Revista Filosófica de Coimbra
Publicação semestral do Instituto de Estudos Filosóficos da Faculdade de Letras
da Universidade de Coimbra
I)irector: Miguel 1 ap1isla Pereira
Coordenação Redactorial : Francisco Vieira iordao 1- e Antonio Manuel Martins
Conselho de Redacção: Alexandre F. O. Morujão, Alfredo Reis. Amãndio A.
Coxito, Anselmo Borges, António Manuel Martins, António Pedro Pita,
Edmundo Balsemão Pires, Fernanda Bernardo, Francisco Vieira Jordão,
Henrique Jales Ribeiro, João Ascenso André, Joaquim das Neves Vicente,
José Encarnação Reis, José M. Cruz Pontes, Luísa Portocarrero F. Silva,
Marina Ramos Themudo, Mário Santiago de Carvalho, Miguel Baptista
Pereira
As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos Autores
Toda a colaboração é solicitada
Distribuição e assinaturas:
Fundação Eng. António de AlmeidaRua Tenente Valadim, 331P-4100 PortoTel. 6067418; Fax 6004314
Redacção:
Revista Filosófica de CoimbraInstituto de Estudos FilosóficosFaculdade de LetrasP - 3049 Coimbra CodexTel. 25551/2; Fax 36733
Preço (IVA incluído):
Assinatura anual 1994: 3.000$00 (Portugal) • 4.000$00 (Estrangeiro)Número avulso: 1.700$00 (Portugal) • 2.400$00 (Estrangeiro)
REVISTA PATROCINADA PELA FUNDAÇÃO ENG. ANTÓNIO DE ALMEIDA
Revista Filosófica de Coimbra
Publicação semestral
Vol. 3 • N. ° 6 • Outubro de 1994
Artigos
Miguel Baptista Pereira - Hermenêutica e Desconstrução ............. 229
Amândio Augusto Coxito - Luís A. Vernei e a Filosofia Europeiado seu tempo: o Problema dos Universais ................................ 293
António Manuel Martins - Liberalismo Político e Consenso-Cons-titucional ....................................................................................... 321
Estudos
Eunice E. Pinho -A Estética de Dufrenne ou a Procura daOrigem .......................................................................................... 361
Joaquim Neves Vicente - Subsídios para uma Didáctica da Filo-sofia. A propósito de algumas iniciativas recentes para aconstituição de uma Didáctica específica da Filosofia ............ 397
Ficheiro de revistas ............................................................................ 413
Recensões ............................................................................................ 417
FICHEIRO DE REVISTAS
Agora - Papeles de Filosofia - Santiago de Compostela. 12/2 (1993):L. Román Rabanaque, Campo de trasfondo y dato hylético (7-22); M. L.
Pinto Penaranda, Motivos fundamentales de Ia fenomenología husserliana (23-
-37); J. de Dios Bares Portal, La armonía de Ias esferas (39-56); M. Gómez
Torrente, La teoria semântica de Ias lógicas de condicionales de Stalnaker y
Lewis (57-78); M. U. Rivas Monroy, Lógica y contexto en los análisisfregeanos
del lenguaje (79-95); L. García Soto, Leituras de Barthes: III. Derrota científica,
deriva semiológica (97-111); J. A. Díez Caizada, Contrafácticos y grados de
similaridad (113-129). Notas. J. M. Sagüillo, Algunas observaciones ai articulo
de J. A. Díez, "Contrafácticos y grados de similaridad" (133-138); J. A. Díez
Calzada, Respuesta a Ias observaciones de J. M. Sagüillo (139-142); R. Martínez
Castro, La fase crítica en Ia recepción de Ia obra de Zubiri (143-156); J. C.
Rodríguez Delgado, La máscara y Ia tragedia (157-162); A. Nepomuceno
Fernández, Análisis no estándar y lógica (163-170); J. L. Falguera López, El
enredo de los modelos en el análisis de Ias cienciasfactuales (171-178).
Analogía - México. VIII (1994), N° 1:Walter Redmond, Una lógica del compronliso social (3-39); Mauricio
Beuchot, Los predicamentos o categorias en el Cardenal Cayetano (41-78); Raúl
A. Campos, La discusión Lakatos-Kuhn (79-101); Angel M. García, La partícula
medieval "vel": excluyente o no excluyente (103-121); Ciro E. Schmidt Andrade,
Santo Tomás y el De Anima (comentario a los caps. 4 y 5 del libro III del De
Anima de Aristóteles) (123-136); José M.a Barrio Maestre, Consideraciones
metodológicas acerca de Ia investigación en el âmbito de Ia filosofia de Ia
educación (en Europa) (137-149).
Convivium - Barcelona. N° 6 (1994):Santino Cavaciuti, Conscienza e Corporeità (5-14); José Me Romero Baró,
Elementos para una crítica del positivismo científico (15-28); Antoni Gonzalo i
Carbó, La mirada errante: de Ia "Spaltung" en Lacan, al "caos-cosmos" de
Deleuze (29-52); José Solana Dueso, Un ensayo de recomposición del protago-
rismo (53-71); Gregorio Luri, A Ia sombra de Artemis. Reflexión sobre los
espacios mítico e histórico de "La República" (72-90); Miquel Beltrán, Harry
Frankfurt: El agente moral y Ia noción de incondicionalidad (91-103); Vicente
Revista Filosófica de Coimbra - n." 6 (1994) pp. 413-416
414 Revista Filosófica de Coimbra
Gómez Ibáfiez, La liquidación de Ia Filosofía. Notas sobre Ia disputa entre
R. Rorty y J. Habermas (104-128).
Diálogo Filosófico - Madrid. N° 29 (1994):J. A. Lopez Cerzo; J. Sanmartin; M. Gonzalez, Filosofía actual de Ia ciencia
(164-208); Ignacio Quintanilla Navarro, Ortega y Ia importancia de meditar Iatécnica (209-223); M.° Pau Ginebra i Molins, El control experimental y Iaconstrución dei objecto científico (225-232); Sonia Reverter Banón , J. L. Austin:un análisis de Ia percepción desde Ia fenomenología lingüística (233-238);Enrique Borrego, Creación y origen dei tiempo (239-253); Félix Garcia Moriyón,Ciencia, tecnologia y sociedad (255-260).
Educação e Filosofia - Uberlândia, MG, Brasil.Vol. 7, N° 14 (1993): Adalberto U. A. Dorneles, O conceito de verdade em
Frege (9-15); Graça Aparecida Cicillini, A evolução enquanto um componente
metodológico para o ensino de biologia no 2° grau (17-37); Ernesto Candeias
Martins, O conceito de emancipação como uma nova meta educativa na forma-
ção humana (39-59); Ricardo J. Navia, Modalidades de uma forma alternativa
de fazer filosofia. Análise de um texto de Max Horkheimer (61-78); Tiago AdãoLara, A escola que não tive... o professor que não fui (79-9 1); Paulo Roberto
Albieri Nery, Labirinto dos sentidos (93-98); Mauro Augusto B. dei Pino, Novas
tecnologias, educação e exploração: o que mudou? (99-118); Leosino B.Macedo, Implicações estéticas do pensamento cartesiano (119-124); Roberto
Goto, A revolta cínica (125-130); José Maurício de Carvalho, A noção denatureza humana nos periódicos de S. João del-Rei (131-138); Osvaldo Freitasde Jesus, Novas questões para a alfabetização (139-155); Eberhard Harbsmeier,A vitória do abstrato sobre os indivíduos (157-166); Reinaldo Matias Fleuri,O sentido social da filosofia (167-177); Luíz Renato Vieira, Racionalização emudança social em Max Weber (179-188); José C. Lombardi, Apontamentossobre a "História da Ciência" e a "Ciência da História" (189-207).
Vol. 8, N° 15 (1994): Ricardo J. Navia, En torno a una polemica sobre Iafundamentacion de los juicios éticos (9-22); Tania M. Marinho Sampaio,Justificativas para uma institucionalização da linguagem pedagógica comodistorção social (23-32); Roberto A. Goto, Porque e para que alfabetizar(33-41); Selva Guimarães Fonseca, A história na obra de Benjamin e a His-tória ensinada no Brasil (43-47); Marilu Fontoura de Medeiros, Eixos emergentesna proposta habermasiana e a possibilidade da acção pedagógica crítica ereflexiva (49-65); Eduardo Ferreira Chagas, A cisão do mundo ético: lei di-vina e lei humana na Fenomenologia e na Antígona (67-74); Maria CecíliaS. Teixeira, Sócio-antropologia do quotidiano e educação: uma perspectivaparadigmática (75-82); A. C. M. Barreiro, Psicologia da educação nas licen-ciaturas em Física, Química e Matemática (83-87); A. W. Pagotti, Observandoo processo de aprendizagem escolar (89-97); José B. Caporalini, Frege: filó-sofo da linguagem? (99-107); A. Celina de M. Barreiro, Modelos de ensino(109-115).
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Ficheiro de revistas 415
Estudios Filosóficos - Valladolid. XLIII (1994):122: Ricardo Carballada, Ser y transcendencia en Emmanuel Levinas (7-27);
Joaquín Bandera González, La vejez: consideraciones críticas en torno a surealidad social (28-48); J. Ezquerra Gómez, El círculo y el abismo (a propósito
de El ser y el tiempo de Heidegger) (49-61); J. Martínez Velasco, Pressupuestos
básicos de Ia ciencia y cambio científico (62-96); Isidro Munoz Triguero, Una
popuesta metafísica (97-119); Joaquín Esteban Ortega, Heráclito: lingüisticidad,
olvido y hermenéutica del logos (120-144); Me José Artola, Tras Ia nueva
humanidad (145-152).
123: M. Teresa Vieja de Ia Torre, Una ética no sublime (187-206); J. Pedro
Martínez, La propuesta ética de Bergson y su crítica del formalismo kantiano
(207-22); Arsenio Ginzo Fernández, Realidad y utopia en J. J. Rousseau (223-
-268); Rafael Larrafleta, El último tabú 269-294); Eladio Chávarri, Experiencias
de Ia razón (295-3 10); J. A. Martín Martín, El arte contemporâneo.- análisis de
sus características y de Ia forma en que es percebido por el público medio (311-
-324).
Kriterion - Belo Horizonte . XXXIV (1993):N.° 88: A Questão do Sujeito na Filosofia . Ivan Domingues , O problema da
verdade, a questão do sujeito e a serpente de Valéry (7-33); Rodrigo A. P.Duarte, Notas sobre modernidade e sujeito na dialéctica do esclarecimento (34--49); Telma de Sousa Birchal, A marca do vazio: reflexões sobre a subjectividadeem Blaise Pascal (50-69); Urias Arantes, Os direitos do homem e a questãosocial (70-86); F. Javier Herrero, Sujeito e Ética (87-97).
Manuscrito - Campinas, SP. XVII (1994):João Paulo Monteiro, Indução, acaso e racionalidade (11-33); Robert Lantin,
Individualism, Physicalism and Spinoza on Minds and Bodies (35-64); Jesús
Padilha Gálvez, Presupuestos de una Teoria de Ia Verdad (65-89); Alberto
Cupani, A filosofia da ciência de Larry Laudan e a crítica do "positivismo" (91-
-143); Hélio Rebello Cardoso Jr., Noção de estilo em Granger e narrativa
histórica (145-153).
Metalogicon - Nápoles. VI (1993):N.° 1: Alex Blum & Stanley Malinovich, A Formalization of a Segment of
Part 1 of Spinoza's Ethics (1-14); Michele Malatesta, On the Inconsistency of
Spinoza's Metaphysics. An Essay of Analytic Philosophy on Blum's and
Malinovich's Formalization of Spinoza's Ethica ordine geometrico demonstrata
(15-121); F. Ferrante, A Note on the History of Antispinozism - Spinoza and
Neaples in the XVIII Century (122-124).
N.° 2: Modestino Nuzzetti, Logical-linguistic Interpretation of Spinoza's
Ethics by George Boole (125-129); Luigi Senzasono, Considerazioni sui concetti
di eternità, causa e tempo in Spinoza (130-151); Rocco Pezzimenti, Spinoza's
Political Thought (152-156); Luciano Pennino, On the Interpretations of
Spinoza's Philosophy in Russian Cultural Area (1819-1980) (157-159).
Revista Filosófica de Coimbra - n." 6 (1994) pp. 413-416
416 Revista Filosófica de Coimbra
Revue Philosophique de Louvam - Lovaina. 92 (1994)Fév. - Claude Troisfontaines, Présentation de Pierre-Jean Labarrière (9-14);
Pierre- Jean Labarrière, D'un style de la pensée: le statut de la figure (15-31);
Fabio Ciaramelli, L'appel infini à l'interprétation. Remarques sur Levinas et l'art
(32-52); Pavios Kontos, Heidegger, lecteur de Husserl. Logique formelle et
ontologie matérielle (53-8 1); Steve Lofts & Philip W. Rosemann, Penser l'Autre:
psychanalyse lacanienne et philosophie (82-97).
Teoria - Pisa. XIV /1994/1 (Nuova Serie IV/I):Vittorio Sainati, Gentile e Gódel (5-19); Wilhelm Metz, Lu genesi delta
coscienza reale nella "Grundlage der gesamten Wissenschaftslehre" di Fichte(21-53); Enrico Moriconi, All'inizio è il linguaggio (55-68); Félix Duque,L'ermeneutica qui ed ora (69-79); Adriano Fabris, Pensare la religione. Modellidi filosofia delta religione a confronto (81-92); Maurizio Mottolese, Mito,tragedia, rivelazione. Sulla presenza di Franz Rosenzweig nell'opera di Benjamin(93-108); Chiara Guidelli, Estetica e storia dell'estetica: una questione ancoraaperta in Italia (109-128); Teodosio Orlando, Husserl in Discussione (129-140).
Telos - Santiago de Compostela. 11 (1993) N° 2:James Griffin, Ética y Bienestar (11-30); Joxerramon Bengoetxea, Una
defensa dei consecuencialismo en el Derecho (31-68); Phillipe Adair, Elutilitarismo libertario de Willian Godwin (71-92); Antón Fernández, WillianGodwin y el anarquismo. A propósito de Political Justice (93-106).
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RECENSÕES
G. W. LEIBNIZ - Novos Ensaios sobre o Entendimento Humano. Trad.e introdução por Adelino Cardoso. Lisboa, Edições Colibri, 1993,385 pp.
Surge finalmente, no último trimestre de 1993, uma tradução integral para portuguêsdos Novos Ensaios sobre o Entendimento Humano de Leibniz. Trata-se de uma obra emque, como se refere no início da tradução, se cruzam muitas das linhas de força dopensamento do Séc. XVII. Com efeito, é um texto redigido a partir das anotações críticasfeitas à obra de Locke, Essay Concerning Human Understanding, publicada cm traduçãofrancesa (P. Coste) em 1700. A morte de Locke em 1704 fez com que o Filósofo alemãopusesse de parte a publicação de tais notas que apenas serão editadas em 1765.
O texto de Leibniz surge sob a forma de diálogo, em quatro livros, que correspondemexactamente aos quatro livros do texto de Locke, e a presença do ensaio Iockiano serátão permanente que os capítulos ostentam praticamente o mesmo título e as falas de umdos personagens, Filaleto, pouco mais são do que a reprodução, devidamente numeradae assinalada, dos parágrafos dessa obra. Sendo, assim, um texto de ocasião, como grandeparte dos textos de Leibniz, isso não lhe retira a importância que ocupa na produçãofilosófica dos Séculos XVII e XVIII e no debate conceptual que os caracteriza.
Sublinhe-se, em primeiro lugar, a importância de esta tradução ser assinada não por
um qualquer leigo no pensamento de Leibniz, mas por alguém que já há alguns anos se
vem dedicando ao estudo deste filósofo, sendo de destacar, de entre outros trabalhos, o
livro Leibniz segundo a expressão e a tradução do Discurso sobre a Teologia Natural
dos Chineses, também publicados pelas Edições Colibri. Tal facto permite, no exercício
do trabalho do tradutor, uma atenção maior aos conceitos e ao vocabulário filosófico do
autor traduzido, o que só vem beneficiar o resultado final.
Além disso, o próprio tradutor encarregou-se de elaborar a respectiva tradução, em
que se propõe "situar a obra na dinâmica do sistema leibniziano, cuja vida interna é
estimulada pelos debates acalorados e frequentemente apaixonados que animaram a época"
(p. 9). Pode considerar-se que há um esforço por realizar tal objectivo e um vasto conjunto
de conhecimentos utilizados na sua prossecução, merecendo-nos essas primeiras páginas
apenas duas observações. A primeira diz respeito à tese da "incomensurabilidade" (p. 9)
entre os Ensaios de Locke e estes Novos Ensaios. Tal proposta talvez merecesse uma
maior fundamentação, na medida em que, significando a transposição de um conceito da
metodologia kuhniana da História das Ciências para a História do Pensamento Filosófico,
assenta numa categoria tão polémica como é a categoria de "incomensurabilidade' no seu
terreno original, e talvez de entre as obras de Leibniz, no confronto com Locke, seja esta
aquela que menos justifique uma designação tão radical: com efeito, verifica-se neste texto
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418 Revista Filosófica de Coimbra
um esforço , característico do espírito dialogante do autor, por estabelecer alguma ponteentre dois sistemas que, esses sim, talvez sejam na respectiva arquitectónica filosófica,relativamente incomensuráveis . A segunda observação diz respeito a uma atenção maisligeira, nesta introdução , à estrutura e conteúdo da obra, em função do primado dado àsua articulação com o sistema filosófico de Leibniz e com a génese de algumas das suasideias-chave . É uma opção legítima, mas também não deixaria de facilitar a interpretaçãoda obra a apresentação da sua estrutura , organização interna e conteúdos fundamentais.
Quanto à tradução , pode considerar - se escorreita , de leitura relativamente agradável,respeitando bastante a letra do texto original ( por vezes em demasia , o que leva à introdu-ção de alguns francesismos na versão portuguesa ), e sem grandes deslizes ( corrija-se umatruncagem do texto na p. 247, que o torna ilegível nesse passo). Seja-nos, no entanto,permitido referir que, numa futura revisão, é de colocar um maior cuidado no 3° Livro,em que, por vezes, se ultrapassa o original , traindo o seu sentido e sem usar um critériouniforme na manutenção das palavras em francês . Assim reais aparece ora em francês,ora traduzido para português (pp. 230 e 231), e é no mínimo discutível que a frase"rauschen ( moi dificilc à traduire en français )" seja vertida por "rauschen ( palavra difícilde traduzir em português )" ( p. 193), ou que "Ojo" se verta para português , quando o autordiz "chez les Espagnols Ojo est un trou " ( p. 194). São apenas pequenos exemplos, masque demonstram que, por vezes o tradutor , mais do que traduzir , adaptou o texto original,gerando algumas confusões sobre a terminologia utilizada por Leibniz . Esta falta deunformidade de critérios é também notória na versão dos nomes próprios, em que ora semantém ( quase sempre ) a grafia original romana (com terminação em us) ora se utilizao nome na sua adaptação ao português.
Quanto às notas de pé de página, elas são elaboradas , segundo indicação do tradutor(p. 20) a partir da edição da Academia ("Sãmtliche Schriften und Briefe "), limitando-se,na maior parte dos casos , a indicações sobre autores referidos no texto ou a traduzirexpressões latinas por vezes intercaladas no francês . Também aqui se nota uma falta deuniformidade de critérios , na medida em que enquanto algumas expressões de significadoevidente são traduzidas em nota, de outras , mais difíceis , não se apresenta qualquertradução , para já não falar de algumas expressões gregas . ( Ainda no que se refere às notas,seja-nos também permitido corrigir, em pequeno reparo, a nota 23 da p. 104 : se na ediçãoda vulgata eram considerados quatro livros dos Reis, actualmente só os dois últimosmerecem essa designação , pelo que o versículo referido pertence a Reis 1, 8, 27 e não aReis, 111, 8, 27).
Uma maior atenção a estes pequenos pormenores beneficiará , concerteza , uma futuraedição desta tradução , que, no entanto, não deixamos de recomendar por ser bastantepositiva, constituindo um excelente instrumento de trabalho para os estudiosos de FilosofiaModerna e do pensamento do autor da Monadologia . As edições Colibri e o tradutor estão,pois, de parabéns por tal contributo para a divulgação deste filósofo no nosso país e entreaqueles que têm menos possibilidades de acesso ao texto original.
J. M. A.
A. N. BALSLEV e J.N. MOHANTY (edits. ), Religion and Time, E. J.Brill, Leiden/New York/Kõ1n, 1993 ; 215 pp.
Editado por A . N. Balslev, enquanto professora visitante na Univ . de Kentucky, eJ. N. Mohanty , professor da Univ. do Templo ( U.S.A.), o volume em apreço é um
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conjunto de artigos , escritos expressamente para o efeito . Dividido em duas partes, aprimeira integra os temas Tempo fenomenológico: o seu significado religioso e Tempoexistencial em Kierkegaard e Heidegger , respectivamente de J. G. Hart, da Univ. deIndiana, e de J. Stambaugh , do Hunter College de New York. A segunda é composta pelostemas O tempo no Judaísmo , O tempo no Cristianismo , O tempo no Islão , O tempo e aexperiência Indu e O tempo no Budismo, respectivamente de P. Steensgaard , da Univ.de Aarhus, Dinamarca, de P. Manchester, da Univ Estadual de Nova Iorque (Stony Brook),de L. E. Goodman, da Univ. do Hawai, de A. N. Balslev, o primeiro dos editores, e deG. C. Pande, prof. jubilado da Univ. de Allahabad (índia).
Interessados na fenomenologia da religião , por um lado , e no diálogo inter-religioso,por outro, os Editores tentaram completar - se mutuamente, Uma vez que a fenomenologiada religião não se pode restringir a um único caso , antes tem de «explorar a estrutura ea função da consciência religiosa nas suas múltiplas modalidades » ( p. 1), ela podeproporcionar a base sobre a qual então as religiões podem entrar em diálogo. E estediálogo, por sua vez, pode trazer ao fenomenólogo a necessária correcção para a tentaçãode ou se confinar a uma religião mais favorecida ou, ao tentar evitar tal parcialidade, dese reduzir à exclusiva vida interior da sua consciência . O tempo , segundo os Editores, éjustamente o conceito decisivo para este efeito . Não se pense , contudo, que é o único.O espaço e a causalidade «são de igual importância». Na verdade, a fenomenologia dareligião mais não faz do que, através da descrição diys intencional idades religiosas queconstituem os sentidos religiosos , tentar descobrir a estrutura do mundo religioso ; e, esteem concreto sendo múltiplo , o problema do diálogo inter-religioso pode então ser definidocomo o problema da comunicação entre tais mundos. O que leva a que «uma essencialparte da compreensão de um mundo religioso seja a compreensão de como espaço, tempoe causalidade são compreendidos e como, assim compreendidos, estruturam esse mundo»(p. 1). De resto, não são estes ainda «todos» os conceitos do mundo religioso. Mas sãosem dúvida os de maior importância. Donde resulta que a presente obra é assim umprimeiro degrau em direcção a essa exploração.
A primeira parte procura esboçar o contexto filosófico da discussão do tempo, emordem ao tratamento do tempo religioso. Ele é subjectivo ou objectivo e cosmológico ouexistencial ? Historicamente , é sem dúvida primeiro sobretudo objectivo e cosmológico,enquanto a «imagem móvel da eternidade que se conta pelas revoluções do céu» de Platão,e enquanto o «número do movimento segundo o antes e o depois » ( ainda que número« da alma») de Aristóteles . É depois sobretudo da alma , com a distentio animi de Sto.Agostinho e com a forma a priori da sensibilidade interna de Kant. Com Husserl, é simul-taneamente subjectivo e objectivo. Com Heidegger , é, para além de também cosmológico,existencial e histórico.
Para o inaugurador da Fenomenologia, com efeito, o tempo íntimo da consciência éa fonte constitutiva do tempo objectivo. Tempo que, por outro lado, não é simplesmenteconstituído por uma série de agoras idealmente inextensos , à maneira de Aristóteles, maspor um «espaçoso presente», na linguagem de W. James : « um agora com o horizonte deretenção do acabado de passar e a protenção do que vai já vir» (p. 5). O que não éexplicitamente atendido como passado é a «memória primária» ou «retenção ». E de igualmodo para a «protenção», que não é um futuro como futuro. Assim o presente não é um«atómico pulsar punctual, antes o agora é distendido de modo a incluir o que acaba deacontecer e o que vai imediatamente acontecer» (p. 20-21).
É no entanto Heidegger que, apesar dos esforços de Husserl no sentido de alcançaro tempo realmente vivido da cónsciência , acaba por chegar ao tempo existencial e histó-rico. Três elementos contribuiram para isso: a primitiva experiência cristã do tempo, Sto.Agostinho e Kierkegaard . Este último, partindo justamente da primitiva experiência cristã
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do tempo - em que o passado terrestre de Cristo é interpretado à luz da sua ressurreiçãoe portanto o tempo se abre interior e inteiramente à eternidade ( pp. 118-121 ) - haviachegado à conclusão de que esta última se apreende no instante , de que a eternidade deveentrar no tempo e transformá -lo. Eis o presente autêntico de Heidegger, o Augenblick(o kairos ), como uma verdadeira interpenetração do passado e do futuro no presente , trans-figurando-o ; ei-lo como « não sendo senão a perspectiva da resolução , em que toda asituação de acções se abre a si mesma e se mantém aberta » (p. 5). O futuro é no entantoagora, ao contrário do que acontece em Kierkegaard, o momento temporal mais impor-tante. É então a vcz da influência do Agostinho da Cidade de Deus, onde a concepçãojudaica de tempo como o teatro de «prova e salvação » para os homens é levada até aofim, até uma eternidade ú nica e definitiva no fim dos tempos . Como ser - para-a-morte, ohomem está orientado para o futuro e é à sua luz que se deve olhar para o presente.
Com este pano de fundo filosófico, passa - se então para o tema do tempo nas princi-pais religiões , como o objectivo da publicação . Começando pelo Judaísmo , este revela--se como determinativamente uma religião «da história», como uma religião «do tempo»:Deus fala por acontecimentos na história . E histórico significa o que não deriva denenhuma lei , o que é único , aquilo que deriva de uma certa concepção da liberdadehumana, cujas realizações nem a liberdade divina pode eliminar. Daí o sentido «esca-tológico» , ainda que terreno e relativo ( posto que aberto no futuro a mais perfeitasrealizações ). O grande objectivo da criação é o homem : o cosmos não é senão o teatroda «prova moral » e da «salvação » do homem . Isto, porém , não significa . por outro lado,que a visão judaica seja sem mais uma visão linear do tempo. Ao lado do tempo históricolinear , há o tempo cultual cíclico. As festas e os rituais repetem os primitivos aconteci-mentos e, neles comungando , os fiéis alimentam - se com a confiança que deriva dessescasos anteriores : a própria vida renova- se assim ciclicamente . Há deste modo uma mútuarelação entre tempo linear e cíclico . Steensgaarden estuda - a pormenorizadamente e tentamesmo datar as correlativas transformações.
Passando ao Cristianismo , Manchester sublinha que - tal como acontece emKierkegaard - o tempo e a eternidade encontram-se, sendo nesse encontro que se dá oanúncio da presença de Cristo. O que significa que a eternidade está assim, para o cristão,«dentro do tempo » ( p. 9). Mas isto obviamente não anula a própria dimensão temporal eaté a sua concepção linear . A dimensão escatológica, embora com origens judaicas, é aocontrário particularmente desenvolvida no criatianismo ( p. 127) e Sto. Agostinho, aindaque partindo da queda de Roma de 410 , ao retardar o mais possível a imediatidade dofim, dá consistência , e por aí corpo , à linearidade mesma da história (p. 136). O tempo éassim, no cristianismo , e como Kierkegaard lhe chama , uma «síntese da eternidade como tempo» (p. 134).
Se, porém, no judeo-cristianismo , o tempo é desde sempre um meio ao serviço deDeus e do homem , na cultura pré - islâmica, ao contrário, ele é sobretudo conotado com osentido trágico da vida, é a causa da mudança , da perda e da morte, o «maligno destino».Por isso o Islão teve de , como diz Goodman , « moralizar e domesticar o tempo, sujeitá--lo aos propósitos de Deus » ( p. 9). Passou assim a ser « o espaço moral da história entreo juízo e a criação ». A cosmogonia da criação tira o tempo da eternidade «solidificandouma natureza como o teatro da nossa escolha moral, que é agora a matéria do destino»(p. 139). Mas Deus continua, na sua transcendência , completamente intemporal. Donderesultam - dado o conhecimento e a influência do pensamento grego nos filósofos ára-bes - os vários modos , consoante os diferentes filósofos, de relacionar o tempo com aeternidade . Modos que vão «desde um ocasionalismo (o tempo nada cria de novo, é só aocasião das aparições ) ao platonismo de AI-Ghazali (o tempo é a imagem de uma ordemintemporal ); desde a concepção do tempo como uma expressão do poder de Deus à
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negação de Alfarabi e de Avicena da criação temporal (o tempo não tem começo , a criaçãoé simplesmente a dependência por parte do mundo temporal de um intemporal acto deDeus )» (p. 10).
Relativamente ao Induísmo , Balslev enumera várias e bem diferentes concepções dotempo, seja do ponto de vista cosmológico , do ponto de vista soteriológico ou do pontode vista da própria experiência interna. Isto, dentro das duas linhas extremas quehabitualmente chocam o estranho ao começo . Por um lado, há a tese da mais completairrealidade do tempo . Por outro , há a ideia do retorno sem começo e sem fim dos ciclos -os quais, num dos cálculos, duram, da criação à destruição, 4.320 milhões de anoshumanos (p. 10). Uma outra ideia que domina no induísmo - ao ponto de às vezes atradição bramânica se dizer dessa maneira : atinavada - é a do si (atnnan ) que perma-nece no meio do fluxo da existência e da morte ( p. 165). Parece poder dizer - se em geralque o tempo se liga à morte e o si à imortalidade (p. 174). Por fim, a Autora sublinhaque não se devem levar demasiado à letra as imagens da «roda» ou da « seta» para otempo . Em relação ao induísmo , discute-se tudo menos se o tempo é cíclico ou não.Tal é apenas um problema inter-cultural. E sobretudo não se trata de ciclos com exac-tamente os mesmos indivíduos e os mesmos destinos ( como Sto. Agostinho atribui aosgregos ), onde , aí sim, obviamente não há salvação (p. 177), Ciclos e setas são metáforaspara a recorrência e irreversibilidade da experiência humana (p. 180). E a roda, que semdúvida se inscreve no induísmo, pode afinal significar uni progressivo aperfeiçoamento(p. 181).
Por último, o Budismo . Se no bramanismo nada muda ( no essencial , pelo menos),no budismo , ao contrário , tudo muda . Até o si é uma corrente de consciência ( pp. 175--176; 188). E digo bem, o si, porque, como sublinha Pande, o tempo húdico não derivade uma cosmologia ou de uma especulação metafísica, mas da «reflexão introspectiva»sobre a experiência . O que dá à sua filosofia um agudo sentido para a « incessante mudançaque caracteriza a vida interior de um ego, representado como uma sucessão de estadosmomentâneos , entre si conectados por uni princípio de causalidade adequadamenteconstruído . O tempo e a causalidade acabam assim por ficar enlaçados , enquanto osfilósofos se ocupam das questões ( e autênticas disputas ) de saber se só o presente é realou se também o passado e o futuro o são» (p . 12). Quaisquer que sejam as respostas, para
todas as escolas budistas a realidade é momentânea ( p. 201), o que faz do tempo o coração
do real e da sua filosofia uma filosofia do tempo (pp. 203 - 204). Com o objectivo (como
em todas as religiões ) de o conquistar mediante a intemporal realidade do nirvana, e não
de o consagrar reduzindo a ele toda a realidade (p. 204).Com o propósito de, através da discussão do tema do tempo, contribuir para o diálogo
entre as religiões ( p. 12), a presente obra é assim , apesar dos seus textos sintéticos (ou
talvez por isso), um roteiro deveras interessante e valioso , porventura para esse diálogo,
mas pelo menos e seguramente para todos quantos se interessam por tal tema , básico em
qualquer pensamento.
J. A. Encarnação Reis
RAWLS, John , Uma Teoria da Justiça. Trad. de Carlos Pinto Correia.
Fundamentos 1 (Lisboa: Editorial Presença, 1993) 449 pp.
Este texto de Rawls transformou - se já num clássico do pensamento contemporâneo.
Desde a sua publicação em 1971 , tem estado na origem de grande parte da reflexão mais
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significativa no âmbito da filosofia política, primeiro nos Estados Unidos da América e,depois, na Europa e mesmo no Oriente. A comprová-lo temos o facto de estar traduzidonas principais línguas europeias, em japonês, chinês e coreano. A tradução portuguesa
vem juntar-se a esse vasto leque de traduções. Pelo simples facto de tornar este texto maisacessível ao leitor português está de parabéns a Editorial Presença.
A discussão sobre o sentido da justiça nunca deixou de preocupar a reflexão filosófica
mais atenta aos problemas dos homens desde os tempos em que Platão iniciou um magno
debate com a sofística sobre este lema. Porém, a partir de meados do século XIX, a
filosofia entrou nuns processo de progressivo alheamento do mundo político. Não foi
apenas o legado da Antiguidade e da Idade Média que foi esquecido. Os grandes teóricos
da Modernidade - I lohhes, Locke, Rousseau e Kant - foram esquecidos pela esmaga-
dora maioria dos que se dedicavam à filosofia. O triunfo do cientismo e do positivismo
contribuiram para que se generalizasse a convicção de que a filosofia prática, tal como a
metafísica, não tinha futuro. Na cultura anglo-saxónica, onde surgiram obras decisivas
neste domínio, parecia definitivamente extinta a chama da razão prática. O utilitarismo
ganha cada vez mais terreno, nas suas diversas configurações. O Linguistic Turn dos
analistas da linguagem, tal como o empirismo lógico, remetiam a filosofia prática para o
domínio do irracional ou pelo menos do não racional e argumentativamente justificável.
Tudo o que restava era uma meta-ética estéril e inconsequente. É neste clima de pessi-
mismo generalizado quanto às virtualidades da filosofia prática e mesmo da filosofia em
geral que, em 1971, John Rawls reintroduz na cena filosófica a filosofia política com a
sua Teoria da Justiça. Estávamos, de facto, a assistir a um caso exemplar do regresso
das grandes teorias nas ciências humanas. Uma das coisas mais notáveis e significativas
na obra de Rawls é que ela surge e impõe-se na cultura filosófica contemporânea como
se não tivesse existido o Linguistic Turn.
Numa atitude corajosa e revelando uma extraordinária capacidade de construçãosistemática, Rawls trabalha o legado da grande filosofia política dos Tempos Modernosreclamando uma competência normativa para o discurso filosófico na discussão públicadas questões de justiça. Mais do que a tradição britânica, constitui fonte de inspiraçãoda Teoria da Justiça a filosofia política de Kant e Rousseau. Não pretende ser uma simplesreposição da filosofia política destes autores mas uma reflexão atenta aos problemascontemporâneos construida com elementos colhidos na leitura daqueles clássicos. O lugarque estes dois autores desempenham na formação do contratualismo rawlsiano indicaclaramente que este se autointerpreta como alternativa fundamental a dois tipos de ética:o utillitarismo e o intuicionismo.
Rawls não se perde em pormenores de interpretação textual dos grandes clássicos.Usa-os com bastante liberdade procurando ser fiel apenas ao que julga serem os grandesprincípios subjacentes à sua obra. Por outro lado, também não entra em polémica com ateoria da ciência dominante. Escusado será dizer que Rawls se opõe claramente a todo omovimento de contestação radical da ciência e do modelo clássico da racionalidade.
Indiferente, mas não as desconhecendo, às mais diversas atitudes críticas face àsvirtualidades da filosofia política, Rawls formula dois princípios básicos que devempresidir à configuração de uma sociedade humana bem ordenada. Procura justificá-losargumentativamente e analisar as implicações destes princípios nos mais diversos camposda política, economia, psicologia moral. A análise minuciosa de Rawls vai ao pontode abordar um problema delicado mas sempre candente como é o da desobediência civil(§ 57).
Nesta obra, Rawls pretendia oferecer uma análise da justiça social e política maissatisfatória que as concepções tradicionais mais conhecidas. Não é, apesar do que já sedisse, uma obra que pretenda ser completa no sentido de abordar todas as questões
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relevantes numa teoria da justiça. Na sua Teoria da Justiça Rawls limita, conscientemente,a sua análise a um conjunto de problemas clássicos que faziam parte da agenda da filosofiapolítica desde os Tempos Modernos e não tinham encontrado ainda uma respostasatisfatória nos nossos dias. Trata-se, portanto, de equacionar as questões centrais relativasà estrutura política e moral das democracias modernas . Por isso, se desenvolvem osprincípios que estão na base das liberdades e direitos fundamentais do cidadão . Nestestem lugar importante a liberdade de movimentos e de expressão, a igualdade de oportu-nidades , o direito à propriedade pessoal . Uma vez que os cidadãos são considerados, àpartida , livres e iguais, Rawls não pode deixar de abordar os reflexos da justiça distributivana esfera económica e social . Surgem , assim , os problemas ligados às desigualdadeseconómicas e sociais.
Quando Rawls afirma que a sua Teoria não é completa , tem consciência de que ficampor analisar muitos problemas . Entre eles, a título de mero exemplo, contam-se: asquestões que se prendem com a democraticidade nas relações laborais; os problemas dajustiça retributiva ; a problemática do meio ambiente e da protecção da vida animal; ajustiça nas relações internacionais , etc. Rawls parte do princípio de que uma vezclarificadas as questões centrais que a Modernidade nos deixou , será possível expandir omodelo para resolver outros problemas.
Apesar de limitada, a análise de Rawls é muito rica pelo quadro categorial queintroduz na filosofia política e pela variedade de temas que aborda de maneira integrada.Toma como categoria fundamental de uma sociedade bem ordenada a justiça . Esta não étomada como categoria de uma doutrina das virtudes no sentido tradicional mas antescomo categoria de uma ética política . Por outras palavras, não se trata de qualificar ( comojustas ) as pessoas e as suas acções mas antes as instituições básicas da sociedade política.Os princípios da sua teoria da justiça destinam-se , antes de mais, a governar a vida políticae social e não a conduta individual . Contudo , a sua análise tem igualmente consequênciasimportantes para uma ética geral.
Estamos perante uma obra que é impossível analisar devidamente numa recensão. Naimpossibilidade de enumerar os tópicos desta obra densa e de conteúdo muito diversificadoindicaremos apenas um conjunto de temas que formam , de algum modo, o núcleo dareflexão desenvolvida por Rawls na sua Teoria da Justiça.
O critério principal de avaliação da legitimidade das instituições políticas é a justiçacomo equidade.
A compreensão da justiça como equidade reabilita a tradição contratualistademarcando - se de outra versão dominante do contratualismo , o utilitarismo.
A justificação da deliberação que conduzirá à adopção dos princípios básicos dajustiça como equidade faz-se no quadro ( fictício ) de uma Posição Original em que ossujeitos escolhem os princípios sociais sob um "véu de ignorância" que os impede deconhecerem as suas posições sociais e os seus interesses particulares.
Como princípio metodológico fundamental , Rawls procura um equilíbrio reflexivoentre os princípios da justiça racionalmente justificados e as convicções éticas razoáveis.
Estamos perante uma obra que suscitou e continua a suscitar intenso debate quer entreos que se situam numa posição bastante próxima da de Rawls quer entre os seus maisdeclarados opositores . Além dos méritos intrínsecos da obra esse é um dos aspectos maispositivos do impacto da Teoria da Justiça, agora mais acessível ao leitor português.A versão portuguesa apresenta uma correcção e rigor notáveis.
António Manuel Martins
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Daniele BOCCARDI - Per una Filosofia della Scienza Sperimentale.La controversia Pasteur-Pouchet. Pisa , Edizioni ETS, 1993, 135 pp.
De Itália chega-nos um pequeno livro, sob a forma de ensaio epistemológico cons-truído a partir da história da ciência, de um jovem autor recentemente desaparecido. Tomacomo ponto de referência a controvérsia entre Pasteur e Pouchet , a qual, entre 1859 e1862, fez mexer e vibrar a Academia das Ciências de Paris, sobre o problema da "geraçãoespontânea".
Convém começar por referir que este estudo , embora com minuciosos detalheshistóricos , não pretende ser urna mera incursão na história da ciência . Mas também , apesardo respectivo título e de inúmeras reflexões sobre filosofia da ciência , não é exactamenteum ensaio de Epistemologia , com o sentido que normalmente se atribui a esta disciplina.Quer o autor da introdução , Marcelo Pera, que afirma que não se trata de um "trabalhode história da ciência" nem de um "trabalho de filosofia histórica da ciência" ( p. 8), quero próprio autor do livro na respectiva introdução , esboçam os traços de uma estratégiaque, ao cruzar o interesse por esses dois domínios, retira ao trabalho realizado aclassificação exclusiva a partir de qualquer uma dessas designações . Assim , o horizonteem que o investigador e o filósofo se movimentam é o que ele próprio explicita comouma "atitude analítica' em filosofia da ciência, a qual implica tanto a rejeição de umafilosofia da ciência puramente "descritiva", como de uma filosofia da ciência de tipo"normativo" (pp. 23 e 24). Isto pressupõe uma atenção ao caso histórico em apreço, mastambém uma projecção das considerações daí derivadas para um terreno epistemológicoque o ultrapassa e que ajuda a definir o que efectivamente se deve entender, na opiniãodo autor, por " ciência experimental".
O livro organiza- se em cinco capítulos em que, à excepção do último exclusivamentededicado a reflexões epistemológico-filosóficas, se vão sucedendo e entrecruzando apon-tamentos históricos e considerações teórico-metodológicas, que reflectem uma formaçãoextremamente actualizada ao nível das mais recentes propostas no âmbito da filosofia daciência.
Assim, o primeiro capítulo traça um quadro da situação , enumerando as principaisquestões microbiológicas que constituem o pano de fundo da controvérsia em apreço, asteorias da célula dominantes nessa época , as diversas respostas ao problema dasfermentações e as implicações mais especificamente teológicas inerentes à problemáticada geração espontânea, tendo o autor um permanente cuidado em explicitar a posição dePouchet relativamente a cada uma destas alíneas.
O segundo capítulo é dedicado ao início da controvérsia, ou seja, à primeira exposiçãode Pouchet , enviada à Academia das Ciências , sobre "alguns proto-organismos vegetaise animais, nascidos espontaneamente no ar artificial e no gás oxigénio", mencionando--se a seguir as reacções imediatas da parte de H. Milne-Edwards, A. Payen, J. L. deQuatrefages, C. Bernard e J. B. Dumas, detendo-se D. Boccardi especialmente nos pressu-postos subjacentes a tais reacções . São ainda analisadas as respostas de Pouchet àsobjecções que lhe foram formuladas, e, numa linguagem em que conceitos de Lakatosse cruzam fecundamente com categorias de Popper, são classificadas as diversas "hipó-teses ad hoc" susceptíveis de responder às questões levantadas.
No terceiro capítulo entra em cena o contributo de Pasteur , no quadro da propostado prémio Alhumbert para valorizar trabalhos que proporcionem "uma nova luz sobre aquestão das gerações ditas espontâneas". É a natureza da experiência , o que se entendepor prova experimental e por experiências cruciais, ou seja, questões fundamentais noquadro do nascimento e, sobretudo, da teorização da ciência experimental, aquilo que está
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em causa nesta fase da análise , que se debruça pormenorizadamente e especificamentesobre o cerne da controvérsia entre Pouchet e Pasteur.
O quarto capítulo refere como , uma vez retirados do júri os membros mais ligadosou mais abertos às hipóteses heterogeneistas , também o próprio Pouchet desistiu da suacandidatura , tendo o prémio sido atribuído por unanimidade a Pasteur , em Dezembro de1862.
Conclui a obra um capítulo sobre Epistemologia e Metafísica , em que o autor tenta,por um lado , redimensionar e revalorizar o projecto baconiano de ciência experimental,entendida como "um processo dialógico em direcção à conceptualização , a partir dascoisas e interferindo com elas" (p. 111), e, por outro , repensar a condição ontológica dohomem em ordem a uma existência autêntica na sua relação originária e genuína de ser-- no-mundo e de ser-com -o-mundo, com base numa assumida inspiração heideggeriana.
Em conclusão , pode dizer-se que se trata de um trabalho cuidado e reflectido, que,sem o fazer explicitamente , dá implicitamente razão, pela positividade com que semovimenta nos diversos domínios, à célebre frase de Lakatos : "A filosofia da ciência sema história da ciência é vazia; a história da ciência sem a filosofia da ciência é cega."
J. M. A.
Revista Filosófica de Coimbra - n." 6 (1994 ) pp. 417-425
ÍNDICE 1994
Artigos
Amândio Augusto Coxito - L. A. Vernei e a Filosofia europeia doseu Tempo: o Problema dos Universais ..................................... 293
António Manuel Martins - Liberalismo político e Consenso consti-tucional ......................................................................................... 321
Miguel Baptista Pereira - Retórica , Hermenêutica e Filosofia....... 5
, Hermenêutica e Desconstrução............................................ 229
Ben Schomakers - The Blindness of Contemplation. On Thinkingaccording to Aristotle .................................................................. 121
Maria Luísa Portocarrero F. Silva - Retórica e Apropriação naHermenêutica de Gadamer .......................................................... 93
Marina Ramos Themudo - Ao Princípio era a Acção? Observaçõesacerca das Notas 611-660 das Philosophische Untersuchungende Ludwig Wittgenstein ................................................................ 71
Estudos
António Manuel Martins- Wallace e a Lógica da Descoberta cien-tífica em Galileu. A propósito da edição recente dos TratadosLógicos de Galileu ....................................................................... 187
Américo Lopes da Silva - Reencontro com Albert Camus ............. 161
Eunice E. Pinho - A Estética de Dufrenne ou a Procura da Ori-gem ................................................................................................ 361
Joaquim Neves Vicente - Subsídios para uma Didáctica da Filoso-
fia. A propósito de algumas iniciativas recentes para a consti-tuição de uma Didáctica específica da Filosofia ...................... 397
Ficheiro de Revistas ................................................................. 211, 413
Recensões ................................................................................... 217, 417
BOLETIM DE ASSINATURA
Assinatura anual 1994 (IVA incluído):
Portugal .................................................. ...... 3.000$00Estrangeiro .................................................. 4.000$00
Desejo assinar os números relativos a 1994 da Revista Filosófica
de Coimbra (n.°S 5 e 6)
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em Janeiro de 1995
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Tiragem: 1000 ex.
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