UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
Instituto de Geociências
Departamento de Geografia
M O N O G R A F I A
Análise combinada de planos de informação
associados à expansão da cultura de cana-de-
açúcar no território brasileiro.
João Humberto Camelini
Orientador
Prof. Dr. Ricardo Abid Castillo
CAMPINAS
Novembro de 2008
Monografia de conclusão de curso apresentada ao Departamento de Geografia do Instituto de Geociências da Unicamp, sob orientação do Professor Ricardo Abid Castillo, como exigência parcial para obtenção do título de Bacharel em Geografia.
Capa
Alguns dos planos de informação relacionados à expansão da cultura de cana-de-
açúcar no Brasil. Elaboração própria a partir de imagens obtidas nos sites:
http://www.biologico.sp.gov.br/imagens/bioin/n3/cana.jpg,
http://www.pedologiafacil.com.br/imagem/artig_6_fig_1.gif
http://g1.globo.com/Noticias/Economia_Negocios/foto/0,,14895640-EX,00.jpg
http://www.paisagismobrasil.com.br/pub/Dicas/solo%20subsrato%201.jpg
http://www.gettyimages.com
http://www.corumba.ms.gov.br/modules/xcgal/albums/userpics/10004/normal_hidrovia.jpg
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 3
Í N D I C E
Índice de Mapas, Figuras e Tabelas 6
Agradecimentos 8
Introdução 9
Capítulo 1
Pequeno Histórico da Cultura de Cana-de-Açúcar no Brasil 11
A Introdução da Cana-de-Açúcar no Brasil 12
Características do Modelo de Exploração 13
As Crises Cíclicas do Açúcar 15
A Vinda da Coroa Portuguesa ao Brasil e A Primeira Guerra Mundial 17
Criação do IAA: Início da Economia Açucareira Planejada 19
Segunda Guerra Mundial e Deslocamento da Produção para o Sudeste 20
O Proálcool e sua Importância para a Ciência e Tecnologia do Brasil 21
Desregulamentação do Setor Sucroalcooleiro – o fim do IAA 22
Oligopolização e Injeção de Capitais Estrangeiros 23
O Papel do Estado: Conflitos entre Interesses Públicos e Privados 29
Capítulo 2
A Revolução da Agricultura Científica e Algumas Implicações 38
Produção e Produtividade 39
O Período Atual e a Agricultura Científica Globalizada 41
Circuito Espacial Produtivo da Cana-de-Açúcar 44
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 4
As Geotecnologias como Suporte ao Novo Modo de Operar 50
Aerofotogrametria 51
MDT (Modelos Digitais de Terrenos) 52
SIG (Sistemas de Informações Geográficas) 52
GPS (Global Positioning System) 53
SR (Sensoriamento Remoto) 54
Pacotes de Agricultura de Precisão 55
Redes Telemáticas e o Gerenciamento Remoto da Produção Agrícola 56
Capítulo 3
Fatores que Orientam os Eixos Expansionistas Atuais 58
Desconcentração Espacial da Produção 59
Aspectos Físicos
Topografia versus Mecanização 60
Terras: Disponibilidade e Adequação de Solos 62
Clima e Disponibilidade Hídrica 65
Aspectos Econômicos
O Novo Valor do Recurso Terra 70
Estrutura Fornecedora de Insumos e Serviços 72
Força de trabalho: Mecanização e Especialização 75
Aspectos Estruturais e Políticos
Logística: Integração Multimodal e Expansão da Rede 75
Variedades de Cana: A Importância do Fomento à Ciência e Tecnologia 84
Legislação Ambiental 87
A Guerra entre os Lugares 91
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 5
Capítulo 4
Análise Combinada de Camadas de Informação Relacionadas à Expansão 96
Fatores Excludentes 97
Fatores Reforçadores 100
Tendências da Expansão 102
Considerações Finais 106
Referências Bibliográficas 108
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 6
Í N D I C E D E M A P A S ,
F I G U R A S E T A B E L A S
MAPAS
Mapa 1 - Usinas de Açúcar e Álcool: distribuição no território brasileiro 25
Mapa 2 - Usinas de Açúcar e Álcool: ênfase da produção por unidade instalada 36
Mapa 3 - Usinas de Açúcar e Álcool: número de unidades instaladas por município 59
Mapa 4 - Áreas com declividade superior a 12% 62
Mapa 5 - Classificação de solos do território brasileiro 63
Mapa 6 - Potencial do solo para a cultura de cana 64
Mapa 7 - Classificações climáticas no território brasileiro 66
Mapa 8 – Quadro geral de precipitação pluviométrica no Brasil 67
Mapa 9 – Sistemas de bacias hidrográficas do Brasil 68
Mapa 10 – Relação entre demanda e disponibilidade hídrica no Brasil 69
Mapa 11 – Principais portos 79
Mapa 12 – Principais hidrovias 82
Mapa 13 – Principais ferrovias 83
Mapa 14 - Corredores de transporte multimodais 84
Mapa 15 - Biomas do Brasil 87
Mapa 16 - Classes de vegetações do território brasileiro 88
Mapa 17 - Zoneamento Agroambiental para o Setor Sucroalcooleiro de São Paulo 91
Mapa 18 - Classificação de políticas de incentivo fiscal ao setor sucroalcooleiro 94
Mapa 19 - Áreas com restrições ao avanço do setor sucroalcooleiro 99
Mapa 20 - Áreas com restrições ao avanço e unidades atualmente instaladas 100
Mapa 21 - Produção da cultura de cana-de-açúcar no Brasil em 1990 103
Mapa 22 - Produção da cultura de cana-de-açúcar no Brasil em 2006 104
Mapa 23 - Principais tendências da desconcentração espacial da cana 105
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 7
FIGURAS
Figura 1 – Distribuição espacial da cultura de cana-de-açúcar no início do século XIX 16
Figura 2 – Distribuição espacial da cultura de cana-de-açúcar no início do século XX 18
Figura 3 - Aumento da Produção Relativa de Álcool 22
Figura 4 - Evolução das Exportações Brasileiras de Álcool 32
Figura 5 - Evolução Histórica da Produção de Cana-de-Açúcar 39
Figura 6 - Relação Histórica entre Produção e Produtividade de Cana-de-Açúcar 40
Figura 7 – Fluxograma simplificado do processo de produção de açúcar e álcool 47
Figura 8 – Elementos que cercam um empreendimento sucroalcooleiro 48
Figura 9 - Evolução da Produção Brasileira por Tipo de Álcool 49
Figura 10 – Principais etapas de um ciclo da Agricultura de Precisão 50
Figura 11 – Mosaico de imagens 51
Figura 12 – Modelo digital de terreno 52
Figura 13 – Diversos mapeamentos de deficiências do solo 53
Figura 14 – Mapeamento da biomassa de cana 55
Figura 15 – Mapeamento de infestação por pragas 55
Figura 16 - Participação de Fornecedores e Produtores Próprios de Cana-de-Açúcar 71
Figura 17 – Maiores concentrações da indústria, comércio e serviços 74
Figura 18 – Participação dos diferentes modais no Brasil 76
Figura 19 – Expansão prevista para a rede de dutos nacional 81
Figura 20 – Cronograma de Redução de Queimas nos Canaviais 89
Figura 21 – Evolução de Colheita de Cana sem Queima 90
TABELAS
Tabela 1 – Principais Grupos Usineiros do Brasil 24
Tabela 2 – Produção Mundial de Etanol (em bilhões de litros) 31
Tabela 3 – Maiores Exportadores Mundiais de Açúcar 37
Tabela 4 - Síntese das Características dos Modais de Transportes 77
Tabela 5 – Larguras das Áreas de Preservação Permanentes 88
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 8
A G R A D E C I M E N T O S
Agradeço em primeiro lugar aos meus pais, Crecencio e Santina, que sempre
foram exemplos para mim, me incentivaram a estudar e a dar valor ao conhecimento e
à honestidade. Por meio do seu esforço e sacrifício, fui privilegiado por ter as
oportunidades que precisei e por ser orientado a aproveitá-las. Quero dedicar este
trabalho e minha especial gratidão à minha mãe, que infelizmente não pôde estar
presente neste momento de extrema alegria, mas que certamente está sentindo a
mesma satisfação que eu, onde quer que esteja. Estendo o agradecimento a todos os
meus familiares mais próximos, particularmente à minha irmã Cleide e meu tio
Rogério. Devo, também, um agradecimento especial à Van, que me acompanhou
durante a maior parte do curso de Geografia. Valeram todos estes anos de Unicamp só
pelo fato de tê-la conhecido.
Agradeço ao meu orientador, Ricardo Castillo, que apesar de todo o
conhecimento que detém, mostrou-se uma pessoa extremamente simples e paciente,
disposto a dedicar uma parte significativa de seu tempo para auxiliar na elaboração
deste modesto trabalho acadêmico.
Agradeço a todos os funcionários do IG, mas em especial à Jô, “seo” Aníbal e
“tia” Raimunda que, sempre muito simpáticos e prestativos, facilitaram muito as coisas
para mim quando precisei de ajuda, especialmente nos primeiros dias. Também devo
um agradecimento especial aos muitos amigos que fiz, com quem espero manter
contato pelo resto da vida.
Durante os anos em que estudei no Instituto de Geociências da Unicamp,
aprendi a conviver com os mais diferentes tipos de pessoas e também a entender a
forma como elas pensam. Este foi, sem dúvida, o maior conhecimento adquirido no
tempo em que permaneci na graduação. Agradeço, portanto, às pessoas que me
“obrigaram” a ser um pouco mais flexível na minha forma de pensar e agir, pois este é
um capital que levarei comigo para o futuro.
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 9
I N T R O D U Ç Ã O
A matriz energética mundial está sendo revista em função de diversos fatores,
entre eles o aumento do preço do petróleo, que oscila com a incidência de conflitos
envolvendo os principais produtores mundiais, questões especulativas, ambientais,
entre outras. Sua inevitável escassez está prevista ainda para este século, exigindo
uma solução viável e, principalmente, renovável, já que existem acordos firmados
entre os Estados objetivando a redução gradual da emissão de gases prejudiciais ao
meio ambiente, como o protocolo de Kyoto, o que aumenta ainda mais a pressão pela
busca de uma solução urgente.
Inserido nesta conjuntura, o álcool surge como uma excelente alternativa e o
Brasil segue na vanguarda, pois foi o primeiro país a adotar, em grande escala, um
combustível alternativo aos fósseis em sua matriz energética. Além de utilizar o álcool
hidratado para abastecimento direto, determinou, ainda, a adição compulsória de
álcool anidro à gasolina, atualmente na proporção de 20%. Tudo isto é fruto de um
conjunto de decisões políticas ao longo da história do país, que permitiram
desenvolver um arcabouço tecnológico nos últimos trinta anos, do qual resultou, por
exemplo, a tecnologia FlexFuel. (VIEIRA, s.d.)
Por todos os motivos citados anteriormente, a questão do desenvolvimento da
agroindústria sucroalcooleira tem extrema importância para a compreensão dos
rumos que vêm sendo trilhados pelo Brasil em busca de espaço no mercado
globalizado. A imensa extensão das terras agricultáveis se apresenta como uma
alternativa bastante palpável de aproveitamento econômico, um verdadeiro “fundo
territorial”, como é ricamente discutido por MORAES (2005). O aproveitamento deste
potencial está intimamente relacionado a uma série de conflitos envolvendo a
concentração de terra e renda, que não podem ser ignorados em nome do
crescimento econômico.
O máximo aproveitamento das possibilidades existentes, no entanto, está
inegavelmente atrelado ao conhecimento e domínio de um conjunto de variáveis
limitantes ou potencializadoras de cada região do país, de acordo com o tipo de
cultura e processamento industrial que se pretende implantar. O presente estudo tem
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 10
por objetivo identificar algumas destas variáveis e apresentá-las sob forma de planos
de informação que, combinados, fornecerão indícios confiáveis de quais porções do
território brasileiro são mais suscetíveis a sofrer interferência da cultura de cana-de-
açúcar e sua indústria, a montante e a jusante.
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 11
C A P Í T U L O 1
Pequeno Histórico da Cultura de
Cana-de-Açúcar no Brasil
Pequeno Histórico da Cultura de Cana-de-Açúcar no Brasil
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 12
A Introdução da Cana-de-Açúcar no Brasil
A ocupação efetiva do território brasileiro ocorreu em grande parte devido à
pressão de alguns países europeus, que exigiam de Portugal e Espanha uma postura
mais ativa de exploração das terras abundantemente disponíveis e recentemente
descobertas. Este esforço inicial, no entanto, seria muito dispendioso, exigindo que
Portugal realizasse o desvio de recursos aplicados em empresas já operantes,
produtivas e lucrativas. Evidentemente, tal aporte financeiro teria que ser plenamente
justificado pela obtenção de lucros significativos no menor espaço de tempo possível,
o que levou a Metrópole a optar pelo investimento num produto de mercado amplo e
em expansão, cujas estratégias de plantio, processamento e comercialização
estivessem totalmente dominadas. Foi neste contexto que o açúcar, especiaria
bastante apreciada na Europa, se apresentou como uma alternativa viável,
principalmente devido à experiência lusitana com a produção em menor escala nas
ilhas do Atlântico, que permitiu obter completo domínio das principais rotas de
escoamento da produção. A atividade açucareira seria, portanto, fundamental dentro
do processo de colonização iniciado no século XVI (FURTADO, 1980).
A cana-de-açúcar foi introduzida inicialmente no Nordeste Brasileiro, poucos
anos após o descobrimento, na capitania de Pernambuco, pertencente a Duarte
Coelho. A proximidade com a Europa foi claramente um fator essencial para a escolha
daquelas terras como principais centros produtores, já que os recursos de transporte
da época eram bastante limitados, caros e sujeitos a riscos de perda e atraso, mesmo
para os experientes navegadores portugueses. Ademais, as condições de clima e solo
eram bastante adequadas, de modo que, em muito pouco tempo, o litoral foi ocupado
por esta cultura e em 1550 o Brasil se tornara o maior produtor mundial de açúcar,
beneficiando a coroa portuguesa, que acumulava os lucros oriundos do mercado
Europeu, altamente capitalizado pelo ouro e prata extraídos do Novo Mundo. Neste
período, a Zona da Mata Nordestina e o Recôncavo Baiano eram as principais regiões
envolvidas com a atividade canavieira, que também ocorria em menor intensidade no
Maranhão, Rio de Janeiro e São Paulo, onde as tentativas de implantação em maior
escala foram frustradas, pois, além da questão da distância da Europa, as terras não
Pequeno Histórico da Cultura de Cana-de-Açúcar no Brasil
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 13
eram tão férteis na proximidade com o litoral e o interior apresentava dificuldades de
acesso para ocupação e escoamento da produção (VIEIRA, s.d.).
Desde o primeiro momento em que a cultura de cana-de-açúcar se instalou na
colônia, a posse da terra – e, principalmente, de escravos para viabilizar sua
exploração – foi um fator determinante para o poder político e econômico. Em
conseqüência do modelo de capitanias adotado para a divisão do território brasileiro e
suas características de ocupação, havia grandes extensões de terras pertencentes a um
só indivíduo. Ter a posse da terra e condições de explorá-la correspondia à
materialização do poder, de modo que o investimento em capital fixo se reverteria
automaticamente em significativos ganhos financeiros, prestígio e facilidades diversas.
Com isto, os senhores de engenho criaram cenários de coronelismo que ainda nos dias
atuais podem ser notados residualmente em alguns fragmentos do nordeste brasileiro.
A produção de açúcar era um negócio extremamente lucrativo, tanto que a
criação de diversas vilas e a implantação de uma estrutura de coordenação
administrativa das capitanias em Salvador foram financiadas pelas suas exportações
para a Europa, cujo mercado em expansão serviria como fator de orientação de uma
série de transformações pelas quais passou a colônia. A ocupação entre 1530 e 1640
foi baseada essencialmente no cultivo de cana e extração de madeira, sendo grande
parte desta utilizada para queima nos fornos, construção de embarcações e estruturas
de armazenamento. A atividade relacionada à pecuária se destinava exclusivamente à
subsistência.
Características do Modelo de Exploração
Os três componentes fundamentais da organização do Brasil-Colônia, segundo
SZMRECSÁNYI (1990) foram o extrativismo, que alimentou a monocultura voltada à
exportação, a grande propriedade fundiária, que permitiu a ocupação extensiva pela
cana e, finalmente, o trabalho escravo, que foi o motor da produção. Esta configuração
de fatores aponta para um modo um tanto artesanal de produzir, visando apenas e tão
somente a exploração agrícola do território, dentro de uma economia primário-
exportadora. Práticas como a irrigação não eram empregadas, bem como a seleção de
variedades para o plantio, entretanto as ótimas condições do meio físico-químico
Pequeno Histórico da Cultura de Cana-de-Açúcar no Brasil
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 14
faziam com que a produtividade fosse compatível com as expectativas, já que a
associação entre a abundância de terras e o baixo custo da mão-de-obra tornaram
tranqüila a tarefa de atender o mercado consumidor e, ao mesmo tempo, garantir
lucros elevados num primeiro momento.
A utilização de mão-de-obra escrava ocorreu por uma série de fatores, entre
eles o econômico, afinal Portugal não dispunha de trabalhadores suficientes para esta
tarefa e o deslocamento de seus cidadãos para a Colônia somente ocorria por meio de
um esforço de convencimento muito grande e altos custos, já que as condições em
que a vida se dava aqui eram totalmente adversas, principalmente em comparação
com a Metrópole. O fato é que a escassez de mão-de-obra foi a maior dificuldade
encontrada na etapa inicial da ocupação do território com a cultura de cana-de-açúcar.
A escravização indígena fez parte do planejamento inicial, viabilizou a instalação da
empresa açucareira e constituiu uma alternativa fundamental para aqueles núcleos
coloniais sem recursos suficientes para expansão, porém o alcance de novos
patamares de produção somente se tornou viável com a introdução em massa de
trabalhadores, sem incertezas de recrutamento e com maior eficiência. Desta maneira,
o caminho encontrado foi a utilização de escravos africanos, cujo comércio, como
efeito colateral, atenderia a muitos interesses e permitiria o estabelecimento de
atividades altamente lucrativas de captura, compra e venda, integrando-se com uma
rede pré-estabelecida na Europa. O escravo, desta forma, além de ser parte
importante do processo de acumulação do capital, viabilizou o aumento da produção
com o menor custo, pois os gastos de manutenção de um trabalhador eram realmente
os mínimos para que sua mão-de-obra se reproduzisse.
O beneficiamento da produção de cana era bastante primitivo, praticamente
artesanal e sem nenhuma preocupação com o desenvolvimento de novas técnicas, o
que poderia significar enormes problemas de competitividade num cenário futuro. A
existência de demanda alta e constante por parte da Metrópole, que não tinha
concorrência à altura na Europa, fazia com que o retorno do investimento utilizando os
mesmos padrões de produção fosse certo. A ausência de qualificação empresarial dos
fazendeiros impedia que outras perspectivas fossem observadas à época e, mesmo
que houvesse tal qualificação, isto dificilmente ocorreria, pois, na verdade, os
colonizadores tinham em mente apenas fazer fortuna, explorando ao máximo e no
Pequeno Histórico da Cultura de Cana-de-Açúcar no Brasil
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 15
menor tempo possível os recursos naturais disponíveis (SZMRECSÁNYI, 1990). O
engenho era a estrutura mais evoluída como unidade industrial, composto
basicamente por moendas, caldeiras e purgadores. Pela descrição geral do seu
funcionamento, pode-se notar a simplicidade das operações envolvidas na produção:
“O engenho de produção canavieira propriamente dito compreendia várias edificações, cada uma delas destinadas a uma fase do processamento da cana. Na Casa da Moenda, a cana era esmagada em cilindros movidos por uma roda-d'água ou por parelhas de bois, obtendo o caldo da cana. Depois, os escravos transportavam o caldo para a Casa das Fornalhas, a fim de ser concentrado em grandes tachos de cobre e transferido para as formas, onde o açúcar cristalizava. Já na Casa de Purgar, a massa era purificada e dividida em pedaços chamados pães-de-açúcar.” (COPERSUCAR, s.d.).
O maior problema, no entanto, era o desenvolvimento de técnicas agrícolas.
Mesmo depois da abolição da escravatura, não há registros de inovações relevantes no
processo produtivo da agricultura, já que a grande preocupação, isto sim, era com o
processamento industrial, devido principalmente à exigência dos mercados
consumidores pela qualidade do produto final.
As Crises Cíclicas do Açúcar
É necessário ressaltar que não foi apenas por questões técnicas que o Brasil-
Colônia perdeu o monopólio no fornecimento de açúcar para a Europa, isto seria
apenas um agravante. A crise da empresa açucareira se iniciou de fato quando
Portugal passou para o domínio espanhol, o que indispôs o império Português com a
Holanda, resultando na invasão Holandesa de 1630 a 1654. Durante este período, os
Holandeses adquiriram conhecimento técnico sobre a cultura e, após a expulsão,
passaram a produzir por menor preço na América Central e Antilhas, que são regiões
mais próximas da Europa. A base técnica holandesa era mais avançada e as terras se
concentraram nas mãos de grandes produtores, o que conferiu nexo político,
econômico e viés técnico, já que no Brasil o plantio era extensivo, devorador de terras,
sem busca por novas variedades. Seguiu-se, então, a descoberta do ouro em Minas
Gerais e um longo período em que o cultivo de cana-de-açúcar permaneceria apenas
marginalmente como atividade econômica.
Pequeno Histórico da Cultura de Cana-de-Açúcar no Brasil
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 16
Uma nova etapa positiva somente se iniciaria no início do processo de
independência das colônias européias, quando a produção nas Antilhas e América
Central teve uma redução brusca e os Estados Unidos interromperam o fornecimento
para a Inglaterra, que passou a ser um grande comprador. O Brasil, no entanto,
voltaria a perder a liderança quando a Europa passou a produzir açúcar de beterraba, o
que lhe conferiu maior autonomia. Esta exposição cíclica a crises é uma característica
histórica da atividade canavieira no Brasil e faria com que medidas reguladoras fossem
implantadas no futuro, como forma de proteção. Eis a distribuição espacial da cultura
de cana-de-açúcar e outras atividades econômicas no território brasileiro do início do
século XIX:
Figura 1 – Distribuição espacial da cultura de cana-de-açúcar no início do século XIX
Fonte: Atlas Histórico e Geográfico do MEC
Pequeno Histórico da Cultura de Cana-de-Açúcar no Brasil
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 17
A Vinda da Coroa Portuguesa ao Brasil e A Primeira Guerra Mundial
Um marco extremamente importante para a agricultura brasileira foi a vinda da
família real portuguesa, que revolucionou a condição do Brasil no cenário internacional
sob vários aspectos, mas principalmente no que diz respeito à sua relação comercial ,
que deixou de ter caráter exclusivo-metropolitano.
“A agricultura brasileira só começou a existir concretamente como setor econômico diferenciado a partir da independência política do país e, principalmente, da formação em seu interior de uma economia de mercado.” (SZMRECSÁNYI, 1990)
Esta independência foi iniciada de fato em 1808, quando a abertura dos portos
foi decretada. Como marco de um novo período de desenvolvimento da agricultura
nacional, Dom João VI criou o Jardim Botânico no Rio de Janeiro, o que representou
um grande impulso para a pesquisa relacionada à agricultura. No cenário acadêmico, o
ano de 1812 foi muito importante, já que marcou a instituição do primeiro curso de
agricultura na Bahia. No final do mesmo século, em 1887, o imperador Dom Pedro II
fundou a Imperial Estação Agronômica de Campinas, que seria transferida para o
governo do estado de São Paulo em 1892, originando posteriormente o Instituto
Agronômico de Campinas (IAC). Campinas encontrava-se numa região em pleno
crescimento, com grandes condições de desenvolvimento e as atividades da Estação
foram preferencialmente voltadas à pesquisa, conforme orientação de Franz Dafert, o
primeiro diretor da instituição, que optou por seguir o modelo alemão de
estruturação.
Especificamente com relação à cana, o ano de 1857 foi importante, pois Dom
Pedro II elaborou um programa de modernização da produção de açúcar, que
realmente estava em dafasagem no Brasil, contando com o apoio de tecnologias
provenientes da Revolução Industrial, o que tornaria possível a criação dos chamados
Engenhos Centrais, que apenas processavam a matéria-prima, cuja responsabilidade
de fornecimento era de terceiros, num modelo comparável em parte ao existente
atualmente nas usinas. Devido à falta de interesse dos fornecedores e
desconhecimento do funcionamento dos novos equipamentos, o modelo fracassou e
Pequeno Histórico da Cultura de Cana-de-Açúcar no Brasil
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 18
as unidades instaladas acabaram absorvidas pelos próprios fornecedores de
equipamentos, originando indústrias que passaram a ser chamadas de “Usinas de
Açúcar”. Esta modernização seria particularmente útil para compensar em parte a
proibição do trabalho escravo, já que este não era interessante para o capital investido
durante a Revolução Industrial, que demandava um mercado consumidor em
constante crescimento.
No início do século XX, esta era a distribuição espacial das atividades
econômicas predominantes:
Figura 2 – Distribuição espacial da cultura de cana-de-açúcar no início do século XX
Fonte: Atlas Histórico e Geográfico do MEC
Mesmo com algum avanço técnico, o açúcar de cana não fazia frente ao de
beterraba, que predominava na Europa, até que um fato novo fez surgir mais uma
Pequeno Histórico da Cultura de Cana-de-Açúcar no Brasil
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 19
onda positiva na economia açucareira do Brasil: a Primeira Guerra Mundial. Durante
este período, que se iniciou em 1914, a produção de açúcar voltada à exportação foi
bastante estimulada e a inovação do engenho a vapor foi amplamente incorporada,
criando uma exigência por investimentos que comprometeram grande parte do capital
dos senhores de engenho e suas primeiras safras, o que inviabilizou financeiramente a
continuidade dos trabalhos. Foi assim que muitas usinas recém criadas foram
absorvidas por unidades vizinhas.
Criação do IAA: Início da Economia Açucareira Planejada
Em 1929, a quebra da bolsa de valores foi mais um evento que resultou em
crise do açúcar no mercado internacional. Como forma de tentar controlar este
problema que periodicamente se manifestava, algumas medidas foram necessárias
para reorganizar e reestruturar a economia canavieira. A mais importante delas foi,
sem dúvida nenhuma, a criação do Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) em 1933,
durante a Era Vargas. O IAA foi um órgão regulador, que determinou normas rígidas
para os processos produtivos, estabeleceu cotas de produção para as unidades
instaladas e se encarregou de controlar a comercialização nos mercados interno e
externo. Ele centralizava as operações de exportação, pois era a única instituição que
podia comprar açúcar no mercado interno e estabelecer contratos com esta finalidade.
Também era responsável por conceder subsídios aos produtores, principalmente das
regiões Norte, Nordeste e no estado do Rio de Janeiro. O IAA simbolizou a resposta
protecionista do governo às diversas exposições do açúcar a crises históricas no
mercado internacional. Com ele o governo conseguia controlar a produção e manter
os preços num patamar adequado aos seus interesses, utilizando estoques
reguladores, num mecanismo de proteção do mercado e ordenamento do uso do
território. Isto limitou a capacidade produtiva e restringiu as possibilidades de
expansão da cultura de cana-de-açúcar, algo que certamente contrariou os princípios
capitalistas, mas por outro lado pressionou o setor para a evolução tecnológica, já que
a busca de redução de custos e aumento da produtividade tornaram-se as únicas
alternativas para conservar a lucratividade em níveis compensadores. Esta obsessão se
enraizou culturalmente no setor sucroalcooleiro brasileiro, onde se faz presente até os
Pequeno Histórico da Cultura de Cana-de-Açúcar no Brasil
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 20
dias atuais, em que é particularmente útil para conferir competitividade diferenciada a
este segmento.
Segunda Guerra Mundial e Deslocamento da Produção para o Sudeste
Durante a segunda guerra mundial (1939 a 1945), houve uma série de
dificuldades para a execução de transporte marítimo do açúcar, devido à guerra
submarina, que se mostrou bem mais intensa do que a ocorrida na primeira guerra
mundial. Isto prejudicou as exportações, que passaram a atender apenas países
vizinhos, preferencialmente por terra, já que mesmo a navegação de cabotagem era
considerada arriscada. E foi devido a esta restrição ao transporte costeiro, responsável
também pelo deslocamento do açúcar do Nordeste para o Sudeste, que ocorreu uma
mudança extremamente importante na localização do parque de usinas. Como o eixo
Centro-Sul do país concentrava os principais centros consumidores, especialmente Rio
de Janeiro e São Paulo, as dificuldades de navegação fizeram com que o Nordeste
arcasse com uma superprodução contrastante com a escassez da outra parte do país.
Para resolver este problema, a região Sudeste passou a desenvolver seu próprio centro
produtivo e se transformou, aos poucos, no principal pólo produtor.
Logo após o término da segunda guerra mundial, a participação brasileira no
comércio exterior aumentou significativamente, mas os preços foram retornando ao
normal quando a produção européia se restaurou. Devido à regulação estatal, os
produtores do sudeste não puderam expandir sua produção para aproveitar as
oportunidades do período, o que causou grande insatisfação. Por este motivo, as
unidades instaladas em São Paulo fizeram duas tentativas, em 1945 e 1946, para
eliminar a interferência estatal, o que não ocorreu em função do poder político dos
produtores nordestinos e cariocas, que tinham interesse em continuar participando do
mercado paulista. Além disto, numa medida visando acalmar os paulistas, o IAA
aumentou as cotas de produção, incrementando de 17,6 para 22,2% a participação de
São Paulo no mercado nacional. Isto sinalizou o início da transferência da produção
para o Sudeste e, ao mesmo tempo, gerou superprodução, um problema crônico da
história da cana-de-açúcar no Brasil (SZMRECSÁNYI e MOREIRA, 1991).
Pequeno Histórico da Cultura de Cana-de-Açúcar no Brasil
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 21
O Proálcool e sua Importância para a Ciência e Tecnologia do Brasil
Para tentar equacionar esta situação, que persistia em ocorrer mesmo com a
regulação estatal, o álcool foi pela primeira vez cogitado como uma alternativa à
produção de açúcar nos momentos de oscilação do mercado. Para que isto fosse
possível, o IAA procurou incentivar a adição de álcool anidro à gasolina, o que ocorreu
timidamente, já que não era uma prática obrigatória. Esta política foi abandonada
quando a empresa estatal Petrobras iniciou suas atividades e, com ela, um conjunto de
refinarias de petróleo, o que deu início a um período de busca pela auto-suficiência.
Em 1973, no entanto, quando iniciou-se a primeira crise mundial do petróleo, o país
ainda importava 80% da sua necessidade de consumo, o que tornou imprescindível
criar fontes de energia alternativas internas. Por este motivo, em 1975 foi dado início
ao Proálcool (Programa Nacional do Álcool), que passou a regulamentar a mistura de
álcool à gasolina, tornando-a compulsória e diminuindo, assim, a necessidade de
importação de óleo cru. O álcool, antes do programa Proálcool, era produzido de
forma residual, ou seja, a partir de subprodutos do açúcar. Com os estímulos do
programa, que contou com o financiamento do Banco Mundial, houve aumento
considerável da área plantada, foram criadas destilarias autônomas, destinadas
exclusivamente à fabricação de álcool a partir do caldo. Foram, também, criadas
destilarias anexas, que tinham custo de produção levemente superior, mas contavam
com a possibilidade de intensificar a produção de açúcar em caso de crise.
Além do seu caráter regulamentador, o Proálcool também trouxe diversos
benefícios à economia nacional. Primeiramente, ele estimulou a ciência e tecnologia
nacionais, pois viabilizou financeiramente o desenvolvimento de pesquisas que
resultaram num combustível renovável independente do mercado internacional do
petróleo, cuja produção gerou muitos empregos diretos e indiretos. Em segundo lugar,
o programa foi importante para o desenvolvimento de alternativas econômicas em
várias regiões, pois houve certo cuidado na distribuição espacial das unidades
produtivas para que fossem instaladas nas proximidades dos principais centros
consumidores. Foi assim que a região Centro-Oeste e o estado do Paraná tiveram
crescimentos consideráveis e assumiram papéis importantes no cenário brasileiro. O
Paraná, por exemplo, ultrapassou o estado de Alagoas na produção nacional, sendo
Pequeno Histórico da Cultura de Cana-de-Açúcar no Brasil
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 22
superado apenas por São Paulo. O gráfico apresentado na figura 3 demonstra como o
ano de 1975 foi importante para o estímulo inicial à produção de álcool:
Figura 3 - Aumento da Produção Relativa de Álcool
Fonte: MAPA
Desregulamentação do Setor Sucroalcooleiro – o fim do IAA
No ano de 1990, após diversas solicitações dos produtores do sudeste, o IAA foi
extinto e o setor sucroalcooleiro iniciou um processo de desregulamentação, que
resultou no aumento das exportações, principalmente por parte do Centro-Sul, que
ultrapassou o Norte-Nordeste neste aspecto. Com a desregulamentação, as unidades
em dificuldades financeiras e operacionais passaram a ser incorporadas por grupos
nacionais e estrangeiros, que possuíam as condições financeiras suficientes para
modernizar o setor, o que teve como efeito colateral a diminuição de empregos. De
qualquer forma, este evento deu início a um período de intensa exposição da indústria
sucroalcooleira ao capital estrangeiro, que, com a escalada de preços do petróleo e
previsão de escassez, procura combustíveis alternativos para investir seus recursos e
assim assegurar o fornecimento ininterrupto para a manutenção de suas atividades. O
novo papel do álcool está, desta forma, diretamente relacionado à demanda do
mercado mundial por alternativas aos combustíveis fósseis, que sejam renováveis e
menos poluentes. É claro, porém, que os biocombustíveis não deverão substituir por
completo os combustíveis fósseis, que atualmente predominam no mercado. Eles
terão como função iniciar um longo período de transição, em que parte do consumo
Pequeno Histórico da Cultura de Cana-de-Açúcar no Brasil
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 23
mundial será suprido por esta fonte. Desta forma, alguns estudos trabalham com a
possibilidade de substituição de cerca de 10 a 20% da gasolina adicionando etanol na
mistura até 2025 (VIEIRA, s.d.). Assim, usa-se a nomenclatura E10 para combustível
com adição de 10% de etanol de cana, E20 para 20% e assim por diante.
Oligopolização e Injeção de Capitais Estrangeiros
Exatamente em função da mundialização do álcool, sua importância estratégica
para a economia brasileira e os usos do território decorrentes desta dinâmica, torna-se
fundamental saber quais são os capitais envolvidos no setor sucroalcooleiro após a
desregulamentação, quando foi iniciado um processo de oligopolização mais intensivo.
Por meio de cruzamento de dados fornecidos pela UNICA (União da Indústria de Cana -
de-Açúcar), UDOP (União dos Produtores de Bioenergia), CTC (Centro de Tecnologia
Canavieira), consultas a websites das unidades produtivas e contatos com
funcionários, foi elaborada a relação dos principais grupos usineiros visando identificar
o perfil daqueles que têm atuado com maior intensidade no território brasileiro. A
tabela 1 apresenta o resultado do levantamento realizado:
Pequeno Histórico da Cultura de Cana-de-Açúcar no Brasil
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 24
Tabela 1 – Principais Grupos Usineiros do Brasil
GRUPO
UNIDADES
GRUPO
UNIDADES
Cosan 18
Agromen 2
Antônio Farias 7
Aralco 2
Louis Dreyfus 7
Atalla 2
José Pessoa 6
Balbo 2
Santa Terezinha 6
Batatais 2
Carlos Lyra 5
Bertolo 2
João Lyra 5
Branco Peres 2
Moema 5
Carolo Bortolo 2
Petrus Commodities 5
Cerradinho 2
Santelisa Vale 5
Clealco 2
Tereos 5
Colombo 2
Alto Alegre 4
Cooperb 2
Coruripe 4
Diné 2
Dedini 4
ETH Bioenergia 2
Infinity Bio-Energy 4
Ipiranga 2
Japungu 4
Itaiquara 2
Nova América 4
Itamarati 2
Toledo 4
João Santos 2
EQM 3
Melhoramentos 2
GVO 3
Moreno 2
JB 3
Nova União 2
Naoum 3
Olho d´Água 2
Olival Tenório 3
Petribu 2
Pedra Agroindustrial 3
Sabarálcool 2
Santa Maria 3
Santa Adélia 2
Toniello 3
Santa Isabel 2
Una 3
Santo Antonio 2
Unialco 3
São Martinho 2
USJ Negócios 3 Zilor
3
Total
194
Fonte: Elaboração própria
Considerando as 370 usinas em operação no Brasil até o início de 2008, de
acordo com dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, o
levantamento identificou que aquelas pertencentes a grupos representam 52,4% do
total. Além destas, foram reconhecidas outras organizações que possuem apenas uma
unidade, mas têm demonstrado interesse em adotar a política de fusões e aquisições
Pequeno Histórico da Cultura de Cana-de-Açúcar no Brasil
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 25
como estratégia de crescimento, totalizando outras 53 usinas. Merecem destaque
grupos como BioFuel AS e Cargill, multinacionais com grande potencial de
investimento, que parecem aguardar o comportamento do mercado para iniciar
movimentos mais agressivos, provavelmente de aquisições, para dar início
rapidamente à produção. Se considerarmos também estas, o levantamento totalizará
247 unidades pertencentes a grupos ou pretensos grupos de diversos portes, mas
parece lógico que, com o aumento da competitividade, a tendência seja o predomínio
de grandes conglomerados resultantes de fusões. Atualmente, a distribuição espacial
das usinas de açúcar e álcool no território brasileiro ocorre conforme apresentado no
mapa 1, que segue:
A crescente necessidade de mudança da base técnica fez com que o setor
sucroalcooleiro se tornasse cada vez mais intensivo em tecnologia e impôs duras penas
Mapa 1
Pequeno Histórico da Cultura de Cana-de-Açúcar no Brasil
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 26
àqueles que insistiram na manutenção de modelos ultrapassados de gestão. Alguns
empresários mais arrojados apostaram no potencial do etanol e iniciaram políticas de
fusões e aquisições que diminuíram custos administrativos e geraram economias de
escala, enfraquecendo ainda mais as usinas que se mantiveram isoladas. Foi desta
forma que grupos como a Cosan foram criados e passaram a prevalecer no mercado
como grandes potências. A tendência de crescimento do etanol como alternativa
viável e globalizada gerou uma tendência irreversível de oligopolização que, aliada às
perspectivas de lucros no mercado internacional, atraiu o investimento por parte de
grupos estrangeiros, responsáveis pela injeção de grandes volumes de capital no
território brasileiro. Como resultado deste processo, grandes conglomerados
encontram-se em formação, essencialmente voltados para a produção de álcool. Todas
as estratégias vêm sendo elaboradas pensando o etanol como commodity, fato que
deverá se consolidar num prazo relativamente curto:
COSAN: Grupo brasileiro que se originou em São Paulo, pertencente à família
Ometto, que tem grande tradição dentro do setor. Utiliza uma estratégia
bastante agressiva de incorporação de unidades em dificuldades financeiras,
apostando na tendência cíclica de recuperação do mercado, o que a
transformou na maior organização do setor sucroalcooleiro nacional. Na safra
2007/2008, foi responsável pelo cultivo de uma área de 605 mil hectares,
produzindo 3,15 milhões de toneladas de açúcar e 1,57 bilhão de litros de
etanol. Com isto, gera 43 mil empregos diretos. Foi pioneira na terceirização da
produção e em investimentos mais intensivos em atividades de exportação de
açúcar na região centro-sul, quando a exclusividade do nordeste foi abolida.
ANTONIO FARIAS: Grupo brasileiro que atua nos estados de Pernambuco, de
onde se originou, Acre, Rio Grande do Norte, Goiás e São Paulo. Também
mantém atividades nos setores automotivo e fruticultura.
LDC: É uma empresa afiliada ao grupo Louis Dreyfus, de origem francesa,
especializado no processamento e comercialização de commodities desde
1851. Detém 15% do mercado mundial de suco de laranja, representa uma
grande força no comércio de grãos, açúcar, café, arroz e metais. Concentra-se
atualmente na expansão dentro do mercado de biocombustíveis e atua em
Pequeno Histórico da Cultura de Cana-de-Açúcar no Brasil
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 27
cinco regiões estratégicas: Argentina, Brasil, América do Norte, Europa e Ásia.
São Paulo é um dos centros de coordenação de suas operações e a holding que
controla as empresas é baseada na Holanda.
JOSÉ PESSOA: Grupo que se originou no estado de Alagoas, fundado por José
Pessoa de Queiroz, foi responsável pela criação da CBAA (Cia Brasileira de
Açúcar e Álcool). Adota uma política de crescimento moderado, lento em
comparação com as organizações anteriormente citadas. Sergipe, Mato Grosso
do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo representam outros estados em que o grupo
é presente, tendo sido iniciadas as atividades em território paulista apenas no
ano de 2000.
SANTA TEREZINHA: Com origem no estado do Paraná, fundado pela família
Meneguetti no ano de 1961, o grupo Santa Terezinha teve seu primeiro salto
de crescimento no início da implantação do PROÁLCOOL, em 1974, quando
iniciou a produção de álcool hidratado e, simultaneamente, passou a produzir
açúcar cristal para atender exclusivamente ao mercado interno. Na segunda
metade dos anos 80, o grupo iniciou, com o apoio do BRDE (Banco Regional de
Desenvolvimento do Extremo Sul), um processo de aquisição de destilarias com
problemas técnicos e financeiros, que estavam com elevados percentuais de
financiamento.
CARLOS LYRA: Segundo maior produtor de açúcar do Brasil e quarto em
moagem de cana, o grupo Carlos Lyra atua nos estados de Alagoas e Minas
Gerais. As atividades do grupo também estão relacionadas à telecomunicação,
transportes aéreos e tecelagem.
SANTELISA VALE: Constitui o segundo maior grupo brasileiro do setor
sucroalcooleiro. Resultante da fusão da Usina Santa Elisa e a Vale do Rosário,
após grande disputa com a Cosan e Bunge, a empresa pertencente à tradicional
família Biagi investiu fortemente em modernização e abriu seu capital,
recebendo investimentos do banco norte-americano Goldman Sachs. Adotou
uma linha administrativa mais profissional e agressiva para atuar com força no
promissor mercado de etanol.
Pequeno Histórico da Cultura de Cana-de-Açúcar no Brasil
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 28
Outros grupos merecem destaque devido à sua origem estrangeira e interesse
específico pela produção de biocombustíveis:
INFINITY BIOENERGY (Inglaterra): Possui a estratégia de identificar
tecnicamente as regiões mais apropriadas do ponto de vista logístico, agrícola,
fundiário, estrutural e fiscal para a implantação ou aquisição de unidades
produtivas, procurando obter economias de escala e vantagens competitivas na
produção e comercialização de etanol. Busca, também, a co-geração de energia
elétrica para exportação, por considerar este um mercado com enorme
potencial.
ETH BIOENERGIA (Japão/Brasil): Grupo criado em 2007 pela organização
Odebrecht, líder dos setores de engenharia e construção, química e
petroquímica na América Latina. Tem participação de 33% da multinacional
japonesa Sojitz Corporation, que atua na comercialização de commodities. Tem
por objetivo estar entre as empesas líderes do setor em dez anos e, para isto,
investe em pólos produtivos nos estados de São Paulo, Goiás e Mato Grosso do
Sul. Busca integrar especialmente o aspecto logístico como elemento
estratégico central.
BIOFUEL AS (Noruega): Composta por 29 investidores, entre os quais a Norse
Energy, cuja especialidade é a exploração de petróleo e gás natural, esta é a
primeira organização norueguesa voltada ao mercado de etanol. Incorporou a
destilaria Paranapanema, de Presidente Prudente, SP, e pretende iniciar as
atividades de outra unidade até 2010, realizar aquisições e expandir a
capacidade das unidades produtivas para processar 10 milhões de toneladas de
cana em três anos, uma meta ambiciosa.
CARGILL (EUA): Fornecedora internacional de produtos e serviços para o setor
agrícola, possui 158 mil funcionários em 66 países. Está instalada no Brasil
desde 1965 e atua na produção e comercialização de soja, algodão, cacau e
chocolate, acidulantes, óleos industriais, lubrificantes, carnes e, finalmente,
Pequeno Histórico da Cultura de Cana-de-Açúcar no Brasil
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 29
etanol, mercado para o qual pretende utilizar sua estrutura logística pré-
existente.
ALDA (Peru): Este grupo é a holding que controla as empresas da Cia Brasileira
Bioenergética e Metalúrgica Ferrame. Possui capacidade para produzir 120
milhões de litros por ano, o que deve sofrer grande incremento previsto para
2011.
STAR BKS (Coréia): Primeiros movimentos em território brasileiro por meio do
arrendamento da Usina Renascença. O grupo pertence a Yung Soon Bae e Hei
Suk Yang.
O Papel do Estado: Conflitos entre Interesses Públicos e Privados
Como já foi dito, atualmente a indústria sucroalcooleira possui importância
diferenciada no Brasil, pois é responsável pela produção nacional de etanol,
biocombustível alternativo aos derivados de petróleo, que atende ao mercado
nacional e se torna, cada vez mais, um produto voltado à exportação. Exportar, por sua
vez, constitui um dos alicerces do planejamento nacional dos últimos anos, o que
justifica um olhar mais cuidadoso para o setor sucroalcooleiro, já que as condições
tecnológicas para o seu crescimento estão dadas, mas coexistem com outras facetas
da questão, num ambiente multidisciplinar, de alta complexidade, envolvendo
interesses distintos que devem ser mediados pelo Estado, pois somente este “é
responsável pelo planejamento do território e tem compromisso com o conjunto da
sociedade, para a qual deve projetar um futuro” (CASTILLO, 2005). O quadro 1 exprime
resumidamente o conflito de interesses existentes.
Pequeno Histórico da Cultura de Cana-de-Açúcar no Brasil
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 30
*Furtado, 2000
Dentro deste processo complexo, os aspectos técnico e econômico têm
importância inegável, mas, no âmbito nacional, a interpretação da questão é
estratégica essencialmente do ponto de vista das políticas públicas, que podem auxiliar
no direcionamento dos capitais investidos e, desta forma, compatibilizar o crescimento
do setor com as diretrizes nacionais, “fazendo prevalecer critérios políticos sobre a
lógica dos mercados na busca do bem-estar coletivo” (FURTADO, 2000).
Segundo a DATAGRO, a demanda projetada para a safra 2013/2014 é de 35,5
milhões de toneladas de açúcar, sendo 12,8 milhões para o mercado interno e 22,7
milhões para o mercado externo. Com relação ao álcool, serão necessários 30,8
bilhões de litros, 24,9 bilhões para o consumo interno e 5,9 bilhões para exportação, o
que exigirá 640 milhões de toneladas de cana-de-açúcar. É importante salientar que a
disponibilidade da oferta de cana é fundamental para que seja criada uma demanda
estável por etanol, que fará com que o mercado consumidor internacional, que tem
potencial elevado, possa se realizar, status já alcançado pelo mercado interno. Para
isto, a participação de outros países na produção é fundamental, o que deve exigir a
continuidade da evolução do quadro apresentado na tabela 2:
Pequeno Histórico da Cultura de Cana-de-Açúcar no Brasil
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 31
Tabela 2 – Produção Mundial de Etanol (em bilhões de litros)
Fonte: MAPA
Existem bons motivos para acreditar que o mercado de álcool esteja em franca
expansão, em parte devido à grande preocupação com a redução da poluição gerada
por combustíveis, em cumprimento ao protocolo de Kyoto, mas principalmente em
função do problema da instabilidade política dos países produtores, que é transferida
para o preço do produto. Estes aspectos indicam que a diversificação da matriz
energética mundial é um caminho inevitável, que impulsiona as exportações, visto que
o Brasil é o primeiro país a desenvolver a produção em condições de competitividade
com a gasolina, o que lhe confere condição diferenciada de competitividade. O
potencial do Brasil para produção de álcool de forma competitiva se deve a um
conjunto de fatores. Primeiramente, o país já possui um programa de biocombustíveis
Pequeno Histórico da Cultura de Cana-de-Açúcar no Brasil
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 32
implantado, testado e economicamente viável, que funciona como um forte
argumento para o convencimento de outros que estejam considerando a possibilidade
de adotar o álcool como alternativa parcial ou total de substituição. O país tem alta
disponibilidade de terras agricultáveis, cuja incorporação de forma sustentável ao
processo produtivo vem sendo colocada como uma possibilidade, alcançou excelentes
níveis de produtividade e domínio completo dos aspectos industrial e agrícola da
produção, cujo custo é o menor do mundo. Em conseqüência desta configuração
particular, o Brasil é o maior produtor e consumidor mundial e a figura 4 demonstra
como vêm evoluindo as exportações:
Figura 4 - Evolução das Exportações Brasileiras de Álcool
Fonte: MAPA
O potencial de crescimento do mercado é grande, pois as barreiras protecionistas
têm diminuído em grandes mercados, como os EUA e países da Europa. Além disso,
outras fontes produtoras estão se estabelecendo, como Índia e China, o que colabora
para assegurar relativa tranqüilidade ao mercado consumidor, que teme realizar
investimentos em veículos movidos a um combustível com irregularidades no seu
fornecimento. Com relação à demanda por álcool, cabem algumas considerações
específicas a respeito de países que apresentam políticas favoráveis há alguns anos ou
que demonstram interesse em incentivar a adoção desta alternativa:
Pequeno Histórico da Cultura de Cana-de-Açúcar no Brasil
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 33
ESTADOS UNIDOS: É o maior consumidor de gasolina do mundo, sofre pressão
mundial para diminuir a emissão de gases poluentes, por isso procura
alternativas objetivando a diminuição do consumo de petróleo. Os governos
estadual e federal oferecem isenções de impostos e subsídios aos compradores
de veículos que utilizem combustíveis alternativos, entretanto a questão
cultural dificulta a adoção em massa deste tipo de solução.
JAPAO: É o segundo maior produtor mundial de gasolina e aprovou a mistura
de 3% de álcool ao diesel. Há ainda a perspectiva de uso em usinas
termoelétricas.
CHINA: É o terceiro maior produtor de álcool do mundo. Utiliza cereais como
matéria-prima, mas tem a intenção de migrar para cana-de-açúcar, já que seus
custos de produção são substancialmente menores. Uma das maiores
aplicações para o etanol é em substituição a aditivos antidetonantes da
gasolina.
ÍNDIA: É o segundo maior produtor mundial de álcool. Iniciou em 2002 um
programa para mistura à gasolina, inicialmente na proporção de 5% até chegar
a 10%. No diesel, a mistura será ainda maior, chegando a 15%. Ao menos no
período inicial da implantação, deverá contar com importações do Brasil.
AUSTRÁLIA: É o segundo maior produtor mundial de açúcar, mas não produz
álcool. A política adotada atualmente permite a adição à gasolina, mas não de
forma compulsória, como ocorre no Brasil. Como incentivo, o governo deverá
implementar isenção de impostos sobre bioenergéticos até 2011 e existe a
obrigação das companhias em produzir ao menos 10% do valor energético dos
seus produtos utilizando recursos renováveis.
TAILÂNDIA: Tem política de adição compulsória de 10% de etanol à gasolina.
Pequeno Histórico da Cultura de Cana-de-Açúcar no Brasil
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 34
UNIÃO EUROPÉIA: A diretiva 2003/30/EC exige a utilização mínima de 2,5% de
biocombustível líquido desde 2005 e prevê aumento deste percentual para
5,75% em 2010. A diretiva 2006/96/EC prevê a eliminação de taxação sobre
biocombustíveis.
FRANÇA: Incentiva o uso há mais de 10 anos por meio da adição de 5% à
gasolina, compulsoriamente. Produziu aproximadamente 830 milhões de litros
de etanol em 2004.
ESPANHA: É um dos principais produtores na União Européia, com cerca de 300
milhões de litros, segundo dados de 2004.
SUÉCIA: O uso do etanol na mistura tem aumentado na razão de 0,6% ao ano.
Dentro do contexto histórico da cultura de cana-de-açúcar no Brasil, o álcool
sempre teve papel importante como alternativa de efeito regulador de estoques, já
que o mercado de commodities do açúcar foi constantemente acometido de
oscilações negativas que deixaram os produtores e a economia de forma geral muito
vulneráveis. Atualmente, o álcool ainda não é considerado uma commodity, pois tem
pouca penetração no mercado internacional, mas a tendência à homogeneização da
produção possibilita prever esta condição num futuro breve. Isto deverá fazer com que
problemas semelhantes aos enfrentados pelo açúcar passem a ocorrer, o que aumenta
a importância do mercado interno. Ele é um requisito fundamental para o sucesso dos
biocombustíveis, até mesmo como um recurso de blindagem a crises externas. Neste
aspecto, o Brasil está em situação bastante confortável, pois além da obrigatoriedade
da mistura de álcool anidro à gasolina, herança do Proálcool, o surgimento da
tecnologia FlexFuel, cujos primeiros veículos foram fabricados em 2003, tornou o
mercado bastante robusto e maduro. Por meio desta tecnologia, os consumidores
puderam escolher que combustível utilizar sem a necessidade de fazer novo
investimento, de forma que o mercado potencial para o etanol se mantém
constantemente disponível. Em 2005, os veículos Flex representaram 70% das vendas.
Pequeno Histórico da Cultura de Cana-de-Açúcar no Brasil
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 35
Segundo a Anfavea, a produção total de carros a álcool desde 1979 foi de 6 milhões de
unidades. Mais de 2 milhões de veículos estão em circulação atualmente.
Neste contexto, pode-se entender que estão dadas condições extremamente
propícias para a modernização da agricultura, pois torna-se muito mais fácil aderir a
inovações tecnológicas com a ampliação do mercado, que aumenta os estímulos
financeiros e o potencial para os preços, fazendo crer num retorno certo dos
investimentos. É lamentável, porém, o fato de que empresas de maior porte tenham
condições diferenciadas de obtenção de crédito devido à especialização de suas
atividades. Desta forma, eventuais oscilações futuras podem conduzir organizações de
menor expressão a serem absorvidas por outras, oligopolizando ainda mais o setor.
Mais preocupante ainda é o fato de que grupos estrangeiros têm forte penetração no
mercado do etanol, direcionando alguns investimentos estratégicos segundo a lógica
do mercado globalizado, sem nenhum comprometimento com o território e com o
povo brasileiro. O mapa 2 apresenta a distribuição das usinas de cana-de-açúcar no
Brasil e a ênfase produtiva de cada unidade. Deve-se destacar que a produção mista,
ou seja, aquela que adota destilaria anexa e não exclusivamente voltada à produção de
álcool existe em grande quantidade, principalmente como resultado das experiências
históricas do setor, mas os estudos para implantação de novas unidades demonstram
que elas são voltadas exclusivamente à produção de etanol, recebem grandes
investimentos de grupos estrangeiros e criam certa dependência nos municípios em
que se instalam, o que pode representar um risco, considerando-se a flexibilidade que
as multinacionais possuem para explorar economicamente pontos diferentes do globo,
migrando investimentos de acordo com as suas conveniências.
Pequeno Histórico da Cultura de Cana-de-Açúcar no Brasil
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 36
O açúcar está em condição diferente, pois é um dos produtos mais protegidos
comercialmente no mundo, quer seja por meio do controle da sua importação usando
cotas e tarifas, quer por meio de subsídios à sua produção. O grande problema desta
postura política é que ela limita as possibilidades de concorrência dos países que são
produtores eficientes, como é o caso do Brasil, dificultando a sua permanência no
mercado sob as mesmas bases. Como foi apresentado na breve contextualização
histórica do capítulo 1, o fato de ser uma commodity faz com que o açúcar esteja
condicionado às intempéries do mercado, assim existe um esforço significativo dos
governos com o objetivo de tornar seus países auto-suficientes ou minimizar
substancialmente sua dependência do mercado externo. Além disto, outra razão para
o aumento dos investimentos na produção de açúcar é que a agroindústria canavieira
Mapa 2
Pequeno Histórico da Cultura de Cana-de-Açúcar no Brasil
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 37
absorve muita mão-de-obra, mesmo esta sendo, em grande parte, mal remunerada. A
tabela 3 apresenta a série histórica recente dos principais países exportadores:
Tabela 3 – Maiores Exportadores Mundiais de Açúcar
Fonte: MAPA
A promoção das exportações parece ser um processo cíclico na história da
agricultura nacional, como ocorreu com os governos militares, por exemplo. Também
ciclicamente, este tipo de política gera quadros de superprodução, que deixam um
conjunto enorme de estruturas desativadas, em crise aguda, prontas para serem
adquiridas por grandes grupos, recaindo na problemática da oligopolização, que se
intensifica. Além disto, esta injeção de capitais visando explorar ao máximo os recursos
disponíveis faz com que seja imposta uma nova forma de produzir em cada ponto do
território, que pode ter impactos ambientais severos e que certamente interfere na
maneira com que a dinâmica local se desenrola. A compreensão desta nova agricultura
é de fundamental importância para entender as conseqüências da expansão
sucroalcooleira no Brasil.
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 38
C A P Í T U L O 2
A Revolução da Agricultura
Científica e Algumas Implicações
A Revolução da Agricultura Científica e Algumas Implicações
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 39
Produção e da Produtividade
Para compreender a lógica do uso do território pela agroindústria canavieira, é
necessário entender minimamente dois conceitos fundamentais para a agroindústria:
produção e produtividade. Uma definição bastante simples pode explicar a produção
como sendo a quantidade gerada de um determinado produto, numa dada condição
produtiva, que é a combinação de diversos fatores de produção. Estes, por sua vez, são
todos os elementos utilizados para o fim de produzir, passando pela própria terra,
insumos, força de trabalho, máquinas etc, e os preços relativos destes refletem a
disponibilidade dos mesmos num dado momento. Esta relação sinaliza de alguma
forma aos produtores qual a melhor combinação dos fatores, que é a base para um
bom resultado na microeconomia. Isto representa, desta maneira, a própria expressão
da racionalidade econômica aplicada à agricultura. A figura 5 apresenta um gráfico
com a evolução histórica da produção de cana-de-açúcar no Brasil.
Figura 5 - Evolução Histórica da Produção de Cana-de-Açúcar
Fonte: MAPA
O gráfico, porém, não apresenta nenhuma consideração a respeito da área ou
quaisquer dos demais recursos necessários à obtenção desta produção. Para expressar
esta idéia, utiliza-se o conceito de produtividade. Ela representa uma relação entre a
produção obtida e os recursos utilizados. Pode-se, por exemplo, considerar a
quantidade de cana produzida em relação à sua área de plantio, de modo que a
produtividade resultante seja apresentada em toneladas por hectare. Outras
A Revolução da Agricultura Científica e Algumas Implicações
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 40
abordagens podem mensurar quanto se produziu para cada trabalhador envolvido ou
ainda por máquina utilizada no campo. O fato é que, dada uma condição produtiva,
que é a combinação de todos os fatores de produção envolvidos, isto resultará numa
certa produtividade, ou rendimento, cuja expressão mais comum na agricultura é em
peso colhido por área, como vemos para a cana-de-açúcar na série histórica
apresentada na figura 6:
Figura 6 - Relação Histórica entre Produção e Produtividade de Cana-de-Açúcar
Fonte: MAPA
O gráfico demonstra que tanto a produção quanto a produtividade estão em
crescimento nos últimos anos, mas o aumento da produtividade é particularmente
importante por indicar que cada vez menos terras são necessárias para que o
crescimento da produção ocorra numa certa velocidade.
As mais variadas combinações entre os fatores produtivos podem ser
estabelecidas na tentativa de maximizar a produtividade, entretanto existem
limitações de viabilidade econômica para que isto seja praticável. A utilização de
recursos químicos para compensar as deficiências do solo ou de manejo para torná-lo
agricultável representam custos que devem ser criteriosamente observados pelo
produtor antes de optar pelo investimento. Aumentando-se a área, segundo a teoria
Ricardiana, a produtividade sempre será menor, pois as populações primeiramente
ocupam as áreas mais produtivas, no entanto isto se torna menos importante no
período atual, quando existem técnicas que homogeinizam as possibilidades de
rendimento do solo, com custos que podem ser absorvidos por outras vantagens
A Revolução da Agricultura Científica e Algumas Implicações
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 41
competitivas, como, por exemplo, de logística. Pode-se dizer, desta maneira, que a
produtividade é composta socialmente, já que não depende exclusivamente de
elementos técnicos.
O Período Atual e a Agricultura Científica Globalizada
O período informacional atual é marcado por um novo modo de operar,
essencialmente multidisciplinar e intensamente tecnológico, que se difunde por todo o
território e, inevitavelmente, interfere de maneira significativa na dinâmica regional
dos locais em que se instala, cria demandas antes inexistentes por mão-de-obra, infra-
estrutura, produtos, serviços e pressiona objetivando a ampliação das fronteiras
agrícolas, o que não pode ocorrer sem que haja muita deliberação política. Para que se
chegasse ao estágio atual, algumas etapas de desenvolvimento da agricultura foram
percorridas, todas elas sustentadas por um conjunto de técnicas que serviram como
ferramental indispensável à sua evolução.
A chamada Primeira Revolução Agrícola ocorreu entre os séculos XVIII e XIX,
quando foi obtido um grande salto na produção, que diminuiu a escassez de alimentos
em algumas partes do mundo. Isto ocorreu por meio do uso de plantas para
melhoramento do solo e rotação de culturas. Ao final do século XIX e início do século
XX, foram descobertos recursos químicos para a fertilização do solo e isto promoveu a
diminuição da necessidade da rotação de culturas e aumentou a possibilidade de
ganhos de aproveitamento da terra, com conseqüente aumento da produtividade,
através da utilização de insumos industrializados. Após a segunda guerra mundial, este
modelo foi apresentado pelos grupos e governos interessados como uma solução para
o problema da fome mundial, tornando-se o embrião para a criação de pacotes
técnicos, como o da Revolução Verde na década de 70, que era adotado nos EUA e
Europa e se disseminou em diversos países, inclusive no Brasil, com indesejáveis
efeitos colaterais socioeconômicos e ambientais, uma preocupação que passaria a ser
central em nossos dias (LUZ, 2006).
Para os propósitos deste capítulo, cabe uma breve discussão a respeito da
conceituação de Agricultura Tradicional. Esta se caracteriza essencialmente pela baixa
A Revolução da Agricultura Científica e Algumas Implicações
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 42
intensidade tecnológica, que implica em baixa produtividade e retorno do
investimento. Desta forma, dentro de um contexto envolvendo concorrência entre
produtores, o sistema produtivo torna-se incapaz ao longo do tempo de gerar mais
valor com a produção. A estagnação da base técnica é conseqüência da manutenção
da mesma forma de produzir, em detrimento a outras alternativas existentes, assim o
conhecimento se mantém constante, bem como as opções por investimento do
capital, pois nada de novo terá despertado o interesse do produtor. Mantidos os
mesmos padrões de conhecimento e investimento por tempo suficiente para que as
economias líquidas sejam nulas, fica estabelecida a estagnação do sistema.
Há um limite de produtividade com os métodos convencionais e isto é
extremamente complexo, já que envolve muitos fatores. O fato é que, mantido um
modo tradicional de produzir, o sistema entra em colapso num determinado tempo, o
que se ganha, se gasta. Dentro da lógica capitalista, a concorrência é determinante
dentro deste processo, pois pressiona o agricultor pela incorporação de novas técnicas
e pune progressivamente aqueles que se neguem a adotá-las. Desta maneira, a
decisão política pela adoção de novas formas de produzir se orienta por idéias
semelhantes à apresentada por SCHULTZ, quando afirmou:
“Um país dependente da agricultura tradicional é inevitavelmente pobre e, por ser pobre, gasta a maior parte de sua renda em alimentos.” (SCHULTZ, 1965).
Segundo este autor, a agricultura tradicional é aquela baseada em fatores de
produção usados durante diversas gerações de agricultores, sem sofrer modificações.
O rompimento com a forma tradicional de produzir representa, segundo Schultz, um
capital para o agricultor.
Num ambiente globalizado, integrado por meio das redes telemáticas, em que
o território é utilizado como recurso para a produção, a afirmação de Schultz parece
sensata. A insistência na exposição à concorrência de produtores altamente
tecnificados, invariavelmente conduzirá os conservadores a uma situação totalmente
inviável de permanência no mercado, levando-os a um dilema: abandonar a atividade
ou adotar uma nova base técnica. Evidentemente, algumas culturas têm características
peculiares, que associam a conservação de práticas rudimentares à valorização do
produto final, como é o caso do tabaco, entretanto, na maioria dos casos, é possível
A Revolução da Agricultura Científica e Algumas Implicações
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 43
aliar tecnologias e práticas avançadas à obtenção de maior produtividade sem perdas
significativas de qualidade, o que gera condições diferenciadas de competitividade.
Assim, torna-se necessário entender a agricultura do ponto de vista do
desenvolvimento para que se possa compreender a importância estratégica de
fomentar a mudança da base técnica. O apoio do Estado é fundamental neste sentido,
pois ele viabiliza a oferta de capital, criando canais especializados e condições
privilegiadas de obtenção de crédito, promove a oferta de insumos e máquinas,
principalmente por meio das facilidades de importação, pesquisa e desenvolvimento
ou ainda instalação de indústrias a montante e a jusante. Tal suporte estatal
infelizmente ocorre de forma seletiva, tanto do ponto de vista social, quanto
geográfico. A assistência técnica também é fundamental para que se tenha êxito na
implantação de pacotes técnicos e o Estado pode colaborar com este tipo de suporte.
Embora seja imprescindível a existência de um conjunto de condições
favoráveis à mudança da base técnica, uma das etapas mais complicadas certamente é
o convencimento do produtor quanto à adoção, pois existem custos e riscos
consideráveis caminhando juntamente com oportunidades que podem implicar em
maiores ganhos para os que apostarem em alternativas viáveis. Quanto maior a
demanda por produtos, maior a pressão sobre a produção, desta forma, o crescimento
do mercado torna-se um fator extremamente importante para impulsionar o
crescimento da agricultura, daí a ênfase dada atualmente às exportações como fator
determinante do desenvolvimento do setor sucroalcooleiro. Países “fechados” têm
dificuldades em adotar novas bases técnicas, pois a demanda é constante, não existe a
variável externa, cujo potencial, via de regra, é maior que a própria capacidade de
produção instalada. Seguindo esta linha de raciocínio, aparenta ser interessante abrir
novos mercados, o que estimularia o investimento em nova combinação de fatores de
produção. Vale ressaltar, no entanto, que isto geraria grande dependência externa, o
que pode ser perigoso tendo em vista as oscilações dos mercados de commodities.
O aumento da produtividade pelo uso de técnicas modernas é caracterizado
por ser extremamente intensivo em capital, em especial no setor sucroalcooleiro
oligopolizado. A evolução da visão empresarial e capacidade de gerenciamento do
setor, no entanto, fazem com que a vantagem econômica obtida pela adoção de novas
bases técnicas seja suficiente para estimular o rompimento das barreiras do
A Revolução da Agricultura Científica e Algumas Implicações
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 44
tradicionalismo, mesmo com os altos custos de obtenção de recursos materiais,
insumos e treinamento de trabalhadores. Com a elasticidade da demanda do setor
sucroalcooleiro, torna-se possível realizar a modernização sem aumentos significativos
para o preço do produto.
Circuito Espacial Produtivo da Cana-de-Açúcar
As atividades relacionadas à produção de açúcar e álcool se dividem
essencialmente em segmentos administrativos, agrícolas e industriais. O
gerenciamento de contratos, prospecção de novos negócios e parcerias são atribuições
comuns dos departamentos administrativos. As atividades agrícolas são aquelas
relacionadas à prática no campo e à adoção de novas tecnologias visando aumento da
produtividade, objetivando extrair das terras em uso a maior quantidade possível de
matéria-prima com qualidade adequada. Por fim, o segmento industrial se
responsabiliza pelo correto funcionamento dos equipamentos e aplicação das técnicas
de processamento da matéria-prima para obtenção do produto final, açúcar ou álcool.
O Brasil alcançou um nível excelente de integração dos três segmentos fundamentais
mencionados, o que permitiu a obtenção de diferenciais bastantes significativos na
coordenação dos processos.
Descrevendo breve e simplificadamente a forma de operar das usinas de cana-
de-açúcar, pode-se dizer que elas agregam e coordenam diversas propriedades rurais
de forma conjunta para obtenção da matéria-prima necessária para a sua produção.
Quanto maior a área sob controle da usina, maiores são os gastos envolvidos em
arrendamento, administração, colheita, transporte, pessoal, equipamentos e
mapeamento. Desta forma, torna-se extremamente interessante a diminuição da área
de plantio sem comprometer a produção, o que implica, conseqüentemente, no
aumento da produtividade. Esta taxa é otimizada, também, na sua relação
produção/homem e produção/máquina, de modo que ocorre a sistematização
generalizada dos processos, abrangendo todos os recursos disponíveis.
No que diz respeito à obtenção de matéria-prima, as usinas podem receber
cana plantada em três tipos distintos de propriedades:
A Revolução da Agricultura Científica e Algumas Implicações
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 45
a) Particular: a terra pertence a um fornecedor, que usa seus próprios recursos
para executar todas as etapas do processo, desde o plantio até a colheita. A
qualidade do produto é monitorada pelo usineiro por meio de amostragens e
isto determina como será a remuneração;
b) Arrendada: situação em que a terra não pertence à usina, que oferece uma
remuneração ao proprietário para que este permita a exploração. Todos os
veículos, equipamentos e pessoal envolvidos na colheita são de propriedade da
usina;
c) Parceira: neste caso, a terra não pertence à usina, é explorada pelo
proprietário, mas utiliza alguns recursos pertencentes à usina;
d) Própria: a terra pertence diretamente à usina, que cuida de todo o processo e
utiliza recursos próprios em todas as etapas.
Antes do plantio, são realizados diversos estudos do terreno primitivo para
saber as suas condições topográficas e de composição do solo. A topografia do terreno
influencia diversos aspectos, mas é determinante principalmente em relação à
mecanização da colheita, que só é viável em terrenos com declividades máximas da
ordem de 12%. A composição do solo é determinada pela interpolação de resultados
de amostragens (tradagens) e se mostra fundamental para determinar quais serão as
necessidades de compensação de nutrientes ou correção de acidez. Outro tipo de
mapeamento realizado é o de restrições de uso, que pode ser feito em campo ou com
base em levantamentos fotográficos aéreos.
O mapeamento topográfico é usado como referência para executar a divisão
das áreas disponíveis em talhões, descontando-se áreas com restrições de uso, como
as de preservação permanente (APP), campos de proximidade de linhas de alta tensão
e rodovias. Um talhão, via de regra, é homogêneo com relação ao tipo de solo, clima e
variedade de cana plantada, que é determinada de acordo com a configuração
edafoclimática.
A Revolução da Agricultura Científica e Algumas Implicações
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 46
Antes do plantio da cana, é necessário realizar o preparo físico e químico do
solo. Com relação ao aspecto físico, atualmente o planejamento da sulcação da terra é
realizado no escritório, pelo departamento agrícola. Como resultado, é gerado um
mapa com linhas de sulcação, eixos orientadores dos veículos responsáveis por esta
tarefa, que por sua vez estão integrados com a tecnologia GPS para garantir a exeução
com fidelidade ao projeto. Segue-se o plantio da cana, cujo crescimento e maturação
são acompanhados por amostragens de teor de sacarose para identificar o momento
ideal para a colheita.
A cana, então, é colhida, o que pode ser feito de forma mecanizada ou manual.
No caso da colheita manual, esta se torna muito mais fácil se antes o canavial for
queimado, entretanto isto gera graves conseqüências com relação à poluição, por isso
é uma prática que vem sendo inibida, inclusive por força de lei. Caso a colheita seja
mecanizada, não há a necessidade de queima, o que torna o processo mais “limpo”.
O próximo passo é transportar a cana para a usina por meio de diversos tipos
de veículos, como, por exemplo, os treminhões. A distância do ponto de colheita ao
centro de moagem é um critério importante para determinar o melhor
aproveitamento do teor de sacarose da cana. Esta distância máxima limita as
possibilidades de irradiação da influência das unidades processadoras sobre o
território, no que diz respeito ao seu uso para obtenção de matéria-prima.
A moagem da cana é precedida pela lavagem, pois invariavelmente há
impurezas em maior ou menor grau junto da matéria-prima. A presença de impurezas,
aliás, aumenta com a colheita mecanizada e é um fator utilizado como critério para o
incremento ou redução da remuneração dos fornecedores. Segue-se um processo de
produção que pode ser resumido de forma bastante simplificada pelo fluxograma da
figura 7 onde estão em destaque os principais resíduos resultantes:
A Revolução da Agricultura Científica e Algumas Implicações
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 47
Figura 7 – Fluxograma simplificado do processo de produção de açúcar e álcool
Fonte: Elaboração própria a partir de consultas diretas a usinas
Para cada litro de etanol, são produzidos 13 litros de vinhaça, que é tratada e
utilizada em sua totalidade para a compensação da falta de nutrientes no solo,
especialmente o potássio. Este procedimento é denominado “fertirrigação”. Caso isto
não fosse feito, haveria grande risco de contaminação de lençóis freáticos no descarte,
o que representaria um enorme prejuízo ambiental, que poderia comprometer
ecologicamente a viabilidade da produção, o que ainda ocorre em muitos casos,
principalmente nos estados em que existem poucos recursos de fiscalização. A torta de
filtro é outro resíduo, que surge na proporção de 30 a 40kg por tonelada de cana
colhida e é utilizada na adubação, como também ocorre com a fuligem retida nos
filtros. O resíduo mais interessante para o aproveitamento econômico, sem dúvida
alguma, é o bagaço. Ele se acumula aos montes nos pátios das usinas e pode ser
utilizado para a co-geração de energia elétrica de uso interno. Quando ocorre auto-
suficiência da usina, os eventuais excedentes podem ser comercializados, numa
condição extremamente rentável.
A ampliação do parque de usinas, que se deve principalmente às novas
demandas dos mercados nacional e internacional, traz consigo a questão da
A Revolução da Agricultura Científica e Algumas Implicações
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 48
articulação topológica das fontes de matéria-prima, visando abastecer os nós
fundamentais que processam e agregam valor até chegar ao produto final, dentro do
chamado Circuito Espacial Produtivo (SANTOS, 1985). Também os destinos da
produção resultante e todo o conjunto de instituições envolvidas merecem atenção
para melhor compreender o arranjo espacial da produção. Para isto, foi elaborado o
fluxograma (figura 8) que apresenta uma visão macroscópica e simplificada do
conjunto de elementos que cercam um empreendimento do setor sucroalcooleiro:
Figura 8 – Elementos que cercam um empreendimento sucroalcooleiro
Fonte: Elaboração própria a partir de CASTILLO (2008), VIEIRA (s.d.) e consultas a usinas de SP e MS.
Dentro deste sistema, o novo papel do Estado não envolve influência direta no
funcionamento das usinas, ele atua indiretamente, por meio da concessão de
A Revolução da Agricultura Científica e Algumas Implicações
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 49
benefícios, crédito e incentivos diversos que estimulem determinadas decisões
estratégicas, como, por exemplo, a escolha de um local para a instalação de nova
unidade. É importante entender esta relação, pois esta escolha não leva em
consideração apenas as características físicas, já que, ao mesmo tempo em que utiliza
áreas rurais para o plantio, questões práticas tornam interessante a relativa
proximidade de centros urbanos, que possam oferecer produtos e serviços de uso
industrial e agrícola, além da força de trabalho fixa e sua reserva reguladora. Esta
proximidade também pode facilitar as operações de escoamento da produção, pois
toda a infra-estrutura de transportes disponível poderá ser usufruída para conceder
acesso aos modais “tronco” dos corredores de distribuição interna e exportação. Por
fim, os centros de pesquisas e associações setoriais colaboram para o constante
aprimoramento da forma de produzir e da qualidade do que é produzido, já que
estimulam a mudança da base técnica e promovem a especialização profissional.
Existem diversas apresentações do açúcar como produto final, algumas delas
mais propícias ao mercado internacional, como os refinados em geral, demerara e
cristal (VIEIRA, s.d.). Já os tipos de álcool produzidos são o hidratado (etanol), que é
utilizado diretamente como combustível ou engarrafado para fins comerciais, e o
anidro, que é adicionado à composição da gasolina. Seus dois formatos comerciais são
potencialmente interessantes tanto para o consumo interno quanto para exportação.
O gráfico da figura 9 indica como vêm evoluindo as produções de álcool anidro e
hidratado historicamente, com um claro crescimento a partir do final dos anos 70,
após a implantação do programa Proálcool.
Figura 9 - Evolução da Produção Brasileira por Tipo de Álcool
Fonte: MAPA
A Revolução da Agricultura Científica e Algumas Implicações
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 50
As Geotecnologias como Suporte ao Novo Modo de Operar
Diferentemente do camponês, que tinha sob seu controle pessoal toda a
propriedade, conhecia as particularidades de cada pequena porção de terra e sabia,
mesmo que empiricamente, das necessidades de preparo e compensação de
nutrientes do solo, as grandes corporações que se estabelecem nos dias atuais têm a
necessidade de utilizar métodos baseados em critérios científicos para obter de forma
impessoal o detalhamento satisfatório das imensas áreas disponíveis para exploração.
Este detalhamento somente pôde se viabilizar com o auxílio de ferramentas técnicas e
procedimentos desenvolvidos para atender às exigências de uma nova forma de
pensar a produção agrícola: a chamada Agricultura de Precisão.
Sob este enfoque, é inegável a importância do mapeamento para o
gerenciamento de grandes extensões de terra e, conseqüentemente, de grandes
volumes de informação, já que possibilita a formalização do conhecimento obtido e a
contínua revisão das técnicas empregadas para a maximização do aproveitamento
produtivo em cada ciclo da agricultura de precisão, cujas etapas principais estão
ilustradas pela figura 10:
Figura 10 – Principais etapas de um ciclo da Agricultura de Precisão
Fonte: ARVUS
A Revolução da Agricultura Científica e Algumas Implicações
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 51
A sobreposição de mapas contendo informações como as classificações de clima, solo
e declividade, por exemplo, permite a determinação do chamado “ambiente de produção”,
assim, por meio de critérios técnico-científicos, pode ser escolhida a variedade de cana que
mais se adequa às condições disponíveis e podem ser determinados os processos de preparo
do solo que envolvam os menores custos. Eventualmente, determinadas áreas podem ser
classificadas como economicamente inviáveis para o cultivo. O fato é que a documentação
das estratégias de aproveitamento dos recursos naturais e tecnológicos é feita por
meio de mapas e reflete o emprego de um extenso leque de conhecimentos
multidisciplinares, que por sua vez são sistematizados com o auxílio de ferramentas de
geotecnologia elencadas em grande parte a seguir.
Aerofotogrametria
O sobrevôo das áreas a serem cultivadas
com um GPS acoplado resulta numa série
de fotos aéreas, que podem, então, ser
ortocorrigidas e georreferenciadas para
poderem ser utilizadas em atividades de
mapeamento. Através delas, a vetorização
pode demarcar feições e extrair as
principais restrições existentes, tais como
áreas de preservação permanente, linhas
de alta tensão, rodovias etc. Também é
possível classificar os usos do solo e, com
isso, presumir as dificuldades de preparo
do meio físico e químico. A principal
vantagem deste método é a velocidade de
obtenção dos dados. A figura 11 demonstra
o resultado final da combinação de um
conjunto de fotos aéreas de uma área do
Programa Estadual de Microbacias
Hidrográficas do estado de São Paulo.
Figura 11 – Mosaico de imagens
A Revolução da Agricultura Científica e Algumas Implicações
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 52
MDT (Modelos Digitais de Terrenos)
O levantamento planialtimétrico é um passo fundamental para reconhecer as
potencialidades da área de cultivo da cana. Com o auxílio da modelagem matemática
do terreno a partir de dados coletados em campo, é possível o acesso a um conjunto
de ferramentas analíticas que permitem classificar o solo de acordo com a sua
declividade e definir com grande agilidade as estratégias de sulcação e colheita. A
obtenção de dados de altimetria pode ser feita através de equipamentos topográficos,
utilizando levantamentos em campo.
Figura 12 – Modelo digital de terreno
Fonte: Elaboração própria a partir de dados SRTM fornecidos pela Autodesk Inc.
SIG (Sistemas de Informações Geográficas)
Uma boa definição para um Sistema de Informações Geográficas é esta:
"Um sistema de informações baseado em computador que permite a captura, modelagem, manipulação, recuperação, análise e apresentação de dados georreferenciados." (WORBOIS, 1995)
O georreferenciamento de terras agrícolas tem grande utilidade para o
gerenciamento dos recursos produtivos, principalmente quando ocorre a associação
com um banco de dados. Depois do mapeamento topográfico do terreno primitivo,
este é dividido em talhões, cada qual associado a um registro num banco de dados, no
qual se associam a um código único e informações como variedade, estágio, tipo de
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Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 53
solo, textura, tipo de propriedade (própria, associada ou fornecedora), ambiente de
produção, tipo de transporte da colheita, distância do centro de moagem, entre
outras. Estes dados possibilitam diversas análises espaciais, geração de relatórios,
simulações e criação de mapas temáticos, que serão úteis para o acompanhamento de
cada safra e o aprimoramento das técnicas utilizadas no campo.
Figura 13 – Diversos mapeamentos de deficiências do solo
Fonte: Usina Catanduva
GPS (Global Positioning System)
O sistema de posicionamento global consiste na utilização de uma rede de
satélites como referência para a obtenção de coordenadas de qualquer ponto na
superfície terrestre, utilizando um sistema de coordenadas geográficas para
representá-lo. Com isto, é possível complementar uma série de operações, como o
monitoramento de veículos, levantamento de altimetria, georreferenciamento de
imagens, identificação de manchas de infestações e tipos de solos. Um exemplo das
possibilidades existentes é a análise do pisoteio da cana, que é feito pela sobreposição
das rotas percorridas pelos veículos responsáveis pela sulcação e colheita (que envolve
a colhedora, trator e transbordo). Isto permite estimar as perdas de produtividade pela
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Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 54
compactação do solo e danos à soqueira. Outro exemplo bastante importante vem
sendo a adoção da tecnologia Auto-Pilot, de origem australiana, na qual as rotas dos
veículos para sulcação são planejadas pelo departamento agrícola no escritório e
“descarregadas” nos veículos para que sejam reproduzidas no campo. O motorista
somente se encarrega das manobras de fim de curso e correções em casos de
deslizamentos, pois a integração do veículo com GPS se encarrega da manutenção
precisa do traçado. Os recursos de gerenciamento agrícola permitem a simulação de
operações efetuadas em campo, o que diminui o número de veículos envolvidos,
aumentando a produtividade por máquina. Também possibilita a avaliação dos
resultados obtidos na safra e a avaliação de estratégias para maximização de lucros.
Assim, torna-se um importante mecanismo de justificação de investimentos e, desta
forma, de introdução de inovações que geram vantagens competitivas, reiniciando o
ciclo.
SR (Sensoriamento Remoto)
O sensoriamento remoto consiste no imageamento da superfície terrestre
através da captação de ondas emitidas em diferentes faixas do espectro
eletromagnético, sendo cada uma delas mais adequada à obtenção de diferentes tipos
de informações (grau de vegetação, recursos minerais, recursos hídricos etc). Isto
possibilita a composição de imagens coloridas pela combinação de imageamentos
referentes a diversas faixas espectrais e a utilização das informações específicas para
atualização do mapeamento. Uma das aplicações mais notáveis desta geotecnologia
para o setor sucroalcooleiro é a previsão do volume a ser colhido na safra pelo grau de
vegetação, que pode ser calculado por meio de algoritmos específicos.
A Revolução da Agricultura Científica e Algumas Implicações
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 55
Figura 14 – Mapeamento da biomassa de cana
Fonte: ENVI
Pacotes de Agricultura de Precisão
Existem no mercado diversos fornecedores de soluções completas para o setor
sucroalcooleiro, que envolvem todas as etapas do ciclo da agricultura de precisão e
colaboram para que, a cada safra, melhorias contínuas sejam implementadas. Essas
soluções envolvem equipamentos, bases de dados, imagens, vetores, serviços e
softwares voltados para cadastro e análise.
Figura 15 – Mapeamento de infestação por pragas
Fonte: Grupo Aralco
A Revolução da Agricultura Científica e Algumas Implicações
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 56
Redes Telemáticas e o Gerenciamento Remoto da Produção Agrícola
A possibilidade do gerenciamento remoto da produção por meio das redes
telemáticas é um elemento fundamental para viabilizar a manipulação do território
pelas grandes corporações. Desta forma, tanto empresas nacionais quanto
multinacionais têm à sua disposição um conjunto de ferramentas de articulação que
lhes permitem integrar recursos produtivos de forma extremamente flexível, o que ao
mesmo tempo aumenta as possibilidades de ganhos e diminui os riscos envolvidos.
SANTOS (2001), ao refletir sobre o território e a sociedade brasileira do início do século
XXI, afirmou:
“(...) nesta fase se corporifica aquela antevisão de Marx, segundo a qual, ao ser vigente o trabalho universal, isto é, o trabalho intelectual como forma de universalização da produção, teríamos uma maior área de produção com uma menor arena de produção. (...) a produção em sentido lato, isto é, em todas as suas instâncias, se daria em áreas maiores do território, enquanto o processo produtivo direto se daria em áreas cada vez menores. [Esta tendência] é tornada possível em boa parte pela possibilidade agora aberta à difusão das mensagens e ordens por todo o território, através de enormes progressos obtidos com as telecomunicações”. (SANTOS, 2001)
Isto realmente vem ocorrendo com a introdução das novas técnicas discutidas
anteriormente, que fazem uso dos recursos tecnológicos de informática, GPS (Global
Positioning System), SIG (Sistemas de Informações Georreferenciadas) e SR
(Sensoriamento Remoto) para diminuir a área de plantio e maximizar o rendimento da
mesma através do conhecimento detalhado do território e de suas necessidades
particulares ponto a ponto, o que confere com a definição de ROCHA et al. (2001) para
Agricultura de Precisão. Segundo o autor, ela busca “crescimento e eficácia através do
gerenciamento localizado da agricultura, possibilitando maior competitividade,
uniformidade na produção, a partir de aplicação localizada de insumos e a diminuição
de impactos ambientais, tais como contaminação da água e dos alimentos.”
Uma amostra típica do modelo de gerenciamento remoto da produção das
usinas é o caso do Grupo Virgolino de Oliveira, sediado em no município de Catanduva,
interior de São Paulo, que conta com outras três unidades produtivas, localizadas nos
municípios de Itapira, Monções e José Bonifácio, todos em São Paulo. Todas as
A Revolução da Agricultura Científica e Algumas Implicações
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 57
negociações para aquisição de equipamentos, maquinário e software são feitas
considerando as unidades como um só corpo, o que permite ganhos de escala. As
operações informatizadas são realizadas de forma padronizada, a partir de um
conjunto de servidores e sistemas instalados em Catanduva. Os funcionários que têm
interesse em progredir dentro da corporação concordam em flexibilizar seus horários e
viajar para as outras unidades para cuidar da manutenção desta complexa integração,
que se estende desde o departamento comercial até o agrícola.
Toda esta integração por meio de redes é um pré-requisito importante para
gerenciar centralizadamente a produção distribuída no espaço, otimizar a exploração e
garantir a maximização dos lucros. Torna-se muito relevante identificar claramente
quais critérios orientam a seleção dos pontos do território a serem explorados, numa
eventual expansão desta estrutura topológica.
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 58
C A P Í T U L O 3
Fatores que Orientam os Eixos
Expansionistas Atuais
Fatores que Orientam os Eixos Expansionistas Atuais
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 59
Desconcentração Espacial da Produção
A necessidade de aumento da produção pressiona os grupos usineiros a buscar
novas áreas exploráveis no território brasileiro. Desta forma, mesmo existindo
condições ideais de implantação no estado de São Paulo do ponto de vista estrutural, a
falta de terras e a pressão da legislação ambiental fizeram com que outras regiões
fossem analisadas para efeito de expansão. O mapa 3 ilustra a atual distribuição das
usinas de açúcar e álcool no território brasileiro:
É necessário perceber, inicialmente, que existem três configurações bastante
distintas no mapa apresentado. Primeiramente, as unidades instaladas no litoral
nordestino são, via de regra, rugosidades residuais de um primeiro momento da
ocupação com a cultura de cana-de-açúcar, quando fatores como a proximidade de
Mapa 3
Fatores que Orientam os Eixos Expansionistas Atuais
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 60
conexão com a rota conhecida para a Europa eram mais importantes e existiam
deficiências comprometedoras de infra-estrutura no restante do país, que tornavam
extremamente difícil o acesso a outras regiões. Esta é o que podemos chamar de
“Primeira Região Core” da cultura de cana. Como já foi discutido anteriormente, a
segunda guerra mundial estimulou o deslocamento da produção de açúcar para a
região sudeste, mais especificamente para o estado de São Paulo, onde esta pôde
usufruir de uma infra-estrutura de escoamento mais adequada e facilidades de
modernização de suas técnicas, o que resultou na maior concentração espacial já
experimentada por este tipo de cultura, de forma a constituir a “Segunda Região Core”
da cultura de cana-de-açúcar, baseada essencialmente em capital pulverizado.
Finalmente, nos dias atuais uma terceira região core está em formação, num contexto
totalmente diferente das duas anteriores. Talvez seja correto afirmar que o evento que
iniciou a sua formação tenha sido a desregulamentação do setor sucroalcooleiro, que
ressuscitou os investimentos em tecnologia e tornou o álcool competitivo
internacionalmente. Tornou-se, desta forma, interessante ao capital investir na
expansão da produção para atender ao mercado interno e, principalmente, ao
externo. Para isto, a desconcentração espacial do pólo produtivo atualmente em voga
se tornou inevitável, bem como a forte oligopolização decorrente das necessidades de
investimentos agressivos, que surpreenderam grande parte do mercado. Da mesma
forma com que alguns fatores foram determinantes para o deslocamento do core da
produção de cana para São Paulo, também hoje existem critérios bem definidos para a
formação do terceiro core produtivo, sendo estas das mais diversas origens, que o
presente trabalho pretende discutir minimamente.
Aspectos Físicos
Topografia versus Mecanização
No cenário atual, um dos principais argumentos utilizados para fortalecer o
etanol como alternativa dentro da matriz energética mundial é a sua coerência com
relação à questão ambiental. Assim, sob este aspecto, o valor agregado ao produto
final será inversamente proporcional aos danos que o seu processo de produção
Fatores que Orientam os Eixos Expansionistas Atuais
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 61
causar ao ambiente. A crescente mecanização da colheita da cana torna desnecessária
a queima, que facilita a colheita manual, mas é reconhecidamente prejudicial ao meio
ambiente, devido ao seu caráter poluente. A utilização de maquinário para colheita
depende das condições topográficas, pois terrenos com declividades superiores a 12%
inviabilizam, por questões técnicas, a operação dos veículos utilizados para este fim.
Torna-se, portanto, interessante saber quais são as regiões que oferecem condições
topográficas predominantes em coerência com os pré-requisitos dos equipamentos
atualmente disponíveis.
Relevos predominantemente planos também favorecem a divisão do solo,
evitando que as linhas de cana sejam interrompidas antes da chegada aos carreadores,
o que acaba por diminuir o pisoteio durante a colheita. Esta configuração topográfica
permite aproveitar, com o mínimo de movimentação de terra, as feições do terreno
primitivo, diminui o consumo de combustível dos veículos e facilita a absorção de água
pelo solo, já que reduz a sua energia de escoamento superficial, que remove
nutrientes e conduz agrotóxicos aos rios. Enfim, declividades suaves facilitam direta ou
indiretamente desde o planejamento da sulcação e plantio até a colheita, diminuem
custos e agregam valor ao produto final. Evidentemente, este é um plano de
informação importantíssimo para a avaliação do potencial para a instalação de novas
usinas de açúcar e álcool, assim o mapa 4 identifica as áreas em que declividades
superiores a 12% predominam, com base em dados obtidos de modelos SRTM obtidos
junto à EMBRAPA, classificados com o software AutoCAD Civil 3D:
Fatores que Orientam os Eixos Expansionistas Atuais
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 62
Terras: Disponibilidade e Adequação de Solos
Cada tipo de solo apresenta condições diferenciadas de adaptação para as
variedades de cana disponíveis. A cada tipo de solo, associam-se um perfil de
fertilidade e composição mineral únicos, que podem, inclusive, inviabilizar
economicamente a compensação de nutrientes, sendo preferível, neste caso, não
realizar o plantio. Desta forma, é imprescindível conhecer quais solos predominam no
território nacional para reconhecer as regiões com maior potencial produtivo. O mapa
5 ilustra a distribuição dos mais diversos tipos de solos no Brasil:
Mapa 4
Fatores que Orientam os Eixos Expansionistas Atuais
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 63
A cana-de-açúcar constitui uma cultura semi-perene, que possui um sistema
radicular diferenciado, capaz de explorar camadas profundas do solo. Desta forma, ela
tem uma estreita relação com o pH do solo, sua saturação por bases, concentração de
alumínio e cálcio nestas camadas. Todos estes fatores implicam em diferenciais de
produtividade consideráveis.
De forma geral, independente da textura do solo (argiloso ou arenoso), a
produtividade da cultura de cana diminui dos solos eutróficos, que são mais férteis e
altamente saturados por bases, para os álicos, altamente saturados por alumínio e
menos férteis. Para que se tenha uma idéia das situações extremas, um Nitossolo
Vermelho eutrófico produz entre 91 e 110 toneladas de cana por hectare, enquanto de
um Neossolo quartzarênico poderão ser obtidas de 64 a 72 toneladas. Via de regra,
solos eutróficos são, em geral, mais produtivos que os distróficos e álicos, pois
apresentam saturação por bases superior a 50% em profundidade. Por este motivo,
solos distróficos e álicos exigem correções, como a aplicação de calcário e gesso, o que
implica em custos adicionais de preparo. Depois de realizadas as devidas correções, a
área pode ser utilizada por vários cortes, chegando a 10 em alguns casos. A textura
Mapa 5
Fatores que Orientam os Eixos Expansionistas Atuais
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 64
também interfere no aproveitamento, mas solos arenosos podem resultar em
produtividades similares às de argilosos, principalmente nos casos em que há maior
armazenamento de água na subsuperfície.
Em alguns casos, é necessário proceder com a correção química e física do solo,
quando, por exemplo, pretende-se cultivar a cana-de-açúcar em pastagens. Esta
situação demanda gastos consideráveis e, portanto, é evitada sempre que possível. Há
casos em que o avanço das plantações de cana ocorre em substituição a outras
culturas, já que o solo supostamente se encontrará em condições físicas mais
adequadas. Estudos específicos das áreas disponíveis fazem parte dos procedimentos
padrões de cada ciclo produtivo da agricultura de precisão.
No mapa 6, considerando a fertilidade natural dos diferentes tipos de solos e as
possibilidades de correção existentes, as áreas foram classificadas em três classes de
Mapa 6
Fatores que Orientam os Eixos Expansionistas Atuais
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 65
potencial: Adequado (poucas necessidades de correção), Pouco Adequado (correção
possível, envolvendo custos mais significativos) e Totalmente Inadequado (correção
economicamente inviável). Na escala apresentada, é evidente que se trata de uma
análise geral, que serve apenas como referencial de predominância de um padrão.
As primeiras áreas ocupadas por cana no Nordeste do Brasil se localizavam em
terras com bom potencial produtivo, bem como as usinas que ocupam densamente o
estado de São Paulo na atualidade. Este é, sem dúvida, um critério bastante relevante
para o aumento da produtividade.
Clima e Disponibilidade Hídrica
Segundo dados do Ministério da Agricultura, a produção de cana-de-açúcar
apresenta o seu melhor rendimento numa configuração climática que apresente duas
estações bem marcadas, sendo a primeira quente e úmida, que favorece a
germinação, perfilhamento e desenvolvimento vegetativo, seguida de outra fria e seca,
que é ideal para promover a maturação e acúmulo de sacarose.
A cultura de cana-de-açúcar no Brasil divide-se em dois eixos: Centro-Sul e
Norte-Nordeste. Estes possuem algumas características bastante distintas, que
explicam as diferentes intensidades de investimentos. Dentro deste contexto, o clima
apresenta-se como um fator de grande relevância para a tomada de decisão pela
implantação de uma nova unidade. No eixo Centro-Sul, o período de safra concentra-
se entre os meses de Abril/Maio a Novembro/Dezembro, enquanto o eixo Norte-
Nordeste concentra a colheita no período compreendido entre Agosto/Setembro e
Março/Abril do ano seguinte. Estrategicamente, isto é um fator interessante para
garantir o abastecimento contínuo do mercado nacional e internacional, aumentando
a segurança dos investidores em optar tanto pelo etanol quanto pelo açúcar de cana,
mas existe a necessidade de equacionar as vantagens e desvantagens da escolha por
um dos dois eixos espacialmente distintos, já que esta distinção implica em ambientes
de produção com grandes particularidades de temperatura e pluviosidade. Assim, com
base nos critérios de Koeppen, os padrões climáticos brasileiros foram representados
no mapa 7:
Fatores que Orientam os Eixos Expansionistas Atuais
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 66
O clima classificado como Cfb se caracteriza por um verão ameno e chuvas bem
distribuídas ao longo do ano. As temperaturas médias são inferiores a 22oC, entretanto
há uma grande limitação durante o inverno, período em que a média é inferior a 14oC
e ocorrem geadas quando as temperaturas mínimas são alcançadas. Esta característica
particular torna este clima impróprio para o cultivo da cana-de-açúcar. Situação
semelhante ocorre com o clima Cfa, cujas temperaturas médias no inverno são
inferiores a 16oC, apresentando risco de geadas, mas que pode ser considerado de
potencial médio para o cultivo de cana-de-açúcar, já que este é favorecido pelas altas
temperaturas durante o verão.
O potencial do tipo climático Cwb é baixo, pois duas estações apresentam
temperaturas muito baixas, inferiores a 18oC no outono e inverno. É um período muito
longo de exposição a estas condições, mesmo sem a ocorrência de situações extremas.
Mapa 7
Fatores que Orientam os Eixos Expansionistas Atuais
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 67
Também apresenta problemas o clima Bsh, semi-árido quente, que é caracterizado por
temperaturas superiores a 22oC em todos os meses do ano e precipitação
pluviométrica pouco superior a apenas 550mm anuais. Está, desta forma, relacionado
a um grande défcit hídrico, que o torna inadequado para diversos tipos de culturas,
incluindo a cana-de-açúcar. O oposto ocorre com o clima Af, que também é muito
quente, mas não possui uma estação seca, o que também não é ideal, já que dificulta a
maturação da planta e o manejo do solo, segundo informações obtidas com o Centro
de Tecnologia Canavieira, CTC. O mapa 8 apresenta o quadro geral de precipitação
pluviométrica no território brasileiro, que retrata de forma bastante clara as limitações
do semi-árido:
Mapa 8 – Quadro geral de precipitação pluviométrica no Brasil
Fonte: ANA
A ocorrência de invernos secos bem marcados na região de clima Aw resulta
em algumas restrições e diminui levemente o potencial produtivo, entretanto não
Fatores que Orientam os Eixos Expansionistas Atuais
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 68
chega a torná-la imprópria para o cultivo. Por fim, os tipos climáticos Am (Curta
Estação Seca) e Cwa (Inverno Seco, Verão Quente) não oferecem restrições ao cultivo
da cana-de-açúcar, por isso podem ser classificados como de alto potencial.
Com relação ao aspecto hídrico, de acordo com a ANA – Agência Nacional de
Águas, o território brasileiro é dividido em 13 sistemas de bacias hidrográficas, que
podem ser observados a seguir, em sobreposição à divisão administrativa dos estados.
Mapa 9 – Sistemas de bacias hidrográficas do Brasil
Fonte: ANA
Ainda segundo dados desta agência, o panorama nacional relacionando
demanda e disponibilidade de recursos hídricos pode ser resumido pelo mapa 10, que
segue, no qual é possível identificar áreas com severas limitações:
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Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 69
Mapa 10 – Relação entre demanda e disponibilidade hídrica no Brasil
Por ter se instalado em regiões com ótima adequação edafoclimática e devido
às técnicas empregadas no plantio, a cultura de cana-de-açúcar raramente utiliza
irrigação e esta característica traz diversos benefícios ambientais e de produtividade. A
agricultura, entretanto, é o segmento que mais consome água no mundo, devido
exatamente à necessidade de irrigação, já que a exploração economicamente viável de
áreas menos favorecidas por chuvas somente pode ser feita se esta forma de
compensação for adotada. A água representa uma limitação para o uso de 600 milhões
de hectares de terras potencialmente agricultáveis no mundo. No Brasil, 17% das
terras utilizadas são irrigadas e respondem por 40% da produção agrícola nacional, o
que indica que a pressão sobre a terra pode ser diminuída se técnicas de irrigação mais
eficazes forem desenvolvidas e implementadas (LUZ, 2006). A irrigação é um fator que
Fatores que Orientam os Eixos Expansionistas Atuais
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 70
impulsiona a expansão agrícola, uma vez que viabiliza a ocupação de terras antes
inexploráveis devido às limitações climáticas. Assim, regiões ricas em recursos hídricos
tornam mais fácil a captação da água e sua utilização, tanto para a irrigação quanto
para fins industriais, como o resfriamento de equipamentos utilizados no processo
produtivo. Isto resulta, como efeito colateral, na necessidade de tratamento da água
antes do seu descarte, que é responsabilidade das unidades instaladas.
A gestão dos escassos recursos hídricos vem se tornando prática cada vez mais
comum no Brasil, por meio de comitês caracterizados por uma relativa
representatividade, já que envolvem os mais diversos interesses e buscam a
exploração sustentável da água, atribuindo-lhe valor mensurável. Neste contexto de
múltiplos usos, múltiplos usuários, demanda crescente e qualidade degradada, não é
interessante a instalação de usinas em áreas problemáticas, já certamente isto
implicará em custos de produção adicionais e/ou menor produtividade.
Aspectos Econômicos
O Novo Valor do Recurso Terra
A expansão agrícola é uma forma de pressão sobre o recurso terra, que afeta
elementos frágeis e não renováveis, demandando preservação. A expansão da
fronteira agrícola ainda é a principal causa do desmatamento das regiões amazônica e
central do país (LUZ, 2006). Uma das maiores vantagens competitivas do Brasil com
relação a outros países no que diz respeito ao cultivo de cana-de-açúcar é a enorme
disponibilidade de terras agricultáveis. Este é, de fato, um país privilegiado neste
aspecto, pois está ainda muito distante de realizar todo o seu potencial produtivo, o
que lhe confere excelentes oportunidades no contexto internacional, bem como todas
as pressões decorrentes desta condição. Não se trata, no entanto, de colocar o país na
posição de “celeiro do mundo”, mas de evidenciar que o álcool, devido ao seu valor
agregado, pode gerar ganhos significativos para a economia nacional, ao contrário da
mera produção de alimentos para exportação, direção na qual as pressões externas
vêm tentando conduzir a agricultura nacional. Deve-se levar em consideração que a
produtividade da cana-de-açúcar faz com que ela ocupe uma área muito menor do que
Fatores que Orientam os Eixos Expansionistas Atuais
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 71
intuitivamente pode-se imaginar, principalmente em comparação com outras culturas,
como a soja. A depender da demanda, isto pode significar que a necessidade de
expansão da cana não terá necessariamente impactos sobre a produção de alimentos,
como vem sendo cogitado.
Do ponto de vista corporativo, a importância da posse da terra é menor nos
dias atuais do que já foi no passado, notadamente na era colonial, quando
representava poder político local. Isto se dá porque, mediante as novas possibilidades
de uso do território, as corporações não têm interesse em investir grandes montantes
em recursos de baixa liquidez, o que engessaria sua produção e diminuiria o poder de
barganha política. As terras não representam mais reservas de valor, elas valem o
quanto produzem e estão sendo oferecidas abundantemente por municípios Brasil
afora, como forma de incentivos visando atrair novos investimentos, o que será
discutido posteriormente.
Uma alternativa que vem sendo posta em prática é o arrendamento de terras a
baixos custos, substituindo, por vezes, outras culturas. Esta prática vem provocando
enormes calamidades sociais no Brasil, pois na prática induz o pequeno produtor a
abandonar suas terras e posteriormente inviabiliza o seu retorno. É possível, ainda,
constituir uma rede de fornecedores independentes, dispostos a garantir bons padrões
de qualidade para maximizarem seus ganhos, geralmente definidos pelo teor de
sacarose da cana e a quantidade de impurezas presentes. O gráfico apresentado na
figura 16 demonstra como a participação de terceiros no fornecimento de cana-de-
açúcar para a produção sucroalcooleira é historicamente importante:
Figura 16 - Participação de Fornecedores e Produtores Próprios de Cana-de-Açúcar
Fonte: MAPA
Fatores que Orientam os Eixos Expansionistas Atuais
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 72
A disponibilidade de áreas para crescimento agrícola é fundamental para a
decisão de expansão e projeções indicam que a pressão sobre o recurso-terra deverá
aumentar, mesmo tendo em vista a atual desvalorização. Considerando-se os
parâmetros atuais de produtividade, VIEIRA (s.d.) apresenta um cenário em que 10%
de toda a gasolina do mundo seja substituída por álcool. Isto geraria uma demanda por
205 milhões de metros cúbicos por ano, 43 milhões de hectares de terra e cerca de
1230 usinas.
Estrutura Fornecedora de Insumos e Serviços
A instalação de usinas de açúcar e álcool pode atrair investimentos numa região
no médio e longo prazo, mas isto não é reflexo automático da sua implantação, como
se pode imaginar, mas depende de uma série de condições, complexas e
descentralizadas. Em função da intensificação tecnológica do setor sucroalcooleiro, a
situação ideal é aquela em que existem grandes centros nas proximidades, provedores
de mão-de-obra qualificada e abundante, capaz de operar os mais diversos
ferramentais tecnológicos existentes. Esta proximidade de centros desenvolvedores de
equipamentos, fornecedores de insumos e prestadores de serviços diminui custos de
manutenção, garante flexibilidade e estabiliza a produção, aproveitando ao máximo o
potencial dos recursos disponíveis. Além disto, ocorre também grande diminuição dos
custos operacionais e de manutenção, que seria cara e demorada. Resumindo, é
necessário concordar com PAIVA, quando se refere ao assunto:
“(...) Schultz mostrou que as áreas próximas aos centros industriais urbanos têm mercados de fatores e produtos mais eficientes, com menores distorções do que nas áreas mais distantes. Oferecem, assim, condições à adoção de processos mais eficientes, obtendo melhores resultados na produção.” (PAIVA, 1975).
A importância do ponto de vista corporativo da proximidade de grandes
centros também pode ser identificada indiretamente nas palavras de SANTOS, quando
este explica como a introdução da nova forma de produzir gera demandas:
“nas áreas onde essa agricultura científica globalizada se instala, verifica-se uma importante demanda de bens científicos (sementes, inseticidas, fertilizantes, corretivos) e, também, de assistência técnica. Os produtos são escolhidos segundo uma base mercantil, o que também
Fatores que Orientam os Eixos Expansionistas Atuais
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 73
implica uma estrita obediência aos mandamentos científicos e técnicos. São essas condições que regem o processo de plantação, colheita, armazenamento, empacotamento, transportes e comercialização, levando à introdução, aprofundamento e difusão de processos de racionalização que se contagiam mutuamente, propondo a instalação de sistemismos, que atravessam o território e a sociedade, levando com a racionalização das práticas, a uma certa homogeneização”. (SANTOS, 2002).
Com relação à capacidade de instalação de novas unidades produtivas, o Brasil
encontra-se em condições privilegiadas, já que a tecnologia está quase 100%
nacionalizada. A questão mais preocupante é a concentração espacial das indústrias de
bens de capital, que se encontram basicamente nos municípios de Sertãozinho e
Piracicaba, no interior do estado de São Paulo. As limitações de produção de projetos
de novas usinas e suas execuções também são problemas consideráveis. Existe um
gargalo produtivo que reduz a capacidade de expansão e faz com que as entregas de
projetos se sujeitem a prazos cada vez maiores. Empresas como Dedini e Empral têm
suas capacidades de projeto e execução totalmente comprometidas, o que gera um
mercado paralelo formado por profissionais que adquirem conhecimentos nessas
empresas e em seguida passam a trabalhar como autônomos. O treinamento de novos
profissionais é longo e pode interferir na qualidade do projeto resultante se não for
bem conduzido.
O gargalo produtivo também atinge outras áreas, como as empresas que
fabricam colhedoras. Elas são em número bastante reduzido, assim as alternativas são
limitadas e o desenvolvimento dos equipamentos é lento em comparação com outras
culturas de mesma escala de ocupação. Tanto a aquisição de máquinas como a sua
manutenção representam custos consideráveis, cuja possibilidade de redução é um
fator de atração para a instalação de novas unidades. Neste sentido, a proximidade de
grandes centros desenvolvidos é um importante fator de atração para a instalação de
novas usinas e deve ser considerado numa análise criteriosa como a proposta neste
trabalho. Nos mapas apresentados na figura 17, nota-se claramente que São Paulo é o
estado mais industrializado, mas Paraná, Goiás e Mato Grosso do Sul também
apresentam quadros de grande potencial. O mesmo se dá com relação à prestação de
serviços e comércio.
Fatores que Orientam os Eixos Expansionistas Atuais
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Figura 17 – Maiores concentrações da indústria, comércio e serviços
Fonte: SEADE
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Força de trabalho: Mecanização e Especialização
A pressão por mecanização no campo traz consigo uma série de problemas
sociais, já que exclui uma parcela significativa dos trabalhadores permanentes,
justamente aqueles menos qualificados e preparados para reinserção no mercado de
trabalho. Com isto, o proprietário se exime do pagamento de encargos trabalhistas e
de uma série de preocupações com infra-estrutura de alojamentos, alimentação etc.
Enfim, dimunui o custo administrativo, que é transferido para fins mais relacionados à
produção, como investimentos em tecnologias de análise de dados de campo ou
gestão de questões ligadas ao geoprocessamento.
Mesmo assim, é considerável a demanda por trabalhadores em função da
instalação de novas unidades para atender ao mercado consumidor potencial. Nos
locais em que existe a viabilidade do plantio de cana-de-açúcar sem a possibilidade de
colheita mecanizada, aumenta a importância da disponibilidade de mão-de-obra com
custo reduzido, assim algumas porções do Nordeste podem ser privilegiadas quando
da necessidade de escolha.
O número de empregados na área agrícola do NE é 3,5 vezes superior ao da
região Centro-Sul por tonelada de cana cultivada, segundo a ÚNICA para o ano de
2005. A colheita é a etapa da produção que sofre maior influência da mecanização, por
isso representa basicamente uma ameaça aos trabalhadores menos qualificados. Por
outro lado, a tecnificação dos processos exige profissionais com melhor formação e
esta é a demanda atual dos novos empreendimentos do setor sucroalcooleiro. Daí, a
proximidade de grandes centros volta a ser identificada como de grande importância.
Aspectos Estruturais e Políticos
Logística: Integração Multimodal e Expansão da Rede
O escoamento da produção, sem dúvida alguma, é um elemento
estrategicamente central no processo decisório para a escolha da localização de novas
unidades de processamento. A existência de modais com integração consolidada
diminui os custos e permite a realização dos lucros em tempo diminuído. A infra-
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Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 76
estrutura de transporte para a cana colhida até os centros de moagem diminui a
degradação dos veículos e melhora o aproveitamento máximo da sacarose.
Os fabricantes de carroceria têm realizado uma série de adaptações para
reduzir os custos de transporte, adaptando os equipamentos às novas tecnologias
empregadas na colheita. A distância dos locais de colheita aos centros de
processamento da cana vêm aumentando gadualmente devido à pressão pelo
aumento da produção. A capacidade de absorção industrial de matéria-prima também
torna-se cada vez maior. Na região centro-oeste, a distância média de colheita é de
20km.
No Brasil, o transporte de cargas é realizado em sua maior parte através do
modal rodoviário, cuja estrutura instalada resulta de um esforço para integração
nacional realizado com maior ênfase durante o período em que predominaram os
governos militares. A figura 18 apresenta um gráfico que ilustra a participação dos
diferentes modais no Brasil.
Figura 18 – Participação dos diferentes modais no Brasil
Fonte: Ministério dos Transportes
A economia brasileira vem adotando nos últimos anos uma política de estímulo
às exportações, discutida anteriormente, que tem como conseqüência uma série de
pressões de diferentes setores para que a infra-estrutura que serve ao escoamento da
produção seja adequada ao volume esperado, já que há um evidente descompasso
entre os investimentos na produção e transportes. Atualmente, este é um dos maiores
gargalos que limitam o crescimento das exportações de açúcar e, principalmente, de
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Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 77
álcool e um desestímulo ao aumento da área plantada, já que implica em diminuição
da rentabilidade do negócio. A tabela 4, que caracteriza os custos dos modais, permite
constatar que o transporte internacional dos dois produtos citados não deve ser
realizado por via aérea e sim utilizando navios, caso contrário não haveria viabilidade
econômica na operação.
Tabela 4 - Síntese das Características dos Modais de Transportes
Topológica (Formato)
Econômica
Carga
Custos Fixos
Custos Variáveis
Hidrovia Muito Rígido
Terminal a Terminal Alta Médios Baixos
Ferrovia Rígido
Terminal a Terminal Alta Altos Médios
Rodovia Grande Flexibilidade
Ponto a Ponto Média-Baixa Médios Médios
Aerovia Rígido
Terminal a Terminal Média-Baixa Altos Altos
Fonte: CASTILLO, 2006 (apud: CAIXETA FILHO, 2001;NAZÁRIO, WANKE & FLEURY, 2005;PASSARI, 1999)
As hidrovias aparentemente constituem um meio de transporte adequado, pois além
de serem mais seguras em comparação a outros modais, são também menos
poluentes, têm custo de implantação e manutenção relativamente baixos, o que
implica no barateamento dos produtos para exportação. Apresentam, porém, um
problema na sua configuração topológica, que é extremamente rígida. Desta maneira,
a solução ideal terá que envolver a integração com outros modais para que não
existam limitações intransponíveis de distribuição da produção no espaço.
Seguem comparações de outros atributos importantes relacionados à
performance:
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VELOCIDADE Menor Maior Duto Aqua Ferro Rodo Aero CONSISTÊNCIA Menor Maior Aero Aqua Ferro Rodo Duto CAPACITAÇÃO Menor Maior Duto Aero Rodo Ferro Aqua DISPONIBILIDADE Menor Maior Duto Aqua Aero Ferro Rodo FREQÜÊNCIA Menor Maior Aqua Aero Ferro Rodo Duto
Fonte: CASTILLO, 2006 (apud: FLEURY, 2002; VENCOVSKY, 2006; OJIMA, 2006)
É possível notar que a inclusão do transporte dutoviário como parte da
estratégia de escoamento da produção de etanol é interessante e a utilização de
ferrovias pode auxiliar bastante o transporte parcial de açúcar. Apesar de mais lento, o
transporte por meio de dutos é eficiente no cumprimento dos prazos e opera 24 horas
por dia. Sua especialização para o transporte de um tipo específico de produto não
representa problemas incontornáveis e a baixa presença no território é uma questão
que vem sendo amenizada por investimentos públicos e privados, como será discutido
mais adiante. Assim, toda a estrutura interna de transportes trabalha com o objetivo
de conduzir a produção aos portos e refinarias, com o menor custo possível e dentro
de prazos comercialmente adequados. Para que isto seja feito, as indústrias lançam
mão de uma articulação multimodal em rede, cuja topologia relaciona os elementos de
forma extremamente coordenada. O mapa 11 apresenta os portos marítimos
brasileiros, que são um dos principais destinos da produção:
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Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 79
Mapa 11 – Principais portos
Fonte: Ministério dos Transportes
A integração dos modais rodoviário, ferroviário e hidroviário é fundamental
para que uma boa estratégia de escoamento seja alcançada, já que estes três são
reconhecidamente apropriados para os produtos do setor sucroalcooleiro. A opção
mais recente de uso do transporte por meio de um sistema de dutos, que no Brasil se
volta essencialmente para o gás natural, pode ser dividida em quatro categorias, a
saber:
a) Minerodutos: transportam basicamente Sal-gema, Minério de ferro e
Concentrado Fosfático;
b) Gasodutos: transportam gás natural, é o caso do Gasoduto Brasil-Bolívia, um
dos maiores do mundo, com 3150 quilômetros de extensão ;
Fatores que Orientam os Eixos Expansionistas Atuais
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 80
c) Polidutos: transportam produtos de tipos variados, como o próprio nome
sugere;
d) Oleodutos: transportam essencialmente petróleo, óleo combustível, gasolina,
diesel, GLP, querosene, nafta etc. Este é o tipo de duto utilizado para o
transporte de etanol.
Uma das principais características desta modalidade de transporte é a
economia em comparação com as ferrovias e rodovias, desde que estejam envolvidos
grandes volumes de óleo, gás natural e derivados. Este, aliás, é um fator
extremamente importante para a compreender a grande concentração de projetos de
novas usinas em regiões específicas, os chamados “clusters”. Isto ocorre para que os
pré-requisitos de volume para viabilização econômica de novos trechos de dutos sejam
atendidos. Para que este tipo de planejamento possa ser feito com maior facilidade, a
Agência Nacional de Transportes Terrestres, ANTT, vem realizando esforços em
conjunto com a Agência Nacional de Petróleo (ANP) para criar um cadastro nacional de
dutos que sirva de parâmetro para a elaboração de novos estudos logísticos.
Novos sistemas de dutos estão previstos para atender aos estados de Mato
Grosso do Sul e Goiás, passando pelo Paraná, São Paulo e Minas Gerais. Isto
certamente representará um fator de atração muito forte de clusters de etanol para
estas regiões e, por esta razão, estados como Goiás, que têm grande disponibilidade
de terras e potencial para integração multimodal, estão sendo muito assediados por
projetos de instalação de novas unidades. Obras eliminando possíveis gargalos
intermodais, como a reforma do porto fluvial de São Simão, possibilitarão um melhor
aproveitamento das condições estrategicamente privilegiadas do estado.
Entre as obras em planejamento, está um alcooduto que ligará Senador Canedo
(GO) a Paulínia (SP), com capacidade de transporte de 12 milhões de litros de etanol
por ano, dos quais 4 milhões poderão ser escoados pelo Terminal da Ilha D´Água, no
Rio de Janeiro e o restante pelo Terminal de São Sebastião, litoral norte de São Paulo,
de acordo com as informações fornecidas pela Petrobras. Também estão previstas
obras para interligar a hidrovia Tietê-Paraná a Paulínia, o que deverá gerar um sistema
multimodal interessante para o escoamento da produção goiana, complementando o
complexo que passa por Uberaba em Minas Gerais, Ribeirão Preto, Paulínia e
Guararema, os três últimos em São Paulo. O poliduto OSRIO passará a ser de uso
Fatores que Orientam os Eixos Expansionistas Atuais
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 81
exclusivo para o transporte de etanol e todo o complexo de dutos será colocado à
disposição do mercado, sob forma de um serviço de transporte. A figura 19 ilustra a
expansão da rede de dutos no Brasil:
Figura 19 – Expansão prevista para a rede de dutos nacional
Fonte: BIOCOMB
Outra região bastante atraente com relação à infra-estrutura de transportes é o
Triângulo Mineiro, que deverá fechar o circuito juntamente com Goiás e São Paulo. O
potencial de atração é tamanho que o governo estadual demonstra grande
preocupação em estimular a diversificação de culturas e em criar mecanismos para
estimular a ocupação de outras porções de seu território.
Fatores que Orientam os Eixos Expansionistas Atuais
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 82
Mapa 12 – Principais hidrovias
Fonte: Ministério dos Transportes
Do ponto de vista conceitual, o modal ferroviário constitui outra alternativa
interessante para o escoamento da produção do setor sucroalcooleiro, pois apresenta
a capacidade de transporte de grandes volumes com excelente eficiência energética,
em especial nos casos em que há deslocamentos de médias e longas distâncias. Furtos
e roubos são menos freqüentes do que em outras modalidades e há incidência
reduzida de acidentes, o que torna esta opção mais segura, por exemplo, que a
rodoviária. No Brasil, porém, existem restrições a este tipo de transporte, que
diminuem o aproveitamento de todo o seu potencial, como a falta de integração com
países vizinhos e problemas relacionados à privatização, que tornaram certas ferrovias
Fatores que Orientam os Eixos Expansionistas Atuais
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 83
de uso exclusivo de algumas corporações, deixando de atender ao planejamento
nacional.
O mapa 13 apresenta as principais ferrovias brasileiras, que se integram para
formar o maior sistema da América Latina, bastante especializado no transporte de
cargas, que chegaram a 162,2 bilhões de toneladas por quilômetro útil no ano de 2001,
segundo o Ministério dos Transportes. Para que este modal seja melhor aproveitado,
entretanto, há a necessidade de algumas compatibilizações da estrutura existente, que
atualmente conta com dificuldades de integração devido a diferentes bitolas de trilhos,
por exemplo. Este processo está ocorrendo progressivamente, mas em velocidade
extremamente inferior às demandas geradas pelo crescimento da produção de
diversos setores.
Mapa 13 – Principais Ferrovias
Fonte: Ministério dos Transportes
Ainda do ponto de vista conceitual, para o setor sucroalcooleiro é interessante
notar que há ferrovias projetadas, que poderiam ampliar as opções de integração com
Fatores que Orientam os Eixos Expansionistas Atuais
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 84
outros modais, como, por exemplo, a Ferrovia Norte-Sul que auxiliará na integração do
Maranhão e Tocantins e a Ferronorte, especialmente interessante para Roraima e
Mato Grosso. Ambas atenderão também ao estado de Goiás.
Com relação aos outros modais disponíveis, o mapa 14 apresenta as principais
rotas multimodais de escoamento de grãos, que podem ser utilizadas, em parte, para a
distribuição da produção de açúcar e álcool.
Variedades de Cana: A Importância do Fomento à Ciência e Tecnologia
Existe grande importância estratégica no desenvolvimento de novas variedades
de cana-de-açúcar. Com isto, é possível melhorar a adaptação da cultura a uma região
específica, maximizar a produtividade num dado ambiente de produção, melhorar a
Mapa 14
Fatores que Orientam os Eixos Expansionistas Atuais
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 85
qualidade da cana por meio da obtenção de maior teor de sacarose, aumentar a
resistência contra pragas e compatibilizar a planta aos diferentes períodos do ano.
A cana é uma cultura classificada como semi-perene, pois seu plantio rende um
certo número de cortes antes que tenha que ser refeito. No primeiro corte, a cana é
chamada “cana planta”, enquanto nos cortes seguintes é chamada “cana soca”, por se
originar de um broto da cana cortada. Em geral, o total é de 5 cortes, 1 de cana planta
e mais 4 de cana soca. O ciclo produtivo varia de acordo com uma série de fatores,
entre os quais a variedade utilizada. Existem as variedades classificadas como de 12
meses, que são aquelas plantadas logo após o término do ciclo produtivo, podendo ser
colhidas no ano seguinte. Elas apresentam menor produtividade que as canas de 18
meses, que somente são plantadas dois anos após o fim do ciclo, período no qual são
substituídas por outra cultura, de rotação. Sua produtividade no primeiro corte,
entretanto, é muito maior.
O Brasil detém a biotecnologia mais avançada para o cultivo de variedades
diferenciadas de cana, juntamente com Austrália e África do Sul, além do menor custo
de produção do mundo (VIEIRA, s.d.). A pesquisa é desenvolvida por centros
especializados, como o Instituto Agronômico de Campinas (IAC), a Rede Universitária
para o Desenvolvimento do Setor Sucroalcooleiro (Ridesa) e o Centro de Tecnologia
Canavieira (CTC). Novos empreendimentos privados, como as empresas Allelyx e
Canaviallis vêm se estabelecendo e aumentando a competitividade nesta área de
atuação. Existe também um esforço internacional para aprimorar as variedades de
cana e alcançar resultados expressivos de produtividade sob as mais diversas
condições. O CTC representa o Brasil como membro do ICSB, o Consórcio Internacional
de Biotecnologia de Cana-de-açúcar, em que instituições dos países produtores se
reúnem para buscar avanços tecnológicos que possam ser compartilhados por todos.
Por meio dos canais mencionados anteriormente, foram criadas variedades
mais produtivas e adaptadas às diferentes condições existentes no país, entretanto é
perceptível o esforço significativamente maior em atender ao eixo Centro-Sul, o que
prejudicou o desenvolvimento do setor no Norte-Nordeste, cuja produtividade média
é substancialmente menor. Torna-se necessário desenvolver variedades com maior
adaptabilidade a estas regiões, que constituem ambientes de produção totalmente
diversos, com grande potencial a ser explorado. É importante salientar, também, que a
Fatores que Orientam os Eixos Expansionistas Atuais
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 86
diversificação das variedades numa plantação envolvendo centenas de talhões é
fundamental para diminuir o risco de perdas, já que, para o caso de surgimento de
uma nova doença, “o prejuízo será tão maior quanto maior for a proporção da cultivar
suscetível” (CTC, 2006). As principais variedades cultivadas no Brasil são a RB72454
(12%), SP81-3250 (11%), SP79-1011 (10%), RB835486 (8%), RB855536 (6%), RB867515
(5%), SP80-1816 (5%), SP80-1842 (4%), SP83-2847 (4%) e finalmente RB855543 (3%).
As demais, que são em grande quantidade, equivalem aos 34% restantes (CTC, 2006).
A clara “preferência” pelo eixo Centro-Sul tende a ser compensada com o
tempo, mas constitui um fator de grande relevância na escolha de novos rumos para a
expansão, pois interfere diretamente na produtividade e riscos financeiros. Algumas
iniciativas neste sentido já estão em andamento. Informações fornecidas pela
Fundação de Apoio à Pesquisa e Desenvolvimento do Oeste Baiano indicam que há
cerca de três anos a instituição estabeleceu parceria com o Instituto Agronômico de
Campinas e a Associação dos Irrigantes da Bahia (Aiba) para o plantio experimental de
cana, utilizando mais de 70 variedades provenientes de diversas regiões do país.
Programas como este devem ser cada vez mais comuns para corrigir a falta de
planejamento para o Norte-Nordeste.
Outra questão de grande relevância é a utilização comercial dos resultados
obtidos pelo Brasil no campo da pesquisa genética da cana-de-açúcar, que vem sendo
dificultado pelas leis em vigor. Variedades transgênicas resistentes a vários tipos de
herbicidas, à broca-da-cana e ao chamado “amarelinho”, apesar de disponíveis nos
centros de pesquisa, ainda têm sua comercialização vetada. É necessário que o tema
seja debatido e, caso seja entendido como uma alternativa interessante, que seus
benefícios possam ser usufruídos na correção rápida das distorções entre os eixos
produtivos. O tema, porém, é complexo. Alguns autores identificam a seleção de
variedades como um critério de exclusão do pequeno produtor, uma forma de
condicionar os financiamentos a investimentos obrigatórios em fatores de produção
de maior rendimento, patenteados por grandes grupos. É, de certa forma, uma
maneira de colocar o pequeno produtor como empregado, sem nenhum dos custos
diretos. O controle biotecnológico sai das mãos do agricultor e passa para o
especialista (LUTZENBERGER, 2001) e as opções disponíveis para escolha ficam
limitadas.
Fatores que Orientam os Eixos Expansionistas Atuais
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 87
Legislação Ambiental
O crescimento da conscientização em relação à questão ambiental faz com que
o presente estudo não possa considerar áreas de preservação como a Amazônia,
Pantanal e fragmentos remanescentes da Mata Atlântica para ocupação com cana. O
mapa 15, apresentado a seguir, mostra os biomas do Brasil:
Grande parte destas áreas, porém, já foi ocupada por atividades antrópicas e
sofreu desmatamento. O mapa 16 indica quais são os fragmentos de vegetação que
ainda resistem à pressão pela ocupação e merecem especial atenção das autoridades:
Mapa 15
Fatores que Orientam os Eixos Expansionistas Atuais
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 88
Em muitos casos, a ocupação se dá inicialmente por meio de atividades ilegais
como o desmatamento e invasão de áreas de preservação dos rios, que são protegidas
por leis federais bastante rígidas e bem regulamentadas pela lei 4.771, de 15/09/65,
que institui o Código Florestal brasileiro e sofreu posteriores alterações em 2001, já
consideradas na tabela 5:
Tabela 5 – Larguras das Áreas de Preservação Permanentes
Largura do Rio APP prevista
Até 10 metros 30 metros
De 10 a 50 metros 50 metros
De 50 a 200 metros 100 metros
De 200 a 600 metros 200 metros
Superior a 600 metros 500 metros
Mapa 16
Fatores que Orientam os Eixos Expansionistas Atuais
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 89
Também são protegidas pelo mesmo código as nascentes, que ficam isoladas
por um raio mínimo de 50 metros, independente de qualquer condição adicional, bem
como topos de morros, montes, montanhas, serras e regiões com declividade superior
a 45o, entretanto tais áreas não apresentam aptidão para a cultura de cana.
Outras determinações legais limitam as opções que as usinas têm à sua
disposição para executar algumas de suas operações. A queima de cana, por exemplo,
prática comum para facilitar a execução manual da colheita, deverá ser eliminada
completamente, como é possível observar no cronograma estipulado pelo Decreto
Federal 2.661 e complementado especificamente por São Paulo, através da Lei
Estadual 11.241, ilustrados no gráfico da figura 20:
Figura 20 – Cronograma de Redução de Queimas nos Canaviais
Fonte: LAMONICA, s.d.
Esta legislação vem, de fato, sendo colocada em prática, conforme pode ser observado
na figura 21, que resume o acompanhamento da adequação:
Fatores que Orientam os Eixos Expansionistas Atuais
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 90
Figura 21 – Evolução de Colheita de Cana sem Queima
Fonte: LAMONICA, s.d.
Os equipamentos utilizados na colheita estão sendo aperfeiçoados para fazer
também o recolhimento da palha, o que diminui ainda mais a necessidade de queima,
resulta em matéria-prima com menor grau de impurezas e aumenta a quantidade de
fibra disponível para conversão em energia elétrica. As opções disponíveis para esta
finalidade são ainda bastante restritas no mercado, mas esta é uma tendência muito
clara.
Por fim, a tendência é que os estados brasileiros elaborem estudos
multidisciplinares para gerar zoneamentos agroambientais em escalas adequadas. Este
tipo de mapeamento resulta da sobreposição de planos de informação, como
declividade, disponibilidade de água, estímulo à biodiversidade, qualidade do ar e
áreas de conservação. O mapa 17 apresenta o zoneamento do estado de São Paulo,
que foi pioneiro para o setor sucroalcooleiro:
Fatores que Orientam os Eixos Expansionistas Atuais
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 91
Mapa 17 - Zoneamento Agroambiental para o Setor Sucroalcooleiro de São Paulo
Fonte: Secretaria de Agricultura e Abastecimento
A Guerra entre os Lugares
Em função dos benefícios políticos e econômicos da instalação de unidades de
processamento de açúcar e álcool, são comuns inserções do setor em programas de
incentivos fiscais, que podem ser oferecidos pelo estado ou pelos municípios. Isenção
parcial ou total de impostos, cessão de áreas para instalação da indústria e outros
benefícios são bastante comuns, com o argumento central de que haverá geração de
empregos e diversificação da base econômica.
Um grande exemplo deste tipo de prática política ocorre no Mato Grosso do
Sul, cuja economia se baseou por muitos anos na pecuária e cultivo de soja. A câmara
dos deputados do estado aprovou o fim da restrição de distância mínima de 25
quilometros entre usinas, que vigorava no estado, por meio do projeto de lei 097/08,
elaborado a pedido do governo estadual. Esta medida tem por objetivo viabilizar a
formação de associações entre usinas para alimentar um ramal de alcooduto que
conduzirá o etanol até o Porto de Paranaguá. Com esta medida, os cerca de 70% da
Fatores que Orientam os Eixos Expansionistas Atuais
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 92
área do estado que não estavam protegidos por leis ambientais foram liberados para o
plantio de cana. O estado entende que, além da liberação de toda a área disponível
para cana, também existe a necessidade de conceder incentivos fiscais para
compensar as dificuldades relacionadas à logística e mão-de-obra, já que a distância
dos principais centros consumidores é um problema, pois não existe um mercado
interno de volume considerável. As deficiências nas políticas de desenvolvimento
regional são outra justificativa apresentada pelo estado para a adoção de medidas
agressivas de atração do capital sucroalcooleiro.
Desde 2001, o estado do Mato Grosso do Sul mantém o programa MS
Empreendedor, que oferece isenção de até 67% no Imposto sobre circulação de
mercadorias e serviços (ICMS) pelo prazo de até 15 anos às indústrias que se
instalarem ou ampliarem suas instalações. Também pode ser concedida a dispensa de
pagamento do imposto que incide sobre as entradas estaduais, que afeta, por
exemplo, a importação de máquinas e equipamentos. Este programa de isenção vem
sendo bastante aproveitado pelo setor sucroalcooleiro.
Outros estados, como Paraná e São Paulo apresentam comportamentos menos
agressivos com relação à atração de investimentos de usinas, preferem ressaltar suas
facilidades de logística, infra-estrutura e localização estratégica, que, sozinhas,
possuem poder atrativo. Mesmo sem ter os atributos destes estados, o Mato Grosso
também não vem demonstrando o interesse esperado em atrair a cana-de-açúcar, o
que talvez se deva à influência da soja sobre a economia e política locais, já que a cana
poderia, num tempo relativamente curto, inflacionar o mercado de terras. Existem,
entretanto, iniciativas de alguns deputados para criar facilidades de penetração do
setor sucroalcooleiro no estado.
O Maranhão, além de ter realizado uma série de estudos para atrair
investidores, ainda criou em março de 2005 o pólo agroindustrial e concedeu incentivo
tributário sob forma de financiamento direto ao contribuinte no valor correspondente
a todo o investimento realizado na implantação, ampliação ou modernização de
unidades produtivas. Da mesma forma que a maioria dos estados, isto é feito através
de deduções no ICMS.
O Tocantins, apesar de ser um estado criado recentemente, também realiza
esforços para atrair novos investimentos e o caminho escolhido foi a concessão de
Fatores que Orientam os Eixos Expansionistas Atuais
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 93
isenções aos interessados. Exemplos deste comportamento foram as criações do
Programa de Industrialização Direcionada (Proindústria) e do Programa de Incentivo ao
Desenvolvimento Econômico do Estado do Tocantins (Prosperar). Ambos têm por
objetivo impulsionar o setor industrial através da concessão de benefícios fiscais.
Como resultado, Tocantins vem atraindo grupos usineiros de Pernambuco, como o
EQM, de Eduardo Monteiro, que instalou uma unidade na região de Arraias.
Goiás vem justificando o interesse de usineiros e grupos internacionais em seu
território, não apenas pela presença de ambientes com boa adequação edafoclimática
e topográfica, como também por meio de diversos incentivos fiscais oferecidos pelos
programas Fomentar (Fundo de Apoio à Industrialização do Estado de Goiás, extinto
em 2000) e Produzir (Programa de Desenvolvimento de Goiás, que substituiu o
programa anterior). Ambos atenderam preferencialmente a agroindústria e resultaram
em cerca de 89 projetos de investimento com incentivo fiscal aprovado no estado, que
se concentram em algumas regiões sob forma de “clusters”, como ocorre nas
proximidades de Itumbiara, que abrigará pelo menos 5 usinas, segundo dados da
Secretaria de Indústria e Comércio. Por outro lado, o zoneamento agroecológico que
está sendo elaborado tentará impedir a prática da queimada, limitando a ocupação do
Cerrado a áreas com declividade máxima de 12%, que permitem a colheita
mecanizada, como já foi discutido anteriormente.
O estado de Minas Gerais não se preocupa em demasia com a concessão de
benefícios para atrair novos investimentos. Ele concentra seus esforços em evitar a
concentração dos investimentos no Triângulo Mineiro, o que poderia gerar disputa por
terras na região. Há, desta forma, um esforço para a elaboração de um plano diretor
que buscará identificar outras regiões com potencial para cana, o que manteria a
diversidade de culturas em todas as regiões do estado, segundo informações da
Secretaria de Agricultura. As porções noroeste e leste do estado seriam áreas
possivelmente indicadas para a ocupação sucroalcooleira.
A Bahia produz atualmente cerca de 20% do álcool que consome e pretende
atingir a auto-suficiência na produção deste combustível até 2014. Para isto, adotou a
política de oferecer incentivos fiscais aos produtores, sob forma de abatimento de 4,5
a 18% sobre o ICMS, a depender do tipo de álcool produzido, seu destino e localização
da usina. Tal incentivo poderá ser usufruído até 2020 e a Fundação de Apoio à
Fatores que Orientam os Eixos Expansionistas Atuais
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 94
Pesquisa e desenvolvimento do Oeste Bahiano acredita que esta região poderá
despontar como um novo pólo sucroalcooleiro nacional até o ano de 2015.
Apesar das concessões de incentivos fiscais serem bastante variáveis em cada
caso específico de negociação, os principais estados envolvidos na expansão
sucroalcooleira foram classificados de acordo com a postura política de incentivo
adotada, conforme pode ser observado no mapa 18.
Outra instância muito importante do processo decisório para a instalação de
novas usinas de cana-de-açúcar é a municipal. Muitos municípios oferecem facilidades
para a instalação de unidades de processamento de cana-de-açúcar, visando gerar
emprego e renda. Isto, no entanto, pode causar dependência desta única atividade
econômica, fazendo com que o domínio das decisões na esfera política seja transferido
para os usineiros. As usinas de açúcar e álcool geram empregos e movimentam a
Mapa 18
Fatores que Orientam os Eixos Expansionistas Atuais
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 95
economia dos locais em que se instalam, criando, em muitos casos, uma dependência
prejudicial no longo prazo. Efeitos desta dependência parcial ou total podem ser
observados facilmente em diversos municípios do estado de São Paulo, principalmente
aqueles com menor população e dinamismo econômico, como Lençóis Paulista,
Itapira, Ariranha e Palmares Paulista. Em geral, a visão política imediatista não hesita
em dar preferência aos benefícios que a atração de um empreendimento do porte de
uma usina pode trazer.
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 96
C A P Í T U L O 4
Análise Combinada de Camadas de
Informação Relacionadas à
Expansão
Análise Combinada de Camadas de Informação Relacionadas à Expansão
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 97
Fatores Excludentes
Para dar início à análise dos fluxos mais prováveis da expansão sucroalcooleira,
levando em consideração a grande disponibilidade de terras agricultáveis, devem ser
ressaltados os fatores que diminuem sensivelmente a probabilidade de ocupação de
determinadas áreas com cana-de-açúcar. Seriam excluídas no presente momento as
terras com estas características:
a) Compostas por solos totalmente impróprios para o cultivo de cana;
As regiões que apresentem solos totalmente inadequados para o cultivo de
cana são aquelas em que é impossível corrigir as deficiências para se alcançar níveis de
produtividade minimamente aceitáveis ou aquelas em que o custo de correção
inviabilize economicamente a competitividade.
b) Reservas ambientais e áreas de proteção;
Cabe considerar que a ocupação de terras sob proteção ambiental seria
totalmente incoerente com a proposta ecológica embutida na propaganda do etanol,
já que o equilíbrio ambiental de seu processo produtivo seria inteiramente
comprometido. Independente da real conscientização, a inibição deste tipo de
comportamento deverá se incorporar à conduta do empresariado do setor, pois
funciona como mecanismo de proteção aos próprios argumentos de sustentação do
produto no mercado, que lhe agregam valor. Ademais, a invasão destas áreas
representaria uma clara infração legal, cuja possível prática certamente seria
detectada por estudos preliminares à implantação da usina ou nos procedimentos de
“legalização” da produção por meio do cadastro dos talhões georreferenciados junto
aos órgãos governamentais responsáveis, de forma que grandes danos poderiam
ocorrer.
c) Com declividade superior a 12%;
Devido ao avanço da legislação que proíbe a queima da cana, é inegável a
tendência ao uso da mecanização em massa na sua colheita. Para que ela seja
colocada em prática, a tecnologia atualmente disponível exige que seja observada a
declividade máxima de 12% no terreno. Desta forma, para evitar limitações
indesejáveis na exploração agrícola durante o período de ocupação por esta cultura
Análise Combinada de Camadas de Informação Relacionadas à Expansão
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 98
semi-perene ou na sua ampliação, as novas unidades priorizarão a utilização de regiões
que se encaixem neste padrão topográfico.
d) Com défcit hídrico importante;
As regiões que não necessitem de irrigação para alcançar níveis médios de
produtividade deverão ser selecionadas preferencialmente neste primeiro momento
da expansão sucroalcooleira, pois esta correção representará um custo adicional, que
terá que ser repassado ao produto, o que não é interessante dentro do cenário de alta
concorrência que pode se instalar se as previsões de demanda se concretizarem.
Apesar dos ganhos evidentes de produtividade, a cana-de-açúcar no Brasil
tradicionalmente não utiliza este recurso.
e) Em configuração climática que potencialize riscos de perda da produção.
A distribuição da cultura de cana deverá estar sujeita a um zoneamento
agrícola nos diferentes estados, fruto de um estudo multidisciplinar em escala
adequada, que servirá como referência para a concessão de garantias como seguro
contra perdas na safra e outros incentivos. A questão climática é uma das camadas de
informação mais importantes para a elaboração deste mapeamento, pois é
determinante para a obtenção do melhor rendimento e na redução de riscos de perdas
por geadas.
Por meio da exclusão de áreas não preferenciais, devemos obter a
representação das possibilidades de ocupação do território brasileiro com a cultura de
cana-de-açúcar, conforme demonstra o mapa 19:
Análise Combinada de Camadas de Informação Relacionadas à Expansão
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 99
De fato, se observarmos as localizações das unidades atualmente instaladas, será
possível verificar que elas ocupam preferencialmente as áreas sem restrições, como é
possível observar no mapa 20:
Mapa 19
Análise Combinada de Camadas de Informação Relacionadas à Expansão
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 100
Fatores Reforçadores
Iniciativas visando identificar fatores físicos, entretanto, não são suficientes
para medir o grau de atração por investimentos. Também é necessário considerar
planos de informação que dependem da ação direta do homem. Eles são responsáveis
pelo que pode ser chamado de “construção social” da expansão da cultura de cana-de-
açúcar, assim constituem algumas das principais ferramentas que o Estado dispõe para
induzir minimamente os investimentos do setor sucroalcooleiro. Este estudo considera
os seguintes fatores como pertencentes a esta categoria:
a) Desenvolvimento de variedades adaptadas;
Conforme discussão realizada no capítulo anterior, diversos fatores históricos
fizeram com que os investimentos visando desenvolver variedades fossem realizados
Mapa 20
Análise Combinada de Camadas de Informação Relacionadas à Expansão
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 101
com pouca ênfase no eixo Norte-Nordeste. Este tipo de investimento é fundamental
para assegurar ao produtor opções de variabilidade que diminuam o risco de perdas
devido a pragas, por exemplo. Também possibilita a obtenção de maior
aproveitamento das condições do solo e, conseqüentemente, maior produtividade.
Atualmente, portanto, o status deste plano de informação tem como efeito a atração
de investimentos para os estados do eixo Centro-Sul.
b) Políticas de incentivo;
A guerra entre os lugares na busca por investimentos faz com que os mais
diversos incentivos sejam concedidos para atrair a instalação de usinas, entretanto é
necessário cuidado para que isto afete a pluralidade de culturas em escala regional, o
que poderia causar diversos desarranjos sócio-econômicos e dependência excessiva,
que fragilizaria o território, sujeitando-o diretamente às oscilações do mercado do
açúcar, que já é commodity e principalmente do álcool, que se tornará uma em breve.
Atualmente, como foi observado no capitulo anterior, os estados que
apresentaram maior agressividade neste tipo de política foram Mato Grosso do Sul,
Goiás e Tocantins, todos constituindo candidatos extremamente fortes à irradiação da
produção que hoje se concentra em São Paulo. Existe, no entanto, um plano de
informação decisivo dentro do processo de escolha de novas alternativas de expansão
da produção, que será discutido no próximo item.
c) Condições logísticas.
Devido à ênfase dada nos últimos anos ao etanol, o aumento das possibilidades
de escoamento da produção ganhou importância redobrada. Por isso, os
investimentos públicos e privados na criação de uma rede multimodal integrada são os
mais importantes para direcionar os investimentos do setor sucroalcooleiro.
Outras características são decorrentes de processos históricos, podem sofrer
alterações, mas exigem prazos mais longos para se concretizarem. O preço da terra,
por exemplo, pode refletir particularidades locais que dificilmente sofrerão mudanças
sem que grandes investimentos em infra-estrutura sejam realizados. Está, desta forma,
indiretamente atrelado a outros fatores cuja alteração pode se dar num prazo mais
curto e perdeu grande parte de sua importância devido à guerra entre os lugares, que
Análise Combinada de Camadas de Informação Relacionadas à Expansão
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 102
cede terras em busca de investimentos. Também foi enfraquecido como fator de
atração por meio da estratégia de estabelecer uma rede de fornecedores de cana
independentes, o que livra a usina da obrigatoriedade de investir em bens de baixa
liquidez, como a terra. Atualmente, este plano de informação atua timidamente no
sentido de atrair investimentos para os estados do eixo Norte-Nordeste.
Seguindo uma linha de raciocínio semelhante, a presença de estrutura
fornecedora de insumos e serviços é interessante enquanto fator de atração, mas é
algo dificilmente estimulável onde não exista um mercado minimamente instalado, já
que se forma exatamente em função de demandas do setor a que atende. Pode, assim,
ser entendida como decorrente de processos anteriores. De qualquer forma, a
proximidade de centros urbanos consolidados favorece o eixo Centro-Sul, onde se
encontra a maioria das empresas especializadas em produtos e serviços utilizados pelo
setor sucroalcooleiro.
Por fim, a disponibilidade de força de trabalho a custos reduzidos tem sua
importância, mas deixa de ser fundamental com a tendência à mecanização, que é
uma necessidade indiscutível e reduz a quantidade de trabalhadores envolvidos em
operações de campo. Além disso, ela é também fruto de vários fatores enraizados na
cultura local, de forma que pouco pode ser feito para alterar suas características num
prazo curto. Esta camada de informação estimula investimentos no Norte-Nordeste
brasileiro.
Tendências da Expansão
Os planos de informação descritos neste trabalho são alguns dos referenciais
mais importantes para identificar as áreas com maior propensão a receber
investimentos da indústria da cana-de-açúcar. Através destes critérios, é possível
reconhecer que os estados de Mato Grosso do Sul e Goiás sofrerão maior assédio do
capital do açúcar e, principalmente, do álcool. Grande parte deste poder de atração
está relacionado a fatores naturais, como as configurações edafoclimática, topográfica
e ambiental, mas a interferência política e administrativa se faz presente por meio da
disponibilização de redes de modais de transporte integrados, que se amplia para
atender à demanda do mercado externo. Este tipo de incentivo é de responsabilidade
Análise Combinada de Camadas de Informação Relacionadas à Expansão
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 103
conjunta das esferas federal e estadual, eventualmente com parcerias com empresas
privadas. Da mesma forma, as políticas públicas de redução de impostos,
financiamento e cessão de áreas são fundamentais para a instalação de novos
investimentos e se fazem fortemente presentes em Mato Grosso do Sul e Goiás.
Outros estados deverão também receber investimentos substanciais, são eles Paraná e
Minas Gerais. Isto se deve basicamente à infra-estrutura disponível e por estarem nas
vizinhanças do principal centro sucroalcooleiro, São Paulo.
Observando a evolução histórica da produção de cana-de-açúcar desde a
desregulamentação do setor sucroalcooleiro, é possível notar que a tendência de
expansão descrita anteriormente é bastante razoável. Para facilitar esta avaliação, os
mapas 21 e 22 fornecem dados de 1990 e 2006:
Mapa 21
Análise Combinada de Camadas de Informação Relacionadas à Expansão
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 104
Por fim, num esforço de síntese, o mapa 23 apresenta manchas espaciais que o
presente trabalho considera mais susceptíveis à intensificação da atividade
sucroalcooleira neste momento:
Mapa 22
Análise Combinada de Camadas de Informação Relacionadas à Expansão
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Mapa 23
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 106
C O N S I D E R A Ç Õ E S
F I N A I S
A partir do momento em que o Instituto do Açúcar e do Álcool foi extinto, o
setor sucroalcooleiro deixou de ser controlado diretamente pelo Estado e, desta
forma, incorporou influências dos mais diversos grupos de interesses, nacionais e
estrangeiros. Com isto, seu crescimento deixou de ser orientado por diretrizes de um
projeto nacional e passou a obedecer à lógica do mercado globalizado, o que
rapidamente se refletiu num crescimento do setor, sustentado por aportes financeiros
significativos, investidos, em grande parte, no desenvolvimento tecnológico que
possibilitou alcançar a base técnica disponível atualmente. Paralelamente, o
surgimento de novas oportunidades no mercado tornou o etanol um produto de
interesse mundial, cuja perspectiva de expansão é notável. Neste segmento, o Brasil
possui enormes vantagens competitivas, visto que detém domínio agrícola e industrial
de todo o processo de produção, possui um programa implantado com total sucesso e
é o maior produtor mundial, tanto da matéria-prima como do produto final. Com isto,
estão dadas as condições para que o país possa extrair muitos benefícios da posição
em que se encontra, podendo estes serem econômicos, sociais e ambientais. Para que
isto se viabilize, existe, por outro lado, uma questão fundamental que não pode ter sua
importância diminuída em função da busca exclusiva de oportunidades no mercado
externo: o uso do território brasileiro.
Mesmo com a diminuição de sua influência direta, o Estado ainda detém
ferramentas que possibilitam a interferência decisiva sobre a forma com que o
território sob seu controle é utilizado. Esta interferência pode ocorrer de diferentes
formas, nas esferas municipal, estadual e federal. No âmbito federal, é possível, por
exemplo, implementar leis que restrinjam a apropriação de terras em regiões de
interesse ambiental. Este é o mecanismo que atualmente tem por intuito proteger a
Amazônia e o Pantanal, mas apresenta falhas gravíssimas de fiscalização, que é muito
mais fácil no caso da cana, devido à necessidade de legalização da produção do açúcar
e álcool, ao contrário do que ocorre na indústria madeireira, cuja produção não está
sujeita a um cadastramento tão rígido. A esfera estadual pode colaborar com estudos
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 107
mais detalhados visando gerar um zoneamento agro-ecológico, fruto de estudos
multidisciplinares, que servirão como referência para a concessão de garantias, tais
como o seguro contra perdas na safra e outros incentivos. Este passo, no entanto,
deveria anteceder a guerra fiscal se esta for inevitável, assim os incentivos para
instalação de unidades produtivas poderiam ser condicionados também à escolha de
áreas dotadas de atributos coerentes com o plano de desenvolvimento. Isto não vem
ocorrendo, pois, via de regra, a guerra entre os lugares tem prioridade sobre outras
questões de conseqüências perceptíveis apenas no longo prazo, como a ambiental,
que pode ainda ter sua pauta associada exclusivamente ao nível federal. A busca
imediatista dos estados e municípios por benefícios econômicos que se façam notar no
tempo eleitoral é um dos maiores problemas do domínio do mercado sobre as
estratégias do setor sucroalcooleiro. Por fim, no âmbito municipal, é necessário
cuidado para evitar a escravização imposta por uma economia baseada na existência
de um único setor industrial operante. Além de favorecer quadros de coronelismo,
esta situação pode ter como resultado um custo social elevado em momentos de crise
setorial. A configuração ideal é aquela em que exista a maior pluralidade de atividades
econômicas possível, o que pode ser estimulado por medidas constitucionais que
limitem a ocupação do território com monoculturas, mesmo que indiretamente.
Por fim, é interessante ressaltar que, ao mesmo tempo em que existem
relações técnicas que buscam exclusivamente o aumento de produtividade da cultura
de cana-de-açúcar, existem, também, relações sociais entre grupos de interesse.
Assim, todos estes tipos de relações têm seu peso dentro do processo de orientação
dos eixos expansionistas deste segmento da agroindústria. Cabe ao Estado assumir a
sua cota de responsabilidade e utilizar as informações e ferramentas que tem à sua
disposição para conduzir o processo de ocupação sucroalcooleira em sintonia com as
diretrizes nacionais, que por outro lado não podem abarcar somente fins econômicos.
Monografia de Conclusão de Curso • João Humberto Camelini | 108
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