Download - Revista Bahia Agricola 21,5x28 - seagri.ba.gov.br · 14 Bahia Agríc., v.8, n. 1, nov. 2007 COMUNICAÇÃO longo do processo migratório, as famílias experimentaram diversas formas

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13Bahia Agríc., v.8, n. 1, nov. 2007

Comunicação

Reforma agrária, uma alternativa para a agricultura familiar:a experiência dos assentamentos

Grotão e MorenoMaria Evanei Oliveira Rios*

Jonilson Batista Chagas**

*Mestre em Análise Regional, Especialista em Administração Pública, Economista, atuando na Caixa Econômica Federal; e-mail: [email protected]**Mestrando em Análise Regional, Especialista em Economia e Gestão Pública, Economista e Professor da Faculdade de Tecnologia e Ciências – FTC/Feira de Santana - BA; e-mail: [email protected]

No setor agrícola brasileiro, ocorreu, historicamente, uma concentração de renda e de terras. Dentre as várias propos-tas de políticas públicas para a solução do problema, a principal delas, a reforma agrária, associada a outras medidas, tem como meta a distribuição eqüitativa da terra, permitindo criar, nas regiões em que for aplicada, condições de trabalho que ampliem a produção e o consumo interno das famílias envolvidas nessa pro-blemática. A reforma agrária poderá ser um instrumento de distribuição de renda no campo e uma alternativa para a ex-pansão da produção de alimentos. Para autores como Veiga (1981; 2002) e Abro-movay (1998), a reforma agrária constitui uma forma de reverter o atual quadro de

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concentração de renda no país, através da viabilização e fortalecimento da agri-cultura familiar.

Os assentamentos pesquisados são de origem do Movimento dos Trabalha-dores Rurais Sem Terra (MST), o Grotão, com 61 famílias assentadas, e o Moreno, com 120, localizados nos municípios de Boa Vista do Tupim e Nova Redenção, res-pectivamente. Pertencentes ao semi-ári-do baiano, esses municípios reproduzem as condições socioeconômicas favoráveis à concentração de renda, marcados pela presença da grande propriedade – geral-mente não produtiva ou voltada à pecu-ária – e exclusão do acesso aos recursos hídricos necessários à produção familiar.

RETRATANDO OS ASSENTAMENTOS

Pensar o projeto dos assentados implica, antes de tudo, reconhecer a di-ferenciação de suas origens, trajetórias de vida e discutir a perspectiva de existir uma história social comum em suas an-danças, sustentada pelo vínculo repre-sentado pela relação mediata/imediata com a terra.

Os informes obtidos na pesquisa in-dicam que 90% dos assentados do Gro-tão e 88% do Moreno possuíam vínculo direto com a terra, e, referência à qual alguns já tiveram, em outros momentos, relações de posse e/ou propriedade. Ao

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longo do processo migratório, as famílias experimentaram diversas formas de tra-balho, exerceram atividades próprias dos centros urbanos, nas funções, por exem-plo, de: guardas, pedreiros, vendedores e prestadores de serviços - o Moreno, num percentual de 6% e o Grotão, de 5%.

No meio rural, os assentados esta-vam distribuídos entre assalariados, pos-seiros, arrendatários, parceiros e assalaria-dos temporários ou permanentes. Havia, também, os migrantes; outros ainda encontravam-se desempregados. A de-manda desses últimos por terra não tem, necessariamente, a mesma dimensão das reivindicações feitas pelos campone-ses, empenhados na luta para preservar, conquistar, ou reconquistar, seus objeti-vos e o meio básico de reprodução do trabalho e de vida.

CONDIÇÕES MATERIAIS DE VIDA

Para a análise das condições de vida das famílias nos assentamentos Grotão e Moreno, consideraram-se três tipos de rendimento: do lote – advindo da co-mercialização da produção -, do trabalho realizado pelos membros da família fora do lote e, por fi m, outras rendas e ajudas fi nanceiras recebidas, tais como: aposen-tadoria, pensões, auxílios alimentação, etc. Procurou-se não tomar os aspectos da renda e das condições de vida em termos absolutos, mas, sim, relacionados com a situação imediatamente anterior ao ingresso no assentamento. Atualmen-te, a maior parte dos recursos monetários origina-se da comercialização da pro-dução familiar, 75% da renda do Assen-tamento Grotão é fruto do trabalho dos próprios assentados na terra. A realidade para o Assentamento Moreno é diferen-te, apenas 49% dos seus recursos resul-tam do trabalho dos próprios assentados na terra. A Figura 1 ilustra essa situação. O número de assentados assalariados, mesmo que de forma temporária ou es-porádica, corresponde a 27% dos assen-tados do Moreno, o que evidencia um contra-senso, uma vez que possuem ter-ra e trabalham em terras de outrem, com refl exos, portanto, na qualidade de vida desses indivíduos.

O autoconsumo traz a vantagem de regular a oferta dos produtos, fazendo do produtor o próprio consumidor de suas

Figura 1 – Complementação da renda

74%

19%

7%

AUMENTOU

IGUAL

DIMINUIU

11%

56%

33%

AUMENTOU

IGUAL

DIMINUIU

ASSENTAMENTO GROTÃO ASSENTAMENTO MORENO

Figura 2 – Poder de compra

mercadorias. Assim, seus produtos assu-mem funções muito importantes, confe-rem-lhe sustento e propiciam uma ren-da monetária pelo trabalho que realiza. Questionados sobre o poder de compra, em relação à situação anterior, 74% dos assentados do Grotão informaram ter melhorado, 19% que permaneceu igual e 7% diminuiu. Os assentados do Moreno, 56% informaram que não houve altera-ção em relação ao passado, 11% aumen-tou, 33% diminuiu, conforme Figura 2.

O trabalho de Norder (1997 apud BENEDETTI, 1998) atribui um valor mo-netário para o autoconsumo, alega que ocorre um aumento signifi cativo na renda familiar, devido à importância da produção de alimentos no lote para a sa-tisfação das necessidades alimentares do grupo, além, obviamente, das melhorias no padrão alimentar. Quanto à alimenta-

ção, comparada com a situação anterior ao assentamento, 82% dos assentados do Grotão informaram ter melhorado, 15% informaram não ter sido alterada, e 3% disseram ter piorado. Para os assen-tados do Moreno, não houve melhora, 68% disseram que continua como antes, e 32% informaram ter piorado (Figura 3).

A melhora das condições de alimen-tação nos assentamentos ratifi ca a im-portância da função da reforma agrária e da produção familiar como fundamental para o processo inclusivo de indivíduos no modelo de reprodução capitalista. Incapaz de resolver as controvérsias que o caracterizam, o capitalismo sempre gerou discrepâncias de renda, causando desemprego e inchaço nos centros urba-nos. Considerando a relação inversa entre capital e trabalho, a agricultura familiar se apresenta como uma possibilidade.

Fonte: Pesquisa de campo, 2004/2005. Extraído de Rios (2005)

ASSENTAMENTO GROTÃO ASSENTAMENTO MORENO

5%

18%

2%

75%

4%

20%

27%

0%

49%

APOSENTADORIAASSALARIADOSEM COMPLEMENTAÇÃO

BOLSA FAMÍLIAASSALARIADO

Fonte: Pesquisa de campo, 2004/2005. Extraído de Rios (2005)

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A reforma agrária tem sido alvo de infl amadas e apaixonadas discussões na sociedade brasileira, desde o fi nal da dé-cada de 50, no contexto do intenso de-bate acadêmico e político sobre a Ques-tão Agrária Brasileira e de uma crescente organização dos trabalhadores de cam-po. O tema voltou à cena nos anos 80, trazido como bandeira de luta por movi-mentos sociais, e permanece na agenda política até o presente momento.

Um item que, a partir dos anos 90, in-cluiu-se nas discussões sobre o tema, re-fere-se ao desenvolvimento local, como

82%

15%3%

MELHOROU

IGUAL

PIOROU

0%

68%

32%MELHOROU

IGUAL

PIOROU

ASSENTAMENTO GROTÃO

ASSENTAMENTO MORENO

Figura 3 – Condição de alimentação anterior ao assentamento

espaço de intervenção pública. A criação dos assentamentos rurais pode não re-percutir na oferta agropecuária nacional, mas, no nível local, isto é, para os muni-cípios ou mesmo para as regiões onde estão inseridos, pode representar uma importante contribuição.

Os assentamentos acabam por pro-vocar uma tímida dinamização da vida econômica dos municípios, causada pelo aumento no número de produ-tores e uma maior oferta e diversidade de produtos, em especial, alimentares. Atualmente, o Grotão e o Moreno estão ofertando produtos agropecuários para os municípios onde se encontram insta-lados, e a maior parte da comercialização acontece na feira livre, uma vez por se-mana. A ida à cidade, para esse fi m, é de fundamental importância, pois aumenta os laços de sociabilidade, assim como, as possibilidades de consumo dos assenta-dos, que aproveitam para comprar gêne-ros alimentícios que não produzem, bens de consumo duráveis, insumos e imple-mentos agrícolas.

Ficou constatado que o assentamen-to favoreceu melhorias nas condições de vida até então experimentadas quando se toma como referência a situação ime-diatamente anterior ao assentamento. A conquista da terra, a construção da casa, a presença da escola, a produção de alimentos para fi ns de sustento e de comercialização são exemplos que ilustram os benefícios advindos do pro-cesso. Algo de muito positivo ocorreu, o retorno à agricultura familiar, atividade tão pertinente na vida dos camponeses e que, de alguma forma, contribui para

a sobrevivência desses indivíduos num grau de maior equilíbrio econômico e de satisfação, em relação ao quadro do de-semprego nos centros urbanos: “a lavou-ra ora dá, ora não dá, depende do tempo, mas na cidade é pior” (SILVA, 2004 apud RIOS, 2005).

REFERÊNCIAS

ABRAMOVAY, R. Paradigmas do capitalismo agrário em

questão. Campinas: Hucitec, 1998.

BENEDETTI, A. C. Na conquista da fronteira: um estudo

de caso nos Assentamentos Rurais de Hulha Negra/

RS. Itaguaí/RJ. 1998. Dissertação (Mestrado)-Universi-

dade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, Rio de Janeiro,

1998.

RIOS, M. E. O. Inserção socioeconômica em áreas de re-

forma agrária: a experiência dos assentamentos Gro-

tão e Moreno. 2005. 186 f. Dissertação (Mestrado em

Análise Regional) - Universidade Salvador – UNIFACS,

Salvador, 2005.

SILVA, P. R. da. Pedro Ribeiro da Silva: depoimento

[2004]. Entrevistador: Maria Evanei Oliveira Rios. Boa

Vista do Tupim, 2004. Entrevista concedida pelo

– Presidente da Associação dos Produtores Rurais do

Assentamento Grotão ao trabalho de campo realiza-

do em novembro de 2004.

VEIGA, J. E. da. Cidades imaginárias: o Brasil é menos

urbano do que se calcula. Campinas: Autores Asso-

ciados, 2002.

VEIGA, J. E. da. O que é reforma agrária. São Paulo: Bra-

siliense, 1981. (Coleção Primeiros Passos).

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Comercialização dos produtos dos assentamentos em feiras livres

Fonte: Pesquisa de campo, 2004/2005. Extraído de Rios (2005)