
1.1 O TRABALHO
O debate sobre a categoria trabalho deste item tem como fundamento as obras de Karl
Marx e de pensadores marxistas1. Foi a partir da concepção de trabalho, contida nas obras dos
economistas políticos considerados clássicos2, bem como nas formulações idealistas dos
filósofos alemães, destacando Hegel, que Marx começa a desenvolver sua crítica sobre a
formulação teórica desses pensadores de uma forma mais ampla, em particular, sobre o
conceito de trabalho.
Marx parte da análise da realização do trabalho como expressão de um processo de
transformação da natureza pelo homem, e que, consequentemente, transforma o próprio
homem. Na mediação orgânica entre homem e natureza é que são realizadas as necessidades
humanas. Pela atividade humana sobre a natureza, através do processo de trabalho, o homem
realiza uma transformação que apresenta um determinado fim sobre o objeto.
O processo de trabalho é concluído ao realizar-se num produto3 que, conforme
esclarece Marx, só terá sentido se atender a uma necessidade. Partindo desta premissa, o
trabalho é compreendido por Marx enquanto, [...] um processo de que participam o homem e a natureza[...], processo em que o ser humano com sua própria ação impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza[...], defronta-se com a natureza como uma de suas forças.[...] Põe em movimento as forças naturais de seu corpo, braços e pernas, cabeça e mãos, a fim de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhes forma útil à vida humana.[...] Atuando assim sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua própria natureza. (MARX, 1994, p. 13)
Marx afirma, neste sentido, que o homem também humaniza os próprios sentidos com
a realização do trabalho. A transformação da natureza, dos meios naturais em meios sociais,
implica para o homem a transformação de si mesmo,
1 NETTO, ANTUNES, LESSA, etc., são exemplos. 2 Por exemplo, Adam Smith. (SMITH, 2003). 3 O produto é, portanto, expressão da conclusão do processo de trabalho humano sobre a natureza, que Marx denomina “valor de uso” (MARX, 1987).
14
[...] atuando sobre o mundo exterior e modificando-o, ao mesmo tempo modifica a sua própria natureza. Ele desenvolve seus poderes inativos e compele-os a agir em obediência à sua própria autoridade [...]. (MARX, 1994, p. 17)
Ao longo do tempo e a partir do trabalho o ser humano desenvolveu novas formas de
pensar, sentir e agir, consolidadas na apropriação daquilo que foi produzido no decorrer de seu
desenvolvimento enquanto gênero humano. Sua atividade de consciência formada, com base
nas relações sociais promovidas pelo trabalho, tornou-se condição da natureza social do
homem. Assim, a partir do trabalho o homem constituiu-se um ser social e passa a viver em
sociedade para ter maiores chances de sobrevivência - por isso Marx desmistifica o trabalho
como produto de um indivíduo e o qualifica como trabalho social, como uma propriedade do
trabalho que consiste na inseparável ligação da atividade laboral com a forma social da
existência do homem. (MARX, 1994)
Desde as comunidades primitivas4 o homem apropria-se da natureza e a transforma
para suprir necessidades elementares da vida. Nessas primeiras sociedades, o trabalho tinha
caráter solidário, coletivo e os homens buscavam minimamente seus meios de subsistência.
Mas, numa evolução de milhares de anos acabaram por, por exemplo, descobrir a agricultura
e a pecuária.
Devido aos progressos que tornavam o trabalho cada vez mais produtivo, os homens
descobriram que podiam acumular produtos do trabalho, passando a produzir mais do que o
necessário para sobreviver. Esta foi à descoberta do excedente de produção, ou excedente
econômico. Segundo definição de Netto, esse excedente é “[...] a diferença entre o que a
sociedade produz e os custos dessa produção” (Netto, 2007, p. 56)
Conforme apresenta a teoria social crítica, a descoberta do excedente da produção é a
gênese da exploração do trabalho. A descoberta de acumular a produção torna
economicamente possível a exploração do homem pelo homem, fazendo surgir uma divisão
de classes5.
Segundo afirmação de Lessa: Com a descoberta da agricultura e da pecuária, surgiu o excedente
4 As primeiras civilizações podem ser designadas, segundo Netto, como comunidades primitivas, cujo aparecimento inicial deu-se às margens do Nilo e do Eufrates e na Índia e na China (NETTO, 2007, p. 55). 5 As classes sociais são determinadas primeiramente pela sua condição de proprietárias ou não dos meios de produção fundamentais (NETTO, 2007, p. 67).
15
econômico e com isso tornou-se lucrativa a exploração do homem pelo homem. É assim que os homens se dividiram, então, em duas classes sociais antagônicas (isto é, cujos interesses são opostos), os que trabalhavam e os que se apropriavam do fruto do trabalho. (LESSA, 2011, P. 60)
A descoberta do excedente econômico operou uma revolução na vida das comunidades
primitivas, sobretudo pela possibilidade de acumular os produtos do trabalho, pois, posto o
excedente, descobriram que valia a pena também escravizar e explorar homens. Foi pelo
desenvolvimento das forças produtivas6, das trocas entre os grupos humanos e a apropriação
da riqueza por aqueles que passaram a explorar os produtores diretos, que a comunidade
primitiva entra em dissolução. A partir da existência da escravidão humana a civilização se
baseia na exploração de uma classe pela outra e todo seu desenvolvimento se opera de forma
contraditória.
Os modos de produção que sucedem o primitivo são o escravista7 e o feudal8. As
relações sociais, a partir de então, passaram a ser presididas pelo antagonismo entre detentores
ou não dos meios fundamentais de produção. No caso do escravismo, os escravos eram
propriedade dos senhores e por isso obrigados a trabalhar e servir; no feudalismo, os
trabalhadores eram livres, mas não dispunham dos meios de produção, portanto, dependiam
dos senhores feudais por estes serem os detentores da matéria prima e ferramentas
necessárias. Assim passaram a existir duas classes antagônicas: dos proprietários dos meios
fundamentais de produção e dos que só possuíam a força de trabalho a ser vendida,
instituindo-se o modo de produção capitalista.
Ressalta-se que o trabalho foi assumindo formas particulares nos diversos modos de
produção que surgiram ao longo da história da humanidade. Nas sociedades primitivas teve
caráter solidário, coletivo e nas sociedades de classe – no modo de produção capitalista - o
trabalho tornou-se objeto de troca, tornando as relações de trabalho mais complexas, por
compreender um sistema econômico em que os meios de produção são de propriedade privada
e o trabalho desempenha o papel de uma mercadoria.
6 “A produção de bens realiza-se através do processo de trabalho, que envolve os seguintes elementos: a) os meios de trabalho: que é tudo aquilo de que se vale o homem para trabalhar(instrumentos, ferramentas, instalações), bem como a terra, que é um meio universal do trabalho; b) os objetos do trabalho: tudo aquilo(matérias naturais) sobre que incide o trabalho humano; e c) a força de trabalho. O conjunto desses elementos designa-se por ‘forças produtivas’”. (NETTO, 2007, p. 58). 7 No Ocidente, estrutura-se por volta de 3000 anos antes de Cristo, configurando o Mundo Antigo, que perdurará até a queda do Império Romano. O escravismo representou a sociedade polarizada entre os senhores e os escravos. 8 No Ocidente, teve vigência até o último terço do segundo milênio da era cristã. O feudalismo representou a sociedade polarizada entre os senhores feudais e servos.
16
1.2 O TRABALHO NO MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA
O sistema capitalista vem se desenvolvendo através de estágios ao longo de sua
história. Segundo Netto (2007), se buscássemos estabelecer uma periodização histórica do
desenvolvimento do capitalismo, registraríamos “primeiro a existência de um estágio que
começa com a acumulação primitiva9 e vai até os primeiros passos do capital para controlar a
produção de mercadorias e, nela, comandar o trabalho, mediante o estabelecimento da
manufatura10, cobrindo do século XVI a meados do século XVIII” (2007, p. 170).
Trata-se do início do capitalismo, no qual o grupo social dos comerciantes/mercadores
foi decisivo (por isso esse estágio foi designado de capitalismo mercantil, ou comercial). No
curso deste estágio nasce a burguesia, especialmente destes grupos mercantis que acumularam
grandes capitais comerciais.
Na segunda metade do século XIX o sistema capitalista entra num novo estágio
evolutivo, de mudanças políticas e técnicas (onde irrompeu a Revolução Industrial11), e o
capital passa a organizar a produção através da nascente grande indústria12.
Assim, conforme aponta Netto, configura-se o segundo estágio do sistema capitalista
denominado “capitalismo concorrencial” 13, também chamado “liberal” ou “clássico”, “que
vai até o último terço do século XIX” (NETTO, 2007, P. 170). No decurso desse período, de
cerca de cem anos, o modo de produção capitalista se consolida nos principais países da
Europa Ocidental.
Sob o capitalismo concorrencial surgem as lutas de classes modernas, fundadas na
contradição crescente entre capital e trabalho. “A violência dos primeiros protestos operários
era a reação inevitável à brutalidade da exploração capitalista” (NETTO, p. 172), pois
9 Comunidade que perduraram por mais de trinta mil anos, porém, gestaram-se em seu interior os elementos que responderiam por sua dissolução, como por exemplo, a domesticação de animais e o surgimento da agricultura. (NETTO, 2007, p. 56) 10 Manufatura é um sistema de fabricação de grande quantidade de um mesmo produto de forma padronizada e em série. 11 A Revolução Industrial significou um grande avanço no processo de produção de bens. Com ela a manufatura cedeu definitivamente lugar à fábrica, que multiplicou a produção em escala nunca antes verificada, foi um fenômeno de mecanização dos meios de produção onde o trabalho artesanal foi substituído pelas máquinas, que passaram a produzir em grande quantidade com a fábrica e suas modernas máquinas a vapor. 12 É através da grande indústria que o capitalismo concorrencial cria o mercado mundial, onde os países mais avançados estabelecem vínculos econômicos e culturais entre grupos humanos separados por milhares de quilômetros, o capitalismo consolidar-se-ia num sistema econômico internacional, mais exatamente uma economia mundial. (NETTO, 2007, p. 171) 13 Conforme Netto, o capitalismo concorrencial leva esse nome em função das amplas possibilidades de negócios que se abriam aos pequenos e médios burgueses e da concorrência cada vez maior entre eles (2007, p. 172).
17
inexistiam quaisquer garantias para os trabalhadores14, indefesos diante da ambição burguesa.
Os trabalhadores estavam à mercê dos patrões, já que o Estado Burguês15 atendia
praticamente apenas aos interesses do capital16.
Na segunda metade do século XIX, as ações políticas sofrem substanciais
transformações resultantes de eventos revolucionários (pois as vanguardas operárias ganham
consciência de classe, do antagonismo entre proletariado e burguesia). Junto a mudanças de
natureza sociopolíticas, na segunda metade do século XIX, operavam-se intensamente outros
processos17, de ordem científico-técnico e econômica, que incidiam significativamente nas
relações de trabalho.
Ao longo deste estágio (concorrencial) a classe capitalista foi se diferenciando em
razão do volume de capital nas mãos de cada capitalista (pois havia pequenos, médios e
grandes capitalistas). Foi pela acumulação de capital na mão de poucos que, conforme aponta
Netto (2007), surgiram os monopólios na segunda metade do século XIX; O aparecimento, em menos de trinta anos, de grupos capitalistas nacionais controlando ramos industriais inteiros, empregando enormes contingentes de trabalhadores e influenciando decisivamente nas economias nacionais alterou extraordinariamente a dinâmica econômica [...]. (NETTO, 2007, p. 177).
O surgimento destes monopólios industriais ocorreu mais ou menos simultaneamente à
mudança do papel dos bancos na economia, estes que antes faziam a intermediação dos
pagamentos do capital para o trabalho no capitalismo, tornam-se peças básicas do sistema de
crédito, passando a controlar grandes massas monetárias. Essa fusão de monopólios
(monopólios industriais e monopólios bancários) que começa a se efetivar nos últimos anos
do século XIX constitui o que se denomina de “capital financeiro”, ou o “estágio imperialista” 14 Não havia (o que hoje denominamos de) direitos do trabalho. A resposta do Estado para a questão do trabalho só passou a ser enxergue com as reivindicações trabalhistas. 15 Netto(2007, p. 173)”[...] aponta como funções do Estado Burguês apenas “as tarefas repressivas”, que chama de “condições externas para a acumulação capitalista”: a manutenção da propriedade privada e da “ordem pública”, isso não significa um Estado alheio à atividade econômica, pelo contrário: é o Estado remetido à teoria liberal: um Estado com mínimas atribuições repressivas, mas que, ao assegurar condições de acumulação ao capital, intervinha no exclusivo interesse do capital.” 16 Como afirma Netto (2007, p. 174) “[...] foi somente a ação dos trabalhadores que forçou a lenta democratização da sociedade burguesa: a democracia política foi uma conquista do movimento operário[...]”; é interessante sublinhar que a democracia política foi uma conquista histórica e exclusiva do movimento operário, já que a ideologia burguesa teima em mistificar a construção da democracia sob liberalismo. Analisar a história mostra claramente o caráter antidemocrático do capitalismo, só a pressão das massas o torna (ainda que falsamente) democrático. 17 Segundo Nikitin(apud NETTO, 2007, p. 176), “[...] o desenvolvimento das forcas produtivas fez grandes progressos no ultimo terço do século XIX”: na siderurgia[...], da indústria[...], nos transportes[...], na energia elétrica[...], na industria pesada[...].”
18
do capital (NETTO, 2007). Este estágio que se gestou, conforme o autor, nas três últimas
décadas do século XIX, experimentou transformações significativas por todo o século XIX e
se prolonga no início do século XXI.
Assim, uma vez controlada a economia, ou seja, controlados os mercados dos seus
próprios países, as empresas monopolistas tratam de ganhar mercados externos e nessa
perspectiva conseguem, como afirma Netto, “dividir entre si as regiões do mundo que
pretendem subordinar a seus interesses” (2007 p. 182).
Na trajetória de pouco mais de um século, o sistema capitalista sofreu significativas
transformações18. Mas a mudança que merece maior atenção dos estudiosos, como refere o
mesmo autor, “diz respeito à própria organização do trabalho industrial” (NETTO, 2007, p.
197) onde o mesmo se tornou homogeneizado, verticalizado e mecanizado.
1.3 TRANSFORMAÇÕES DO TRABALHO: TRANSIÇÃO DO MODELO FORDISTA PARA O TOYOTISTA
Para compreender o estágio do capitalismo e as relações de trabalho nos dias atuais
faz-se necessário analisar a transição do modelo de acumulação capitalista intitulado fordismo
para outro didaticamente oposto, o toyotismo.
O termo fordismo, criado por Antonio Gramsci19 em 1922, refere-se aos sistemas de
produção em massa e gestão idealizados em 1913 pelo empresário Henry Ford (1863-1947),
fundador da Ford Motor. O fordismo significou a organização do trabalho fabril, configurado
no incremento da mecânica no modo de produção. Esse modelo revolucionou a indústria
automobilística a partir de 1914 por introduzir as primeiras linhas de montagem
automatizadas nas fábricas. Tratou-se de uma forma de racionalização da produção baseada
em inovações técnicas e organizacionais que se se articulavam tendo em vista, de um lado a
produção em massa e, do outro, o consumo em massa.
Esse modelo, padrão dominante na indústria da segunda fase do estágio imperialista,
de acumulação de capital, é entendido por Antunes (1999) um trabalho parcelar e
fragmentado:
18 Podemos distinguir pelo menos três fases no imperialismo: a fase clássica, que segundo Mandel, vai de 1890 a 1940; os “anos dourados” do capitalismo(1949-1975) e o capitalismo contemporâneo, que vai até os dias atuais. Para aprofundar os estudos ver Netto, 2007, cap. 8. 19 GRAMSCI, Antonio. “Americanismo e fordismo”, 1978.
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[que implicou...] a decomposição das tarefas que reduzia a ação operária a um conjunto repetitivo de atividades. [...] Esse processo produtivo caracterizou-se, portanto, [...] numa separação nítida entre elaboração e execução. Para o capital, tratava-se de apropriar-se do savoir-faire do trabalho, ‘suprimindo’ a dimensão intelectual do trabalho operário, que era transferida para as esferas da gerência científica. A atividade do trabalho reduzia-se a uma ação mecânica e repetitiva. (ANTUNES, 2007, p. 36-37).
Segundo o autor acima o modelo fordista de acumulação capitalista se iniciou nos
primeiros anos do século XX (como resposta ao esgotamento ao antigo modelo de
acumulação), como sendo “a constituição/consolidação do operário-massa”, isto é, a
constituição do trabalhador coletivo fabril. Um bom exemplo deste novo proletariado é a
interpretação de Charlie Chaplin, no filme Modern Times, de 1936.
No auge do fordismo, nas décadas de 1950 e 1960 após um período próspero de
acumulação, o capital passou a dar sinais de um quadro crítico e o modelo de acumulação
progressivamente passa a mostrar seus limites. Foi por mais uma de suas crises estruturais20
que o capital impulsionou, principalmente nos anos 1980, uma gama de transformações sócio-
históricas que afetam das mais diversas formas a estrutura social.
A partir da década de 1980 o capital busca várias formas de reestabelecer seu padrão
de acumulação e administra um amplo processo de reestruturação produtiva, com vistas a
recuperar seu ciclo próspero de acumulação. Neste contexto, entende-se por reestruturação
produtiva o conjunto de transformações que vêm ocorrendo na indústria, seja de ordem
técnica, do ponto de vista do trabalho e/ou na lógica espacial, que possibilita o capitalismo
remediar suas crises e criar novas possibilidades de acumulação. (NETTO, 2007)
Desde 1980 esboçou-se nos países industrializados um novo padrão de
desenvolvimento denominado toyotismo, baseado na tecnologia da informação. Este modelo
de organização da produção surgiu no Japão após a Segunda Guerra Mundial e se
desenvolveu a partir da globalização do capitalismo na década de 1980.
O toyotismo – ou acumulação flexível - vem em substituição ao fordismo e Harvey a
esclarece como: A acumulação flexível [...] se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e,
20 As crises do capital são cíclicas. A cada nova crise (quando a taxa de lucro deixa de crescer) o capitalismo encontra formas de se reerguer, com novas formas de produzir, de distribuir, etc.
20
sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. (HARVEY, 1992, p. 21)
Antunes complementa, ao distinguir este novo modelo do anterior, basicamente, pelos
seguintes traços: a) a produção é vinculada à demanda21; b) o trabalho operário é em equipe, com multivariedade de funções, em contraste com o caráter parcelar do fordismo; c) o processo produtivo é flexível e possibilita ao operário operar simultaneamente várias máquinas; d) tem como princípio o just in time22; e) funciona segundo o sistema kaban23; f) as empresas têm uma estrutura horizontalizada, ao contrário da estrutura verticalizada fordista24; g) contempla o “emprego vitalício”, pelo qual o trabalhador aos 55 anos é deslocado para trabalho menos relevante, como também institui a prática de ganhos salariais vinculados ao aumento da produtividade; h) na empresa são organizados os denominados Círculos de Controle de Qualidade (CCQs), constituindo grupos de trabalhadores que são instigados pelo capital a discutir seu trabalho e desempenho, com vistas a melhorar a produtividade das empresas, convertendo-se num instrumento para o capital apropriar-se do savor faire25 intelectual e cognitivo do trabalho, que o fordismo desprezava. (ANTUNES, 2010).
Opondo-se a rigidez do modelo fordista, a acumulação flexível vem trazer maior
maleabilidade à acumulação capitalista. Porém, conforme afirmação do mesmo autor, o
incremento do setor tecnológico baseado na empresa enxuta vem trazendo consequências para
o mundo do trabalho, tais como:
a) a expansão daquilo que Marx denominou de “trabalho social combinado”, em que
trabalhadores de diversas partes do mundo26 participam do processo de produção e de
serviços;
b) o incremento do “novo proletariado” (ANTUNES, 2010), do sub-proletariado fabril e de
21 Enquanto a produção fordista se dá em série e em massa, a produção toyotista é bastante variada e heterogênea. 22 O melhor aproveitamento possível do tempo de produção. É o famoso ditado “tempo é dinheiro”. 23 Utiliza-se de placas ou senhas de comando para reposição de peças e de estoque (pois os estoques são mínimos, em comparação com o fordismo); 24 Enquanto na fábrica fordista aproximadamente 75% da produção era realizada no seu interior, a fábrica toyotista é responsável por somente 25 % da produção; a fábrica prioriza o que é central em sua especialidade e transfere o restante a terceiros; a horizontalização estende-se às subcontratadas (terceirizadas), acarretando a expansão dos métodos e procedimentos para toda a rede de fornecedores. 25 O termo traduzido quer dizer “saber fazer”. 26 É a descentralização da produção na qual as indústrias (sob a alegação da concorrência internacional) movimentam geograficamente suas unidades de produção objetivando fugir das regulamentações, além da possibilidade de oferecer menor remuneração do trabalho. (ANTUNES, 2007)
21
serviços, o que tem sido denominado mundialmente de trabalho precarizado e que se compõe
de terceirizados, subcontratados, trabalhadores em part-time e várias outras formas
assemelhadas em todo o mundo;
c) o preenchimento dos postos de trabalho precários, inicialmente, por imigrantes e hoje até
mesmo por trabalhadores especializados e remanescentes da era fordista;
d) significativo aumento do trabalho feminino (mais de 40% da força de trabalho nos países
avançados), que tem sido preferencialmente absorvido no universo do trabalho precário e
desregulamentado;
e) incremento dos assalariados médios e de serviços, embora esse setor já presencie também
níveis de desemprego acentuado;
f) inclusão de crianças no mercado de trabalho, particularmente nos países de industrialização
intermediária e subordinada, como os asiáticos e latino-americanos. (ANTUNES, 2007)
Este processo incidiu na classe trabalhadora que, conforme afirmação de Antunes
sofreu significativas metamorfoses,
[adveio] uma classe trabalhadora mais heterogênea, fragmentada, heterogeneizada e mais complexificada, dividida entre trabalhadores qualificados e desqualificados, do mercado formal e informal, jovens e velhos, homens e mulheres, estáveis e precários, imigrantes e nacionais, brancos e negros etc., sem falar nas divisões que decorrem da inserção diferenciada dos países e de seus trabalhadores na nova divisão internacional do trabalho. (ANTUNES, 2010, p. 198).
Pochmann (1999) avalia as características que envolvem aquilo que chamou de
reestruturação capitalista e os seus efeitos no emprego e na produtividade sistematizadas no
quadro 1 a seguir:
Quadro 1 - Características da atual estratégia de reestruturação capitalista e os seus efeitos no emprego e na produtividade
Características Conteúdo Efeitos no emprego Efeitos na produtividade
Conduta empresarial Desverticalização da produção, focalização em atividades competitivas e lançamento de novos e diversificados produtos.
Redução do emprego direto e maior
subcontratação de trabalhadores.
Produtividade aumenta.
Investimentos em tecnologia
Mudança na base técnica de
produção.
Redução do emprego direto na produção.
Produtividade e qualidade aumentam.
Novas relações de produção
Alteração da organização da produção - just in
Redução do emprego no controle de qualidade,
Rapidez nas decisões sobre o que e quanto
22
time, lay out, logística, redução
do tamanho da planta, terceirização e parcerias
com fornecedores.
na manutenção, na administração e controle
de estoques, entre outros.
produzir.
Novas formas de gestão dos recursos humanos
Alteração da organização interna do trabalho, com redução de hierarquia,
trabalho em ilhas, trabalho
mais qualificado no núcleo
estável e pouco qualificado
nas atividades secundárias.
Redução do emprego nos segmentos
administrativos e de supervisão.
Maior treinamento dos empregados, eventual
estabilidade e alteração na jornada no trabalho.
Mudanças no sitema de relação de trabalho
Formas participativas nas decisões empresariais,
com incentivos monetários de acordo
com meta de produção, negociação
descentralizada para o núcleo estável dos empregados, tendo
remuneração nos postos secundários a referência no salário mínimo e a
perda de vantagens sociais
Redução do emprego regular nas atividades
secundárias (segurança, alimentação, transporte, limpeza, entre outras).
Maior disciplina e eficiência no trabalho, com crescimento do espírito de corpo dos
funcionários.
Fonte: Pochmann, 1999.
O autor defende a idéia de que as principais características do processo de
reestruturação capitalista estão diretamente relacionadas aos ganhos de produtividade das
empresas, competitividade e à redução do emprego. De um lado, postos tradicionais são
eliminados por força dos investimentos em novas tecnologias, na racionalização das técnicas
de produção e em novas formas de gestão dos recursos humanos; de outro lado, os empregos
que permanecem ou são criados também acabam afetados com a incessante busca por maior
produtividade e competitividade e mais qualidade dos produtos. Em outras palavras, a
necessidade de progressivos ganhos de produtividade, imposta pela concorrência desregulada,
leva a novos e freqüentes programas de redimensionamento dos postos nas empresas,
resultando num número elevado de rotatividade dos empregos.
23
2 O TRABALHO NO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO
2.1 O IDEÁRIO NEOLIBERAL
As relações de trabalho estão em constante transformação e suas sinuosidades
contemporâneas são bem diferentes das que despontavam nas sociedades escravistas ou nos
primórdios da industrialização. As modificações, principalmente no trabalho industrial, são
resultados de processos sócio-históricos estruturais, de longa duração, na busca do capital
para sua manutenção na hegemonia do mercado.
O capital impõe desafios constantes para a sociedade em seus rearranjos e a impressão
que se tem é a de que a cada dia se experimenta um “mundo novo para o trabalho” 27. Por
estas constantes transformações Netto (2007) declara que “[...] se nos anos dourados do
capitalismo as cidades se metropolizaram e a produção mecanizou, no capitalismo
contemporâneo elas vem passando por reestruturações, pilotadas pela reestruturação
produtiva”. (NETTO, 2007, p. 236).
Para legitimar as estratégias de reestruturação atual o capitalismo global vem
proliferando um conjunto ideológico difundido sob a designação de neoliberalismo. O cenário
para difusão deste projeto tem como pano de fundo a crise financeira e do comércio
internacional que os países industrializados experimentam desde a década de 80 e que,
associada a baixas taxas de lucro, exigiu mudanças significativas no processo de produção.
A ascendência do modelo neoliberal como forma de enfrentar a crise não se realizou
do dia para a noite, levou mais ou menos uma década, desde quando a maioria dos governos
de países desenvolvidos procurou antídotos à crise econômica, além de conjeturar estratégias
ideológicas para legitimá-las.
Este ideário ganha força e visibilidade com o Consenso de Washington28. Na ocasião,
a líder do Reino Unido Margareth Thatcher29 e o presidente dos Estados Unidos Ronald
Reagan, propuseram os procedimentos do neoliberalismo para todos os países, destacando que 27 Grifo nosso. Mundo novo para o trabalho por atribuírem-se novas formas de produzir, pois a relação capital x trabalho sempre apresentou-se como antagônica na dinâmica capitalista esse antagonismo permanece constante desde a ascendência desse modo de produção. 28 Em novembro de 1989 reuniram-se, em Washington, funcionários do governo norteamericano e dos organismos financeiros internacionais ali sediados (Fundo Monetário Intenacional [FMI], Banco Mundial e Banco Interamericano de Desenvolvimento[BID]), para fazer uma avaliação das reformas econômicas empreendidas na América Latina. As conclusões e recomendações dessa reunião passaram a ser conhecidas como o Consenso de Washington. 29 O primeiro regime de um país de capitalismo avançado publicamente empenhado em pôr em prática o projeto do neoliberalismo foi o eleito governo Thatcher, na Inglaterra.
24
os investimentos nas áreas sociais deveriam ser direcionados para as empresas, como forma
de escapar da crise. Esta prática, segundo eles, seria fundamental para movimentar a
economia.
Neste sentido, Anderson (1995) explana o que na prática, os governos deste período
fizeram: Os governos Thatcher contraíram a emissão monetária, elevaram as taxas de juros, baixaram drasticamente os impostos sobre os rendimentos altos, aboliram controles sobre os fluxos financeiros, criaram níveis de desemprego massivos, aplastaram greves, impuseram uma nova legislação anti-sindical e cortaram gastos sociais. E, finalmente [...], se lançaram num amplo programa de privatização, começando por habitação pública e passando em seguida a indústrias básicas como o aço, a eletricidade, o petróleo, o gás e a água. [...] Esse pacote de medidas é o mais sistemático e ambicioso de todas as experiências neoliberais em países de capitalismo avançado. (ANDERSON, 1995, p. 09-23)
Na ocasião do Consenso de Washington houve também uma série de recomendações
especialmente dedicadas aos países pobres. Segundo Soares (2002) explicita, essas
recomendações exigiam: “a redução de gastos governamentais, a diminuição dos impostos, a
abertura econômica para importações, a liberação para entrada do capital estrangeiro,
privatização e desregulamentação da economia”.
A reestruturação produtiva autentica diversas estratégias do neoliberalismo e tem
alcançado os países capitalistas a partir dos anos 1980, sendo uma resposta ao esgotamento do
padrão de crescimento, em que a reação à crise é comandada pela busca de flexibilidade em
todos os espaços da produção.
Para tanto, a reação por parte do capital consistiu em recuperar o controle do mercado
e otimizar o uso da força de trabalho disponível. Isso se evidencia na análise das novas formas
de produção30 e pela reconfiguração da regulação das relações de trabalho que, muitas vezes
com apoio dos governos, vem diminuindo as restrições ao ajuste do nível de emprego e
remuneração, bem como a gestão interna de cargos e funções.
É nesta perspectiva econômica que a proliferação da proposta neoliberal tem tido um
amplo consenso na visão do empresariado, sobre a excelência das reformas iniciadas. Além
das grandes transformações na ótica da produção, que se torna mais flexível, as
recomendações almejam uma abertura econômica, uma flexibilização e/ou desregulamentação 30 A transição do modelo fordista para o toyotista é uma das mais importantes transformações do trabalho no capitalismo contemporâneo, conforme descrito no primeiro capítulo da pesquisa.
25
das normas trabalhistas, pressupondo uma série de outras maleabilidades ao capital, na qual as
mudanças na produção condizem com as estratégias econômicas e ideológicas do ideário
neoliberal.
O incremento massivo do setor tecnológico na produção apresenta conformidade com
as exigências neoliberais. Como já analisado no capítulo anterior, o padrão de regulação
fordista começou a dar sinais de esgotamento em meio à crise estrutural vivida pelo capital
nos anos de 1970, e a partir de então, esse modelo de padrão passa a conviver ou mesmo a ser
substituído por modelos considerados mais enxutos e flexíveis, adequando a produção às
novas exigências capitalistas de um mercado cada vez mais globalizado.
A tendência neoliberal desencadeou a disseminação de ideologias e uma cultura de
consumo - onde a mídia, especialmente a TV, têm sido instrumentos decisivos de constituição
e hegemonia do sistema – que disseminam o rótulo de “globalização”. Essa imagem de país
globalizado, que segue às tendências ocidentais, garante o consentimento e a legitimação
dessas políticas econômicas diante de amplos segmentos, evitando uma radicalização da luta
de classes.
Este argumento expressa como o capital utiliza-se de elementos ideológicos para
difundir e manter seu modelo hegemônico de organização econômica, política e social (num
mundo tão inseguro e violento, cujo sentido não se orienta para o atendimento das
necessidades sociais da maioria das pessoas, mas para o valor de troca e a rentabilidade do
capital),
Verifica-se, nos últimos anos, uma grande publicidade em torno da globalização,
disseminando uma falsa ideia de expansão e integração do capital como fenômeno
radicalmente novo destinado a resolver todos os problemas. Neste contexto, a maior
adversidade que se coloca é que pela competitividade existente entre os grandes monopólios,
o capitalismo vem demonstrando “uma perda considerável da autonomia dos Estados na
regulação da economia” conforme afirmação de Soares (2002).
Nesta circunstância, “sustentando a necessidade de ‘diminuir’ o Estado cortando suas
‘gorduras’, [o grande capital] justifica o ataque que vem movendo contra as dimensões
democráticas da intervenção do Estado na economia.” (NETTO 2007, p. 227)
Neste sentido, além das transformações nos moldes de produção, com o advento do
receituário e da pragmática neoliberal, desencadeou-se também a tendência de flexibilizar
distintas esferas, inclusive a legislativa. Assim, Antunes conceitua neoliberalismo como “um
modelo que vem sendo adotado a partir dos anos de 1980, nos países ocidentais e que tem
como característica primordial o afastamento do Estado em relação à gestão de diversos
26
setores da economia”. (2001, p. 49)
Isso se verifica pelo acirramento da chamada reestruturação produtiva desde os anos
de 1980, num cenário de grande competitividade, no qual as empresas, tendo em vista sair da
crise – a redução dos custos de produção, maior variabilidade de suas mercadorias, melhoria
da qualidade de seus produtos e serviços e de sua produtividade - investem em mudanças de
ordem tecnológica e organizacionais, que repercutem nas relações e condições de trabalho.
Situação que demanda um Estado cada vez mais burguês, pois, na verdade o objetivo do
capital não é sua extinção, e sim a diminuição das funções estatais coesivas, tornando-se “um
Estado mínimo para o trabalho e máximo para o capital”, como afirma Netto. (2007, p. 207).
Assim, pode-se frisar que as propostas neoliberais se resumem em dois pontos básicos:
redução do tamanho do Estado e a abertura da economia. Para a teoria social crítica, isso
pressupõe a supressão dos direitos, enquanto que pelas teses defendidas pelo capital, a política
econômica, nas suas relações econômicas internas e externas, deve ser feita em nome da
soberania de mercado autorregulável, ou seja, pela famosa “mão invisível” 31.
2.2 AS IMPLICAÇÕES DO IDEÁRIO NEOLIBERAL NOS DIREITOS DO TRABALHO
Entender a ofensiva neoliberal sobre os direitos do trabalho requisita a compreensão
de como, historicamente, as lutas trabalhistas ganharam respaldo estatal.
A questão do trabalho se manifesta com maior relevância e visibilidade no contexto da
Revolução Industrial, depois do século XVIII, onde o desenvolvimento econômico gerado
pela industrialização crescia na mesma proporção que as mazelas sociais. A substituição de
trabalhadores por máquinas gerou uma onda de desemprego, resultando num grande número
de indivíduos vivendo na linha da miséria.
Conforme afirma Castel, “podemos compreender o pauperismo [como] ponto de
cristalização da questão social, e representa o dado histórico e inédito do século XIX” (1995,
p. 10).
Entende-se por questão social: [nada além das] expressões do processo de formação e desenvolvimento da
31 Termo introduzido por Adam Smith em 1776, na obra "A Riqueza das nações” (SMITH, 2003), para descrever como, numa economia de mercado, apesar da inexistência de uma entidade coordenadora, este se “autorregula”, alcançando um equilíbrio que segue a lei da oferta e da procura.
27
classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. É a manifestação no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de intervenção, mais além da caridade e repressão. (IAMAMOTO, 1991, p.77)
Nos primórdios da industrialização não havia qualquer regulamentação nas relações de
trabalho, e o livre acordo das partes acabava sendo injusto (haja vista que era o empregador,
polo mais forte da relação, quem determinava ou modificava a jornada, as condições de
trabalho e os salários, etc., conforme suas necessidades). Neste sentido, pode-se afirmar que
as primeiras conquistas trabalhistas tiveram consonância com o reconhecimento da questão
social por parte do Estado.
O grande contingente de indivíduos miseráveis gerava prejuízos ao Estado, que passa
a intervir e proporcionar um mínimo de proteção aos trabalhadores, garantindo que eles
tivessem condições de pelo menos se integrar no sistema. Ademais, as iniciativas por parte do
Estado corroboravam com as demandas da classe trabalhadora, que tomava consciência de sua
condição de explorada e organizava-se para reivindicar os direitos sociais.32
Reconhecida a exploração do trabalho como questão social, o Estado passa a regular a
relação (assimétrica) entre empregados e empregadores. Assim, a regulação pública do
trabalho objetivou dar limites legais à competição feroz do capitalismo, concebendo a
intervenção do Estado como um meio de elaborar um regulamento detalhado das condições de
trabalho, forçando as partes a buscarem a solução dos seus conflitos. Compreende-se neste
sentido, que a constituição de direitos do trabalho está intimamente ligada à efetiva regulação
pública das relações de trabalho.
Conforme descreve Gonzalez, O vínculo estreito entre regulação e direitos tem dois aspectos. Primeiro, a garantia de direitos estabelece um patamar mínimo para as condições de trabalho, limitando a pressão predatória pelo rebaixamento dos custos do trabalho; é o caso, por exemplo, do direito ao salário mínimo. Segundo, a capacidade de os mecanismos de regulação – poder das organizações de trabalhadores, alcance da inspeção e do sistema público de emprego – de fato condicionarem as relações de trabalho influencia a efetividade e a equidade no acesso a direitos. (GONZALEZ, 2008, p. 88)
32 Num contexto mundial, são exemplos marcantes dessas conquistas a Constituição Social Mexicana, em 1917; a Declaração Russa dos direitos do Povo Trabalhador e Explorado, de 1918; e a Constituição de Weimar, em 1919.
28
Os direitos formalmente legislados têm demonstrado muitas vezes ser insuficientes na
conjuntura atual. O trabalhador depende da venda da força de trabalho para garantir sua
subsistência - seja diretamente como empregado, seja indiretamente como trabalhador por
conta própria - e os efeitos da regulação do trabalho são sempre tensionados pela ameaça do
desemprego, que pressiona os trabalhadores a aceitar condições de trabalho piores,
remuneração mais baixa e contratos mais precários.
As características mais marcantes do desenvolvimento capitalista indicam que as mais
recorrentes formas de organização e exploração do trabalho notam-se pela informalidade de
contratos sociais. Estimativas de 2005 da Organização Mundial do Comércio (OMC) e da
Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre trabalhadores em situação de
informalidade diz que os “ilegais” compreendem mais da metade da força de trabalho da
América Latina e África e quase 80% na Ásia Subsaariana (o recorde ficou por conta da Índia,
que registrou 93,2%) (OIT, 2006). Em anexo 1 pode-se observar um quadro mundial do
trabalho.
Como indicado nas estatísticas, a tendência atual é a de encolhimento dos direitos
sociais em virtude de contratos e relações de trabalho ditas flexíveis, com poucos ou nenhum
embaraço legal para serem feitos e desfeitos. É nessa lógica que o Estado e as empresas que
naturalizam e normatizam a informalidade, os chamados “bicos”, tornando residual a
referência pelo protegido emprego estável.
O quadro abaixo, organizado por Pochmann (1999), esboça os efeitos da
reestruturação capitalista sobre o mundo do trabalho.
Quadro 2 Reestruturação produtiva e seus efeitos sobre o mundo do trabalho Efeitos Conteúdo Declínio do trabalho na produção A agricultura com o mínimo de ocupados, a indústria
perde participação absoluta e relativa no emprego total, enquanto os serviços
privados reduzem seus empregados devido aos investimentos em tecnologia, que são
racionalizadores de mão-de-obra. O emprego público é comprimido pelas políticas
neoliberais. Modificação na natureza do trabalho Drástica redução nas atividades manuais tradicionais e
expansão do emprego com múltiplas especializações funcionais.
Modificação no significado do trabalho As habilidades tornam-se rapidamente obsoletas, cresce o individualismo e diminuem os laços de
solidariedade entre os empregados e os desempregados.
29
Modificação no conteúdo do trabalho Torna-se cada vez maior a contradição do trabalho enquanto meio de satisfação das
necessidades sociais coletivas e meio de subsistência individual. Aumento do
terceiro setor, non profit sector etc. Mudança no mercado de trabalho (insegurança no trabalho, no emprego e na renda)
Crescem os requisitos de qualificação na contratação, redução do emprego estável,
emprego para poucos, maior desemprego e subemprego, ocupações atípicas,
individualização do salário e associação às metas de produção e vendas.
Mudança nas relações de trabalho Movimento de descentralização das negociações coletivas e insegurança na
representação sindical, com queda na taxa de sindicalização e nas greves.
Fonte: Pochmann, 1999.
Essas transformações são acompanhadas por profundas mudanças na esfera do Estado,
ditadas segundo parâmetros neoliberais, combatendo a ampliação das funções reguladoras do
Estado na vida social, em defesa do livre mercado.
No caso das relações de trabalho, Netto aponta que, “o objetivo do neoliberalismo é
suprimir sua regulação pública, objetivando romper com as restrições sociopolíticas que
limitam sua liberdade de movimento”. (NETTO, 2007, P. 227).
Neste contexto as novas formas de exploração do trabalho manifestam novas
expressões da questão social, frutos de um novo modo de acumulação articulado a uma
política neoliberal. O padrão fordista, que vem sendo alterado por forças produtivas
flexibilizadas e desregulamentadas do toyotismo, expressa a forma particular de expansão do
capitalismo monopolista contemporâneo. Conforme Netto, [...] é para responder a este novo quadro que o capital monopolista se empenha, estrategicamente, numa complicada série de reajustes e reconversões que, deflagrando novas tensões e colisões, constrói a contextualidade em que surgem (e/ou se desenvolvem) autênticas transformações societárias. (NETTO, 1996, p.90).
Flexibilizar e desregulamentar as relações de trabalho expressa certas tentativas do
capital em explorar a força de trabalho, em nome do mercado. Pelo incremento massivo do
setor tecnológico na produção aliado à supressão da regulação pública do trabalho, atingimos
uma fase do desenvolvimento histórico do sistema capitalista em que a precariedade do
trabalho aparece como implicação dominante. A reestruturação produtiva do capital parece
produzir transformações estruturais que incluem prejuízos como a informalidade do trabalho,
o desemprego, o subemprego e a desproteção trabalhista.
Há um paradoxo ao analisar a questão do trabalho na sociedade contemporânea, pois,
30
se de um lado o avanço produtivo proporciona progresso econômico, de outro, configura
prejuízos para as relações trabalhistas, que se fragilizam frente às leis do mercado. Nesta
ótica, Antunes demonstra a tendência irônica do desenvolvimento capitalista ao afirmar que, A grande ironia dessa tendência de desenvolvimento – que, inerente à lógica do capital desde a constituição de seu sistema há séculos, alcançou a maturidade de uma forma inexoravelmente ligada a sua crise estrutural – é o modo antagônico pelo qual o avanço produtivo e o controle das relações sociais lançam uma parcela crescente da humanidade na categoria de trabalho precário. (ANTUNES, 2006, p. 31)
Evidencia-se, portanto, que o atual modelo de acumulação, sustentando a
reestruturação produtiva e uma falsa ideia de globalização, restringe a concepção de cidadania
e a legislação trabalhista perde fundamento.
Convêm destacar, que apesar das transformações e crises, ao longo do
desenvolvimento do processo de trabalho não houve ruptura com o caráter próprio e
antagônico do modo de produção capitalista, somente ajustamentos e adaptações que não
favorecem a massa trabalhadora, pelo contrário, acentua ainda mais a exploração da força de
trabalho, elemento que mantêm o sistema.
2.2.1 A questão da flexibilização e desregulamentação
Para maior compreensão do que vem a ser os termos flexibilização e
desregulamentação, apresenta-se neste item sua diferenciação conceitual. O uso quase sempre
conjunto destas denominações na produção científica pode levar a um entendimento, para os
que não são familiarizados com o assunto, de que são sinônimos, porém, eles possuem uma
substancial diferença.
Entende-se por desregulamentação a retirada do Estado de qualquer intervenção no
campo das relações de emprego, cedendo lugar a ação do princípio da autonomia da vontade
das partes, é a retirada da proteção estatal do trabalhador, permitindo que a autonomia
privada, individual ou coletiva, regule as condições de trabalho. Para Neto (1996) “[...] a
desregulamentação dos direitos trabalhistas é o processo pelo qual os [direitos trabalhistas]
são revogados, perdendo a regulamentação”.
Os que defendem a desregulamentação acreditam que o acordo mútuo, sem
interferência de norma estatal, pode ajustar contratos de trabalho que estejam de acordo com
31
as necessidades do mercado de trabalho e, portanto, teria o potencial de aumentar o número de
contratações durante períodos de vigor econômico e diminuiria o peso do valor da relação de
emprego dentro da empresa, o que zelaria pela manutenção do empregador e,
conseqüentemente, dos postos de emprego. Por isso, os neoliberais apóiam a
desregulamentação e a eliminação de grande parte das normas trabalhistas, por entender que
só assim será possível o ajuste à competitividade e ao crescimento, necessários para o
desenvolvimento da economia e elevação do nível de vida.
Segundo afirmação de Neto (1996), “as teses neoliberais nascem para contrapor-se ao
sistema de mercado de trabalho estruturado”. Para o ideário, a desregulamentação e a
flexibilização estariam fundamentadas no aumento da produtividade e da competitividade das
empresas nacionais.
Já o termo flexibilização ou flexibilidade, no Dicionário Aurélio, significa o “oposto a
rigidez”, ou seja, o que se pode dobrar, curvar, fácil de manejar, dotado de elasticidade. Nas
palavras da jus filosofa Gabriela Neves Delgado, considera-se a “atenuação do suposto rigor
das normas jurídicas” (2006, p. 195), ou seja, representa o “afrouxamento” da legislação. No
contexto da flexibilização, ainda estaria presente alguma regulamentação estatal, mas essa
regulamentação se verificaria sem o mesmo rigor, onde as partes teriam maior liberdade para
acertarem sobre as condições de trabalho, sendo a intervenção estatal necessária para garantir
apenas as condições mínimas.
Para Nassar a flexibilização das normas trabalhistas é “parte integrante de um processo
maior de flexibilização do mercado de trabalho” (1991, p. 10). Este processo apóia as
estratégias de reestruturação produtiva e da flexibilização da regulação trabalhista, já que
consiste em medidas destinadas a deixar até os direitos laborais compatíveis às mutações do
mercado, decorrentes de fatores de ordem econômica e tecnológica.
No Brasil, a estratégia da desregulamentação, a revogação total dos direitos, é
incompatível com o nosso ordenamento constitucional pátrio, uma vez que este reconhece a
necessidade de se estabelecer um mínimo existencial de proteção e promoção da dignidade da
pessoa humana. Por sua vez, a flexibilização seria uma possibilidade até mesmo reconhecida
pela nossa Constituição Federal de 1988, uma vez que a mesma autoriza em determinados
casos, mediante negociação coletiva, que sejam flexibilizados direitos trabalhistas.
Partindo desta compreensão, explicita-se no capítulo seguinte a análise das relações de
trabalho no Brasil configurado pela ordem da flexibilização preconizada pelo ideário
neoliberal.
32
3 AS RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL NO CONTEXTO NEOLIBERAL
O fenômeno da flexibilização do trabalho atingiu dimensões supranacionais e o
contexto brasileiro revela não fugir a regra. As relações de trabalho à margem de proteção
legal - com baixo valor de compra e venda da força de trabalho, entre outras coisas – é uma
realidade que salta aos olhos. Para a análise da pesquisa demarcou-se o período a partir da
proclamação da Constituição Federal de 1988 para situar como foi sendo adotada a
flexibilização das normas trabalhistas no país. Discorre-se neste item sobre o contexto
iniciado pelas conquistas trabalhistas – consubstanciadas na Consolidação das Leis
Trabalhistas (CLT) e na CF/88 - para apresentação de indicativos que apontem tendências de
flexibilização das relações de trabalho no país.
3.1 AS CONQUISTAS TRABALHISTAS E AS RELAÇÕES DE TRABALHO NO CENÁRIO BRASILEIRO
O capitalismo brasileiro, de desenvolvimento tardio quanto ao seu modo de ser,
vivenciou ao longo do século XX um verdadeiro “processo de acumulação industrial,
especialmente a partir do getulismo” 33 (ANTUNES, 2006, p. 16)
O ingresso de Getúlio Vargas na presidência do Brasil não inaugurou o
reconhecimento da necessidade de proteção ao trabalho no país34, porém foi a partir deste
período que o processo de institucionalização de sua regulação pública progrediu.
No plano de fundo ocorria uma intensa industrialização que indicia nas relações de
trabalho. Neste contexto Getúlio Vargas se antecipou a qualquer movimento de luta por parte
dos trabalhadores e concedeu importantes avanços na regulação pública do trabalho. Aliás,
reside aí a principal obra do populista enquanto presidente: “para representar os de cima,
33 “Getulismo” remete-se ao período no poder e a fama que obteve Getúlio Dorneles Vargas enquanto presidente do país. Foi o 14º presidente do Brasil (primeiro mandato de 1930-1945) e 17º presidente do Brasil (segundo mandato de 1951-1954). Para uma análise aprofundada sobre o caráter da política getulista ver “O populismo na política brasileira” em WEFFORT, 1980. 34 A proteção ao trabalhador (Legislação Trabalhista e a Justiça do Trabalho) teve origem no Brasil por consequência de longo processo que se desenrolava internacionalmente, sob influência dos princípios de proteção aos trabalhadores expostos pelo Papa Leão XIII em sua encíclica Rerum Novarum, de 1891. Exemplos são o Decreto nº 1.313, de 1891, que regulamentou o trabalho dos menores de 12 a 18 anos; em 1907, uma lei tratou da sindicalização rural e em 1917 foi criado o Departamento Nacional do Trabalho como órgão fiscalizador e informativo. (BIAVASCHI, 2005, p. 205)
33
precisava do apoio dos de baixo” (ANTUNES, 2006, p. 12). Conforme Antunes, para
representar o empresariado sem causar revolta à classe trabalhadora, Vargas politizou a
questão social no cenário nacional, ou seja, trouxe as classes trabalhadoras para a agenda do
Estado antes que houvesse uma revolta social.
Em suma, as concessões do governo de Vargas determinaram:
A criação do salário mínimo e da carteira de trabalho;
A jornada diária de 8 horas;
O direito a férias anuais remuneradas;
O descanso semanal e direito à previdência social;
A regulamentação do trabalho do menor e da mulher.
Conforme Biavaschi, a partir do período Vargas, [...] verificou-se um intenso processo de institucionalização de regras de proteção ao trabalho (dirigidas à nacionalização do trabalho, às mulheres, aos menores, aos comerciantes, aos industriários, aos marítimos, aos mineiros, aos ferroviários, aos bancários, às estabilidades e ao salário mínimo); a estruturação dos aparelhos de Estado para fiscalizar e garantir a aplicação destas regras (comissões mistas, Juntas de Conciliação, inspetorias regionais, Justiça do Trabalho (JT), Conselhos Regional e Nacional do Trabalho); e a positivação de normas destinadas à organização dos trabalhadores (organização sindical, sindicato único, exigência de sindicalização para propor reclamações, representação dos trabalhadores nos pleitos trabalhistas e imposto sindical). (BIAVASCHI, 2005, p. 122)
Em virtude das várias normativas conferidas pelo governo e que necessitavam de
sistematização, foi criada a CLT (através do Decreto-Lei nº 5.452 de 10 de maio de 1943) -
completando uma etapa fundamental na direção da constituição do trabalhador brasileiro
como sujeito de direitos. O documento é a principal norma legislativa brasileira referente ao
Direito do Trabalho e foi criada para unificar toda legislação trabalhista então existente no
Brasil.
Verifica-se, porém, que a CLT criou um sistema ambíguo: se de um lado reconheceu e
regulamentou os direitos sociais do trabalho; de outro inibiu as lutas trabalhistas por melhores
condições salariais e de trabalho, por meio de uma legislação que proibia atividades políticas
dentro dos sindicatos, manifestando traços corporativistas (estes traços materializavam-se, por
exemplo, na proibição de greves e no controle dos sindicatos pelo Estado).
A CLT estrutura o sindicalismo brasileiro necessariamente atrelado ao Estado, ou seja,
um sindicalismo sobre o qual o Estado tem controle. No conjunto, tais normas contidas na
34
CLT impediam a ação autônoma dos sindicatos, subordinando-os à tutela estatal. Nesta ótica,
para Cardoso e Lage: [o traço corporativista da CLT] vinculava os sindicatos ao Estado para controlá-los, e, por essa via, os trabalhadores representados por eles, que, ao serem enquadrados nas categorias profissionais oficialmente reconhecidas, ganhavam formalmente acesso aos direitos trabalhistas e sociais. Contudo, como a estrutura sindical impedia que os sindicatos organizassem trabalhadores nos locais de trabalho, e como a inspeção do trabalho foi sempre muito precária, uma proporção expressiva dos trabalhadores continuava vendendo sua força de trabalho num mercado muito pouco regulado na prática, porque os empresários operavam na estrita ilegalidade. CARDOSO E LAGE (2007, p. 16)
Desta forma, com trabalhadores à margem de qualquer legislação, estabeleceu-se
ainda outro paradoxo: entre a abrangência formal das normas trabalhistas e a realidade das
relações de trabalho. O desencadeamento de uma rápida urbanização propiciava o afluxo de
trabalhadores aos centros urbanos, gerando um excedente de força de trabalho que as
empresas não tinham capacidade de absorver, portanto, embora a legislação fosse extensa e
detalhada, já não abrangia igualmente os trabalhadores, além de limitar a ação organizada dos
trabalhadores que eram contemplados.
É importante frisar a ideologia política de Vargas, que embora trata a CLT como uma
dádiva do seu governo, isso não é real, as concessões refletem lutas sociais e greves que
reivindicavam salário igual para trabalho igual, descanso semanal remunerado, férias, salário
mínimo, etc. (ANTUNES, 2010)
Nos anos de 1970, houve uma emergência do movimento dos trabalhadores que
passaram a contestar o modelo da CLT, além das reivindicações salariais e do cumprimento
das normas trabalhistas, passaram a lutar pela autonomia dos sindicatos e pelo fortalecimento
da negociação coletiva e da organização de trabalhadores nos locais de trabalho.
Em 1988 foi proclamada a Constituição Federal, que ampliou direito e trouxe novos,
tais como:
• Ampliação do prazo da licença-maternidade de 90 para 120 dias;
• Instituição da licença-paternidade;
• Estipulou o acréscimo de um terço do salário normal à remuneração de férias;
• Instituiu adicionais salariais, especialmente de penosidade;
• Garantiu o aviso prévio proporcional ao tempo de serviço (mínimo de 30 dias);
• Ampliou a remuneração mínima das horas extras de 120% para 150% do salário
35
normal;
• Reduziu a jornada semanal máxima de 48 para 44 horas;
• Aumentou a multa por dispensa sem justa causa de 10% para 40% do montante
devido do FGTS;
• Garantiu a estabilidade no emprego da mulher gestante;
• Determinou a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde,
higiene e segurança;
• Garantiu a estabilidade do trabalhador eleito para a Comissão Interna de Prevenção
de Acidentes (CIPA), o que antes só era assegurado ao dirigente sindical.
As Constituintes anteriores35 incluíam garantias mínimas para os trabalhadores, mas
com a Constituição Federal de 1988 houve um maior detalhamento, como por exemplo, a
inclusão de 34 incisos no seu artigo 7.
Alguns dos direitos já existentes e acolhidos pela nova Constituição foram: o FGTS; o
salário mínimo; o seguro-desemprego; o piso salarial; a aposentadoria; o 13° salário; repouso
semanal remunerado; ferias anuais remuneradas, entre outros. (BRASIL, 2007).
Para Gonzalez, [a promulgação da CF/88] implicou pelo menos três grandes novidades para a estruturação do mundo do trabalho no Brasil. O primeiro foi a constitucionalização e a extensão dos direitos dos trabalhadores assalariados, consubstanciada no Art. 7o. O segundo foi a ruptura, ainda que parcial, com a tutela da representação sindical, na medida em que terminou com as prerrogativas do Estado de intervir nos sindicatos e autorizar o funcionamento de novas entidades de representação. O terceiro aspecto está ligado à formação de um sistema público de emprego voltado para assistir os trabalhadores desempregados, uma vez que a Constituição criou os dispositivos que deram base à criação do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). (GONZALEZ, p. 86)
A legislação trabalhista brasileira estabeleceu, portanto, um conjunto de direitos
fundamentais do trabalho que o ideário neoliberal e sua onda de flexibilização estão dispostos
a destruir. O fortalecimento da integração da economia brasileira ao ideário neoliberal impacta
significativamente a regulação do trabalho no país. No contexto atual, a sociedade presencia
um intenso desenvolvimento do modo de produção capitalista - que tem na sua base a
reestruturação produtiva – em que parece improvável para maior parte dos países manterem-
se alheios ao mercado mundial, sob pena de abrir mão do pretenso desenvolvimento 35 Constituição de 1824, Constituição de 1891, Constituição de 1934, Constituição de 1937, Constituição de 1946, Constituição de 1967.
36
econômico. O Brasil não configura exceção a essa realidade, ao contrário, parece estar em
marcha para se inserir cada vez mais no comércio internacional, apesar das conjunturas
distintas do país.
3.2 A TENDÊNCIA DE FLEXIBILIZAÇÃO DO TRABALHO NO CENÁRIO BRASILEIRO
Nos primeiros anos da década de 1980 o fordismo brasileiro começava a dar sinais dos
influxos toyotistas. Isto se verifica pela ampliação das inovações tecnológicas, que segundo
Antunes se deu através da; [...] introdução da automação industrial de base microeletrônica nos setores metal-mecânico, automobilístico, petroquímico, siderúrgico e bancário, entre tantos outros, configurando um grau relativamente elevado de heterogeneidade tecnológica no interior das empresas, heterogeneidade que foi marca particular da reestruturação produtiva no Brasil recente. (ANTUNES, 2006, p. 18)
Neste período as empresas passaram a adotar timidamente novos padrões
organizacionais e tecnológicos com a finalidade de elevar a produtividade via acumulação
flexível, seguindo o exemplo dos países centrais.
A partir de 1990, conforme o mesmo autor, a reestruturação produtiva do capital já se
desenvolvia intensamente no país, [através da] implantação de vários receituários oriundos da acumulação flexível e do toyotismo, com a intensificação da lean production, do sistema just-in-time e kanban, do processo de qualidade total, das formas de subcontratação e de terceirização da força de trabalho, além da transferência de unidades produtivas (ANTUNES, 2006, p. 19)
O autor acima expressa também que houve no Brasil o processo de descentralização
produtiva, no qual as indústrias tradicionais (sob a alegação da concorrência internacional)
passaram a movimentar geograficamente suas unidades de produção objetivando fugir das
regulamentações, além da possibilidade de oferecer menor remuneração do trabalho.
Neste processo de reestruturação produtiva verifica-se concomitante tendência de
flexibilizar a legislação trabalhista (como já exposto, a ordem constitucional brasileira é
37
totalmente incompatível com a ideia de desregulamentação, portanto, no contexto jurídico
brasileiro verifica-se apenas um processo flexibilizatório).
Estas contradições contribuem para que alguns empresários se aproveitem das brechas
jurídicas com o objetivo de não cumprir os direitos dos trabalhadores, e a além das “falhas”
contidas na CF/88, verifica-se pela análise que ao longo do tempo foram criadas diversas
normativas que de certa forma flexibilizam as já existentes.
O primeiro governo democrático pós 88 (que tinha na presidência Fernando Collor de
Mello) instituiu a Comissão de Modernização da Legislação Trabalhista que visava substituir
a CLT por um diploma de artigos de caráter meramente dispositivo, que vigorariam na
ausência de negociação coletiva. Mas, felizmente, a referida comissão não teve êxito, seja por
sua incompatibilidade com o texto da Constituição cidadã ou pela impopularidade atingida
por aquele governo que culminou no impeachment do citado presidente.
Outro exemplo foi a lei 8.949 aprovada em 1994, que incentivou a criação e
disseminação das chamadas cooperativas de mão-de-obra, que na realidade social brasileira,
produziram eficazes meios de burlar a legislação trabalhista. Por exemplo: a citada lei criou
um parágrafo único da CLT dispondo que “qualquer que seja o ramo de atividade da
sociedade cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre
estes e os tomadores de serviços daquela.” (CLT, artigo 443). Deste modo, estabeleceu-se uma
perigosa presunção de inexistência vínculo empregatício.
No ano de 1998, o país aprova a lei nº 9.601, instituindo novas formas de contratação
provisória, seguindo a tendência globalizada do emprego flexível. Para a validade da nova lei
de contrato provisório, esta deve ser previamente autorizada mediante instrumento de
negociação coletiva. Essa forma de contratação busca, segundo a perspectiva econômica,
estimular o acréscimo no número de empregados através da atenuação de alguns encargos
trabalhistas como o a alíquota do FGTS que é de apenas 2% e da alíquota de algumas
contribuições sociais como o financiamento do seguro de acidente de trabalho (artigo 2, I, da
Lei 9.601/98). Porém, a possibilidade de negociar coletivamente dá brecha na primazia pela
relação de emprego por tempo indeterminado, fragilizando a relação de emprego. Questiona-
se essa iniciativa, uma vez que não são novas formas de contratação que vão gerar efetiva
elevação no número de contratações, mas reformulações na estrutura econômica do país,
sendo a referida lei uma possibilidade de se substituir alguns postos de trabalho onerosos por
outros menos onerosos com menos garantias ao empregado. (DELGADO, 2008).
Constituem ainda normas flexibilizadoras nesse período o contrato a tempo parcial, a
compensação anual de horas complementares (Banco de Horas) e o aumento da idade para
38
contrato de aprendiz (Lei n° 11.180/05).
Outro ponto que pode ser questionado na análise das políticas flexibilizadoras no
Brasil é o fato de serem conduzidas, destacadamente por medidas provisórias, que durante a
década de 90 foram editadas e reeditadas inúmeras vezes. A título de ilustração, a medida
provisória que abordava o contrato a tempo parcial, por exemplo, foi reeditada 38 vezes! Tal
utilização desse instrumento normativo dá brecha para ao questionamento sobre sua devida
utilização e o respeito com a utilização das medidas provisórias, que além da visível
desobediência constitucional, sua constante utilização rejeita o prévio debate sobre os temas.
A utilização de normativas flexibilizadoras via medidas provisórias na condução das
políticas - mais detalhadas no próximo item (3.2.1) - somam-se as políticas de privatização.
Essa postura do executivo brasileiro durante a década de 90 evidencia a clara motivação por
parte desse poder de inserir o Brasil no mercado mundial globalizado, mesmo que a custos
incalculáveis, sob a orientação do pensamento neoliberal.
Para além da flexibilidade da contratação legal, sabe-se que há um problema ainda
maior de contratações à margem da lei, que se verifica pelo número de empregados sem
carteira assinada. Intenta-se nesta pesquisa evidencia o quão frágil está a legislação trabalhista
frente à ofensiva (neo)liberalizante da economia e principalmente, reforçar o importante papel
de um Estado democrático em favor dos direitos do trabalho.
3.2.1 Flexibilização dos contratos de trabalho
No que concerne aos contratos de trabalho, a CLT permitiu desde o início, que durante
o período de experiência, originalmente de um ano, o empregado poderia ser demitido sem
necessidade de pagamento de indenização e especificava, no entanto, que após este prazo a
demissão sem justa causa seria acompanhada de indenização proporcional ao tempo de
serviço (além disso, decorridos dez anos, o empregado teria direito à estabilidade no
emprego). Este estatuto da estabilidade de emprego por tempo de serviço ganhou uma
brecha36 a partir da Lei n ° 5.107/66, que criou o FGTS.
Por ocasião da CF/88, a indenização por demissão sem justa causa e a estabilidade 36 O estatuto da de estabilidade por tempo de serviço não teve revogação, porém, foi esvaziado a medida que, embora assegurasse, em tese, ao trabalhador o direito de escolha entre os dois regimes, as empresas podiam demitir os empregados contratados pela CLT e ainda não estáveis, condicionando a admissão de qualquer novo empregado à opção deste pelo FGTS.
39
foram substituídas pelo saque dos recursos depositados no fundo durante o período de
emprego e pela multa de 10%. Além disso, o Decreto-Lei no 229/1967 incluiu à CLT a figura
do contrato por tempo determinado, limitando-o, no entanto, a casos excepcionais. A Lei n°
6.019/1974, porém, criou a figura do contrato temporário. Nesse caso, o empregador não
apenas evita o pagamento de contribuições sociais, como também minora o custo de
demissão.
Segundo análise de Gonzalez, a consequência desse arranjo foi compreendida por via
dupla; [...] de um âmbito, favoreceu a permanência de altas taxas de rotatividade no emprego, que permitiam às empresas tanto garantir a paz industrial quanto anular ganhos salariais pela substituição de trabalhadores por outros contratados a salários mais baixos; de outro, permitia às empresas rapidamente ajustar tanto o tamanho quanto a distribuição das funções do seu quadro de empregados. [...] Em suma, a regulação do trabalho pré-Constituinte não colocou restrições de monta à flexibilidade do trabalho pela ótica da contratação, e nem a Constituição, nem a normatização subsequente alteraram tal quadro. (2008, p. 34)
Verifica-se que depois da promulgação da CF/88 a flexibilização se deu de duas
maneiras: pelo estímulo aos contratos por tempo determinado e temporário,37 e pela
terceirização38 de mão de obra.
Por meio de instrumentos normativos verifica-se que os critérios de rescisão contratual
e contribuições sociais foram flexibilizados, ao permitir que contratos por prazo determinado
fossem utilizados em qualquer atividade e momento39, desde que a empresa negociasse com o
respectivo sindicato, não tivesse pendências fiscais com o Estado e aumentasse o número de
empregados.
Essas medidas corroboram com a tendência de vários países europeus de favorecer
empregos atípicos, ou seja, diferente dos contratos por tempo indeterminado e em jornada
integral, para superar o desemprego. Porém, no Brasil estas modalidades de emprego atípico 37 No que diz respeito aos contratos, a principal medida tomada nesse sentido concerne à ampliação da possibilidade de utilização dos contratos por prazo determinado, pela Lei no 9.601, de janeiro de 1998, e regulamentada pelo Decreto no 2.490, de fevereiro de 1998. 38 Como verificado nos capítulos anteriores, essa tendência de focar nas atividades essenciais da empresa e, portanto, subcontratar serviços antes gerados internamente – terceirizar - foi uma característica da reestruturação produtiva dos anos de 1990. 39 Para estimular sua adoção, foram reduzidos vários encargos sociais por 60 meses – redução em 50% das contribuições patronais ao Sistema “S”, salário educação, seguro de acidente do trabalho, redução da alíquota de FGTS de 8% para 2%, não pagamento da multa de 40% do FGTS no término do contrato de trabalho, entre outros.
40
não obtiveram muito êxito40. Segundo a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), após
um pico de 116,6 mil contratos em 2001, o número permaneceu entre 30 e 45 mil contratos
anuais de 2002 em diante. Os contratos por tempo indeterminado representavam, ainda, perto
de 98% dos empregos formais no Brasil ao fim de 2007.
Analisando pela ótica da terceirização, a flexibilização dos contratos de trabalho foi
bem mais expressiva. Até 1993, prevalecia o entendimento, expresso no antigo enunciado
256/198641 do Tribunal Superior do Trabalho, que praticamente proibia a terceirização, exceto
nos casos de prestação de serviços de vigilância e trabalho temporário, previstos em leis
próprias.
Em 1993, entretanto, o tribunal editou um mecanismo que viabilizou legalmente a
prática da terceirização42 em qualquer atividade-meio, o que provocou uma grande mudança
nas práticas de contratação das empresas. Estas normativas, ao permitirem que os
trabalhadores se organizassem para a prestação de serviços sem caracterização de vínculo
empregatício, acabou sendo utilizada como recurso para reduzir o custo do trabalho e burlar
as leis trabalhistas. Terceirizar serviços via cooperativa de trabalho significou, para as
empresas, a contratação de mão de obra sem qualquer direito.
Nesse contexto, difundiram-se por vários setores de atividade econômica este modelo
de cooperativas, nas quais a gestão do empreendimento não segue nenhum dos princípios
solidários que caracterizam, comumente, a atividade cooperativa.
O acentuado crescimento da terceirização e da utilização de cooperativas de mão de
obra no mercado de trabalho como forma de burlar os direitos trabalhistas provocou reações
das diferentes instâncias de fiscalização das relações entre capital e trabalho, em um
movimento que foi de encontro à tendência de flexibilização. Em 1995, a Portaria no 925/1995, do MTb, dispôs que a fiscalização do trabalho nas empresas tomadoras de serviços de sociedade cooperativa não
40 Conforme análise de Krein, os contratos atípicos não se disseminaram no Brasil por vários fatores, dos quais podem ser citados: 1) a flexibilidade já existente na regulação das relações de trabalho no Brasil, com destaque para a figura do contrato de experiência; 2) a existência de mecanismos alternativos de redução dos custos do trabalho, especialmente por meio da contratação sem carteira assinada – micro e pequenas empresas – e terceirização – médias e grandes empresas; 3) controvérsias legais a respeito das situações em que os contratos atípicos podem ser utilizados, associadas a procedimentos de comprovação da sua necessidade, desestimularam sua adoção por parte das empresas e; 4) a resistência de correntes do movimento sindical, que orientaram os sindicatos a não assinar acordos e convenções que autorizassem a contratação nestes moldes. (FREIN In GONZALEZ, p. 136) 41 42 As pesquisas de emprego não investigam diretamente na terceirização. Uma aproximação é o dado da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) sobre empregados que são remunerados por empresas diferentes da empresa na qual eles efetivamente trabalham. Em 2006, tal percentual variava de 2,6%, de todos assalariados na região metropolitana de São Paulo, a 12,5% no Distrito Federal.
41
deveria permitir tal situação quando ficasse caracterizada uma relação de emprego. Além disso, a fiscalização do trabalho deveria exigir, também, o enquadramento das cooperativas em todos os requisitos jurídicos para funcionar. (GONZALEZ, p. 136)
Diante disso, procurou-se fortalecer a fiscalização, porém, até mesmo quando a
terceirização efetua-se com a observância das garantias trabalhistas e fora das atividades-fins,
subentende-se que esta contribui para o enfraquecimento da regulação pública em
consequência da precária estrutura de representação sindical destes trabalhadores. O
enfraquecimento de representação se dá, hipoteticamente, porque os terceirizados e
temporários encontram-se dispersos por muitas empresas, e os respectivos sindicatos têm
pequena representatividade. Além disso, nas empresas em que trabalham, estes não são
abarcados pelos sindicatos e pelas associações que representam os demais trabalhadores.
Em resumo, no país a flexibilização dos contratos de trabalho perpassou tanto a
utilização de formas já existentes – o emprego sem carteira e o contrato de experiência –
quanto a emergência de novas formas de contratação direta e, principalmente, indireta. No seu
conjunto, propiciou o enfraquecimento da regulação pública à medida que: a) facilitou a
dispensa arbitrária e imotivada por parte do empregador, mantendo ou, até mesmo, ampliando
o poder da empresa de regular o espaço de trabalho e; b) segmentou trabalhadores em
ambiente de trabalho comum segundo diferentes tipos de vínculo, enfraquecendo sua
capacidade de organização coletiva.
3.2.2 Flexibilização da jornada de trabalho
Quanto a flexibilização da jornada de trabalho no Brasil a alternativa encontrada pelo
capital foi a ampla utilização das horas extras e da compensação de jornada. Por meio do
inciso XIII do artigo 7º a CF/88, estipulou a jornada máxima de trabalho em 44 horas
semanais43 e limitou a jornada diária em oito horas e, em caso de turnos ininterruptos, seis
43 A redução da jornada por intermédio da CF/88 acolheu parcialmente a reivindicação do movimento operário, que na época defendia a redução da jornada para 40 horas semanais. Segundo Dal Rosso, a discussão deste dispositivo ocorreu na sequência de uma greve vitoriosa dos trabalhadores metalúrgicos de São Paulo e do ABC, em 1985, ao final da qual vários acordos de redução de jornada foram assinados, fixando o novo limite em geral entre 43,5 e 44 horas semanais. (1998, p. 139) A Constituição, portanto, referendou uma conquista que os
42
horas44. A CF/88 também elevou o piso para a remuneração da hora extra de 120% para 150%
do salário-hora regular.
Os resultados45 obtidos por IPEA indicam que a redução da jornada pela CF/88, não
teve efeitos negativos sobre o emprego, pelo menos nos 12 meses seguintes à mudança
constitucional, embora os autores expressem dúvida de que isto possa ter se mantido no ano
seguinte. Mas por outro lado, a redução da jornada foi acompanhada de mecanismos de
compensação46 que permitiram às empresas flexibilizar a jornada de forma a contornar os
limites máximos da duração do trabalho.
Elucidativo demonstrado por Dal Rosso sobre a importância das horas extras como
mecanismo para extensão da jornada é o fato de que o número de trabalhadores com jornada
superior a 44 horas semanais em novembro de 1988 (após a promulgação da CF/88) saltou de
22% para 39% dos assalariados da região metropolitana de São Paulo (1998, p. 86).
O que se observa nas estatísticas é que uma parte substancial dos trabalhadores
continua apresentando jornadas superiores a 44 horas semanais. Por isso, cabe questionar
porque a redução de jornada promovida pela Constituição mostrou-se limitada na prática, já
que o declínio dos salários reais fortalece a disposição de os trabalhadores aceitarem as horas
extras, como forma de complementação salarial.
Há outro mecanismo que também flexibilizou os limites à jornada de trabalho – a
modulação da jornada, prática mais conhecida como banco de horas. A lógica da estratégia do
banco de horas é simples: consiste em trocar contratações e demissões de empregados por
variações no tempo de trabalho. Isto permite à empresa, em momentos de redução da
demanda, reduzir a jornada dos trabalhadores, em vez de demiti-los e ter de arcar com o custo
das indenizações. A redução de jornada não implica redução de salários, mas gera créditos de
horas de trabalho, a ser ressarcidos futuramente. Quando o ritmo de atividades é intensificado,
as empresas podem eximir-se de pagar horas extras pela extensão da jornada de trabalho e
contratar trabalhadores temporários e não precisam arcar com o eventual custo de treinar os movimentos de trabalhadores já estavam obtendo na prática, porém, elevou-a a norma constitucional, o que, em tese, deveria garantir sua extensão a todos os trabalhadores, inclusive os com menor poder de pressão. 44 A importância disto se dá porque o padrão de horas vigente até então, da jornada semanal de 48 horas e diária de oito horas, havia sido fixado em 1932, pelo Decreto no 21.365, e não teve alterações desde então. 45 Os resultados do IPEA (in GONZALEZ) mostram que as alterações trazidas pela CF/88 provocaram uma queda da jornada efetiva de trabalho, não aumentaram a probabilidade de o trabalhador afetado pela mudança ter ficado desempregado em 1989 (comparativamente aos outros anos), diminuíram a probabilidade de o trabalhador afetado ficar sem emprego em 1989, e implicaram um aumento do salário real horário dos trabalhadores que trabalhavam menos que 44 horas antes da mudança constitucional. 46 O inciso XIII faculta “a compensação de horários e a redução de jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho” (BRASIL, 1988). Além disso, manteve-se a previsão da CLT de que “a duração normal do trabalho poderá ser acrescida de até duas horas suplementares”; o inciso XVI da Constituição, por sua vez, apenas aumentou a remuneração das horas extras.
43
novos contratados. Em resumo, permite a redução de custos e a otimização do tempo de
trabalho contratado.
Conforme Zylbersztajn, em Pesquisa realizada pela Fundação Instituto de Pesquisas
Econômicas (FIPE) no ano de 2001, [se] revelou que 27% dos estabelecimentos pesquisados adotavam algum tipo de banco de horas, chegando a 45% nos estabelecimentos com 200 empregados ou mais. Também apurou que a maior incidência não era encontrada na indústria de transformação – onde a prática se originou –, e sim nos setores de educação – 48% dos casos – e alojamento e alimentação – 47% dos casos. A pesquisa também revelou que, em apenas 46% dos estabelecimentos, o acordo previa uma jornada máxima diária, e em apenas 38%, esta era fixada em dez horas, o que evidencia que o banco de horas de fato serviu para estender a jornada de trabalho para além dos limites postos pela Constituição. [...] Além disso, a pesquisa evidenciou que em 77% dos casos a taxa de compensação é de uma para uma; só em uma minoria das negociações os sindicatos conseguiram que uma hora trabalhada fosse convertida em mais de uma hora de descanso. Assim, a maior parte dos acordos foi bastante favorável às empresas, no sentido de que colocou poucas limitações à gerência na determinação do tempo de trabalho. (ZYLBERSZTAJN, 2002).
Nas negociações do banco de horas, chama atenção o fato de que praticamente não
existem cláusulas de manutenção do nível de emprego e, também, que o controle das horas
depositadas é realizado pela empresa. Outro aspecto importante, e que está ausente em grande
parte dos acordos, é a decisão sobre quando as horas de trabalho depositadas serão
compensadas; quando isto acontece no fim de semana ou em feriados, exime a empresa de
pagar a remuneração adicional respectiva.
Como a lei não prevê qualquer contrapartida para a adoção do banco de horas, a
regulamentação e as restrições do seu uso dependem da organização sindical. No entanto,
quando o poder sindical é mais frágil, pode prevalecer uma forma de compensação que deixa
os trabalhadores absolutamente à disposição da empresa47. Pode-se destacar aqui a resolução
da Central Única dos Trabalhadores (CUT) em congresso de 2003, que definiu uma campanha
contra o banco de horas por ser uma medida de precarização das condições de trabalho.
As variações possíveis de jornada de trabalho (ou seja, sua flexibilização) servem de
ilustrativos de como mecanismos já existentes (como a hora extra) combinam-se com novos,
47 Nas negociações do banco de horas, chama atenção o fato de que praticamente não existem cláusulas de manutenção do nível de emprego e, também, que o controle das horas depositadas é realizado pela empresa. Outro aspecto importante, e que está ausente em grande parte dos acordos, é a decisão sobre quando as horas de trabalho depositadas serão compensadas; quando isto acontece no fim de semana ou em feriados, exime a empresa de pagar a remuneração adicional respectiva.
44
(como o banco de horas) para tornar inócua uma medida de regulação. Além de permitir
jornadas diárias e semanais mais prolongadas do que o limite estipulado na CF/88, a jornada
flexível tem sido, sobretudo, uma forma de reduzir custos para as empresas, sem repasse de
ganhos de produtividade aos trabalhadores. Os mecanismos normativos também ilustram
como a regulação pública via Estado e sindicatos pode referendar a flexibilização, conferindo
maior poder às empresas para fixar a jornada de trabalho e contornar os limites postos pela
CF/88.
3.2.3 Flexibilização e regulação dos salários
No caso brasileiro, a determinação dos mínimos – salário mínimo e pisos e a
negociação salarial em geral - expressa contradições entre os interesses dos trabalhadores e a
política macroeconômica do governo. O salário mínimo foi instituído no Brasil pela CLT48 e
em 1988, a CF veio, no seu artigo 7°, inciso IV, definir como direito de todos os trabalhadores
um salário mínimo, [...] fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim. (BRASIL, 2007, p. 80).
A dificuldade em fazer valer o preceito constitucional - que teoricamente é a garantia
de um mínimo para sobreviver -, vem de um mecanismo de garantia do valor real do salário
mínimo. Este mecanismo seria a garantia do mínimo recalculado diante das flutuações do
mercado bem como a participação nos lucros da empresa. Assim, conforme explica Gonzalez,
em abril de 2005 foi criada uma comissão para estudar os critérios de uma política nacional de
valorização do salário mínimo.
Esta comissão [quadripartite] foi composta de representantes do governo,
48O salário mínimo foi definido pela CLT como “a remuneração necessária para cobrir as despesas com alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte de um trabalhador adulto”(1943). Inicialmente abrangendo apenas os trabalhadores urbanos (porque os trabalhadores rurais ainda eram a maioria da população ocupada naquela época).
45
das centrais sindicais, das confederações patronais e das entidades de aposentados. Embora esta comissão não tenha entrado num consenso, antecipou uma política definida pelo Poder Executivo a partir de 2007, que previu reajustes para o salário mínimo, tendo por base o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) do ano anterior, mais a taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do país de dois anos antes. (GONZALEZ, 2008, p. 131)
Assim, criou-se um critério de valorização do salário, permitindo o repasse dos ganhos
gerais de produtividade da economia, por base nos salários; ao tempo que permitia a
previsibilidade dos agentes econômicos dos custos do trabalho. Isto, teoricamente, deveria
fortalecer a regulação pública sobre a remuneração, de acordo com a evolução dos preços dos
bens e serviços básicos e, de outra, garantir o repasse aos salários dos ganhos de
produtividade.
Depois da CF/88, tem-se verificado a possibilidade de flexibilização da remuneração,
alicerçada no mecanismo que, originalmente, foi pensado para garantir a participação dos
salários no crescimento da renda nacional.
A CF/88 no inciso XI do artigo 7º previu a “participação nos lucros, ou resultados,
desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa,
conforme definido em lei” (BRASIL, 2007, p. 80). Instituiu-se o Programa de Participação
nos Lucros e Resultados (PLR), por iniciativa do Poder Executivo, por meio da Medida
Provisória (MP), n° 794, de 29 de dezembro de 1994 (reeditada inúmeras vezes ao longo do
governo FHC e convertida na Lei no 10.101, de 2000).
Em suas primeiras reedições, a MP previa que o PLR seria objeto de negociação entre
a empresa ou sindicato patronal; a comissão teria representantes da respectiva empresa, sem
mencionar a participação do sindicato da categoria referida.
[esta] situação [inclusive] suscitou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN), por parte de entidades filiadas à CUT, que foi parcialmente acolhida pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Desta forma, a partir de agosto de 1997, admitiu-se a participação de um representante sindical nesta comissão [...] (GONZALEZ, 2008).
Diante da persistência das críticas, em junho de 1998, tornou-se possível negociar o
PLR também por meio de acordo ou convenção coletiva. Porém, no contexto em que foi
implementado, pela fragilidade do movimento trabalhista, (o PLR) permitiu a flexibilização
da remuneração, contornando tanto o princípio da irredutibilidade dos salários quanto o da
incidência dos encargos trabalhistas.
46
Em primeiro lugar, quanto maior a fração do salário pago a título de PLR, maior é sua fração variável, que, portanto, pode ser reduzida dependendo do ciclo econômico. Em segundo lugar, sobre o valor da remuneração do PLR, fixado em acordo ou convenção, não incide qualquer encargo trabalhista ou previdenciário, o que certamente foi determinante para a grande difusão deste instrumento: o valor não é incluído no cálculo dos direitos trabalhistas, tais como: férias, 13° salário, FGTS etc. (GONZALEZ, 2008, p. 145)
Outros aspectos negativos para a classe trabalhadora sobre da regulamentação do PLR, que ampliam a discricionariedade da empresa, são citados por Krein, tais como:
[...] i) a não garantia ao acesso do sindicato ou da comissão negociadora às informações da empresa, tais como faturamento, lucro, venda, projetos, produção, metas etc.; ii) o incentivo à quebra de solidariedade entre os trabalhadores, pois, no interior da empresa, pode haver disputa sobre quanto aufere cada setor ou cargo da empresa, além de excluir estagiários, terceirizados etc.; iii) a instituição à possibilidade do salário variável, propiciando que parte da remuneração do trabalhador fique condicionada ao seu desempenho e/ou da empresa; iv) a não garantia à estabilidade no emprego para os membros da comissão de negociação; e v) o indeferimento a mobilizações por inclusão da produtividade no salário real. (2007, p. 19)
Em virtude destes aspectos assinalados, o balanço da regulação dos salários pela
CF/88 é ambíguo. Ao mesmo tempo em que a disseminação do PLR tornou a remuneração
mais flexível – principalmente nos setores mais organizados e de salários mais altos – a
valorização do salário mínimo49, segundo dados do IPEA, constituiu um contraponto a esta
tendência.
Quanto ao PLR, o fortalecimento da posição dos sindicatos na negociação coletiva
pode aperfeiçoar sua regulamentação, garantindo a incorporação progressiva dos bônus ao
salário-base e, em um sentido mais amplo, a transmissão da produtividade aos salários.
Verifica-se um espaço para o fortalecimento da regulação pública no âmbito da remuneração.
Outra lei causadora de intenso debate e que incide nas distintas esferas da regulação –
jornada, contratos e salários - é a Lei n°134/2001, referente a possibilidade de negociação
coletiva entre empresas e entidade sindical O quadro sinótico possibilita a visualização quanto
aos prejuízos aos trabalhadores. O trabalho foi produzido pelo juiz do Trabalho do Tribunal
Regional do Trabalho da 23° Região Lamartino França de Oliveira.
49 A partir de 2005, comparado ao período anterior, o valor real do salário mínimo cresceu. Um gráfico que revela esses dados está no anexo 2.
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Resumo dos direitos previstos pela CLT e outras leis esparsas possíveis de serem
alteradas via negociação coletiva (via pl n° 134/2001, que altera o artigo 618 da CLT)
Direitos negociáveis Consequências
Horas extras ilimitadas Prejuízo à saúde do trabalhador .
Banco de horas sem limite temporal de duração;
Prejuízo financeiro e à saúde do trabalhador.
Trabalho aos domingos e feriados com remuneração sem acréscimo;
Prejuízo à saúde, lazer, à família e financeiro ao trabalhador.
Faltas ao serviço descontados nas férias; Prejuízo socioeconômico ao trabalhador. A contratação de empregados por empresa interposta é legal em qualquer atividade;
Prejuízo financeiro ao trabalhador.
A contratação de empregados por empresa interposta não gera vínculo de emprego, nem a responsabilidade subsidiária com a tomadora dos serviços;
Prejuízo socioeconômico ao trabalhador e ao INSS.
Fim da necessidade de pagamento salarial mensal;
Prejuízo socioeconômico ao trabalhador.
Contratos de trabalho somente por prazo determinado e sem limites de prorrogação;
Prejuízos financeiros ao trabalhador.
Limitação da estabilidade sindical a um dirigente;
Prejuízos para a categoria.
Autorização para o empregador faça alterações unilaterais no contrato de trabalho;
Prejuízos incalculáveis.
Desnecessidade de proporcionalidade entre trabalhadores brasileiros e estrangeiros, podendo toda mão de obra de uma empresa ser africana;
Prejuízo a toda população nacional.
Possibilidade de tudo que foi relatado aqui ser colocado em um acordo coletivo com validade de 30 anos
Prejuízos incalculáveis.
FONTE: ANAMATRA
Ao lado das leis trabalhistas, temos as negociações coletivas, que adquirem
importância cada vez maior com o tempo. A importância dessa espécie normativa, originada
da negociação coletiva, é de tal ordem que foi alçada ao nível constitucional. Dentre outras
peculiaridades, a negociação coletiva traz uma adequação setorial das normas trabalhistas, a
pacificação de conflitos e até segurança jurídica e financeira para as empresas. deve ser
evitada. Esse exagero de interferência na negociação coletiva certamente traz prejuízos não só
às partes envolvidas (categoria e empresa), mas também a toda a sociedade. Essa interferência
na negociação coletiva certamente traz prejuízos não só às partes envolvidas (categoria e
empresa), mas também a toda a sociedade.
48
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O modelo de acumulação capitalista das últimas décadas, marcado pela globalização
da economia, internacionalização dos mercados financeiros e crescente interação entre os
países, produziu iminentes reflexos no mercado de trabalho. No plano econômico, projetou os
resultados na competitividade das empresas, na nova forma de organização da produção e das
relações de trabalho, além de fortalecer o investimento em face dos limites da intervenção
estatal. Neste contexto, o ideário neoliberal – base ideológica da globalização – se fortaleceu e
a sua principal justificativa é a adequação dos países ao mundo globalizado.
No ideário neoliberal, a lei é rígida em excesso, motivo pelo qual objetiva deslegitimar
as funções do Estado e (des)regulmentar as relações de trabalho, a fim de fortalecer o
mercado. E o discurso é forte, difícil de combater, porque o slogan “tem charme” e causa
impacto: quando se fala em flexibilização, muitas pessoas associam à ideia de inovação,
abertura, modernidade, progresso. Afinal, ser flexível é o contrário de ser inflexível, que traz
uma concepção de rigidez, ditadura, preconceito. Isso se expressa enquanto respaldo
ideológico, legitimando as contradições que o sistema difunde, mascarando a acirrada
competitividade do mercado a qualquer custo. Nem que para isso escamoteiem-se os direitos
sociais.
O regime de acumulação flexível, bem como as tendências de desenvolvimento das
sociedades ocidentais contemporâneas, valendo-se das reformas neoliberais fragilizam a
regulamentação trabalhista, o que parece intensificar os níveis de exploração para aqueles que
trabalham. Exemplos disso são: o crescimento da informalidade, de formas flexíveis de
contratação, do desemprego e do subemprego, além da perda do sentido social do trabalho e
da legislação. São essas as características que marcam profundamente o mundo do trabalho na
sociedade contemporânea.
A exploração do trabalho não é novidade nenhuma, pelo contrário, é praticada desde a
fase inicial do capitalismo. A originalidade capitalista está nas formas contemporâneas de
extração da mais valia, que se explicam pela capacidade do grande capital em adequar seu
padrão de acumulação promovendo o enfraquecimento das relações de trabalho. Esta
condição ficou evidente com os autores analisados na pesquisa, quando foram unânimes em
afirmar que se trata da precarização das relações e não flexibilização, como ideologicamente
quer fazer crer o neoliberalismo.
49
No contexto atual, flexibilizar é a palavra de ordem para que se enquadrem os países
nas exigências do mundo globalizado. Flexibilizar, então, seria adotar medidas capazes de
adaptar, afrouxar ou eliminar os direitos trabalhistas de acordo com a realidade econômica e
produtiva. Isso significa dizer no discurso neoliberal, que em momentos de mudança
econômica, tais como as frequentes crises econômicas, deve-se flexibilizar, nem sob a pena da
criação de uma massa de desempregados.
O discurso do capital pelo livre mercado diz pretender eliminar a sociedade em que
assalariados e capitalistas se opõem, transformando todos os agentes econômicos em
produtores independentes, vistos como proprietários que vendem mercadorias e prestam
serviços a outros proprietários, como iguais, e assim, viveríamos felizes. Porém, a grande
maioria, a massa trabalhadora só é proprietária da força de trabalho e vez ou outra possui um
bem maior (uma máquina de lavar roupa, um carro, uma casa). Para estes, o sistema cultiva a
ilusão da propriedade (que na realidade, diferentemente do capitalista, estes proprietários
precisam trabalhar e não vivem da exploração do trabalho alheio).
Diante da impossibilidade estrutural de enfrentar as mazelas causadas por sua própria
lógica, o capital procura justificar-se por fatores externos, como por exemplo, a falta de
qualificação do trabalhador, e ainda, busca livrar-se das amarras existentes entre empregado-
empregador, incorporando formas de trabalho (precário) revestidas pelo envoltório da
autonomia e independência.
Isto é facilitado pelo recuo do Estado em suas funções coesivas, contrariando seus
próprios preceitos, imprimindo legalidade a formas de trabalho precárias que principalmente
pela ausência de proteção social, corroboram um quadro de ilegitimidade.
A força de trabalho é tratada mais do que nunca como mercadoria, que “flutua” com o
mercado. Momentos de crise econômica tendem a ser acompanhados de pressão para a
flexibilização das normas trabalhistas, ao mesmo tempo em que períodos de crescimento do
emprego favorecem a formalização dos vínculos e a efetividade da regulação pública do
trabalho, movimentos que seguem a correlação de forças política e a conjuntura econômica.
No Brasil, é inegável que a legislação social conquistada promoveu avanços
importantes na direção da regulação pública do trabalho, mas tais avanços foram limitados. A
CF/88 tornou os sindicatos livres do controle do Estado, mas manteve a estrutura sindical
herdada da Era Vargas, além de várias restrições ao direito de greve. Também criou os
elementos para a configuração de um sistema público de emprego, mas não colocou limites à
demissão arbitrária. Equiparou trabalhadores rurais e urbanos e ampliou os direitos dos
domésticos, mas não tratou das questões relacionadas à existência de um amplo contingente
50
de trabalhadores autônomos que estão à margem das relações assalariadas – enquanto se
fortalece o movimento de flexibilização, verifica-se ainda um contingente de trabalhadores
informais, sem qualquer regulação para assegurar condições mínimas - como garantir seus
direitos, se nem aos equiparados pela lei há efetividade?
A idade mínima para trabalhar, por exemplo, embora esteja presente na legislação
brasileira desde antes da CF/88, não extermina situações de trabalho infantil em várias
atividades econômicas. Isso demonstra como nem sempre a constituição de direitos é
materializada. Nesse sentido, as mudanças trazidas pela Constituição não parecem capazes de
propiciar uma ruptura com o legado histórico das relações de trabalho e da exploração
capitalista, tampouco criaram para o universo de trabalhadores um anteparo contra as leis do
mercado.
Os resultados da análise sobre a legislação trabalhista constataram retrocessos sociais
importantes traduzidos na flexibilização da regulamentação trabalhista. Criam-se mecanismos
legais que imprimem ao trabalho uma falsa autonomia, negando que a relação antagônica de
capital x trabalho precise ser mediada. O Estado vem adotando um padrão de leis trabalhistas
que favorece o pólo mais forte da relação, demonstrando que a justiça, como qualquer
instituição burguesa, também sofre as determinações do mercado.
Como verificado, os anos que sucederam a promulgação da Constituição foram
caracterizados por um afrouxamento das amarras que regulam as relações trabalhistas,
ampliando o poder das empresas na determinação das condições de uso, contratação e
remuneração do trabalho. Este conjunto de medidas na área trabalhista foi, de maneira geral,
liderada pelo Poder Executivo Federal, que as introduziu de forma pontual e gradativa,
explorando as linhas de menor resistência a mudanças.
Frente ao quadro exposto cabe um questionamento: haveria outra escolha aos
trabalhadores senão flexibilizar?
Diante de uma economia de mercado e de estratégias de gerenciamento que deslocam
o trabalho para a crescente eliminação da proteção social, a desesperança e o medo são
sentimentos comuns aos trabalhadores, especialmente os mais pobres. Na era da acumulação
flexível, os trabalhadores parecem viver, como na leitura contemporânea de Pierre Bordieu,
em um estado de “flexploração”.
Flexibilização é a ordem do dia e significa contratos renováveis e empregos
temporários, sem garantias nem direitos, de relações baseadas em insegurança e
transitoriedade. O significado social do trabalho, de poder emancipador, se fragiliza meio a
tantas contradições. A própria política – ou seja, “a arte de pensar as mudanças e de criar as
51
condições para torná-las efetivas” segundo o geógrafo Milton Santos - se desmancha no ar,
“vivemos numa ‘democracia de mercado’”.
Para o capital, a existência de um contingente de desempregados – o exército de
reserva - contribui para dar aos trabalhadores a impressão de que não são insubstituíveis e que
o seu trabalho é um privilégio (privilégio, porém, fraco e ameaçado, motivo pelo qual deve
fazer o possível para permanecer no seu emprego). Isto porque o seu colega de trabalho não é
mais encarado como um companheiro para futuras e possíveis lutas contra o capital, mas
acaba se tornando um rival. Isto gera uma concorrência pelo emprego dentro e fora do
ambiente do trabalho, conduzindo à desmobilização da classe dos trabalhadores, afligida.
“Qual é o destino do operário? Um trabalho infrutífero, estéril, a esmagá-lo agora e a
expectativa de uma velhice miserável no futuro?” Thomas More disse isso no século XVI, no
seu clássico “A Utopia”. A exploração continua, a diferença é que, na época de More,
sonhava-se com utopias. Hoje, nem isso.
O termo “flexploração" evoca a gestão da insegurança e demonstra uma exploração
cada vez mais “bem-sucedida”, fundada na divisão entre aqueles, cada vez mais numerosos
que não trabalham, e aqueles, menos numerosos, que trabalham cada vez mais. A
concorrência no trabalho e pelo trabalho é reveladora de uma luta de todos contra todos, que
destrói os valores de solidariedade e de humanidade.
A falta de adversários ideológicos fez do capitalismo o único horizonte visível.
Acredita-se que a desigualdade é como o sol e a chuva: existe porque sempre existiu. E a
precariedade assim se inscreve, num modo de dominação em que os trabalhadores destituídos
de estabilidade perdem sua força, seu vigor. Não fracos, porém, esterilizados.
Como ser humano, acredito na luta. Encorajar as vítimas da exploração a trabalhar, em
comum, contra os efeitos destruidores da precariedade, numa revolução que poderia começar
pelo abandono da visão calculista e individualista que reduz agentes à condição de homens
simplesmente preocupados em resolver questões estritamente econômicas.
Não se trata apenas de saber o que o futuro nos reserva, mas o que o futuro espera de
nós. Daqueles que têm papel transformador, capaz de destruir a estrutura posta e reconstruí-la,
tomando por base estratégias democráticas que viabilizem a efetivação do direito, e isso só é
provável com a superação do capitalismo e da sociedade burguesa. Só por essa via será
possível colocar o em primeiro lugar o que é primordial: as necessidades humanas. O “reino
da liberdade”, segundo Marx, nada mais é do que o atendimento das verdadeiras e reais
necessidades humanas.
52
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ANEXO I
57
ANEXO II
FONTE: IPEA
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