5/26/2018 Revista TRT9 (Dano Existencial)
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Dano Existencialedio
Setembro22
Tribunal Regional do Trabalho do Paranv.2 n.22 Setembro2013
ISSN 2238-6114
RevistaEletrnica
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Ficha Tcnica
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO 9 REGIOCURITIBA - PARANESCOLA JUDICIAL
PRESIDENTE
Desembargadora Rosemarie Diedrichs Pimpo
VICE-PRESIDENTE
Desembargador Altino Pedrozo dos Santos
CORREGEDOR REGIONALDesembargador Dirceu Buyz Pinto Jnior
CONSELHO ADMINISTRATIVO BINIO 2012/2013
Desembargadora Marlene T. F. Suguimatsu- Diretora
Desembargadora Ana Carolina Zaina - Vice-Diretora
Juiz Paulo H. Kretzschmar e Conti Coordenador
Juiz Eduardo Millo Baracat - Vice-Coordenador
Desembargador Arion Mazurkevic
Desembargadora Nair Maria Ramos Gubert
Juiz Cssio Colombo Filho
Juza Valria Rodrigues Franco da Rocha
Juiz Lourival Baro Marques Filho
Juiz Rafael Gustavo Palumbo
COMISSO DE PUBLICAES
Desembargora Marlene T. F. Suguimatsu-Diretora
Desembargadora Nair Maria Ramos GubertJuiz Cssio Colombo Filho
GRUPO DE TRABALHO E PESQUISADesembargador Luiz Eduardo Gunther - OrientadorAdriana Cavalcante de Souza SchioAnglica Maria Juste CamargoEloina Ferreira BaltazarJoanna Vitria CrippaJuliana Cristina Busnardo de ArajoLarissa Renata KlossMaria da Glria Malta Rodrigues Neiva de LimaSimone Aparecida Barbosa MastrantonioWillians Franklin Lira dos Santos
COLABORADORESSecretaria Geral da PresidnciaServio de Biblioteca e JurisprudnciaAssessoria da Direo GeralAssessoria de Comunicao SocialAssessoria de Uniformizao de Jurisprudncia
FOTOGRAFIAAssessoria de Comunicao e acervos dospesquisadores
APOIO PESQUISA E REVISOMaria ngela de Novaes MarquesMrcia Bryzynski
Diagramao e Capa
Patrcia Eliza Dvorak
Acrdos, Sentenas, Ementas, Artigos e Informaes.Edio temtica: Dano ExistencialPeriodicidade MensalAno II 2013 n. 22
Envie sua contribuio (sentenas, acrdos ouartigos) para o e-mail [email protected]
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Nossa capa Chegamos ao nmero 22 da nossa Revista Eletrnica, agora tratando do DanoExistencial nas Relaes de Trabalho.
Sempre temos ressaltado os nmeros de acessos que a Revista recebe, mostrando
que os leitores aprovam, de alguma maneira, o trabalho realizado.
Trs palavras podem resumir a importncia atribuda ao peridico: ser eletrnico,
ser temtico, ser mensal. Parece que esse trio valoriza os textos, a doutrina, a jurisprudncia,
as palestras, as resenhas e as sinopses que divulgamos.
Um aspecto esquecido at agora, pelo menos em matria de explicao ao leitor,
a capa, que procura traduzir uma sntese, por imagem, do contedo da Revista. O que,
convenhamos, nem sempre fcil. Afinal a Revista jurdica, e os temas de Direito,
normalmente, so muito abstratos, tericos, dificultando a transformao em imagem.Melhor dizendo, em uma imagem. Excetuando-se a Revista sobre os Grupos Vulnerveis e
a sobre o ndice das Revistas em geral, as demais apresentam apenas uma imagem na capa.
Explica-se ao leitor: em relao a edio da Revista anterior, tivemos dificuldades em
elaborar uma capa. Como faz-lo de forma a transmitir ao leitor a ideia sobre o Dano Moral?
Acabamos por optar pela foto de duas mulheres, sentadas em um banco, uma parecendo
consolar a outra. Talvez pudessem existir imagens melhores para resumir o Dano Moral,
mas aquela que representou a Revista foi a que melhor nos ocorreu.
Pois bem. Estamos, neste nmero, s voltas com o Dano Existencial. Se a capa
anterior foi difcil de fazer, imagine-se esta agora.
Viajamos ento para as pinturas, os quadros clssicos, que pudessem dar uma ideia
ampla do Dano Existencial. E acreditamos t-la encontrado em A Balsa da Medusa, que
ilustra esta edio.
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Vamos explicar.
A Balsa da Medusa
(realizada nos anos de
1818-1819) a obra-
prima do francs Jean-
Louis Andr Todore
Gricault (1791-1824),
pintor e arquelogo.
Essa obra de arte
e sua reproduo
encontram-se em
domnio pblico nomundo inteiro.
Mas afinal, o que representa essa pintura? rata-se de uma obra de arte inspirada no
naufrgio da fragata Medusa, que ia da Frana para o Senegal, no ano de 1816. Cerca de 400
pessoas estavam a bordo. Segundo consta dos relatos histricos, aps o naufrgio 147 pessoas
teriam ficado abandonadas em uma jangada (denominada a balsa da Medusa), pois no havia
lugares suficientes nos botes salva-vidas. A balsa foi construda de forma precria com tbuas,
cordas e partes do mastro do navio, ficando quinze dias deriva, sem comida nem gua. Os dez
sobreviventes foram resgatados por um navio mercante chamado Argus.
O momento escolhido por Gricault para contar a tragdia foi o de quando os nufragos
avistaram o Argus, que aparece ao longe mas desaparece sem v-los. Horas mais tarde que
finalmente o navio os avista e acontece o resgate.
Com base nesses fatos o artista Todore Gricault executou a obra durante dezoito meses,
valendo-se de um estudo que fez sobre os detalhes da tragdia.
E o que isso tem a ver com o Dano Existencial? udo, com certeza. O naufrgio, o perodo
sem rumo na balsa e a sobrevivncia de apenas algumas pessoas resultou na interrupo de
diversos projetos de vida. A linguagem corporal das pessoas que estavam na balsa, daqueles que
sobreviveram, tudo leva a uma pergunta: o que aconteceu depois com os sobreviventes? Com os
familiares daqueles que morreram?
Nesse momento podemos falar do Dano Existencial, que, segundo Flaviano Rampazzo
Soares, abrange todo acontecimento que incide, negativamente, sobre o complexo de afazeres da
pessoa, sendo suscetvel de repercutir-se, de maneira consistente temporria ou permanentemente
sobre a sua existncia (Responsabilidade Civil por dano existencial. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2009. p. 44).
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O capito e os tripulantes que estavam no bote salva-vidas, em certo momento, cortaram
a corda que os ligavam balsa com as 147 pessoas. As historias de fome, loucura e canibalismo
num mar tempestuoso relatadas ao autor o auxiliaram na elaborao dessa pintura.
O importante da historia que o navio da Marinha Real transportava colonos franceses
para o Senegal, e que encalhou em um banco de areia por incompetncia do capito, nomeado
por motivos polticos (e que mais tarde teve que responder por seus atos perante um tribunal
marcial).
No estaria a um caso de Dano Existencial coletivo decorrente de naufrgio?
A indignao pelos acontecimentos levou o artista obra de arte. E a ns, no seu caminho,
mostrou-se a possibilidade de, com o apoio do artista, tentar mostrar como uma tragdia pode
interromper no s o projeto de vida pessoal, mas tambm vida de relao, quanto ao conjuntode relaes interpessoais, nos mais diversos ambientes e contextos. (FROTA, Hidemberg Alves
da. Noes fundamentais sobre o dano existencial. Jus Navigandi. Teresina, ano 16, n 3046,
3.nov.2011. Disponvel em: < http://jus.com.br/artigos/20349/nocoes-fundamentais-sobre-o-
dano-existencial >. Acesso em: 12 set. 2013.
Convenceram-se os integrantes do grupo de pesquisa que constri a Revista Eletrnica
que A Balsa da Medusa caracteriza, de forma emblemtica, a ocorrncia do Dano Existencial.
E ao leitor, o que parece? Gostaramos da sua opinio tambm. (clique no link ao lado do nmerode acessos em e deixe seu registro )
Estamos nesse momento atingindo a marca de 412.900 acessos.
Muito Obrigado ao Leitor por nos prestigiar!
Curitiba, 12 de setembro de 2013.
LUIZ EDUARDO GUNTHERCOORDENADOR DA REVISTA ELETRNICA
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Sumrio1. Apresentao...................................................................................................................................62. Artigos
2.1 O Dano Existencial no Direito do Trabalho - Ilse Marcelina Bernardi
Lora......................................................................................................................................................8
2.2 O Dano Existencial e o Direito do Trabalho - Jorge Cavalcanti Boucinhas
Filho e Rbia Zanotelli de Alvarenga ........................................................................................24
2.3 Dano existencial e a jornada de trabalho - Lorena de Mello Rezende
Colnago ...........................................................................................................................................50
2.4 Noes fundamentais sobre o Dano Existencial - Hidemberg Alves da
Frota ..................................................................................................................................................60
3. Acrdos
3.1 Acrdo da 3 Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 9 Regio
publicado no DJ 11/09/2009, Relatora a Desembargadora Ftima T. L. Ledra
Machado ...............................................................................................................................................77
3.2 Acrdo da 1 Turma do Tribunal Superior do Trabalho publicado no DEJT
28/06/2013, Relator o Ministro Hugo Carlos Scheuermann ........................................102
3.3 Acrdo da 4 Turma do Tribunal Superior do Trabalho publicado no
DEJT 10/08/2012, Relator o Ministro Vieira de Mello Filho .......................................111
3.4 Acrdo da 6 Turma do Tribunal Superior do Trabalho publicado no
DEJT 21/09/2012, Relatora a Ministra Ktia Magalhes Arruda ..............................122
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4. Ementas
4.1 DANO MORAL. DANO EXISTENCIAL. SUPRESSO DE DIREITOSTRABALHISTAS. NO CONCESSO DE FRIAS. DURANTE TODO O PERODOLABORAL. DEZ ANOS. DIREITO DA PERSONALIDADE. VIOLAO ..........................128
5. Sentenas
5.1 Sentena da 4 Vara do Trabalho de Curitiba - PR, publicada no DJ27/06/2013, Juiz Brulio Gabriel Gusmo .........................................................................130
5.2 Sentena da 19 Vara do Trabalho de Curitiba - Pr, publicada em13/05/2013, Juza Tatiane Raquel Bastos Buquera........................................................137
6. Direito Comparado
6.1 Acrdo do Tribunal da Relao do Porto, Relator o Magistrado Ferreirada Costa, datado de 08/02/2010 ....................................................................................................139
6.2 Acrdo do Tribunal da Relao do Porto, Relator o Magistrado Ferreirada Costa, datado de 17/06/2013 ....................................................................................................166
7. Sinopses
7.1 Responsabilidade civil por dano existencial. Flaviana Rampazzo
Soares. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009 ...........................202
8. Smulas do TST...............................................................................................................204
9. Bibliografa .........................................................................................................................205
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ApresentaoA vida imita a arte ou a arte imita a vida?
Oscar Wilde, ao responder essa intrincada questo, dizia que a vida imita a
arte muito mais do que a arte imita a vida. No entanto, tal questo aberta e ter
uma resposta diversa a partir de cada sujeito e suas circunstncias.
No entanto, verdade que h determinadas liturgias da arte que podem ser,
ao menos, comparadas ao que ocorre na vida real.
Assim, se para o intrprete de Hamlet ou Otelo, o fechar das cortinas do
ltimo ato representa um suspiro do dever cumprido com amor, o que dizer do
palco da vida, onde cada um de ns, dentro da nossa histria cumpre o seu papel
como ator principal?
Nesse contexto, feliz a pessoa que ao final da vida, ao cerrar os olhos,
pode afirmar: tudo est consumado! Tal expresso traduz a magnitude do dever
cumprido, do projeto de vida realizado, seria o trmino feliz de uma histria da vida
real. De modo contrrio, tal sujeito, poderia dizer, ou pensar: tudo est consumido!Essa situao, apesar da semelhana na escrita, traduz algo diametralmente oposto:
prepondera no lugar da felicidade o sentimento de angstia, do tempo acabado e
do projeto de vida inacabado.
Mas, e se esse projeto de vida inacabado tivera como causa ou concausa
circunstncias alheias ao livre arbtrio do sujeito? Se esse esvaziamento da
autorrealizao tivera origem em atos e omisses de outros sujeitos? E, se a resposta
for afirmativa, quais os instrumentos jurdicos que o Direito possui para conceder
uma resposta adequada aos danos e tambm iminncia de danos?
Essas questes interessam ao Direito e vm sendo estudadas a partir do que
a doutrina nominou de dano existencial, que se subdivide em ofensa ao projeto
de vida e no prejuzo vida de relao. Nesta Revista Eletrnica, Hidemberg Alves
da Frota afirma no artigo Noes fundamentais sobre o dano existencial, que no
h projeto de vida sem a vida de relao e, na coexistncia dos seres humanos, a
solidariedade dever estar presente para que todos alcancem uma vida digna, seja
no mbito familiar, social e no trabalho.
Dentro da caracterstica gregria da natureza humana, a Dra. Lorena de
Mello Colnago brinda-nos com o excelente artigo Dano existencial e a jornada de
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trabalho que aborda de forma muito didtica a relao entre a dignidade do homem
com o tempo potencial em convvio em sociedade e com o tempo despendido na
jornada de trabalho e tambm a imprescindvel questo do meio ambiente do trabalho
e a sustentabilidade humana, citando valioso precedente judicial do Egrgio Tribunal
Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul.
De forma sempre brilhante, a Dra. Ilse Marcelina Bernardi Lora, aps apresentar
o necessrio dilogo entre direitos fundamentais, dignidade humana e relao de
trabalho, traz um panorama histrico dos danos existenciais, bem como a sua aplicao
no mbito do Direito do Trabalho.
Os professores Jorge Cavalcanti Boucinhas Filho e Rbia Zanotelli de Alvarenga
aps tecerem consideraes pontuais a respeito do dano existencial no Direito do
Trabalho, traam distines importantes em relao perda de uma chance e enfrentamde forma pontual a difcil questo da quantificao da indenizao por dano existencial.
Por fim, publicada na presente Revista Eletrnica uma tima sinopse da obra
Responsabilidade civil por dano existencial de Flaviana Rampazzo Soares, por Larissa
Kloss Neto.
No desfecho constam decises paradigmticas proferidas no Tribunal da Relao
do Porto (TRP) a respeito do dano existencial, bem como Acrdos do Colendo
Tribunal Superior do Trabalho, de lavra do Exmo. Ministro Luiz Philippe Vieira de
Mello Filho, Exma. Ministra Ktia Magalhes Arruda e Exmo. Ministro Hugo Carlos
Scheuermann que abordam o tema.
Do nosso Egrgio Nono Regional consta Acrdo de lavra da Exma.
Desembargadora Ftima Loro Ledra e duas sentenas proferidas pelos Exmos.
Magistrados Brulio Gusmo e Tatiane Raquel Bastos Buquera.
A todos desejo que essa edio da Revista Eletrnica possa servir de ponto de
partida para importantes reflexes a respeito do direito fundamental ao desenvolvimento
pleno das capacidades humanas. E que possamos concretizar o respeito autorrealizao
daqueles que esto prximos de ns, seja na famlia, no trabalho, na vida social e commuito amor em relao s pessoas desconhecidas, que esto ao nosso lado nas ruas, dia
aps dia, e ainda assim a sociedade insiste em torn-las invisveis.
Boa leitura.
ANA CAROLINA ZAINADesembargadora Vice-Diretora da Escola Judicial
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1. INTRODUO
Oriunda do direito italiano, a teoria acerca do dano existencial
como espcie dos danos imateriais, distinto do dano moral, e apto a
fundamentar pleito ressarcitrio, vem despertando gradativamente
o interesse da doutrina e da jurisprudncia, em especial diante de
seus desdobramentos no mbito do Poder Judicirio, instado a
pronunciar-se sobre a matria, tanto na esfera cvel como laboral.
A jurisprudncia nacional j registra casos de acolhimento de
pedido de indenizao fundado em prejuzo vida do trabalhador
fora do ambiente laboral, em razo de condutas ilcitas praticadas
pelo empregador, citando-se a ttulo de exemplo julgado proferido
pelo Tribunal Regional do Trabalho da 4 Regio, em maro de 2012(Processo 0000105-14.2011.5.04.0241).
A relevncia do tema e suas provveis implicaes no mbito
laboral e, por consequncia, a necessidade de exame por parte do
Judicirio Trabalhista, diante do previsvel incremento das demandas
envolvendo esta espcie de dano, motivaram o presente estudo.
2. EVOLUO HISTRICA DO TRABALHO HUMANO
O trabalho foi concebido, originariamente, como castigo e
dor. A doutrina menciona que a palavra advm de tripaliare, torturar
com tripalium, mquina de trs pontas. Para outra vertente, a palavra
tripalium significa cavalete de trs paus, utilizado para conter os
cavalos no momento de lhes aplicar a ferradura. Desta noo surgiu
o termo trapaliare, que designa toda e qualquer atividade, inclusive
a intelectual.1
1FERRARI, Irany. Histria do Trabalho. In: NASCIMENTO, Amauri Mascaro. FERRARY,
Irani. SILVA FILHO, Ives Gandra Martins da (org.). Histria do Trabalho, do Direito doTrabalho e da Justia do Trabalho. 3 edio. So Paulo: LTR, 2011, p.13-14.
ArtigosO Dano Existencial no Direito do Trabalho
Ilse Marcelina BernardiLora Juza Titular da Varado Trabalho de Francisco
Beltro, Professora,Especialista em Tendnciasdo Direito Processual pelaUniversidade Estadualdo Oeste do Paran -UNIOESTE; - Especialistaem Tutela dos InteressesDifusos, Coletivos eIndividuais Homogneospela Universidade daAmaznia - UNAMA;-
Especialista em DireitoConstitucional para omercado de trabalho pelaUniversidade do Sul deSanta Catarina - UNISUL.
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Independentemente do sentido que lhe atribudo, certo
que em torno do trabalho as pessoas estruturam suas vidas, do que
decorre a relevncia do estudo acerca de todos os aspectos sociais,
culturais e, especialmente, jurdicos nele envolvidos.
O trabalho passou por vrios estgios de evoluo.
Inicialmente, sua principal funo era obter alimentos. Na sequncia,
o homem, para prevenir ataques de animais ferozes, passou a
fabricar instrumentos de defesa. Nas lutas com outras tribos, os
vencedores matavam os adversrios feridos. Com o passar do
tempo, concluram que, em lugar de matar, seria mais adequado
escravizar os prisioneiros e submet-los ao trabalho. Os excedentes
passaram a ser vendidos, trocados ou alugados. A histria registra
que os primeiros assalariados foram os escravos libertados por seus
senhores e que, para sobreviver, alugavam seus servios a terceirosmediante pagamento.
escravido seguiu-se a servido, amplamente utilizada na
sociedade feudal da Idade Mdia e vista como condio intermediria
entre a escravido e a liberdade, na medida em que aos servos eram
assegurados alguns direitos, a exemplo da herana de animais e
objetos pessoais. Paralelamente servido, praticada no campo,
desenvolveram-se no meio urbano as corporaes, centradas
no ofcio e na profisso. Os denominados mestres da profissomantinham sob sua direo os aprendizes e companheiros, a quem
eram assegurados salrio, assistncia mdica e monoplio do ofcio.
A inveno da mquina de fiar e a vapor provocou profunda
mudana nos mtodos de produo, com reflexos nas relaes
entre patres e trabalhadores. Inexistiam leis regulamentadoras do
trabalho, o que propiciava ilimitada explorao dos operrios.
A Revoluo Francesa (1789), com seus ideais de liberdade,igualdade e fraternidade, deu origem ao liberalismo, afastando a
interveno do Estado da economia e conferindo-lhe a condio de
mero rbitro das disputas sociais, o que prejudicou sensivelmente o
desenvolvimento do direito do trabalho.
A intensa explorao dos trabalhadores deu origem ao
movimento sindical, iniciando na Inglaterra, a partir de pequenos
clubes que tinham em vista garantir direitos trabalhistas. A reunio dos
trabalhadores assegurou-lhes mais fora de negociao, passando
ento o direito do trabalho a ganhar contornos. Juntamente com o
"A histria registra
que os primeiros assalariados
foram os escravos libertados
por seus senhores e que, para
sobreviver, alugavam seus
servios a terceiros mediante
pagamento."
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incremento dos sindicatos, passou a intensificar-se a interveno do
Estado na economia e nas relaes entre os particulares, inclusive
nos contratos de trabalho, o que propiciou o efetivo nascimento do
direito do trabalho.
A Constituio Mexicana de 1917 apontada como marco
inaugural do constitucionalismo social, que representa a incluso
de direitos trabalhistas e sociais na Constituio dos pases. A
Constituio alem de 1919 contemplou importante conjunto de
direitos trabalhistas, influenciando outras constituies europeias.
Tinha incio, assim, a institucionalizao do Direito do Trabalho, que
tem como um de seus pontos relevantes a criao da Organizao
Internacional do Trabalho (1919) e que atingiu seu pice nas dcadas
seguintes Segunda Guerra Mundial, com o aprofundamento doprocesso de constitucionalizao dos direitos. Criava-se dessa forma
o chamado Estado de Bem-Estar Social.
Entretanto, no final do sculo XX iniciou-se, nos pases
desenvolvidos, aps a crise do petrleo de 1973/1974, processo
de reorganizao do capital, com intensificao da concorrncia
interempresarial, aumento das taxas de desemprego e agravamento
do dficit fiscal do Estado, inibindo seu papel de protagonista no
incremento de polticas sociais. A revoluo tecnolgica agravou oquadro, trazendo, dentre outras consequncias, a terciarizao da
atividade empresarial, a precarizao das relaes de trabalho, o
desemprego estrutural e a criao de outras formas de prestao do
labor, de que so exemplos o teletrabalho e o escritrio em casa.
O Direito do Trabalho, em consequncia do novo cenrio
social e econmico, aliado ao fenmeno da globalizao, sofreu
profundas transformaes, com diminuio das normas de origem
estatal e defesa enftica da flexibilizao e da desregulamentao.
O Estado buscou afastar-se das relaes laborais, cedendo espao
aos sindicatos e conferindo maior prestgio negociao coletiva.
Entretanto, os sindicatos, tambm eles enfraquecidos, foram
paulatinamente perdendo seus poderes de presso e barganha. Neste
cenrio, emergiram os direitos fundamentais como fator decisivo
para conter o avano dos poderes empresariais e restabelecer o
equilbrio entre tais poderes e os direitos dos trabalhadores. Arion
Sayo Romita assinala que A funo dos direitos fundamentais, em
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tal contexto, cresce de importncia. O ncleo duro representado
pela gama de direitos denominados fundamentais resiste ao embate
dos novos acontecimentos de ordem econmica para reafirmar o
imprio da necessidade de respeito dignidade da pessoa humana.2
3. DIREITOS FUNDAMENTAIS, DIGNIDADE HUMANA E RELAESDE TRABALHO
Para Arion Sayo Romita, pode-se definir direitos
fundamentais como os que, em dado momento histrico, fundados
no reconhecimento da dignidade da pessoa humana, asseguram a
cada homem as garantias de liberdade, igualdade, solidariedade,
cidadania e justia.3
Os direitos fundamentais e o princpio da dignidade humana
entrelaam-se fortemente. O ltimo apontado como elemento
fundante, informador e unificador dos direitos fundamentais e uma
das bases do Estado de Direito Democrtico, conforme previsto no
inciso III, do art. 1, da Constituio Federal, servindo tambm como
elemento orientador do processo de interpretao, integrao e
aplicao das normas constitucionais e infraconstitucionais.
A doutrina ressalta:
Quando a Constituio Federal elencou no seu art.
1, III, a dignidade da pessoa humana como um dos
princpios fundamentais da Repblica, consagrou a
obrigatoriedade da proteo mxima pessoa por
meio de um sistema jurdico-positivo formado por
direitos fundamentais e da personalidade humana,
garantindo assim o respeito absoluto ao indivduo,
propiciando-lhe uma existncia plenamente digna
e protegida de qualquer espcie de ofensa, querpraticada pelo particular, como pelo Estado.4
No mbito das relaes trabalhistas a simbiose entre direitos
fundamentais e princpio da dignidade ganha destaque e relevncia.
2 ROMITA, Arion Sayo. Direitos Fundamentais nas Relaes de Trabalho. So Paulo: LTR,2005, p. 393.
3 ROMITA, Arion Sayo. Op. Cit., p. 36.
4 ALMEIDA NETO, Amaro Alves de. Dano existencial A tutela da dignidade da pessoa
humana. Disponvel em www.mp.sp.gov.br/portal/page, acesso em 19.12.2012.
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O respeito aos atributos do trabalhador, atendida sua condio de
pessoa humana, elemento fundamental para que no seja visto
apenas como mera pea da engrenagem e passe a ser reconhecido
como homem, valorizando-se sua integridade fsica, psquica e
moral. Para Rodrigo Goldschmidt, o direito fundamental ao trabalho
digno compreende o complexo de normas jurdicas que visem no
somente a garantir o posto de trabalho como fonte de rendimentos
e de sustento, mas tambm a fomentar condies dignas de labor,
preservando a higidez fsica e mental do trabalhador.5
Os direitos fundamentais foram concebidos originariamente
como direitos de defesa, para proteger o cidado de interferncias
indevidas do Estado. Atendida essa dimenso, ao Poder Pblico era
atribuda competncia negativa, o que determinava a obrigao
de respeitar o ncleo bsico de liberdades do cidado. Trata-se da
chamada eficcia vertical, necessria, ante a manifesta desigualdade
do indivduo perante o Estado, a quem so atribudos poderes de
autoridade. Para Jos Joaquim Gomes Canotilho, a funo de direitos
de defesa dos cidados, exercida pelos direitos fundamentais,
compreende dupla perspectiva: 1) no plano jurdico-objetivo,
representam normas de competncia negativa para os poderes
pblicos, proibindo sua interferncia na esfera jurdica individual;
2) no plano jurdico-subjetivo, significam o poder de exercer
positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigirabstenes do Estado, a fim de evitar aes lesivas por parte deste
(liberdade negativa).6
Entretanto, com o evoluir das relaes sociais e o incremento
de suas necessidades, observou-se a insuficincia desse mero
dever de absteno. Surgiu ento a chamada vinculao positiva
dos poderes pblicos, que pressupe a ao do Estado, que deve
adotar polticas e aes aptas a fomentar a preservao dos direitos
e garantias dos indivduos, concretizando assim o iderio do EstadoSocial.
Historicamente, conferiu-se especial proeminncia
proteo dos direitos fundamentais em face do Estado, em razo
5 GOLDSCHMIDT, Rodrigo. Sade mental do trabalhador: direito fundamental social,reparao civil e aes afirmativas da dignidade humana como forma de promoo. .In: BAEZ, Narciso Leandro Xavier; LEAL, Rogrio Gesta; MEZZAROBA, Orides. (coord.)Dimenses Materiais e Eficaciais dos Direitos Fundamentais. So Paulo: Conceito Editorial,2010, p.209.
6 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituio. 3 ed.Almedina: 1999, p. 383.
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de que estes surgiram e afirmaram-se justamente como reao ao
poder das monarquias absolutistas.
Entretanto, em razo da manifesta superao do tradicional
conceito de que direito constitucional e direito privado ocupavam
posies estanques, divorciadas entre si, e diante da progressiva
assimilao da fora normativa da Constituio, fez-se necessrio
refletir sobre o problema da aplicao dos direitos fundamentais
nas relaes entre particulares. Segundo Von Mnch, Uma vez
desmoronado o dique que, segundo a doutrina precedente, separava
o direito constitucional do direito privado, os direitos fundamentais
se precipitaram como uma cascata no mar do Direito privado.7.
Segundo a doutrina tradicional, dominante no sculo
XIX, os direitos fundamentais tinham por objetivo proteger o
indivduo contra eventuais aes do Estado e, como tal, no
apresentavam relevncia nas relaes entre particulares. Entretanto,
o reconhecimento de que os direitos fundamentais no se limitam
ao direito de defesa, para conter o poder estatal, mas tambm
compreendem postulados de proteo, conferiu supedneo
teoria que defende sua aplicao no mbito do direito privado.
Consoante afirma Konrad Hesse a liberdade humana pode resultar
menoscabada ou ameaada no s pelo Estado, mas tambm no
mbito de relaes jurdicas privadas, razo por que s possvelgaranti-la eficazmente considerando-a como um todo unitrio8
Com efeito, o desenvolvimento da sociedade pulverizou o
poder, antes concentrado nas mos do Estado. As diversas formas de
organizao surgidas na rbita privada passaram a assumir relevantes
funes, desenvolvendo-se tambm entre elas o fenmeno do
poder, que deixou de ser atributo exclusivo do Estado. Existe na
sociedade contempornea, marcada que pela complexidade,
relaes jurdicas entre particulares em que no impera o dogmada igualdade, verificando-se amide verticalidade, desigualdade e
sujeio, com manifesta superioridade de uma das partes sobre as
7 MNCH, Ingo von. Drittwirkung de derechos fundamentales em alemania. ApudPEREIRA, Jane Reis Gonalves. Apontamentos sobre a Aplicao das Normas de DireitoFundamental nas Relaes Jurdicas entre Particulares. In: BARROSO, Lus Roberto(organizador). A nova interpretao constitucional.Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 121.
8 HESSE, Konrad. Significado de los derechos fundamentales. Apud PEREIRA, Jane ReisGonalves. Apontamentos sobre a Aplicao das Normas de Direito Fundamental nasRelaes Jurdicas entre Particulares. In: BARROSO, Lus Roberto (organizador). A nova
interpretao constitucional.Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 138.
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outras, o justificar a adoo da teoria da chamada eficcia horizontal
dos direitos fundamentais.
Ao explicar a tese que advoga a aplicao dos direitos
fundamentais nas relaes jurdicas entre particulares, Jane
Reis Gonalves Pereira afirma que esta toma em considerao,
principalmente, a dimenso funcional dos direitos fundamentais.
Quando se examina os direitos fundamentais a partir de sua
finalidade que , precipuamente, garantir nveis mximos de
autonomia e dignidade aos indivduos - , mostra-se razovel
defender sua aplicao em todas as hipteses onde possa haver
comprometimento dessa esfera de autogoverno. Para esse efeito,
irrelevante que a reduo do mbito da autonomia decorra de ato
de um poder privado ou de um poder pblico. Se uma das partes
encontra-se em situao de sujeio, seu poder de autodeterminao
resta aniquilado, no havendo como cogitar-se de aplicao do
princpio da liberdade.9
A experincia demonstra a pertinncia da observao. O
mbito laboral, em razo de suas particularidades, em especial
a subordinao jurdica do empregado, propcio chamada
horizontalizao dos direitos fundamentais, ou seja, aplicao
desses direitos a relaes entre particulares. Como consequncia
imediata da celebrao do contrato de trabalho, surge para o
empregador os poderes de organizao, fiscalizao e disciplina do
trabalho, que encontram fundamento no art. 2 da Consolidao
das Leis do Trabalho, segundo o qual empregador a empresa,
individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade
econmica, admite, assalaria e dirige a prestao pessoal de
servios.(grifos acrescidos). Consequncia do poder diretivo
assegurado ao empregador a sujeio do empregado, que assume
dependncia hierrquica perante o empregador. H, portanto,
manifesta assimetria de poder, circunstncia que pode fomentar
a exacerbao das faculdades prprias dos poderes de direo e
disciplinar enfeixados nas mos do empregador, afetando, dentre
outros, os direitos da personalidade do trabalhador.
9 PEREIRA, Jane Reis Gonalves.Apontamentos sobre a Aplicao das Normas de DireitoFundamental nas Relaes Jurdicas entre Particulares. In: BARROSO, Lus Roberto
(organizador). A nova interpretao constitucional.Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 148-149.
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4. DIREITOS DA PERSONALIDADE
A doutrina assinala que, embora o reconhecimento dos
direitos da personalidade, como categoria de direito subjetivo,
seja relativamente recente, sua tutela jurdica j existia na
Antiguidade, com a punio de ofensas fsicas e morais pessoa.
A efetiva construo de sua dogmtica, entretanto, somente foi
possvel no final do sculo XX, em razo do redimensionamento
da noo de respeito dignidade da pessoa humana (art. 1, III,
da CF/88). A importncia desses direitos e a posio privilegiada
que vem ocupando na Lei Maior so to grandes que sua ofensa
constitui elemento caracterizador de dano moral e patrimonial
indenizvel, provocando uma revoluo na proteo jurdica pelo
desenvolvimento de aes de responsabilidade civil e criminal: [...].10
Sobre o conceito dos direitos da personalidade, afirma adoutrina:
Conceituam-se os direitos da personalidade como
aqueles que tm por objeto os atributos fsicos,
psquicos e morais da pessoa em si e em suas
projees sociais.
A idia a nortear a disciplina dos direitos da
personalidade a de uma esfera extrapatrimonial
do indivduo, em que o sujeito tem
reconhecidamente tutelada pela ordem jurdica
uma srie indeterminada de valores no redutveis
pecuniariamente, como a vida, a integridade fsica,
a intimidade, a honra, entre outros.11
Os direitos da personalidade representam consequncia do
reconhecimento da dignidade humana. No ordenamento jurdico
brasileiro, sua proteo tem base constitucional, como se observa,
exemplificativamente, do teor do art. 5, da Carta Magna, e tambmdo art. 6, que assegura, dentre outros, o direito ao trabalho. Tais
direitos compreendem ncleo mnimo assegurador da dignidade
humana, o que alcana o trabalhador. A intangibilidade da dignidade
do ser humano e o disposto nos arts. 12, 186 e 927 do Cdigo Civil
legitimam a reparao de danos causados por ao ou omisso que
implique violao dos direitos da personalidade.
10 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 19 ed. 1 v. So Paulo: Saraiva,
2002, p.118.
11GAGLIANO, Pablo Stoleze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil.Parte Geral.V. I. So Paulo: Saraiva, 2002, p. 144.
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Flaviana Rampazzo Soares assevera:
So as condutas que afetam os direitos da personalidade as
que mais causam danos de natureza extrapatrimonial, pois afetam o
equilbrio da pessoa, atingindo a sua essncia e, em ltima anlise, a
sua dignidade, tornando conveniente a atuao da responsabilidade
civil para cessar a desarmonia ocasionada pelo ofensor.
Os interesses ligados existncia da pessoa esto
intimamente relacionados aos direitos fundamentais e,
consequentemente, aos direitos da personalidade. Da ampla tutela
dos mesmos, resulta a valorizao de todas as atividades que a pessoa
realiza ou pode realizar, pois tais atividades so capazes de fazer com
o que o indivduo atinja a felicidade, exercendo, plenamente, todas
as suas faculdades fsicas e psquicas, e a felicidade , em ltima
anlise, a razo de ser da existncia humana.12
5. DANOS MATERIAIS E IMATERIAIS
A responsabilidade civil inclua, tradicionalmente, apenas
os danos materiais, que alcanavam os danos emergentes e
os lucros cessantes. No Brasil, at o advento da Constituio
Federal de 1988, a indenizao por danos extrapatrimonais era
reconhecida em carter excepcional. A admisso da reparabilidadedos danos extrapatrimoniais somente passou a existir, de forma
ampla, a partir da atual Carta Magna, mas sob a denominao de
dano moral. No contexto nacional, a exemplo do que se verifica
no direito comparado, historicamente doutrina e jurisprudncia
classificaram o dano injusto indenizvel em dano patrimonial
aquele que atinge diretamente o patrimnio suscetvel de valorao
econmica imediata e em dano moral aquele que causa abalo
pisolgico, emocional, aflio, sensao doloroso ou angstia, a que
foi acrescentado, posteriormente, o dano esttico como terceiracategoria de dano indenizvel.
Progressivamente, no Brasil e no mundo, cresceu o
reconhecimento da valorizao do ser humano, considerado como
um valor em si, o que propiciou maior interesse pela tutela dos
direitos imateriais, com a ampliao de seu mbito de proteo.
Passou-se a contemplar no apenas os danos morais propriamente
12 SOARES, Flaviana Rampazzo. Responsabilidade Civil por Dano Existencial. PortoAlegre: Livraria do Advogado Editora Ltda, 2009, p. 37.
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ditos, e sim qualquer dano extrapatrimonial de relevo, do ponto de
vista jurdico, ao desenvolvimento da personalidade, o que inclui,
dentre outros, o direito integridade fsica, esttica, s atividades
de convivncia e de relao. O novo paradigma da indenizao
passou a ser a ampla indenizao dos danos extrapatrimoniais,
considerados gnero, e dos quais o dano moral espcie.13
6. O DANO EXISTENCIAL
Deve-se doutrina italiana a construo de nova moldura
da responsabilidade civil, incluindo nos danos indenizveis nova
categoria, denominada dano existencial, fundada nas atividades
remuneradas ou no da pessoa, relativa aos variados interesses da
integridade fsica e mental, de que so exemplos as relaes sociais,
de estudo, de lazer, comprometidas em razo de uma conduta lesiva.
A nova categoria passou a ser estudada em razo de que, no
direito italiano, segundo a lei, somente so admitidas duas espcies
de dano indenizvel praticado contra a pessoa, quais sejam: a) o
dano patrimonial, fundado no art. 2.043 do Cdigo Civil; e b) o dano
extrapatrimonial, previsto no art. 2.059 do mesmo Cdigo, com a
ressalva, entretanto, de que a indenizao somente devida nos
casos previstos em lei ou se o dano for causado por uma conduta
criminosa.
A falta de previso em lei para a reparao do dano imaterial
decorrente de ato ilcito civil levou a doutrina italiana, no incio dos
anos 60, a classificar nova espcie de dano injusto causado pessoa,
que foi denominado de dano vida de relao e que consiste na
ofensa fsica ou psquica a uma pessoa, que obstaculiza, total ou
parcialmente, usufruir as benesses propiciadas por atividades
recreativas, fora do mbito laboral, como praticar esportes, frequentar
clubes e igrejas, fazer turismo, dentre outras. A leso provoca
intensa interferncia no estado de nimo e, por consequncia, no
seu relacionamento social e profissional, reduzindo as chances de
progresso no trabalho, com reflexo patrimonial negativo. Como
exemplos, a doutrina cita erros mdicos que comprometem a
higidez fsica e impossibilitam a prtica de esportes.14
13 SOARES, Flaviana Rampazzo. Op. Cit. P. 40.
14ALMEIDA NETO, Amaro Alves. Op. Cit. P. 18
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O reconhecimento do dano vida de relao, que exigia
repercusso no patrimnio da vtima para gerar indenizao,
fundamentou os estudos que culminaram na admisso do dano
existencial, mais amplo que o primeiro, pois enseja indenizao
independentemente do prejuzo financeiro e representa
consagrao da tutela da dignidade humana em sua plenitude. O
dano existencial, ou seja, o dano existncia da pessoa, portanto,
consiste na violao de qualquer um dos direitos fundamentais
da pessoa, tutelados pela Constituio Federal, que causa uma
alterao danosa no modo de ser do indivduo ou nas atividades por
ele executadas com vistas ao projeto de vida pessoal, prescindindo
de qualquer repercusso financeira ou econmica que do fato da
leso possa decorrer.15
A sentena 500, de 22.07.1999, proferida pela Corte de
Cassao Italiana, apontada como prova de reconhecimento,
pelo Judicirio, da nova tendncia doutrinria, na medida em
que admitiu a pretenso indenizatria fundada to somente na
injustia do dano e na leso a uma posio constitucionalmente
garantida. Em um segundo momento, considerado de maior relevo,
a mesma Corte de Cassao Italiana proferiu a sentena 7.713, de
07.06.2000, reconhecendo expressamente o dano existencial. Trata-
se de ao em que o pai foi condenado a pagar indenizao pelodano existencial causado ao filho, em razo da conduta omissiva
do genitor, que resistiu inflexivelmente ao adimplemento das
prestaes de alimentos, somente vindo a efetuar o pagamento
anos depois do nascimento do filho e em razo de determinao
judicial, conduta que ofendeu o direito do autor de ser tratado com
a necessria dignidade e comprometeu seu desenvolvimento.
7. DANO EXISTENCIAL NO DIREITO DO TRABALHO
Dano existencial, como visto, a leso ao conjunto de
relaes que propiciam o desenvolvimento normal da personalidade
humana, alcanando o mbito pessoal e social. uma afetao
negativa, total ou parcial, permanente ou temporria, seja a uma
atividade, seja a um conjunto de atividades que a vtima do dano,
normalmente, tinha como incorporado ao seu cotidiano e que, em
15ALMEIDA NETO, Amaro Alves. Op. Cit. p.25.
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razo do efeito lesivo, precisou modificar em sua forma de realizao,
ou mesmo suprimir de sua rotina [...] Significa, ainda, uma limitao
prejudicial, qualitativa ou quantitativa, que a pessoa sofre em suas
atividades cotidianas.16
O dano existencial distingue-se do dano moral porque no
se restringe a uma amargura, a uma aflio, caracterizando-se pela
renncia a uma atividade concreta. O dano moral propriamente
dito afeta negativamente o nimo da pessoa, estando relacionado
ao sentimento, ou seja, um sentir, enquanto o dano existencial
um no mais poder fazer, um dever de mudar a rotina. O dano
existencial frustra projeto de vida da pessoa, prejudicando seu bem-
estar e sua felicidade. Destarte, o dano existencial difere do dano
moral, propriamente dito, porque o primeiro est caracterizado em
todas as alteraes nocivas na vida cotidiana da vtima em todos os
seus componentes relacionais (impossibilidade de agir, interagir,
executar tarefas relacionadas s suas necessidades bsicas, tais como
cuidar da prpria higiene, da casa, dos familiares, falar, caminhar,
etc.), enquanto o segundo pertence esfera interior da pessoa.17
No mbito do Direito do Trabalho, o dano existencial pode
estar presente na hiptese de assdio moral. Este, sabidamente,
compromete a sade do trabalhador, que apresenta, segundo as
pesquisas, desde sintomas fsicos, que incluem dores generalizadas,dentre outros males, at sintomas psquicos importantes,
com destaque para distrbios do sono, depresso e ideias
suicidas. O evento, alm de causar prejuzos patrimoniais, pelo
comprometimento de capacidade laboral, pode ensejar sofrimento,
angstia, abatimento (dano moral) e tambm prejuzos ao projeto
de vida, s incumbncias do cotidiano, paz de esprito (dano
existencial).
O trabalhador vtima de LER/DORT tambm pode padecerde dano existencial. As expresses "Leses por Esforos Repetitivos
(LER)" e "Distrbios Osteo musculares Relacionados ao Trabalho
(DORT)" abrangem os distrbios ou doenas do sistema msculo-
esqueltico-ligamentar, que podem ou no estar relacionadas ao
trabalho. As Leses por Esforos Repetitivos (LER) contemplam
problemas distintos, de causas diversas. Quando alguma destas
enfermidades tiver como fator desencadeante os movimentos
16SOARES, Flaviana Rampazzo. Ol. Cit. p.44.
17 SOARES, Flaviana Rampazzo. Ol. Cit. p.99.
"O dano existencial
distingue-se do dano moral
porque no se restringe a uma
amargura, a uma aflio,
caracterizando-se pela re-
nncia a uma atividade
concreta."
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repetitivos merecer o enquadramento como LER. Se os esforos
repetitivos em questo forem executados no exerccio da atividade
laboral, a LER ento se equipar DORT, em razo do nexo causal
(ocupacional), caracterizando-se como doena ocupacional (art.
20, 2 da Lei 8.213/91). As leses do sistema msculo-esqueltico
prejudicam no somente a atividade laboral, mas tambm as
tarefas do dia a dia, tais como a higienizao pessoal, a execuo de
instrumentos musicais e outras atividades de lazer, caracterizando-
se, assim, o dano existencial.
O fundamento legal da reparao do dano existencial
encontrado nos arts. 1, III, e 5, V e X, da Constituio Federal,
que consagram o princpio da ressarcibilidade dos danos
extrapatrimoniais. O Cdigo Civil tambm empresta amparo
indenizao, consoante se extrai do disposto nos arts. 12, caput, 186e 927. Tais dispositivos so aplicveis no mbito laboral, em razo
da previso contida no art. 8, pargrafo nico, da Consolidao
das Leis do Trabalho, que autoriza a aplicao subsidiria do direito
comum ao Direito do Trabalho.
Na esfera judicial, o tema vem encontrando acolhimento,
conforme se constata, exemplificativamente, de julgado proferido
pelo Tribunal Regional do Trabalho da 4 Regio em 14.03.2012, e
cuja ementa ora se transcreve:
DANO EXISTENCIAL. JORNADA EXTRA
EXCEDENTE DO LIMITE LEGAL DE
TOLERNCIA. DIREITOS FUNDAMENTAIS.
O dano existencial uma espcie de dano
imaterial, mediante o qual, no caso das
relaes de trabalho, o trabalhador sofre
danos/limitaes em relao sua vida
fora do ambiente de trabalho em razo decondutas ilcitas praticadas pelo tomador do
trabalho. Havendo a prestao habitual de
trabalho em jornadas extras excedentes do
limite legal relativo quantidade de horas
extras, resta configurado dano existncia,
dada a violao de direitos fundamentais
do trabalho que integram deciso jurdico-
objetiva adotada pela Constituio. Do
princpio fundamental da dignidade da
pessoa humana decorre o direito ao livre
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desenvolvimento da personalidade do
trabalhador, nele integrado o direito ao
desenvolvimento profissional, o que exige
condies dignas de trabalho e observncia
dos direitos fundamentais tambm pelos
empregadores (eficcia horizontal dos
direitos fundamentais). Recurso provido.
(0000105-14.2011.5.04.0241 RO. TRT/4
Regio. 1 turma. Relator Desembargador
Jos Felipe Ledur).
H que considerar, entretanto, no obstante a relevncia
do tema e a indispensabilidade de emprestar-se concretizao
ao princpio e valor constitucional da dignidade humana, que
a matria deve ser enfrentada pelo Judicirio Trabalhista com a
necessria prudncia, sob pena de banalizao de to importante
instrumento de tutela, apto, em razo de sua natureza e desde
que adequadamente interpretado, preservao da normalidade
do cotidiano do trabalhador. Incumbe, portanto, ao magistrado
agir com ponderao, considerando todas as circunstncias do
caso concreto e aquelas previstas de lei, de molde a aferir a real
corporificao do dano existencial e, achando-se este presente,
fixar quantia que, concomitantemente, desestimule a reincidncia
e compense a privao sofrida pelo trabalhador vtima do danoexistencial, sem onerar excessivamente o ofensor e sem enriquecer
a vtima, atendendo, assim, aos fins da responsabilidade civil.
8. CONCLUSO
O trabalho, concebido inicialmente como castigo e dor,
ocupa posio central no cotidiano das pessoas, que em torno dele
estruturam suas vidas.
A evoluo do direito do trabalho foi lenta, mostrando-se
como marco relevante consolidao e reconhecimento dos direitos
sociais a sua constitucionalizao, que deu origem ao chamado
Estado de Bem-Estar Social.
Entretanto, a reorganizao do capital, precipitada pela crise
do petrleo de 1973/1974, provocou o afastamento do Estado das
relaes laborais, compelindo os trabalhadores a buscar nos direitos
fundamentais ponto de apoio para conter os avano dos poderes
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empresariais e restabelecer o equilbrio entre tais poderes e os
direitos dos laboristas.
Os direitos fundamentais, entrelaados com o princpio
da dignidade humana, inicialmente concebidos como direitosde defesa em face do Estado, assumiram nova feio, prestando-
se tambm a evitar leses e a fundamentar reparaes por atos
ilcitos, inclusive aqueles praticados por particulares, neste contexto
inserido o empregador.
Os direitos da personalidade representam consequncia
do reconhecimento da dignidade humana e sua violao enseja
reparao dos danos causados.
A responsabilidade civil inclua tradicionalmente apenas
os danos materiais. A admisso da reparabilidade dos danos
extrapatrimoniais somente passou a existir de forma ampla, no
cenrio nacional, a partir da Constituio Federal de 1988, mas sob a
denominao de dano moral.
Deve-se doutrina italiana a construo de nova moldura
da responsabilidade civil, incluindo nos danos indenizveis nova
categoria, denominada dano existencial, que consiste em leso ao
conjunto de relaes que propiciam o desenvolvimento normal da
personalidade humana, alcanando o mbito pessoal e social.
O dano existencial distingue-se do dano moral porque no
se limita a uma amargura, a uma aflio, caracterizando-se pela
renncia a uma atividade concreta.
No mbito do Direito do Trabalho pode estar presente,
exemplificativamente, nas hipteses de assdio moral e doena
ocupacional, na medida em que tais eventos, alm de ensejarsofrimento e angstia (dano moral), tambm podem causar
prejuzos ao projeto de vida, s incumbncias do cotidiano, paz
de esprito (dano existencial), registrando-se acolhimento, pela
magistratura trabalhista, de pedido de indenizao calcado em
renncia involuntria s atividades cotidianas do trabalhador em
razo de conduta ilcita do empregador (TRT/4 Regio. Processo
0000105-14.2011.5.04.0241).
Registra-se, entretanto, a necessidade de o tema serenfrentado com a necessria prudncia pelo Poder Judicirio, que
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deve estar atento e vigilante para coarctar eventuais atitudes passveis
de por em risco a credibilidade deste importante instrumento
de tutela, que se mostra apto, em razo de sua natureza e desde
que adequadamente interpretado, preservao da dignidade da
pessoa humana do trabalhador.
REFERNCIAS
ALMEIDA NETO, Amaro Alves de. Dano existencial A tutela da
dignidade da pessoa humana. Disponvel em www.mp.sp.gov.br/
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BAEZ, Narciso Leandro Xavier; LEAL, Rogrio Gesta; MEZZAROBA,
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CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da
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Publicado originalmente na
Revista Sntese Trabalhista
e Previdenciria, n 284, de
fevereiro de 2013.
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SUMRIO: 1. O dano existencial nas relaes de
trabalho; 2. Elementos do dano existencial; 3. O
projeto de vida e a vida de relao como direitos
da personalidade do trabalhador; 4. O dano
existencial e a sade do trabalhador; 5. Dano moral
e dano existencial: distino e cumulao; 6. Dano
existencial e perda de uma chance: distines; 7.
Quantificao da indenizao por dano existencial.
RESUMO:O presente texto dedicou-se ao estudo
do dano existencial no Direito do Trabalho, figura
jurdica que no deve ser confundida com o dano
moral nem tampouco com o prejuzo pela perda
de uma chance. No af de demonstrar a autonomia
da figura estudada, foram analisados os elementos
caracterizados do dano existencial, a saber: o
projeto de vida e a vida de relaes, e dedicada
particular ateno importncia da proteo
sade do trabalhador. Evidenciou-se que o
poder diretivo do empregador no pode afetar a
existncia do empregado enquanto ser humano,
titular de direitos da personalidade, e que para se
assegurar a um completo bem-estar fsico e mentala todos os trabalhadores preciso encontrar
mecanismos que impeam a sua submisso a
regimes de trabalho exaustivos.
ABSTRACT: This text devoted himself to the study
of existential damage in Labor Law, a legal device
that should not be confused with the moral
damage nor injury with the loss of a chance. In the
rush to demonstrate the autonomy of figure study,
ArtigosO Dano Existencial e o Direito do Trabalho
Jorge Cavalcanti BoucinhasFilho - Graduado em
Direito pela UniversidadeFederal do Rio Grande doNorte. Mestre e Doutor pelaUniversidade de So Paulo -USP. Professor.
Rbia Zanotelli deAlvarenga Mestre e Doutoraem Direito do Trabalho pelaPUC Minas. Professora.
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we analyzed the existential elements characterized
the damage, namely the project of life and a life
of relationships, and devoted particular attention
to the importance of protecting workers' health.
It was evident that the directive power of the
employer can not affect the existence of the
employee as a human being, entitled to rights of
personality, and to ensure that a complete physical
well-being and mental health for all workers need
to find mechanisms that prevent submission to
comprehensive schemes of work.
Palavras-chaves: Direitos da personalidade. Danoexistencial: o projeto de vida e a vida de relao.
Dano Moral. Responsabilidade pela perda de umachance.
INTRODUO
Ao prefaciar uma de suas mais conhecidas obras, o professor
Alain Supiot destacou que a razo humana no jamais um dado
imediato da conscincia, sendo antes um produto de instituies
que permitem que cada homem assegure sentido sua existncia,
encontrem um lugar na sociedade e l possam expressar seu
prprio talento.1 O papel das instituies e institutos de direitodo trabalho, que cuidam da relao empregado/empregador nos
pases capitalistas, inegvel.
Dentre os institutos de direito do trabalho destinados a
viabilizar a plena busca de equilbrio entre vida e trabalho especial
meno deve ser feita aos chamados perodos de descanso, como
o repouso semanal e as frias; s diversas formas de interrupo
e suspenso do contrato de trabalho, como as licenas para
tratamento mdico e para formao profissional, e, finalmente ssituaes que os italianos convencionaram chamar de tempo libero
destinato2, a saber, as atividades de voluntariado, doao de sangue,
e, poderamos acrescer, a interrupo do contrato de trabalho para
prestar exame vestibular.
1 La raison humaine nest jamais une donne immediate de la conscience: elle est le produitdes institutions qui permettent chaque homme de donner sens son existence, qui luireconnaissent une place dans la socit et lui permettent dy exprimer son talent proper.(SUPIOR, Alain. Critique du droit du travail. Paris: Presses universitaires de France, 2002, p.XX).
2NICCOLAI, Alberto. Orario di lavoro e resto della vita. Lavoroe diritto, anno XXIII, n.2,primavera 2009, pp. 243-253.
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Esses perodos de descanso, contudo, no so sempre
respeitados por aqueles que detm o poder econmico, causando
aos trabalhadores prejuzos biolgicos, sociais e econmicos. H
situaes de descumprimento pontual, motivado por alguma
contingncia momentnea, e situaes, muito mais graves, de
violao contumaz da norma, motivada pela expectativa de ganho
com o descumprimento da norma, e facilitada pelo frgil sistema
brasileiro de fiscalizao governamental das relaes de trabalho,
que carece de servidores suficientes para fiscalizar todas as empresas
existentes nesse pas.3
O descumprimento estratgico das normas trabalhistas
por determinadas empresas que se sujeitam s sanes legais por
constatarem que a eventual aplicao delas acaba sendo menos
onerosa do que o fiel cumprimento do ordenamento jurdico
(poltica conhecida pela expresso risco calculado) facilmente
visualizado no exemplo da instituio financeira que exige o labor em
sobrejornada e no o remunera corretamente. Se em determinada
agncia cem trabalhadores estiverem nessa situao e apenas
cinquenta ajuizarem a ao, a empresa auferiu um lucro significativo.
Ganho aumentado pelo fato de vinte e cinco dos cinquenta que
propuseram a ao aceitarem, para outorgar quitao plena dos
dbitos, cinquenta por cento ou menos do valor que efetivamentelhe devido. Por fim, quinze dos vinte e cinco trabalhadores recebem
menos do que deveriam em razo de seu contrato de trabalho
ter se prolongado por mais de cinco anos, deixando, portanto, de
receber algumas parcelas alcanadas pela prescrio. De sorte que
somente dez dos 100 trabalhadores que se ativaram em regime de
sobrejornada efetivamente recebem o que lhes devido. E ainda
assim o empregador em questo lucra com a demora processual vez
que durante o trmite da ao o dbito da empresa esteve sujeito
a juros de 1% ao ms e o valor contingenciado correspondente aele estava sendo emprestado no cheque especial ou no carto de
crdito a um percentual superior 10% ao ms.
3O modelo de tutela das relaes de trabalho no Brasil infelizmente privilegiou mecanismosde tutela repressiva da relao de emprego em detrimento de mecanismos de tutela preventiva.A dotao oramentria da Justia do Trabalho, normalmente acionada individualmente apso rompimento do vnculo empregatcio de determinado empregado e que, portanto, destina-se muito mais reprimir s irregularidades cometidas pelos empregadores do que a preveni-las, bastante superior do Ministrio do Trabalho e Emprego, cuja funo compreendeautorizar a instalao e o incio de atividades das empresas e fiscalizar periodicamente o seu
funcionamento, atuando, portanto, de forma preventiva.
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O exemplo hipottico, mas situaes de descumprimento
deliberado e contumaz da legislao trabalhista, como a narrada,
so verificadas na prtica com triste regularidade. Ele ilustra como
alguns empregadores efetivamente auferem grandes ganhos
mediante a explorao da mo de obra de seus trabalhadores em
regime de sobrejornada, usando estratgias gerenciais prprias de
um momento histrico em que, como bem enfatiza Alain Supiot, ao
invs de indexarmos a economia s necessidades dos homens e as
finanas s necessidades da economia, ns indexamos a economia s
exigncias das finanas e tratamos os homens como capital humano
servio da economia.4 Mecanismos prprios de uma sociedade
dita moderna que, como observou Alberto Niccolai, acompanhou
a inverso da relao entre ritmo de trabalho e ritmo de existncia,
com aquele ditando inexoravelmente este.5
preciso, contudo, ressaltar, e de forma enftica, que
no apenas a inadimplncia das parcelas correspondentes
sobrejornada que torna o seu uso indiscriminado e abusivo, como
uma estratgia gerencial, um mal para o empregado. Ainda que as
horas suplementares sejam corretamente quitadas, o prejuzo que
essa poltica causa ao trabalhador, impedindo-o de desfrutar do
convvio com seus amigos, fazendo-lhe perder a oportunidade de
ver seus filhos crescer e, por vezes, privando-o at mesmo do direito
de exercer seu credo religioso, subsistir.
possvel perceber prejuzo ao desfrute pelo trabalhador
dos prazeres de sua prpria existncia tanto quando dele se exige a
realizao de horas extras em tempo superior ao determinado pela
Lei, como quando dele se exige um nmero to grande de atribuies
que precise permanecer em atividade durante seus perodos de
descanso, ainda que longe da empresa, ou fique esgotado ao ponto
de no encontrar foras para desfrutar de seu tempo livre.
A constatao se torna ainda mais grave quando se tem claro
que essa forma de explorao da mo de obra do trabalhador ocorre,
4 Au lieu dindexer lconomie sur les besoins des hommes, et la finance sur les besoins delconomie, on indexe lconomie sur les exigences de la finance et on traite les hommes commedu au service de lconomie (SUPIOT, Alain.Lesprit de Philadelphie: la
justice sociale face au march total. Paris: Seuil, 2010, pp. 24/25).
5E parassoalmente pu si dirsi che tale approccio metodolgico, inadeguato nellepoca fordista,h trovato fertile terreno nella moderna societ, che h visto invertirsi il rapporto fra ritmi dilavoro e ritmi dellesistenza, com i primi a dettare inesorabilmente i seccondi (NICCOLAI,
Alberto. Orario di lavoro e resto della vita. Lavoro e diritto, anno XXIII, n.2, primavera 2009,pp. 243-253).
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por vezes, revelia da vontade do empregado, seja por precisar do
acrscimo salarial correspondente, seja por temer sua demisso. Seja
qual for a hiptese, o trabalhador estar abdicando de seu lazer, do
deleite que poderia ter, para aumentar os ganhos do empregador.
Essa hiperexplorao da mo-de-obra humana,
acompanhada ou no de contraprestao em pecnia, causa ao
trabalhador um tipo de prejuzo que vem sendo doutrinariamente
chamado de dano existencial. O presente artigo objetiva analisar a
figura em questo cuidando, dentre outras coisas, da sua distino
em relao figura do dano moral (tambm previsto no arcabouo
do Direito do Trabalho).
O dano existencial nas relaes de trabalho
O dano existencial no Direito do Trabalho, tambm chamado
de dano existncia do trabalhador, decorre da conduta patronal
que impossibilita o empregado de se relacionar e de conviver em
sociedade por meio de atividades recreativas, afetivas, espirituais,
culturais, esportivas, sociais e de descanso, que lhe traro bem-estar
fsico e psquico e, por consequncia, felicidade; ou que o impede de
executar, de prosseguir ou mesmo de recomear os seus projetos de
vida, que sero, por sua vez, responsveis pelo seu crescimento ou
realizao profissional, social e pessoal.
Jlio Csar Bebber, um dos autores a adotar essa expresso
para designar as leses que comprometem a liberdade de escolha e
frustram o projeto de vida que a pessoa elaborou para sua realizao
como ser humano, esclarece haver optado por qualificar esse dano
com o epiteto j transcrito justamente porque o impacto por ele
gerado provoca um vazio existencial na pessoa que perde a fonte
de gratificao vital6
Nos danos desse gnero o ofendido se v privado do direito
fundamental, constitucionalmente assegurado, de, respeitando o
direito alheio, livre dispor de seu tempo fazendo ou deixando de
fazer o que bem entender. Em ltima anlise, ele se v despojado de
seu direito liberdade e sua dignidade humana.7
6 BEBBER, Jlio Csar. Danos extrapatrimoniais (esttico, biolgico e existencial): brevesconsideraes. Revista LTr, So Paulo, v. 73, n. 1, jan. 2009, p. 28.
7 ALMEIDA NETO, Amaro Alves de. Dano existencial: a tutela da dignidade da pessoahumana. Revista dos Tribunais, So Paulo, v. 6, n. 24, ms out/dez, 2005, p. 48.
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Giuseppe Cassano, citado por Amaro Alves de Almeida Neto,
esclarece que por dano existencial se entende qualquer dano que
o indivduo venha a sofrer nas suas atividades realizadoras [...].8
Flaviane Rampazzo Soares, por sua vez, considera que ele abrange
todo acontecimento que incide, negativamente, sobre o complexo
de afazeres da pessoa, sendo suscetvel de repercutir-se, de maneira
consistente temporria ou permanentemente sobre a sua
existncia.9
Dessa maneira, estatui Amaro Alves de Almeida Neto:
[...] toda pessoa tem o direito de no ser
molestada por quem quer que seja, em
qualquer aspecto da vida, seja fsico, psquico
ou social. Submetido ao regramento social, o
indivduo tem o dever de respeitar e o direito
de ser respeitado, porque ontologicamente
livre, apenas sujeito s normas legais e de
conduta. O ser humano tem o direito de
programar o transcorrer da sua vida da melhor
forma que lhe parea, sem a interferncia
nociva de ningum. Tem a pessoa o direito
s suas expectativas, aos seus anseios, aosseus projetos, aos seus ideais, desde os mais
singelos at os mais grandiosos: tem o direito
a uma infncia feliz, a constituir uma famlia,
estudar e adquirir capacitao tcnica, obter
o seu sustento e o seu lazer, ter sade fsica
e mental, ler, praticar esporte, divertir-se,
conviver com os amigos, praticar sua crena,
seu culto, descansar na velhice, enfim, gozar
a vida com dignidade. Essa a agenda do serhumano: caminhar com tranqilidade, no
ambiente em que sua vida se manifesta rumo
ao seu projeto de vida.10
8IDEM, p. 46.
9 SOARES, Flaviana Rampazzo. Responsabilidade civil por dano existencial. Porto Alegre:Livraria do advogado, 2009, p. 44.
10ALMEIDA NETO, Amaro Alves de. Dano existencial: a tutela da dignidade da pessoahumana. Revista dos Tribunais, So Paulo, v. 6, n. 24, ms out/dez, 2005, p. 49.
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No mbito das relaes de trabalho, verifica-se a existncia de
dano existencial quando o empregador impe um volume excessivo
de trabalho ao empregado, impossibilitando-o de estabelecer a
prtica de um conjunto de atividades culturais, sociais, recreativas,
esportivas, afetivas, familiares, etc, ou de desenvolver seus projetosde vida nos mbitosprofissional, social e pessoal.
O tipo de dano ora em estudo, segundo Flaviana Rampazzo
Soares, capaz de atingir distintos setores da vida do indivduo,
como: a) atividades biolgicas de subsistncia; b) relaes afetivo-
familiares; c) relaes sociais; d) atividades culturais e religiosas; e)
atividades recreativas e outras atividades realizadoras, tendo em
vista que qualquer pessoa possui o direito serenidade familiar,
salubridade do ambiente, tranquilidade no desenvolvimento dastarefas profissionais, ou ao lazer, etc.11
Outra forma inquestionvel de dano existencial consiste em
submeter determinado trabalhador condio degradante ou
anloga de escravo. Como bem pondera a autora citada por ltimo,
as condies de vida aviltantes que, normalmente, so impostas a
tais trabalhadores tambm integram o dano existencial, pois no h
como algum manter uma rotina digna sob tais circunstncias.12
A impossibilidade de autodeterminao que o trabalho
escravizado acarreta bem como as restries severas e as privaes
que ele impe, modificam, de forma prejudicial, a rotina dos
trabalhadores a ele submetido, principalmente, no horrio em que
esto diretamente envolvidos na atividade laboral para a qual foram
incumbidos.13
Elementos do dano existencial
Alm dos elementos inerentes qualquer forma de dano,
como a existncia de prejuzo, o ato ilcito do agressor e o nexo de
11 Quanto atividade biolgica de subsistncia, assinala Flaviana Rampazzo Soares, que aquela em que a pessoa sofreu uma leso fsica que a impediu de realizar atividades desubsistncia que, em condies normais anteriores, seriam plenamente possveis, tais comoas relacionadas alimentao, higiene ou locomoo. Veja-se: SOARES, Flaviana Rampazzo.Responsabilidade civil por dano existencial. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2009, p. 47.
12SOARES, Flaviana Rampazzo. Responsabilidade civil por dano existencial. Porto Alegre:Livraria do advogado, 2009, p. 76.
13IDEM, p. 75.
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causalidade entre as duas figuras, o conceito de dano existncia
integrado por dois elementos, quais sejam: a) o projeto de vida; e b)
a vida de relaes.14
O primeiro deles Jlio Csar Bebber associa a tudo aquilo
que determinada pessoa decidiu fazer com a sua vida. Como
bem pondera o aludido autor, o ser humano, por natureza, busca
sempre extrair o mximo das suas potencialidades, o que o leva a
permanentemente projetar o futuro e realizar escolhas visando
realizao do projeto de vida. Por isso afirma que qualquer fato
injusto que frustre esse destino, impedindo a sua plena realizao
e obrigando a pessoa a resignar-se com o seu futuro, deve ser
considerado um dano existencial.15
Ainda sobre o mesmo elemento, Hidemberg Alves da Frota,
observa que o direito ao projeto de vida somente efetivamente
exercido quando o indivduo se volta prpria autorrealizao
integral, direcionando sua liberdade de escolha para proporcionar
concretude, no contexto espao-temporal em que se insere, s
metas, aos objetivos e s ideias que do sentido sua existncia.16
Quanto vida de relao, o dano resta caracterizado, na sua
essncia, por ofensas fsicas ou psquicas que impeam algum
de desfrutar total ou parcialmente, dos prazeres propiciados
pelas diversas formas de atividades recreativas e extralaborativas
tais quais a prtica de esportes, o turismo, a pesca, o mergulho, o
cinema, o teatro, as agremiaes recreativas, entre tantas outras.
Essa vedao interfere decisivamente no estado de nimo do
trabalhador atingindo, consequentemente, o seu relacionamento
social e profissional. Reduz com isso suas chances de adaptao
ou ascenso no trabalho o que reflete negativamente no seu
desenvolvimento patrimonial.17
14Essa classificao feita por Hidemberg Alves da Frota em artigo doutrinrio que aborda asnoes fundamentais sobre o dano existencial. Veja-se: FROTA, Hidemberg Alves da. Noesfundamentais sobre o dano existencial. Revista Cincia jurdica, Belo Horizonte, v. 24, 2010,p. 275.
15 BEBBER, Jlio Csar. Danos extrapatrimoniais (esttico, biolgico e existencial): brevesconsideraes. Revista LTr, So Paulo, v. 73, n. 1, jan. 2009, p. 28.
16 FROTA, Hidemberg Alves da. Noes fundamentais sobre o dano existencial. RevistaCincia Jurdica, Belo Horizonte, v. 24, 2010, p. 276.
17ALMEIDA NETO, Amaro Alves de. Dano existencial: a tutela da dignidade da pessoahumana. Revista dos Tribunais, So Paulo, v. 6, n. 24, ms out/dez, 2005, p. 52.
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Em suma, o dano vida de relao, ou dano vida em sociedade,
com bem observa Amaro Alves de Almeida Neto: indica a ofensa
fsica ou psquica a uma pessoa que determina uma dificuldade ou
mesmo a impossibilidade do seu relacionamento com terceiros,
o que causa uma alterao indireta na sua capacidade de obter
rendimentos.18
Hidemberg Alves da Frota, por sua vez, pondera que o prejuzo
vida de relao, diz respeito ao conjunto de relaes interpessoais,
nos mais diversos ambientes e contextos, que permite ao ser
humano estabelecer a sua histria vivencial e se desenvolver de
forma ampla e saudvel, ao comungar com seus pares a experincia
humana, compartilhando pensamentos, sentimentos, emoes,
hbitos, reflexes, aspiraes, atividades e afinidades, e crescendo,
por meio do contato contnuo (processo de dilogo e de dialtica)em torno da diversidade de ideologias, opinies, mentalidades,
comportamentos, culturas e valores nsitos humanidade.19
fcil imaginar o dano causado vida de relao de
determinado empregado em decorrncia de condutas ilcitas
regulares do empregador, como a constante utilizao de mo de
obra em sobrejornada, impedindo o empregado de desenvolver
regularmente outras atividades em seu meio social. No se pode,
contudo, descuidar da hiptese de o dano vida da relao poder sercausado por um nico ato. Um bom exemplo seria o do empregador
que compele determinado empregado a terminar determinada
tarefa, que no era to urgente ou que poderia ser concluda por
outro colega, no dia, por exemplo, da solenidade de formatura
ou de primeira eucaristia de um de seus filhos, impedindo-o de
comparecer cerimnia.
No tocante s relaes familiares no demasiado ressaltar
que a Constituio de 1988 expressamente estatui que a entidadefamiliar, base da sociedade, tem especial proteo do estado(artigo
226, caput) e que dever da famlia, da sociedade e do Estado
assegurar criana, ao adolescente e ao jovem, com absoluta
prioridade, o direito vida, sade, alimentao, educao,
18IDEM, p. 52. O autor cita alguns exemplos de dano vida de relao, que so os seguintes:a) procedimentos imperitos mdicos que acarretam pessoa problemas ortopdicos e aimpossibilidade de praticar esportes como correr, jogar bola, tnis, etc; b) a divulgao denotcias difamatrias infundadas que acarretam humilhao e depresso; c) acidentes quecausam a sndrome do pnico ou problemas na fala, como tartamudez etc.
19 FROTA, Hidemberg Alves da. Noes fundamentais sobre o dano existencial. RevistaCincia Jurdica, Belo Horizonte, v. 24, 2010, p. 277.
"Um bom exemplo seria
o do empregador que compele
determinado empregado a
terminar determinada tarefa,
que no era to urgente ou
que poderia ser concludapor outro colega, no dia, por
exemplo, da solenidade de
formatura ou de primeira
eucaristia de um de seus filhos,
impedindo-o de comparecer
cerimnia."
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ao lazer, profissionalizao, cultura, dignidade, ao respeito,
liberdade e convivncia familiar (artigo 227). E como bem observa
Maria Vittoria Ballestrero, a tutela da famlia no pode prescindir
das normas que impe ao tomador dos servios o sacrifcio de
reconhecer ao trabalhador direitos cujo exerccio pressupe que ele
saia do trabalho com tempo e energia para se dedicar ao seio de sua
famlia. Em outras palavras, a ideia de proteo da famlia passa pela
conciliao entre interesse do empregador de usar o trabalhador
da forma que lhe for mais profcua e o interesse do trabalhador a
satisfazer as exigncias de sua vida privada e familiar.20
E as atividades recreativas, como bem observa Eugnio
Bonvicini, citado por Hidemberg Alves da Frota, representam uma
fonte de equilbrio fsico e psquico, tal a compensar o intenso
desgaste peculiar vida agitada do mundo moderno21. Ao discorrersobre tais atividades, Guido Gentile, citado pelo mesmo autor
nacional, assinala que o incremento delas facilita o desenvolvimento
da prpria labuta profissional.22
Os tribunais vm, ainda timidamente, reconhecendo essa
nova figura. O Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do
Sul, em deciso relatada pelo Desembargador Federal do Trabalho
Jos Felipe Ledur, estabeleceu o pagamento de indenizao
trabalhadora que fora vtima de dano existencial, por ter trabalhadosobre jornada excedente ao limite de tolerncia, veja-se:
DANO EXISTENCIAL. JORNADA EXTRAEXCEDENTE DO LIMITE LEGAL DETOLERNCIA. DIREITOS FUNDAMENTAIS.O dano existencial uma espcie de danoimaterial, mediante o qual, no caso dasrelaes de trabalho, o trabalhador sofre
20A valle della tutela (nella Costituzione e nelle leggi) del bene famiglia, e dunque nel dirittodel lavoro in senso stretto, il contemperamento prende corpo nelle norme che impongono unsacrifcio dellinteresse del datore di lavoro (sacrifcio ragionevole, cio proporzionato allasalvaguardia del bene tutelato), attibuendo al lavoratore diritti (congedi, permessi, flessibilite riduzioni di orario), il cui esercizio consente di liberare dal lavoro tempo ed energie dadedicare alle cure familiar. In altri termini, parliamo del contemperamento tra linteresse deldatore di lavoro allutilizzazione massimamente profcua del lavoro e dunque anche dellasingola prestazione di lavoro che retibuische, e linteresse del lavoratore a soddisfare le esigenzedella sua vita privata e familiare. (BALLESTRERO, Maria Vittoria. La Conciliazione tra lavoroe famiglia. Brevi Considerazioni introduttive. Lavoro e diritto, anno XXIII, n.2, primavera2009, p. 163).
21 ALMEIDA NETO, Amaro Alves de. Dano existencial: a tutela da dignidade da pessoahumana. Revista dos Tribunais, So Paulo, v. 6, n. 24, ms out/dez, 2005, p. 58.
22IDEM, p. 60.
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danos/limitaes em relao sua vida
fora do ambiente de trabalho em razo de
condutas ilcitas praticadas pelo tomador do
trabalho. Havendo a prestao habitual de
trabalho em jornadas extras excedentes do
limite legal relativo quantidade de horasextras, resta configurado dano existncia,
dada a violao de direitos fundamentais
do trabalho que integram deciso jurdico-
objetiva adotada pela Constituio. Do
princpio fundamental da dignidade da
pessoa humana decorre o direito ao livre
desenvolvimento da personalidade do
trabalhador, nele integrado o direito ao
desenvolvimento profissional, o que exige
condies dignas de trabalho e observncia
dos direitos fundamentais tambm pelos
empregadores (eficcia horizontal dos
direitos fundamentais). Recurso provido.23
No referido processo, o Desembargador relator Jos Felipe
Ledur ainda aduz que a prestao de horas extras no representa,
em regra, dano imaterial/existencial. Na verdade, o trabalho
prestado em jornadas que excedem habitualmente o limite legal
de duas horas extras dirias, tido como parmetro tolervel, querepresenta afronta aos direitos fundamentais do trabalhador e uma
forma de aviltamento do mesmo. Portanto, o trabalho prestado
em jornadas extenuantes que autorizam a concluso de ocorrncia
do dano in re ipsa.24Extrai-se ainda do aludido julgado essa relevante
passagem:
Os direitos fundamentais previstos no art. 7 da
Constituio de 1988, dentre eles o disposto no
inciso XIII (durao do trabalho normal no superior
a oito horas dirias e quarenta e quatro semanais,
facultada a compensao de horrios e a reduo
da jornada, mediante acordo ou conveno
coletiva de trabalho) e no inciso XXII (reduo dos
riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas
de sade, higiene e segurana) so concrees
23RIO GRANDE DO SUL, Tribunal Regional do Trabalho, RO 105-14.2011.5.04.0241. RelatorDes. Jos Felipe Ledur, 1 Turma, Dirio eletrnico da Justia do Trabalho, Porto Alegre, 3 jun.2011.
24IDEM.
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de valores e normas de carter principiolgico e
correspondem a uma deciso jurdico-objetiva
de valor adotada pela Constituio. Esta prev
valores e princpios, dentre outros, no Prembulo
(e.g., a assegurao do exerccio dos direitos
sociais, da liberdade e do bem-estar), no art. 1,
III e IV (dignidade da pessoa humana os valores
sociais do trabalho e da livre iniciativa) e no rol dos
direitos sociais elencados no art. 6 (e.g., o direito
sade, ao trabalho, ao lazer e segurana). Do
princpio da dignidade da pessoa humana, ncleo
dos direitos fundamentais em geral, decorre o
direito ao livre desenvolvimento da personalidade
do trabalhador, nele abarcado o desenvolvimento
profissional mencionado no art. 5, XIII, da
Constituio, o que exige condies dignas de
trabalho e observncia dos direitos fundamentais
assegurados aos trabalhadores. Finalmente, esses
valores e princpios vinculam no s o Estado
(eficcia vertical dos direitos fundamentais), mas
tambm o empregador/organizao econmica
(eficcia horizontal dos direitos fundamentais ou
eficcia em face dos particulares).25
O projeto de vida e a vida de relao como direitos da
personalidade do trabalhador
Enquanto protetores da dignidade da pessoa humana, os
direitos da personalidade tm por objeto assegurar os elementos
constitutivos da personalidade do ser humano, tomada nos aspectos
da integridade fsica, psquica, moral e intelectual da pessoa humana.
Ademais, so direitos que jamais desaparecem no tempo e nunca se
separam do seu titular.
Acentua Flaviana Rampazzo Soares que a tutela existncia
da pessoa resulta na valorizao de todas as atividades que a pessoa
realiza, ou pode realizar, tendo em vista que tais atividades so
capazes de fazer com que o indivduo atinja a felicidade, exercendo,
plenamente, todas as faculdades fsicas e psquicas. Alm disso, a
felicidade , em ltima anlise, a razo de ser da existncia humana.26
25IDEM.
26SOARES, Flaviana Rampazzo. Responsabilidade civil por dano existencial. Porto Alegre:Livraria do advogado, 2009, p. 37.
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Sendo assim, o bem-estar e a qualidade de vida so a
exteriorizao de toda a potencialidade da personalidade da pessoa,
representam a ao do ser humano, destinada a atingir a felicidade,
a realizao, a busca da razo de ser da existncia.27
O dano existncia do trabalhador acarreta, assim, em violao
aos direitos da personalidade do trabalhador. A leso ao projeto de
vida e vida de relao afronta as seguintes espcies de direitos
da personalidade: direito integridade fsica e psquica, direito
integridade intelectual, bem como o direito integrao social28.
O dano existencial impede a efetiva integrao do trabalhador
sociedade, impedindo o seu pleno desenvolvimento enquanto
ser humano. A efetiva utilizao de todas as suas potencialidades
somente seria possvel, com o desfrute de todas as esferas de suavida, a saber: cultural, afetiva, social, esportiva, recreativa, profissional,
artstica, entre outras.
No que tange ao direito ao lazer, assinala Mrcio Batista de
Oliveira que a sua aplicao e eficcia traduz-se na garantia da
efetividade da dignidade da pessoa humana do trabalhador
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