Download - revista hist prof mat n1

Transcript
Page 1: revista hist prof mat n1

1 Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014

HISTÓRIA DA MATEMÁTICAPARA PROFESSORES

REVISTA

RHMP

Page 2: revista hist prof mat n1

Revista de História da Matemática para ProfessoresAno 1 – nº 1, Março 2014

ISSN 2317-9546

EXPEDIENTESociedade Brasileira de História da Matemática (SBHMat)Presidente: Sergio NobreVice-presidente: Clovis Pereira da SilvaSecretário geral: Iran Abreu MendesTesoureiro: Bernadete Morey

Editoras ResponsáveisBernadete MoreyLigia Arantes Sad

Comitê editorialIran de Abreu MendesSergio Roberto Nobre

Comitê Científico- Iran de Abreu Mendes- Sergio Roberto Nobre- Ubiratan D’Ambrosio (UNIBAN / USP) - Carlos Henrique Gonçalves Dr. (USP-ABC)- Antônio Henrique Pinto Dr. (IFES) - Giselle Costa de Sousa Drª. (UFRN) - Circe Mary Silva da Silva Dynnikov (UFES) - Rosa Sverzut Baroni, Drª (UNESP)- John Andrew Fossa, Dr (UFRN)- Lucieli Maria Trivizoli da Silva Drª (UEM)- Wagner Valente, Dr (USP) - Romélia Mara Alves Souto, Drª (UFSJ)- Tércio Gireli Kill Dr (UFES)- Moysés Gonçalves Siqueira Filho, Dr (UFES) - Antonio Carlos Brolezzi Dr (USP) - Antonio Vicente Marafiotti Garnica (UNESP)

ASSESSORIA

Projeto gráfico e DiagramaçãoFabrício Ribeiro

CapaEdilson Roberto Pacheco

Page 3: revista hist prof mat n1

3 Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014

SEÇÕES

Editorial ................................................................................................................ 5Bernadete Morey e Ligia Arantes Sad

Diálogo com um educador ................................................................................ 7Professor Dr. Eduardo Sebastiani Ferreira – entrevistado por Fernando Guedes Cury

Histórias da Matemática

Artigo 1: A geometria de alguns monumentos megalíticos ............................. 13John A. Fossa

Artigo 2: De contagens empíricas e jogos ao poder da Ciência Estatístca ..... 21Martha Werneck Poubel e Ligia Arantes Sad

Artigo 3: Alguns aspectos históricos dos números decimais ............................ 29Rosineide de Sousa Jucá e Pedro Franco Sá

Sugestão para sala de aula

Artigo 1: As potencialidade pedagógicas da História da Matemática – Uma abordagem com alunos da 8a. série .................................................................... 39Tiago Bissi

Artigo 2: Onde está a proporção? ...................................................................... 47Circe Mary Silva da Silva

Brincadeiras e diversões

A beleza da estrela da felicidade ...................................................................... 61Beatriz Cezar Muller

Page 4: revista hist prof mat n1

Merece ser lido, visto, divulgado

Resenha do filme Alexandria ............................................................................ 67Severino Carlos Gomes

Chamada para submissão de artigos ............................................................. 69Ligia Arantes Sad e Bernadete Morey

Page 5: revista hist prof mat n1

5 Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014

EDITORIAL

Caro Leitor,

A Sociedade Brasileira de História da Matemática – SBHMat, na busca de consolidar sua mais nova publicação, a Revista de

História da Matemática para Professores (RHMP), publica agora o primeiro número, Março 2014. Se estão lembrados, o número Zero que saiu em março de 2013 e foi lançado por ocasião do X Seminário Nacional de História da Matemática, constituiu-se num chamado geral para publicação. Muitos foram os que responderam ao nosso apelo con-tribuindo para o início e continuidade da Revista.

Este número da RHMP traz na sessão Diálogo com um educa-dor, uma entrevista com o Prof. Eduardo Sebastiani Ferreira, professor de matemática aposentado da UNICAMP, que trabalha também com História da Matemática e com a Etnomatemática.

Os artigos publicados neste número da RHMP cobrem um leque variado de temas matemáticos: geometria com monumentos megalíti-cos de Stonehenge, tópicos em história da Estatística e aspectos históri-cos dos números decimais na sessão Histórias da Matemática. Na sessão Sugestões para sala de aula são apresentadas maneiras de explorar a his-tória da matemática nas aulas de matemática. A sessão Merece ser lido, visto, divulgado traz uma resenha do filme Alexandria, que versa sobre Hipátia, a única matemática que se conhece da Antiguidade; enquanto que polígonos e poliedros são objetos abordados em Brincadeiras e Diversões.

Renovamos aqui nossa expectativa de que professores com experiências de sala de aula, relacionadas à História da Matemática,

Page 6: revista hist prof mat n1

6 RHMP, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014

possam valorizar esta revista e torná-la significativa aos colegas leitores, aceitando o convite para submeter propostas que sejam pertinentes às seções das futuras publicações. Na última página deste exemplar, há um detalhamento maior sobre a normas para publicação.

Cordialmente,

Bernadete Morey e Ligia Arantes Sad

Page 7: revista hist prof mat n1

7 Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014

DIÁLOGO COM UM EDUCADOR

Entrevista com o Prof. Dr. Eduardo Sebastiani FerreiraConcedida à Revista de História da Matemática para Professores em novembro de 2013.

Fonte: foto cedida pelo Prof. Eduardo Sebastiani Ferreira.

O Professor Dr. Eduardo Sebastiani Ferreira obteve formação na área de Matemática, e possui experiência na área de Educação com pesquisas e trabalhos também no campo da Etnomatemática. Ele vem nos contar em sua entrevista um pouco do seu modo de ver a História da Matemática como veiculadora do desenvolvimento humano relacio-nado ao pensar matemático.

Page 8: revista hist prof mat n1

8 RHMP, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014

RHMP – Professor Sebastiani, o senhor tem se dedicado ao estudo da Etnomatemática como uma proposta metodológica, criando até mesmo uma proposta de ação pedagógica impulsionada pela pes-quisa, seguida da utilização da modelagem para alcançar os objeti-vos educacionais no grupo pesquisado. Como essas ideias podem ser postas em prática pelos professores da Educação Básica?

ESF – Como em qualquer nível de ensino, minha proposta é sempre iniciar com a preparação dos alunos para uma pesquisa de campo. Para isso, o professor necessita anteriormente estar capacitado, isto é, saber como se prepara alguém para uma pesquisa de campo: saber as perguntas que pode fazer, conhecer minimamente o pesquisado e seu entorno, como usar, ou não, a multimídia (projetor), como analisar as pesquisas, saber do valor sócio cultural dela e principalmente como encontrar uma maneira de retornar de algum modo essa pesquisa ao meio do(s) pesquisado(s), isso para que a cultura dele(s) tenha algum ganho, cresça.

RHMP – Dentro dessa perspectiva, como deve ser encarada a História da Matemática?

ESF – A História da Matemática nos indica de alguma maneira como essa ciência, a Matemática, nasceu e acrescentou coisas a nossa cul-tura. Sua importância também é revelar que a Matemática é uma ciência dinâmica, feita por homens com erros e acertos e, mais ainda, não é universal. No retorno da pesquisa de campo, quando algum con-ceito matemático se faz necessário de ser introduzido para responder alguma questão que surgiu, o professor deve valer-se da história para introduzir esse conceito aos alunos.

RHMP – Como o senhor tem visto as contribuições dos estudos etnomatemáticos para a Educação Matemática ao longo dos anos? Eles têm atingido seus objetivos?

Page 9: revista hist prof mat n1

9 Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014

ESF – Como toda a metodologia que se introduz na educação, sempre aparecem trabalhos muito bons e outros nem tanto. E, neste segundo caso, por não ter entendido os pressupostos da nova metodologia. Isso ocorreu com a Etnomatemática, ainda mais que ela não é simplesmente uma metodologia, mas uma filosofia de ensino e mesmo de vida.

RHMP – O senhor tem conhecimento de como, em outros países, vêm sendo desenvolvidas as atividades de ensino na perspectiva da Etnomatemática?

ESF –  Alguns países aceitaram muito bem e mesmo já tem gente tra-balhando com esse novo olhar para a Matemática. Outro, mais tradi-cional, ainda tem certo receito de usá-la, esperando resultados mais convincentes, preferindo se ater ao que já usam – o “back-to-basic”, ou seja, “de volta ao básico”.

RHMP – Segundo sua opinião, como outras linhas da Educação Matemática, como por exemplo, as tecnologias de informação e comunicação (TIC’s) ou a Resolução de Problemas, podem ser apro-veitadas para se conhecer ou utilizar a Etnomatemática ou a História da Matemática no ensino escolar básico?

ESF – Já estamos utilizando toda a tecnologia que aparece para dar a Etnomatemática a roupagem que necessita para uma melhor aprendi-zagem. As TIC são ferramentas poderosas na educação de hoje, sem que nos esqueçamos que são FERRAMENTAS. O que lutamos hoje, muito, é para que os MENTEFATOS1 sejam mais valorizados, em detrimento dos ARTEFATOS. Queremos formar alunos, não somente para ganhar na vida, mas viver a vida.

1 Por mentefatos pode-se entender instrumentos de análise como conceitos e teorias, en-quanto que os artefatos são aparelhos de observação.

Page 10: revista hist prof mat n1
Page 11: revista hist prof mat n1

HISTÓRIAS DA MATEMÁTICA

Page 12: revista hist prof mat n1
Page 13: revista hist prof mat n1

13 Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014

••• Artigo 1 •••

A Geometria de alguns Monumentos Megalíticos

John A. Fossa (UFRN)

Alguns objetos de arte são tão sublimes que, ao atendermos à uni-cidade da sua perfeição, esquecemos que são exemplares de cer-

tos tipos. Transpostos pelo deleite da beleza do objeto, prescindimos de fazer questões interessantes sobre sua situação histórica e suas relações com os outros objetos do seu tipo; às vezes, até caímos num misticismo impensado que realça os nossos devaneios e dificulta uma apreciação esteticamente mais apurada do objeto como um artefato cultural. Um exemplo desse fenômeno é a crença popular sobre Stonehenge (ver a Figura 1), um monumento megalítico localizado no sul da Inglaterra.

Figura 1. Vista aérea de Stonehenge.Fonte: National Geographic Society (1996-2013).

Page 14: revista hist prof mat n1

14 RHMP, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014

Stonehenge, no entanto, não é um objeto único. Há muitos outros monumentos megalíticos – como as pirâmides do Egito e da América Central, bem como as construções da região andina – que desempenhavam papéis culturais semelhantes ao de Stonehenge. As semelhanças, contudo, podem passar despercebidas se atinarmos apenas para sua forma e não sua função social. Mesmo pondo as pirâmides de lado, porém, ainda há centenas de monumentos espalhados na Europa e no Oriente Médio que têm a mesma forma básica da de Stonehenge: uma série de enormes pranchas de pedra dispostas de tal maneira a for-mar uma grande circunferência. De fato, muitos desses monumentos, como o próprio Stonehenge, são complexos de várias construções (que aumenta ainda mais as semelhanças entre eles), mas, para nossos propó-sitos, só a construção principal será de interesse.

Figura 2. Alexander Thom.Fonte: Society of Oxford University Engineers (2005).

Page 15: revista hist prof mat n1

15 Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014

Figura 3. Vista aérea de Long Meg.Fonte: Fonte: Foto por Simon Ledingham. Wikipedia (2005).

O primeiro cientista a investigar sistematicamente essas cons-truções henge foi Alexander Thom (1894-1985), um engenheiro esco-cês, chefe do Departamento de Engenharia da Universidade de Oxford depois da Segunda Guerra Mundial (ver a Figura 2). Thom observou que há pequenas diferenças nas construções. Algumas, como Stonehenge são circulares, mas outras têm a forma de uma elipse, uma oval ou uma circunferência achatada. A Figura 3 é uma vista aérea de uma constru-ção megalítica conhecida pelo nome chamativo de “Long Meg and her Daughters”; o monumento é localizado na parte norte da Inglaterra, perto da fronteira com a Escócia. A referida figura mostra claramente o achatamento da circunferência (na parte esquerda superior da figura).

Mesmo entre os citados tipos, há ainda certas pequenas varia-ções1. Aqui, consideraremos apenas o tipo ilustrado na Figura 4. Na referida figura, representa-se a planta de um monumento construída

1 Para mais detalhes, o leitor pode consultar Fossa (2010).

Page 16: revista hist prof mat n1

16 RHMP, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014

de quatro arcos circulares. O arco é uma semicircunferência com raio ; os arcos congruentes e têm raios e , respectivamente; e, finalmente, o arco tem raio (= ). O único aspecto problemático da construção é a determinação dos pontos B e D. Segundo uma teoria, esses pontos eram escolhidos de tal forma a fazer (e, portanto, ) um triângulo pitagórico simples, como o de lados 3, 4 e 5. Embora os construtores dos monu-mentos certamente conhecessem esse triângulo, a sugestão não parece muito acertada.2 Apresentaremos, a seguir, uma construção simples que resolve o problema.

Figura 4: Uma circunferência achatada.Fonte: Fossa (2010).

Para tanto, observamos primeiro que os construtores dos monu-mentos provavelmente usaram pedaços de corda com estacas afixadas nas suas extremidades para demarcar suas plantas sobre a terra.3 Assim, um segmento de reta seria determinado por esticar a corda entre duas

2 De novo, para mais detalhes sobre a referida teoria, bem como a construção a seguir no presente texto, ver Fossa (2010).

3 Para mais sobre esses instrumentos, ver Fossa (2013).

Page 17: revista hist prof mat n1

17 Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014

estacas. Para fazer arcos circulares, a estaca numa extremidade da corda seria fincada no chão (o que fixa o centro da circunferência), enquanto a outra seria girada ao redor da primeira. Assim, os construtores teriam escolhido uma distância conveniente, fixado uma estaca no ponto O e esticado a corda até o ponto H, onde, para marcar o ponto, teriam fin-cado uma estaca livre (não afixada a uma corda). A seguir, teriam girado o raio ao redor do ponto O, sempre mantendo a corda esticada e ris-cando o chão com a estaca afixada à extremidade móvel da corda. Desta forma, teriam produzido uma circunferência com centro O e raio . O diâmetro poderia ser determinado por achar o ponto G que está visual-mente alinhado com os pontos O e H. No entanto, parece mais provável que teriam esticado uma corda que tocava os pontos O e H e marcado o ponto G (com uma estaca livre) em que ela corta a circunferência.4

O próximo passo seria determinar o diâmetro (ver a Figura 5), perpendicular a . Isto poderia ser feito por esticar duas cordas das extremidades de de tal forma a formar um triângulo isóscele. É histo-ricamente atestado, contudo, que certos povos antigos faziam nós em cordas de tal forma a fazer um triângulo 3, 4, 5 e, assim, produzir um ângulo reto. Não seria necessário usar nós; bastaria dividir um pedaço de corda nos pontos S e T de tal forma que , e medissem, respectiva-mente, 3, 4 e 5 unidades. Ao esticar as três partes da corda, fazendo a extremidade U coincidir com a extremidade R, forma-se um triângulo retângulo com o ângulo reto em S. Assim, seria posto sobre de tal forma a fazer S coincidir com O. Desta maneira, o prolongamento de seria o diâmetro procurado e estacas livres seriam fincadas para marcar os pontos A e I.

4 Observe que esse procedimento é consoante com o postulado de Euclides que permite que qualquer segmento seja prolongado sobre sua reta suporte.

Page 18: revista hist prof mat n1

18 RHMP, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014

Figura 5: Determinação dos pontos B e D.Fonte: Fossa (2010), modificado.

Agora é fácil inscrever o meio-quadrado na semicircunferência por esticar um cordão do ponto G ao ponto I e do ponto I ao ponto H. Em seguida, os construtores dos monumentos teriam achado o ponto médio do segmento GI. Para tanto, bastaria dobrar o cordão sobre si mesmo, fazendo a extremidade I coincidir com a extremidade G. O ponto médio seria marcado por fincar uma estaca livre no ponto L assim determinado. O mesmo seria feito para determinar o ponto médio J de .

Os pontos B e D finalmente seriam determinados por esticar um cordão passando pelos pontos A e L e outro passando pelos pontos A e J. Os pontos B e D são os pontos nos quais esses dois cordões cortam o diâmetro.

Com a determinação dos referidos pontos, os construtores poderiam completar o desenho da sua circunferência achatada. Os dois arcos congruentes seriam desenhados fazendo o raio girar ao redor de B até encontrar (prolongado) em C e fazendo o raio girar ao redor de D até encontrar (prolongado) em E. O arco final seria desenhado fazendo o raio girar ao redor do ponto A até encontrar .

Page 19: revista hist prof mat n1

19 Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014

Ao concluir, fazemos apenas mais duas observações. Em pri-meiro lugar, devemos lembrar que, apesar do fato de que os procedi-mentos aqui reconstruídos têm paralelos com construções geométricas propriamente ditas, são essencialmente procedimentos empíricos – de fato, só seriam teorizados pela geometria muito mais tarde na história. Em segundo lugar, o uso do meio-quadrado na construção é interes-sante, porque essa figura tem uma longa tradição de associações religio-sas e místicas que seriam apropriadas na construção de um monumento que, ele próprio, tem finalidades religiosas e místicas.

Referências

FOSSA, John A. A Note on Euclid’s First Three Postulates. Revista Brasileira de História da Matemática. V. 13, n. 26, p. 85-96, 2013.

______. Os Primórdios da Teoria dos Números. Natal: EDUFRN, 2010.

National Geographic Society. “Photos of Stonehenge”. 1996-2013. Disponível em <science.nationalgeographic.com/science/archaeology/photos/stonehenge>. Acesso em 15 de 10 de 2013.

Society of Oxford University Engineers. “A Brief History of the Department”. 2005. Disponível em <www.soue.org/uk>. Acesso em 15 de 10 de 2013.

Wikipedia. Long Meg and her Daughters. 2013. Disponível em <en.wikipedia.org/wiki/File:LongMegAnd Her Daughters>. Acesso em 15 de 10 de 2013.

Page 20: revista hist prof mat n1
Page 21: revista hist prof mat n1

21 Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014

••• Artigo 2 •••

De contagens empíricas e jogos ao poder da Ciência Estatística

Martha Werneck Poubel Ligia Arantes Sad

(UFES)

Não é tarefa histórica fácil saber quando e como foi gerado qualquer ramo do conhecimento. A ideia não é buscar uma marca cronoló-

gica, mas compreender criticamente as matrizes de constituição do objeto da pesquisa no tempo (MEMÓRIA, 2004). No caso da constituição his-tórica da ciência estatística algumas matrizes iniciais são importantes de serem destacadas. Era, a princípio, praticada de modo empírico por meio de contagens quantitativas, mas lentamente, envolveu profissionais, até vir a tornar-se o método para a análise e estudo dos fenômenos sociais, sistema-tizados numericamente.

A etimologia da palavra Estatística vem do latim status (estado), designando coleta e apresentação de informações de interesse do Estado. Ou, segundo o estatístico britânico George Udny Yule (1871-1951), um conjunto de métodos apropriados ao tratamento de dados (MEMÓRIA, 2004). Atualmente, uma ferramenta poderosa para qualquer profissional que necessita analisar informações em sua tomada de decisões diárias, no seu trabalho ou na sua vida pessoal. Enquanto ciência, a estatística foi particionada em três áreas entrelaçadas: a estatística descritiva, com a descrição e resumo dos dados; a teoria das probabilidades; e a estatís-tica inferencial, com a análise e interpretação de dados amostrais.

Page 22: revista hist prof mat n1

22 RHMP, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014

Apesar da Estatística, enquanto ciência, ser uma consideração recente, a utilização de estatísticas remonta há muitos anos antes de Cristo. Naquele período, as informações de interesse dos governos esta-vam relacionadas à população e riquezas. Assim, aos poucos, o interesse recaiu sobre a análise descritiva de dados estatísticos, através da organi-zação e apresentação dos dados em tabelas, obtidas de uma forma mais ampla através dos recenseamentos.

Desde a Antiguidade foram muitos os registros realizados e uti-lizados, gerando variadas informações estatísticas. Com o aumento da complexidade das relações humanas e comerciais envolvendo territórios e riquezas, os registros tornaram-se cada vez mais importantes e deseja-dos para a administração dos acontecimentos. Os números – estatísticas – ajudam a tornar pensável e conhecido o mundo distante, ajudando a governá-lo. Governar é deter o poder, dispor da capacidade de contro-lar os outros, com a renovação permanente dos saberes (SENRA, 2005). Escolhemos dois exemplos históricos (figuras 1 e 2) que bem ilustram essas considerações.1

Na China em 2.238 a.C., Yao (2356 – 2255 a. C.), imperador da unificação do Império chinês, ordenou o primeiro recenseamento pois desejava conhecer seus governados, suas opiniões e seus problemas sociais. Interessava conhecer o número de habitantes para repartir o território, cobrar impostos e realizar o recrutamento militar.1

Figura 1- Imperador YaoFonte:< http://www.epochtimes.com.br/author/admin/page/133/>

1 Disponível em < http://www.netsaber.com.br/biografias/ver_biografia_c_1629.html>. Acesso out 2011.

Page 23: revista hist prof mat n1

23 Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014

Domesday Book foi o maior registro estatístico (413 páginas, manuscritas em latim) feito na Idade Média na Inglaterra, finalizado em 1086. Foi realizado por ordem de Guilherme I, o conquistador (em francês: Guillaume le conquérant; em inglês: William the conqueror), similar a censos posteriores, eram registradas informações sobre o país conquistado com o objetivo de taxação e recolhimento de impostos.2

Figura 2- Domesday BookFonte: http://www.historyofinformation.com/index.php?id=262

Nos2séculos XVII e XVIII muitos problemas relacionados à probabilidade e jogos de azar foram formulados como desafio, e as respostas foram dadas sem demonstrações. A estatística não era ainda reconhecida como uma disciplina matemática, segundo Hald (2003, p. 3), “Estatística antes de 1750 não era matemática”; uma teoria matemá-tica de erros e estimação surgiu após essa data. A primeira análise mate-mática de chances em jogos de azar foi obtida por matemáticos italianos ainda no século XVI. Os principais resultados foram os de Cardano, em 1566. A teoria de probabilidade só foi tratada novamente 100 anos depois por Pascal e Fermat, que a fundamentaram em 1654. Esse traba-lho foi continuado por Huygens (1657), que publicou o primeiro traba-lho sobre a teoria de probabilidade com aplicações para os jogos de azar. Por volta de 1750 a teoria da probabilidade foi reconhecida como uma disciplina matemática, com uma firme fundamentação, com problemas e métodos próprios (HALD, 2003).

A primeira tentativa de tirar conclusões a partir de dados coletados na prática foi feita por John Graunt (1620-1675), cientista e

2 Disponível em < http://www.historylearningsite.co.uk/domesday.htm >. Acesso jan 2012.

Page 24: revista hist prof mat n1

24 RHMP, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014

demógrafo britânico. Graunt é considerado o primeiro estatístico a uti-lizar o tratamento estatístico de dados demográficos e a tentar aplicar a teoria a problemas reais, como as Tábuas de Mortalidade, publicadas em 1662 e utilizadas durante a peste na cidade de Londres, em 1665.3

O matemático suíço Jacob Bernoulli (1654-1705) apresentou um tratamento formal para o cálculo de probabilidades com o seu teo-rema, conhecido hoje como a Lei Fraca dos Grandes Números, em que justifica a noção intuitiva de probabilidade pela frequência relativa. Em notação de probabilidade, P(|X/N – p| < ) 1, quando N . Logo,

X/N = p. Traduzido em palavras, a frequência relativa de ocorrên-cias de determinado resultado, quando repetimos um experimento um grande número de vezes, tende a se estabilizar em um valor constante, chamado probabilidade. Por exemplo, a probabilidade matemática de obter cara em lances de moeda com faces de cara e coroa, na prática é aproximada a 50% e, torna-se mais e mais exata em 50% à medida que se lançar a moeda uma infinidade de vezes.

Em seguida coube ao matemático francês Abraham De Moivre (1667-1754) chegar à curva normal como limite da Distribuição Binomial, apresentada pela primeira vez no apêndice da segunda edição de sua obra intitulada The Doctrine of Chances. Na figura 3 é apresentada exemplo de uma curva desse tipo – em forma de “sino”, simétrica, com a média em seu valor máximo e sem nunca tocar o eixo das abscissas.

3 Disponível em <http://www.alea.pt/html/nomesEdatas/swf/biografias.asp?art=10>. Acesso jan 2012.

Page 25: revista hist prof mat n1

25 Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014

Figura 3 - Curva normalFonte: http://www.ufpa.br/dicas/biome/bionor.htm

No início do século XVIII Thomas Bayes (1702-1761), mate-mático e pastor presbiteriano inglês, utilizou a probabilidade de forma intuitiva e estabeleceu as bases para a inferência estatística, tornando-se conhecido por ter formulado o Teorema de Bayes4, também denomi-nado Teorema da probabilidade das causas, utilizado em diversas áreas de conhecimento.

Importantes contribuições à estatística, teoria dos números, álgebra e análise matemática foram dadas também por Adrien-Marie Legendre (1752-1833). Em 1805 ele propôs uma técnica que se tornou conhecida como o método dos mínimos quadrados, com ampla apli-cação a regressão linear, processamento de sinais, estatística e ajuste de curvas.

O progresso da estatística foi impulsionado pelos matemáti-cos, que desenvolveram instrumentos cada vez mais sofisticados para os empreendimentos estatísticos, ampliando o campo de aplicação da estatística a diversas áreas do conhecimento. O desenvolvimento feito por esses matemáticos foi a base para os estudos de Quételet, Galton e Gauss no campo da teoria dos erros (PORTER, 1986). Os métodos

4 Disponível em <http://www.dmat.uevora.pt/index.php/pt/sobre_a_matematica/matema-ticos_famosos/thomas_bayes>. Acesso jan 2012.

Page 26: revista hist prof mat n1

26 RHMP, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014

estatísticos continuaram a ser desenvolvidos por importantes pesquisa-dores que se seguiram como: Poisson, Pearson, Spearman, Chebyshev, Markov, Fisher, Neyman, Kolmogorov, dentre outros.

Na educação brasileira a presença dos estudos estatísticos é indi-cado desde o Ensino Básico, conforme encontramos nos PCN (BRASIL, 1998), que evidenciam um trabalho em que o aluno possa comparti-lhar de situações nas quais seja necessário coletar, organizar, representar dados em gráficos e tabelas, levantar hipóteses, interpretar resultados utilizando porcentagens, médias, medianas, etc. Esse trabalho se insere aos poucos desde o Ensino Fundamental. Os PCN nesse nível orientam a parte matemática em quatro blocos: Números e Operações, Espaço e Forma, Grandezas e Medidas, e Tratamento da Informação (inclui con-tagem, probabilidade e estatística). Para esse último bloco, a estratégia pedagógica do professor pode ser de colocar o estudante em contato com ocorrências informativas da realidade, mescladas por quantidades numéricas, tabelas e gráficos simples de revistas e jornais, de modo a ser orientado a estabelecer leituras e até interpretações críticas. O estudo de tópicos estatísticos possibilita uma aproximação de análise de dados reais, e, integrar conhecimentos da matemática com os de outras áreas.

A demanda pela informação e formação em Estatística tem-se manifestado nas transformações sociais, políticas e econômicas ocor-ridas atualmente. As organizações modernas (políticas, econômicas, sociais) estão utilizando largamente informações estatísticas para a avaliação de seus processos de trabalho, pois essas são concisas, espe-cíficas e eficazes quando analisadas mediante a utilização de técnicas adequadas.

Page 27: revista hist prof mat n1

27 Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014

Referências

BLOCH, M. Apologia da História, ou, o Ofício do Historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.

BRASIL, MEC – Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais – Matemática (5ª a 8ª séries e ensino Médio). Brasília: MEC/SEF, 1998.

HALD, A. A History of Probability and Statistics and their Applications before 1750. New Jersey: John Wiley & Sons, Inc., Publication, 2003.

MEMÓRIA, J. M. P. Breve História da Estatística. Disponível em <http://www.im.ufrj.br/~lpbraga/prob1/historia_estatistica.pdf>, 2004. Acesso jun 2009.

PORTER, T. M. The Rise of Statistical Thinking, 1820-1900. United Kingdom: Princeton University Press, Chichester, West Sussex, 1986.

SENRA, N. O Saber e o Poder das Estatísticas: uma história das relações dos estaticistas com os estados nacionais e com as ciências. Rio de Janeiro: IBGE, Centro de Documentação e Disseminação de Informações, 2005.

Page 28: revista hist prof mat n1
Page 29: revista hist prof mat n1

29 Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014

••• Artigo 3 •••

Alguns aspectos históricos dos números decimais

Rosineide de Sousa Jucá1

Pedro Franco de Sá2

(UEPA)

A transição da Renascença para o mundo moderno também se fez por meio de um grande número de matemáticos, dentre eles,

há alguns que contribuíram para o surgimento das frações decimais e, consequentemente, dos números decimais. As frações decimais, por mais simples que nos possa parecer sua invenção, não foram resultado de uma mente ou de uma época. Sua implantação foi feita por etapas quase imperceptíveis. Neste trabalho nos propomos a apresentar alguns aspectos históricos da criação dos números decimais.

A criação dos números decimais surge a partir da utilização das frações decimais. Com as dificuldades dos cálculos trabalhosos com essas frações, os matemáticos da época sentiram a necessidade de criar uma forma de fazer essas operações de modo mais simples.

Apesar de François Viète (1540-1603) ser o primeiro a recomen-dar o uso das frações decimais, elas já eram aceitas pelos matemáticos da época. Entre o povo em geral, no entanto, e mesmo entre os prati-cantes de matemática, as frações decimais só se tornaram conhecidas,

1 Mestre em Educação. Professora assistente da Universidade do Estado do Pará. [email protected]

2 Doutor em Educação. Professor adjunto da Universidade do Estado do Pará. [email protected]

Page 30: revista hist prof mat n1

30 RHMP, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014

quando outro matemático Simon Stevin (1548-1620), em 1585, fez uma recomendação ainda mais forte em favor da escala decimal para frações e inteiros (BOYER, 1996).

Simon Stevin deu o primeiro tratamento sistemático às frações decimais, ele se dispôs a explicar o sistema de modo elementar e com-pleto. Ele queria ensinar como efetuar, com mais facilidade, as compu-tações por meio de inteiros sem frações. No seu livro, La Disme (1585), descreveu em termos expressivos as vantagens, não só das frações deci-mais, mas também da divisão decimal dos sistemas de peso e medidas (CAJORI, 2007).

O livro de Stevin teve grande influência na prática comercial, na engenharia e na notação matemática. Nesse livro, eram explicadas as frações decimais, a notação para as representações decimais, regras para as operações aritméticas e suas justificativas. Essa obra consta de duas partes: uma sobre as quatro definições e a outra sobre as quatro operações fundamentais.

A definição I enuncia que, o La Disme é uma espécie de arit-mética que permite efetuar todas as contas e medidas utilizando unica-mente inteiros, e as outras definições classificam as posições decimais da progressão. As outras três definições se referem como se devem escrever os números usando as simbologias propostas por Stevin, que represen-tou os números decimais da seguinte forma, a unidade é seguida do símbolo (0), o décimo é seguido do (1), o centésimo do (2), e assim por diante. Após as três primeiras definições seguem explicações que pro-porcionam exemplos práticos dessa numeração.

Para Cajori (2007), Stevin falhou por não ter uma notação ade-quada. No lugar da vírgula decimal, empregava um zero, e a cada posi-ção na fração estava associado o índice correspondente. Stevin escrevia 5,912 do seguinte modo:

(0) (1) (2) (3)

5 9 1 2 ou 5 (0) 9 (1) 1 (2) 2 (3)

Page 31: revista hist prof mat n1

31 Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014

O valor de aparecia como: (0) (1) (2) ( 3) ( 4)

p = 3 (0) 1 (1) 4 (2) 1 (3) 6 (4) ou 3 1 4 1 6

Stevin (1997), em vez das palavras décimos, centésimos, etc., usava primo, segundo, etc. O número 8,937 era escrito como 8 (0) 9 (1) 3 (2) 7 (3) e sua leitura era 8 comunzos, 9 primeira 3 segunda 7 terceira, e, analogamente, este número escrito na forma das frações decimais 9 3 78

10 100 1000.

Na segunda parte do La Disme, Stevin (1997) expõe como podem ser aplicadas de maneira natural as quatro operações funda-mentais a esse novo conjunto de números, e demonstra rigorosamente as distintas regras aritméticas. Por último, em um apêndice, se propôs a demonstrar em seus artigos que os cálculos e as medidas podem simpli-ficar-se consideravelmente introduzindo os números decimais.

Apresentamos a seguir os cálculos tal quais aparecem no La Disme, de Stevin (1997). Para adicionar 27,847 + 37,675 + 875, 782 na forma de frações decimais.

2 7(0) 8(1) 4(2) 7(3) = 27 + 100

4 + 1000

7 = 27 1000847

37(0) 6(1) 7(2) 5(3) = 37 +100

7 + 1000

5 = 37

1000675

87 5(0) 7(1)8(2)2(3) = 875 + 100

8+

10002

= 875 1000782

Page 32: revista hist prof mat n1

32 RHMP, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014

Usando o algoritmo de Stevin para a adição:

Na notação de Stevin, é escrito como 941 (0) 3 (1) 0 (2) 4 (3)

Para subtrair 237,578 - 59, 739, usando as frações decimais na notação da época:

Usando o algoritmo de Stevin para a subtração:

na notação de Stevin, é escrito como 177 (0) 8 (1) 3 (2) 9 (3)

Page 33: revista hist prof mat n1

33 Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014

A multiplicação 32,57 x 89, 46 em notação da época:

Utilizando o algoritmo de Stevin:

Esse produto em notação moderna é 2913,7122. O menor valor de ordem, ( )4, é derivado da multiplicação de ( )2 por ( )2, relativo aos fatores.

Em relação ao quociente 3,44352 ÷ 0,96 de números decimais, a operação na época:

No texto de Stevin, os dois números foram divididos como naturais e, posteriormente, foram estabelecidas as suas casas decimais.

Page 34: revista hist prof mat n1

34 RHMP, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014

Para Cajori (2007), o desenvolvimento de uma notação para os números decimais foi vagaroso. Depois de Stevin, os números decimais foram usados pelo suíço Joost Bürgi (1552-1632), e pelo alemão Johann Hartmann Beyer (1603), que assume como sua a invenção dos números decimais, e, em 1603, publicou em Frankfurt uma Logística Decimalis. Entretanto, Vieté, em 1579, usou a barra vertical para diferenciar a parte inteira da decimal e em 1592, o italiano Magini colocou a vírgula e Bürgi, em 1603, simplificou a notação ao eliminar a menção inútil da ordem das frações decimais consecutivas, colocando abaixo do último alga-rismo da parte inteira o signo º; por exemplo, 568,326 = 568º 326. No mesmo ano, Magini substituiu a bolinha por um ponto colocado entre os algarismos das unidades e dos décimos 568.326. Posteriormente, Wilbord Snellius substituiu o ponto pela vírgula, no início do século XVII. (IFRAH, 1992),

Para Cajori (2007), os historiadores da matemática não estão de acordo sobre quem foi o primeiro a utilizar a notação de ponto ou vírgula nos números decimais, dentre os diversos candidatos, temos Jonh Napier, haja vista que exibe tal emprego em sua obra intitulada Rabdologia, de 1617. Boyer (1996) mostra a notação sugerida por John Napier, o maior impulso ao uso de frações decimais resultou da inven-ção dos logaritmos. Embora os primeiros logaritmos publicados por Napier em 1614 não contivessem frações decimais, elas apareceram na versão inglesa de Napier – Description, de 1616, e aparecem como hoje, com um ponto como separatriz decimal. Em 1617, em sua Rabdologia, em latim, na qual descreveu a computação com o uso de barras, Napier se referiu à aritmética decimal de Stevin, e propôs o uso de um ponto ou de uma vírgula como separatriz decimal, a notação 1993,273 (com a sugestão de um ponto ou vírgula), embora também usasse 821, 2’5” para o atual 821,25.

Ainda segundo Boyer (1996), na obra de Napier intitulada Constructio de 1619, o ponto decimal se tornou padrão na Inglaterra, mas muitos países europeus usam a vírgula decimal. Mesmo hoje,

Page 35: revista hist prof mat n1

35 Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014

apesar do amplo uso da notação decimal, não há uma forma universal-mente aceita para a separatriz decimal. Para 3.25 (notação americana), os ingleses escrevem 3 . 25, e os alemães e franceses usavam 3,25. Essa diferença de notação no sistema decimal causa problemas, devido à glo-balização dos meios de comunicação e das calculadoras. Em outros paí-ses, como a Inglaterra e os Estados Unidos, por exemplo, a vírgula e o ponto têm, nos números, funções opostas às que têm aqui. Nos Estados Unidos, o ponto indica que vai iniciar a parte fracionária e a vírgula, de uso eventual, separa grupos de três algarismos. Daí o fato de as nossas calculadoras usarem ponto ao invés de vírgulas.

No Brasil, o assunto é regulamentado. A resolução no12, de 12/10/1988, do Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (INMETRO), estipula que a parte inteira seja separada da parte decimal pela vírgula – para efeitos fiscais, jurídicos ou comerciais, essa mesma resolução rege os casos – e, que o ponto deve ser usado para separar os algarismos de três em três, a partir da vírgula, para esquerda ou para a direita. (Ponto ou vírgula, 1992).

Considerações finais

Procuramos mostrar como o uso das frações foi sendo substitu-ído pelo uso dos números decimais; haja visto o cálculo trabalhoso com as frações sexagesimais, procurou-se então substituir estas pelas frações decimais, e depois essas, pelos números decimais.

Dessa forma, observamos que os números decimais surgiram como uma forma de substituir os cálculos com frações, mas no contexto escolar eles aparecem após o tópico de frações de forma desconectada, como se não tivessem nenhuma relação com as mesmas.

Em seus cálculos, Stevin (1997) realiza as operações com os números decimais como se fossem naturais, e somente no final dá a eles um tratamento decimal, estabelecendo as casas decimais, o que se repete até os dias de hoje.

Page 36: revista hist prof mat n1

36 RHMP, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014

Este estudo histórico se mostra relevante para o professor de modo que o mesmo possa entender a evolução dos números decimais e o processo das operações com esses números, de tal modo que possa assim superar alguns obstáculos que dificultam a sua compreensão no contexto escolar. Como, por exemplo, a função do uso do ponto e da vírgula na calculadora.

Referências

BOYER, C. B. História da Matemática. Tradução Elza F. Gomide. 2. ed. São Paulo: Edgard Blücher, 1996, 496p.

CAJORI, Floriano. Uma história da Matemática. Rio de Janeiro: Ciência Moderna, 2007, 654p.

IFRAH, George. Os números: a história de uma grande invenção. São Paulo: Globo, 1992, 367p.

Ponto ou vírgula. Revista do professor de Matemática. São Paulo, n. 21, 1992, p. 25.

STEVIN, Simon. La Disme. Reedição. Paris: ACL-Editions, 1997, 8p.

Page 37: revista hist prof mat n1

SUGESTÃO PARA SALA DE AULA

Page 38: revista hist prof mat n1
Page 39: revista hist prof mat n1

39 Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014

••• Proposta 1 •••

As potencialidades pedagógicas da História da Matemática - Uma

abordagem com alunos da 8ª Série

Tiago Bissi (IESRS)

O presente texto relata uma experiência vivida em sala de aula. Utilizando a História da Matemática como um instrumento

auxiliar no ensino de Equações do Segundo Grau para alunos da 8ª série, foi proposta uma sequência didática que associava elementos e fatos históricos ao aprendizado da Matemática. As quatro intervenções em sala de aula ocorreram no município de Santa Maria de Jetibá – ES. A pesquisa foi realizada em uma escola pública no centro do município.

A importância de se utilizar a História da Matemática no pro-cesso de ensino e aprendizagem está pautada no fato de que não pode-mos estudar algo, sem sequer, termos um conhecimento, mesmo que sucinto, do seu escopo histórico. Corroborando com essa explanação Rosa Neto (2011, p. 7) afirma que

É muito comum escutarmos em sala de aula o aluno pergun-tar: “De onde veio isso?”. Conhecer a História da disciplina que está sendo estudada resolve essa impactante questão [...]. Mas, não estudar só as descobertas, curiosidades, datas e biografias.

Logo, conhecer os princípios históricos que regem uma dis-ciplina é de fundamental importância para o professor e para os seus

Page 40: revista hist prof mat n1

40 RHMP, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014

alunos. Para Mendes (2006) o uso da história na forma de recurso peda-gógico tem como principal finalidade promover um ensino e aprendiza-gem da Matemática de modo a ressignificar o conhecimento matemático que foi produzido pela sociedade ao longo do tempo. Através dessa prá-tica, é possível imprimir uma maior motivação na sala de aula durante a ação docente.

As intervenções realizadas, e aqui descritas, ocorreram no ano de 2012 na escola e cidade supracitadas. Para o professor de matemática desejoso em aprimorar as suas aulas com recursos didáticos diferencia-dos, abaixo estão descritas todas as etapas realizadas até o término das intervenções.

O primeiro passo consistiu em uma leitura e análise dos referen-ciais teóricos que abordam a temática da História da Matemática inserida na Educação Matemática. Em seguida, elaboramos os quatro planos de aula e todos os materiais necessários para a concretização de seus obje-tivos. A fim de obter respostas mais relevantes acerca das impressões dos alunos envolvendo as aulas, elaboramos Diários de Aprendizagem1. Nesses diários, os alunos são convidados a escrever, após cada aula, as suas concepções acerca de sua vivência no dia. A escrita é livre, mas sugerimos que eles esclarecessem dúvidas como as do tipo: A forma que a matemática lhe foi apresentada foi interessante? Quais as suas desco-bertas? “Os diários de aprendizagem, ou simplesmente os diários, fun-cionam como uma importante ferramenta para reflexão” (POWELL e BAIRRAL, 2006, p.72). Em cada espaço reservado para a escrita, havia ainda uma frase que se relacionava com os objetivos propostos para a aula. Incentivamos sempre os alunos a lerem as frases, e a partir delas, também produzir algo.

O primeiro dia de intervenções foi dedicado às fontes mais primitivas da Matemática: O Papiro de Rhind e a Tableta de Argila

1 A expressão “Diário de Aprendizagem” é sugerida por Powell e Bairral (2006)

Page 41: revista hist prof mat n1

41 Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014

Plimpton 3222. Para que essas fontes fossem apresentadas de forma mais dinâmica, foram construídas réplicas, conforme figura a seguir.

RÉPLICAS da Tableta de Argila Plimpton 322 e de parte do Papiro Rhind

Fonte: foto do autor Fonte: foto do autor

A tableta foi moldada com argila e cunhada com diversos tipos de palitos; já para o papiro, escurecemos uma folha de papel com o auxí-lio de café e chá preto e reproduzimos a escrita hierática. Vale ressaltar que a tableta foi feita obedecendo as medidas originais, o Papiro, por sua vez, representava apenas um fragmento. Nessa aula busquei expor de forma clara e objetiva toda a importância matemática daqueles obje-tos. Falei também, de seu contexto histórico e de como ele influenciou a Matemática. O retorno foi bastante positivo por parte dos alunos. Eles mostraram bastante interesse e curiosidade, como mostra algumas fra-ses extraídas de seus Diários de Aprendizagem: “A aula foi muito boa, o que mais chamou a atenção foram as curiosidades, como o Papiro

2 De acordo com Eves (2011) essas duas fontes matemáticas são as mais primitivas e mais importantes para o conhecimento matemático. O Papiro de Rhind é uma fonte egípcia e possui aproximadamente 30 cm de largura por 512 cm de comprimento e se encontra no museu britânico. A tableta de argila Plimpton 322 representa uma fonte matemática babilônica, com dimensões 13cm X 9 cm, e faz parte de uma coleção particular

Page 42: revista hist prof mat n1

42 RHMP, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014

de Rhind e o Plimpton 322” (Aluno Arquimedes)3. Para encerrar essa aula, pedi aos alunos que resolvessem dois problemas, extraídos do Papiro de Rhind. É bastante interessante criar contextos para se ensinar Matemática, neste caso, o contexto que foi elucidado, era interno à pró-pria Matemática. Nesta aula, a Matemática foi associada ao desconhe-cido, uma vez que, para a maioria dos alunos, a Matemática, até então, limitava-se apenas a cálculos sem um aparente significado. Descobrir teorias e histórias matemáticas foi uma grande surpresa para alguns alunos.

No segundo dia de intervenção, levamos à sala de aula o vídeo “Esse tal de Bháskara”. O vídeo trazia de forma criativa a história das Equações do Segundo Grau. Através desse vídeo, buscamos sintetizar o universo histórico das equações através da utilização de um recurso diferenciado.

De acordo com a aluna Hipátia “A aula proporcionou uma visão maior sobre o que realmente é equação de 2º grau, e devido a isso, foi boa”. Neste aula, foi possível desmistificar que a fórmula resolutiva para equações do segundo grau, foi obra exclusiva de uma só pessoa, mas, que a sua consolidação ocorreu a partir da contribuição do estudo de vários povos. O aluno Heron escreveu: “Gostei do vídeo falando da famosa fórmula de Bháskara, das contribuições que cada povo teve para a Matemática [...]”Ao fim da aula, pedimos para os alunos que resolves-sem uma equação sugerida pelo vídeo. Alguns conseguiram resolver e outros não. Relativo a esse fato, o aluno Diofanto, que não gostava de fazer contas, escreveu a seguinte frase em seu diário “A aula foi boa, mas a ideia de fazer cálculos não é legal. Mas com tudo que foi mostrado a aula foi boa”.

Para a terceira intervenção, utilizamos a resolução de pro-blemas históricos como metodologia do dia. Esta forma de utilizar a

3 Por questões éticas de preservação da identidade, aos alunos atribuí pseudônimos, atri-buindo nomes de personagens da história da matemática.

Page 43: revista hist prof mat n1

43 Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014

História da Matemática é defendida por muitos autores, como Miguel e Miorim (2008), e os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN (2001). Acerca dos problemas históricos, Miguel e Miorim (2008, p.48) fazem a seguinte afirmação:

Podemos considerar a utilização de problemas históricos como mais um elemento motivador para o ensino de mate-mática. Realmente, a busca de esquemas motivadores para as aulas de matemática, via utilização da história, tem se deslocado mais recentemente de um plano no qual eles são entendidos de forma meramente externa ao conteúdo do ensino para outro em que essa motivação aparece vinculada e produzida no ato cognitivo da solução de um problema.

Já para os PCN, a História da Matemática é vista como uma forma de se fazer Matemática na sala de aula, sendo objeto constante de contextualização e de novas informações para os alunos.

Para a terceira intervenção, foram confeccionados três cartazes: Um com a frase de um escriba4, outro com um problema que se traduzia em uma Equação do Segundo Grau (Qual é o lado de um quadrado se a sua área menos o lado mede 56?), e um terceiro cartaz que apresentava a solução mesopotâmica para a resolução da equação exposta no segundo cartaz. Comentamos acerca da importância de um escriba, e pedimos que os alunos solucionassem o problema que estava no quadro. Após as orientações, entregamos uma atividade extraída da prova do Ifes (2009) que envolvia um problema histórico eminentemente lógico que está apresentado a seguir.

4 Escriba era a pessoa que na antiguidade dominava a escrita e a usava para fazer registros, inclusive, registros matemáticos.

Page 44: revista hist prof mat n1

44 RHMP, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014

1) O livro “Al-Jabr Wa’l Mugãbalah”escrito pelo matemático árabe Al-Khwarizmi, que morreu em 850, tem grande importância na História da Matemática. Um dos clássicos problemas apresenta-dos pede que se “divida o número 10 em duas partes, de modo que a soma dos produtos obtidos, multiplicando cada parte por si mesma seja igual a 58”. Sobre tais partes podemos afirmar que são:

a) 1 e 9. b) 2 e 8. c) 3 e 7. d) 4 e 6. e) 5 e 5.

Após a entrega da atividade, comentamos sobre a importân-cia do matemático Al-Khwarizmi para a consolidação das equações. No momento da resolução, constatamos que o segundo problema, que envolvia lógica, foi mais rapidamente resolvido. Já o que envolvia pro-cessos algébricos e interpretação, não. Neste dia o aluno Descartes, que tem mais facilidade em Matemática escreveu que achou as questões simples. O aluno Ramanujan escreveu que está achando interessante estudar com o auxílio da História da Matemática.

O último dia de intervenção funcionou como uma resposta ao aprendizado obtido nas aulas passadas. Para tal finalidade, preparamos um jogo de verdade ou mentira que envolvia toda a temática apresen-tada nos outros encontros.

Com os grupos já divididos, iniciamos a brincadeira. Elaboramos 30 questões sobre a História da Matemática. O envolvimento dos alu-nos na aula foi muito bom; participaram ativamente. Poucas foram as perguntas que eles erraram. Essa forma diferente de se apresentar a Matemática foi destacada positivamente nos diários de aprendizagem, como afirmou o aluno Cardano – “A aula de hoje foi interessante, pois foi relembrado a matemática, é importante essa maneira de ensinar, pois saíram um pouco da rotina e mostraram que a matemática pode se aprender brincando”. Conforme os relatos dos alunos, a História da Matemática presente nas aulas pode contribuir no aprendizado.

Page 45: revista hist prof mat n1

45 Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014

Segundo o aluno Giuseppe Peano “Todas essas quatro aulas foram muito interessantes para aprendermos a história que é muito interes-sante; os problemas, a brincadeira de hoje também foi muito importante para o aprendizado de todos. Aprendi muita coisa”.

Durante as quatro intervenções busquei mesclar todas as for-mas de se ensinar Matemática sugerida por pesquisadores no assunto: A História da Matemática atrelada ao lúdico e curiosidades (Primeira e Segunda Intervenções); A História da Matemática revelando a Matemática como uma ciência viva, portanto com história e contexto (Segunda Intervenção), e a História da Matemática na Resolução de Problemas (Terceira Intervenção).

A partir das intervenções, foi possível verificar que ainda muito pode ser investigado acerca dessa temática. Defendo a ideia de a História da Matemática ser usada sistematicamente por professores, pois, conforme verificado, os resultados foram positivos. Seu uso amplia o conhecimento e mostra uma nova face e uma beleza da Matemática que é desconhecida por muitos alunos. Espero que a leitura deste texto auxilie no processo de reflexão, para os envolvidos na área da Educação Matemática, no que diz a respeito à importância da História da Matemática, e que as ideias discutidas contribuam para novas pes-quisas que envolvam História e Educação Matemática, pois de acordo com D’Ambrósio (2008, p.12)

Há um grande espaço acadêmico para pesquisa em História da Ciência no Brasil, particularmente História da Matemática. Há inúmeras possibilidades de trabalho, ade-quadas para iniciação científica, para trabalhos de conclu-são de curso, bem como para mestrado, doutorado e mesmo projetos avançados de pesquisa individual e em grupo.

Acredito que todas as informações e dicas aqui expostas, farão com que professores de Matemática busquem, mesmo que de modo neófito, a utilização da História nas suas aulas. Os pequenos textos de

Page 46: revista hist prof mat n1

46 RHMP, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014

História da Matemática presentes em muitos livros didáticos é uma ótima forma de iniciar essa busca.

Por fim, acredito que esse texto será útil para todos os Educadores Matemáticos que buscam um ensino de qualidade. Que ele possa servir de reflexão, fazendo enxergar, assim, as grandes potenciali-dades pedagógicas da História da Matemática no contexto da Educação Matemática.

Referências

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais. Matemática. Brasília: MEC/SEF, 2001.

D’AMBRÓSIO, Ubiratan. Uma História concisa da Matemática no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2008.

EVES, Howard. Introdução à História da Matemática. 5 ed. São Paulo: Unicamp, 2011.

MENDES, Iran A. A investigação histórica como agente a cognição matemática na sala de aula. In: MENDES, Iran A. A História como um agente de cognição na Educação Matemática. Rio Grande do Sul: Sulina, 2006.

MIGUEL, Antonio; MIORIM, Maria Ângela. História na Educação Matemática: propostas e desafios. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. (Coleção Tendências em Educação Matemática)

POWELL, Arthur; BAIRRAL, Marcelo. A escrita e o pensamento matemático: interações e potencialidades. São Paulo: Papirus, 2006.

ROSA NETO, Ernesto. Didática da Matemática. 12 ed. São Paulo: Ática, 2011.

Page 47: revista hist prof mat n1

47 Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014

••• Proposta 2 •••

Onde está a proporção?

Circe Mary Silva da Silva (UFES)

Qual professor de matemática já não ouviu a pergunta: “para que serve isso ou por que preciso aprender isso?”. Algumas vezes, o

docente está preparado para responder tais perguntas, mas nem sempre. Seria muito bom que estivéssemos sempre em condições de satisfazer a curiosidade de nossos alunos e, com isso, motivá-los para a aprendiza-gem da matemática. Você concorda?

Figura 1: Proporções de medidas no corpo do homem. Fonte: Vitruvius, De Architectura libri decem, Veneza, 1567, p. 89

Page 48: revista hist prof mat n1

48 RHMP, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014

Será que a história da matemática pode ser uma aliada do pro-fessor, gerando respostas satisfatórias a essas questões? Acreditamos, firmemente, nessa premissa, pois a história da matemática permite que conheçamos melhor as relações dos homens com o conhecimento em diferentes culturas, tempos e contextos. Assim, ela torna-se forte candi-data a fornecer respostas sobre as razões, motivações e necessidades de produção de conhecimentos matemáticos. A seguir, apresentaremos um exemplo, a partir do conceito de proporcionalidade.

Um conceito basilar na matemática é o de proporcionalidade. Sabe quando surgiu? Seria com os gregos? Ou teria surgido com os egíp-cios ou sumérios? Acreditava-se até há poucos anos em que somente povos, que dominavam a escrita conhecessem e usassem tal conceito. Todavia pesquisas recentes em arqueologia comprovam que povos da pré-história, que viveram na região conhecida como Corredor do Rio Danúbio, no leste da Sérvia, já utilizavam a ideia de proporcionalidade. No sítio mesolítico de Lepenski Vir foram encontrados vestígios de edificações que possuíam medidas internas com proporções similares. Segundo Almeida (2011, p. 232): “Os comprimentos das laterais das casas eram três quartos do da fachada, ou seja, a largura da parte traseira da casa está sempre em uma proporção de 1:3 com os lados, e 1:4 com a fachada”. Para aprofundar nessa fascinante leitura, sugerimos o livro O nascimento da Matemática de Manoel Campos de Almeida (2011).

Um conceito conhecido e usado em épocas tão remotas, em cul-turas que ignoravam a escrita, não pode ser de importância secundária! Tales de Mileto (cerca de 624 a.C – cerca de 547 a.C), já bem antes de Euclides (cerca de 325 a.C – cerca de 265 a.C), havia estabelecido que: Feixes de retas paralelas cortadas ou intersectadas por segmentos trans-versais formam segmentos de retas proporcionalmente corresponden-tes. Vejamos a figura 2, que ilustra o teorema de Tales:

Page 49: revista hist prof mat n1

49 Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014

ABBC

= A 'B 'B 'C '

Figura 2: Feixe de retas paralelas intersectadas por segmentos transversais

Se forem conhecidas nessa relação três medidas, a quarta será facilmente determinada. Onde podemos usar isso? Com base nessa importante relação, Tales conseguiu medir a altura de uma pirâmide (quando o sol estava numa posição em que a sombra de uma pessoa coincidia com sua altura), usando apenas um bastão de comprimento conhecido, a sombra do bastão (mensurável) e a sombra da pirâmide. Pela semelhança dos triângulos, conclui-se que a altura da pirâmide está para a sombra da pirâmide, assim como a altura do bastão está para a sombra do bastão.

Figura 3: Pirâmide e sombra(fonte:http://www.aceav.pt/blogs/ilidiasuarez/Lists/Artigos/Post.aspx?ID=33)

Page 50: revista hist prof mat n1

50 RHMP, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014

Segundo o historiador Heath (1981), provavelmente os resulta-dos obtidos por Tales ocorreram por indução. Após fazer medições para um considerável número de casos, ele inferiu que se o comprimento da sombra de um objeto particular é igual ao seu comprimento, isso vale para outros objetos que produzam sombras. É interessante comentar com os alunos que desde a antiguidade, os resultados alcançados por matemáticos foram fruto de um longo e árduo trabalho, os quais tam-bém incluíram processos de experimentação.

Numa interessante reflexão, Jean Paul Guichard, em seu artigo História da Matemática no ensino da Matemática1, traz uma severa crí-tica à forma árida de introduzirmos o teorema de Tales no ensino, sem o apelo à sua história. Segundo o autor:

A Geometria é astúcia, faz rodeios, pega uma via indireta para chegar ao que ultrapassa a prática imediata. A astúcia, aqui, está no modelo: construir por redução de razão cons-tante um esqueleto da pirâmide. De facto, Thales não des-cobriu outra coisa além da possibilidade da redução, a ideia de razão, a noção de modelo. Para uma pirâmide inacessível, Thales inventa a escala. Thales não descobriu senão isso… mas os nossos estudantes, durante a sua escolaridade, terão descoberto ao menos isso? As experiências que pude realizar em várias turmas mostram que não. E, no entanto, partindo do problema de Thales (medir a pirâmide) desemboca-se no coração de uma problemática motivadora que mobiliza o interesse e a reflexão dos estudantes, em que se modela o real, em que se sente a utilidade prática que pode ter a mate-mática, na qual se vêm fundir outros conhecimentos como

1 Este artigo é uma tradução adaptada para o português do artigo de Jean Paul Guichard -. IREM de Lyon in Bouvier, A. (coord), Didactique des Mathèmatiques, Cedic/Nathan, 1986. Disponível em: < http://www.mat.uc.pt/~jaimecs/mhist.html>. Acesso em: acesso em 20 nov. 2013.

Page 51: revista hist prof mat n1

51 Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014

a proporcionalidade. Estamos em presença, pois, da criação de uma situação didática rica em consequências.

No livro intitulado História da Matemática em atividades didáti-cas, Miguel et al. (2009, p.143), encontramos uma sugestão de atividade, envolvendo uma construção prática para o cálculo de alturas:

Escolha uma edificação, um objeto ou uma árvore para que seja possível executar as tarefas a seguir: selecione uma vara de madeira, de aproximadamente 110 cm e a coloque fin-cada verticalmente no solo. Sugerimos que a vara de madeira seja fincada 10 cm no solo ou então a vara poderá ter 100 cm se ficar apoiada em uma base de madeira; procure observar as medidas da sombra da vara e do objeto simultaneamente em diferentes horas do dia para que seja possível determinar a altura do objeto a partir das medições; anote os resultados obtidos durante as observações realizadas; represente geo-metricamente o fato ocorrido utilizando para isso triângulos retângulos; construa um gráfico cartesiano representando as medidas efetuadas por você ao longo dos intervalos de tempo adotados para as medições.

A proporcionalidade tem um potencial tão fecundo que mate-máticos como Euclides e Eudoxio (408 a.C – 355 a.C) dispensaram a esse conceito abordagens teóricas e aprofundadas. Ao apresentar o seg-mento de linha chamado quarta proporcional, Euclides (Livro VI, 2) apelou à geometria das áreas. Para um maior conhecimento sobre essa história, sugerimos a leitura de Theory of proportion and the geometry of areas de Carlos Correia de Sá (2000).

Abdounur (2012) nos ensina que Euclides, nos Elementos, não se refere à igualdade de razões, mas discute sobre igualdade de números e grandezas e não aborda igualdade entre razões como sendo iguais. Esse pesquisador propõe um experimento musical com uso do monocórdio,

Page 52: revista hist prof mat n1

52 RHMP, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014

a fim de favorecer a percepção de similaridades entre conceitos musicais e matemáticos. Sugerimos a leitura de seu artigo Uma abordagem his-tórico/didática de analogias envolvendo razões e proporções em contexto musical: um ensaio preliminar. Nesse artigo2 o professor interessado poderá conhecer atividades envolvendo proporções para serem aplica-das em sala de aula.

A Figura 1, do homem vitruviano, foi imortalizada pelos dese-nhos magistrais de Leonardo da Vinci (1452-1519). Todavia, foi o ita-liano Vitruvius (século I a.C) quem afirmou em sua obra Arquitetura que as medidas do corpo humano são proporcionais.

Existem várias edições dessa obra. Há uma versão em língua latina de 1567, cujo título é De archictetura libri decem e que está dis-ponível no site3 do Instituto Max-Planck4. Nela, Vitrivius afirma, entre outras, as seguintes proporcionalidades:

• Alongitudedosbraçosestendidosdeumhomeméigualàalturadeum homem.

• Alarguramáximadosombroséumquartodaalturadeumhomem.

• Ocomprimentodamãoéumdécimodaalturadeumhomem.

• Aalturadaorelhaéumterçodalongitudedaface.

• A distância do topo da cabeça para osmamilos é um quarto daaltura do homem.

2 O artigo está disponível na página http://revistas.pucsp.br/index.php/emp/issue/view/536.

3 Disponível em: <http://echo.mpiwg-berlin.mpg.de/home/search?searchSimple= Vitruvius>. Acesso em 12/10/2013.

4 O projeto ECHOS disponibiliza fax-simile de livros antigos e relevantes para a História da Matemática e História da Ciência no portal do Instituto Max-Planck de História da Ciência (Berlin). Sugerimos fortemente uma visita a este site a todos interessados em es-tudos mais aprofundados na História da Matemática.

Page 53: revista hist prof mat n1

53 Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014

Sugestão de atividade para a sala de aula

O professor Humberto José Bortolossi, do Departamento de Matemática e Estatística da UFF, criou exercícios interessantes usando o Geogebra (software de matemática dinâmica, e desenvolvido para o ensino e aprendizagem da matemática). No site http://www.uff.br/cdme/rza/rza-html/rza-vitruvian-br.html, encontraremos um exercício para calcular as proporcionalidades do homem vitruviano. Com o uso do Geogebra, o aluno pode sozinho descobrir essas proporções e con-cretizar mais esse conceito.

Se o professor não dispuser de um laboratório de informática para fazer uso do software Geogebra, poderá, experimentalmente, com uma fita métrica, realizar medições nos próprios alunos e calcular as proporções (veja a Figura 4). Lembrando que Vitruvius considerava um “homem ideal”, com simetrias perfeitas e no “mundo real”, possivel-mente, encontraremos apenas aproximações dessas relações.

Figura 4: Ilustração do site http://www.uff.br/cdme/rza/rza-html/rza-vitruvian-original-br.html

Conhecer um pouco sobre a história da educação matemá-tica brasileira é uma forma de nos aproximarmos de autores de livros

Page 54: revista hist prof mat n1

54 RHMP, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014

didáticos do passado. Alguns daqueles que viveram na virada do século XIX para o XX, já intuíam o papel da história da matemática na educa-ção matemática e dialogavam com seus leitores, trazendo fragmentos históricos de importantes conceitos matemáticos que abordavam.

Ao introduzirem o capítulo “Razões e proporções”, os profes-sores Aarão Reis e Lucano Reis (1902, p. 572) afirmavam: “Embora só a Matemática precise a ideia de proporcionalidade, não deixa ela con-tudo de ser universal e espontânea, sugerida pela semelhança, que a mais simples observação fornece”. Universal e espontânea – por isso, tão fecunda! Os mesmos autores apontaram que o conceito de proporção por muitos séculos era usado em linguagem natural, sem um algoritmo próprio.

Na falta de um algoritmo para expressar a proporcionalidade, Leonardo de Pisa, também conhecido como Fibonacci (1170-1250), utilizou um esquema para explicar a resolução da quarta proporcional (TROPFKE, 1980, p. 361-362).

Em toda a regra de sociedade aparecem sempre quatro números em proporção, dos quais três são conhecidos e um é desconhecido. Exemplificando: Se 100 moedas (Rotuli) correspondem a 40 onças (libri), quanto corresponderá 5 moedas?

l. R.40 100

5

Multiplique as posições contrárias entre si (sugere multipli-car 40x5) e divida pela restante (dividir por 100).

Em livros como o de Fibonacci, as regras de resolução eram apresentadas sem explicações detalhadas. Ainda muito distante de uma simbologia como a moderna, ele resolveu o problema, por meio do

Page 55: revista hist prof mat n1

55 Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014

auxílio de um esquema. Naturalmente, o esquema já é uma represen-tação e constitui-se num avanço em relação ao uso exclusivo da lingua-gem natural ou retórica.

Gioseffo Zarlino (1517-1590) introduziu, na música, uma escala chamada de natural ou justa, usando proporções. Sugerimos a leitura do livro de Gean Pierre Campos, intitulado Música e Matemática na Educação: é possível (2012), em que ele apresenta atividades de constru-ção de escalas musicais, empregando o conceito de proporcionalidade. São atividades simples que podem ser realizadas em sala de aula, com algum conhecimento mínimo de música.

Em 1795, Joseph-Louis Lagrange (1736-1813) escreveu um livro sobre matemática elementar baseado em suas aulas, na Escola Normal. Nele afirmou:

Da teoria das proporções dependem muitas das regras da aritmética pois ela é primeiramente o fundamento da famosa regra de três de uso tão generalizador: sabemos que quando temos os três primeiros termos, para obtermos o quarto, basta multiplicar os dois últimos, um pelo outro e dividir o produto pelo primeiro. Pensou-se em seguida em várias outras regras específicas que se encontram na maio-ria dos livros de aritmética. Entretanto, podemos viver sem elas quando concebemos as características da questão: existem as regras diretas, inversas, simples e compostas. As regras de companhia, de ligação, etc, tudo se reduz a regra de três. Temos apenas que considerar como se encontra a questão e colocar convenientemente os termos da proporção (LAGRANGE, 2013, p. 47).

Segundo suas palavras, “tudo se reduz à regra de três”, tudo se reduz à proporção, mas as aplicações na aritmética são inesgotáveis. Podemos viver sem muitas fórmulas derivadas da regra de três, mas não

Page 56: revista hist prof mat n1

56 RHMP, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014

sem ela, pois ela é fundamento. Com isso, o matemático Lagrange disse o essencial sobre a proporcionalidade.

Retomando as nossas perguntas iniciais, acreditamos em ter motivado um pouco o leitor sobre a história das proporções e ter res-pondido a um dos porquês, que justificam seu estudo. Para um maior aprofundamento, sugerimos além das leituras indicadas, buscar outras atividades, envolvendo proporções para tornar suas aulas mais dinâmi-cas e agradáveis. Use vídeos5 que abordem o conceito de proporciona-lidade, para que os alunos possam visualizar a riqueza desse conceito.

Referências

ABDOUNUR, O. J. Uma abordagem histórico/didática de analogias envolvendo razões e proporções em contexto musical: um ensaio preliminar. Educ. Matem. Pesq., São Paulo, v.14, n.3, pp.386-397, 2012.

ALMEIDA, M. C. Origens da matemática. Progressiva: Curitiba, 2011.

CAMPOS, G.P. Música e matemática na educação: é possível? Vitória: Faculdade de Música do Espírito Santo, 2012.

HEATH, S. T. A history of greek mathematics. v.1. New York: Dover, 1981.

LAGRANGE, J. L. Lições sobre matemáticas elementares. Livraria da Física: São Paulo, 2013.

Miguel, A. ; Brito, A.; Carvalho, D.; Mendes, I. História da Matemática em atividades didáticas. São Paulo: Livraria da Física, 2009.

5 Consulte os seguintes livros: Videos didáticos de história da matemática: produção e uso na educação básica de Benedito Machado e Iran Mendes (São Paulo, Livraria da Física, 2013) e Publicações sobre História da Matemática de Iran Mendes e Circe Mary Silva da Silva (São Paulo, Livraria da Física, 2013)

Page 57: revista hist prof mat n1

57 Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014

REIS, A.; REIS, L. Curso Elementar de Mathematica. Aritmética. 2. ed. Francisco Alves: Rio de Janeiro, 1902.

SÁ, C. C. Theory of proportion and geometry of areas. In: John Fauvel e Jan van Maanen (Ed.) History in Mathematics Education. Kluwer: Dordrecht, 2000. p. 276-279.

TROPFKE, J. Geschichte der Elementarmathematik. Walter de Gruyter: Berlin, 1980.

VITRUVIUS, M. P. De Architectura libri decem, Veneza, 1567.

Page 58: revista hist prof mat n1
Page 59: revista hist prof mat n1

BRINCADEIRAS E DIVERSÕES

Page 60: revista hist prof mat n1
Page 61: revista hist prof mat n1

61 Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014

A beleza da estrela da felicidade

Beatriz Cezar Muller

Ao pensar em uma atividade mais lúdica para sala de aula do Ensino Fundamental ocorreu a ideia de realizar oficinas com os

alunos, em que pudéssemos fazer algum material que se relacionasse ao estudo da parte de polígonos e poliedros. A proposta foi de acompa-nharmos o fabrico de “estrelas”, assim nomeadas por imigrantes alemães que se instalaram desde o meado do século XVIII nas proximidades do Município de Marechal Floriano – ES, lugar onde residia e estava em contato com as escolas. Em épocas passadas recentes, era comum a produção desses enfeites na região. Inclusive, tendo infância no mesmo local, vi esse objeto exposto pelas residências sobre os armários, prate-leiras ou mesmo num tradicional cantinho em que ficavam as produ-ções artesanais familiares.

Era muito comum entre pessoas mais velhas das famílias o fabrico das “estrelas”. No entanto, a tradição se perdeu e às gerações mais recentes quase nada chegou relacionado a esse costume cultural. Na figura 1 há uma foto de família que demonstra uma criança fazendo pose próxima a essa estrela. Na figura 2, apresenta-se uma estrela con-feccionada para comercialização via internet.

Page 62: revista hist prof mat n1

62 RHMP, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014

Figura 1: Criança com estrelaFonte: Foto de família de Beatriz

Cezar Muller

Figura 2: Imagem da “estrela”Fonte: www.estrelagira.blogspot.

com.br

Lembramos que muitos povos, desde a antiguidade (período Neolítico e Paleolítico), deixaram registros sobre a utilização da forma geométrica mais requerida nesse artefato, que é o losango ou rombo1. Os losangos aparecem desde épocas remotas em símbolos religiosos, amu-letos, cartas de jogos, lapidação de jóias, etc. Talvez pela beleza visual de sua forma geométrica bem simétrica. Inclusive, losangos de ouro (figura 3) foram encontrados em escavações por William Cunnington2

em um túmulo do chefe de um grupo que foi enterrado próximo às pedras megalíticas de Stonehenge (ver matéria sobre Stonehenge nesta mesma revista).

1 Conforme o que consta na definição 22 do Livro I, em Os Elementos de Euclides (c. 300 a.C), o rombo é uma figura quadrilátera com quatro lados iguais, mas não com ângulos retos. O rombo é substituído por August Legendre, em sua obra Elementos de Geometria(1793) por losango. Esta denominação, como aprendemos até hoje, teve sua definição simplificada por Hadamard, em 1898, “losango é um quadrilátero que tem os quatro lados iguais” (Bongiovanni, 2004).

2 Disponível em < http://www.ibtimes.co.uk/stonehenge-treasure-burial-wiltshire-mu-seum-513382> , acesso em mai. 2012.

Page 63: revista hist prof mat n1

63 Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014

Figura 3: Losango de ouro de cerca de 4.000 anosFonte: www.ibtimes.co.uk/

stonehenge-treasure-burial-wiltshire- museum-513382

Como se constroem as “estrelas”

A estrela é feita de 60 losangos revestidos um a um de tecido (figura 4) e depois costurados uns nos outros, sendo que primeiramente forma-se grupo de 5 peças que então emolduram as faces um total de 12, (figura 5).

Figura 4: Revestindo o losango de tecido

Fonte: Foto da autora

Figura 5: Face do dodecaedro Fonte: Foto da autora

Page 64: revista hist prof mat n1

64 RHMP, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014

Depois une-se as faces (figura 6) três a três, formando quatro peças. Ao final, as 4 peças são unidas para formar o dodecaedro rôm-bico estrelado (figura 7).

Figura 6: Unindo as facesFonte: Foto da autora

Figura 7: “Estrela” prontaFonte: Foto da autora

Durante a confecção houve oportunidade para questionar e dia-logar a respeito de formas geométricas planas e espaciais, suas carac-terísticas, propriedades e denominações matemáticas dos elementos (como faces, vértices, lados, diagonais, etc.). Observamos que isso pode ser feito de acordo com o nível de ensino e o desenvolvimento da turma.

No momento da oficina também foi lembrado que o dodeca-edro era considerado pelos Pitagóricos como uma forma mística, pois mantinha a harmonia das forças cósmicas ao redor, promovendo a cura e a limpeza energética dos ambientes. Há também a vinculação do refe-rido poliedro com os meses do ano, razão pela qual o objeto já servira de enfeite de natal com o ensejo de felicitações do ano que logo se inicia – uma estrela da felicidade. Quanto a Pitágoras e pitagóricos, deixamos a tarefa para investigarmos mais a respeito e conversarmos em uma pró-xima aula, pois alguns ficaram curiosos a respeito.

Mesmo sem se reportar a Pitágoras no momento da confecção, a artesã que nos acompanhou durante a oficina concordou e mencionou a padronização como mística e mencionou outros nomes dado ao objeto: giramundo – quando colocado no batente da porta para trazer sorte;

Page 65: revista hist prof mat n1

65 Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014

segredo ou cofrinho – pois fora apelidado pelas mulheres que guardavam o artefato no quarto de costura, com dinheiro que ganharam de suas mães pelo evento do casamento e queriam manter em segredo para que seus maridos não soubessem daquela reserva financeira.

Por meio da internet pudemos investigar e encontrar outros codinomes, como Flor de Maracatu, no nordeste; Carambola, no Paraná; e em Goiás e Mato Grosso são chamados de Espinheiro ou Agulheiro.

Experimente fazer!

É uma oportunidade de conhecer e dar continuidade às ativida-des relacionadas com o importante desenvolvimento de ideias geomé-tricas. De acordo com o professor-pesquisador Paulus Gerdes (, p. 16) “para geometrizar são necessários não só objetos geometrizáveis, mas também a capacidade de percepção destes objetos”, que sendo integra-dos a uma cultura poderão despertar atenção e abstração necessárias à incorporação de elementos e produção de conhecimentos geométricos.

À luz da leitura de D’Ambrosio vemos o enlace da cultura tal como ele nos relata conceituadamente

“Ao reconhecer que os indivíduos de uma nação, de uma comunidade, de um grupo compartilham seus conhecimen-tos tais como a linguagem, os sistemas de explicações, os mitos e cultos, a culinária e os costumes, e têm seus com-portamentos compatibilizados e subordinados a sistemas de valores acordados pelo grupo, dizemos que esses indivíduos pertencem a uma cultura” (D’AMBROSIO, 2007, p.18 e 19).

Além disso, mesmo sendo de outras culturas, participar na cons-trução das “estrelas” pode divertir a todos e, ao mesmo tempo, aprender ou aumentar a habilidade de manejar objetos como régua, traçados de losangos, moldes para corte e até mesmo a costura simples de união das peças. Experimente!

Page 66: revista hist prof mat n1

66 RHMP, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014

Referências

BONGIOVANNI, Vicenzo. As diferentes definições dos quadriláteros notáveis. Revista do Professor de Matemática, São Paulo, v.55, p. 29-32, 2004.

D’AMBROSIO, Ubiratan. Etnomatemática. Elo entre as tradições e a modernidade, 2 ed.. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.

GERDES, Paulus. Sobre o despertar do pensamento geométrico. Curitiba: Editora da UFPR, 1992.

Page 67: revista hist prof mat n1

67 Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014

Merece ser lido, visto, divulgado

Severino Carlos Gomes (IFRN)

ALEXANDRIA FICHA TÉCNICA Título original: AGORA Diretor: Alejandro Amenábar Duração: 127 minutos País: Espanha Ano: 2009

verbalegis-mb.blogspot.com

O filme é ambientado no período em que a cidade de Alexandria – sob o domínio romano – viveu uma das mais violentas rebe-

liões religiosas da história antiga. Enquanto cristãos, pagãos e judeus disputavam a soberania da cidade, Hipátia surge como líder na luta pela preservação da biblioteca de Alexandria e todo o conhecimento ali depositado.

Diversos aspectos da história das ciências são abordados no filme envolvendo a filosofia neoplatônica, as observações astronômi-cas, os conflitos sociais e de gênero, a posição geográfica da cidade, o

Page 68: revista hist prof mat n1

68 RHMP, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014

movimento físico dos corpos, alguns paradigmas da ciência e a mate-mática grega antiga.

Com relação à história da matemática, a ideia central do filme reside na busca de Hipátia pela explicação para a órbita da Terra em torno do Sol. O sistema astronômico vigente era o ptolomaico1 (aristo-télico, geocêntrico) no qual os planetas giravam tanto ao redor da Terra como ao redor de si mesmo em órbitas circulares e, ainda, a Terra ocu-pava o centro do universo.

Não acomodada com as ideias do sistema ptolomaico, Hipátia procura na hipótese de Aristarco – “a Terra se move” – uma forma para descrever a órbita da Terra diferente do pensamento de Ptolomeu. Porém, deparava-se com uma máxima aristotélica: o céu era uma enti-dade divina perfeita, portanto os corpos celestes se moviam segundo a mais perfeita das formas: o círculo.

A solução para tal questão aparece envolvida no cone de Apolônio e suas seções. A frase atribuída a Hipátia no filme: “Por que o círculo coexiste com formas tão impuras?”, parece corroborar como possíveis vestígios dos estudos dela sobre as quatro curvas geradas a partir do cone. Vale lembrar que não sabemos se Hipátia realmente ide-alizou uma órbita elíptica da Terra em torno do Sol. Esse feito é atribu-ído a Johannes Kepler no século XVII.

Além do filme Alexandria recomendamos a leitura de: DZIELSKA, Maria. Hipátia de Alexandria. Tradução: Miguel Serras Pereira. Lisboa: Relogio D’aqua. 2009.

1 Claudio Ptolomeu publicou o tratado astronômico Almagesto (Syntaxis mathematica) como base para descrever o sistema ptolomaico. O Almagesto foi usado como livro tex-to de astronomia por muitos séculos até que a visão heliocêntrica sobrepujou a visão geocêntrica.

Page 69: revista hist prof mat n1

69 Revista de História da Matemática para Professores, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014

Chamada para submissão de artigos

Ligia Arantes Sad Bernadete Morey

A RHMP tem o objetivo de constituir-se num instrumento de divulgação de trabalhos relativos à articulação entre a história

da matemática e a educação matemática. Publica artigos em história da matemática, relatos de experiências educacionais envolvendo a história da matemática, proposta de atividade envolvendo história da matemá-tica para sala de aula de matemática, curiosidades e aprofundamentos em história da matemática, resenhas, jogos que envolvam a história da matemática.

Todos os manuscritos devem ser encaminhados por e-mail, para um dos endereços: [email protected] ou [email protected] . O editor da revista encaminhará todo material submetido aos pareceristas. Serão publicados apenas os manuscritos que obtiverem a aprovação de dois pareceristas.

Normas para Publicação

• Os textos devem ser enviados unicamente em arquivo formato"DOC", por via eletrônica.

• Otextodeverácontertítulo,seguidodo(s)nome(s)do(s)autor(es)e da(s) respectiva(s) instituição.

Page 70: revista hist prof mat n1

70 RHMP, Natal (RN), Ano 1, n. 1, Mar. 2014

• O textodeverá serdigitalizadoemWordparaWindows, formatoA4, fonte Times New Roman, corpo 12, recuo 0, espaçamento 0, alinhamento justificado e entrelinhas 1,5.

• Otextonãodeverásuperar5páginasparaartigos,3páginaspararelatos de experiência, 1 página para resenhas, 3 páginas para ati-vidades e 1 a 2 página(s) para desafios, brincadeiras e curiosidades, obedecendo as normas da ABNT.

• Nofinaldotrabalho,emordemalfabética,devemserincluídasasreferências bibliográficas do texto, obedecendo às normas atuais da ABNT.

• Ostextossubmetidosjádevemserapresentadoscomrevisãoverna-cular e ortográfica realizada previamente.

• Ostextosquetiveremfigurasescaneadasdeverãoasmesmasseremenviadas em documento separado, além daquela presente no texto. As figuras devem ter resolução formato TIF ou JPEG com 300 DPI’s.

• Os textos publicados nesta revista representam a expressão doponto de vista de seus autores e não a posição oficial da revista ou do comitê editor da mesma.

Conversa com o leitor

Caro leitor,

Esta sessão é destinada ao diálogo entre você e as editoras da RHMP. Sinta-se à vontade para nos enviar suas queixas, sugestões ou perguntas.

Até o próximo número!