7.2. Teoria da associação diferencial
E considerada uma teoria de consenso.
Foi iniciada por EDWIN SUTHERLAND, um dos sociólogos que mais influenciou a
Criminologia moderna, tendo se inspirado, em parte, nas idéias de GABRIEL TARDE.
SUTHERLAND, que nasceu em 1883 e viveu até 1950, teve seu primeiro contato com a
Crimínologia no início do século XX, com a escola de Chicago, sendo por ela influenciado.
No final dos anos 30, Sutherland cunha a expressão white-collar crimes, que passa a
identificar os autores de crimes diferenciados, que apresentavam pontos acentuados de
dessemelhança com os criminosos chamados comuns. Dez anos mais tarde, em 1949, revê
parcialmente sua teoria, chegando a uma formulação mais próxima da que conhecemos
hoje.
Segundo EDWIN SUTHERLAND, A ASSOCIAÇÃO DIFERENCIAL é o processo de
aprender alguns tipos de comportamento desviante, que requer conhecimento
especializado e habilidade, bem como a inclinação de tirar proveito de oportunidades
para usá-las de maneira desviante.
Tudo isso é aprendido e promovido principalmente em grupos tais como gangues
urbanas ou grupos empresariais que fecham os olhos a fraudes, sonegação fiscal ou uso de
informações privilegiadas no mercado de capitais.
A TEORIA DA ASSOCÍAÇÃO DIFERENCIAL PARTE DA IDÉIA segundo a qual o crime não
pode ser definido simplesmente como disfunção ou inadaptação das pessoas de
classes menos favorecidas, não sendo ele exclusividade destas. Em certo sentido, ainda
que influenciado pelo pensamento da desorganização social de William Thomas, Sutherland
supera o conceito acima para falar de uma organização diferencial e da aprendizagem dos
valores criminais.
VANTAGENS DA TEORIA DA ASSOCIAÇÃO DIFERENCIAL - ao contrário do
positivismo, que estava centrado no perfil biológico do criminoso, tal pensamento traduz
uma grande discussão dentro da perspectiva social. O homem aprende a conduta
desviada e associa-se com referência nela.
Quadro 3: Teoria da Associação Diferencial de SUTHERLAND
Teoria da Associação Diferencial de SUTHERLAND (nove proposições)
Segundo MOLINA e GOMES, a teoria da associação diferencial de Sutherland é
resumida com nove proposições:
1) A conduta criminal se aprende, como se aprende também o comportamento
virtuoso ou qualquer outra atividade: os mecanismos são idênticos em todos os casos.
2) A conduta criminal se aprende em interação com outras pessoas, mediante
um processo de comunicação. Requer, pois, uma aprendizagem ativa por parte do
indivíduo. Não basta viver em um meio criminógeno, nem manifestar, é evidente,
determinados traços da personalidade ou situações freqüentemente associadas ao delito.
Não obstante, em referido processo participam ativamente, também, os demais.
3) A parte decisiva do citado processo de aprendizagem ocorre no seio das
relações mais intimas do individuo com seus familiares ou com pessoas do seu meio.
A influência criminogena depende do grau de intimidade do contato interpessoal.
4) A aprendizagem do comportamento criminal inclui também a das técnicas de
cometimento do delito, assim como a da orientação específica das correspondentes
motivações, impulsos, atitudes e da própria racionalização (justificação) da conduta delitiva.
5) A direção específica dos motivos e dos impulsos se aprende com as
definições mais variadas dos preceitos legais, favoráveis ou desfavoráveis a eles. A
resposta aos mandamentos legais não é uniforme dentro do corpo social, razão pela
qual o indivíduo acha-se em permanente contato com outras pessoas que têm diversos
pontos de vista quanto à conveniência de acatá-los. Nas sociedades pluralistas, dito conflito
de valorações é inerente ao próprio sistema e constitui a base e o fundamento da teoria
sutherlaniana da associação diferencial.
6) Uma pessoa se converte em delinqüente quando as definições favoráveis à
violação da lei superam as desfavoráveis, isto é, quando por seus contatos diferenciais
aprendeu mais modelos criminais que modelos respeitosos ao Direito.
7) As associações e contatos diferenciais do indivíduo podem ser distintas
conforme a freqüência, duração, prioridade e intensidade dos mesmos. Contatos
duradouros e freqüentes, é lógico, devem ter maior influência pedagógica, mais que
outros fugazes ou ocasionais, do mesmo modo que o impacto que exerce qualquer
modelo nos primeiros anos de vida do homem costuma ser mais significativo que o que tem
lugar em etapas posteriores; o modelo é tanto mais convincente para o indivíduo quanto
maior seja o prestígio que este atribui à pessoa ou grupos cujas definições e exemplos
aprende.
8) Precisamente porque o crime se aprende, isto é, não se imita, o processo de
aprendizagem do comportamento criminal mediante contato diferencial do indivíduo
com modelos delitivos e não delitivos implica a aprendizagem de todos os
mecanismos inerentes a qualquer processo deste tipo.
9) Embora a conduta delitiva seja uma expressão de necessidades e de valores
gerais, não pode ser explicada como concretização deles, já que também a conduta
adequada ao Direito corresponde a idênticas necessidades e valores.
7.2.1. Teoria das oportunidades
7.3. Teoria da anomia
É considerada uma teoria de consenso. A anomia é um dos temas mais estudados
pela moderna Criminologia.
A ANOMIA é uma situação social onde falta coesão e ordem, especialmente no
tocante a normas e valores. Ela ocorre quando:
Se as normas são definidas de forma ambígua, por exemplo, ou
São implementadas de maneira causal e arbitrária;
Se há uma calamidade como a guerra subverte o padrão habitual da vida
social e cria uma situação em que se torna obscuro quais normas têm
aplicação; ou
Se um sistema é organizado de tal forma que promove o isolamento e a
autonomia do indivíduo a ponto das pessoas se identificarem muito mais
com seus próprios interesses do que com os do grupo ou da comunidade
como um todo;
Falta de normas .
O RESULTADO DISSO TUDO É A ANOMIA.
Como exemplo prático disso, podemos tomar a situação de dificuldade de controle da
ordem pública que a força de paz da ONU enfrenta no Haiti. O colapso do governo anterior
gerou uma situação de anomia nos país (ex.: saques, estupros e violações de direitos
humanos, como torturas e aumento dos homicídios). E uma situação de caos, onde os
índices de criminalidade encontram terreno propício para forte elevação. Não será fácil a
tarefa de restabelecer a ordem pública no Haiti.
O Iraque é outro exemplo a ser citado.
No âmbito das teorias mais propriamente sociológicas, o princípio do bem e do mal
foi posto em dúvida pela teoria estrutural funcionalista da anomia e da criminalidade .
Esta teoria, introduzida pelas obras clássicas de EMILE DURKHEIM e desenvolvida por
ROBERT MERTON, representa a virada em direção sociológica efetuada pela Criminologia
contemporânea.
A TEORIA DA ANOMIA constitui a primeira alternativa clássica à concepção dos
caracteres diferenciais biopsicológicos do delinqüente e, por conseqüência, à variante
positivista do princípio do bem e do mal. Nesse sentido, a teoria funcionalista da anomia
está na origem de uma profunda revisão crítica da Criminologia de orientação
biológica e caracterológica, na origem de uma direção alternativa que caracteriza todas as
teorias Criminológicas das quais se tratará mais adiante.
Da abordagem sociológica do suicídio nas obras de DURKHEIM, podemos
destacar UMA REGRA GERAL: quando se criam na sociedade espaços anômicos, ou seja,
quando um indivíduo ou um grupo PERDE AS REFERÊNCIAS NORMATIVAS QUE
ORIENTAVAM A SUA VIDA, então enfraquece a solidariedade social, destruindo-se o
equilíbrio entre as necessidades e os meios para sua satisfação.
O indivíduo sente-se livre de vínculos sociais, tendo, muitas vezes, um
comportamento anti-social ou inclusive autodestrutivo.
Segundo Figueiredo Dias, a teoria da anomia é uma versão criminológica das
teorias funcionalistas em sociologia, que tiveram em The Social System (1950), de T.
Parsons, a sua expressão mais acabada. A teoria da anomia foi, pela primeira vez,
enunciada por Robert Merton, em 1938, num artigo publicado na American
Sociological Review, sob o título de Social Structre and Anomie.
A teoria da anomia radica a explicação do crime no DEFASAMENTO entre:
A ESTRUTURA CULTURAL – impoe a todos os cidadãos a persecução dos
mesmos fins e prescreve para todos os mesmos meios legítimos.
A ESTRUTURA SOCIAL - reparte desigualmente as possibilidades de
acesso a estes meios e induz, por isso, o recurso a meios ilegítimos.
Noutros termos, o crime é, segundo Merton, uma das formas individuais de
adaptação no quadro de uma sociedade agônica em torno de meios escassos . Na
mesma linha se mantém, entre outras, a obra de A. Cloward e L. Ohlin, Deliquency and
Opportunity A Theory of Deliquent Gangs (1960), com a particularidade de encarar o crime
como solução coletiva e subcultural.
MERTON afirma que em todo contexto sociocultural desenvolvem-se metas
culturais. Estas expressam os valores que orientam a vida dos indivíduos em
sociedade. Coloca-se então uma questão: como uma pessoa pode atingir essas metas?
MERTON diz que, para tal efeito, cada sociedade estabelece meios. Trata-se de recursos
institucionalizados ou legítimos que são socialmente prescritos. Existem também outros
meios que permitem atingir estas mesmas metas, mas que são rejeitados pelo grupo social.
A utilização destes últimos é considerada como violação das regras sociais em vigor.
O insucesso em atingir as metas culturais devido à insuficiência dos meios
institucionalizados pode produzir o que MERTON chama de anomia: manifestação de
um comportamento no qual as regras do jogo social são abandonadas ou
contornadas.
O indivíduo não respeita as regras do comportamento que indicam os meios de
ação socialmente aceitos. Surge então o desvio, ou seja, o comportamento desviante.
Não sabemos exatamente quais fatores levam algumas pessoas a cometerem
infrações criminais ou não. Mas, em entrevistas individuais, algumas vezes encontramos
casos de pessoas que simplesmente praticam o delito porque entenderam que é o
caminho mais rápido para alcançarem a riqueza e/ou o prestígio.
E aqui posso citar um caso relativamente comum no leste de Minas Gerais, de
jovens que passam a trabalhar na ilicitude do envio de pessoas para trabalhar
ilegalmente em outros países, algumas vezes falsificando passaportes, comprando
vistos de entrada de passaportes originais, emprestando dinheiro a juros extorsivos
para as famílias iniciarem a viagem ao país de destino, extorsões etc. Esses jovens
preferiram abandonar a tentativa de progredir socialmente pelos meios instítucionahzaclos
(ex.: trabalho) e optaram por chegar ao sucesso e prestígio com condutas criminais. Para
eles, o risco de serem processados e condenados vale a pena. Em tempo relativamente
curto, passam a comprar carros importados, freqüentar colunas sociais, organizar festas de
arromba etc. Não são também incomuns os casos de pessoas que se envolvem em
quadrilhas de extorsão mediante seqüestro e tráfico de drogas com o mesmo objetivo. Muitas
vezes elas não passam por dificuldades financeiras, mas escolhem esse caminho — o do
comportamento desviante — para atingir a meta cultural da riqueza e do sucesso.
Então, basicamente no conceito de anomia de Merton, temos um conflito de dois
pontos:
METAS CULTURAIS (ex.: riqueza, sucesso, status profissional etc.) versus
MEIOS INSTITUCIONALIZADOS.
Merton criou então um esquema onde ele explica os meios de adaptação dos
indivíduos, que chamou de modos de adaptação, e que são cinco: conformidade,
inovação, ritualismo, evasão e rebelião. O sinal positivo sinaliza quando o indivíduo aceita
o meio institucionalizado ou meta cultural. O sinal negativo é quando não os aceita. Vejamos
então o esquema de Merton:
Quadro 4: Classificação da Anomia de Robert Merton (modos de adaptação)
CONFORMIDADE : também chamado de comportamento modal. Aqui o indivíduo
aceita os meios sociais institucionais para alcançar as metas culturais. Ele
adere totalmente ao comportamento aceito e esperado pela sociedade e não
apresenta comportamento desviante. Os demais comportamentos são não- modais
ou desviantes e sinalizam a ocorrência de anomia.
INOVAÇÃO : na inovação o indivíduo aceita as metas culturais, mas não os meio
institucionalizados. Quando o indivíduo verifica que não estão acessíveis a ele
todos os meios institucionais, ele rompe com o sistema e passa ao desvio para
atingir as metas culturais.
RITUALISMO : neste modelo o indivíduo vê com descaso o atendimento das
metas socialmente dominantes. Por um motivo ou outro, a pessoa acredita que
nunca atingirá as metas culturais, e mesmo assim continua respeitando as
regras sociais, mas agindo como uma espécie de ritual. E um conformista . Neste
modelo há uma focalização nos meios e não nos objetivos sociais.
EVASÃO : neste conjunto encontramos os párias, mendigos, bêbados e drogados
crônicos etc. Enquanto para Merton o conformismo era o modo de adaptação mais
comum, a evasão já é o modo mais raro. Neste modelo o indivíduo vive num
determinado ambiente social, mas não adere às suas normas sociais, nem aos
meios institucionais e nem a metas culturais. É um comportamento claramente
anômico.
REBELIÃO : consiste na rejeição das metas e dos meios dominantes — julgados
como insuficientes ou inadequados — e na luta pela sua substituição. A conduta da
rebelião busca assim a configuração de uma nova ordem social. Por essa razão,
Merton entende que essa conduta não pode ser considerada especificamente
como negativa, utilizando simultaneamente como símbolos os sinais positivos e
negativos. Exemplos claros da conduta de rebelião constituem os movimentos de
revolução social 98
Três elementos básicos emergem desta construção teórica: objetivos (ou fins)
culturais, normas institucionalizadas e oportunidades reais. Eles são independentes,
mas podem, em variações autônomas, provocar estados de defasagem recíproca. Em
relação às defasagens dos elementos da estrutura cultural, elas podem oscilar entre duas
situações-limite, expressando as formas mais sérias de desintegração cultural. De um lado,
está a sociedade que atribui excessivo valor aos fins e relega a segundo plano as normas, à
procura do sucesso a qualquer preço. De outro, a sociedade que concede prioridade aos
meios e descuida dos objetivos, caindo na armadilha da conformidade absoluta e do apego
desmedido à tradição como valores dominantes.
7.4. Teoria da subcultura delinqüente
O criador dessa teoria foi o sociólogo norte-americano Albert K. Cohen (1955).
A subcultura é uma cultura associada a sistemas sociais (incluindo subgrupos) e
categorias de pessoas (tais como grupos étnicos) que fazem parte de sistemas mais vastos,
como organizações formais, comunidades ou sociedades.
Os subgrupos compartilham freqüentemente de linguagens, idéias e práticas culturais
que diferem das seguidas pela comunidade geral, mas, ao mesmo tempo, sofrem pressão
para conformar-se, em certo grau, à cultura mais vasta na qual está enraizada a subcultura.
O mesmo fato pode acontecer também em sistemas sociais menores, como grandes
empresas, departamentos do governo ou unidades militares, que se aglutinam muitas vezes
em torno de interesses especializados ou de laços criados por interações diárias e
interdependência mútua
As teorias subculturais sustentam três idéias fundamentais:
I)O caráter pluralista e atomizado da ordem social : A referida ordem social, a teor
deste novo modelo, é um mosaico de grupos, subgrupos, fragmentado, conflitivo; cada grupo
ou subgrupo possui seu próprio código de valores, que nem sempre coincidem com os
valores majoritários e oficiais, e todos cuidam de fazê-los valer diante dos restantes,
ocupando o correspondente espaço oficial.
II) A cobertura normativa da conduta desviada:
III) A semelhança estrutural, em sua gênese, do comportamento regular e
irregular:
Uma subcultura profissional muito estudada pela Criminologia na atualidade é a
policial. Os policiais trabalham com o perigo diariamente em sua profissão. Possuem laços
de relacionamento muito fortes com a corporação. O chamado espírito de corpo dos policiais
é um reflexo claro do dever de lealdade que os seus membros devem ter com a subcultura
policial. Sem o estudo profundo da subcultura profissional policial é difícil criar mecanismos
mais eficientes para se controlar a criminalidade derivada da corrupção policial.
A conduta delitiva para as teorias subculturais diferentemente do que sustentavam as
teses ecológicas - não seria produto da desorganização ou da ausência de valores,
senão reflexo e expressão de outros sistemas de normas e valores distintos: os
subculturais.
7.5. TEORIA DO LABELLING APROACH, ETIQUETAMENTO, ROTULAÇÃO ou REAÇÃO
SOCIAL
Essa teoria deixa de centrar estudos no fenômeno delitivo em si e passou a focar
suas atenções na reação social proveniente da ocorrência de um determinado delito.
Os principais representantes dessa linha de pensamento são Erving Goffman e
Howard Becker.
Seguindo Becker, os grupos sociais criam os desvios ao fazerem as regras cuja
infração constitui o desvio e ao aplicarem tais regras a certas pessoas em particular,
qualificando-as como marginais.
Os processos de desvios são:
DESVIOS PRIMÁRIOS: primeira ação delinquente do sujeito, que pode ter como
objetivo resolver alguma necessidade. Ex: necessidade econômica, se acomodar em alguma
necessidade do subgrupo.
DESVIOS SECUNDÁRIOS: repetição de atos lesivos, a partir da associação do
indivíduo com outros sujeitos deliquentes.
A tese central: CADA UM DE NÓS SE TORNA AQUILO QUE OS OUTROS VÊEM
EM NÓS, ou seja a prisão cumpre uma função reprodutora: a pessoa rotulada como
delinqüente assume, finalmente, o papel que lhe é consignado, comportando-se de acordo
com o mesmo. Todo o aparato do sistema penal está preparado para essa rotulação e para o
reforço desses papéis.
Exemplo: Carlito Brigante, representado por Al Pacino em O Pagamento Final
(Carlito's WavJ, filme dirigido por Brian de Palma, em 1993. Nesse filme, Carlito é traficante
de drogas e consegue sair da cadeia com uma brecha da lei. Ele tenta então dar um novo
rumo à sua vida, mas seus ex-colegas do crime, a polícia, sua família e o resto do sistema
rotularam Carlito como "criminoso". Uma linha invisível vai conduzindo a vida de Carlito, até o
mesmo se enquadrar novamente em seu rótulo.
Surgida nos Estados Unidos por volta dos anos 70, o labelling approach privilegia,
na análise do comportamento desviado, o funcionamento das instâncias de controle
social (criminalização secundária), ou seja, a reação social aos comportamentos assim
etiquetados.
De acordo com essa perspectiva, delito e reação social são expressões
interdependentes, recíprocas e inseparáveis. O desvio não é uma qualidade intrínseca da
conduta, senão uma qualidade que lhe é atribuída por meio de complexos processos de
interação social, processos estes altamente seletivos e discriminatórios.
A ESTIGMATIZAÇÃO DO DELIQUENTE: toda a investigação interacionista gravita
em torno da problematização da estigmatização, assumida como variável dependente (quais
os critérios em nome dos quais certas pessoas, e só elas, são estigmatizadas como
delinqüentes?), quer como variável independente (quais as conseqüências desta
estigmatização?).
Do confronte entre as teorias da criminalidade e da reação penal baseadas no
labelling approach surge, na sociologia criminal contemporânea a idéia de criminologia
crítica.
7.6. Teoria crítica, radical ou "nova criminologia"
Essa perspectiva criminológica - a mais recente - afirmou-se em plena
década de 1970. Ela surgiu quase ao mesmo tempo nos Estados Unidos e na
Inglaterra, irradiando depois para a generalidade dos países europeus - sobretudo
Alemanha, Itália, Holanda, França e Países Nórdicos -, para o Canadá etc.
O ramo americano da criminologia radical desenvolveu-se sobretudo a partir da escola
criminológica de Berkeley (com os Schwendinger e T. Platt). Criou a organização, a Union of
Radical Criminologists, e a sua revista própria, Crime and Social Justice.
A atenção da nova criminologia - da criminologia crítica - se dirigiu principalmente para
o processo de criminalização, identificando nele um dos maiores nós teóricos e
práticos das relações sociais de desigualdades próprias da sociedade capitalista, e
perseguindo, como um de seus objetivos principais, estender ao campo do Direito Penal, de
modo rigoroso, a crítica do direito desigual.
Igualmente expressiva foi a ruptura metodológica e epistemológica com a criminologia
tradicional. Ela significa, desde logo, o abandono do paradigma etiológico-determinista
(sobretudo no plano individual) e a substituição de um modelo estático e descontínuo de
abordagem do comportamento desviante por um modelo dinâmico e contínuo.
A criminologia radical é, em grande parte, uma criminologia da criminologia,
principalmente a discussão e análise de dois temas: a definição do objeto e do papel da
investigação criminológica .
Nesse sentido, uma das principais demandas da Criminologia radical,
conseqüente da sua visão marxista, é a da própria redescoberta do problema da
definição criminológica do que é um delito.
A Criminologia radical recusa o estatuto profissional e político da criminologia
tradicional, considerada como um operador tecnocrático a serviço do funcionamento mais
eficaz da ordem vigente. O criminólogo radical se recusa a assumir esse papel de
tecnocrata; desde logo porque considera o problema criminal insolúvel numa sociedade
capitalista; depois, e, sobretudo, porque a aceitação das tarefas tradicionais é em absoluto
incompatível com as metas da criminologia radical.
O modelo explicativo da criminologia radical se reconduz aos princípios do
marxismo. A criminologia radical distingue entre crimes que são expressão de um sistema
intrinsecamente criminoso [v.g., a criminalidade de white-collar, o racismo, a corrupção, o
belicismo) e crimes das classes mais desprotegidas. Este, que constitui o verdadeiro
problema criminal da sociedade capitalista, nem sempre é encarado com simpatia pelos
criminólogos radicais. Na medida em que se traduz num ato individual de revolta, este crime
revela uma falta de consciência de classe e representa um dispêndio gratuito de energias
que importa canalizar para a revolução.
A teoria crítica combateu diversos posicionamentos das outras teorias da
criminalidade. Esse clima de questionamento da criminologia da criminologia propiciou o
florescimento, alguns anos depois, de três tendências da Criminologia: o neo-realismo de
esquerda, o direito penal mínimo e o abolicionismo criminal. O abolicionismo criminal não
encontra grande aceitação na América Latina, e, em especial, no Brasil. Eventualmente
encontramos defensores do Direito Penal Mínimo que recusam o rótulo de abolicionistas,
mas que agem como tais. O neo-realismo de esquerda (e o seu respectivo movimento de law
and ordef) e o direito penal mínimo são, talvez, duas das posições ideológicas de maior
debate na atual Criminologia.
8.1. Fenômeno bullying
A questão da infância e da juventude é ponto fulcral para compreendermos alguns dos
(inúmeros) fatores que podem influenciar efetivamente a prática dos delitos. O que ocorre em
nossa infância vai refletir em nossa vida adulta.
Mas o que o fenômeno bullying pode ter com relação direta à violência e a
criminalidade no Brasil. Pouco estudado ainda no Brasil e quase que totalmente
desconhecido pela comunidade jurídica, o bullying começa a ganhar espaço nos estudos
desenvolvidos por pedagogos e psicólogos que lidam com o meio escolar.
O bullying é uma palavra de origem inglesa, adotada em muitos países para definir o
desejo consciente e deliberado de maltratar uma outra pessoa e colocá-la sob tensão; termo
que conceitua os comportamentos agressivos e anti-sociais, utilizado pela literatura
psicológica anglo-saxônica nos estudos sobre a violência escolar.
Não se tratam aqui de pequenas brincadeiras próprias da infância, mas de casos de
violência, em muitos casos de forma velada praticadas por agressores contra vítimas. Elas
podem ocorrer dentro de salas de aulas, corredores, pátios de escolas ou até nos arredores.
Essas agressões morais ou até físicas podem causar danos psicológicos para a
criança e o adolescente facilitando posteriormente a entrada dos mesmos no mundo do
crime.
As ações que podem estar presentes no bullying são: colocar apelidos, ofender, zoar,
gozar, encarnar, sacanear, humilhar, fazer sofrer, discriminar, excluir, isolar, ignorar,
intimidar, etc.
Caso exista na classe um agressor em potencial ou vários deles, seu comportamento
agressivo influenciará nas atividades dos alunos, promovendo interações ásperas,
veementes e violentas. Devido ao temperamento irritadiço do agressor e à sua acentuada
necessidade de ameaçar, dominar e subjugar os outros de forma impositiva pelo uso de
força, as adversidades e as frustrações menores que surgem acabam por provocar reações
intensas. Às vezes, essas reações assumem caráter agressivo em razão da tendência do
agressor a empregar meios violentos nas situações de conflitos. Em virtude de sua força
física, seus ataques violentos mostram-se desagradáveis e dolorosos para os demais.
Geralmente o agressor prefere atacar os mais frágeis, pois tem certeza de dominá-los.
Quanto aos demais alunos, acabam se tornando testemunhas, vítimas e co-
agressores dessa cruel dinâmica. Se não participarem do bullying, podem ser as próximas
vítimas.
O bullying acaba criando um ciclo vicioso, arrastando os envolvidos cada vez mais para
o seu centro.
Por que os adultos, que nunca foram vítimas de atos de violência, como assalto ou
furto, sentem uma grande sensação de insegurança nos espaços públicos? Simples: porque
acreditam que nesses locais tudo pode acontecer. A vida em comunidade está
comprometida, e cada um faz o que julga o melhor para si sem considerar o bem comum.
É esse clima que, de um modo geral, reina entre crianças e jovens: o de que ser um
bom garoto ou aluno correto não é um bem em si. Além disso, as crianças e os jovens
também convivem com essa sensação de insegurança de que, na escola, tudo pode
acontecer. Muitos criam estratégias para evitar serem vistos como frágeis e se tornarem alvo
de zombarias .
O sofrimento emocional e moral (até físico eventualmente) da vítima é claro. E comum
que a vítima mantenha a lei do silêncio, pois, na maioria das vezes, as agressões são
apenas morais e não deixam vestígios. O fenômeno bullying, apesar de ser antigo, deve
ocorrer com mais regularidade do que imaginamos. Será que um conselheiro tutelar, um
assistente social, membro do Ministério Público ou Poder Judiciário saberá lidar de forma
efetiva e adequada com essa situação? Estamos preparados para dar uma resposta efetiva
para reduzir o bullying?
O fenômeno bullying estimula a delinqüência e induz a outras formas de violência
explícita, produzindo, em larga escala, cidadãos estressados, deprimidos, com baixa auto-
estima, capacidade de auto-aceitação e resistência à frustração, reduzida capacidade de
auto-afirmação e de auto-expressão, além de propiciar o desenvolvimento de sintomatologias
de estresse, de doenças psicossomáticas, de transtornos mentais e de psicopatologias
graves.
Tem, como agravante, interferência drástica no processo de aprendizagem e de
socialização, que estende suas conseqüências para o resto da vida podendo chegar a um
desfecho trágico.
O profissional do Direito (juiz de direito, promotor de justiça, advogado ou
delegado de polícia), ao se deparar com um problema de bullying, deve estar aberto a
todas as alternativas possíveis que possam ser colocadas para a solução do
problema. Não é o princípio de autoridade por si só, que poderá acabar com essas
ocorrências num determinado ambiente escolar.
Há necessidade de se tratar com a direção da escola a capacitação dos funcionários e
professores para lidar com o tema e buscar manter o máximo possível um diálogo aberto e
franco com as crianças e adolescentes envolvidos, com o intuito de se procurar uma solução
que seja aceita pelo grupo e que seja internalizada e duradoura para aquele ambiente
escolar.
Todos têm receio de que o filho seja alvo de humilhação, exclusão ou brincadeiras de
mau gosto por parte dos colegas, para citar exemplos da prática, mas poucos são os que se
preocupam em preparar o filho para que ele não seja autor dessas atividades.
8.2. Assédio moral e stalking
Podemos definir assédio moral como comportamentos abusivos, que podem ser
praticados com gestos, palavras, atos (comissivos ou omissivos), que, praticados de
forma reiterada levam à debilidade física ou psíquica de uma pessoa.
O assédio moral é um tema debatido por vários ramos do Direito como o Civil, Penal,
do Trabalho, entre outros.
Essas microagressões podem acontecer em qualquer ambiente, como: trabalho,
escola, vida familiar etc, e não são fáceis de serem provadas. No geral, as ações são
analisadas de forma específica pelas pessoas, sendo que é o contexto que deve ser
analisado.
A Lei Federal 11.340/06 (Lei Maria da Penha) trouxe, nesse sentido, uma importante
contribuição, quando previu a punição da violência psicológica. Segundo o art. 5º da referida
lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão
baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e
dano moral ou patrimonial: I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o
espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as
esporadicamente agregadas; II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade
formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais,
por afinidade ou por vontade expressa; III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o
agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Se o marido, de forma repetida, afirma todo dia à sua esposa que "ela não presta
para nada", ele vai causar um dano psicológico à mesma. Caso a relação conjugal não
possa ser restaurada, com um tratamento de respeito para os envolvidos e sua família, o
caminho natural é a separação. Mas, alguns, por diversos motivos, optam por não se
separarem e acabam partindo para essas agressões verbais reiteradas, que acabam
causando danos psicológicos a todos os envolvidos (inclusive aos filhos).
Essas agressões psicológicas e morais passaram a ser definidas pela "Lei Maria
da Penha" e configuram assédio moral, e de certa forma expressam casos de violência
doméstica, punidos na forma da referida lei.
Damásio de Jesus cita uma modalidade de assédio moral denominado stalking.
Podemos dizer que assédio moral é o gênero e stalking uma de suas espécies. O
assédio moral pode configurar uma infração criminal ou não; já o stalking detém um
juízo de reprovabilidade mais intenso e sempre configurará uma infração criminal.
Segundo Damásio de Jesus, o stalking é uma forma de violência na qual o sujeito
ativo invade a esfera de privacidade da vítima, repetindo incessantemente a mesma
ação por maneiras e atos variados, empregando táticas e meios diversos: ligações nos
telefones celular, residencial ou comercial, mensagens amorosas, telegramas,
ramalhetes de flores, presentes não solicitados, assinaturas de revistas indesejáveis,
recados em faixas afixadas nas proximidades da residência da vítima, permanência na
saída da escola ou do trabalho, espera de sua passagem por determinado lugar,
freqüência no mesmo local de lazer, em supermercados etc.
Segundo Damásio de Jesus, esse comportamento possui determinadas
peculiaridades:
Ia) invasão de privacidade da vítima;
2a) repetição de atos;
3a) dano à integridade psicológica e emocional do sujeito passivo;
4a) lesão à sua reputação;
5a) alteração do seu modo de vida;
6a) restrição à sua liberdade de locomoção.
Regra geral, não existindo outras peculiaridades, o stalking, também no entendimento
de Damásio de Jesus, configura a contravenção penal do artigo 651 do Decreto-lei 3.688/41
(Lei de Contravenções Penais). Mas o stalking pode estar acompanhado de outros crimes
mais graves. É o caso concreto que vai apontar a melhor solução jurídica para o caso.
Exemplo envolvendo Stalker: Um Indivíduo havia tentado matar sua ex-
namorada no ano de 2002 por rompimento da relação amorosa por parte dela . Não
satisfeito com o resultado, durante muitos meses passou a persegui-la pela via pública,
espalhava boatos contra a vítima, permanecia insistentemente na saída de seu trabalho,
provocava uma série de outros constrangimentos, ameaçava de morte e a agredia também
fisicamente. Tinha um verdadeiro "sentimento de posse" em relação à vítima. Fomos
procurados pelo advogado da vítima, que felizmente havia coletado provas (cópias de
inúmeros boletins de ocorrência, fotografias, bilhetes ameaçadores etc.) e conseguimos
provar que a vítima corria risco concreto de vida, bem como que o stalker a ameaçava
insistentemente para não prestar depoimento no plenário do Tribunal do Júri. O Poder
Judiciário decretou, então, a prisão preventiva do stalker, que irá em breve a julgamento pela
tentativa de homicídio de sua ex-namorada.
8.3. Justiça restaurativa
Uma das boas novidades que surgiu no contexto mundial nos últimos anos para
auxiliar no controle da violência é o modelo da Justiça restaurativa.
Adotada com sucesso na Inglaterra, Austrália, Canadá, África do Sul e Colômbia,
a Justiça restaurativa surgiu há mais de dez anos na Nova Zelândia . Inspirada nos
mecanismos de solução de litígios dos aborígines maoris, SEU OBJETIVO é reduzir as
taxas de reincidência entre criminosos jovens, levando-os a assumir a
responsabilidade por sua conduta anti-social, a compreender as conseqüências
materiais e psicológicas de seus delitos para as vítimas e a reparar os danos a elas
causados. Em Bogotá, uma das cidades mais violentas da América Latina, desde que
essa experiência foi posta em prática a taxa de homicídios caiu 30%.
No MODELO DE JUSTIÇA RESTAURATIVA, o infrator, a vítima e a comunidade
atuam ativamente na solução do conflito. Não é a punição como retribuição pura da
1 Art. 65 da Lei de Contravenções Penais. Molestar alguém ou perturbar-lhe a tranqüilidade, por acinte ou por motivo reprovável: Pena - prisão simples, de 15 dias a dois meses, ou multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis.
sociedade que prevalece, mas a mediação, a resolução efetiva do conflito através da
mediação vítima-ofensor.
A idéia da Justiça restaurativa é substituir o castigo pela conscientização,
permitir que a rigidez processual dê lugar ao diálogo e à mediação e estimular o Poder
Público, empresas, escolas e igrejas a agir em conjunto, auxiliando na consecução de
acordos de bom comportamento com autores de crimes como lesão corporal e
pequenos furtos. Como esses delitos costumam ser cometidos na comunidade onde seus
autores moram, o mediador judicial, com o apoio da polícia e de órgãos municipais, procura
criar condições mínimas de entendimento entre as partes. Os juízes não têm
participação direta nas reuniões. Ao contrário de um magistrado tradicional, que está
preso aos autos e é obrigado a aplicar a letra fria da lei, o mediador dispõe de ampla
flexibilidade e trabalha com a preocupação de garantir a convivência futura na
comunidade. Por isso, além de um perfil pacificador, vocação para o diálogo e paciência, ele
precisa ter familiaridade com o nível cultural da população local, falar a mesma linguagem e
ser respeitado por todos os envolvidos no caso.
Alguns projetos de Justiça restaurativa experimentais começam a ser
desenvolvidos no Brasil. Em alguns crimes (em especial, os crimes violentos, como o
homicídio) sentimos uma certa dificuldade de aplicação do modelo, mas, nos crimes
de pequeno potencial ofensivo e os crimes de média gravidade, a medida pode ser
salutar.
Leonardo Sica entende que a mediação penal é compatível com o ordenamento
jurídico pátrio e pode encontrar lugar na racionalidade penal. Também é recomendável
ao nosso contexto social e tem potencialidade para atingir os objetivos de integração
social, preservação da liberdade e ampliação dos espaços democráticos, diminuição
do caráter aflitivo da resposta penal, superação da filosofia do castigo e restauração
e/ou manutenção da paz jurídica, desde que inserida em um novo paradigma, a Justiça
restaurativa.
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