artes gráficas | escola de belas artes | ufmg
revista em formato laboratório
ISSN
217
6-99
58
artes gráficas | escola de belas artes | ufmg
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217
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os fios da rede elétrica - que tecem tramas embaralhadas no espaço - as tampas de bueiro – identidades gráficas incrustadas em ferro, que se escondem de nós e que escondem cidades subterrâneas… - e tudo mais que contribui para a complexidade do universo urbano, em sua dimensão formal e sígnica.
A Refil – Revista em Formato Laboratório – chega ao seu terceiro número novamente com a tarefa de experimentar novos formatos para as publicações em arte, buscando desviar-se dos formatos tradicionais e expressar criati-vamente idéias sobre Artes Gráficas. Neste número, além da costumeira reflexão sobre as Artes Gráficas em seu sentido expandido,investigamos a potência política do “gráfico”, ao ocupar o imaginário simbólico das cidades. É sempre bom lembrar que estamos sempre guiados pelo desejo de contribuir para as pesquisas e a reflexão crítica realizadas na habilitação de Artes Gráficas, no curso de Artes Visuais da Escola de Belas Artes da UFMG. Uma habilitação que tem tentado construir um Atelier onde, entre outras frentes, o aluno é estimulado a pensar na natureza espacial do gráfico e a colocar seus trabalhos em contato (e por que não dizer, em um enfrentamento estético) com o universo urbano.
Para contribuir com essa leitura, convidamos pesquisadores que possuem intimidade com o assunto a escrever sobre as potencialidades e possibilidades expressivas da prática artística junto ao espaço urbano. São eles Maria Ivone doa Santos, André Mesquita e Priscila Lolata, todos interessados nas relações entre Arte, Artes Gráficas e ativismo. Aproveitamos ainda para revelar e divulgar a produção discente, através de alguns trabalhos produzidos na disciplina Atelier 2 de Artes Gráficas (que possui um módulo dedicado às intervenções urbanas) e de uma pes-quisa sobre o grapixo em Belo Horizonte, realizada e relatada por Bruno Rios, aluno da habilitação. Contamos ain-da com uma entrevista concedida pelo coletivo argentino Iconoclasistas, que, de maneira instigante, nos estimula a embaralhar ainda mais os (des)limites entre arte, design, ativismo e comunicação.
O projeto gráfico, realizado em parceria com os alunos da habilitação Bruno Rios e Matheus Ferreira, e foi pensado para trazer à tona a superfície poético-gráfica das cidades, criando uma espécie de publicação-objeto, cidade-maquete sobre a qual é possível se lançar uma visão panorâmica desta revista-lugar.
A NATUREZA DO GRÁFICO Que o gráfico está presente nas ruas, nas esquinas, e nos espaços públicos em geral é algo que sabemos, de antemão. O que talvez não nos atentamos ime-diatamente é que as cidades são espaços onde esta ocupação gráfica é também simbólica, e aí reside a maior potência desta aproximação. Trata-se da cons-tituição de um imaginário gráfico e comunicacional, que se nutre de um amplo espectro de possibilidades expressivas, não apenas os cartazes, faixas, panfletos e sinalizações, mas também a própria arquitetura - que projeta sombras geométricas e recorta o céu -,
É a partir dessa revista-lugar que desejamos a todos um bom passeio e uma ótima leitura, e agradecemos mais uma vez à Pós graduação da Escola de Belas Artes da UFMG, sem a qual não seria possível a realização desta publicação.
Brígida Campbell e Fernanda Goulart – editoras da Refil
Anônimo, Nós somos o sítio que nos faz falta. Foto: Priscila Lolata
Algumas percepções
de gráficos na cidade
Priscila Lolata
Olhar a cidade hoje requer destreza. A superposição de informações dos meios de comunicação, principalmente da publicidade, proporcionam ao nosso olhar um emaranhado de formas e escritas que buscam injetar diretamente no nosso subconsciente valores primaz da sociedade capitalista: consumo, velocidade, insatisfação com o velho, dentre tantos outros.
Porém, há formas de desvios dessa imposição que controla a sociedade. São os dispositivos que emergem de uma estética urbana e que podem ser considerados micro-resistências ao poder instaurado. Algumas intervenções artísticas na cidade têm evidenciado uma confluência de percepções que, muitas vezes com poética, humor e ironia, dialogam com questões urgentes da cidade contemporânea e com a maneira com que as pessoas se relacionam com ela.
Nessas ações artísticas, elementos gráficos aparecem com força. O gráfico na cidade, em geral, pode ser expresso por inúmeras formas, panfletos, adesivos, cartazes, faixas, etc. Normalmente, essas linguagens estão vinculadas a informações de estímulo ao consumo, comunicados de serviços ou propaganda política. Mas uma quebra na condição desses suportes gráficos pode gerar uma pausa no condicionamento do dia-a-dia. São o caso de intervenções urbanas propostas por artistas/designers que se apropriam desses meios e fragmentam o cotidiano do citadino com inserções poéticas.
Andando pela rua, com pressa você recebe um panfleto com instruções, não crê muito no que vê, mas para e conferi. São instrução de como você pode usar o saquinho de pipoca na divulgação de suas idéias. Num procedimento semelhante ao que Cildo Meireles propôs na década de 1970, inserir frases ideológicas nas garrafas de Coca-Cola, porém com um suporte mais simples e popular. O panfletinho ensina, passo a passo, com ilustração, como difundir mensagens através de carimbos em saquinho de pipocas, que devem ser en aos entregues aos pipoqueiros. Detalhe: tem a recomendação de que sua idéia seja positiva e super criativa. Finalizando o conteúdo do papelzinho se lê, em grandes letras, a mensagem Acredite nas suas ações, com a logo do coletivo de arte GIA – Grupo de Interferência Ambiental.
Conteúdos mais sutis, com graus de subjetivações altos, também podem ser encontrados pelas cidades. Em Belo Horizonte, quadradinhos coloridos são fixados em ambientes cinzentos da cidade. Palavras como cor e imagem são gravadas nesses suspiros poéticos do espaço urbano. A força da coloração e a sutileza de uma mensagem escrita, com uma única palavra, provocam um impacto que descortina um lugar homogêneo, sem vibração, sem afeto. É na delicadeza do Poro que esse trabalho tem contundência.
Sobre um banco de praça vazio, uma frase compõe a paisagem e forma uma imagem a partir de sua afirmação: “nós somos o sítio que nos faz falta”. A ilustração, um pequeno coração vermelho. É desconcertante estar andando e enxergar provocação com tamanha sensibilidade. A mensagem, como um desabafo, é deixada ali, anonimamente, numa parede de Lisboa afirmando nossa composição e nossa falta.
Do lado de cá do Atlântico, em Salvador, num ponto de ônibus a frase “Meu endereço é em mim” está ali serena. A poesia, ou como a autora Karina Rabinovitz coloca, “um contratempo da poesia”, é alojada num lugar de espera. Espera essa, pausada pela sutileza da forma, uma caixinha de acrílico com papeizinhos dentro. Nesses bilhetinhos, um despertar do eu em profundidade.
Com a mesma doçura, mas com um simbolismo que revive nossa história, a artista canadense Shelley Miller insere nos muros da cidade painéis feitos de glacê. Dos grafites de Montreal à azulejaria de Salvador, as capas açucaradas dos bolos comemorativos se tornam revestimento de um espaço público horizontal. Aqui no Brasil, após montar seu doce painel, pinta com tinta azul um belo navio, como aqueles que transportavam os negros para trabalharem nas nossas lavouras de cana de açúcar. Há um misto de afeto e dor histórica. O painel fica ao tempo e com o passar dos dias a pseudo azulejaria segue derretendo e a tinta azul, anilina comestível, vai escorrendo como se chorasse. Uma poesia plástica embrenhada de simbolismo e beleza. Não há como negar, é lindo.
Assim, a cidade vai sendo reconfigurada. Ao observarmos ela, na medida do corpo, tem-se muito mais para ver. Detalhes desapercebidos revelam condições e poéticas de um espaço que se movimenta e superpõe informações. Mas há de se ser safo, deslumbrar as sutilezas e absorver as poéticas urbanas. Priscila Lolata é curadora e crítica de arte. Mestre em história
da arte, desenvolve atualmente no doutorado, em urbanismo contemporâneo - UFBA, pesquisa sobre intervenção artística na
cidade contemporânea.GIA
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André Mesquita é pesquisador das relações entre arte,
política e ativismo. Mestre pelo departamento de História Social
da USP e atualmente doutorando no mesmo departamento com
um estudo sobre “mapas e diagramas dissidentes”.
Tempo e espaço reciprocamente se substituem, numa total integração.
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ENTREVISTA_ICONOCLASISTAS
Um “Laboratório de Comunicação e Recursos Contra Hegemônicos de Livre Circulação”, assim se denomina o coletivo argentino Iconoclasistas, que - através de recursos (palavra potente, mas pouco usada em nosso vocabulário artístico) de investigação e de Design Gráfico - tentam romper com as estratégias de comunicação capitalista, ativando e reinventando o imaginário político e (geo)gráfico das cidades. Com trabalhos que incentivam práticas colaborativas e de resistência, os artistas (palavra estrategicamente não utilizada por eles, como veremos) argentinos efetivamente contribuem para o entendimento do potencial crítico, estético e político das Artes Gráficas e das Artes Visuais, em seu campo expandido. Sem perder a ternura.
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Pergunto-me o que de fato sou e o que faço. Lancei-me no espaço urbano e desenhei linhas de fuga para praticar a arte. Trabalho atualmente em duas Frações localizadas, Dilúvio e Camelódromo,1 que delimitei como lugares de estudo, ambas em Porto Alegre. A primeira é extensa (16 km de um arroio retificado que atravessa a cidade) e a segunda é intensa e condensada (atividade que se iniciou como comércio informal na praça XV e que hoje se encontrafixada num lugar a ela destinado).
Mantenho-me numa linha de tensão. O que eu faço nestas duas frações é arte! O que eu faço nestas duas Frações será arte? Três questões centrais e suas ramificações me impulsionam e as pratico, seja em exposições ou ações públicas: O que foi pensado? O que construído? O que resiste ao tempo? Repito mentalmente quando estou diante do espelho
todos os dias, ao escovar os dentes: “Eu sou uma artista”. Escrevo esta frase na minha agenda, em intervalos aleatórios e nos apontamentos da pesquisa, para que eu a encontre ao longo do ano. Não se trata somente de lembrar-me que tenho duas Frações de trabalho na cidade de Porto Alegre, mas, sobretudo de lembrar-me que as observarei pelo prisma da arte, dada minha circunstância primeira.
EXERCÍCIO DE AUTO-ANÁLISE
Maria Ivone dos Santos
Procuro, neste exercício de auto-análise, observar quando o urbano passou a me afetar, ou melhor, quando estas questões passaram a me trabalhar. Talvez eu deva relatar uma ferida que se abriu no dia em que percebi que a minha cidade, Vacaria, chegou às bordas dos campos de cima da serra.
1 Informações, acesso a documentação e aos textos da pesquisa As extensões da memória: a experiência artística e outros espaços: http://www6.ufrgs.br/escultura/pesquisa/index.htm
... “assim que no caminho me deparavam lugares conhecidos, depois novos, desconhecidos, ou outros que eu só conseguia lembrar-me inexatamente, a cidade tornou-se em minhas mãos um livro, no qual eu lançava ainda rapidamente alguns olhares, antes que ele me desaparecesse no baú do depósito por quem sabe quanto tempo.” walter benjamin
Lembro-me das conversas nervosas em família e dos nossos medos de perder o torrão natal para abrigar a expansão da área industrial. Aflora a memória os ruídos de moto-serra e as nuvens de serragem que passamos a respirar na granja Monte Claro, quando tivemos a frente desapropriada. Lembro da barreira de árvores que foi plantada na área em frente da casa e do galpão, para isolar a cidade que avançava a passos largos em direção a terras, arroios e matos. Lembro do fogo das queimadas dos vizinhos que matizavam nossa colina. Lembro da pedreira de basalto, linda imponente, aos poucos sendo comida por uma concessão dada à prefeitura. O que dela resta hoje me pertence e tenho a minha prospecção própria enquanto eu viver e irei lutar para estancar esta ferida. Por quanto tempo?
Eu também vi se degradar o córrego que atravessava a minha cidade natal e no qual era depositado o lixo. Sapatos desparceirados boiavam seguidos de sacos e outros objetos não identificados. Cachorros esquálidos lambiam os pés de mendigos e bêbados e a vegetação das bordas segurava tudo o que vinha pela corrente, criando volumes multicoloridos e heterogêneos ao longo das margens.
Quando percorro a Fração Localizada: Dilúvio, em Porto Alegre sinto-me em zona de negociação política e escuto Perec e Lefebvre. Ali não sou a proprietária, mas pratico o espaço e o observo, a sós ou em grupo, sem ser geógrafa e tampouco historiadora. Ajo enquanto artista e encosto-me, acaricio, ausculto as vozes e tempos de lugares urbanos, nutrindo-me dos saberes daqueles que deles se ocupam. Cotejo a realidade movida pelas três perguntas centrais: O que foi sonhado? O que foi construído? O que resiste ao tempo? Caminho e desenvolvo táticas, métodos e narrativas ancoradas no real.
Dei-me conta, porém, que ajo em dois planos. Tenho as ações rasteiras, dans le temps, sendo animadas pela minha biografia, enquanto trabalha em mim outro plano mais afastado, que me fez incursionar por zonas de sentimentos hors le temps. Estes dois planos formalmente não se tocam, mas se alimentam mutuamente. Se as três questões e as práticas de reconhecimento territorial in loco, me permitem ancorar pontos de dúvida no espaço urbano, de forma a nele agir enquanto sujeito histórico, nas Cartografias de um contato eu rastreio o desejo que as move e as destaco. Tenho na cabeça sentimentos que me trabalham, mas meu coração em carne viva dói em mim enquanto rastejo. Eu sou uma artista e estou no mundo. Eu sou uma artista e dele me afasto.Porto Alegre, 6 de setembro de 2010
Maria Ivone dos Santos - Artista plástica, professora no Instituto de Artes da UFRGS e coordenadora do Programa Formas de Pensar a Escultura
A paisagem é apenas uma abstração
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Renato Almeida Júnia Fatorelli e Renato GaiaClarice LacerdaDaniela MoreiraTrabalhos realizados por alunos do atelie 2 de artes gráficas
#
DiogoDroschi e DanielHazanPlínio Alcântra Rafael CamargosRita VianaTrabalho ColetivoHenrique Teixeira
O GRAPIXOBruno Rios
O grapixo, como o próprio nome indica, guarda re-lações diretas entre o grafite e a pixação, principal-mente a pixação paulista, carregando consigo as características de verticalidade e tratamento nos traços encontrados em São Paulo.
A pixação carrega desde o seu nascimento uma carga de subversão, encontrada na maneira como ela se insere, nas formas e nos lugares da paisagem urbana. Sendo por vezes apontada com aversão pela sociedade, onde parâmetros de belo/feio, público/privado podem ser relativizados.
O grafite (graffiti) passa pelo mesmo repúdio em seu aparecimento nas grandes capitais, no entanto sendo absorvido e aceito pela massa de maneira mais rápi-da. Encontra-se hoje numa posição de aceitação que o permite transitar entre as artes plásticas, o design, a publicidade, chegando ao desenvolvimento de projetos onde toma para si o papel de antídoto da pichação, lem-brando aqui que ambos surgiram como métodos sub-versivos.
O grapixo se torna potente à medida que usufrui da es-trutura da tipografia e do grafismo da pixação, inserin-do-os na aceitação pública através de um tratamento cromático advindo do grafite. Encontra-se aí seu poten-cial discursivo, metalingüístico e estético.
REALIZAÇÃO: Núcleo de Produção em Artes Gráficas da Escola de Belas UFMG
APOIO: Gramma (ateliê, reflexão e memória das artes gráficas), Pós Graduação EBA-UFMG e Gráfica O Lutador
EDITORAS: Brígida Campbell e Fernanda Goulart
Expediente:PROJETO GRÁFICO: Brígida Campbell, Bruno Rios e Matheus Ferreira
ARTIGOS: Priscila Lolata, Maria Ivone dos Santos, André Mesquita e Bruno Rios
TRADUÇÃO ENTREVISTA: Fernanda Goulart e Sara Stradioto.
Contato: [email protected]
A versão eletrônica pode ser baixada em: http://www.revistarefil.wordpress.com/
A montagem desta revista foi feita manualmente. Desculpem as imperfeições.
Pode ser reproduzida deste que citada a fonte
FOTOS: Brígida Campbell, Bruno Rios, Dereco, Lorena Borges e Matheus Ferreira
Agradecimentos: Fernando Mencarelli, Pós Graduação EBA/UFMG, Zina, alunos que participaram do mutirão, Sara Stradioto e gráfica O Lutador.
BH - outubro de 2010
Cada lugar é a sua maneira o mundo
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