Título: A Antártica como parte do Entorno Estratégico Brasileiro: revisitando os
interesses pelo Sexto Continente.
Autor: Leonardo Faria de Mattos
Titulação: Capitão de Mar e Guerra (RM1), bacharel em Ciências Navais pela Escola Naval,
Mestre em Ciências Navais pela Escola de Guerra Naval, Mestre em Estudos Estratégicos
pela Universidade Federal Fluminense, e, atualmente, leciona Geopolítica na Escola de
Guerra Naval, Av. Pasteur 480, Urca, Rio de Janeiro, RJ. E-mail: [email protected].
RESUMO
A Antártica é um continente com dimensões superiores ao Canadá, com as condições
climáticas mais inóspitas do planeta. Possui inúmeras riquezas minerais, não exploradas pelas
restrições impostas pelo Protocolo de Madri de 1991 e é regido pelo Tratado da Antártica de
1959, pelo qual, atualmente, somente 29 países possuem direito a voto, direito adquirido por
terem programas antárticos permanentes. Sete deles (Argentina, Austrália, Chile, França,
Nova Zelândia, Noruega e Reino Unido) possuem reivindicações territoriais anteriores ao
tratado, não reconhecidas pelos demais membros. O Brasil, que nunca reivindicou
formalmente território naquele continente, somente aderiu ao Tratado em maio de 1975 e se
tornou membro consultivo com direito a voto, a partir de setembro de 1983, após sua primeira
expedição científica. Em setembro de 2013, a nova revisão da Política Nacional de Defesa
passou a incluir a Antártica como parte do Entorno Estratégico Brasileiro. Este artigo
pretende analisar a presença e o interesse atual de três dos países territorialistas pela Antártica
- Argentina, Chile e Reino Unido -, em contraponto a posição brasileira em relação ao
continente. Esses países foram os escolhidos, entre os sete territorialistas, por suas áreas
reivindicadas coincidirem com a região daquele continente onde o Brasil possui diretos
interesses, inclusive onde se encontra a única estação brasileira, atualmente, em reconstrução.
Também será discutido o que a entrada da Antártica para o conceito de Entorno Estratégico
Brasileiro efetivamente significa para o Brasil.
Palavras-Chave: Antártica; Entorno Estratégico; Países Territorialistas.
ABSTRACT
Antarctica is a continent with great dimensions, surpassing countries like Canada, and
unwelcoming climate conditions. It also possesses great mineral riches not yet explored due to
the restrictions imposed in the Antarctic Treaty of 1959, in which only 29 countries have the
right to vote due to their permanent efforts in the continent. Seven countries made territorial
claims prior to the Treaty, which are not recognized by the other members. Brazil only
acceded to the Treaty in May 1975 and became an Advisory member with voting rights in
September 1983, after the countries first scientific expedition to the continent. In September
2013, the new revision of the country’s National Defense Policy included Antarctica as part
of the Brazilian Strategic Area of Interest. This article intends to analyze the presence, the
interest and the different views for Antarctica between three countries with territorial claims –
Argentina, Chile and United Kingdom - and Brazil. These countries were chosen, between
the seven territorial, for his claimed areas coincide with the region of that continent where
Brazil has direct interests, even where it is the only Brazilian station currently under
reconstruction. Will also be discussed what the entry of Antarctica to the concept of Strategic
Area of Interest effectively means to Brazil.
Keywords: Antarctica; Strategic Area of Interest; Territorial Claimant Countries.
2
INTRODUÇÃO
Em 1° de dezembro de 1959, na cidade de Washington D.C., doze países1 celebravam
o Tratado da Antártica. Desses, sete já haviam formalmente reivindicado território naquele
continente, tendo sido o Reino Unido, o primeiro, em 1908. De acordo com o Tratado, em seu
artigo 4°:
1. Nothing contained in the present Treaty shall be interpreted as: (a) a
renunciation by any Contracting Party of previously asserted rights of
or claims to territorial sovereignty in Antarctica; […] 2. No new claim,
or enlargement of an existing claim, to territorial sovereignty in
Antarctica shall be asserted while the present Treaty is in force.2
Tal artigo preservava os interesses dos sete reivindicantes e impossibilitava que novas
reivindicações fossem apresentadas no futuro por países que viessem a aderir ao Tratado.
Na Antártica a temperatura média no verão é de -30°C, enquanto que no inverno é de -
60°C. A menor temperatura já registrada foi de -89,2°C, na Estação russa de Vostok, em
1983. Cerca de 99,6% do continente é permanentemente coberto por gelo (espessura média de
1.800 m). O continente, em média, é tão seco como o Deserto do Saara. É o continente mais
alto, com uma altitude média de 2.160 m, sendo o Maciço Vinson, com 4.892 m, em seu
ponto culminante. A área total é de 13.829.430 km2, maior que o Canadá, e equivalente a 1,6
vezes a área total do Brasil. Em termos de riquezas minerais, estima-se que a Antártica seja
abundante em petróleo, gás, cobre, urânio, entre outros minerais de grande valor comercial.
Isso sem falar que a Antártica possui 70 % da água doce do planeta.3
O Brasil não estava representado na conferência de 1959 e somente veio a aderir ao
Tratado em 1975. Sua primeira expedição oficial ocorreu em 1982, e em 1983 passou ao nível
de membro consultivo com direito a voto. Mas nos anos que precederam a assinatura do
Tratado, alguns acadêmicos e militares brasileiros, já haviam se manifestado favoráveis que o
país reivindicasse território naquele continente, por considera-lo estratégico para o país. Mas
o pleito foi ignorado pelo governo do então presidente Juscelino Kubitschek, mais
preocupado com o desenvolvimento econômico do Brasil e com a efetiva ocupação do
território nacional (Mattos, 2015).
1 África do Sul, Argentina, Austrália, Bélgica, Chile, Estados Unidos da América, França, Japão, Noruega, Nova
Zelândia, Reino Unido e União Soviética (atualmente, Rússia). 2 Tratado da Antártica disponível em:
http://www.ats.aq/documents/keydocs/vol_1/vol1_2_AT_Antarctic_Treaty_e.pdf. Acesso em 10 fev. 2016. 3 Dados da Antártica disponíveis em: http://www.coolantarctica.com/Antarctica%20fact%20file/antarctica-fact-
file-index.php Acesso em 5 fev. 2016.
3
No dia 25 de setembro de 2013, por meio do Decreto Legislativo n° 373, o Congresso
aprovava a nova versão da Política Nacional de Defesa (2012), e nela, o governo brasileiro
passava a incluir a Antártica como parte de seu “entorno estratégico” (Brasil, 2012, subitem
4.1, grifo nosso):
A América do Sul é o ambiente regional no qual o Brasil se
insere. Buscando aprofundar seus laços de cooperação, o País
visualiza um entorno estratégico que extrapola a região sul-
americana e inclui o Atlântico Sul e os países lindeiros da África,
assim como a Antártica.
O presente trabalho tem como objetivo analisar o significado da mudança ocorrida no
conceito de “entorno estratégico brasileiro”, em contraponto à postura atual de três países
territorialistas – Argentina, Chile e Reino Unido.
Não há na Política Nacional de Defesa, nos dicionários da língua portuguesa e nem
mesmo no Glossário das Forças Armadas, também editado pelo Ministério da Defesa, uma
definição para o termo “entorno estratégico”. Dessa forma, será considerada a seguinte
definição proposta pelo professor José Luiz Fiori (2013, p. 32): “região onde o Brasil quer
irradiar, preferencialmente, sua influência e sua liderança diplomática, econômica e militar”,
talvez, substituindo “diplomática” por “política”, e acrescentando a influência “cultural”.
Os três países foram os escolhidos por terem suas reivindicações territoriais na
Antártica dentro do que pode ser chamado de arco de interesse direto do Brasil naquele
continente, pois incluem as Ilhas Shetlands do Sul, onde fica a Estação brasileira
“Comandante Ferraz”, e por, parcialmente, defrontarem o Atlântico Sul, também parte do
Entorno Estratégico brasileiro.
Após essas considerações iniciais, o artigo é dividido em três partes. Na primeira, é
feita uma síntese histórica sobre a presença dos três países territorialistas escolhidos para este
trabalho, desde seus primeiros exploradores até os dias atuais.
Em seguida, são apresentadas algumas considerações sobre o interesse brasileiro na
Antártica, desde os primeiros acadêmicos e militares favoráveis à nossa presença naquele
continente até a assinatura do contrato para a construção da nova estação científica brasileira.
Nessa parte, também é brevemente analisada o que a inserção da Antártica no “entorno
estratégico brasileiro” significa, principalmente em termos de reflexão estratégica, em
contraponto a posição dos três países territorialistas analisados.
4
O autor conclui com algumas considerações sobre a questão proposta, e deixa algumas
perguntas para servirem de inspiração a outras pesquisas.
TRÊS TERRITORIALISTAS
Como já comentado, sete países já haviam reivindicado território na Antártica, antes
da celebração do Tratado, em 1959. Desses, este autor escolheu Argentina, Chile e Reino
Unido para analisar, por suas áreas reivindicadas defrontarem o Atlântico Sul, que também é
parte do Entorno Estratégico brasileiro, e pela única estação científica do Brasil naquele
continente estar localizada no interior das áreas reivindicadas por esses três países, que são
parcialmente superpostas.
O primeiro país a ser analisado é o Reino Unido. Desde o final do século XVIII, os
ingleses já buscavam comprovar a existência do Sexto Continente. O navegador inglês James
Cook foi o que, comprovadamente, mais próximo chegou da Antártica, em sua segunda
viagem de circunavegação, de 1772 a 1775, tendo atingido a latitude de 71º 10’S em 17 de
fevereiro de 1774 (a área de jurisdição do Tratado da Antártica é ao sul da latitude 60ºS). Em
14 de janeiro de 1775, Cook descobriu as ilhas Geórgia do Sul (54ºS), inicialmente achando
que era o continente gelado, mas depois de alguns dias de exploração constatou ser mais uma
ilha. Mas o primeiro explorador a chegar efetivamente ao continente antártico foi o russo
Fabian Gotlieb von Bellinghausen, em 1820. Entretanto, exploradores de outros países, como
Estados Unidos da América (EUA), Reino Unido e França, já estavam bem próximos desse
feito, como foi o caso dos ingleses William Smith e Edward Bransfield (Day, 2013).
Durante quase todo o século XIX, era o óleo de baleia o bem mais cobiçado nas águas
antárticas. Foram poucas as expedições com caráter científico naquele período. A primeira
grande expedição científica somente veio a ocorrer em 1837, comandada pelo francês Dumont
d´Urville. Em 1838, chegou a primeira expedição oficial dos EUA, comandada pelo então
Tenente Charles Wilkes. Em 1839, a expedição inglesa comandada pelo Almirante James
Clark Ross, com a missão de descobrir o Polo Sul magnético (Ross já havia descoberto o Polo
Norte magnético em 1831) (Mattos, 2015).
A partir do final do século XIX, tem início uma sequência de diversas expedições
científicas ao continente, inclusive permanecendo durante o inverno antártico. Foi o caso da
expedição do “Belgica” comandada pelo Tenente da Marinha belga, Adrien de Gerlache, e
tendo o norueguês Roald Amundsen como um de seus oficiais, que permaneceu de 1897 a
1899 presa naquele continente, embora não tenha sido uma expedição com essa intenção. A
5
primeira expedição que intencionalmente passou um inverno no continente foi a British
Antarctic Expedition de 1898-1900, comandada pelo norueguês Carsten Borchgrevink, que
permaneceu com seu grupo de 10 pessoas, no Cape Adare, no inverno de 1899, a serviço do
governo britânico (Mattos, 2015).
Logo nos primeiros anos do século XX, a corrida por atingir o Polo Sul geográfico
passa a ser o desafio a ser batido. O feito foi alcançado em 14 de dezembro de 1911, pela
expedição chefiada por Roald Amundsen. Os ingleses estavam na disputa, mas o Comandante
Robert Scott, da Marinha britânica, somente alcançou o polo em 17 de janeiro de 1912. Sua
expedição não conseguiu sobreviver, em razão das difíceis condições meteorológicas. Todos
pereceram no regresso. O Instituto de Pesquisas Polares da Universidade de Cambridge (Scott
Polar Research Institute), fundado em 1920, e um dos mais renomados do mundo em
pesquisas relacionadas aos polos, foi denominado em sua homenagem.4
Durante essa busca pelo Polo, o Reino Unido, em 1908, na época, ainda a maior
potência econômica e militar do mundo, reivindica uma área que não apenas continha parte do
Sexto Continente, mas chegava a incluir as Ilhas Malvinas (Falklands), estas, já ocupadas por
eles desde 1833. Em 1962, após a entrada em vigor do Tratado da Antártica, o governo
britânico decide por separar essa região em dois territórios distintos. Desde então, o British
Antarctic Territory (BAT) corresponde a reivindicação britânica no continente antártico, de
20°W a 80°W e do paralelo 60°S até o Polo Sul geográfico, separado das Falkland Islands
Dependencies (Day, 2013).
Ainda durante a Segunda Guerra, cabe destacar a realização pelos britânicos da
Operação Tabarin, em 1944/46 , oficialmente para combater a presença de navios alemães
nas águas antárticas e subantárticas. Mas na verdade, para assegurar os interesses do país
sobre as Ilhas Malvinas/Falklands e pelo Território Antártico britânico. As ilhas são motivo
de disputa com a Argentina desde 1833, e esta, em 1940, havia também reivindicado território
na antártica, como será melhor visto adiante. Durante a Guerra, os argentinos, embora
formalmente neutros, demonstravam uma certa aproximação com o regime nazista. Sobre a
real preocupação britânica quando enviou a expedição, segundo Haddelsey (2014, p. 21):
In the minds of the individuals concerned, however, the real nature of
the threat to British interests in the region was very different […] The
aggressor, they feared, was not Germany or Japan, but neutral
Argentina.
4 A história do Scott Polar Research Institute está disponível em http://www.spri.cam.ac.uk/about/history/.
6
Foi na época da Operação Tabarin que o Reino Unido estabeleceu suas primeiras
estações permanentes naquele continente 5(Day, 2013).
O BAT é administrado pelo Departamento das Regiões Polares ligado à Secretaria de
Assuntos Exteriores, em Londres. Atualmente, o Reino Unido possui 3 estações científicas na
Antártica: Halley (1956), Rothera (1975) e Signy (1947).6
Dos 14 territórios além-mar britânicos, em diversas partes do planeta, o BAT é o
maior deles (6 vezes maior do que todo o território correspondente ao Reino Unido). No
documento The Overseas Territories: security, success and sustainability, de junho de 2012,
observa-se o comprometimento do governo britânico com seus territórios. Na Introdução,
assim falou o Primeiro-ministro David Cameron: “This Government is ambitious for our
Territories as we are ambitious for the United Kingdom”. Para o objetivo deste trabalho,
também parece relevante citar parte da British Antarctic Territory Strategy 2014-2019, cujo
segundo objetivo estratégico é claro ao reforçar a soberania do país sobre seu território na
Antártica:
To promote the United Kingdon´s sovereignty of the Territory,
including by increasing awarness of British current and historic
interests in the region.
Embora não tenha sido encontrado nenhuma menção específica à Antártica, na revisão
da Estratégia de Segurança Nacional britânica, lançada em novembro de 2015, está previsto
como sendo uma atribuição dos fuzileiros navais do país:
Royal Marines of 3 Commando Brigade who are trained and equipped
to provide specialist amphibious and Arctic warfare capabilities (NSS,
2015, p.31).7
No mesmo documento, está previsto que o National Security Objective 1 “is to protect
our people – at home, in our Overseas Territories and abroad, and to protect our territory,
economic security, infrastructure and way of life.” (NSS, 2015, p.11). Os dois documentos
mostram a preocupação britânica em defender seus interesses na Antártica, um de seus
5 Dados sobre as estações científicas britânicas na Antártica disponível em: https://www.bas.ac.uk/wp-
content/uploads/2015/03/British-Antarctic-Stations-Refuges-v6.1-2016.pdf . Acesso em 8 fev. 2016. 6 A partir de 1996, a estação de Signy é operada apenas nos verões austrais. O Reino Unido ainda opera duas
estações em regiões subantárticas, a King Edward Point e a Bird Island, ambas nas Ilhas Georgia do Sul. 7 O preparo dos fuzileiros navais britânicos para operações no Ártico certamente os capacita para operações
também na Antártica, caso seja necessário. Cabe mencionar que o Reino Unido não possui territórios no Oceano
Ártico e não é membro permanente do Conselho do Ártico, o que ressalta nossa atenção para essa capacitação
atribuída a seus fuzileiros navais. A National Security Strategy and Strategic Defence and Security Review 2015
está disponível em:
https://www.gov.uk/government/uploads/system/uploads/attachment_data/file/478933/52309_Cm_9161_NSS_S
D_Review_web_only.pdf. Acesso em 7 fev. 2016.
7
territórios além-mar, e ter seus fuzileiros navais prontos para serem empregados em ambiente
polar. Essas preocupações britânicas em relação ao seu território antártico têm relativa
justificativa, pelas pretensões territoriais de outros dois países antárticos.
Como seria esperado, a Segunda Guerra Mundial reduziu bastante as expedições para
a Antártica, mas em 1940, Argentina e Chile, que são os países geograficamente mais
próximos daquele continente (aprox. 1.000km), formalizaram seus interesses territoriais,
sendo os últimos dois países a reivindicar território. As áreas pretendidas possuíam
coincidências entre si e, em parte, com o território reivindicado pelo Reino Unido, todas
considerando a Península Antártica como pertencendo a seus respectivos países, como pode
ser visto no mapa, abaixo:
Fonte: Australian Antarctic Data Centre. Disponível em: http://www.antarctica.gov.au/about-antarctica/people-
in-antarctica/who-owns-antarctica.
Foi o início de um período de sérios problemas entre estes três países com relação a
essas áreas, somente resolvida, em parte, pelo acordo bilateral entre Argentina e Chile, onde
reconheceram as áreas reivindicadas de um e de outro, mas sem um acordo sobre a área
comum, e em definitivo pela celebração do Tratado da Antártica, em 1959, que congelou
qualquer das pretensões territoriais naquele continente (Day, 2013).
8
A Argentina está presente ininterruptamente na região do Tratado da Antártica desde
1904, com a estação meteorológica na Ilha Laurie, Arquipélago das Órcadas do Sul. Sua
reivindicação territorial vai de 74°W a 25°W do paralelo 60°S até o Polo Sul (totalmente
dentro do setor reivindicado pelo Reino Unido, e parcialmente coincidente com o setor
chileno). O Departamento da Antártica Argentina faz parte da Provincia de Tierra del Fuego,
Antártida e Islas del Atlántico Sur, cujo governador fica em Ushuaia. Os primeiros mapas
oficiais argentinos mostrando o território reivindicado foram editados pelo Instituto
Geográfico Militar em 1940, e no Atlas Oficial de la Republica Argentina de 1947. A
justificativa argentina para reivindicação territorial tem razões históricas; de ocupação;
considerações geográficas e geológicas; entre outras. Há registros da presença de caçadores de
foca argentinos nas proximidades da Península Antártica, na época da chegada de
Bellingshausen, em 1820 (Facchin, 2013).
Em setembro de 19748, o governo argentino instituiu o dia 22 de fevereiro, data da
inauguração da Estação meteorológica (atual Base Órcadas), na Ilha Laurie, como Dia de la
Antártida Argentina. Nesse dia, de acordo com a Lei n°20.827/74, “se izará al tope la
bandera nacional en los edificios públicos de la Nación y se realizarán actos alusivos a
nuestros irrenunciables derechos de soberanía sobre la Antártida Argentina en todos los
establecimientos educacionales”.9 Nessa época, o governo e, principalmente, a mídia
argentina, estavam preocupados com o aumento do interesse pela Antártica por parte do
Brasil, em especial com as ideias territorialistas da Professora Therezinha de Castro
corroboradas pelo Deputado Federal Eurípides Cardozo de Menezes, que serão mencionadas
na próxima seção. As preocupações argentinas com relação às pretensões territorialistas
brasileiras na Antártica foram bastante reduzidas a partir da adesão do Brasil ao Tratado, em
1975. A solução da questão envolvendo a construção da Hidrelétrica de Itaipu em 1979 e o
apoio brasileiro aos argentinos por ocasião do conflito de 1982 contra o Reino Unido, na
disputa pelas ilhas Malvinas/Falklands acabou por mudar o posicionamento argentino em
relação ao Brasil no tema da presença deste na Antártica, inclusive com a presença de oficiais
argentinos a bordo do navio “Barão de Teffé”, da Marinha do Brasil, por ocasião da primeira
expedição científica brasileira à Antártica, em dezembro de 1982 (Mattos, 2015).
8 Era presidente da Argentina a Sra. Isabelita Perón, viúva de Juan Perón, que faleceu em junho de 1974, e por
ocasião do seu primeiro mandato como presidente em 1946, foi responsável por diversas medidas para aumentar
o sentimento de pertencimento em relação à Antártica pelo povo argentino (Dodds, 1997). 9 Mais informações sobre o Dia de la Antartida Argentina disponíveis em:
http://www.marambio.aq/diaantartida.html. Acesso em: 8 fev. 2016.
9
Essa relação do nacionalismo argentino com a questão territorialista, foi assim descrita
pelo professor argentino Vicente Palermo:
Pero el nacionalismo no es el mismo em todas partes. El nuestro
tiene la particularidade de ser profundamente territorialista [...].
para una élite que debía governar un país de inmigrantes y
plagado de sentimentos localistas muy acendrados, fue natural
que desde un comienzo lo común, lo que primordialmente nos
identificara, fuera el suelo, no el linguaje, la historia o los pactos
de obligación recíproca (Palermo, 2007, p.20).
Segundo Child (1988), os argentinos tomaram uma série de medidas para consolidar
suas pretensões de soberania na Antártica, incluindo a operação de estações de rádio, correio,
e o estabelecimento de famílias inteiras em suas bases no continente, inclusive com o
nascimento e registro de argentinos nascidos na Antártica. Segundo Colacrai (2004), no fim
da década de 1970, foram instaladas na Base argentina de Esperanza, 10 famílias com 16
crianças, tendo lá nascido outras crianças. O Chile teve uma experiência similar na Villa Las
Estrellas, parte do no complexo da Base Eduardo Frei. Villa Las Estrellas foi criada em 1984,
por ocasião do governo militar do General Augusto Pinochet, e ainda conta com cerca de 200
pessoas morando lá, com escola pública, correio, e até uma agência bancária. 10
A Argentina mantém 6 bases permanentes e 7 temporárias na Antártica. A Dirección
Nacional del Antártico (DNA) e o Instituto Antártico Argentino (IAA) são os órgãos do
governo argentino responsáveis pelo programa antártico do país, incluindo a realização das
expedições e a operação das suas bases no continente. Ambos são ligados ao Ministério das
Relações Exteriores argentino.
O terceiro país territorialista analisado é o Chile. O interesse do país pela Antártica
remonta aos primeiros caçadores de baleias e ao apoio chileno a várias expedições antárticas,
principalmente, a partir do porto de Valparaíso, ainda no século XIX. Em 1906, o país
participou pela primeira vez de uma conferência sobre as regiões polares, em Bruxelas. Nesse
mesmo ano, o governo chileno iniciou negociações com o governo argentino para já delimitar
seus setores de soberania na Antártica, e foi criada uma Comissão Antártica que entre outras
atividades emitiu a primeira permissão para que um empresário chileno pescasse nas águas
próximas aquele continente. Um fato de grande importância histórica para o Chile foi a
missão de resgate do explorador britânico Sir Ernest Shackleton e da tripulação do Endurance,
10 Outros dados sobre a Villa Las Estrellas estão disponíveis em:
http://www.nytimes.com/2016/01/07/world/americas/chile-antarctica-villa-las-estrellas.html?_r=0. Acesso em
10 fev. 2016.
10
em agosto de 1916 (pleno inverno austral), na Ilha Elefante, com temperaturas próximas a -
30°C (Gorostegui; Waghorn, 2012).
Mas a reivindicação territorial somente viria em novembro de 1940. A primeira
expedição oficial do país ocorreu no verão de 1946/1947. Nessa expedição, o Chile instalou
sua primeira base no continente, a Base Antártica Nacional Soberania (posteriormente
chamada de Base Capitán Arturo Prat), em fevereiro de 1947. Em 1948, é inaugurada uma
segunda base, a General Bernardo O´Higgins, com a presença do Presidente Gabriel
González Videla, primeiro Chefe de Estado de qualquer país a visitar a Antártica, indicando o
peso relativo que o poder político chileno dava ao continente. Cabe mencionar que o território
reivindicado pelos chilenos (entre os meridianos 53°W e 90°W, do paralelo 60°S e o Polo
Sul) é considerado, oficialmente, parte da Region de Magallanes y de la Antártica Chilena,
com a capital na cidade de Puerto Williams, e consta em todos os mapas oficiais do país
(Gorostegui; Waghorn, 2012).
Segundo Pinochet (1984), até o último momento das negociações sobre o Tratado, em
Washington D.C., o chefe da delegação chilena, Dr. Marcial Mora, reafirmava a soberania do
país sobre o Território Antártico Chileno, e logo após a ratificação do Tratado pelos
respectivos congressos da Argentina e do Chile, em junho de 1961, ambos países emitiram
uma Declaração Conjunta, reiterando a vontade de solucionar as divergências por meios
pacíficos.
Em 1963, o Chile cria o seu Instituto Antártico, ligado diretamente ao Ministério das
Relações Exteriores e responsável por coordenar, planejar e executar as atividades científicas
no Território Antártico Chileno. Em 2003, o governo transferiu a sede do Instituto de
Santiago para Punta Arenas, a fim de fortalecer politicamente a XII Region de Magallanes y
de la Antártica Chilena.
Em 2000, foi aprovada a versão atual da Política Antártica do Chile, cujo primeiro
objetivo é: “1. Proteger y fortalecer los derechos antárticos de Chile, con claros fundamentos
geográficos, históricos y jurídicos, es la primera y más permanente tarea de la Política
Antártica Nacional.”11
O Chile possui, atualmente, 4 bases permanentes e 4 bases de verão na Antártica,
sendo a Base Presidente Eduardo Frei, cujo Aerodromo Teniente Rodolfo Marsh, inaugurado
em 1980, o principal apoio às missões das aeronaves da Força Aérea Brasileira para aquele
continente, a mais importante delas. Punta Arenas também é o principal ponto logístico de
11 Disponível em: http://www.inach.cl/inach/wp-content/uploads/2009/10/Politica_Antartica.pdf. Acesso em 8
fev. 2016.
11
apoio ao Programa Antártico Brasileiro, pois além de receber os navios brasileiros, também
recebe as aeronaves da FAB, antes das mesmas se dirigirem para a Antártica.
Reforçando o peso que o governo chileno atribui à presença do país na Antártica, em
janeiro de 2014, o próprio Presidente Sebastián Piñera, inaugurou a Estação Científica
Glaciar Union, uma estação operada apenas no verão, e que juntamente com a Base chinesa
de Kunlun é a base mais próxima do Polo Sul geográfico, onde já fica a Base Amundsen-
Scott, dos EUA. Em seu discurso, afirmou o Presidente chileno:
somos el país con mayor cercanía geográfica con la Antártica, y aún
más, porque el Continente Sudamericano y el Continente Antártico
tienen plataformas que convergen, lo cual establece la soberanía y
los derechos chilenos sobre este continente (Chile, 2014).
Como visto nesta parte do artigo, os três países mantêm seus interesses territorialistas
na Antártica, não abrindo mão das reivindicações feitas há mais de 70 anos. Todas as bases
que esses países possuem naquele continente estão localizadas dentro de suas respectivas
áreas reivindicadas. Embora os três programas antárticos sejam administrados pelos
respectivos Ministérios das Relações Exteriores, as Forças Armadas desses países possuem
estreita relação com os programas, incluindo a direta administração das bases, como é no caso
de argentinos e chilenos. No caso dos britânicos, a presença durante os verões, do HMS
Protector, da Royal Navy, com a missão de “provide a UK sovereign presence in the British
Antarctic Territory, South Georgia and the South Sandwich Islands and their surrounding
maritime áreas”, parece não precisar de maiores explicações sobre o que pensa o governo
britânico sobre a quem pertence aquele território, e o que estão dispostos a fazer caso a
soberania dele venha a comprometer os interesses do país.12
Na próxima seção será visto como o governo brasileiro trata da questão antártica,
iniciando com uma breve síntese histórica sobre o interesse do país naquele continente até
chegar na inclusão dele como parte do entorno estratégico do Brasil.
A ANTÁRTICA COMO PARTE DO ENTORNO ESTRATÉGICO BRASILEIRO
Antes de iniciar propriamente a discussão sobre a inclusão da Antártica no “entorno
estratégico brasileiro”, seu significado e surgimento nos documentos de defesa do Brasil,
cabem algumas considerações sobre o histórico do interesse do Brasil pela Antártica.
12 Dados sobre a missão do HMS Protector disponíveis em: http://www.royalnavy.mod.uk/our-organisation/the-
fighting-arms/surface-fleet/survey/antarctic-patrol-ship/hms-protector. Acesso em 8 fev. 2016.
12
Em todo século XIX e primeira metade do século XX, o continente antártico só era
motivo de poucos artigos de jornais com as notícias dos feitos de outros países, bem como o
apoio logístico a determinadas expedições científicas aquele continente, que usavam o porto
do Rio de Janeiro como parada logística.13 Em maio de 1958, o Brasil não foi convidado pelos
norte-americanos para participar das tratativas que levariam a celebração do Tratado da
Antártica, e encaminhou nota diplomática de protesto ao governo daquele país, em 30 de
julho de 1958. Na verdade, o país não tinha realizado nenhuma expedição à Antártica, até
aquele momento, como foi o caso dos doze países participantes da reunião. O primeiro
brasileiro a pisar em solo antártico foi o doutor Durval Rosa Borges, que por sua iniciativa,
conseguiu ser convidado pelos norte-americanos, e esteve na Estação Científica de McMurdo,
em fevereiro/março de 1958, a fim de coletar subsídios para seus artigos jornalísticos.
Durante o Ano Geofísico Internacional de 1957-195814, a Marinha brasileira chegou a realizar
pesquisas científicas, mas todas fora da região considerada “antártica” pelo Tratado (ao sul do
paralelo de 60°S).
No meio militar brasileiro, o primeiro registro que se tem notícia é de um estudo
realizado pelo Tenente-Coronel Wladimir Fernandes Bouças, do Estado-Maior do Exército,
onde é defendida a posição de que o Brasil deveria reivindicar território na Antártica pelo
critério da defrontação, encaminhado em março de 1955, ao Conselho de Segurança Nacional.
Tal estudo foi devolvido com o seguinte despacho: “o trabalho tinha sido examinado com
atenção e interesse, mas que não parecia oportuna qualquer iniciativa a respeito do assunto.”
(Mattos, 2015, p.112). Os primeiros artigos relevantes sobre o tema foram publicados na
segunda metade da década de 1950. Em 1956, a professora Therezinha de Castro e o professor
Delgado de Carvalho, ambos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, na época
subordinado diretamente a Presidência da República, escrevem para a Revista do Clube
Militar, um artigo chamado “A Questão da Antártica”. Nele, os autores defendem que o Brasil
deveria reivindicar território na Antártica e usar a chamada Teoria da Defrontação, que,
supostamente, daria direito ao Brasil a parte do território antártico, considerando os
meridianos que passam por Martim Vaz e pelo Arroio Chuí. Em 1957, Therezinha volta a
13 Aqui, cabe o registro da expedição do belga Adrien de Gerlache, que em 1897 esteve no Rio de Janeiro com
seu navio “Bélgica”, e foi recebido com festa pela intelectualidade brasileira, no Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro. Naquela ocasião, Gerlache chegou a convidar o Dr. Cruls, então chefe do Observatório Nacional a
acompanhar a expedição a bordo do “Bélgica”, o que não foi aceito. Também naquela parada no Rio, Gerlache
foi recebido pelo então Presidente da República Prudente de Morais, em audiência, o que comprova que as
viagens de outros países à Antártica não era assunto desconhecido pela elite brasileira. Revista do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, tomo LX, Parte II, 1897, p.205-234. 14 O AGI foi uma iniciativa que congregou pesquisadores de mais de 60 países em diversas áreas do
conhecimento, inclusive com o estabelecimento de estações científicas no Ártico e na Antártica.
13
escrever sobre o tema, dessa vez sem Delgado de Carvalho, também na Revista do Clube
Militar, agora com o artigo “Antártica, o assunto do momento” (Menezes, 1982).
Após uma década de 1960 com poucos avanços em relação ao interesse brasileiro pelo
Sexto Continente15, a década de 1970, começa com um pronunciamento, em 28 de novembro
de 1970, no Congresso Nacional, do deputado Eurípides Cardoso de Menezes defendendo os
direitos brasileiros em possuir território na Antártica. Eurípides, influenciado por Therezinha
de Castro, prossegue na sua campanha e apresenta um detalhado trabalho na Escola Superior
de Guerra, com o título “Antártica: Interesses Nacionais”, durante seu Curso de Altos
Estudos, naquela escola, em 1972, reafirmando a importância estratégica do continente para o
Brasil (Castro, 1976).
Em 7 de setembro de 1972 foi criado o Instituto Brasileiros de Estudos Antárticos
(IBEA), com sede no Rio de Janeiro, e cujo objetivo principal era a realização da primeira
expedição científica brasileira à Antártica, o que acabou por não ocorrer, em razão do forte
boicote do governo brasileiro, que não desejava uma expedição não oficial ao continente.
Com as pressões por parte da sociedade e com a crise do petróleo de 197316, o
Ministério das Relações Exteriores (MRE) encaminha uma Exposição de Motivos ao
presidente Ernesto Geisel, em 28 de maio de 1974, para que o país aderisse ao Tratado.
Preocupado com as relações com a Argentina, instáveis pelo tema da construção da
Hidrelétrica de Itaipu, Geisel somente decide aderir ao Tratado em 16 de maio de 1975.
Após anos de indecisões políticas por parte dos governos Geisel e Figueiredo17, em
dezembro de 1982, teve início a primeira expedição científica brasileira à Antártica, com os
navios “Barão de Teffé”, da Marinha do Brasil e “Professor Besnard”, da Universidade de
São Paulo. Neste mesmo ano foi aprovado o Programa Antártico Brasileiro (PROANTAR),
que é coordenado, até hoje, pela Marinha do Brasil por meio da Secretaria da Comissão
Interministerial para Recursos do Mar (SECIRM), em coordenação com os Ministérios de
Ciência, Tecnologia e Inovação, das Relações Exteriores e o do Meio Ambiente, entre outros,
que também participam da Comissão.
15 Cabe mencionar a chegada ao Polo Sul pelo meteorologista Professor Rubens Junqueira Villela, da USP, em
novembro de 1961, convidado pelo Programa Antártico dos EUA; e pela participação de três oficiais da Marinha
do Brasil em expedições antárticas chilenas, e convite deste país, em 1963, 1964 e 1966 (Mattos, 2015) 16 O Brasil era grande importador de petróleo e os preços quadruplicaram no final de 1973. No âmbito do “clube
antártico” já havia uma grande expectativa que o Tratado fosse revisto em 1991, autorizando a prospecção
mineral no continente (Mattos, 2015). 17 O acordo para a construção da Usina de Itaipu pelo Brasil e Paraguai somente foi firmado com a Argentina em
1979. Os argentinos, desde a década de 1960, eram contrários à construção da hidrelétrica, e este foi um tema
sensível nas relações entre os dois maiores países do subcontinente durante toda a década de 1970 (Mattos,
2015).
14
Em setembro de 1983, o Brasil passou a fazer parte do seleto grupo dos países com
direito a voto nas reuniões do Tratado, como membro consultivo aderente. No ano seguinte, a
Estação Antártica Comandante Ferraz (EACF), na ilha Rei George, nas Shetlands do Sul, foi
inaugurada. Em fevereiro de 2012, a EACF sofre um grave incêndio que vitimou dois
militares e destruiu a estação brasileira. A presença do país naquele continente prosseguiu por
meio de módulos antárticos emergenciais e pelos navios da Marinha do Brasil. Em agosto de
2015, o governo brasileiro assinou contrato com uma empresa chinesa para a construção da
nova estação18, com previsão de término no verão de 2017-2018.
Nos documentos oficiais relacionados com o tema Defesa, sobre a Antártica, apenas
uma breve menção no item 5, Diretrizes, alínea s, da Política de Defesa Nacional de 1996:
“promover o conhecimento científico da região antártica e a participação ativa no processo de
decisão de seu destino” (Brasil, 1996). O documento foi lançado antes mesmo da criação do
próprio Ministério da Defesa, em 1999.
O termo “Entorno Estratégico” surge pela primeira vez em documentos oficiais na
Política de Defesa Nacional de 2005, em seu subitem 3.1:
O subcontinente da América do Sul é o ambiente regional no qual o
Brasil se insere. Buscando aprofundar seus laços de cooperação, o
País visualiza um entorno estratégico que extrapola a massa do
subcontinente e incluiu a projeção pela fronteira do Atlântico Sul e
os países lindeiros da África (Brasil, 2005).
Em relação à Antártica, especificamente, a PDN de 2005 não trouxe novidades,
quando comparada com a de 1996. Nela consta com uma de suas diretrizes estratégicas:
“participar ativamente nos processos de decisão do destino da região Antártica” (PDN, 2005,
item 7), similar ao já constante na PDN anterior.
Já a Política Nacional de Defesa (PND) de 2012, aprovada pelo Congresso em
setembro de 2013, traz a inclusão da Antártica como fazendo parte do entorno estratégico
brasileiro:
A América do Sul é o ambiente regional no qual o Brasil se insere.
Buscando aprofundar seus laços de cooperação, o País visualiza um
entorno estratégico que extrapola a região sul-americana e inclui o
Atlântico Sul e os países lindeiros da África, assim como a Antártica
(PND, 2012, subitem 4.1).
18 Nenhuma empresa brasileira mostrou-se habilitada para construir, embora o projeto da nova estação tenha sido
de uma empresa nacional (PROANTAR, 2016).
15
Não é especificado no documento, qual parte do continente antártico faz parte do
Entorno Estratégico. Considerando as grandes dimensões daquele continente, seria desejável
essa definição em uma próxima revisão, a fim de possibilitar uma estratégia de atuação
coerente com os objetivos do país para aquele continente.
Cabe mencionar que entre os onze Objetivos Nacionais de Defesa contidos na PND
2012, é possível correlacionar a Antártica em dois deles:
II: “defender os interesses nacionais e as pessoas, os bens e os recursos brasileiros no
exterior”; e
VI: “intensificar a projeção do Brasil no concerto das nações e sua maior inserção em
processos decisórios internacionais (PND, 2012, item 6).
A estação científica brasileira, permanentemente ocupada, além da presença de
pesquisadores em refúgios e outros pontos no continente antártico podem ser enquadrados no
Objetivo II, acima mencionado. O que leva a necessidade que as Forças Armadas brasileiras
estejam preparadas para lá atuar em defesa dos interesses nacionais, caso seja necessário.
Considerando que o Tratado proíbe a presença de efetivos militares e a realização de
exercícios militares no continente, esse preparo deverá ser conduzido em regiões de
características físicas semelhantes, mas não na Antártica propriamente dito. Mas o que parece
ser mais relevante é estar claramente definido nos documentos oficiais qual das Forças deve
estar equipada e qualificada para operações em regiões polares, no caso, no continente
antártico, a fim de proteger os interesses nacionais, caso seja necessário.
Com relação ao Objetivo VI, para que o Brasil tenha mais peso no processo decisório
com relação aos assuntos antárticos, faz-se necessário um maior investimento em termos de
pesquisas científicas e uma maior presença efetiva naquele continente. Segundo Brady (2013,
p.2), o Brasil não se encontra entre os dez maiores orçamentos destinados aos programas
antárticos, e com relação à produção científica: “at present the Treaty remains effectively a
select club dominated by the claimant nations and the Cold War warriors (USA and Russia)”.
Além da reconstrução da Estação Antártica Comandante Ferraz, o Brasil poderia já
planejar uma segunda estação, em outra posição, preferencialmente com sua própria pista para
apoio das aeronaves da Força Aérea Brasileira. A Índia e a China, dois países que também se
tornaram membros consultivos somente na década de 1980, já possuem programas antárticos
de maior porte, tendo duas e quatro bases, respectivamente, naquele continente.
O Brasil deve deixar claro para a comunidade internacional que a inclusão da
Antártica como parte de seu “entorno estratégico”, não foi por acaso, e que o país considera
16
aquele continente como uma região onde quer “irradiar sua influência e sua liderança
diplomática, econômica e militar”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao incluir a Antártica como parte do Entorno Estratégico brasileiro, em seu
documento de mais alto nível no campo da Defesa, o Brasil necessita refletir o que
efetivamente deseja de sua presença naquele continente, e pôr em prática uma Estratégia para
atuação conjunta dos diversos órgãos envolvidos.
Dos sete países que reivindicaram território na Antártica, antes da celebração do
Tratado em 1959, nenhum deles, até o momento, abriu mão, oficialmente, dessa
reivindicação. Se a pesquisa científica em prol de toda humanidade é mesmo o grande
objetivo da presença dos países naquele continente, num primeiro momento, não parece fazer
muito sentido essas reivindicações territoriais ainda estarem em vigor.
A Antártica encontra-se sob o regime do Tratado Antártico, “um conjunto de normas e
princípios criado por atores politicamente racionais, que optaram pela cooperação e pela paz
antes de ter de optar pela escolha, menos racional, de chegar a um conflito em época de
Guerra Fria” (Villa, 2004, p. 151). Mas se for correta a afirmação de Baylis & Wirtz de que
"In an international system without effective government, states will agree to laws when it
suits them, but will disregard them when their interests are threatened" (2013, p.8), a posição
dos territorialistas passa a ser mais coerente.
Neste artigo vimos a posição de três territorialistas, que mesmo após passados mais de
cinquenta anos da celebração do Tratado, não abrem mão de suas reivindicações. Argentina e
Chile, inclusive, deixam claros em seus documentos oficiais que as áreas que reivindicaram
na Antártica fazem parte efetiva de seus territórios. No caso do Reino Unido, a opção foi por
considerar como sendo um dos Territórios Além-Mar, mas que também possuem o direito de
proteção por parte do governo central, muito próximo a qualquer parte do próprio território
britânico.
O Brasil não parece precisar explorar recursos minerais na Antártica, pelo menos num
horizonte de tempo previsível. Para o País, a importância da Antártica estaria mais ligada a
outros fatores, como o ambiental.
A influência meteorológica do continente antártico no clima brasileiro, parece ser
consenso por parte do meio científico. Uma alteração significativa no meio ambiente daquele
continente em razão de uma possível mudança nas regras atuais que proíbem a exploração
17
mineral, pode trazer grandes impactos negativos para o clima do Brasil, sexto país
geograficamente mais próximo da Antártica, e dependente economicamente de seu
agronegócio.
A população mundial, atualmente com 7,3 bilhões, continua em crescimento, com
previsão de atingir 11,2 bilhões de pessoas em 210019, com as camadas sociais mais pobres da
grande maioria dos países aspirando pelo mesmo nível de conforto dos mais desenvolvidos (a
população da África será a de maior crescimento percentual entre os continentes). A busca por
esse melhor nível, demandará uma maior quantidade de energia, de minerais estratégicos, de
água e de alimentos. Como já ocorreu na partilha do continente africano no final do século
XIX, a disputa por recursos naturais poderá redundar na ocupação física do território
antártico. O atual interesse pelo Ártico20 (novas rotas marítimas e exploração de gás e
petróleo), nos dá indícios do que pode vir a ocorrer na Antártica até o final deste século
(Klare, 2012).
Em 204821, quando o tema da exploração mineral puder ser contestado por maioria
simples dos membros com direito a voto, ou talvez até mesmo antes, países como China e a
Índia, juntamente com os EUA, os três mais ricos do planeta22- com as maiores populações,
considerável poder militar e ainda dependentes de recursos minerais estratégicos – poderão
vir a impor o início da exploração dos recursos estratégicos, trazendo de novo a questão da
soberania naquele continente. Países que reivindicaram território, e que ainda mantém essa
posição, como é o caso dos três analisados neste artigo, devem tentar exercer plenamente essa
soberania, o que pode redundar em conflito, como já ocorreu em 1982, com a disputa pelas
Ilhas Malvinas/Falklands, entre Argentina e Reino Unido, dois países, que por sinal, possuem
reivindicações praticamente coincidentes no continente antártico.
Com a inclusão da Antártica, na PND 2012, como fazendo parte do entorno
estratégico brasileiro, o governo, incluindo os militares, deve planejar os próximos passos do
19 Dados atualizados sobre a população mundial podem ser obtidos em
http://esa.un.org/unpd/wpp/Publications/Files/Key_Findings_WPP_2015.pdf. Acesso em 8 fev. 2016. 20 A governança política do Ártico é diferente da Antártica, pois não existe um Tratado que regulamente as
atividades dos países no Oceano Ártico. Essas atividades são regidas pela Convenção da Jamaica de 1982 e pelos
acordos firmados no âmbito do Conselho do Ártico, formado somente por oito países (Canada, Dinamarca,
Estados Unidos, Finlândia, Islândia, Noruega, Rússia e Suécia), mas já tendo China e Índia, entre outros, como
membros observadores. Informações sobre o Conselho do Ártico disponíveis em: http://www.arctic-
council.org/index.php/en/. Acesso em 4 fev. 2016. 21 Em 1991, foi assinado pelos países membros do Tratado o chamado Protocolo do Meio Ambiente ou
Protocolo de Madri que fixou em 50 anos, após a entrada em vigor do protocolo, para que o tema da exploração
mineral no continente antártico voltasse a ser discutida. Até lá, a retirada de minerais do continente somente é
possível para a realização de pesquisas científicas e não para fins comerciais (Mattos, 2015). 22 Projeções da economia mundial em 2050, disponíveis em: http://www.pwc.com/gx/en/issues/the-
economy/assets/world-in-2050-february-2015.pdf. Acesso em 6 de fev. 2016.
18
programa antártico, tendo uma visão mais estratégica, considerando o status que o país almeja
no cenário internacional, e o posicionamento de outros atores interessados naquele continente.
O país deve debater com mais profundidade o tema Antártica, não apenas do ponto de vista da
pesquisa científica, mas também do ponto de vista da defesa e da segurança. E é dentro desse
contexto do debate, que este autor considera fundamental a participação de toda a sociedade,
principalmente, por meio dos institutos e centros de estudos estratégicos.
A luz de contribuir com outros pesquisadores, sugere-se o aprofundamento das
pesquisas sobre o significado do conceito de “entorno estratégico”, investigando o emprego
desse conceito por outros países; e prosseguir na pesquisa sobre a presença dos demais países
territorialistas e dos principais atores do sistema internacional já presentes na Antártica, como
é o caso dos EUA, Rússia, China e Índia. O futuro daquele continente está em grande parte
nas mãos desses quatro países, detentores, juntamente com Reino Unido e França, dos meios
de poder efetivos para exercerem suas vontades no sistema internacional.
19
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Antártico Argentino. [site]. Disponível em: http://www.dna.gob.ar/. Acesso em 5 fev. 2016.
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