UNIVERSIDADE NOVE DE JULHO
RESISTÊNCIA NA CASA GRANDE
História e Cultura Afro-Brasileira na Educação de
Adultos
Neide Cristina da Silva
São Paulo
2013
UNIVERSIDADE NOVE DE JULHO
RESISTÊNCIA NA CASA GRANDE
História e Cultura Afro-Brasileira na Educação de
Adultos
Neide Cristina da Silva
São Paulo
2013
Silva, Neide Cristina da. Resistência na casa grande: historia e cultura afro-brasileira na educação de adultos. / Neide Cristina da Silva. 2013. 167 f. Dissertação (mestrado) – Universidade Nove de Julho - UNINOVE, São Paulo, 2013. Orientador (a): Prof. Dr. Jose Eustáquio Romão.
1. Educação de adultos. 2. Cidade Tiradentes. 3. - SP. História e cultura afro-brasileira.
I. Romão, Jose Eustáquio. II. Titulo
CDU 37
SILVA, Neide Cristina da. Resistência na Casa Grande: História e
cultura afro-brasileira na educação de adultos. Dissertação
apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre,
no programa de Mestrado em Educação da Universidade Nove de
Julho (UNINOVE), São Paulo, 2013.
Banca Examinadora
1 - Titulares:
1.1 – Orientador: Prof. Dr. José Eustáquio Romão
1.2 – Examinador I: Prof. Dr. Maurício Pedro da Silva
1.3 – Examinador II: Prof.ª Dra Sônia Couto Souza Feitosa
2 – Suplentes:
2.1 – Suplente I: Prof. Dr. Adriano Salmar Nogueira e Taveira
Conceito: _____________________________________________
José Eustáquio Romão Neide Cristina da Silva
_____________________ _____________________
Dedico esta pesquisa a minha querida mãe Aurelina que
lutou contra a opressão durante toda sua vida e se tornou
uma mulher de grande valor.
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao meu companheiro Michael e meu filho Vinicius que, pacientemente, me
acompanharam nesta pesquisa. Agradeço ao meu querido mestre José Eustáquio Romão que
iluminou o meu caminho com sua sabedoria e benevolência, assim como os professores
Mauricio Silva e Jason Mafra que carinhosamente me incentivaram e apoiaram . Por fim,
agradeço ao meu mestre da vida Daisaku Ikeda, que sempre me incentivou a prosseguir nos
estudos e superar todas as dificuldades, realizando a minha revolução humana.
No meu país o preconceito é eficaz Te cumprimentam na frente
E te dão um tiro por trás
"O Brasil é um pais de clima tropical Onde as raças se misturam naturalmente
E não há preconceito racial. Ha,Ha....."
Nossos motivos pra lutar ainda são os mesmos O preconceito e o desprezo ainda são iguais
Nós somos negros também temos nossos ideais Racistas otários nos deixem em paz...
RACIONAIS MC’s
LISTA DE ABREVIATURAS
Banco Nacional da Habitação ................................................................................ BNH
Câmara de Educação Básica .................................................................................. CEB
Centro de Estudos da Cultura e Arte Negra .......................................................... CECAN
Conselho Nacional da Educação............................................................................. CNE
Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo .......................................... COHAB
Educação de Adultos …………………………………………………………….. EDA
Educação de Jovens e Adultos ............................................................................... EJA
Escola Estadual ...................................................................................................... EE
Escola Municipal ………………………………………………………………… EM
Exame Nacional do Ensino Médio ......................................................................... ENEM
Escola Técnica Estadual …………………………………………………………. ETEC
Faculdade de Tecnologia Fundetec ……………………………………………… FATEF
Frente Negra Brasileira .......................................................................................... FNB
Instituto Brasileiro de Estudos Africanistas ........................................................... IBEA
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ........................................................ IBGE
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicilio ....................................................... PNAD
Salário Mínimo ....................................................................................................... SM
Sistema Financeiro da Habitação ........................................................................... SFH
Teatro Experimental Negro .................................................................................... TEN
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ....................................................... TCLE
Trabalho de Conclusão de Curso............................................................................ TCC
Universidade Cidade de São Paulo ........................................................................ UNICID
Universidade Nove de Julho .................................................................................. UNINOVE
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico I: Gênero do Corpo Discente da EDA em Cidade Tiradentes (Universo Experimental)... 61
Gráfico II: Faixa Etária do Corpo Discente da EDA (Universo Experimental) ............................. 61
Gráfico III: Estado Civil do Corpo Discente da EDA em Cidade Tiradentes (Universo
Experimental) ..................................................................................................................................
62
Gráfico IV: Perfil Étnico do Corpo Discente de EDA Cidade Tiradentes (Universo
Experimental) ..................................................................................................................................
63
Gráfico V: Região geográfica de origem dos estudantes (Universo Experimental) ....................... 64
Gráfico VI: Ensino Fundamental de que é Egresso o Corpo discente (Universo Experimental).... 65
Gráfico VII: Quantidade de Filhos do Corpo Discente (Universo Experimental) .......................... 66
Gráfico VIII: Escolaridade da Mãe do Corpo Discente de EDA (Universo Experimental) ........... 67
Gráfico IX: Ocupação profissional (Universo Experimental) ........................................................ 68
Gráfico X: Renda mensal individual (Universo Experimental) ...................................................... 69
Gráfico XI: Renda mensal familiar (Universo Experimental) ........................................................ 70
Gráfico XII: Número de pessoas que vivem da renda familiar (Universo Experimental) .............. 70
Gráfico XIII: Opção religiosa (Universo Experimental) ................................................................ 71
Gráfico XIV: Situação atual do domicilio ((Universo Experimental) ............................................ 72
Gráfico XV: Gênero do Corpo Discente da EDA em Santo André (Universo de Controle) .......... 73
Gráfico XVI: Faixa Etária do Corpo Discente da EDA em Santo André (Universo de Controle).. 73
Gráfico XVII: Estado Civil do Corpo Discente da EDA em Santo André (Universo de
Controle)..........................................................................................................................................
74
Gráfico XVIII: Perfil Étnico do Corpo Discente de EDA em Santo André (Universo de
Controle) .........................................................................................................................................
75
Gráfico XIX: Região geográfica de origem dos estudantes (Universo de Controle) ...................... 75
Gráfico XX: Ensino Fundamental de que é Egresso o Corpo discente (Universo de Controle)..... 76
Gráfico XXI: Quantidade de filhos dos estudantes da EDA (Universo de Controle) ..................... 77
Gráfico XXII: Escolaridade da mãe dos estudantes da EDA (Universo de Controle) .................... 77
Gráfico XXIII: Ocupação profissional (Universo de Controle) ...................................................... 78
Gráfico XXIV: Renda mensal individual (Universo de Controle) .................................................. 79
Gráfico XXV: Renda mensal familiar (Universo de Controle) ..................................................... 80
Gráfico XXVI: Número de pessoas que vivem da renda familiar (Universo de Controle) ............ 80
Gráfico XXVII: Opção religiosa (Universo de Controle) ............................................................... 81
Gráfico XXVIII: Situação atual do domicílio (Universo de Controle) ........................................... 82
LISTA DE QUADROS
Quadro I: Pesquisa de opinião Universo Experimental ................................................................ 88
Quadro II: Calculo do Grau de Consistência dos Quesitos do Instrumento da Pesquisa de Opinião .........................................................................................................................................
90
Quadro III: Quesito I .................................................................................................................... 91
Quadro IV: Quesito III ................................................................................................................. 93
Quadro V: Quesito V ................................................................................................................. 94
Quadro VI: Quesito VI ............................................................................................................. 95
Quadro VII: Quesito VIII ............................................................................................................. 97
Quadro VIII: Quesito IX .............................................................................................................. 98
Quadro IX: Pesquisa de opinião - Universo de controle .............................................................. 99
Quadro X: Grau de consistência do Instrumento Aplicado no Universo de Controle ................. 101
Quadro XI: Quesito I .................................................................................................................... 102
Quadro XII: Quesito III ................................................................................................................ 104
Quadro XIII: Quesito V ................................................................................................................ 105
Quadro XIV: Quesito X ............................................................................................................... 105
Quadro XV: Grau de Consistência dos Quesitos Considerado no Universo Total ...................... 107
Quadro XVI: Quesito I ................................................................................................................. 108
Quadro XVII: Quesito III ............................................................................................................. 110
Quadro XVIII: Quesito V ............................................................................................................. 110
Quadro XIX: Quesito VI .............................................................................................................. 112
Quadro XX: Quesito IX ............................................................................................................... 113
Quadro XXI: Identificação Sujeito 1 ........................................................................................... 115
Quadro XXII: Identificação Sujeito 2 .......................................................................................... 115
Quadro XXIII: Identificação Sujeito 3 ......................................................................................... 115
Quadro XXIV: Identificação Sujeito 4 ........................................................................................ 116
RESUMO
O presente estudo, intitulado “Resistência na casa grande: história e cultura afro-brasileira na
educação de adultos”, teve como objeto investigar e analisar se e como os estudantes que se
autodenominam negros, na Educação de Adultos da Cidade Tiradentes, foram impactados
com o estudo de História e da Cultura Afro-brasileira. A problemática que estimulou esta
pesquisa, foi a visão negativa que o/a estudante negro/a da EDA forma de si e dos seus pares,
em decorrência da desvalorização da sua origem e cultura. A hipótese apresentada é que, por
Cidade Tiradentes ser um distrito formado majoritariamente por negros e seus habitantes
sejam, constantemente, discriminados, a introdução da disciplina História e Cultura e Afro-
brasileira promove a tomada de consciência e criticidade, além de ser um instrumento da
conscientização da negritude dos (as) educandos (as) do Ensino Médio da EDA. Referente aos
métodos e procedimentos, em um primeiro momento utilizou-se pesquisa exploratória e
bibliográfica que permitiu obter informações já catalogados. Na segunda fase, concretizou-se
o estudo de campo que buscou traçar um perfil dos educandos da EDA e confirmar ou negar a
hipótese. A análise e interpretação utilizaram as categorias de Alienação e Conscientização,
tendo como referência a obra do educador Paulo Freire. Os resultados indicam que a maioria
dos educandos são mulheres, a idade predominante é de 18 a 25 anos, ( 66% ) se
autodenominam negros (as), possuem baixa qualificação profissional e baixa renda. Referente
aos estudos afro-brasileiros, tem-se que ainda persiste a abordagem do negro como escravo e
subalterno, mas como o “caminho se faz caminhando”, existem abordagens significativas na
Cidade Tiradentes, que são instrumentos da tomada de consciência de seus educandos.
Palavras-Chave: Educação de Adultos. Cidade Tiradentes - SP. História e Cultura Afro-
brasileira.
ABSTRACT
This present study, entitled “Resistance in the big house: history and culture African-Brazilian
in adult education”, had as a target to investigate and analyze whether and how the students
call themselves as black, in Adult Education in Tiradentes City, were impacted with the study
of the History and Afro-Brazilian Culture. The issue which encouraged this research was the
negative vision that the black student of EDA sees about him/herself and about his/hers
colleagues, due to a devaluation of their origin and culture. The hypothesis presented is that,
as Tirantes City is a district formed mostly by black people and its inhabitants are, constantly,
discriminated, the introduction of the History and Culture Afro-Brazilian discipline promotes
awareness and criticalness, besides being an instrument of awareness of blackness of the EDA
High School learners. Regarding the methods and procedures, at first it was used an
exploratory research and bibliographic that allowed to get the information already cataloged.
In the second phase, it was performed a field study that sought to draw a profile of the EDA
students and to confirm or to deny the hypothesis. The analysis and the interpretation used the
categories Alienation and Awareness, having as a reference the work of the educator Paulo
Freire. The results indicate that the majority of students are women, the predominant age is
between 18 to 25 years, ( 66% ) call themselves black, they have low professional
qualification and low-income. Regarding to African-Brazilian studies, there is also whom still
persists the approach of the black as a slave and subaltern, but as the “path is made by
walking”, there are significant approaches in the Tiradentes City, that are instruments of the
awareness from their students.
Keywords: Adult education. Tiradentes City - SP. History and Afro-Brazilian culture.
SUMÁRIO
Apresentação ………………………………………………………………………………....... 13
Introdução ……………………………………………………………………………………... 19
Categorias de análise: Alienação, Opressão e Conscientização .................................................. 40
Capitulo I – Imersão Histórica na Escuridão Branca ............................................................... 40
1. Ontem, a Serra Leoa; hoje, o Porão Escuro, Profundo .......................................................... 40
1.1 A Carne Supliciada e a Mão que a Supliciou ...................................................................... 42
1.2 A Resistência Negra ........................................................................................................... 45
1.3 Abolição: Os negros na Estrada ....................................................................................... 50
1.4 Quem ter Cor...age ........................................................................................................... 53
Capitulo II – Os Estudante da EDA ......................................................................................... 59
2. Um olhar sobre os Estudantes de EDA ............................................................................... 59
2.1 Perfil dos Estudantes da Escola Universo Experimental ...................................................... 60
2.2 Perfil dos Estudantes da Escola Universo de Controle ........................................................ 72
2.3 Análise Comparativas dos Gráficos ................................................................................... 82
Capitulo III – Tendência de opinião dos discentes .................................................................. 87
3. Pesquisa de tendência de opinião ....................................................................................... 87
3.1 Universo experimental ..................................................................................................... 87
3.2 Universo de controle ......................................................................................................... 99
3.3 Pesquisa Opinião: Universo experimental e de controle ..................................................... 106
Capitulo IV - A voz da periferia ............................................................................................ 114
4. Análise das entrevistas ...................................................................................................... 114
Considerações Finais ................................................................................................................... 130
Referências ........................................................................................................................... 138
Apêndices A: Questionário socioeconômico (educando) ....................................................... 142
Apêndices B: Pesquisa de opinião (educando) ........................................................................... 143
Apêndice C: Roteiro de entrevistas (educando) .......................................................................... 145
Anexo I: Termo de consentimento livre e esclarecido .............................................................. 146
Anexo II: Entrevistas em profundidade (estudantes) .................................................................. 147
13
APRESENTAÇÃO
Filha de mãe solteira, nordestina e analfabeta, nasci em São Paulo, mas vivi com
parentes até os cinco anos, em Camaçari-BA. No início da década de 1980, minha mãe foi me
buscar e passamos a morar no Jardim Rincão, um bairro localizado na região oeste do
município de São Paulo. Minha formação no ensino fundamental foi realizada na Escola
Municipal Padre Leonel de Franca, localizada no mesmo bairro.
Até o final da década de 1980, a maioria das ruas do bairro não era pavimentada, e
havia problemas no abastecimento de água, luz e esgotos, assim como existiam apenas
moradias precárias. Na gestão da prefeita Luiza Erundina, o Jardim Rincão começou a mudar,
algumas ruas começaram a ser pavimentadas, iniciou-se o movimento de construção de
moradias populares (o chamado mutirão) e a escola em que estudava passou a ser aberta à
comunidade.
Nesse período, cursava o antigo ginásio e participava de movimentos estudantis. Sem
ter ciência, passei a ter contato com a gestão de Paulo Freire e a E.M. Leonel Franca tornou-se
mais próxima da população, abrindo espaço para diálogos e intervenções. No entanto, esse
período foi curto e logo passamos à gestão do prefeito Paulo Maluf que, em suas políticas
públicas, não priorizou a região.
Durante minha formação no Ensino Médio, estudei na E.E. Humberto de Souza,
passando por muitas ocupações laborais: doméstica, vendedora de livros porta a porta,
atendente de balcão, auxiliar de “bicheiro”, ajudante de serviços gerais, recepcionista,
assistente administrativa, entre outros.
Apesar da dificuldade de conquistar um trabalho com carteira assinada, continuei
tentando, pois baseava-me em uma filosofia de vida oriental (budismo de Nitiren Daishonin)
que me ofereceu um direcionamento filosófico e pessoal.
Foi nesse período que realizei uma pesquisa no Memorial da América Latina e,
enquanto lá estava, resolvi que iria estudar em um curso superior, especificamente turismo.
Então, concomitantemente ao terceiro ano do colegial, fiz um cursinho social na E.E. Gavião
Peixoto, em Perus, e passei no vestibular do Centro Universitário Ibero-Americano, para
cursar Turismo. Eu não tinha ideia, que na época, tratava-se de umas das melhores faculdades
particulares na área, assim como uma das mais caras.
14
Quatro meses após iniciar o curso superior, fiquei desempregada e sem dinheiro até
para pagar a condução. Afinal, como diz Zé Geraldo, “eram quatro condução, duas pra ir,
duas pra voltar”. Para aliviar um pouco as despesas, comecei a vender quitutes na faculdade e
consegui pagar o transporte e as cópias dos livros e apostilas.
No final daquele ano (1997), uma colega de classe disse que percebeu o meu
empenho, perguntou-me se eu não gostaria de fazer uma entrevista na empresa em que ela
trabalhava. Participei da entrevista e, com ajuda dessa amiga, comecei a trabalhar em uma
Assistência 24h. Permaneci na empresa por oito anos, conseguindo pagar o meu débito com a
instituição de ensino, conciliando o estágio com a faculdade e o trabalho. E, por fim, em 2002,
contrariando as estatísticas, colei grau como bacharel em Turismo.
Enquanto trabalhava na empresa de assistência, ocupei vários cargos, chegando a
gerenciar mais de 110 funcionárias. Foi um tempo de grande aprendizado e, nos últimos dois
anos em que permaneci na empresa, trabalhei na área de Gestão de Pessoas com treinamento.
Nesse período, descobri que não queria passar o resto da minha vida dentro de uma empresa
capitalista, que não tem nenhum engajamento social. Saí da empresa e comecei uma nova fase
em minha vida profissional.
Ao me desligar da empresa de assistência, havia determinado que trabalharia na área
da educação, contribuindo efetivamente para o desenvolvimento de cidadãos e cidadãs
conscientes da importância da atividade turística e que promovessem uma atividade
sustentável e responsável. Assim, no segundo semestre de 2005, iniciei a Especialização em
Docência do Ensino Superior Tecnológico na Faculdade Carlos Drummond de Andrade, na
região leste da cidade de São Paulo.
No semestre seguinte, consegui um estágio voluntário no curso Tecnológico de Gestão
em Turismo da mesma instituição e passei a observar como era a formação desses educandos.
Nesse período, conheci parte da obra de autores como Paulo Freire, Edgar Morin,
Ortega y Gasset, entre outros, passando a refletir sobre o papel do Ensino Tecnológico na
formação dos discentes.
Tentando conciliar a teoria do curso de especialização com a prática pedagógica do
curso de turismo, resolvi desenvolver minha monografia com o tema “Educação Humanística
nos Cursos Tecnológicos em Turismo”, pois observei que esses cursos preenchiam uma
lacuna existente entre os cursos técnicos e o curso de bacharelado. Porém, no estágio, percebi
que o curso era direcionado para atender às necessidades do mercado e, na minha concepção,
por ser tratar de um curso de graduação, o enfoque não poderia ser apenas mercadológico,
pois as necessidades do mercado são voláteis e os alunos deveriam estar preparados para essas
15
mudanças, tornando-se profissionais de raciocínio integral, com agilidade mental e
capacidade de abstração. Portanto, o aluno dos cursos tecnológicos deveria receber
instrumentos que o auxiliassem a agir com maior discernimento, norteando suas ações e
atividades a partir de princípios éticos, sendo necessário que esse profissional desenvolvesse
sua capacidade criativa, sua atitude investigativa, participando ativamente, de sua realidade
local, mas “mundializando”, ampliando seu fazer e olhar, tornando-se, um cidadão do mundo.
Considerando essa realidade, desenvolvi minha monografia, discutindo o papel da
universidade no século XXI, a educação do turismo no Brasil e a formação humanística dos
cursos tecnológicos em turismo. Essa pesquisa, foi relevante por pensar a educação de
maneira holística e, a partir desse estudo, passei a trabalhar em sala de aula, buscando uma
aproximação entre o corpo docente e o discente, discutindo o plano de aula e dialogando
sobre assuntos pertinentes à disciplina e, principalmente, sobre o mundo, contextualizando o
aprendizado e estimulando o aluno a pensar com visão do conjunto.
No ano de 2009, consegui uma bolsa de estudo na Faculdade Drummond para cursar
Especialização em Gestão de Pessoas. E, mais uma vez, um novo mundo se mostrou para
mim. As aulas eram aos sábados e, a cada semana, contei com a boa sorte de conhecer um
novo autor, um novo livro e aprender um pouco mais sobre o ser humano. Uma experiência
muito grata, sobretudo, quando resolvi que iria realizar minha segunda monografia, tendo
como objeto de estudo os Afro-brasileiros de Cidade Tiradentes.
Optei por trabalhar a matriz africana da sociedade brasileira, motivada pelo interesse
despertado sobre o tema, no período da elaboração do meu T.C.C na graduação, intitulado “A
festa do Divino em São Luís do Paraitinga”, acrescido ao fato de que havia desenvolvido um
projeto com meus alunos sobre o Turismo Étnico na Cidade de São Paulo. Além disso, uma
viagem a Bahia possibilitou-me entrar em contato com familiares há muito anos distantes,
que ainda hoje mantêm viva as tradições africanas, como a religião, a culinária, a capoeira, o
prazer das refeições comunitárias e tantas outras peculiaridades que eu havia esquecido.
A pesquisa foi concluída, tendo como titulo “As atividades laborais dos afro-
brasileiros de Cidade Tiradentes” e alguns de seus objetivos foram: identificar quais as
principais atividades laborais dos afro-brasileiros de Cidade Tiradentes; entender se existe
relação entre o nível de escolaridade da mãe e do entrevistado; analisar a relação entre
escolaridade e atividade econômica exercida e, por fim, discutir como a segregação espacial
interfere nas ocupações laborais desses afro-brasileiros. Optei por elaborar uma pesquisa
bibliográfica com abordagem quantitativa, com a utilização de amostra probabilística causal
estratificada. A população pesquisada foi composta por afro-brasileiros economicamente
16
ativos, na faixa etária de 15 a 65 anos de idade, de ambos os sexos e residentes em Cidade
Tiradentes.
No inicio de 2011, terminei o curso de Extensão Universitária em Educação de Jovens
e Adultos (EJA), procurando conhecer um pouco mais sobre a história, a legislação, políticas
educacionais, formação e qualificação do docente que trabalha com esta modalidade de
ensino.
No que diz respeito à minha atividade profissional, depois que me desliguei da
empresa de Assistência 24h, em 2005, estagiei no curso tecnológico de Gestão de Turismo,
sendo contratada como professora no ano seguinte. Permaneço na Faculdade Drummond até o
momento, ministrando aulas nos cursos de Gestão de Turismo, Design de Moda e na
modalidade de Educação a Distância. No período de 2007-2008, ministrei aulas nos cursos
profissionalizantes de Turismo, Hotelaria, Telemarketing e Administração, na Rede de escolas
Microlins e, no período de 2007-2010 ministrei aulas nos cursos de Gestão Ambiental, Gestão
de Pessoas, Gestão de Turismo e Hotelaria, na Faculdade de Tecnologia FATEF.
Após esta pequena trajetória na área de Educação Superior, quatro projetos
desenvolvidos com crianças de áreas carentes (projetos de turismo social, desenvolvido
anualmente com os alunos de graduação em turismo que proporciona um dia de atividades
turísticas ambientais e culturais em diferentes pontos da Cidade de São Paulo a 60 crianças), a
elaboração de duas monografias com temas relacionados Educação Humanística e Afro-
brasileiros, cheguei à conclusão de que era o momento de trabalhar mais ativamente nas
comunidades carentes, desenvolvendo e atuando em projetos de Educação Popular.
Considerando essa realidade, optei em realizar o curso de mestrado na área de
Educação, na Universidade Nove de Julho, pois este apresentava a linha de pesquisa Práticas
Educacionais, que desenvolve projetos na linha de Paulo Freire e das epistemologias
alternativas.
O título de minha dissertação, “Resistência na Casa Grande: História e Cultura Afro-
Brasileira na Educação de Adultos”, traduz o tema sobre o qual me debrucei por dois anos. A
escolha do tema é resultado dos estudos acadêmicos que venho realizando, desde a graduação,
quando me encantei com presença dos afro-brasileiros e sua sonoridade, nas Congadas na
Festa do Divino, em São Luís do Paraitinga (SP) e, posteriormente, quando passei a estudar a
cultura afro-brasileira e desenvolvi um projeto sobre Turismo Étnico na cidade de São Paulo.
Nesse projeto explorei os espaços de resistência, como o Museu Afro-Brasil, a Escola de
Samba Vai-vai, a Igreja Nossa Senhora dos Homens Pretos, entre outros. Na mesma linha,
desenvolvi a pesquisa “As atividades laborais dos afro-brasileiros de Cidade Tiradentes”.
17
Durante os anos de 2011 e 2013, participei de eventos acadêmicos e apresentei
trabalhos relacionados à temática Educação, Educação de Adultos e, História e Cultura
Africana e Afro-brasileira.
No ano de 201l, no Encontro Discente da UNINOVE, apresentei a comunicação
“Segregação Espacial como instrumento de exclusão educacional e desqualificação social em
Cidade Tiradentes São Paulo”. Na mesma instituição, no VIII Colóquio de Pesquisas sobre
Instituições Escolares, expus o pôster “A presença da Lei 10.639/03 no material didático: as
disciplinas de literatura e de história na educação de jovens e adultos na rede estadual de
ensino.” Na USP, no evento “Paulo Freire 90 anos: Educação como ato político, de produção
e conhecimento”, apresentei o trabalho “O ensino de história e cultura afro-brasileira no
ensino médio da EJA, um estudo de caso em Cidade Tiradentes – São Paulo.” No mesmo ano,
no III Encontro da rede internacional de pesquisadores de estudos humanísticos promovido
pela UNICID, realizei a comunicação do artigo “Educação Humanística nos Cursos
Tecnológicos em Turismo.
Em 2012, apresentei na USP, no Colóquio Internacional Culturas Jovens Afro-Brasil
América: encontros e desencontros, a comunicação “Livros Didáticos da Rede Estadual De
Educação (São Paulo): A Educação de Jovens e Adultos e a Lei Nº 10.639/03/” e, no Fórum
África: Educação, Cultura e Desenvolvimento Econômico Africano, concorri ao premio
Kabengele Munanga com o trabalho “Consciência Negra na Cidade Tiradentes – SP: história
e cultura Africana e Afro-brasileira na EJA”. Na Universidade Federal de Pernambuco,
participei do V Simpósio Internacional sobre a Juventude Brasileira, apresentando a
comunicação “Literatura Marginal e os Livros didáticos da Educação de Jovens e Adultos
(EJA) de São Paulo”.
Por fim, no ano de 2013, em conjunto um colega, apresentei a comunicação “
Resistindo a marginalização: educação na Cidade Tiradentes e nas ruas do centro velho de
São Paulo” no 2º Seminário de Pesquisa, Educação e Diversidade Cultural promovido pela
USP. Sendo que a versão completa do artigo foi solicitada, para possível publicação em livro.
Também participei do IX Colóquio de Pesquisa sobre Instituições escolares na Universidade
Nove de Julho, com a comunicação: “ Imersão Histórica na Escuridão Branca” e recebi a
carta de aceite para apresentar a comunicação: “O Estudo do Turismo Social: teoria e prática
no Ensino Superior” no Tourism & Management Studies International Conference Algarve
2013, conferência a ser realizada em Novembro em Algarve, Portugal.
18
Na presente dissertação, o objeto é investigar e analisar se e como os alunos que se
autodenominam negros, na Educação de Adultos da Cidade Tiradentes, foram impactados
com o estudo de História e Cultura Africana e Afro-brasileira.
Para tanto, realizei pesquisa bibliográfica, inquérito e questionário, assim como
entrevistas com educandos da escola experimental e escola de controle na modalidade de
Educação de Adultos.
19
INTRODUÇÃO
O Brasil é um país de mestiços, tendo forte presença do negro1 na formação da sua
população2. A introdução dos primeiros negros se deu por terem os colonizadores adotado o
“Escravismo Colonial”, no qual os portugueses, que eram pioneiros no tráfico de escravos na
História Moderna, recorreram à escravidão negra em detrimento da escravidão dos
autóctones, propagandeando o “estereótipo do índio incapaz, que convinha decerto à Coroa e
aos traficantes, que tinham no comércio de africanos fabulosa fonte de lucros” (GORENDER,
1985, p. 124).
A escravidão já era praticada na África antes da chegada dos portugueses. No entanto,
tratava-se de uma escravidão diferente daquela que se imporia nas plantagens3 americanas,
pois, de acordo com Gorender, “tratava-se de uma escravidão patriarcal e a condição de
servidão se atenuava na segunda geração até ser extinta na quarta geração” (ib., p. 126), mas,
com o tráfico mercantilista iniciado pelos portugueses, os africanos passaram a ser capturados
na África, a princípio pelos próprios portugueses e posteriormente por africanos, que
1 Negro: Denominação genérica do indivíduo de pele escura e cabelo encarapinhado e, em especial, dos habitantes da África profunda e seus descendentes; descendentes de africano em qualquer grau de mestiçagem, desde que essa origem possa ser identificada pela aparência ou assumida pelo próprio individuo. (LOPES, 2006, p. 119). Na época colonial, “negro” era sinônimo de escravo. Quando não se queria ofender um africano ou descendente, principalmente se fosse livre, usava-se a expressão “pessoas de cor”. [...] Hoje, no Brasil, as pessoas usam a expressão “negro” para se referirem aos descendentes de africanos em qualquer grau de mestiçagem. Apenas para fins de estatística é que usamos as classificações “preto”, “pardo” etc. Mas o termo que nos engloba a todos é “negro” (LOPES, 2007, p. 84). Comumente observa-se o uso dos termos afro-brasileiro e afrodescendente para designar o negro no Brasil; no entanto, a autora da presente pesquisa optou pela utilização do termo “negro”, por ser o mais utilizado nos movimentos de resistência ao racismo e de valorização da cultura negra. Para efeito de conhecimento, segue a definição dos outros termos citados:
a) Afro-Brasileiro: qualitativo do indivíduo brasileiro de origem africana e de tudo o que lhe diga respeito (LOPES, 2004, p. 38).
b) Afrodescendente: Termo modernamente usado no Brasil para designar o indivíduo descendente de africanos, em qualquer grau de mestiçagem (id., ib.).
2 De acordo com o censo demográfico de 2010, a população brasileira é composta por 47,7 % de brancos, 7,6 % de pretos, 43,1 % de pardos e 1,1 de amarela e 0,4 indígena. 3 O historiador Jacob Gorender esclarece que “as grandes explorações agrícolas com trabalho escravo, surgidas no continente americano à época do mercantilismo, têm sido designadas, na literatura de língua portuguesa, pelo nome de plantation, vocábulo emprestado ao inglês e sempre impresso em itálico. Mas os ingleses, tomaram o termo emprestado aos franceses [...]. O esdrúxulo consiste em que escritores de língua portuguesa precisem desse vocábulo estrangeiro a fim de indicar uma forma de organização econômica que Portugal teve muito antes da França e da Inglaterra e que, no Brasil, apresentou-se sob um modelo clássico e duração mais prolongada do que em outras regiões. Em lugar de plantation , alguns autores empregam “plantação” ou “grande lavoura”. Ambas estas expressões linguísticas sofrem da desvantagem de carência de univocidade , prestando-se a confusões. Proponho substituir plantation , em vernáculo por plantagem. Não se trata aí de invenção léxica, porquanto plantagem está há muito dicionarizada. Mas, sendo vocábulo em desuso na linguagem comum e de todo ausente na literatura historiográfica e econômica, terá significação unívoca, além de dispensar o grifo e a pronúncia à inglesa (ib., p. 77).
20
passaram a caçar seus semelhantes de forma nunca antes vista, trocando os prisioneiros por
panos, ferragens, trigo, cavalos e armas de fogo.
Diferentemente da escravidão indígena, os negros tiveram, desde cedo, sua
escravização sancionada pela Igreja Católica – os jesuítas exploravam os negros e tinham
rendimentos com o tráfico – e pela Igreja Protestante que, por ocasião da invasão holandesa
ao nordeste brasileiro, “concluíram os reverendos calvinistas pela legitimidade do tráfico, mas
sob certas condições [...] que no ambiente colonial e sob o estímulo dos grandes lucros, tais
restrições nem sequer foram consideradas” (GORENDER, op. cit., p. 207). Desta forma,
independentemente da religião ou da nacionalidade dos colonizadores, a escravidão negra foi
aprovada e perdurou no Brasil até o final do século XIX.
Os negros eram capturados em várias regiões do continente africano e aguardavam os
navios em feitorias construídas nos ancoradouros. Permaneciam aglomerados em depósitos de
madeira ou pedra e, quando da chegada do navio negreiro ao porto, procurava-se embarcar os
escravos que já estavam a mais tempo no depósito, receando uma revolta dos cativos. No
momento do embarque, eram batizados pelo sacerdote católico e deveriam esquecer seu país
de origem (PINSKY, 1998).
O medo constante da revolta evidencia que, diferente do senso comum, alguns livros
didáticos e até acadêmicos afirmam que o negro nunca aceitou a escravidão – na verdade,
sentia-se atemorizado e perdido, pois fora
[...] retirado do seu habitat, de sua organização social, do seu mundo, é natural que
estivesse atemorizado diante de um a nova condição que, ao menos de inicio, nem
chegava a compreender devidamente. Sem conseguir definir seu espaço social,
sentia-se nivelado pelos captores aos demais cativos, oriundos de outras tribos,
praticantes de outras religiões, conhecedores de outras línguas, vindos de outra
realidade. Por isso, ele não se identificava com outros cativos, sentindo-se solto,
perdido, sem raízes. Não entendia bem a sua situação, reagindo com estupor e
inércia às ordens. [...] Ele aprenderia compreendendo que a alternativa à submissão
era o suicídio (PINSKY, ib., p. 26).
Consequentemente, os africanos chegavam ao Brasil destribalizados, uma vez que
pertenciam a diferentes etnias, que eram heterogêneas com relação à vida social, idioma,
tradições e costumes. Considerando que lhes foi imposto, desde o inicio da escravidão, um
processo de alienação, os negros, ao serem escravizados, eram forçados a perder sua memória
coletiva e individual. Eram, portanto, desumanizados, despersonalizados e transformados em
21
“coisa”, na sua precária condição de propriedade. Chegava-se ao extremo de ser usual a
prática de marcar os escravos com ferro em brasa como se fossem gado e, nesse contexto, é
possível entender porque o negro oprimido pelo sistema então vigente, pôde chegar a ver-se
qual o via o seu opressor, assumindo como própria a sua condição de animal possuído
(GORENDER, 1985; PINSKY, 1998).
Ao longo dos quatro séculos de escravismo colonial no Brasil, existiram diferentes
formas de escravidão, que não se limitou ao escravismo na agricultura. Gorender apresenta
um estudo profundo, no qual demonstra a presença do escravo negro em todos os setores de
atividades das fazendas, tais como: a criação de animais, agricultura de subsistência,
artesanato, vigilância dos próprios escravos – pois, muitas vezes, o proprietário permanecia
ausente e quem se encarregava da vigilância, eram os feitores escravos –, assim como na
pecuária, contestando a tese de Sodré4 sobre as relações de produção neste setor das
atividades econômicas.
Na mineração, o escravismo constituiu o modo de produção dominante durante grande
parte do século XVIII, no qual os escravos eram necessários tanto nos trabalhos de extração
do ouro, como para o transporte de cargas e outros serviços. Nesse tipo de exploração, os
negros, muitas vezes, trabalhavam entocados sob a terra, em condições deploráveis, sendo que
frequentemente eram afetados por doenças graves em virtude da má condição de trabalho e da
carência de uma dieta nutritiva, o que culminava na alta mortalidade dos escravos da
mineração. As más condições de trabalho e sobrevivência e a grande concentração de negros
estimularam as revoltas, que resultavam nos assassinatos de brancos, fugas e formação de
quilombos, corroborando a tese que o negro nunca aceitou a escravidão e sempre, mesmo que
fosse esquivando-se do trabalho forçado, ofereceu resistência a essa modo de produção.
No século XIX, houve um crescimento da escravidão urbana, na qual os negros
exerciam atividades como “escravos de ganho”, artesãos, serralheiros, mecânicos, mestres de
obras, alfaiates, carpinteiros, pedreiros, britadores entre outros. De tal modo que era vantajoso
aos senhores ensinarem um ofício aos escravos e, depois alugarem os serviços deles por
preços muito superiores aos que eram cobrados para os trabalhos realizados nas plantagens.
Além disso, os escravos urbanos realizavam transportes de mercadorias e passageiros e
exerciam profissões artísticas, como pintor e escultor. Deste modo, o negro, longe de ser um
4 Sodré afirma que no Nordeste sertanejo “geram-se relações feudais no pastoreio, pela sua incompatibilidade com o trabalho escravo (...) Surge e cresce uma área de relações feudais, paralela à área escravista” (SODRÉ, 1962 apud GORENDER, 1985, p. 429).
22
boçal que só sabia executar atividades simples e repetitivas, era engenhoso e, muitas vezes,
excedia as habilidades de seus senhores.
Ao longo da segunda metade do século XIX, observou-se a substituição paulatina do
trabalho escravo pelo livre e, no final desse século, aumentou-se a pressão econômica
internacional para que se abolisse a escravidão, o que segundo Jacino mostrava “a
necessidade de o país se integrar à nova ordem mundial capitalista, a qual não poderia
prescindir do trabalho assalariado e do consumidor” (2008, p. 9). Por conseguinte, já havia a
compreensão de que o mundo estava em transformação e o desenvolvimento da Inglaterra
com a ampliação de seus mercados, não podia admitir a mão-de-obra escrava.
A pressão externa, aliada a luta radical antiescravista dos negros (que resistia ao
sistema formando quilombos, organizando fugas, levantes, assassinatos e até mesmo
cometendo suicídio), aos movimentos abolicionistas (que eram mais moderados) e a
interesses políticos e econômicos internos, culminou na sanção da Lei 3.353, de 13 de maio
de 1888 que, no artigo 1º declarou extinta a escravidão no Brasil.
As senzalas foram abertas, mas aos ex-escravos não eram dadas terras ou qualquer
outro auxílio e não houve nenhuma medida por parte do Estado e da sociedade para ressarcir
os africanos e seus descendentes dos danos: psicológicos, materiais, sociais, políticos e
educacionais sofridos sob o regime escravista. Dessa maneira, a liberdade física, não veio
acompanhada pela liberdade econômica nem pela inserção social.
Concomitantemente ao processo de abolição, desenvolveu-se o programa de
branqueamento da população, com incentivo à imigração de europeus para trabalharem no
país e “branquearem” a população, pois como afirma Jacino, “o conceito de modernidade,
progresso e civilização que foi sendo elaborado por setores das elites [...], pressupunha o fim
da monarquia, do trabalho escravo e o branqueamento do País” (ib., p.127).
O Brasil, ao longo de sua história, estabeleceu um modelo de desenvolvimento
excludente, tendo uma postura permissiva diante da discriminação e do racismo.
No que diz respeito à educação, “o Decreto n.º 1.331, de 17 de fevereiro de 1854,
estabelecia que, nas escolas públicas do país, não seriam admitidos escravos e a previsão de
instrução para adultos negros dependia da disponibilidade de professores” (DIRETRIZES
CURRICULARES NACIONAIS PARA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAS
E PARA O ENSINO DE HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA, 2004, p. 7).
Dessa forma, ao longo do século XIX e XX, as políticas de exclusão marginalizaram a
população negra, resultando um quadro desigual em que pessoas negras têm menor número de
anos de estudos do que pessoas brancas. Na faixa etária de 14 a 15 anos, o índice de pessoas
23
negras não alfabetizadas é 12% maior do que de pessoas brancas na mesma situação.
Aproximadamente 15% das crianças brancas entre 10 e 14 anos encontram-se no mercado de
trabalho, enquanto 40,5% das crianças negras, na mesma faixa etária, vivem essa situação5.
No século XXI, a população negra continua às margens da sociedade, em uma
situação subalterna em termos de mercado de trabalho, de acesso à educação, de cargos
públicos e outros. Sujeitos a políticas governamentais que objetivam a segregação espacial de
grande parte desse grupo, refletindo na desqualificação social dessa população (PINSKY,
1998; TELLA, 2008). Além disso, os negros permanecem menos tempo na educação regular,
precisando recorrer à Educação de Adultos para tentarem concluir seus estudos.
A Educação de Adultos é uma modalidade de educação básica destinada à inclusão
escolar daqueles que tiveram negado o direito ao ensino regular na idade própria, aqueles que
foram “marginalizados e excluídos dos benefícios das conquistas econômicas, política, sociais
e culturais” (ROMÃO; GADOTTI, 2007, p. 9).
Nos países latino-americanos, a Educação de Adultos6 (EDA) passou a ser
denominada Educação de Jovens e Adultos (EJA), uma vez que atendem não somente aos
adultos, como aos jovens excluídos do sistema de ensino regular. No entanto, para Romão e
Gadotti (2007), essa denominação (EJA) é equivocada e perpetua a injustiça, pois os jovens
não devem frequentar um curso compensatório e, sim, terem condições de cursar o ensino
regular, porque na Educação de Adultos serão tratados como tal e obrigados a amadurecer
precocemente. Outro aspecto relevante, é que, atualmente na EJA, ainda predomina o sistema
supletivo com enfoque cronológico e infantilizante e, apesar de ser destinada a adultos, sua
bagagem metodológica deriva do ensino para crianças.
Esse enfoque deve ser superado para uma posição cuja crítica central se dirige às
estruturas políticas e econômicas geradoras da pobreza e da exclusão educacional e social. O
parecer CEB/CNE n.º 11/2000 indica como funções dessa modalidade de ensino: reparação,
equalização e qualificação. A função reparadora da Educação de Adultos parte do
reconhecimento ontológico do ser humano, reparando um erro, um equívoco da estrutura
social que marginalizou o(a) adulto(a) de participar do banquete civilizatório, tornando-o um
ator mais qualificado para, em participando da vida escolar, atuar com mais competência e
responsabilidade nas esferas políticas, sociais e culturais. A função equalizadora é um 5 Dados das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. 6 A discussão concernente a utilização da denominação EDA ou EJA para essa modalidade de educação, continua em aberto, uma vez que há argumentos com consistência cientifica, adequação e oportunidade política de ambos os lados. A presente pesquisa, optou-se pelo uso de EDA, pelos motivos explicitados no texto.
24
complemento da primeira, porque, enquanto aquela propicia uma espécie de reparação de um
erro, de uma injustiça social, esta possibilita a reentrada do educando(a) no sistema
educacional, restabelecendo a trajetória escolar dele(a), apresentando-lhe, proporcionalmente,
maiores oportunidades que os outros, com base no princípio de que, numa sociedade desigual,
é preciso dar um tratamento desigual (melhor) aos desiguais. A função qualificadora é
considerada pelo parecer como “o próprio sentido da Educação de Adultos” (CEB/CNE nº
11/2000, p. 228), significando a educação permanente e para toda a vida.
A Educação de Adultos enfrenta o desafio de integrar a educação das relações étnico-
raciais como elemento estruturante da formação humana, ultrapassando a visão universalista
de politica pública, cada vez mais distanciada dos sujeitos negros e dos debates e formulações
sobre a reconfiguração e identidade dessa modalidade educativa. Isso a diferencia da
educação direcionada para o público infanto-juvenil, pois o educando da EDA é, em sua
maioria, um adulto trabalhador que, durante muitas décadas, foi considerado como o culpado
por sua própria ignorância e não era considerado como um ser pensante.
A educação voltada para esse público não pode ser infantilizada e deve considerar que
o adulto possui sua visão de mundo, saberes diversificados relacionados ao trabalho e às
culturas específicas, que é um ser pensante e, muitas vezes, atuante na comunidade. Evita-se,
assim, o que Vieira Pinto nomeou de “o equivoco da infantilização do adulto, concebido
como um atraso” (2007, p. 87), que parte da concepção ingênua do processo de educação de
adultos, que o considera como uma criança que cessou de desenvolver-se culturalmente.
Cabe considerar que não existe uma única modalidade de educação e ela não é um
privilégio da escola, pois a educação está presente em diversas áreas da sociedade e, como
afirma Freire, “nenhuma ação educativa pode prescindir de uma reflexão sobre o homem e de
uma análise sobre as suas condições culturais. Não há educação fora das sociedades humanas
e não há homens isolados” (1979, p. 61).
Por não haver homens e mulheres isolados(as), optou-se em desenvolver a presente
pesquisa no distrito da Cidade Tiradentes, uma região segregada espacialmente que, a
exemplo de muitos bairros do município de São Paulo, sofre com a exclusão educacional e
desqualificação social, constituindo guetos urbanos de pobreza, com alta concentração de
negros de baixa renda. Eles são atraídos para esses bairros periféricos devido ao baixo custo
das habitações, resultado de um processo histórico de segregação espacial imposto pelas
classes dominantes e que objetivam separar e isolar os setores mais pobres da população,
evitando ao máximo, o contato social (TELLA, 2008).
25
Recuando um pouco na história, tem-se que, no final do século XIX, os limites de São
Paulo, que se restringia à região central, começaram a estender-se. A princípio, a região oeste
foi escolhida como vetor de crescimento, impulsionando uma valorização imobiliária da
região. Como o privado acabou determinando as ações do Estado, a região leste sofreu uma
urbanização tardia.
A partir da década de 1940, as periferias urbanas começaram a ser “desenhadas” com
lotes vendidos a baixo valor aos trabalhadores e, mais uma vez, o setor privado determinou
quais as regiões deveriam ser urbanizadas .
No período entre 1960 e 1985, durante o período de ditadura militar, São Paulo
recebeu grande contingente de migrantes e houve o inicio da construção de grandes conjuntos
habitacionais. A zona leste passou a ser o grande polo de crescimento e desenvolvimento
urbano (SILVA, 2008).
Neste contexto, o poder público adquiriu uma gleba na região leste, conhecida como
Fazenda Santa Etelvina, com 15 km². De acordo com Tella, essa fazenda “já existia desde a
época da escravidão. Ainda podemos encontrar no bairro a Casa Grande e a Senzala7” (2006,
p. 95) .
Os primeiros conjuntos habitacionais da Cidade Tiradentes, foram entregues na década
de 1980 e constituem, aproximadamente, 49 mil unidades. Além dos conjuntos habitacionais,
existe a denominada “cidade informal”, composta por favelas que são resultado de ocupação
ilegal e já existiam antes da chegada da Companhia de Habitação Brasileira (COHAB), mas
que se acentuaram nas proximidades dos conjuntos.
De acordo com dados demográficos dos distritos pertencentes às subprefeituras,
disponível no site da Secretaria Municipal de Coordenação das Subprefeituras de São Paulo
(2008), a população atual é de aproximadamente 242.000 habitantes, composta
principalmente por migrantes nordestinos e negros.
Considerando que parte dessa população residia nos bairros que historicamente foram
habitados por negros e nordestinos, como Bela Vista, Casa Verde, Barra Funda, entre outros,
e que esses bairros foram requisitados pela elite para a implantação de núcleos comerciais,
assim como empreendimentos imobiliários voltados para as classes mais abastadas, confirma-
se que o Estado favorece a iniciativa privada em detrimento dos cidadãos, sobretudo os de
baixa renda.
Para ilustrar tal afirmativa, a Lei de Zoneamento (n° 7.805/72) de acordo com Nery Jr:
7 Atualmente é o Espaço Cultural Casa da Fazenda, localizado ao lado do terminal urbano da Cidade Tiradentes.
26
foi a primeira norma de zoneamento que visou a, explicitamente, favorecer um setor
de produção imobiliária. Um dos objetivos mais importantes desta lei foi auxiliar a
produção habitacional por grandes empresas imobiliárias, ao estimular a construção
de conjuntos residenciais - R3 - na cidade. Tais empreendimentos habitacionais,
construídos em terrenos grandes, com reserva de muita área para lazer e para
equipamentos sociais, eram produzidos por empresas de incorporação imobiliária,
com financiamento do SFH/BNH, e destinavam-se a uma população de elevado
poder aquisitivo (2003, p. 7).
Portanto, desenvolveu-se uma legislação que favoreceu a elite e formularam-se
políticas de erradicação das favelas e cortiços, favorecendo a construção de grandes conjuntos
habitacionais distantes dos centros urbanos e de baixo custo, destinados às camadas mais
pobres da população. Efetivou-se uma política de segregação social do espaço urbano em que
os antigos moradores das regiões centrais passaram a viver em regiões sem infraestrutura
básica e de lazer, enfim, excluídos socialmente.
De acordo com Sabatini “a exclusão social não é nova. [...] não é algo próprio do
neoliberalismo. A exclusão ocupa lugar central na vida social desde tempos remotos. Está na
origem histórica da coação social, da dominação e do Estado” (2001, p. 171). Em
consequência, há famílias que procuram viver em bairros que excluem residentes
considerados indesejáveis, seja por serem “diferentes” ou por sua presença afetar,
teoricamente, o valor das propriedades. E esses “diferentes”, que eram residentes da região
central do município de São Paulo, migraram para bairros periféricos, como Cidade
Tiradentes, no extremo leste da Capital.
No que se refere à escolarização, no histórico disponível na página da Subprefeitura da
Cidade Tiradentes consta que o analfabetismo vai de 0 a 10% na cidade formal e de 10 a 20%
na informal.
Deste modo, o distrito da Cidade Tiradentes é o resultado de uma política habitacional
que segregou espacialmente seus habitantes e é muito comum o aparecimento de patologias
sociais8, como o consumo de drogas, a delinquência e a deserção escolar, que se traduzem em
desqualificação social.
8 Entende-se por patologia social, em sentido amplo, um estado relativamente prolongado de ausência ou de alteração da normalidade de uma instituição, de uma organização, do sistema económico, do sistema de saúde, do sistema de ensino ou da sociedade em termos globais. Esta não-normalidade sociológica pode ser explicada por diversos aspectos: pela recusa por parte dos atores ou de certos grupos de se orientarem segundo o quadro normativo de uma sociedade, pela fraca implementação do universo normativo ou pela ruptura deste (ENCICLOPÉDIA E DICIONÁRIO PORTO EDITORA).
27
Tratando mais especificamente da deserção escolar, percebe-se que ela é consequência
de um processo de exclusão educacional, pois, apesar de a educação ser um direito
consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos (o artigo 26 menciona o direito de
todas as pessoas à educação obrigatória e gratuita), temos um distrito com mais de 220 mil
habitantes com acesso restrito à Educação, principalmente àquela destinada a formação de
Jovens e Adultos no Ensino Médio, uma vez que, apenas três escolas estaduais oferecem (ou
ofereciam) essa modalidade de ensino.
A primeira instituição localiza-se na principal Avenida da Cidade Tiradentes, a poucos
metros do terminal urbano, de fácil acesso para o(a) educando(a). No entanto, ao procurar a
instituição, a pesquisadora foi informada pela Secretaria que o Programa de Educação de
Adultos fora encerrado no primeiro semestre de 2012 e que não era viável a realização de uma
pesquisa na escola. A pesquisadora imaginou que seria interessante poder realizar um estudo
comparativo entre essa instituição e outra do mesmo distrito, porém, não houve receptividade
por parte da responsável da instituição.
A segunda escola, localiza-se próximo à subprefeitura de Cidade Tiradentes, no bairro
de Guainases. É mais afastada da região central da Cidade Tiradentes e de acesso mais difícil
para os educandos.
Finalmente, a terceira instituição localiza-se no bairro Castro Alves, a algumas
quadras do terminal urbano e, por ser a segunda escola mais próxima ao terminal urbano da
Cidade Tiradentes, acabou absorvendo a demanda da escola estadual localizada em frente ao
terminal. É a opção mais viável para o aluno trabalhador que não dispõe de tempo para ir até a
casa e, depois, dirigir-se para o ensino noturno.
Considerando a demanda atendida pela segunda escola, optou-se por desenvolver o
estudo nessa instituição.
O projeto da dissertação teve como objeto investigar e analisar se e como os alunos,
que se autodenominam negros na Educação de Adultos da Cidade Tiradentes, foram
impactados pelo estudo de História e Cultura Africana e Afro-brasileira, no sentido de
perceberem melhor sua própria identidade, bem como de sua conscientização a respeito de
seus direitos, em suma de sua inclusão social. Em outras palavras, este estudo teve como
questão de partida se a introdução, no currículo, do componente História e Cultura Africana e
Afro-Brasileira, por imposição da Lei n. 10.6399, que alterou a Lei n. 9.394, de 20 de
28
dezembro de 1996, modificou a visão que os(as) estudantes negros (as) possuem de si e dos
seus pares, sendo um instrumento de conscientização e possibilitando que o(a) educando(a) da
EDA perceba, com maior clareza, o tratamento discriminatório sofrido pelos negros na
sociedade. Afinal, considerando que 59% (PNAD, 2007) de estudantes da EDA são negros
(pretos e pardos), o currículo e as práticas educacionais da EDA valorizam temáticas que
proporcionam a conscientização de que os(as) negros (as) foram, desde sua chegada ao Brasil,
desumanizados, despersonalizados, forçados a perder sua memória coletiva e individual. Com
a introdução do novo componente curricular, está ocorrendo o resgate da contribuição dos
negros para a construção e formação da sociedade brasileira?
O interesse em pesquisar esse tema iniciou-se porque a pesquisadora cresceu na
periferia do município de São Paulo e, desde tenra idade, teve contato com crianças e
adolescentes em situação de vulnerabilidade, acompanhando, ao longo dos anos, diversos
casos de colegas que passaram para a criminalidade ou ficaram à margem da sociedade por
não terem acesso a uma educação humanista e conscientizadora.
Na vida adulta, ao trabalhar como professora nos cursos de Gestão de Turismo em
uma faculdade situada no bairro Tatuapé, observando diversos alunos que moram na periferia
do município e conquistaram a oportunidade de frequentar um curso superior por intermédio
de programas governamentais, acabam negando suas origens, com vergonha de suas famílias
humildes e tentam incorporar a cultura e o modo de vida dos colegas mais elitizados que
também frequentam a faculdade. Isso resulta em uma espécie de alienação da cultura, que nas
palavras de Freire:
Os valores destes passam a ser a pauta dos invadidos. Quanto mais se acentua a
invasão, alienando o ser da cultura e o ser dos invadidos, mais estes quererão parecer
com aqueles: andar como aqueles, vestir à sua maneira, falar a seu modo (2005, p.
175).
Essa situação é particularmente preocupante no caso dos negros, que carregam os
estigmas do preconceito racial e da segregação social.
9Art. 26 A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira. Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira. § 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil. Art. 79B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como “Dia Nacional da Consciência Negra”.
29
Além disso, a pesquisadora também participou do programa de especialização em
Gestão de Pessoas, na faculdade, elaborando uma monografia o tema “As atividades laborais
dos afro-brasileiros de Cidade Tiradentes, no extremo leste de São Paulo”, com o objetivo de
identificar se a segregação espacial e racial interfere nas atividades econômicas desses
residentes, constando que sim.
A opção por pesquisar os(as) estudantes da Educação de Adultos residentes na Cidade
Tiradentes deu-se por considerar que eles são, em sua maioria, pretos e pardos, carecem de
infraestrutura básica e de lazer, encontram-se segregados espacial e socialmente, constituindo,
em suma, os oprimidos que Paulo Freire objetivou libertar por meio de uma Educação
Emancipadora.
Entende-se como Educação Emancipadora aquela pautada na realidade do grupo que,
apesar de toda a opressão, continua resistindo e, como afirma Freire, “é de aprendizado em
aprendizado que se vai fundando uma cultura de resistência, cheia de manhas, mas de sonhos
também. De rebeldia na aparente acomodação” (2009a, p. 108).
Embora diversas obras abordem o tema Educação de Adultos, ele não se esgota. Por
isso entendeu-se ser relevante estudá-lo na perspectiva do processo de conscientização dos
negros e negras da Cidade Tiradentes, como um estudo de caso relevante para se compreender
melhor duas realidades: a dos adultos e a dos afro-brasileiros.
Este estudo partiu da hipótese de que o legislador das normas em favor dos
afrodescendentes brasileiros, considera que o estudante negro da Educação de Adultos tem
uma consciência ingênua sobre sua própria identidade e que, após a introdução do Ensino de
História e Cultura Afro-brasileira (assim como dos desdobramentos da Lei 10639/03, como a
da formulação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico
Raciais), esta consciência ingênua é abalada, impactada, tomando, para muitos estudantes, o
rumo da consciência crítica10.
Em suma, a introdução de História e Cultura Africana e Afro-brasileira, teve a
intenção de promover a tomada de consciência11 e ser um instrumento da conscientização12
10 Entende-se o desconforto em utilizar termos relacionados aos supostos níveis de consciência, uma vez que consciência é tida como estática e abstrata, e por isso, a preferência em utilizar a categoria conscientização. A presente pesquisa faz uso da categoria conscientização, por entende-la como processo e não como estrutura. Entretanto, não descarta o uso do vocábulo Consciência, uma vez que este é utilizado por Paulo Freire em vários momentos de sua obra, principalmente no livro: “Conscientização: teoria e prática da libertação” (2008), demonstrando que “A conscientização não está baseada sobre a consciência, de um lado, e o mundo, de outro; por outra parte, não pretende uma separação. Ao contrário, está baseada na relação consciência – mundo ( ib., p. 31). 11 Tomar conhecimento de uma determinada situação, ter consciência de sua temporalidade e historicidade.
30
dos(as) alunos(as) negros(as) do Ensino Médio da EDA. Desta forma, a aplicação das
diretrizes da Lei 10.639/03 e seus desdobramentos, abriria caminho para a divulgação da
cultura africana e afro-brasileira, permitindo um novo olhar sobre tal o mundo da
discriminação e da exclusão aí recorrente, resgatando a consciência social sobre a
contribuição do negro para a sociedade brasileira e, ao mesmo tempo, auxiliando o processo
de conscientização desses estudantes, no qual a sua cultura e visão de mundo é valorizada.
Verificar o impacto da aplicação da lei nos estudantes negros de Cidade Tiradentes é
verificar, portanto, a eficácia desse corpus normativo e, ao mesmo tempo, verificar se o
processo de conscientização e libertação dos negros brasileiros tem sido favorecido pelos
processos escolares.
Considerando a carência social e cultural da imensa região leste do munícipio de São
Paulo, a delimitação do universo experimental circunscreveu-se ao distrito da Cidade
Tiradentes, localizada no extremo leste do município, cuja população é formada,
predominantemente, por migrantes nordestinos e negros, com índices de analfabetismo que
chegam a atingir, no limite, 20% dos habitantes (site subprefeitura de Cidade Tiradentes,
2011).
As pesquisas foram direcionadas para a disciplina de História no Ensino Médio da
Educação de Adultos, porque o Art. 26-A da Lei n.º 9.394/96 determina que, nos
estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o
ensino desse conteúdo e o § 3.º do Art. 3º do Parecer CNE/CP 3/2004 estabelece que o ensino
sistemático de História e Cultura Afro-brasileira e Africana na Educação Básica, nos termos
da Lei 10.639/03, refere-se em especial, aos componentes de curriculares de Educação
Artística, Literatura e História do Brasil (DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS
PARA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAS E PARA O ENSINO DE
HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA, 2004). Considerando essas determinações
e por considerar que o processo de conscientização, como método pedagógico de libertação,
deve ser ampla e profundamente trabalhado na disciplina História, optou-se por desenvolver a
presente pesquisa com foco nesta unidade curricular.
12 De acordo com Freire (2008), conscientização é o desenvolvimento crítico da tomada de consciência, implica em ultrapassar a esfera espontânea de apreensão da realidade, para chegar a uma esfera crítica, na qual o homem/mulher assume sua posição epistemológica. A discussão concernente a Consciência e Conscientização merece um aprofundamento, mas em virtude das limitações da presente pesquisa, recomenda-se a leitura dos livros: Ação cultural para Liberdade; Conscientização; Medo e Ousadia e Pedagogia da Esperança de Freire, assim como o livro: Crítica e Dogmatismo na cultura moderna de Lucien Goldmann.
31
Como universo de controle, de acordo com Romão “para cada elemento do universo
experimental [...] constrói-se um universo em que se localizam os contrapontos dos elementos
investigados do universo experimental” (2005, p. 24), optou-se por desenvolver a pesquisa
também em uma Escola Estadual localizada na periferia de Santo André, que apresenta
características semelhantes às de Cidade Tiradentes, com população de baixa renda formada,
preponderantemente, por nordestinos e negros. A escola em questão não enfatiza o Ensino de
História e Cultura afro-brasileiro no Ensino Médio da EDA. Isso permitiu realizar uma
comparação entre a visão de mundo do educando da Cidade Tiradentes – que, apesar da
segregação espacial, é tida como um núcleo de resistência da cultura negra – e a dos
educandos da periferia de Santo André, para verificar se o mencionado componente curricular
está estabelecendo um diferencial no processo de conscientização dos estudantes negros.
Não é difícil, pois, perceber a problemáticas que emergem nos contextos da história
brasileira, que estimularam este estudo, uma vez que, no Brasil, desde o vasto período da
escravidão (1530-1888), ocorreu um secular processo de alienação dos negros, sendo lhes
imposta a “cultura do silêncio” que sobreviveu no período pós-abolição, fazendo com os
libertos permanecessem incorporando o conceito de que o trabalho manual, o cortiço e a
favela são sinônimos de falta de cultura e estão associados à raça negra. Como este processo
de alienação incorporada, continuaram negando sua etnia13 e, tentando copiar o modo de vida
do opressor, alienam-se ainda mais.
Neste estudo, teve-se, incialmente, como problema a visão negativa que o aluno negro
da EDA na Cidade Tiradentes forma de si e dos seus pares, em decorrência da desvalorização
da sua origem e cultura. Depois, verificou-se se a introdução do componente curricular novo
anulou parte dessa negatividade.
Em relação aos métodos e procedimentos, o presente estudo se baseia em uma
abordagem predominantemente qualitativa, que é útil e necessária para identificar e explorar
os significados dos fenômenos estudados e as interações que entre eles se estabelecem.
Considerando que esta abordagem não pressupõe um modelo único de pesquisa, buscou-se
combiná-lo com a abordagem quantitativa, “usufruindo, por um lado, da vantagem de poder
explicitar todos os passos da pesquisa e, por outro, da oportunidade de prevenir a interferência
de sua subjetividade nas conclusões obtida” (TERENCE; ESCRIVÃO, 2006, p. 4).
13 Etnia: o termo deriva do grego ethnikos, adjetivo de ethos, e refere-se a povo ou nação. [...] Um grupo étnico não é mero agrupamento de pessoas ou de um setor da população, mas uma agregação consciente de pessoas unidas ou proximamente relacionadas por experiências compartilhadas. [...] O grupo étnico é, portanto, um fenômeno cultural, mesmo sendo baseado originalmente numa percepção comum e numa experiência de circunstâncias matérias desfavoráveis (CASHMORE, 2000, p. 199-200).
32
A primeira fase da pesquisa foi dividida em dois momentos. No primeiro momento,
utilizou-se pesquisa exploratória, visando buscar o maior número possível de informações
sobre o distrito da Cidade Tiradentes. No momento seguinte, fez-se uso da pesquisa
bibliográfica, que permitiu obter conhecimentos já catalogados, abordando assim, os aspectos
teóricos sobre os temas: educação de adultos, história dos negros, exclusão social e
segregação espacial, consciência negra, com base nos autores Freire (1978, 1979, 2000, 2005,
2008, 2009a, 2010), Jacino (2008), Gorender (1985), Romão e Gadotti (2007), Pinto (2007),
Florestan (2007, 2008), Munaga (2004), Moura (2004), Freitas (1976), Ramos (1979), entre
outros.
A segunda fase também se subdividiu em dois momentos. No primeiro, concretizou-se
o estudo de campo, investigando e analisando se os alunos que se autodenominam negros, na
EDA da Cidade Tiradentes, foram impactados com o estudo de História e Cultura Africana e
Afro-brasileira. O estudo teve como base a pesquisa etnográfica e como técnica de coleta de
dados, a aplicação de questionários a todos os alunos de Ensino Médio da EDA da escola em
questão, traçando, antes, um perfil socioeconômico dos educandos. Esse questionário foi
combinado com a coleta de opinião dos alunos, com base da Escala de Likert, buscando
verificar as dimensões que se objetiva aferir. O mesmo procedimento foi realizado na escola
de controle. No momento seguinte, realizaram-se entrevistas em profundidade com um aluno
negro de cada termo, tanto, na instituição experimental e como na do universo de controle.
Para os propósitos da pesquisa, foram utilizadas as categorias de Alienação, Opressão
e Conscientização, nos termos em que elas foram elaboradas pelo educador Paulo Freire.
Categorias de Análise: Alienação, Opressão e Conscientização
Relativamente à alienação, pode-se dizer, primeiramente que “a palavra vem do latim
alienus, que veio a dar alheio, significando o que pertence a outro" (SERRA, 2003, p. 5), ou
seja, trata-se de algo externo ao indivíduo, que não lhe pertence. Wanderley Codo apresenta
vários conceitos para alienação como, por exemplo, a compra de um carro financiado, que
apesar de ser seu, está alienado, ou seja, é e não é seu. Outro uso para o termo é o da alienação
mental, pois um louco seria aquele que deixou de pertencer a si mesmo. No senso comum,
ouvimos falar que as drogas provocam alienação, pois causam uma sensação de
estranhamento, de estar fora de si. O autor conclui que, o alienado “é o homem desprovido de
si mesmo” (CODO, 1985, p. 8). No sentido filosófico, alienação é um conceito que define a
condição de um ser que se encontra privado de sua essência. Segundo Pinto, “no sentido
33
histórico, social, a alienação se refere ao estado do indivíduo, que não retira de si as matrizes
com que constituí sua consciência e, sim, os recebe passivamente de fora” (2007, p. 52). O
individuo perde sua essência, sua dignidade de ser livre. A essência que exibe não é a sua,
mas a do outro, mais forte, que o submete. Ainda, de acordo com Pinto (ib.), a consciência
alienada, que não se sente ligada à sua realidade autêntica e pretende resolver os problemas de
sua sociedade por meio de critérios e métodos que não foram extraídos de sua realidade, mas
recebidos de fora. Logo, alienação é não compreender que todos os indivíduos possuem
saberes, que a cultura popular e tão importante quanto à cultura letrada, que o que é produzido
no Brasil em termos de tecnologia, educação, moda, cultura entre outros, é igual ou superior
ao que é produzido no exterior e, por isso, não há motivo para ter vergonha da realidade
brasileira, imitando passivamente, sem análise, os países imperialistas e dominadores que
procuram impor seu modo de ver o mundo como o correto, menosprezando todos os outros.
A alienação não é um problema recente e o seu conceito já foi discutidos por
pensadores, como Hegel e Marx, no século XIX. Para Hegel alienação é “o processo pelo qual
o Espírito se projeta para fora de si, sendo que a dialética do senhor e do escravo vai conduzir
à consciência infeliz que, ao projetar fora de si parte de seu eu, surge como consciência
alienada” (HEGEL, 1947 apud SCHWARTZMAN, 1961). Para Marx, a alienação refere-se a
uma situação resultante dos fatores materiais dominantes da sociedade, caracterizada por ele,
sobretudo, no sistema capitalista, em que o trabalho humano se processa de modo a produzir
coisas que imediatamente são separadas dos interesses e do alcance de quem as produziu, para
se transformarem, indistintamente, em mercadorias (SCHWARTZMAN, 1961). A partir
dessa reflexão tem-se a teoria da alienação do trabalho, na qual a infelicidade do trabalhador
provém da perda de seus meios de trabalho e dos produtos de seu trabalho, expropriados pela
burguesia. Provém do fato de o trabalhador não dominar seu próprio trabalho, mas ser
dominado por ele. Dessa forma, o trabalho que deveria humanizar o homem, passa a torturá-
lo. De acordo com Codo, praticamente todos trabalhadores são alienados, pois “estão alheios
ao produto do seu trabalho, seus gestos são alugados para o dono da fábrica como uma
mercadoria qualquer” (op. cit., p. 89). Por consequência, o produto do trabalho é
transformado em mercadoria e o trabalhador ao ser privado de seus meios de produção, recebe
apenas uma pequena parte do que produziu em forma de dinheiro, que será utilizado para
comprar os produtos que o próprio trabalhador ou outros trabalhadores produziram. O
dinheiro passa a comprar automóveis, celulares, TVs etc. e as qualidades do homem, que
passam a ser externas a ele, e podem ser compradas como outra mercadoria qualquer. O
34
sistema capitalista transforma os seres humanos em coisas e eles já não se reconhecem mais
como espécie humana.
A “coisificação” dos seres humanos se estende ao sexo e a mulher, que são vistos
como mercadorias, que devem ser “consumidas” para que o indivíduo possa saciar suas
necessidades. O sexo é preenchido por vários significados: status, poder, submissão e, apesar
de ser uma necessidade biológica que só se realiza a partir do outro (havendo a necessidade da
relação social), é transformado em mercadoria, cujo valor de uso que se transforma em valor
de troca. E a mulher é vista como uma propriedade privada, no caso da esposa “exclusiva”, e,
no da prostituta, uma possibilidade de negócio lucrativo. De acordo com Gorender (1985), no
período de declínio do sistema escravocrata, muitos senhores e senhoras de escravos,
prostituíam suas escravas sem sofrerem qualquer punição jurídica.
No que diz respeito à educação, há uma “feliz” coerência entre o sistema educacional
vigente e o sistema de produção capitalista, dado que o mercado demanda trabalhadores que
realizariam trabalhos repetitivos e a educação tem sido um instrumento para adequá-los a este
sistema, não estimulando o desenvolvimento do pensamento crítico – quanto mais
disciplinado for o aluno, melhor trabalhador ele será. A educação transformou-se em um
instrumento de imposição dos imperativos do capital e da classe dominante, formando “o
pessoal necessário à maquinaria produtiva em expansão do sistema capitalista e
transformando-se no transmissor de um quadro de valores que legitima os interesses
dominantes” (MESZAROS, 2007, p. 113).
Porém, quando o mercado passou a demandar trabalhadores mais “flexíveis”,
dinâmicos e interativos, a educação mudou o discurso, mas manteve a imposição da visão de
mundo das classes dominantes, perpetuando a ordem social alienante.
De acordo com Vieira Pinto, a alienação é característica da pedagogia nos países em
vias de desenvolvimento e “somente quando se inicia o processo de tomada de consciência da
sociedade, surge a possibilidade de denúncia da alienação cultural da qual se encontra
imbuída” (2007, p. 53).
Paulo Freire, na obra Pedagogia do oprimido (2005), aborda a questão da alienação na
educação e na sociedade, ao tratar da fragmentação do conhecimento que é transmitido “em
retalhos da realidade desconectados da totalidade” (p. 65). A educação foi transformada em
uma narração em que a palavra é esvaziada de sentido, da dimensão concreta do educando e
se transforma em uma palavra alienada e alienante. O aluno é obrigado a decorar a narração
dos professores para repeti-la nos exames, vendo o processo de ensino como uma doação que
o educador, “que tudo sabe”, faz ao educando, “que tudo ignora”.
35
A esse tipo de educação, Freire denominou como Educação Bancária, que exalta a
cultura do silêncio, que mantém e estimula a contradição do sistema econômico e político
vigente. Este sistema às vezes sofre pequenas alterações mas, na verdade, são manobras que
os opressores realizam para acalmar os oprimidos. Afinal “o que pretende os opressores é
transformar a mentalidade dos oprimidos e não a situação que os oprime” (FREIRE, 2005, p.
69).
É evidente que a concepção de Educação Bancária é alienante, deve ser superada e
substituída por uma educação problematizadora, que promove a superação da contradição
entre educador e educandos, de modo que o educando desenvolva o poder de captação e
compreensão do mundo e o educador se fundamente no diálogo, buscando uma relação
horizontal, que possibilite que o estudante negro da EDA se aproprie do saber escolar e
cultural e se reconheça na construção da história brasileira.
A alienação é uma antiga “companheira” da opressão, uma vez que trabalha a seu
favor ao longo da história. Paulo Freire, ao longo a obra Pedagogia do Oprimido (2005),
realiza uma análise das relações do homem14 em uma sociedade de opressão. Homem que, por
saber pouco de si, está sempre procurando, indagando e, a partir das respostas obtidas, realiza
novas perguntas. E, ao perguntar e aprender, humaniza-se, sendo que esta humanização não é
possível em um ambiente de opressão. Por isto, em uma situação em que lhe é imposta uma
educação manipuladora, que lhe quer adestrar, que o oprime e o desumaniza, deve este
homem restaurar sua humanidade, libertando a si e aos seus opressores.
Freire apresenta uma pedagogia que deve ser elaborada com as classes trabalhadoras
do campo e da cidade, com os oprimidos e, não, para os oprimidos. Contudo, para que isto
ocorra, os homens e novas mulheres devem superar sua aderência ao opressor e transformar-
se em novos homens e mulheres, sem medo da liberdade e não se deixando seduzir pelos
opressores que dizem se solidarizar com o oprimido, mantendo-o em um estado de alienação
que, muitas vezes, explica a opressão e a exploração como vontade de Deus.
Com relação aos negros, Gorender afirma que “o oprimido pode chegar a ver-se qual o
vê o seu opressor. O escravo podia assumir como própria e natural a sua condição de animal
possuído” (1985, p. 50) e, mais uma vez, apresenta-se a necessidade de superação da opressão
e da alienação dos descendentes desses escravos que, ao longo da história do Brasil,
carregavam ( e, ainda às vezes, a carregam) consigo os estigmas da escravidão.
14 Posteriormente na Pedagogia da esperança, Freire admite que foi omisso a sempre referir-se ao individuo no sexo masculino. Nas obras subsequentes repara esta omissão.
36
Entretanto, se a opressão foi essencial para consolidar o colonialismo escravocrata e é
uma constante nas relações de poder até os dias atuais, a resistência a essas relações são
igualmente uma constante e se :
os quilombos foram um momento exemplar daquele aprendizado de rebeldia, de
reinvenção da vida, de assunção da existência e da história por parte de escravos e
escravas que, da “obediência” necessária, partiram em busca da invenção da
liberdade, [...] hoje podemos observar esta rebeldia na luta dos sem-terra, sem-
escola, sem-moradia como formas atuais de quilombos (FREIRE, 2009a, p. 108).
A resistência dos negros à escravidão e ao ser menos imposto pelo opressor
possibilitou a superação da desumanização, pois quando o senhor escravocrata rouba a
humanidade do escravo, este se desumaniza no ato da opressão. E quando o escravo resiste a
essa desumanização liberta a si e a seu opressor.
Não obstante, para a perpetuação dessa liberdade, deve-se analisar mais
detalhadamente o processo de elaboração dos conteúdos programáticos dos sistemas
educacionais das diversas sociedades. É preciso saber “quem escolhe os conteúdos, a favor de
quem e de que estará o seu ensino, contra quem, a favor de que, contra que” (FREIRE, 2009a,
p. 110).
Analisando a ideologia presente no conteúdo programático e na prática escolar e
discutindo a ideologia segundo a qual a responsabilidade pelos fracassos é dos próprios
fracassados e, não, da estrutura social desumana e injusta, é que se pode colaborar para o
processo de conscientização, primordialmente dos que devem ser libertados e,
secundariamente, dos que oprimem.
Se os garotos negros não aprendem bem o inglês a culpa é deles, de sua
incompetência "genética” e não da discriminação a que são submetidos, de raça e
de classe, e não do elitismo autoritário com que se pretende impor o "padrão culto”,
elitismo, no fundo, irmão gêmeo do desrespeito total ao saber e ao falar populares.
É o mesmo que ocorre no Brasil. Os meninos e as meninas dos morros e dos
córregos não aprendem porque são, de nascença, incompetentes (FREIRE, 2009a,
p. 158).
A reprodução desse discurso acaba sendo incorporada pelos próprios estudantes
negros(as). Por isso, é papel da educação transformadora discutir essa ideologia e essa
37
incorporação como verdadeira alienação, estimulando a luta pelo reconhecimento da unidade
na diversidade, superando uma democracia puramente formal (liberal).
O papel do docente a favor da autonomia dos educandos é fundamental. Essa
temática é abordada na obra Pedagogia da autonomia (2000), em que Freire retoma a
questão da formação docente como prática educativo-progressista. Aí discute a questão da
inconclusão do ser humano e da importância de formar e, não, treinar o educando, opondo-se
a uma educação que “adestra” o povo, treinando-o apenas para o exercício de ofícios imposto
pela reconversão do sistema produtivo – e isto, em geral, é apresentado como inovação da
discussão da inserção social das classes trabalhadoras – sem qualquer questionamento da
própria sociedade burguesa. Os educadores libertadores devem assumir a responsabilidade
ética no exercício da tarefa docente, com reflexão critica sobre essa prática, que não é de
transferir conhecimentos, mas desenvolver um processo de ensino-aprendizagem. Escreveu
Paulo Freire:
ensinar inexiste sem aprender e vice-versa e foi aprendendo socialmente que,
historicamente, mulheres e homens descobriram que era possível ensinar [...] que
era possível e depois preciso – trabalhar maneiras, caminhos, métodos de ensinar.
Aprender precedeu ensinar ou, em outras palavras, ensinar se diluía na experiência
realmente fundante de aprender (FREIRE, 2000, p. 26).
E por meio desse processo de ensino-aprendizagem que se torna possível a tomada de
consciência e, posteriormente, a conscientização. Esta categoria de análise,
“conscientização”, é abordada em, praticamente, toda obra de Freire e, de modo mais
específico, no livro Conscientização (2008). Nele, o autor explica que não criou o vocábulo,
mas uma equipe de professores do Instituto Superior de Estudos Brasileiro, entre eles, Álvaro
Vieira Pinto, tendo sido disseminado por D. Helder Câmara, arcebispo de Recife.
A conscientização, para Freire, é apresentada como a superação da esfera espontânea
de abordagem da realidade, chegando-se a uma postura crítica. É um teste de realidade, no
qual esta se des-vela e não pode existir fora da práxis. O autor completa “que por isso mesmo,
a conscientização é um compromisso histórico e [...] implica que os homens assumam o papel
de sujeitos que fazem e refazem o mundo” (FREIRE, 2008, p. 30).
É também Paulo Freire que desenvolve uma reflexão a respeito dos diferentes níveis
de consciência. Fala de uma consciência semi-intransitiva, que é característica das sociedades
fechadas em que predomina a cultura do silêncio. Nesse nível, os únicos fatos que a
consciência dominada capta estão na órbita da própria experiência e o individuo, por não
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perceber a estrutura, atribui a origem da sua realidade a fatos externos e que estão fora da sua
realidade objetiva. Por exemplo, um morador da favela que, diariamente, é discriminado,
passa por dificuldades financeiras e não possui apoio governamental ou privado, estando em
um nível de consciência semi-intransitiva, acredita que a culpa pela sua situação é dele e
“quando Deus quiser as coisas vão melhorar”.
Em um processo de transição, em que uma sociedade fechada vai progressivamente se
dinamizando, as contradições econômicas, sociais e políticas emergem e a consciência
popular se torna mais exigente, ao perceber a “não-naturalidade” do status quo que entra em
crise e, nesses casos, não é raro surgirem líderes populistas que se apresentam como
“salvadores da Pátria” e tentam transformar o povo em massa, por meio da manipulação.
Nesse processo, surge a consciência ingênuo-transitiva que, a princípio, aparece nos pequenos
grupos de intelectuais e que, quanto mais se acentuam as contradições sociais, mais esses
grupos se multiplicam e vão se unindo às massas populares.
No nível mais elevado estaria a consciência crítica, que “é o processo no qual aqueles
que estavam submersos na realidade começam a sair para se reinserirem nela com uma
consciência crítica” (FREIRE, 2008, p. 88). E complementa:
A superação de uma atitude mágica dá, gradualmente, primeiro uma opinião vaga –
frequentemente tomada de outrem – depois uma apreensão não crítica dos fatos e
enfim, no caso da conscientização, uma captação correta e crítica dos verdadeiros
mecanismos dos fenômenos naturais ou humanos (FREIRE, 2008, p. 90).
Somente por meio de uma educação libertadora será possível que os(as) educandos(as)
e educadores(as) transitem até o nível da consciência crítica e, uma vez aí, possam realizar um
juízo crítico das alternativas propostas pela elite e dos caminhos que poderão escolher.
E na tentativa de abarcar parte dessa discussão, a presente dissertação esta estruturada
em quatro capítulos, a seguir sumariamente descritos.
O primeiro capítulo foi construído a partir de pesquisa bibliográfica a respeito do
negro no Brasil. Nele, procurou-se realizar uma pequena incursão histórica com o objetivo de
compreender o processo de opressão e resistência do negro à escravidão, à consequente
marginalização e ao racismo.
O capítulo subsequente apresenta os dados da pesquisa empírica qualitativa, com a
descrição e análise do perfil do educando da Educação de Adultos, enfatizando-se os dados
socioeconômicos.
39
O terceiro capítulo, apresenta a pesquisa de opinião que, sob a forma de inquérito, foi
aplicada e analisada a partir da metodologia da Escala de Likert, de modo a revelar as
tendências de opinião dos educandos a respeito da introdução do estudo de Historia e Cultura
Africana e Afro-brasileira na Educação de Adultos.
Por fim, tem-se o capítulo destinado ao exame das entrevistas em profundidade,
realizadas com os educandos do segundo termo, da escola experimental e da escola de
controle.
A dissertação é concluída com algumas respostas às indagações inicialmente propostas
no projeto de pesquisa, com muitas indagações e com alguns encaminhamentos.
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CAPITULO I
IMERSÃO HISTÓRICA NA ESCURIDÃO BRANCA
Tentam alterar o DNA da maioria, Rei Zumbi. Antigamente Quilombos Hoje Periferia
Levante as caravelas aqui não daremos tréguas não, não Então que venha a guerra
(Z´Africa Brasil)
1. Ontem, Serra Leoa; Hoje, o Porão Escuro, Profundo...
Os povos negros podem ser divididos em três grupos: o negro oriental, o negro
americano e o negro africano. Como negros orientais podem-se incluir os que habitam a parte
ocidental da Oceania e o sudeste da Ásia (Nova Guiné, Indochina, Austrália e povos com
caracteres negroides na Índia). Mas, de acordo Ramos, “não são os negros orientais raças
puras. Não há tipos antropológicos definidos, entre esses grupos. Apenas se aproximam do
tipo negro-africano, pela tez que vai do azeitona até o negro intenso. A cultura [...] é muito
distanciada da dos povos negros da África” (1979, p. 4).
O negro americano, por sua vez, também “não constitui um ramo original da raça
negra, uma vez que é um grupo oriundo do Velho Mundo” (ib., p.3) e, finalmente, tem-se os
negros africanos, “que são os mais característicos da raça, pois embora distribuídos
irregularmente, toda a pré-história da raça negra localiza-se no continente africano15” (ib.). E
foi justamente nesse continente que, na era moderna, o tráfico de seres humanos foi praticado
por mais de quatro séculos.
É sabido que o tráfico de escravos já existia na Europa, principalmente depois das
lutas religiosas entre mouros e sarracenos de um lado e os cristãos de outro, mas será por
volta de 1442 que ocorrerá o episódio que marcará o inicio do comercio de escravos na
Península Ibérica. O explorador português, Antônio Gonçalves, capturou mouros (árabes) no
Rio Douro e permitiu que esses voltassem ao seu país de origem, mediante uma recompensa
em negros, que seriam comercializados como escravos em Portugal e Espanha.
De acordo com o Ramos, os primeiros escravos foram introduzidos por espanhóis no
Novo Mundo, em 1502. Contudo, pouco depois de 1517, a Inglaterra passou a organizar
sociedades de tráfico, realizando comércio, especialmente com as Antilhas. Nas colônias
15 Ramos (1979) divide os povos negros em três grupos(como citado), voltando-se para o continente africano para demonstrar as origens do negro, porque para o referido autor, lá vivem os agrupamentos mais característicos da raça, além de ser o continente fornecedor de um grande contingente de escravos para o Novo Mundo.
41
inglesas americanas, o tráfico de escravos foi inaugurado por navios holandeses, entre 1619 e
1620, e prosseguiu até 1808, quando foi proibido pela Constituição Norte-Americana. Os
negros introduzidos na América do Norte foram distribuídos nos trabalhos agrícolas e
domésticos na zona do Mississipi.
Em outras partes do Novo Mundo, os escravos foram introduzidos por companhias
portuguesas, espanholas, francesas, inglesas e holandesas. Esses escravos foram redistribuídos
para as plantações de açúcar, de café, de algodão, de fumo e para trabalhos urbanos.
Especificamente no Brasil, os negros escravizados foram introduzidos logo após a invasão
portuguesa, no inicio do século XVI, mais precisamente após 1530, data em que,
efetivamente, começou a colonização do Brasil.
No que diz respeito à procedência dos africanos enviados para o Brasil, Ramos
informa que os negros escravizados provinham de todas as regiões africanas, uma vez “que
eram capturados em qualquer região, sem discriminação de procedência e embarcados em
portos da costa. [...] os nomes que traziam eram dos portos de procedência” (1979, p. 49).
Entretanto, na tentativa de reconstituir as culturas negro-africanas no Brasil, o autor
apresentou o seguinte quadro:
a) Culturas sudanesas, povos Yoruba, da Nigéria (Nagô, Ijêchá, Eubá, Ketu, Iban,
Yebu); Daomeanos (grupo Gegê: Ewe, Fon); pelos Fanti-Ashanti, da Costa do Outro
(grupo Mina: Fanti e Ashanti); por grupos menores da Gâmbia, da Serra Leoa, da
Libéria, das costa da Malagueta, da Costa do Marfim.
b) Culturas guineano-sudanesas islamizadas: Peuhl (Fulah, Fula etc.), Mandiga
(Solinki, Bambara..) e Haussá do norte da Nigéria; e grupos menores como os Tapa,
Bornu, Gurunsi e outros.
c) Culturas bantus, constituídos pelas inúmeras tribos do grupo Angola-Congolês e
do grupo da Contra-Costa (RAMOS, 1979, p. 186-187).
Ao apresentar esse quadro, Ramos contesta tanto “o exclusivismo bantu apontando por
Silvio Romero, como o sudanês de Nina Rodrigues” (id., ib., p. 185). E corroborando com
Ramos, Viana Filho, no livro O negro na Bahia, informa que:
durante três séculos em que existiu, o tráfico variou profundamente nas suas
direções, ora preferindo uma, ora outra dessas regiões, embora jamais fosse
exclusivo de qualquer delas [...] buscaram os traficantes, negros os mais diversos
dentre os dois grandes grupos banto e sudanês (1988, p. 38).
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Viana Filho sistematiza a importação de escravos na Bahia em quatro ciclos: da Guiné,
Séc. XVI; Angola, Séc. XVII; Costa da Mina e Golfo de Benin, Séc. XVIII até 1815; Última
fase: a ilegalidade, 1816 a 1851. Portanto, Viana Filho também discorda de Nina Rodrigues
com relação à procedência dos negros escravizados na Bahia, que não eram apenas super-
equatoriais e que “também muito negro de Angola, do Congo, de Benguela, entrou na Bahia
como escravo da Guiné” (1988, p. 72). Considerando que as obras de Ramos e Viana Filho
foram concebidas no primeiro quinquênio do século XX, é de causar estranheza que Darcy
Ribeiro, em sua obra O povo brasileiro, produzida no final do século XX, afirme que os
“negros do Brasil, trazidos principalmente da costa ocidental da África, foram capturados
meio ao acaso nas centenas de povos tribais que falavam dialetos e línguas não inteligíveis
uns aos outros” (2006, p. 102). Considerando que pesquisadores anteriores ao antropólogo e
senador Ribeiro já haviam demonstrado que, no tráfico negreiro, nada houve de acaso, sendo
um comércio lucrativo e bem organizado, que beneficiava tanto as coroas portuguesa, inglesa,
espanhola, holandesa e francesa, como o clero e os comerciantes.
1.1 A Carne Supliciada e a Mão que a Supliciou
Os negros foram escravizados na África e trazidos para o Brasil como máquinas de
trabalho. De acordo com Viana Filho, eram chamados de “peças da Índia, peças da África e
fôlego vivo, expressão esta também usada para os bichos [...] e por muito tempo, não se
admitiria para o negro outra finalidade senão trabalhar” (op. cit., p. 166).
Contudo, o negro não se limitou à função que lhe foi destinada pela classe dominante
e, apesar da escravidão, manteve seus cultos e as suas superstições, penetrou a igreja católica,
fundando as irmandades de São Benedito e de Nossa Senhora do Rosário, organizou juntas de
liberdade e quilombos.
Entretanto, intelectuais como Vianna Filho, na primeira metade do século XX,
continuavam a ver o negro “não apenas a máquina a explorar. Era alguma coisa a estudar”
(ib., p. 178), ou seja, o negro continuava a ser visto como “coisa”, “objeto” de estudo de
médicos e pesquisadores e, apesar das contribuições de Viana Filho com relação ao estudo do
negro na Bahia, ainda predomina na obra consultada, uma visão racista e paternalista com
relação ao negro escravizado. Nela, Viana Filho afirma que os negros sudaneses reagiam
violentamente à escravidão, enquanto a maioria “se adaptava docilmente” (ib.). afinal “em
regra, porém, – os escravos – eram tratados com brandura, mais gente de casa do que bestas
de trabalho, admitidos dentro dos sobrados, vivendo na intimidade dos senhores, muitos como
43
lacaios de confiança” (1988 p. 192). Desta forma, o autor considera que a maioria dos negros
aceitava a escravidão e que eram tratados com amabilidade pelos senhores.
Em relação às várias atividades exercidas pelos negros no Brasil, Vianna Filho cita o
trabalho doméstico, a lida com os animais, os trabalhos nas minas, assim como os que
trabalhavam como ferreiros, carpinteiros, marceneiros, caldeireiros, oleiros, alambiqueiros,
mestre-de-açúcar, serradores, plantadores, limpadores, cortadores de cana e fumo, cozinheiro,
carregadores de cadeirinhas (liteiras). Nas lutas pela independência do país também atuaram.
Os forros e mulatos nas profissões liberais, nas artes, no magistério, no parlamento. De acordo
com o autor:
transportado para o novo hábitat, convivendo com uma civilização superior – dentro do
nosso conceito de civilização – o negro, apesar da escravidão, não se degradou. Como
notaria o ministro inglês, em nota a Cotegipe: ‘depois de alguns anos de residência no
Brasil, o negro boçal fica comparativamente civilizado’ (VIANA FILHO, op. cit., p. 167).
A relação das atividades laborais dos negros apresentada por Viana Filho é relevante.
No entanto, mais adiante na obra, o autor comete um equivoco, ao afirmar que havia uma
ausência do trabalho escravo na criação de gado: Na criação de gado não prosperou o trabalho do negro escravo. O fato é fácil de
explicar. Assentava, principalmente em razões de ordem econômica. A criação, além
de não suportar as despesas exigidas pelo regime escravo, fazia-se fora das vistas
dos donos das extensas sesmarias , quase todos eles residentes nas cidades. Adotara-
se por isso o sistema fácil de parceria. [..] O negro, emigrado da África ou nascido
no litoral, não se integraria nesse regime (VIANA FILHO, 1988, p. 199-200).
A visão de Viana Filho é contestável e o historiador Gorender (1985) irá demonstrar
que “é improcedente a ideia de que a pecuária não se coadunava com a escravidão por
dificultar a vigilância sobre os escravos. Dessa vigilância se encarregavam, em vários casos,
não os proprietários, porém feitores escravos” (1985, p. 360).
O negro escravizado poderia ser considerado boçal, exercendo jornadas de trabalho de
quinze a dezoitos horas diárias, alimentados de acordo com a função que exerciam. Foram os
primeiros a morrer de fome nos períodos de seca e escassez, exerciam os mais diversos
trabalhos, com ínfimas horas de lazer. De acordo com Pinsky, teoricamente, o ano útil deveria
ser de duzentos e cinquenta dias, mas, “alguns fazendeiros, simplesmente, não davam a menor
44
atenção aos dias santificados e mesmo nos domingos exigiam que seus escravos consertassem
estradas, cercas e construções” (1998, p. 39).
Além da exaustiva carga horária, poucas horas de lazer e parca alimentação, os negros
escravizados ainda sofriam castigos corporais. O mais frequente era o açoite, que chegou a ser
banalizado pela constância com que era aplicado; também existia a máscara de Flandres –
confeccionada em metal flexível, cobria todo o rosto, à exceção do nariz e dos olhos, tendo
como objetivo impedir a ingestão de alimentos e bebidas. Na zona aurífera, fora utilizada para
impedir que os escravos engolissem alguma pepita de ouro. Havia também o calabouço.
Localizado nas cadeias, era o local em que os escravos eram torturados por ordem dos
senhores que não queriam sujar suas mãos. Havia, finalmente a pena capital, geralmente por
enforcamento (PINSKY, ib.).
Com relação aos castigos, Ribeiro aponta que a rotina do negro escravizado era:
Sofrer todo o dia o castigo diário das chibatadas soltas, para trabalhar atento e
tenso. Semanalmente vinha um castigo preventivo, pedagógico, para não pensar em
fuga, e, quando chamava atenção, recaía sobre ele um castigo exemplar, na forma de
mutilações de dedos, do furo de seios, de queimaduras com tição, de ter todos os
dentes quebrados criteriosamente, ou dos açoites no pelourinho, sob trezentas
chicotadas de uma vez, para matar, ou cinquenta chicotadas diárias, para sobreviver.
Se fugia e era apanhado, podia ser marcado com ferro em brasa, tendo um tendão
cortado, viver peado com uma bola de ferro, ser queimado vivo, em dias de agonia,
na boca da fornalha ou, de uma vez só, jogado nela para arder como um graveto
oleoso. [...] Todos nós brasileiros, somos carne da carne daqueles pretos e índios
supliciados. Todos nós brasileiros somos por igual, a mão possessa que os supliciou
(2006, p. 107-108).
Freyre também apresenta castigos e perversidades comuns praticadas pelos senhores,
como, por exemplo, dar às crianças brancas, um negrinho (a) mais ou menos da mesma idade
que a criança e que lhe serviria de brinquedo. Esse pequeno escravo era, na verdade um saco
de pancadas e carro de boi e, em virtude dessas práticas, “é de supor a repercussão psíquica
sobre os adultos de semelhante tipo de relações infantis – favorável ao desenvolvimento de
tendências sadistas e masoquistas” (2006, p. 420).
Tendências que o referido autor vai apontar, com peculiar perversidade nas sinhás-
moças, era que, quando contrariadas ou por ciúme, mandavam arrancar os olhos de mucamas
para servir como sobremesa a seus maridos. Ou ainda, quebravam os dentes das escravas com
45
salto de botina, além de mandar-lhe cortar os peitos, arrancar unhas, queimar a face e as
orelhas, entre outras barbaridades.
Para Freyre o motivo para tais comportamentos, era quase sempre, “o ciúme do
marido, o rancor sexual, a rivalidade de mulher com mulher” (2006, p. 421). No entanto,
parece simplista esta conclusão, pois o motivo para atitudes tão descabidas não pode ser
apenas o rancor feminino, mas, o resultado de um sistema social e econômico, no qual a
superioridade da raça branca foi e é alardeada a ponto de justificar castigos corporais e morais
imputados à raça negra, tendo a certeza da impunidade dos(as) agressores(as).
1.2 A Resistência Negra
Entre os anos de 1807 e 1835, várias insurreições escravas foram organizadas em
Salvador. Nelas, os escravos realizaram formas superiores de luta a favor da liberdade e da
destruição do sistema escravista. De acordo com Freitas, os insurgentes urbanos, “não
deixaram de mobilizar os escravos dos quilombos, das plantações e dos engenhos” (1976, p.
9). Este autor questiona a que atribuir a singularidade das insurreições de Salvador,
contestando a explicação de Nina Rodrigues, que lhes atribuiu a um movimento religioso
mulçumano e, não, a uma mobilização política contra o regime escravista.
Uma das primeiras causas das insurreições, segundo Freitas, deveu-se ao fato de
Salvador ser uma cidade negra, constituída, no início do século XIX, “por 28% de brancos,
20% pardos e 52% negros16” (1976, p.14) e os negros eram, em quase sua totalidade,
escravos. Para os senhores, esses escravos se distinguiam dos animais, apenas por serem
dotados de linguagem. Porém, o negro escravizado, tinha consciência da sua humanidade e
para recuperar a sua identidade humana fugia para o quilombo, além de exercer várias outras
formas de resistência.
Boa parte da população de outras cidades do Novo Mundo também era constituída por
negros escravizados e nem por isso organizaram insurreições urbanas. Mas, Salvador possuía
uma particularidade, de acordo com Freitas: pelo menos 80% dos escravos eram explorados
no ganho, ou seja, os escravos não ficavam presos nos engenhos e senzalas; vendiam iguarias
e prestavam serviços no centro urbano, além de muitas escravas serem prostituídas por suas
senhoras. Geralmente, esses escravos-de-ganho se vestiam e alimentavam-se às próprias
custas; não viviam nas casas dos senhores e desde que pagassem a quantia estipulada para os
16 O autor não adota a classificação de somar pretos e pardos na categoria de negros.
46
respectivos senhores, eram “livres” para circularem pela cidade (FREITAS, 1976). Assim, os
negros escravizados podiam participar de reuniões, facilitando a organização da resistência,
com os escravos de diferentes procedências, para lutar contra o sistema escravista.
Outro fator que pode ter contribuído para as insurreições urbanas em Salvador foram
as crises do poder colonial, na Bahia, no século XIX, com conflitos entre os senhores de
engenho e portugueses, no Brasil, somado ao retrocesso do absolutismo na Europa, que se
refletia nas colônias americanas, sobretudo na brasileira.
Dentre as principais insurreições pode-se citar:
a) 1807: Revolta organizada pelos haussás, tendo como chefes principais o liberto
Antônio e o escravo Baltazar. O plano era apoderarem-se da Casa da Pólvora e das
armas; ao mesmo tempo, outros incendiariam a alfândega e a capela do arrabalde.
Enquanto isto, chegariam os rebeldes do Recôncavo Baiano e ocorreria uma matança
dos senhores. Uma vez vitoriosos, os insurgentes elegeriam um rei e se apossariam das
embarcações ancoradas no porto, para retornar à África. Mas, no final de março
daquele ano, a mando do conde da Ponte, houve invasão aos quilombos Cabula e
Nossa Senhora dos Mares que, cercados, foram vencidos, resultando em prisões de
escravos e libertos.
b) 1809: Os haussás passaram a trabalhar na organização de novo levante; aliciaram
escravos e libertos de outras nações, como nagôs e geges. Em 4 de janeiro mais de
quatrocentos insurretos fugiram da cidade e tomaram a estrada das Boiadas, mas
foram surpreendidos pelas tropas e sofreram rápida derrota.
c) 1810: Freitas informa que “fala-se de outro levante escravo em Salvador, mas não há
pormenores” (1976, p. 38).
d) 1814: Violenta insurreição, que tinha como plano sublevar os escravos das armações,
estendendo o movimento ao Recôncavo e, depois, todos reunidos, atacariam a cidade
de Salvador. Constatou-se a presença de elementos mulçumanos, assim como,
escravos animistas. O confronto com o destacamento do governo ocorreu em Santo
Amaro e o combate se prolongou até que a revolta fosse sufocada. Os insurretos
incendiaram oitenta casas e mataram quatorze pessoas brancas. A repressão pós
levante, resultou em seis penas de morte, seguidas de decapitação dos condenados.
e) 1816: Teve como campo de ação, os engenhos do Recôncavo em que se concentrava
um número avultado de escravos. “O movimento tomou proporções assustadoras.
Venceu-o, em Quibaca, Jerônimo Moniz [..] mas a população enchera-se, porém, de
pavor” (VIANA FILHO, op. cit., 1988, p. 216).
47
f) 1826: Em 25 de agosto, revoltosos haviam proclamado um rei e enfrentaram as tropas
reinóis, travando combate no qual sofreram numerosas baixas. Na noite de Natal do
mesmo ano, os nagôs da cidade de Salvador se levantariam, mas dias antes, em 17 de
dezembro, alguns capitães-do-mato atacaram um quilombo localizado nas matas do
Urubu e, apesar da resistência dos quilombolas, a tropa repressiva levou a melhor e a
revolta que se preparava não se concretizou.
g) 1828: Grande número de nagôs fugiram para as matas e atacaram as armações,
saquearam e incendiaram casas. Esperavam adesão dos escravos das armações, mas
apenas vinte negros novos (africanos) aderiram; houve confronto e oito escravos
foram mortos e muitos ficaram feridos.
h) 1829: Em 26 de outubro, houve nova sublevação dos nagôs do Recôncavo que foi
dominada pelos milicianos e moradores.
i) 1830: Vinte negros saíram pelas ruas da Bahia, promovendo tumulto e assaltando os
armazéns, mas o resultado foi que o levante fracassou.
j) 1835: Para Vianna Filho, a chamada Revolução dos Malês foi caracterizada pelo
“móvel religioso dos rebeldes [...], sendo que o fundo maometano do movimento
surge límpido” (op. cit., p. 218)”. Porém, Freitas contraria essa teoria e informa que,
ao contrário do que o nome da revolução sugere (malês), ela tinha como maioria os
insurgentes nagôs, que contaram com elementos de muitas outras nações. Houve uma
aliança entre muçulmanos e animistas e “a arregimentação dos insurretos se fez a nível
político e não religioso” (FREITAS, 1976, p. 73).
Apresentando como referência o livro Insurreições escravas (1976), de Freitas, pode-
se afirmar que as insurreições tinham como objetivo destruir o sistema escravocrata, pois os
negros escravizados possuíam consciência da sua humanidade e os maiores aliados dos
escravos eram os libertos, demonstrando que havia uma solidariedade étnica e consciência
política dos escravos. Ramos, no livro As culturas negras no novo mundo (1979), também
concorda que a chamada revolta dos malês “não reconheceram primordialmente causas
econômicas, como querem alguns ensaístas. Elas tiveram causas culturais, contra
aculturativas” (p. 247). Este ponto de vista é compartilhado por Moura, ao apresentar que
“para nós, a religião foi um elemento ideológico mediador entre a situação objetiva [...] ordem
social escravista e a consciência dessa situação alienadora” (2004, p. 26).
Contudo, como ficou demonstrado, as causas dessa revolução ainda não são consenso
entre os autores consultados, pois, para Viana Filho, “o islamismo, foi o fundamento
48
espiritual do movimento de 1835” (ib., p. 222). Entretanto, considerando as limitações de O
negro na Bahia (que não se justifica pelo período da primeira edição – 1946 – uma vez que As
culturas negras no novo mundo é de 1937 e já considerava causas culturais e contra-
aculturativas para revolução), a presente pesquisa considera que as causas dos levantes na
Bahia foram de ordem política e tinham como objetivo, combater o modo de produção
escravocrata, como fruto do processo de conscientização do negro.
Todavia, se para Freitas (1976) as insurreições eram resultado da conscientização dos
negros, dentre os fatores de alienação deles destacavam-se as diferenças religiosas de cada
nação, que fomentavam divisões entre os negros africanos e brasileiros. Essas diferenças
foram utilizadas de forma sagaz pelos brancos para tentar dividir e incentivar a discórdia entre
os escravizados. Ribeiro, assim como Freitas, concorda com este ponto de vista e explicita: “a
própria religião que, hoje, após ser trabalhada por gerações e gerações, constitui uma
expressão da consciência negra, mas que, em lugar de unificá-los, os desunia. Foi até utilizada
como fator de discórdia, segundo confessa o conde dos Arcos” (2006, p. 103).
Moura discorda dos autores citados e pondera que o candomblé era uma forma de
resistência, era abrigo de insurretos no período dos levantes e constituiu-se como local de
contestação da religião do sistema dominante. “Daí a perseguição permanente, sistemática e
terrorista às suas casas de culto. Até recentemente o candomblé era tido pelas elites
responsáveis pelo controle social como zonas perigosas, de controle permanente” (2004, p.
24).
Outras formas de resistência dos negros escravizados eram as fugas, os assassinatos de
senhores, a formação dos quilombos e os suicídios.
Pinsky informa que, “no limite de sua resistência física e moral, o escravo se matava.
Além de gesto de libertação, de ponto final à sua condição de objeto, ele golpeava fundo seu
senhor, fazendo com que tivesse prejuízo do investimento” (1998, p. 61).
Freyre também chama atenção para o fato de que “não foi toda de alegria a vida dos
negros, escravos dos ioiôs e das iaiás brancas. Houve os que se suicidaram comendo terra,
enforcando-se, envenenando-se com ervas e potagens dos mandigueiros” (2006, p. 552). Que
alegrias são estas, pode-se questionar, mas é importante observar que mesmo autores com
visões tão diferentes sobre a questão do negro escravizado no Brasil, atestam que o suicídio
era praticado. Roger Bastide e Florestan Fernandes afirmam que além do “desmazelo,
descuido e o afrouxamento no trabalho; (ocorria) a tentativa de suicídio, de aborto ou de fuga”
(2008, p. 116). Muitas escravas preferiam o aborto a ter que gerar filhos escravos, assim
como, muitos negros e negras preferiam a morte a ter negado o seu direito a humanidade.
49
Encerrando o tópico referente à resistência negra, não se poderia silenciar sobre a
importância dos quilombos, que foram as organizações de resistência mais radicais ao sistema
escravocrata e era no quilombo que o negro negava, radicalmente, a escravidão e conquistava
a condição de ser livre
O quilombola é o homem que adquire, pela sua condição radical, a sua liberdade.
Ele não pode ser meeiro, camponês, posseiro ou arrendatário. Só pode ser homem
livre ou escravo. [...] É somente no quilombo que ele adquire a sua cidadania
(MOURA, 2004, p. 32).
Portanto, para Moura a quilombagem constituiu um processo de desgaste das forças do
Modo de Produção Escravista Colonial; significou um movimento de rebeldia permanente,
organizado e dirigido pelos próprios escravos (exceto Quilombo do Jabaquara). Foi um
movimento emancipacionista que antecedeu o movimento liberal abolicionista, atravessando
todo o sistema escravista, desarticulando-o, constantemente, desde o começo da escravidão. E
o autor chama atenção que “eles (os quilombos) foram não apenas uma força de desgaste [...],
mas pelo contrário, agiam em seu centro, isto é, atingindo, em diversos níveis, as forças
produtivas do escravismo e, ao mesmo tempo, criando uma sociedade alternativa” (2004, p.
43).
Existiram diferentes tipos de quilombos: agrícolas, extrativistas, mercantis,
mineradores, pastoris, de serviços e os predatórios. Esses quilombos reproduziam, ainda que
parcialmente, a regionalização da economia colonial, mas também praticavam uma economia
de policultura e comunitária. Com relação à organização política, os tipos de governos eram,
geralmente, centralizados para garantir a atividade produtiva e a defesa.
Nas Américas, “a resistência engendrou os movimentos de luta antiescravista que
culminou na abolição” (MUNANGA, 2004, p. 6). Não há dúvidas que a abolição só se
concretizou em virtude da resistência do negro, que não aceitou sua condição como
escravizado e combateu, veementemente, enquanto esse sistema perdurou. No entanto, a
abolição no Brasil foi tardia e o abolicionismo liberal não promoveu a revolução, não revogou
os privilégios da elite branca latifundiária, não promoveu a igualdade social e, ainda, diminuiu
a força do abolicionismo negro, substituindo o conflito da primeira fase da quilombagem pela
acomodação. Como exemplo, pode ser mencionado o movimento dos caifases que
apresentava um discurso radical, mas que acabou servindo como solução conciliadora que
satisfazia os interesses dos fazendeiros. O aludido movimento, organizou o quilombo do
Jabaquara, em Santos e, para lá, enviou os negros retirados das fazendas, assim como os
50
negros foragidos. Mas, os escravos enviados para o Jabaquara tinham um papel passivo na
organização e manutenção do quilombo e eram subordinados aos abolicionistas que, por sua
vez, eram moderados. Apesar de serem a favor da abolição da escravidão, eram contra a
radicalização do movimento antiescravista. As forças conciliadoras passaram a comandar a
última fase do movimento abolicionista e, segundo Moura, “o escravo foi riscado como força
dinâmica do projeto de mudanças social, e a abolição realizou-se de acordo com os interesses
e a estratégia das classes dominantes [...]; era o inicio da marginalização do negro após a
abolição” (2004, p. 60).
1.3 Abolição: Os Negros na Estrada
O processo da abolição da escravidão no Brasil ocorreu de forma lenta, atendendo
mais aos interesses da elite brasileira do que aos dos negros escravizados. Examinado mais
profundamente, o movimento abolicionista, em grande parte, foi um movimento
verdadeiramente escravista. As lei do Ventre Livre e a Lei dos Sexagenários foram, na
verdade, protelatórias da abolição total. Assim, as conquistas que deveriam resultar na
emancipação do negro, muitas vezes, resultaram em sua exclusão. E, ao longo do século XIX,
sancionaram-se diversas leis que promoviam a “abolição” gradual.
Em 1831, a Regência publicou a primeira lei que proibia o tráfico de africanos para o
Brasil, atendendo à pressão dos ingleses que, durante séculos, lucraram com o tráfico
negreiro. No entanto, naquele momento, os ingleses queriam aboli-lo, pois seus interesses
voltavam-se para o desenvolvimento do capital, por meio de um modelo de acumulação
pautado no trabalho assalariado e, não, no escravo.
A lei de 1831 só ampliou o número de africanos introduzidos no Brasil, não mais pelas
vias legais, mas por contrabando. Apenas em 1850 foi sancionada a Lei 581, conhecida por
Euzébio de Queiroz. Essa lei classificou como pirataria as ações que envolvessem o tráfico
negreiro e os africanos importados deveriam ser considerados livres, retornando para a África.
Todavia, na prática, esses africanos transformavam-se em escravos do Estado.
No ano de 1871, a Lei 2040, conhecida como Lei do Ventre Livre, deliberou que
seriam livres os filhos das negras escravas. No entanto, a mãe continuava na condição de
escrava e, pela referida lei, o filho ficaria sob seus cuidados até os oito anos de idade. Depois,
o senhor de escravo, poderia trocá-lo por uma indenização do governo ou utilizar-se dos
serviços dos pueris até que estes completassem 21 anos.
51
A lei Euzébio de Queiroz também definiu que, anualmente, seriam libertos escravos de
acordo com os valores disponíveis do governo, ou seja, tinha-se uma visão do término gradual
da escravidão, sem prejuízo dos senhores de escravos.
Após a lei do Ventre Livre sancionou-se, em 1885, a Lei Cotegipe, também conhecida
como “Dos Sexagenários”, definindo que escravos maiores de 60 anos seriam libertados. Ora,
essa liberdade não era acompanhada do direito a uma aposentadoria e ao ex-escravo restava
como alternativa de sobrevivência continuar servindo aos ex-senhores, ou prestar-se à
mendicância. Além disso, não se pode omitir que os senhores de escravos eram indenizados
por libertarem seus negros idosos e já exauridos pelo sistema escravista. Outro aspecto cínico
da lei era que a maioria dos escravos não chegava aos 60 anos de idade.
As leis apresentadas, apesar de promoverem, gradualmente, o fim da escravidão, não
reconheciam o negro como sujeito, mas continuavam considerando-o como “bem semovível”,
como dizia a constituição do Império, verdadeiro objeto, uma vez que o dono deveria ser
indenizado por sua perda.
Por fim, em 1888, aprovou-se a lei 3353, conhecida como “Lei Áurea” determinando o
fim da escravidão. Tal lei, que agradou tanto aos abolicionistas, como os setores mais
conservadores da sociedade, pôs um ponto final “numa situação que envergonhava a nação.
Colaborando com a ideia de liberdade outorgada, com a tentativa de escamotear o
protagonismo do escravo no derrocada do regime” (JACINO, 2008, p. 65). Aos escravos foi
concedida uma liberdade teórica e aos senhores e ao Estado não foi atribuída nenhuma
obrigação com os libertos; mais uma vez prevaleceram os interesses dos proprietários de
escravos (BATISDE; FERNANDES, 2008).
Jacino entende que, no decorrer do século XIX, o Brasil produziu uma legislação que
teve como consequência a marginalização do negro, pois quanto mais o sistema escravista ia
chegando ao fim, mais a classe dominante adotava medidas para impedir a inserção do negro
liberto na nova estrutura social pós-escravista. Nesse período, estava em voga o pensamento
embasado no darwinismo social e o debate sobre a miscigenação, no qual “alguns advogavam
que seria ela, fator de degradação moral, loucura e esterilidades” (2008, p. 42) e, por isso, os
vários setores da sociedade adotavam uma postura a favor da imigração europeia,
materializando a ideologia do branqueamento.
Essa ideologia tinha embasamento em estudos como os de Nina Rodrigues que, em
livros como Os africanos no Brasil, escrito entre 1890 e 1905, ressaltava “a conveniência de
diluí-los (os negros) ou compensá-los por um excedente de população branca, que assuma a
direção do país” [...]. E o autor ressalta, em outras partes de seu livro, que o importante para o
52
Brasil “é determinar quanto de inferioridade lhe advém da dificuldade de civilizar-se por parte
da população negra que possui e, se de todo fica essa inferioridade compensada pelo
mestiçamento” (sic) (1982, p. 264-265). Defensor do branqueamento da população brasileira,
Nina Rodrigues prossegue explicando que, se o futuro do Brasil dependesse dos negros
chegarem ao grau de aperfeiçoamento dos brancos, seria necessário transformar os destinos
dos povos, pois na morosidade reside o ponto fraco da civilização negra. O autor ainda
defendia que existiam diferenças entre os africanos vindos para o Brasil e era necessário
distinguir entre os verdadeiros negros e os camitas – que seriam um ramo da raça branca. Seu
desprezo pela raça negra era de tal proporção que Nina Rodrigues afirmava que se houvesse
homens negros de reconhecida superioridade intelectual, certamente ou eram mestiços ário-
africanos ou camito-africanos. O último capitulo do livro Africanos no Brasil intitula-se “A
sobrevivência psíquica na criminalidade dos negros no Brasil”. Como a expressão sugere,
Nina Rodrigues vai classificar a sobrevivência psíquica como criminalidade étnica, resultado
da Coexistência numa mesma sociedade, de povos ou raças em fases diversas de
evolução moral e jurídica, de sorte que aquilo que ainda não é imoral nem
antijurídico para uns réus já deve sê-lo para outros. Desde 1894 que insisto no
contingente que prestam à criminalidade brasileira muitos atos antijurídicos dos
representantes das raças inferiores, negra e vermelha, os quais, contrários à ordem
social estabelecida no país pelos brancos, são todavia, perfeitamente lícitos, morais e
jurídicos, considerados do ponto de vista a que pertencem os que os praticam (1982,
p. 273).
Esse autor detalha que a contribuição dos negros a essa espécie de crime é a mais
elevada, mas que esses atos criminosos não são vistos como tais, quando praticados em
comunidade alheia. Essa pobre “teoria científica” a respeito do povo negro deve-se a uma
base teórica de duvidosa legitimidade evolucionista: quando retirados da África e vendidos
para América, os povos negros estavam em diferentes estágios de evolução.
Corroborando essas ideias da superioridade da raça branca e dos benefícios de
branquear a população, Oliveira Vianna, no livro Raça e assimilação (1934), informa que não
defende a superioridade de uma raça com relação à outra; no entanto, não se pode admitir que
as raças sejam iguais. No capítulo “O problema do valor mental do negro”, o autor afirma que
“em relação ao negro puro, minha opinião é de que, para certos tipos de inteligências
superiores, ele revela, na sua generalidade uma menor fecundidade do que as raças arianas ou
53
semitas” (1934, p. 271) e prossegue explicando que, entre os negros, os tipos intelectualmente
superiores são produzidos em menor proporção do que nas raças brancas.
É justamente nesse ponto que as duas raças são desiguais para Vianna, que se
fundamenta nos estudos de Strong e Morse e expõe que, entre 10.000 negros, haveria uma
probabilidade de existir, aproximadamente, oitenta de inteligência superior, uma vez que,
entre os brancos, a proporção subiria para 500 por 10.000. Depois de se fundamentar nesses
dados, Vianna contesta as pesquisas desenvolvidas pelo seu contemporâneo Artur Ramos, que
atesta que os povos negros tem uma capacidade igual a de qualquer povo ou raça e que,
inclusive, são os responsáveis pelos vestígios de civilizações superiores encontradas nas
selvas africanas. Vianna afirma não duvidar da existência dessas civilizações, duvida “que
estas civilizações antigas, que floresceram nas zonas centrais da África foram criadas pelos
homens da raça negra” (1934, p. 276). Continua informando que essas civilizações foram
formadas por povos estranhos, conquistadores árabes ou berberes, que deram origem aos
mestiços, ou ainda por tribos de raça camita, pois os negros puros nunca criaram civilização
alguma. O autor encerra o livro declarando:
Não sei se o negro é realmente inferior, se é igual ou mesmo superior às outras
raças: mas julgando pelo que os testemunhos do presente e do passado demonstram
a conclusão a tirar é que, até agora a civilização tem sido apanágio de outras raças
que não a raça negra e que para que os negros possam exercer papel civilizador
qualquer, faz-se preciso que eles se caldeiem com outras raças, especialmente com
raças arianas ou semitas. Isto é: que percam a sua pureza (id., ib., p. 283).
Foi em meio a essas teorias racistas, foi nesse ambiente “científico” hostil que os
africanos e seus descendentes tiveram que, diariamente, travar uma batalha por sua
sobrevivência física e moral.
1.4 Quem Tem Cor...age
No primeiro período pós-abolição (1889-1930), houve um recuo nas condições
socioeconômicas dos negros livres e recém-libertos, que eram hostilizados como
trabalhadores e como seres humanos. O processo de reabsorção do elemento negro no sistema
de trabalho ocorreu a partir das ocupações mais humildes e mal remuneradas.
Como o ex-escravo não estava em condições de competir com o imigrante europeu, a
sobrevivência econômica dos negros se concentrou em dois tipos de atividades: serviços
54
urbanos e suburbanos (chacareiros, vendedores ambulantes, empregadas domésticas,
pescadores, entre outros) e como trabalhadores rurais por conta própria, obrigando-se a
vender seus produtos por preços inferiores ao praticados no mercado (BARBOSA, 2004;
BATISDE; FERNANDES, 2008).
A Revolução de 1930 e a lei do trabalho nacional reabriram gradualmente, as
possibilidades de aproveitamento da mão-de-obra negra nas atividades industriais urbanas,
pois havia interesse político em diminuir a influência dos sindicatos controlados por
imigrantes europeus.
No período após a crise de 1929-32, o crescimento econômico brasileiro foi guiado
pela industrialização, que se deu partindo da indústria leve para a pesada, tendo como
impactos positivos a expansão da renda doméstica disponível e o aumento do poder de
consumo. De acordo com Barbosa o “referido tipo de industrialização beneficiou também a
população negra, cujos contingentes já se encontravam fortemente no ambiente urbano, com
baixo aproveitamento, contudo, pelo trabalho industrial” (2004, p. 99).
Com o crescimento das cidades, houve excesso de oferta de mão-de-obra e um
aumento das carências de serviços básicos, como saneamento, saúde e educação. Entre 1969 e
1990 – apesar da retomada da industrialização da década de 1970 –, as diferenças na
distribuição de renda e bem estar social superaram as diferenças do mundo escravista. Nas
últimas duas décadas, um terço da população urbana dos grandes centros vive em favelas e
cinquenta por cento dessa força de trabalho, percebe até um salário mínimo. (BARBOSA,
2004).
De acordo com Censo 2010, o diferencial de rendimento entre os grupos de cor ou
raça ainda é relevante. Brancos apresentam rendimentos médios mensais de R$ 1.538,00,
semelhantes a amarelos de R$ 1.574,00, enquanto os grupos de pretos percebem R$ 834,00,
pardos R$ 845,00 e indígenas R$ 735,00. Ou seja, os brancos recebem, praticamente, o dobro
de rendimento dos negros, e nos grandes centros, esse percentual chega a 3,2 17.
Mediante esse quadro adverso, a população negra precisou organizar-se (a exemplo do
período que antecedeu a abolição) e, de acordo com Bastide e Fernandes (2008), foi depois de
1914 que o negro tomou consciência da sua condição perante o imigrante e, sob a influência
dos partidos socialista e comunista, assim como do movimento modernista que descobriu a
estética africana, o negro orgulhoso de suas origens, procurou organizar os “homens de cor”. 17 Entre as capitais, destacam-se as que apresentam maior desigualdade para a razão entre o rendimento médio mensal de brancos e de pretos: Salvador (3,2), Recife (3,0 ) e Belo Horizonte ( 2,9 ). Entre brancos e pardos, São Paulo (2,7) aparece no topo da lista, seguida por Salvador, Rio de Janeiro e Porto Alegre, onde brancos têm um rendimento 2,3 vezes maior do que pardos.
55
Em 1915, formaram-se clubes e associações de negros, intensificando-se este
movimento entre 1918 e 1924. Nesse período, a proposta era mais de reinvindicação por lazer
e cultura, porém, a situação de marginalização do negro, acabou contribuindo para que as
associações culturais fossem mais combativas e tivessem função pedagógica.
Em 1924, fundou-se em Campinas (SP), o primeiro jornal negro, O Getulino e, na
capital paulista, o jornal Clarim da Alvorada que, a princípio, apresentava pretensões
literárias, mas tornou-se mais politicamente combativo.
A crise de 1929 aumentou a opressão contra os homens da classe baixa e criou-se um
clima favorável aos protestos liderados pela elite racial. Em São Paulo, a revolução de 1930
entusiasmou os pretos e, em 1931, fundou-se a Frente Negra, dirigida pelos irmãos Veiga dos
Santos. No entanto, um dos irmãos inspirou-se nos movimentos nacionalistas europeus, como
o fascismo e, por essa razão, muitos pretos recusaram-se a entrar no movimento, segundo
Bastide e Fernandes:
(...) apesar de tudo, a Frente Negra obteve um enorme êxito, não somente na capital
e no interior do estado de São Paulo, mas em quase todos os recantos do Brasil.
Pode-se dizer que foi o principal responsável pelo despertar de uma consciência
racial no negro (2008, p.198).
A Frente Negra Brasileira (FNB) registrou-se como partido político, mas teve seus
direitos suprimidos por Getúlio Vargas e só retomou suas atividades após 1945. Assim, em
virtude da repressão da ditadura varguista do estado Novo (1937 e 1945), o movimento negro
sofreu uma estagnação, mas ainda assim, foi possível fundar em 1944, o Teatro Experimental
do Negro (TEN) com os objetivos de:
Ensinar aos brasileiros que não havia raça superior nem servidão natural e eliminar o
preconceito de cor; propor políticas que promoveriam as possibilidades para a
educação dos afro-brasileiros; combater o racismo seguindo o código de conduta da
Constituição brasileira, que deveria definir adequadamente a discriminação racial (DAVIS, 2000, p. 40).
O TEN, sob a liderança de Abdias Nascimento, criou um fórum para os negros
promoverem seus direitos civis e, em 1949, junto com outros grupos de interesses, organizou
o Primeiro Congresso Nacional Negro, com objetivo de promover pesquisas sobre temas da
historia e da cultura negras. O Teatro Experimental do Negro publicava o jornal Quilombo,
56
que denunciava a discriminação racial, inclusive contra as crianças e as mulheres negras. O
jornal tinha uma coluna dedicada às mulheres e abordava desde a habilitação das domésticas,
que podiam influenciar as crianças da elite, a artigos sobre mulheres negras de destaque.
Participaram do TEN, Grande Otelo, Ruth de Souza e Pixinguinha (DAVIS, 2000).
Em 1951, foi sancionada a Lei 1.390, denominada “Lei Afonso Arinos” que tinha
como ponto relevante a proibição das discriminações raciais. As discussões referentes à
eficácia da lei foram e são inúmeras até os dias atuais. Apesar disso, a sanção da referida Lei
foi uma conquista de homens e mulheres afrodescendentes brasileiros (as).
Na década de 1960, uma nova ditadura militar dificultou as ações do movimento
negro. Contudo, na década de 1970, o negro urbano paulista começou a se organizar e Moura
(2004) apresenta várias razões que impeliram os negros a procurarem reagrupar-se em
movimentos como Black Power, Panteras Negras, Muçulmanos Negros, surgindo as
lideranças radicais como Malcom X e Luther King Jr. Além disso pode-se mesmo falar de um
verdadeiro surto de libertação das colônias africanas na mesma época. Surgiram novos grupos
de resistência negra no Brasil, como o Centro de Estudos da Cultura e Arte Negra (CECAN),
o Grupo Latinoamérica, o Grupo de Artistas Negros, a Associação Cultural e Recreativa
Brasil Jovem e o Instituto Brasileiro de Estudos Africanistas (IBEA). Também fundou-se a
Federação das Entidades Afro-brasileiras do Estado de São Paulo e o jornal Jornegro.
No ano de 1978, houve a unificação dos movimentos e entidades na realização do Ato
Público, em São Paulo, reunindo mais de três mil negros nas escadarias do Teatro Municipal.
O Ato Público protestou contra a discriminação racial e criou o Movimento Negro Unificado
Contra a Discriminação Racial.
As reivindicações continuaram e com a promulgação da Constituição de 1988, o
racismo foi considerando crime inafiançável e imprescritível e se garantiu a posse das terras
dos remanescentes dos quilombos.
Em meados da década de 1990, o movimento negro nacional organizou a Marcha
Zumbi dos Palmares Contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida que, em novembro de 1995,
reuniu mais de 30.000 (trinta mil) militantes na capital federal. A marcha relembrava os 300
anos da morte de Zumbi dos Palmares e culminou no reconhecimento, pelo governo
brasileiro, de Zumbi como herói nacional; na criação de um grupo no governo para estudar
políticas antirracistas; na adoção de ações afirmativas pelo governo e pelas universidades
públicas.
No mesmo ano (1995), foi sancionada a Lei 9125/95 que, no artigo 1.º, instituiu o ano
de 1995 como o “Ano Zumbi dos Palmares”, destinado a homenagear o tricentenário da morte
57
do líder quilombola. No artigo 2.º, estabeleceu o dia 20 de novembro como data nacional,
oficializando-a como o Dia da Consciência Negra.
No ano seguinte, ocorreu em Brasília um seminário internacional sobre
“Multiculturalismo e racismo: o papel da ação afirmativa nos estados contemporâneos” foi a
primeira vez que o governo brasileiro discutiu políticas afirmativas voltadas para ascensão do
negro (GUIMARÃES, 2009).
De acordo com Guimarães, as ações afirmativas são políticas que tem o objetivo de
promover o acesso à educação, ao emprego e serviços sociais, aos grupos sujeitos a
preconceitos e discriminação e a “luta contra o preconceito de cor transforma-se, nos dias
atuais, em luta por ações afirmativas que garantam maior igualdade de oportunidade de vida
para a população negra” (idem, 2008, p.113). Uma conquista significativa das ações
afirmativas para negros, é o acesso ao ensino superior gratuito, com as denominadas “cotas
raciais”.
No entanto, ressalta-se que ainda existe uma corrente de opinião contrária às cotas
raciais, que afirma que a instituição das cotas é um modo de dividir o país em raças
antagônicas e que deve-se estabelecer políticas universalistas e não voltadas para um
determinado setor da população.
Nos anos 2000, em articulação com o Movimento Negro, o deputado federal Paulo
Paim apresentou o Projeto de Lei 3.198/00, que instituiu o Estatuto da Igualdade Racial, em
defesa dos que sofrem preconceito ou discriminação em função de sua etnia, raça e/ou cor.
Outra conquista foi a criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade
Racial.
Em 2003, foi aprovada a Lei 10.639/03, que altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro
de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir, no currículo
oficial da Rede de Ensino, a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira".
Houve outras conquistas e outros movimentos de resistência e reivindicação que,
infelizmente, não foi possível abordar nesta pesquisa, mas, sobre cuja importância não é
possível se calar, destacando-se dentre eles, o Hip Hop, a literatura marginal, o Instituto da
Mulher Negra Geledés, que continuam militando a favor das politicas afirmativas, contra o
racismo, contra a violência contra a mulher e o jovem negro, assim como, promovendo ações
de valorização da cultura e da história do negro. Afinal, como Carolina de Jesus deixou
registrado em seu diário:
[...] Eu escrevia peças e apresentava aos diretores de circos. Eles respondia-me:
58
- É pena você ser preta.
Esquecendo eles que eu adoro a minha pele negra, e o meu cabelo rústico. Eu até
acho o cabelo de negro mais educado do que o cabelo de branco. Porque o cabelo de
preto onde põe, fica. É obediente. [...] Se é que existe reencarnação, eu quero
voltar preta (1997, p. 58).
Como se procurou demonstrar, a valorização da história e cultura afro-brasileira é um
instrumento relevante para o processo de conscientização dos homens e mulheres
brasileiros(as), contribuindo para elevar a autoestima desse povo, que aprendeu a ter vergonha
de ser descendente de africano.
Não há dúvidas que uma abordagem mais profunda e crítica dos antropólogos
clássicos que trataram a questão do negro no Brasil (Nina Rodrigues, Gilberto Freyre,
Florentan Fernandes, Sérgio Guimarães entre outros), contribuiria para enriquecer a presente
pesquisa, no entanto, escaparia aos limites desse trabalho. Por isso, optou-se em manter uma
abordagem mais fiel aos autores, propiciando que o leitor tire suas próprias conclusões sobre
tais análises.
Por outro lado, ressalta-se que se houvesse uma tendência mais interpretativa, estaria
pautada no referencial de Florestan Fernandes.
CAPÍTULO II
OS ESTUDANTES DA EDA18
Opressão social, sexual cultural e religiosa
Ideologia da burguesia que ao povo é imposta
(MC Mademoiselle)
2. Um Olhar sobre os Estudantes de EDA
De acordo com Richardson (2010), a estratégia utilizada em qualquer pesquisa
cientifica fundamenta-se em pressupostos ontológicos, que definem o ponto de vista que o
pesquisador tem do mundo que o rodeia. Considerando o referencial teórico adotado na
presente pesquisa, optou-se como paradigma epistemológico a dialética que, para Severino:
Esta tendência vê a reciprocidade sujeito/objeto eminentemente como uma interação
social que vai se formando ao longo do tempo histórico. [...] o conhecimento não
pode ser entendido isoladamente em relação à prática política dos homens, ou seja,
nunca é questão apenas de saber, mas também é poder (2007, p. 116).
A dialética não vê o mundo de forma pronta e acabada mas como processos e o fim de
um processo, é sempre o começo de outro. Portanto, os fatos estão interligados e não podem
ser analisados fora de um contexto social, político, econômico, dentre outros. Além disso, a
dialética valoriza a contradição dinâmica do fato observado e atividade criadora do sujeito que
observa (MARCONI, LAKATOS, 2010).
Considerando que o objeto de estudo desta dissertação foi o de investigar e analisar
como os educandos que se autodenominam “negros” na educação de adultos da Cidade
Tiradentes foram impactados pelo estudo de História e Cultura Africana e Afro-brasileira,
optou-se por adotar o paradigma dialético como fundamento da pesquisa. Considerou-se
como pressupostos deste trabalho as categorias dialéticas a seguir discriminadas:
a) Historicidade - o instante não pode ser entendido como separado da totalidade
temporal;
18 Propositadamente este capítulo é mais descritivo e tenta reproduzir com objetividade o que os próprios alunos declararam. A falta de uma análise mais profunda, deveu-se ao temor de condicionar a interpretação sobre o objeto da pesquisa e “viciar” as conclusões. Portanto, trata-se de um levantamento inicial que tem como objetivo caracterizar o universo, com o perfil socioeconômico e cultural dos educandos.
60
b) Totalidade - as partes pressupõem sua articulação com o todo;
c) Praxidade - os acontecimentos, estão articulados entre si, na temporalidade e na
espacialidade, desenvolvendo-se por meio da prática (SEVERINO, 2007).
Como metodologia escolheu-se combinar a qualitativa, que considera a relação entre o
mundo real e o sujeito, e a quantitativa, que se caracteriza pelo emprego da quantificação no
processo de coleta, tratamento e análise de dados.
Como técnica de pesquisa utilizaram-se instrumentos, compreendendo um conjunto
de questões articuladas, que se destinam a levantar informações escritas dos sujeitos
pesquisados, com o objetivo de conhecer a opinião desses sobre os objetos em estudo. Neste
sentido. Combinou-se a pesquisa de opinião, sob a forma de inquérito, com a aplicação da
escala Likert; e entrevista em profundidade, com vistas a obter do entrevistado o que ele
considera mais relevante sobre determinado problema relacionado à situação em estudo.
Uma vez coletados os dados, o passo seguinte foi o da tabulação, análise e
interpretação, constituindo-se aí o núcleo central da pesquisa (MARCONI, LAKATOS, 2010;
SEVERINO, 2007; RICHARDSON, 2010).
2.1 Perfil dos Estudantes da Escola Universo Experimental
Tendo como objetivo traçar um perfil social e econômico dos estudantes da Educação
de Adultos, seja da escola usada escolhida universo experimental, situada na Cidade
Tiradentes, distrito de São Paulo, seja na escola tomada como universo de controle, localizada
na periferia do município de Santo André, foram aplicados questionários a todos os discentes
do Ensino Médio da EDA. A seguir, apresentam-se os dados relativos a esse perfil tabulados
e representados sob a forma de gráficos.
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83
No quesito faixa etária, pode-se observar, nas duas escolas, que a maior demanda para
EDA no Ensino médio são de jovens e, não, de adultos. Na escola experimental, 66% dos
entrevistados têm entre 18 e 25 anos de idade; já na escola de controle, são 55% na mesma
faixa etária.
Certamente por razões sociais e econômicas, esses jovens foram expulsos das salas de
aulas do ensino regular em que estudavam. Essa evasão (expulsão) precoce da escola pode
resultar em um aumento na procura da EDA ou, simplesmente, aumentar as estatísticas de
jovens sem trabalho ou subempregados, às margens da sociedade e que não enxergam
perspectivas de inclusão social.
Se os maiores contingentes de estudantes na EDA são de jovens, porque a cada
semestre, o número de escolas que oferecem essa modalidade de ensino está diminuindo? Na
Cidade Tiradentes, por exemplo, apenas duas escolas oferecem essa modalidade e, no Recreio
da Borda do Campo, na periferia de Santo André, somente uma escola atende à demanda da
região.
No item referente ao estado civil, observou-se que, na escola experimental, 60% são
solteiros; 26% são casados e 14% assinalaram outros estados civis. Na escola de controle,
53% são solteiros, seguidos de 42% casados e 5% apresentaram-se incluídos em outras
situações. A maioria dos estudantes nas duas escolas é constituída por solteiros(as), o que é
um reflexo da pouco idade (até 25 anos de idade) de grande parte do universo discente de
EDA.
Na auto identificação pela cor/raça, 66% dos entrevistados(as) se reconheceram como
negros. Esse percentual é significativamente menor na escola universo de controle, na qual
42% se autodenominaram negros e a maioria se vê como branco 52% e 6% identificaram-se
com outros grupos étnicos. Esse resultado pode ser resultante da dificuldade que o(a)
educando(a) apresenta em reconhecer a própria identidade, uma vez que, hoje, a denominação
“negro(a)” está mais atrelada a questões políticas e valorização do movimento negro, do que a
questões fenotípicas, como a cor da pele, textura do cabelo etc. E o que se pode notar é que
o(a) educando(a) da Cidade Tiradentes assume com maior facilidade a sua negritude19 do que
19 De acordo com Munanga, rm um primeiro momento, pode-se definir a negritude e/ou a identidade negra à história comum que liga de uma maneira ou de outra todos os grupos humanos que o olhar do mundo ocidental “branco” reuniu sob o nome de negros (2008, p. 20). No entanto, não trata-se de um conceito estático, pois o referido autor cita Bernardo Lecherbonnier (1977, p. 105) ao explicar que as definições de negritude oscilam entre duas interpretações: uma mítica e outra ideológica, a primeira interpreta a negritude como voltada ao passado e poderia leva-la ao desaparecimento e, a segunda é ideológica, aproximando-se da teoria marxista. Entre as duas, existe definições de caráter biológico, sociocultural de classe, psicológico, definição cultural, dolorosa, agressiva, serena e vitoriosa. Desse modo, existem muitas definições para o vocábulo, no entanto, para Munanga, a reação do negro contra o racismo colonial branco foi historicamente legítima, mas não encontrou
84
(a) educando(a) de Santo André que, apesar de possuir características dos negros, enxerga-se
como branco e acha natural dizer que é “moreninho, mas negro não, negro é o outro”.
No quesito que diz respeito à região de origem do(a) estudante, nota-se que tanto na
escola experimental 64% como na escola de controle 56%, a maioria dos(as)
entrevistados(as), são da Região Sudeste, predominantemente de São Paulo. Portanto, apesar
de grande parte da demanda atendida pela EDA ser de descendentes de nortistas e
nordestinos, os estudantes atendidos já nasceram na própria Região de localização das escolas
estudadas. Apesar de serem “filhos” da região mais beneficiada economicamente do país, não
conseguiram concluir o ensino básico na escola regular, precisando recorrer à modalidade de
Educação de Adultos. Os dados demonstram, também, que as grandes ondas migratórias,
especialmente do Nordeste em direção à Cidade de São Paulo, tiveram expressiva redução,
pois em décadas anteriores, o número de nordestinos era muito grande nas turmas de EDA.
Os gráficos VI e XX, demonstram que, no que se refere à rede de ensino, os
entrevistados cursaram o Ensino Fundamental na rede pública na porcentagem de 88% da
escola experimental e 94% da escola de controle. Portanto, a quase totalidade dos educandos
que buscam a EDA é proveniente da escola pública. Neste aspecto, poder-se-ia dizer que a
escola pública tem sido o grande “celeiro” das turmas de EDA.
A maioria dos(as) entrevistados(as) de ambas as escolas não tem filho (42%, na escola
experimental, e 53%, na escola de controle); respectivamente 20% e 17% têm apenas um
filho.
Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2009, que
aponta uma queda na taxa de fecundidade dos brasileiros. Também de acordo com essa
pesquisa, a média de São Paulo é de 1,78 filhos por casal.
Ao indagar os(as) educandos(as) sobre o nível de instrução de suas mães, constatou-se
que na escola experimental 51% são analfabetas ou não concluíram o ensino fundamental e,
na escola de controle, esse percentual é ainda maior (65% apresentam o mesmo nível de
escolaridade). O baixo nível de escolaridade da mãe é um dos fatores que interfere no
respostas adequadas dentro da teoria da negritude. [...] A negritude não foi capaz de romper o discurso legitimador do colonizado do qual tomou seus métodos. Foram deixados de lado os problemas fundamentais do negro. Mediante as críticas a negritude, o autor defende que o combate a ideologia racista ocidental pode seguir o caminho da recusa, superando o erro de afirmar que a opressão é por causa de sua raça, pois “Os negros não foram colonizados porque são negros; ao contrário, na tomada de suas terras e na expropriação de sua força de trabalho, com vista à expansão colonial, é que se tornaram pretos” (idem, ib,. p.81). Apesar de reconhecer as limitações do conceito de Negritude, a presente pesquisa, irá considera-lo como o ideal de descolonização cultural, reconhecendo que os negros foram vítimas da inferiorização e negação da humanidade pelo mundo ocidental, devendo construir uma solidariedade entre as vitimas (MUNANGA, 2008; GUIMARÃES, 2008).
85
aproveitamento escolar dos filhos, que não podem contar com o auxilio dela nas atividades
escolares mais complexas.
No que diz respeito à ocupação profissional, tem-se um percentual elevado de
educandos desempregados ou no mercado informal: 29% na escola experimental e 33% na
escola de controle. Essa variável reflete-se nos gráficos X e XXIV que apresentam a renda
mensal individual dos entrevistados: na Cidade Tiradentes 45% percebem de 1 a 3 salários
mínimos e 41% menos de 1 salário mínimo. A situação em Santo André é similar, com 50%
recebendo de 1 a 3 e 35%, menos de 1 salário mínimo.
A renda mensal não se diferencia muito nas duas escolas, cabendo aí destacar que
grande parte dos entrevistados é arrimo de família.
Com relação ao número de pessoas que dependem da renda familiar, 23% das famílias
possuem cinco dependentes e 19% são compostas por quatro, na Cidade Tiradentes. Em Santo
André, 33% são constituídas de três pessoas, seguidos por 20% constituídas de apenas duas.
Os gráficos XII e XXVI demonstram que as famílias na Cidade Tiradentes são maiores e a
renda per capita menor.
Investigando a religião dos(as) entrevistados(as), contatou-se nas duas escolas que a
maioria é constituída por evangélicos(as), com 62% na escola experimental e 55% na de
controle, o que evidencia o aumento significativo de religiões com denominações protestantes
nas regiões mais periféricas e carentes das grandes cidades.
Por fim, buscou-se identificar qual a situação da moradia dos(as) entrevistados(as),
constatando-se que 61% em Cidade Tiradentes e 53% em Santo André possuem
casa/apartamento próprio, o que possibilita uma margem a mais de renda para as despesas
básicas das famílias.
Em suma, pôde-se aferir que na escola experimental e na de controle os resultados são
similares nos itens: idade (maioria dos educandos é de 18 a 25 anos); estado civil
(predominantemente de solteiros e sem filhos); naturais da região sudeste (64% e 56%,
respectivamente da escola experimental e da de controle); egressos da rede pública (88% e
94%, respectivamente); mães com baixo nível de escolaridade (51% e 65% analfabetas ou
com ensino fundamental incompleto); renda mensal familiar entre 1 e 3 salários mínimos
40% e 41%, respectivamente); residem em casa/apartamento próprio (61% e 53%) e de
denominação religiosa evangélica ( 62% e 55% ).
Nos demais itens, as diferenças não são muito significativas: composição quanto ao
gênero, auto-identificação, número de dependentes por família.
86
As similaridades dos corpos discentes das duas escolas legitima a comparação da
variável impacto do ensino dos conteúdos de História e Cultura da África e dos
Afrodescendentes, porque as variáveis socioeconômicas não criarão ruídos na medida e
avaliação dos resultados.
Os dados levantados revelam que, atualmente, a EDA atende mais a jovens do que a
adultos e que esses jovens são, em sua maioria, negros, com baixa qualificação profissional e,
consequentemente, baixa renda, que enxergam a Educação de Adultos como uma das últimas
oportunidades de terminarem o ensino básico e de alçarem outros voos.
Mas, considerando que a EDA está sendo extinta no Ensino Médio da rede Estadual de
São Paulo, resta a pergunta: Como esses jovens poderão vislumbrar inserção social se o
sistema os mantém marginalizados?
Marginais, não no sentido pejorativo que o termo ganhou na mídia, mas por estarem à
margem dos benefícios sociais e econômicos da atual sociedade. Certamente esta situação de
marginalidade não é uma opção desses estudantes e, como diz Freire, “se a marginalidade não
é uma opção, o homem marginalizado tem sido excluído do sistema social e é mantido fora
dele, quer dizer, é um objeto de violência” (2008, p. 86). Somente se libertando e
desmitificando essa sociedade, emergindo com uma consciência crítica é que esses meninos e
meninas poderão romper a opressão dentro dessa estrutura.
CAPÍTULO III
TENDÊNCIAS DE OPINIÃO DOS DISCENTES
Só pode falar de vida quem vive
Só pode falar de sofrimento quem sofre Só pode falar de amor quem ama
Só pode falar de flow que desenvolve
(Criolo Doido)
3. Pesquisas de Opinião
As pesquisas de opinião foram realizadas na escola experimental e na escola de
controle, com base na escala Likert, que exige que os entrevistados indiquem um grau de
concordância ou discordância com cada uma de uma série de cinco opções (afirmações) sobre
temas que, no fundo, constituem objetos ou dimensões dos objetos que se pretende pesquisar.
Cada quesito permite cinco categorias de respostas, que variam de “discordo totalmente” a
“concordo totalmente” (MALHOTRA, 2006).
Na primeira fase da pesquisa de campo, todos os alunos do primeiro, segundo e
terceiro termo do Ensino Médio da Educação de Adultos responderam à pesquisa de opinião,
totalizando 90 (noventa) alunos da escola experimental e 66 (sessenta e seis) da escola de
controle.
O instrumento de coleta de opinião foi construído com dez assertivas, que objetivaram
exprimir as hipótese da pesquisa20. Os alunos deveriam responder ao instrumento de acordo
com um esquema de 5 (cinco) alternativas e, portanto, cada aluno teve sua opinião registrada
em cada quesito no próprio instrumento, optando por uma das 5 (cinco) alternativas: discordo
totalmente, discordo parcialmente, não tenho opinião formada, concordo parcialmente,
concordo totalmente.
3.1 Universo Experimental
20 Por Cidade Tiradentes ser um distrito formado majoritariamente por negros/nordestinos, no qual seus habitantes são alvo de constantes discriminações, quando procuram trabalho, por aparecerem com frequência nas páginas policiais, pelo descaso dos órgãos públicos, a introdução de História e Cultura Africana e Afro-brasileira pode promover a tomada de consciência, podendo avançar mais e, nos termos de Paulo Freire, ser um instrumento da conscientização da negritude dos (as) alunos (as) negros (as) do Ensino Médio da EDA.
88
Aplicados os instrumentos, as respostas entraram em fase de tabulação e
interpretação. O primeiro quadro, apresenta as respostas de todos os quesitos dos educandos
da escola experimental.
Quadro I
Pesquisa de Opinião Universo Experimental EDUCANDO I II III IV V VI VII VIII IX X TOTAL
A 4 2 4 1 1 1 1 5 1 2 22 Aa 3 3 3 3 3 3 1 3 3 3 28 aaa 1 1 1 5 1 2 1 2 2 1 17 aaaa 1 1 1 2 2 1 1 5 4 1 19
B 4 4 4 4 5 3 1 3 5 1 34 Bb 3 3 3 3 3 3 1 3 3 3 28 bbb 5 3 5 5 5 2 2 2 2 2 33 bbbb 4 3 1 4 3 4 1 5 4 1 30
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D 3 3 3 3 3 3 1 3 3 1 26 Dd 3 2 3 2 2 2 2 2 2 2 22 ddd 3 2 5 2 2 2 2 3 2 5 28 dddd 2 3 4 4 3 4 3 4 4 1 32
E 4 1 1 4 1 2 1 5 4 1 24 Ee 5 1 4 5 4 4 1 2 5 4 35 eee 4 1 1 4 1 2 1 2 4 4 24 eeee 1 3 4 2 3 1 3 2 5 5 29
F 2 1 1 5 1 2 1 5 5 4 27 Ff 3 1 1 1 1 1 1 1 1 1 12 fff 2 1 2 4 1 4 1 5 1 1 22 ffff 5 5 4 2 5 4 1 5 5 1 37 G 2 4 4 5 4 5 3 2 3 4 36
Gg 3 1 1 1 1 1 1 1 1 1 12 ggg 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 10 gggg 4 2 1 3 4 1 1 5 5 1 27
H 1 1 3 3 3 3 1 3 3 1 22 Hh 5 1 5 1 1 5 1 4 5 1 29 hhh 1 2 3 4 5 1 2 3 4 5 30 hhhh 4 4 1 4 1 3 1 1 1 3 23
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89
EDUCANDO I II III IV V VI VII VIII IX X TOTAL
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P 2 2 1 3 2 1 1 5 3 2 22 Pp 1 1 1 2 4 4 4 5 3 3 28 Ppp 1 4 4 4 1 1 1 5 1 5 27
Pppp 1 1 2 2 1 3 1 5 4 4 24 Q 3 3 2 5 1 4 1 5 5 1 30
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Qqqq 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 10 R 3 3 3 3 3 3 1 3 3 1 26 Rr 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 10 Rrr 5 1 3 4 1 3 1 1 5 1 25 Rrrr 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 10
S 5 1 4 3 5 2 1 3 3 1 28 Ss 1 1 1 3 2 4 1 1 1 1 16 Sss 4 5 2 1 4 5 1 5 3 1 31 Ssss 5 1 2 2 1 4 1 5 4 2 27
T 4 2 4 1 4 4 1 5 5 1 31 Tt 4 5 2 1 5 5 1 1 3 1 28 Ttt 4 3 2 5 4 5 1 2 4 1 31 Tttt 4 1 1 4 1 4 1 2 4 2 24 U 4 1 1 5 1 5 1 5 1 1 25
Uu 1 1 1 3 1 1 1 1 1 1 12 Uuu 4 1 5 1 1 5 1 4 4 2 28
Uuuu 3 1 1 4 1 5 2 3 5 1 26 V 2 1 2 2 1 4 1 3 4 3 23
Vv 4 1 1 4 1 5 1 5 1 1 24 Vvv 2 1 1 1 1 2 1 1 4 1 15
Vvvv 3 1 1 4 1 5 2 3 5 1 26 X 3 3 3 3 3 3 3 3 3 3 30
Xx 1 2 1 4 1 3 2 2 1 1 18 Xxx 5 1 4 1 1 4 1 5 5 1 28
Xxxx 1 5 2 5 4 4 1 5 4 1 32 Z 3 1 3 3 3 3 3 1 1 2 23 Zz 1 5 2 4 1 4 1 5 1 1 25 Zzz 5 1 1 4 2 5 1 5 5 1 30
Após a tabulação geral, foram destacados 20% dos atores que, no conjunto dos
quesitos, apresentaram os menores escores, bem como os 20% que apresentaram os maiores
escores. Portanto, teve-se 18 (dezoito) atores com as menores somas e 18 (dezoito) com as
somas mais altas.
De acordo com a escala Likert a fórmula para calcular o grau de consistência de um
instrumento de pesquisa de opinião é:
90
C = d / n
Na qual:
C = consistência
d = ∑ ma - ∑ me
n = número de casos (da amostra para o teste de consistência = 18)
A seguir, apresenta-se a tabulação e análise da amostra de 20% para baixo e para
cima, em relação aos escores, para o cálculo do grau de consistência dos quesitos do
instrumento de coleta de opinião.
Quadro II
Cálculo do Grau de Consistência dos Quesitos do Instrumento da Pesquisa de Opinião
EDUCANDO I II III IV V VI VII VIII IX X TOTALOooo 2 1 2 5 1 5 1 5 4 4 30
Q 3 3 2 5 1 4 1 5 5 1 30 X 3 3 3 3 3 3 3 3 3 3 30
Zzz 5 1 1 4 2 5 1 5 5 1 30 Jj 2 4 4 1 4 5 1 5 4 1 31
Mmmm 4 1 2 2 1 3 5 5 4 4 31 Oo 1 1 4 5 3 5 1 5 5 1 31 Sss 4 5 2 1 4 5 1 5 3 1 31 T 4 2 4 1 4 4 1 5 5 1 31
Ttt 4 3 2 5 4 5 1 2 4 1 31 Dddd 2 3 4 4 3 4 3 4 4 1 32 Xxxx 1 5 2 5 4 4 1 5 4 1 32 Bbb 5 3 5 5 5 2 2 2 2 2 33
B 4 4 4 4 5 3 1 3 5 1 34 Cc 5 1 5 5 1 5 1 5 5 1 34 Ee 5 1 4 5 4 4 1 2 5 4 35 G 2 4 4 5 4 5 3 2 3 4 36
Ffff 5 5 4 2 5 4 1 5 5 1 37 ∑ ma 61 50 58 67 58 75 29 73 75 33 579 ∑ me 24 20 20 35 21 30 19 34 32 18 253 Diferença 37 30 38 32 37 45 10 39 43 15 326 Consistência 2,05 1,66 2,11 1,77 2,05 2,5 0,55 2,16 2,38 0,83
Ggg 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 10 Nnnn 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 10 Qq 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 10
Qqqq 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 10 Rr 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 10
Rrrr 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 10 Ff 3 1 1 1 1 1 1 1 1 1 12 Gg 3 1 1 1 1 1 1 1 1 1 12 Uu 1 1 1 3 1 1 1 1 1 1 12 Vvv 2 1 1 1 1 2 1 1 4 1 15
91
EDUCANDO I II III IV V VI VII VIII IX X TOTAL
Ss 1 1 1 3 2 4 1 1 1 1 16 Aaa 1 1 1 5 1 2 1 2 2 1 17 C 1 2 1 3 1 1 1 3 3 1 17 L 1 1 3 1 1 3 1 3 3 1 18 O 1 1 1 1 1 4 1 3 4 1 18
Xx 1 2 1 4 1 3 2 2 1 1 18 Aaaa 1 1 1 2 2 1 1 5 4 1 19 Mmm 2 1 1 4 2 1 1 5 1 1 19
De acordo com Scherer (2011) o método Likert, determina como limite mínimo
inferior para verificar se um quesito é ou não consistente o grau 2 (dois). Portanto, os quesitos
com grau de consistência inferior a 2 (dois) devem ser descartados, reformulados ou em
último caso, tabulados e interpretados, mas sempre relativizando os resultados (ver apêndice
B os quesitos na íntegra).
A princípio, os quesitos de I a V versam sobre se e como a História e Cultura Afro-
brasileira são trabalhadas em sala de aula, buscando aferir se as diretrizes da Lei 10.639/03
são contempladas e se proporcionam uma tomada de consciência dos estudantes, alusiva a
essa temática.
Os quesitos VI e IX referem-se a como o negro é retratado no material didático
utilizado pelos educando da Educação de Adultos, se ainda há uma visão hegemônica na qual
o negro é representando como: escravos, trabalhadores braçais, crianças pobres, suspeito
padrão ou se existe uma valorização da história e cultura do negro no Brasil, proporcionando
uma reflexão sobre as causas do preconceito racial.
Nos quesitos VII e X, objetivou-se medir se os educandos continuam reproduzindo o
discurso racista, no qual as únicas coisas que os negros sabem fazer são música e esporte e, a
maioria dos deles são pobres, porque não trabalham e não procuram estudar para melhorar de
vida.
Por fim, no quesito VIII procurou-se avaliar se a introdução do ensino de história e
cultura afro-brasileira modificou a visão que o educando possui sobre a importância do negro
na sociedade e se passou a orgulhar-se da descendência negra nas famílias brasileiras.
Quadro III
QUESITO I
( ) Nas aulas de História foram discutidos temas relacionados à História e Cultura dos
negros na África e no Brasil.
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OPÇÕES Nº % Discordo totalmente 25 27,78
Discordo parcialmente 14 15,56 Não tenho opinião formada 17 18,89
Concordo parcialmente 20 22,22 Concordo totalmente 14 15,56
TOTAL 90 100,00
Com relação à assertiva I, o grau de consistência para o quesito foi de 2.05 atendendo,
assim, aos padrões da Escala Likert. Nesse item, 18,89% dos educandos não têm opinião
formada sobre o assunto; 43,34% discordam total ou parcialmente da afirmação e 37,78%
concordam total ou parcialmente com ela. Embora as opiniões estejam divididas, predomina a
opinião dos respondentes de que História e Cultura dos negros não é ensinada na EDA da
Escola Tiradentes. Neste caso, ela passa a ser relativizada como “universo experimental”.
Considerando a Lei 10.639/03, que “altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996,
que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da
rede de ensino a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira, e dá outras
providências”, tem-se que a maioria dos entrevistados da escola experimental 43,34% afirma
que não discutem, nas aulas de História, essa temática e, deste modo, de acordo com os
entrevistados, as aulas na Educação de Adultos, não contemplam o que a Lei 10.639/03
determina. Segundo eles, a escola continua com um currículo que privilegia a cultura
hegemônica, em que a história do branco, ocidental e opressor continua a ser apresentada
como a história da humanidade, não permitindo ao educando uma tomada de consciência com
relação à relevância da sua própria história. Portanto, “nessa situação os dominados, para
dizerem a sua palavra, têm que lutar para tomá-la. Aprender a tomá-la dos que a detêm e a
recusam aos demais é difícil, mas imprescindível aprendizado – é a pedagogia do oprimido”
(FREIRE, 2005, p. 22).
E se a esses educandos é negada uma educação emancipadora, que lhes proporcione
uma aproximação crítica da realidade com o objetivo de desvelá-la, ultrapassando sua esfera
espontânea para chegar numa escala crítica, na qual segundo Freire, “o homem assume uma
posição epistemológica” (2008, p. 30) e considerando que a humanização é vocação dos
homens e mulheres, que tem essa vocação negada na opressão e no currículo oculto e práticas
educacionais da EDA, caberá aos seus educandos perder o medo da liberdade exigindo o seu
direito de ser mais.
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Quadro IV
QUESITO III
( ) Quando a história e cultura dos negros foram trabalhadas em sala de aula, os negros
eram representados como: escravos, preguiçosos, marginais e crianças pobres.
OPÇÕES Nº % Discordo totalmente 40 44,44
Discordo parcialmente 15 16,67 Não tenho opinião formada 15 16,67
Concordo parcialmente 14 15,56 Concordo totalmente 6 6,67
TOTAL 90 100,00
A assertiva III do instrumento de coleta, apresentou grau de consistência de 2.11.
Nessa assertiva, pode-se observar que 16,67% dos educandos, não têm opinião formada sobre
o tema; 61,11% discordam total ou parcialmente da afirmação e 22,23% concordam total ou
parcialmente com a afirmação de que os negros continuam representados nas escolas como
subalternos e marginais.
Por isso, para os educandos da Cidade Tiradentes, as ocasiões em que a questão dos
negros foi tratada em sala de aula, eles não eram apresentados apenas de forma pejorativa.
Porém, é preciso ser cauteloso na interpretação, pois, em muitas ocasiões, o opressor (nesse
caso, o próprio sistema de ensino) se solidariza com os oprimidos, para evitar que eles
desvelem o mundo da opressão e se libertem; apresenta uma falsa generosidade para evitar a
radicalização e para acentuar, nos oprimidos, a sua atração pelo opressor. “É como se a
metrópole dissesse e não precisa dizer: façamos as reformas, antes que as sociedades
dependentes façam a revolução” (FREIRE, 2005, p. 185).
Contudo, são nos momentos em que ocorrem as brechas do sistema, que os (as)
negros (as) oprimidos (as) podem emergir do silêncio fazendo novas reivindicações,
rompendo com a cultura do silêncio e não mais aceitando o mito da “inferioridade natural”. É
o momento em que se pode superar a consciência semi-intransitiva, na qual, segundo Freire,
há uma quase imersão na realidade, predominando uma visão fatalista, na qual as classes
dominantes raramente são questionadas, para o nível de consciência-ingênua, em que “a
capacidade de captação se amplia e, não apenas, o que antes não era percebido passar a ser,
mas também muito do que era entendido de uma certa forma o é agora de maneira diferente”
(FREIRE, 2010, p. 88).
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Desse modo, em períodos em que está em pauta a valorização da história e cultura
do(a) negro(a), tem que se aprofundar a discussão sobre os 500 anos de opressão e
marginalização dos(as) negros(as) no Brasil, bem como radicalizar (no sentido de se ir à raiz
dos problemas) as reivindicações para transformação dessa realidade.
Quadro V
QUESITO V
( ) Estudar e discutir temas como preconceito racial, discriminação e marginalização
dos negros, me causou constrangimento (fiquei sem graça).
OPÇÕES Nº % Discordo totalmente 53 58,89
Discordo parcialmente 8 8,89 Não tenho opinião formada 14 15,56
Concordo parcialmente 9 10,00 Concordo totalmente 6 6,67
TOTAL 90 100,00
De acordo com o teste de consistência do Quadro II, pode-se observar que o quesito V
(cinco) atingiu 2.05 no grau de consistência.
Neste quesito, 15,56% dos educandos não têm opinião formada sobre a assertiva nele
contida; 67,78% discordam total ou parcialmente e 16,67% concordam total ou parcialmente
sobre a afirmação de que estudar e discutir assuntos relacionados ao racismo e
marginalização dos(as) negros(as) lhes causou constrangimento.
Desse modo, poder-se-ia concluir que discutir o racismo e a marginalização do (a)
negro (a) é algo rotineiro nas salas de aulas e não inibem os educandos.
Entretanto, não é demais lembrar que as respostas dos sujeitos mede apenas a
tendência das opiniões a respeito do tema e que eles não fizeram pesquisa para se
manifestarem em relação ao instrumento de coleta de opinião. Além disso, suas respostas
podem exprimir não um traço de sua consciência de classe, mas um determinado grau de
alienação, resultante de sua própria situação de dominado enquanto “hospedeiro” da visão de
mundo de seus opressores, nos termos da teoria da alienação em Freire. A verificação do
processo de conscientização ou do grau de alienação mencionado deve ser verificado por
outros instrumentos de pesquisa.
Há outro aprendizado demasiado importante mas, ao mesmo tempo, demasiado
difícil de ser feito [...]. Refiro-me ao aprendizado de que a compreensão crítica das
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chamadas minorias de sua cultura não se esgota nas questões de raça e de sexo, mas
demanda também a compreensão nela do corte de classe. [...]. A discriminação
racial não pode, de forma alguma, ser reduzida a um problema de classe como o
sexismo, por outro lado. Sem contudo, o corte de classe, eu pelo menos, não
entendo o fenômeno da discriminação racial nem o da sexual, em sua totalidade,
nem tampouco o das chamadas minorias em si mesmas. Além da cor da pele, da
diferenciação sexual, há também a ‘cor’ da ideologia (FREIRE, 2009 a, p. 156).
É preciso considerar que trabalhar temas polêmicos é um desafio para o (a) educador
(a) que, se não for progressista e enxergar as contradições da sociedade, objetivando
despertar a consciência crítica de seus educandos, certamente evitará essas questões, ou
apenas irá abordá-las com a visão da classe dominante e considerando o estudante como mero
depositário de conteúdos alheios que lhe são informados, perpetuando, assim, uma educação
bancária e passiva, em que predomina a ausência do diálogo. Todavia, o educador
progressista e engajado, não tem tempo para esperar a democratização e transformação da
sociedade, para democratizar a escolha e ensino do seu conteúdo (FREIRE, 2009); necessita
urgentemente romper a cultura do silêncio e, por meio da ação-reflexiva, transformar a apatia
e questionar ao educando e a si mesmo sobre o preconceito racial, a marginalização da
comunidade negra e o extermínio de sua juventude que, diariamente é aniquilada nas favelas
das grandes cidades e que, por conta da domesticação das mentes das massas, elas apoiam o
extermínio de sua própria gente.
Quadro VI
QUESITO VI
( ) Os livros, apostilas e materiais didáticos utilizados em sala de aula, mostram os
negros como: escravos, trabalhadores braçais, crianças pobres, jovens e adultos a margem dos
benefícios da sociedade.
OPÇÕES Nº % Discordo totalmente 22 24,44
Discordo parcialmente 11 12,22 Não tenho opinião formada 20 22,22
Concordo parcialmente 20 22,22 Concordo totalmente 17 18,89
TOTAL 90 100,00
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No quesito VI, o grau de consistência foi de 2.5. Ele é alusivo à representação
pejorativa do negro no material didático. Aqui, o universo pesquisado encontra-se
equilibradamente dividido: 22,22% dos estudantes não têm opinião formada sobre o tema;
36,66 % discorda parcial ou totalmente da afirmação e 41,11% concordam parcial ou
totalmente com a assertiva. O equilíbrio nos percentuais das respostas, inclusive no que diz
respeito aos que não têm opinião formada sobre a assertiva, demonstra, em primeiro lugar,
que o quesito foi bem elaborado, pois é respondido com uma grande variação de opiniões.
É notório que as conquistas dos negros na última década – como, por exemplo, a
sanção da Lei 10.639/03 – contribui para a valorização da história e da cultura africana e
afro-brasileira. No entanto, não é por decreto que se muda a mentalidade de um povo. A
classe dominante continua a domesticar as mentes dos oprimidos, com a imposição da visão
de mundo da minoria branca e rica. Alienadas e alienantes, essas classes apresentam os
negros, negras e indígenas como incivilizados, incultos, preguiçosos e que, quando produzem
alguma riqueza, é sob o medo do açoite.
Os livros didáticos são grandes aliados dos dominadores, pois contam a história do
povo brasileiro a partir da chegada do colonizador branco, ressaltando a importância de falar
a língua portuguesa, de aceitar o Deus católico e de trabalhar sob o jugo dos colonizadores
para o próprio bem daqueles “selvagens e hereges” negros e índios.
Diante desse cenário, tem-se o desafio de se reconstruir, com os educandos e
educadores, a imagem positiva dos ascendentes negros, elevando a autoestima dos estudantes
afrodescendentes. Não obstante, como superar o contexto discriminatório se, quando os
educandos e educadores têm contanto com os livros didáticos disponibilizados pelo Estado,
deparam-se com conteúdos pedagógicos que revelam outra realidade, isto é, um contexto
dominado por conteúdos de fundo eurocêntrico?
Como afirma Freire:
É exatamente neste ponto que se coloca a importância fundamental da educação
enquanto ato de conhecimento, não só de conteúdos mas da razão de ser dos fatos
econômicos, sociais, políticos, ideológicos, históricos, que explicam o maior ou
menor grau de interdição do corpo consciente, a que estejamos submetidos (2009a,
p.102).
Parafraseando Amílcar Cabral, que fala na reafricanização das mentes, é iminente a
necessidade de olhar menos para a Europa e mais para a África e América Latina, mirar
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países que, como o Brasil, sofreram com a colonização, com a escravidão e com o quase
extermínio de sua gente, promovendo a “descolonização das mentes” (PEREIRA apud
FREIRE, 1978, p. 20). Sem dúvida, o livro didático tem um papel relevante nesse processo e
deve ser elaborado (principalmente os adotados pela rede pública) considerando a diversidade
cultural e histórica do país, representando os negros e negras em suas diversas atuações e
ações, não apenas como o escravo, o trabalhador sem qualificação ou a criança miserável.
Quadro VII
QUESITO VIII
( ) Após estudar e discutir assuntos relacionados ao preconceito racial, a marginalização
dos negros, história e cultura afro-brasileira, minha visão sobre a importância dos negros na
formação da sociedade modificou-se e passei a orgulhar-me da descendência negra nas
famílias brasileiras.
OPÇÕES Nº % Discordo totalmente 18 20,00
Discordo parcialmente 11 12,22 Não tenho opinião formada 19 21,11
Concordo parcialmente 6 6,67 Concordo totalmente 36 40,00
TOTAL 90 100,00
O grau de consistência dessa assertiva foi de 2.16 e, portanto, ela deve ser tabulada,
analisada e interpretada. Não têm opinião formada sobre o quesito 21,11% dos estudantes;
32,22% discordam parcial ou totalmente e 46,67% concordam parcial ou totalmente de que
discutir assuntos relacionados ao preconceito racial, marginalização do negro, história e
cultura afro-brasileira modificou a visão que o estudante da educação de adultos possuía de si
e dos seus pares.
Ora se a “vocação do homem é ser sujeito e não objeto” (FREIRE, 2008, p. 38), a
educação deve ajudar ao homem e a mulher a chegar a ser sujeito, a refletir sobre sua situação
concreta, para emergir consciente e intervir na realidade, deixando de ser um espectador, para
ser um ator. Desse modo, a educação é uma aliada no processo de transformação da
consciência ingênua para a consciência crítica. Entretanto, não se deve mistificar a educação
ou a consciência, pois elas não se transformam com uma educação de transferência de
conteúdos; modificam-se apenas, na práxis, ou seja, na ação informada pela consciência
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crítica sobre a realidade. É na práxis, por meio de uma educação problematizadora, que os
alunos descobrem as razões que se ocultam na cultura da dominação, emergindo da
consciência semi-intransitiva, que aceita a opressão como vontade divina e possui uma visão
mágica dos fatos; ou da consciência transitivo-ingênuo que acredita na dicotomia entre teoria
e prática, ao nível de consciência crítica, que significa consciência de si, enquanto classe para
si e que se constituí na práxis.
Desse modo, o resultado da pesquisa de opinião na escola da Cidade Tiradentes,
corrobora a hipótese da presente pesquisa: a introdução de História e Cultura Africana e
Afro-brasileira promove a tomada de consciência e é um instrumento da conscientização da
negritude dos (as) alunos (as) negros (as) do Ensino Médio da EDA.
Quadro VIII
QUESITO IX
( ) Os livros, apostilas e materiais didáticos utilizados em sala de aula, trabalham as
questões relacionadas à valorização da história e cultura dos negros no Brasil,
proporcionando uma reflexão sobre as causas do preconceito racial.
OPÇÕES N.º % Discordo totalmente 21 23,33
Discordo parcialmente 6 6,67 Não tenho opinião formada 19 21,11
Concordo parcialmente 23 25,56 Concordo totalmente 21 23,33
TOTAL 90 100,00
O último quesito das assertivas aplicadas na escola experimental que apresentou grau
de consistência adequado 2.38. Teve como objetivo servir de instrumento de controle do
quesito VI, que afirmava que nos livros didáticos os negros eram apresentados como
trabalhadores braçais, crianças pobres etc.
Por sua vez, o quesito IX afirma que os livros didáticos valorizam a história e cultura
do negro. Os resultados são: 21,11% dos educandos não possuem opinião formada; 30%
discordam parcial ou totalmente e 48,89% concordam parcial ou totalmente com a assertiva.
Nesse caso, percebe-se a coerência entre as respostas das duas assertivas, se se
observa a distribuição percentual das respostas a cada uma das cinco opções de respostas. O
material didático para a EJA é precário, uma vez que, no Ensino Médio da EDA, esse
99
material é limitado, pois não é oferecido pelo Estado e os educandos só têm acesso a algum
material de apoio por meio da política interna da instituição, que disponibiliza para a EDA
parte do material didático enviado ao Ensino Médio Regular.
Apesar do descaso com a EDA, percebe-se que na escola da Cidade Tiradentes, existe
uma cultura de resistência que, por meio de certas “manhas”, procura socializar o material
que lhes é enviado. A questão agora é analisar qual a natureza política e ideológica dos
conteúdos disponibilizados, a quem eles servem e como são trabalhados em sala de aula.
Essa questão será retomada no capítulo seguinte, por ocasião da análise das
entrevistas.
3.2 Universo de Controle
Nessa etapa da pesquisa, apresenta-se a tabulação do inquérito aplicado à escola de
controle e cujo instrumento de coleta de opinião apresentou grau de consistência nos quesitos
I, III, V e X.
Quadro IX
Pesquisa de Opinião - Universo de Controle EDUCANDO I II III IV V VI VII VIII IX X TOTAL
A 4 1 1 5 1 1 1 5 5 1 25 B 1 1 3 3 1 1 1 5 5 1 22 C 1 1 1 1 1 5 1 5 3 1 20 D 1 1 2 4 1 2 1 5 5 1 23 E 2 1 2 4 2 3 2 3 3 1 23 F 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 10 G 1 1 1 3 1 1 1 4 4 4 21 H 1 5 2 3 5 3 1 5 4 2 31 I 2 3 3 3 3 3 3 3 3 3 29 J 5 1 3 5 3 3 1 5 5 1 32 L 3 2 4 5 2 2 3 4 5 3 33 M 4 1 3 3 1 4 1 5 4 1 27 N 3 1 2 4 1 2 1 5 5 1 25 O 1 3 5 1 2 4 1 5 2 2 26 P 5 5 5 5 5 4 1 5 5 5 45 Q 4 3 3 3 2 2 1 4 4 1 27 R 1 1 3 3 1 2 1 4 3 4 23 S 4 1 1 2 1 4 1 5 1 1 21 T 4 4 1 4 1 3 1 4 1 4 27 U 3 1 3 3 1 1 1 1 1 1 16 V 5 3 3 3 5 5 2 3 3 2 34 X 2 1 1 1 1 5 1 1 3 3 19 Z 1 1 3 3 1 4 1 5 5 4 28
Aa 2 1 4 4 1 2 5 4 2 1 26 Bb 1 1 1 3 1 1 1 3 1 1 14
100
Cc 5 4 1 5 1 1 1 5 1 1 25 Dd 5 4 4 4 1 1 1 3 3 1 27
EDUCANDO I II III IV V VI VII VIII IX X TOTALEe 5 5 1 5 3 5 3 5 5 5 42 Ff 4 4 1 2 5 4 1 4 2 5 32 Gg 4 1 3 3 1 3 1 4 3 1 24 Hh 5 1 5 4 2 5 2 5 3 1 33 Ii 3 1 3 3 3 3 4 3 3 3 29 Jj 5 3 2 2 1 3 1 4 1 2 24 Ll 4 1 1 2 1 4 1 5 1 1 21
Mm 4 1 4 4 2 2 4 4 5 2 32 Nn 3 3 3 3 3 3 3 3 3 1 28 Oo 3 1 2 4 1 4 1 3 4 1 24 Pp 5 1 1 4 1 4 1 5 4 2 28 Qq 4 2 1 5 1 5 1 5 4 2 30 Rr 4 2 1 5 1 5 1 5 4 1 29 Ss 4 1 1 5 1 5 1 5 4 1 28 Ttt 3 2 3 5 1 3 1 5 5 1 29 Uu 4 1 5 5 4 4 1 5 3 1 33 Vv 5 1 1 1 3 5 1 5 3 1 26 Xx 5 1 1 1 1 4 1 5 5 1 25 Zz 5 1 1 1 3 5 1 5 3 1 26
Aaa 3 4 1 5 1 1 1 5 3 1 25 Bbb 4 1 1 5 1 5 1 5 5 1 29 Ccc 2 1 1 5 1 4 1 1 4 1 21 Ddd 4 4 5 4 2 2 1 3 4 1 30 Eee 5 1 4 2 5 4 1 4 4 5 35 Fff 2 1 1 5 1 1 1 1 5 1 19 Ggg 4 3 3 3 3 3 1 3 3 1 27 Hhh 4 5 5 4 1 5 4 3 5 5 41 Iii 5 4 1 4 1 5 2 5 5 3 35 Jjj 2 2 2 2 2 2 1 2 2 1 18 Lll 5 3 2 3 1 4 1 5 1 1 26
Mmm 1 1 1 4 1 1 1 4 4 1 19 Nnn 5 2 3 4 5 3 4 5 4 4 39 Ooo 1 2 4 3 5 3 4 5 2 1 30 Ppp 5 1 1 3 1 3 1 5 1 4 25 Qqq 2 2 4 1 1 5 1 5 2 5 28 Rrr 1 1 1 5 1 5 1 5 5 1 26 Sss 5 3 3 4 1 3 1 4 4 1 29 Ttt 3 1 3 3 1 3 1 5 3 1 24 uuu 1 1 4 5 1 5 5 5 5 5 37
Na escola de controle, isto é, na escola em que, inicialmente, os alunos foram
considerados como não submetidos, ou submetidos precariamente, à experiência de uma
matriz curricular contemplada com os conteúdos de História e Cultura Africanas, ocorreu um
“incidente de pesquisa”21, como se poderá observar na tabulação das respostas ao quesito I da
escola de controle.
21 Romão (em uma das sessões de orientação de 2013) considera como “incidente de pesquisa” o surgimento de um fenômeno não previsto no projeto, mas cujo significado não pode ser desprezado para os efeitos da própria pesquisa em tela. Ele obriga o(a) pesquisador(a) a uma mudança de rumo.
101
Vejamos, a seguir o grau de consistência dos quesitos do instrumento aplicado nos
sujeitos da escola de controle.
Quadro X
Grau de Consistência do Instrumento Aplicado no Universo de Controle
EDUCANDO I II III IV V VI VII VIII IX X TOTALFf 4 4 1 2 5 4 1 4 2 5 32
mm 4 1 4 4 2 2 4 4 5 2 32 Hh 5 1 5 4 2 5 2 5 3 1 33 Uu 4 1 5 5 4 4 1 5 3 1 33 V 5 3 3 3 5 5 2 3 3 2 34 L 3 2 4 5 2 2 3 4 5 5 35 Iii 5 4 1 4 1 5 2 5 5 3 35
uuu 1 1 4 5 1 5 5 5 5 5 37 eee 5 5 4 2 5 4 1 4 4 5 39 nnn 5 2 3 4 5 3 4 5 4 4 39 hhh 4 5 5 4 1 5 4 3 5 5 41 Ee 5 5 1 5 3 5 3 5 5 5 42 P 5 5 5 5 5 4 1 5 5 5 45
∑ ma 55 39 45 52 41 53 33 57 54 48 477 ∑ me 25 14 18 35 14 31 13 38 37 18 243
Diferença 30 25 27 17 27 22 20 19 17 30 234 Consistência 2,30 1,92 2,07 1,30 2,07 1,69 1,53 1,46 1,46 2,30
F 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 10 Bb 1 1 1 3 1 1 1 3 1 1 14 U 3 1 3 3 1 1 1 1 1 1 16 Jjj 2 2 2 2 2 2 1 2 2 1 18 X 2 1 1 1 1 5 1 1 3 3 19 fff 2 1 1 5 1 1 1 1 5 1 19
mmm 1 1 1 4 1 1 1 4 4 1 19 C 1 1 1 1 1 5 1 5 3 1 20 G 1 1 1 3 1 1 1 4 4 4 21 S 4 1 1 2 1 4 1 5 1 1 21 Ll 4 1 1 2 1 4 1 5 1 1 21 ccc 2 1 1 5 1 4 1 1 4 1 21 B 1 1 3 3 1 1 1 5 5 1 22
Comparando os testes de consistência das duas escolas, constata-se que houve
coincidência nos quesitos I, III e V quanto à consistência. Os demais ou foram inconsistentes
em uma delas (X, na primeira; VI, VIII, IX, na segunda) delas ou em ambas (II, IV e VII).
Após a análise dos quesitos consistentes da escola de controle, retornar-se-á aos
quesitos consistentes em ambas (I, III e V), para uma análise mais aprofundada e comparada.
É claro que a consistência constatada nestes últimos quesitos, nos dois universos da pesquisa,
chama a atenção para uma análise mais cuidadosa.
No entanto, já é possível adiantar que, na segunda escola, considerada até aqui como
“universo de controle”, o número de quesitos consistentes (4) foi menor do que os da escola
102
considerada como “universo experimental” (6), não se esquecendo que o instrumento de
coleta de opinião foi o mesmo, aplicado nos dois universos com procedimentos muito
semelhantes.
Retornemos à tabulação e análise das respostas aos quesitos dados pelos sujeitos da
escola do universo de controle.
Quadro XI
QUESITO I
( ) Nas aulas de História foram discutidos temas relacionados à História e Cultura dos
negros na África e no Brasil.
OPÇÕES Nº % Discordo totalmente 14 21,21
Discordo parcialmente 8 12,12 Não tenho opinião formada 9 13,64
Concordo parcialmente 17 25,76 Concordo totalmente 18 27,27
TOTAL 66 100,00
Com relação ao quesito I, as respostas dos alunos da escola de controle demonstraram,
no teste de consistência, o grau 2.30, atendendo, assim, ao padrão consistente da Escala
Likert. Nesse item, 13,64% dos educandos não têm opinião formada sobre o assunto; 33,33%
discordam total ou parcialmente da afirmação e 53,03% concordam total ou parcialmente
com a assertiva. Por conseguinte, a maioria dos entrevistados concorda que a História e
Cultura dos negros e dos afrodescendentes são trabalhadas em sala de aula.
Esse resultado é contrário ao da escola experimental, em que a maioria dos educandos
43,34%, informou que esses temas não são tratados em aula. E também é contrário às
informações obtidas na primeira etapa da pesquisa que, por meio de observação e de
conversas informais, constatou-se que a História e Cultura Afro-brasileira era mais estudada e
discutida na EDA da escola de Cidade Tiradentes do na da escola estadual de Santo André.
Desse modo, a realidade da pesquisa de opinião inverteu construção dos universos
experimental e de controle da pesquisa para esta dissertação. De fato, considera-se como
“universo experimental” o locus ou o contexto em que se supõe que determinada intervenção
(educacional, no caso) foi feita e aí é que devem ser verificados os impactos de tal
intervenção. Já o “universo de controle” é constituído pelo contexto em que não houve a
intervenção (ou houve com menor intensidade) e que, por isso, quando seus sujeitos são
submetidos às mesmas indagações, supostamente não demonstrarão o mesmo impacto que o
103
sentido pelos sujeitos do universo experimental. É que se o impacto sentido em ambos os
casos for o mesmo, ele deve ter sido provocado não pela intervenção específica, mas por
outros fatores. A comparação dos dois universos é exigida pela natureza da pesquisa,
buscando-se, evidentemente, controlar outros fatores, no caso da pesquisa em tela, pela busca
de sujeitos que sejam tenham as mesmas características o mais proximamente possível, para
que não haja “ruídos” de outros fatores. Ora, pelas respostas de ambos os universos –
considerados inicialmente como “experimental” (Cidade Tiradentes) e “de controle” (Santo
André), já na tabulação do primeiro quesito percebe-se que a realidade contrariou o projeto
de dissertação na caracterização e qualificação dos dois universos, se a tendência de opinião
dos respondentes estiver certa. Examinando tanto as respostas dos estudantes da primeira
escola quanto os da segunda, confirma-se a necessidade da inversão da qualidade dos dois
universos. A maioria dos sujeitos da primeira respondeu que os conteúdos de História e
Cultura Africanas não são desenvolvidos nas aulas de História; a maioria dos sujeitos da
segunda escola responderam positivamente ao quesito.
Ora, a julgar pelas respostas a este quesito, pode ter ocorrido um aparente
“equívoco”22 do projeto de pesquisa, já que é na primeira escola que se encontram os alunos
mais submetidos ao currículo que comporta os conteúdos de História e Cultura Africana,
constituindo, portanto, o universo experimental. Por sua vez, dadas as respostas dos
respondentes de ambas as escolas, a primeira escola foi a menos submetida a tal intervenção,
e, portanto, seus estudantes é que constituirão o universo de controle. Em razão disso, há que
se inverter a análise, tomando-se as respostas da primeira escola como a expressão do
impacto maior e as da segunda como expressão do menor ou nulo impacto.
22 “Equívoco” entre aspas porque, neste como em outros caso, não há equívoco, nem mesmo se a pesquisa demonstrar todas as hipóteses ao contrario. O(a) pesquisador(a) quando elabora o projeto de pesquisa, faz uma série de conjeturas sobre o objeto, o universo e o referencial teórico da pesquisa. Se a realidade vai demonstrando o contrário de suas previsões iniciais, ele não está “equivocado”, mas o que pode estar ocorrendo é um “incidente de pesquisa”(já explicado), pois sua pesquisa vai demonstrando determinadas verdades desconhecida até mesmo por ele(ela). Não é a teoria que deve impor-se à realidade, mas, o que deve ocorrer é o contrário: a realidade ir se impondo à teoria e esta, por sua vez, ir se modificando para melhor exprimir a realidade. Ainda que provando o contrário de suas hipóteses, o pesquisador(a) dá uma contribuição à ciência, comprovando o contrario do que considerou inicialmente no projeto. No caso em tela, os primeiros levantamentos levaram a pesquisadora à construção dos universos a serem pesquisados. De fato, mesmo que ainda não seja a pesquisa, há investigações iniciais para a formulação das questões de partida, das hipóteses e dos universos a serem pesquisados. Estas investigações são necessárias, porque, no projeto, excetuando o referencial teórico, tudo é “pré-conceito”, que deve ser inteligente e bem informado. No caso em tela, a concepção dos universos estava mal informada. A pesquisa com base na escala Likert demonstrou que a construção dos universos estava equivocada. Não resta outra alternativa, neste caso, senão inverter a qualificação dos universos. A pesquisa, mesmo com a inversão, em nada é prejudicada. E mesmo que a pesquisa em profundidade venha a demonstrar o equívoco dos respondentes do instrumento de coleta de opinião, poder-se-á voltar aos resultados desta e verificar porque se “equivocaram”. Em suma, toda esta problemática poderá revelar outros elementos significativos e não previstos no projeto.
104
No entanto, como se trata de uma pesquisa de tendência de opinião, é preciso
completar seus resultados com outros instrumentos de investigação científica. Por isso é que a
pesquisa para esta dissertação contou, também, com outros instrumentos de investigação
científica, como a entrevista em profundidade, a observação direta do campo etc.
Considerando ainda que “todo aprendizado deve estar intimamente associado à tomada de
consciência de uma situação real e vivida pelo aluno” (FREIRE, 2008, p. 59), dar-se-á
especial atenção ao confronto dos resultados da pesquisa de opinião com os das entrevistas
em profundidade, especialmente em relação à hipótese implicada no quesito I.
Em suma, as respostas ao quesito I, nas duas escolas, prejudicaram a consideração
inicial da escola de Santo André como “universo de controle”, porque para a pesquisa de que
resultaria esta dissertação, a escola do universo de controle deveria ser uma em que os
conteúdos de História e Cultura da África não foram desenvolvidos ou o foram de maneira
muito precária.
É claro que o universo de controle pode ser o próprio universo experimental antes da
intervenção, ficando o(a) pesquisador(a) dependendo de registros. No caso em tela esta
possibilidade não se configura, porque não há registros das atitudes anteriores dos estudantes
de Cidade Tiradentes quanto ao grau de conscientização em relação às questões do
preconceito étnico-racial.
Quadro XII
QUESITO III
( ) Quando a história e cultura dos negros foram trabalhadas em sala de aula, os negros
eram representados como: escravos, preguiçosos, marginais e crianças pobres.
OPÇÕES Nº % Discordo totalmente 27 40,91
Discordo parcialmente 8 12,12 Não tenho opinião formada 17 25,76
Concordo parcialmente 8 12,12 Concordo totalmente 6 9,09
TOTAL 66 100,00
A assertiva III do instrumento de coleta, apresentou grau de consistência de 2.07.
Quanto a esta assertiva, 25,76 % dos educandos não têm opinião formada; 53,03 %
discordam total ou parcialmente e 21,21% concordam total ou parcialmente com a afirmação
de que os negros continuam representados como subalternos e marginais.
105
A exemplo do resultado da pesquisa da escola “experimental”, a maioria dos
entrevistados da escola de “controle” 53,03% discorda da afirmação de que os negros são
abordados na matriz curricular como escravos, preguiçosos, marginais e pobres. O que
demonstra que, apesar da lentidão do processo de conscientização, há avanços em relação à
representação do negro na escola.
Quadro XIII
QUESITO V
( ) Estudar e discutir temas como preconceito racial, discriminação e marginalização
dos negros, me causou constrangimento (fiquei sem graça).
OPÇÕES Nº % Discordo totalmente 42 63,64
Discordo parcialmente 8 12,12 Não tenho opinião formada 8 12,12
Concordo parcialmente 1 1,52 Concordo totalmente 7 10,61
TOTAL 66 100,00
De acordo com o teste de consistência do Quadro X, pode-se observar que o quesito V
(cinco) atingiu 2.07 no grau de consistência. Portanto, ele deve ser analisado para a
confirmação, ou não, das hipóteses levantadas nesta dissertação. 12,12% dos educandos não
tinham opinião formada sobre a afirmação contida no quesito; 75,76% discordaram total ou
parcialmente e 12,61% concordam, também total ou parcialmente, que estudar e discutir
temas relacionados ao racismo e marginalização dos negros causou constrangimento.
Esse quesito é uma questão de controle do quesito II e, em ambos, os entrevistados
informaram que não se sentem desconfortáveis em discutir temas como preconceito racial,
discriminação ou marginalização dos negros. Esta ratificação em discutir a questão já adianta
relativo grau de consciência a respeito da própria identidade de afrodescendente.
Quadro XIV
QUESITO X
( ) A maioria dos negros é pobre porque não trabalham e não procuram estudar para
melhorar de vida.
OPÇÕES Nº % Discordo totalmente 41 62,12
Discordo parcialmente 7 10,61
106
Não tenho opinião formada 4 6,06 Concordo parcialmente 6 9,09 Concordo totalmente 8 12,12
TOTAL 66 100,00
A assertiva do quesito X do instrumento de coleta, apresentou grau de consistência de
2,30. Nessa assertiva pode-se observar que 6,06% dos educandos, não têm opinião formada;
72,73% discordam total ou parcialmente e 21,21% concordam total ou parcialmente que os
negros são pobres porque não trabalham e não procuram estudar para melhorar de vida.
Esse quesito, buscou avaliar se os entrevistados ainda têm uma visão preconceituosa
com relação ao negro (a) reproduzindo o discurso da classe dominante que, desde o período
da colonização, repetem que os negros são incapazes, preguiçosos, indolentes e que se ainda
hoje são os que possuem menor nível educacional, recebem os piores salários, ocupam os
piores cargos... e a culpa é deles!
O resultado da pesquisa de opinião é que isso não é verdade, uma vez que 72,73% dos
educandos discordam dessa afirmação. Todavia, nas observações em sala de aula, nas
entrevistas em profundidade e nas conversas informais, os educandos e educandas negros (as)
informaram que ainda ouvem piadinhas “inocentes”, inclusive de colegas de escola, que
refletem os estereótipos reproduzidos na assertiva do quesito X. Apesar da negativa dos
entrevistados, o que se pode ver é o que Freire chama de atração do oprimido pelo opressor,
na qual o oprimido, em um estado de alienação, imita o opressor e quer, a todo custo, ser
como ele.
3.3 Pesquisa de Opinião: Universo Experimental e de Controle
Tabulando-se as respostas dadas pelos estudantes das duas escolas pesquisas
separadamente, foram obtidos os resultados, nem sempre iguais, já analisados. Neste
momento, a tabulação das respostas dos dois universos em conjunto, pode apontar resultados
mais satisfatórios, considerando-se o aumento do universo e, consequentemente da sub-
amostra de 20% para elaboração do teste de consistência relativo aos dois universos
(experimental e de controle) somados. Em geral, os resultados nem sempre são os mesmos,
pois os percentuais são calculados sobre bases quantitativas absolutas diferentes. No entanto,
para o teste de consistência dos quesitos, esta última verificação em relação ao universo
107
global aponta os quesitos verdadeiramente consistentes, ou para os quais o(a) pesquisador(a)
deve atentar mais.
Vejamos, então, se os resultados serão os mesmos, especialmente em relação à
consistência dos quesitos do instrumento de coleta de opinião.
Quadro XV
Grau de Consistência dos Quesitos Considerado o Universo Total
EDUCANDO I II III IV V VI VII VIII IX X TOTAL Oooo 2 1 2 5 1 5 1 5 4 4 30
Q 3 3 2 5 1 4 1 5 5 1 30 X 3 3 3 3 3 3 3 3 3 3 30
Zzz 5 1 1 4 2 5 1 5 5 1 30 Jj 2 4 4 1 4 5 1 5 4 1 31
Mmmm 4 1 2 2 1 3 5 5 4 4 31 Oo 1 1 4 5 3 5 1 5 5 1 31 Sss 4 5 2 1 4 5 1 5 3 1 31 T 4 2 4 1 4 4 1 5 5 1 31
Ttt 4 3 2 5 4 5 1 2 4 1 31 Dddd 2 3 4 4 3 4 3 4 4 1 32
Ff 4 4 1 2 5 4 1 4 2 5 32 Mm 4 1 4 4 2 2 4 4 5 2 32
Xxxx 1 5 2 5 4 4 1 5 4 1 32 Bbb 5 3 5 5 5 2 2 2 2 2 33 Hh 5 1 5 4 2 5 2 5 3 1 33 Uu 4 1 5 5 4 4 1 5 3 1 33 B 4 4 4 4 5 3 1 3 5 1 34 Cc 5 1 5 5 1 5 1 5 5 1 34 V 5 3 3 3 5 5 2 3 3 2 34 Ee 5 1 4 5 4 4 1 2 5 4 35 Iii 5 4 1 4 1 5 2 5 5 3 35 L 3 2 4 5 2 2 3 4 5 5 35 G 2 4 4 5 4 5 3 2 3 4 36
Ffff 5 5 4 2 5 4 1 5 5 1 37 uuu 1 1 4 5 1 5 5 5 5 5 37 Eee 5 5 4 2 5 4 1 4 4 5 39 Nnn 5 2 3 4 5 3 4 5 4 4 39 Hhh 4 5 5 4 1 5 4 3 5 5 41 Ee 5 5 1 5 3 5 3 5 5 5 42 P 5 5 5 5 5 4 1 5 5 5 45
∑ ma 116 89 103 119 99 128 62 130 129 81 1056 ∑ me 49 34 38 70 35 61 32 72 67 36 494 Diferença 67 55 65 49 64 67 30 58 62 45 562 Consistência 2,16 1,77 2,10 1,58 2,06 2,16 0,97 1,87 2,00 1,45
ggg 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 10 nnnn 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 10 Qq 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 10
qqqq 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 10 Rr 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 10 rrrr 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 10 F 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 10
108
EDUCANDO I II III IV V VI VII VIII IX X TOTAL
Ff 3 1 1 1 1 1 1 1 1 1 12 Gg 3 1 1 1 1 1 1 1 1 1 12 Uu 1 1 1 3 1 1 1 1 1 1 12 bb 1 1 1 3 1 1 1 3 1 1 14
vvv 2 1 1 1 1 2 1 1 4 1 15 Ss 1 1 1 3 2 4 1 1 1 1 16 U 3 1 3 3 1 1 1 1 1 1 16
aaa 1 1 1 5 1 2 1 2 2 1 17 C 1 2 1 3 1 1 1 3 3 1 17 L 1 1 3 1 1 3 1 3 3 1 18 O 1 1 1 1 1 4 1 3 4 1 18
Xx 1 2 1 4 1 3 2 2 1 1 18 jjj 2 2 2 2 2 2 1 2 2 1 18
aaaa 1 1 1 2 2 1 1 5 4 1 19 mmm 2 1 1 4 2 1 1 5 1 1 19
X 2 1 1 1 1 5 1 1 3 3 19 fff 2 1 1 5 1 1 1 1 5 1 19
mmm 1 1 1 4 1 1 1 4 4 1 19 C 1 1 1 1 1 5 1 5 3 1 20 G 1 1 1 3 1 1 1 4 4 4 21 S 4 1 1 2 1 4 1 5 1 1 21 Ll 4 1 1 2 1 4 1 5 1 1 21
ccc 2 1 1 5 1 4 1 1 4 1 21 B 1 1 3 3 1 1 1 5 5 1 22
Como se pode observar no quadro XV, os quesitos I, III, V, VI e IX apresentaram
grau de consistência igual ou superior a 2,0 atendendo às determinações do método Likert.
Comparando os três testes de consistência, observa-se, imediatamente, que os quesitos
I, III e V foram consistentes nas três tabulações realizadas, o que significa dizer que eles são
realmente consistentes e que, por isso, devem ser levados em consideração em qualquer
análise.
O quesito I, como já foi mencionado, diz respeito ao fato de se ter ou não
desenvolvido História e Cultura Africanas no currículo de EDA das escolas pesquisadas.
Quadro XVI
QUESITO I
( ) Nas aulas de História foram discutidos temas relacionados à História e Cultura dos
negros na África e no Brasil.
OPÇÕES Nº % Discordo totalmente 39 25,00
Discordo parcialmente 22 14,10 Não tenho opinião formada 26 16,67
Concordo parcialmente 37 23,72
109
Concordo totalmente 32 20,51 TOTAL 156 100,00
O grau de consistência dessa assertiva é 2.16 e objetivou identificar se a História e
Cultura Afro-brasileira são estudadas e discutidas nas aulas de História no Ensino Médio na
modalidade de Educação de Adultos. 16,67% dos entrevistados não têm opinião formada
sobre o assunto; 39,10% discordam parcial ou totalmente da afirmação e 44,23% concordam
total ou parcialmente com ela. Logo, a maioria dos entrevistados informou que estudam
temas relacionados aos negros.
O estudo de História, desde a escola dos Annales, propõe a superação da visão
positivista da escrita da história. Por seu lado, afirma Freire:
A história – a história no pleno sentido do termo, a história de todo o povo e não
somente dos exércitos e dos governos – não é outra coisa que as respostas dadas
pelos homens a natureza, aos demais, às estruturas sociais. Não é outra coisa que a
procura do homem, sua intenção de ser mais e mais homem, respondendo e
relacionando-se (2008, p. 44).
Um dos objetivos do ensino de História, sob uma perspectiva emancipadora, é
justamente superar a visão tradicional dessa que, durante séculos, foi a história dos
dominadores, dos “vencedores”, da elite branca e opressora, que exerce seu poder por meio
da força e da ideologia. Por isso, a busca por uma educação autêntica, que liberte e não esteja
pautada em falsas ideias, obriga uma revisão nos sistemas tradicionais de educação, assim
como nos seus programas e métodos, para que a história dos homens e mulheres do povo
possa ser contada, estudada e valorizada, apreciando a concepção de mundo do próprio
educando negro, índio ou mestiço que, na relação entre a leitura da palavra e a leitura de
mundo, possa transformá-lo.
A conquista da comunidade negra com a sanção da Lei 10.369/03, que obriga o
ensino de História e Cultura Africana e Afro-brasileira no ensino público e particular, é um
estímulo para grandes mudanças que deverão ser realizadas na rede de ensino. Mas, essas
mudanças não serão realizadas sem luta, sem a ação do educador e da educadora progressista,
dos homens e mulheres que, conscientes do atual processo de alienação das massas, buscam
ser mais, libertando a si e a seus opressores.
110
Quadro XVII
QUESITO III
( ) Quando a história e cultura dos negros foram trabalhadas em sala de aula, os negros
eram representados como: escravos, preguiçosos, marginais e crianças pobres.
OPÇÕES Nº % Discordo totalmente 67 42,95
Discordo parcialmente 23 14,74 Não tenho opinião formada 32 20,51
Concordo parcialmente 22 14,10 Concordo totalmente 12 7,69
TOTAL 156 100,00
Nessa assertiva o grau de consistência foi de 2.10 e 20,51% dos entrevistados não têm
opinião formada; 57,69% discordam parcial ou totalmente e 21,79% concordam total ou
parcialmente que os negros são representados negativamente em sala de aula. Como se
observa, a maioria discorda dessa afirmação.
Os avanços no grau de conscientização da população estudantil afrodescendente não
devem arrefecer a contundência de se trabalhar, no ensino de História, a resistência negra,
que sempre ocorreu, desde o momento que o africano aprisionado se rebelava e procurava
fugir, passando pelos navios negreiros, quando se recusavam a condição de escravo e tiravam
a própria vida e até mesmo quando no Brasil, ao formar os quilombos, a irmandades e as
mais diversas formas de resistência, física e simbólica.
Cabe ao educador aproveitar essa tradição de luta, de rebeldia, de resistência e
trabalhá-la a favor da transição dos níveis de consciência e, junto com o educando, desvelar
esse mundo que desvaloriza a história e a cultura do oprimido, denunciando que os
afrodescendentes continuem sendo mostrados pela mídia, pelo Estado e pela própria escola
como criminosos, preguiçosos, que não gostam de estudar e por isso, não vencem na vida.
Quadro XVIII
QUESITO V
( ) Estudar e discutir temas, como preconceito racial, discriminação e marginalização
dos negros, me causou constrangimento (fiquei sem graça).
111
OPÇÕES Nº % Discordo totalmente 95 60,90
Discordo parcialmente 16 10,26 Não tenho opinião formada 22 14,10
Concordo parcialmente 10 6,41 Concordo totalmente 13 8,33
TOTAL 156 100,00
A assertiva do quesito V teve grau de consistência de 2.06, atendendo os padrões da
Escala Likert.
Neste quesito, 14,10% dos entrevistados não têm opinião formada sobre o tema;
71,16% discordam total ou parcialmente da assertiva nele contida e 14,74% concordam total
ou parcialmente com ela. Assim, na maioria das opiniões, estudar e discutir racismo,
discriminação e marginalização dos negros não lhes causa constrangimento.
Esse resultado causou inquietação à pesquisadora, que no papel de educadora, em
vários momentos percebeu seus estudantes inquietos, constrangidos, desconfortáveis ao
trabalhar temas como os citados. Mas, é assim mesmo e, aí se pode colher mais uma lição da
pesquisa: nem sempre nossas opiniões, construídas pela observação informal, mesmo que ao
longo de certo tempo, são corretas. Somente a pesquisa vai ratificar ou contrariar nossas
impressões, nossa doxa. É claro que, por se tratar de uma pesquisa de opinião, que pode
apenas apontar tendências das pessoas que respondem ao instrumento, outros instrumentos de
pesquisa precisam completar estas informações. Neste caso específico, a confirmar a opinião
inicial da pesquisadora, duas hipóteses podem ser levantadas quanto ao não constrangimento
dos respondentes da pesquisa de opinião: (i) os temas da História e Cultura Africanas foram
discutidos criticamente e os educandos, com um grau de consciência já relativamente
desenvolvido, não se sentiram incomodados com o tratamento deles e (ii) os temas foram
trabalhados de forma abstrata, fragmentados e desconectados da realidade e, por isso, não
suscitaram polêmicas nem acanhamento na sala. No primeiro caso, tem-se a efetivação de
uma educação emancipadora, que é umas da razões de ser da própria EDA; no segundo, tem-
se uma educação antidialógica que, de acordo com Freire, é opressora:
Não se é antidialógico primeiro e opressor depois, mas simultaneamente. O
antidialógo se impõe ao opressor, na situação objetiva de opressão, para, pela
conquista, oprimir mais, não só economicamente, mas culturalmente, roubando ao
112
oprimido conquistado sua palavra também, sua expressividade, sua cultura (2005, p.
157).
A verificação dessas duas hipóteses pertence a uma outra pesquisa sobre os
procedimentos didático-pedagógicos a respeito dos componentes curriculares determinados
pela Lei n.° 10.693/03.
Quadro XIX
QUESITO VI
( ) Os livros, apostilas e materiais didáticos utilizados em sala de aula, mostram os
negros como escravos, trabalhadores braçais, crianças pobres, jovens e adultos a margem dos
benefícios da sociedade.
OPÇÕES Nº % Discordo totalmente 33 21,15
Discordo parcialmente 20 12,82 Não tenho opinião formada 36 23,08
Concordo parcialmente 34 21,79 Concordo totalmente 33 21,15
TOTAL 156 100,00
Com esse quesito, buscou-se aferir a opinião dos educandos referente à representação
dos negros no material didático. O grau de consistência foi de 2.16 e, de acordo com o quadro
XIX, 23,08% não têm opinião formada sobre o assunto; 33,97% concordam parcial ou
totalmente com a assertiva contida no quesito; 42,94% discordam total ou parcialmente com
ela.
Não obstante, faz-se necessário uma ressalva: os estudantes do Ensino Médio na EDA
do Estado de São Paulo não possuem material didático específico para essa modalidade,
sendo que, na escola de Cidade Tiradentes, por uma decisão interna, disponibilizam-se as
apostilas do ensino regular para os educando da EDA. Já na escola de Santo André, os
educandos não recebem nenhum material e copiam toda matéria da lousa. Essa realidade, que
em parte demonstra o nível de comprometimento do Estado com a Educação de Adultos,
dificulta a avaliação do educando com relação à apresentação do negro no material didático,
mas fornece subsídios para questionar até que ponto a ausência de interesse governamental na
EDA é reflexo de uma ideologia que quer manter as mulheres, os negros e os “periféricos”,
entre outras minorias, à margem da sociedade, dificultando-lhes o acesso à educação e
113
estimulando uma educação bancária, já que as classes dominantes têm ciência de que “pensar
autenticamente é perigoso” (FREIRE, 2005, p. 70).
Quadro XX
QUESITO IX
( ) Os livros, apostilas e materiais didáticos utilizados em sala de aula, trabalham as
questões relacionadas à valorização da história e cultura dos negros no Brasil,
proporcionando uma reflexão sobre as causas do preconceito racial.
OPÇÕES Nº % Discordo totalmente 31 19,87
Discordo parcialmente 12 7,69 Não tenho opinião formada 36 23,08
Concordo parcialmente 38 24,36 Concordo totalmente 39 25,00
TOTAL 156 100,00
A assertiva do quesito IX é uma questão de controle do quesito VI, procurando
comparar as respostas dos educandos referente ao conteúdo disponibilizado nos livros
didáticos. O grau de consistência dessa assertiva foi 2.0, sendo que 23,08% não têm opinião
formada sobre o assunto; 27,56% discordam total ou parcialmente e 49,36% concordam total
ou parcialmente. Desse modo, tanto na assertiva VI como na IX, os educandos opinaram que
os materiais didáticos utilizados em sala de aula, valorizam a cultura e história do negro e não
os apresenta de forma pejorativa.
Como não existe uma educação neutra, o material trabalhado em sala de aula – seja o
emprestado do ensino regular, seja o disponibilizado na lousa, ou outros – apresenta um
caráter ideológico e deve-se ampliar o diálogo acerca dessa ideologia, uma vez que “nenhum
colonizado, conquista ou reconquista sua identidade cultural sem assumir sua linguagem, seu
discurso e por eles ser assumido” (FREIRE, 2009, p. 178). E não se trata de se aproveitar das
“brechas” do sistema, dos “cochilos” dos dominantes, mas da atuação nas contradições
dialéticas da realidade para, no processo de denúncia e anúncio, transformar a realidade
opressora.
114
CAPITULO IV
A VOZ DA PERIFERIA
Eu me formei suspeito profissional Bacharel pós-graduado em tomar geral
(Mano Brown).
4. Análise das entrevistas
De acordo com Marconi e Lakatos “entrevista é um encontro entre duas pessoas, a fim
de que uma delas obtenha informações a respeito de determinado assunto, mediante uma
conversação de natureza profissional” (2010, p. 178). A entrevista é um importante
instrumento para obtenção de dados e quando realizada face a face, possibilita ao pesquisador
observar a expressão e comunicação gestual do entrevistado, interpretando-a em conjunto
com as respostas orais.
Considerando que a presente pesquisa tem como objeto de estudo investigar e analisar
se e como os estudantes que se autodenominam negros na Educação de Adultos da Cidade
Tiradentes, foram impactados com o estudo de História e da Cultura Africana e Afro-
brasileira. Optou-se por realizar entrevistas não estruturadas, na qual o entrevistador tem mais
liberdade para desenvolver cada situação na direção mais adequada, podendo explorar mais
cada questão. A modalidade escolhida foi a de entrevista focalizada na qual:
Há um roteiro de tópicos relativos ao problema que se vai estudar e o entrevistador
tem liberdade de fazer as perguntas que quiser: sonda razões e motivos, dá
esclarecimentos, não obedecendo, a rigor, a uma estrutura formal. [...] Em geral, é
utilizada em estudos de situações de mudança de conduta (MARCONI, LAKATOS,
2010, p.180).
As entrevistas foram realizadas individualmente, na sala de vídeo das duas escolas.
Todos os entrevistados foram informados sobre a finalidade deste estudo e assinaram o
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), de acordo com as normas do Comitê
de Ética em Pesquisa da Universidade Nove de Julho (anexo A).
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Antes do início da análise das entrevistas, apresento dados gerais dos entrevistados e,
para homenagear a cultura negra, cada entrevistado será chamado pelo nome de uma
divindade das religiões de matriz africana (Orixá).
Quadro XXI
Identificação Sujeito 1
Nome fictício: Ogum23 Data: 06/11/2012 Lugar da entrevista: Escola de Controle – Santo André Gênero: Masculino Idade: 40 anos Nível de escolaridade: 2.º termo do Ensino Médio Ocupação: Trabalha por conta (construção civil)
Quadro XXII
Identificação Sujeito 2
Nome fictício: Iansã 24 Data: 06/11/2012 Lugar da entrevista: Escola de Controle – Santo André Gênero: Feminino Idade: 28 anos Nível de escolaridade: 2.º termo do Ensino Médio Ocupação: Auxiliar de serviços gerais
Quadro XXIII
Identificação Sujeito 3
Nome fictício: Nanã 25 23 Ogum é um guerreiro forte e poderoso, filho de Oduduwa, e, portanto, possui uma natureza construtiva, de modo que nas aflições rompe barreiras e obstáculos. No Cristianismo associa-se Ogum a São Jorge, com seu cavalo-guerreiro (REBELLO, 2009). 24 É o orixá da força oculta. A senhora que comanda os mortos. Esse orixá fascina a todos pela paixão, bravura e valentia. Comanda os ventos, quando furiosa, ordena a punição pela força das tempestades. No cristianismo, associa-se Iansã a Santa Bárbara. (id., ib.) 25 Na mitologia africana Nanã é a lama primordial, o barro, a argila da qual são feitos os homens. Dela saem seres perfeitos e imperfeitos, modelados por Oxalá e cuja cabeça é preparada pelo sensível Ajalá. É considerada a vovó de todos os Orixás e, por isso, a maturidade é um tema tratado com muita sabedoria em seu arquétipo. Seu axé está na energia dos ancestrais. No cristianismo associa-se Nanã a Sant`anna (REBELLO, op. cit.).
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Data: 12/11/2012 Lugar da entrevista: Escola Experimental – Cidade Tiradentes Gênero: Feminino Idade: 42 anos Nível de escolaridade: 2.º termo do Ensino Médio Ocupação: Auxiliar de Limpeza
Quadro XIV
Identificação Sujeito 4
Nome fictício: Xangô 26 Data: 12/11/2012 Lugar da entrevista: Escola Experimental – Cidade Tiradentes Gênero: Masculino Idade: 33 anos Nível de escolaridade: 2.º termo do Ensino Médio Ocupação: Auxiliar de escritório
Os tópicos abordados na entrevista fazem referencia à hipótese27 defendida neste
estudo e à problemática28 identificada pela pesquisadora.
Na primeira parte da análise, procurou-se identificar quais os motivos que levaram os
(as) entrevistados (as) a abandonarem os estudos no ensino regular, retomando-os na
Educação de Adultos. Iansã, Nanã e Xangô explicaram que abandonaram os estudos
regulares em virtude da maternidade/paternidade pois, com filhos pequenos, era muito
complicado conciliar: casa, trabalho e estudo. Já Ogum disse que trabalhava por conta e não
tinha horário fixo, o que dificultava frequentar a escola.
Com relação ao retorno aos estudos, Ogum explica que voltou a estudar, pois foi
humilhado no local de trabalho por ter pouco estudo. Além disso, o que lhe causou mais
revolta e desejo de mudar aquela situação foi o fato de seus supervisores terem ignorado seu
conhecimento empírico.
26 É o Pai da Justiça, senhor das rochas e do fogo. Orixá das lutas, do trabalho e da força. Xangô combate o mal com firmeza e demonstra poder com a capacidade de vencer batalhas, é o herói da cultura iorubana. No cristianismo associa-se Xangô a São João Batista/São Jerônimo (id., ib.). 27 Por Cidade Tiradentes ser um distrito formado majoritariamente por negros/nordestinos, no qual seus habitantes são constantemente discriminados (quando procuram trabalho, nas páginas policiais, no descaso dos órgãos públicos), a introdução de História e Cultura Africana e Afro-brasileira promove a tomada de consciência e é um instrumento da conscientização da negritude dos (as) educandos (as) negros (as) do Ensino Médio da EDA. 28 Neste estudo, teve-se como problema a visão negativa que o aluno negro da EDA na Cidade Tiradentes forma de si e dos seus pares, em decorrência da desvalorização da sua origem e cultura.
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Ogum: Olha, na realidade é assim, eu trabalhava como encarregado duma firma
grande da área de supermercado e numa discussão relacionada a serviço, entendeu?
A gente tivemos um desentendimento com o meu supervisor, que era um
engenheiro civil e o qual eu tava mostrando pra ele que o serviço que a gente tava
fazendo tava errado, entendeu? Só que ele não me deu ouvido, porque simplesmente
ele me chamou que eu era um analfabeto. É que eu não tinha estudado, que eu não
sabia de nada. Mas eu tinha o conhecimento, tinha a prática de anos, entende? [...]
Ai, eu voltei até lá, pra ele e falei: - Então você acha que a experiência é o estudo,
que se tá achando que eu não tenho, vou provar pra você que eu também consigo.
[...] Daí eu voltei, pra quinta série.
Iansã, explicou que esperou o filho crescer um pouco para retornar para a escola, pois
sempre teve o sonho de ser podóloga e precisa concluir o ensino médio. Xangô, informou que
voltou a estudar porque na empresa em que trabalha, todos possuem pelo menos o ensino
médio e precisava “investir um pouco mais em mim”. A história de Nanã é que, quando
procura trabalho, exigem-lhe o ensino médio. Ela parou de estudar com dezoito anos e, todas
as vezes que voltou para a escola, enfrentou dificuldades em casa com o marido. Terminou o
ensino fundamental com muita dificuldade, mas não conseguia cursar o ensino médio.
Nanã: Concluí o ensino fundamental. Ai, tá, achei que ‘tava bom, né? Ensino
fundamental, pelo menos isso, eu tinha. [...] E só agora, o ano passado que isso
parece que clareou muito na minha cabeça, porque eu tinha arrumado um serviço,
algumas coisas pra fazer, mas não pude porque não tinha ensino médio. [...] Aí foi
quando eu fui pra essa escola do Buracão. Aí eu fui contra meu marido, meu marido
não queria que eu voltasse a estudar. [...] Mas aí acabei desistindo, eu falei: não, não
vou vim mais, porque não dá certo. [...] Depois eu vim aqui na escola (cidade
Tiradentes) uma colega minha me chamou pra mim vir [...] Aí, esse dia que eu vim,
no ano passado, no mês de julho fazer a inscrição, eu vi que era o último dia pra
deixar o nome no EJA. Menina, parece que me deu um estalo assim, eu falei, não,
eu vou fazer minha matricula, eu nem falei com o marido, mas ele estava lá fora.
[...] Aí eu vim no dia (do resultado), meu nome tava lá. Eu decidi. Daí todo mundo
falou: ”você vai voltar a estudar?” Vou, dessa vez eu não vou parar (choro..), fico
até emocionada.
De acordo com relatos, todos os entrevistados pararam de estudar na juventude, por
precisarem trabalhar e por serem pais muito jovens, não conseguiram conciliar casa, estudo e
trabalho. A volta aos estudos na idade adulta foi muito difícil, sendo motivada por situações-
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limite que exigiam uma transformação da realidade, tanto para serem aceitos no mercado de
trabalho, como para provarem que poderiam ser mais.
Ao solicitar que os estudantes descrevessem alguma aula em que foi discutida a
situação do negro no Brasil, Ogum, da escola de controle, explicou que nada foi discutido
sobre o assunto, enquanto Iansã, da mesma escola, informou que foi discutido
principalmente, sobre a escravidão:
Ogum: Olha, no ensino fundamental lá onde eu comecei, lá a gente tivemos muito
debate. (E no ensino médio?) . Não aqui, não teve nenhuma relação nessa parte, foi
só as matérias mesmo, normal no ensino médio. [...] A gente entrou na matéria
mesmo que entra no ensino médio, a matéria mesmo, mas essa parte do afro-
brasileiro, não. Então a gente teve mesmo só no começo, no ensino fundamental na
escola da prefeitura.
Iansã: Teve várias discussões, a respeito da escravidão, como que o negro veio até
aqui, tudo, a gente falou bastante, mas só que é tanta coisa que eu confesso que não
lembro não.
Na escola experimental, tanto Nanã como Xangô, informaram que houve discussões
sobre a situação do negro no Brasil e na África, mas sempre com ênfase na fase da
escravidão.
Nanã: [...] O Jean (professor de filosofia e sociologia) conversa muito com nós,
aquele que tava lá. Até o professor de história conversa também, já falou bastante
coisa, é conversado sim..
Xangô: Estudou em história, lá, estamos estudando esse assunto, sobre a presidência
na África e também brasileira e eu gosto muito, a gente debate muito e é isso. [...] A
gente sempre debate muito, sobre escravidão no caso, também serviço, trabalho
escravo. (Trabalho escravo hoje?) É hoje, tem enrustido no caso, mas existe.
Tendo como base as falas dos entrevistados, pode-se observar que apesar da Lei
10.639/03 completar dez anos, ainda discute-se pouco sobre história e cultura afro-brasileira
na modalidade de Educação de Adultos. Na escola de controle, o enfoque continua a ser, a
história da escravidão, seguindo uma visão tradicional da história em que os negros são
objetos e não sujeitos. Na escola experimental, o debate é um pouco mais amplo e,
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professores de história, filosofia e sociologia abordam a temática, relacionando-a com as
questões enfrentadas pelo o negro na sociedade de hoje.
Esse debate mais amplo, permite, por exemplo, que o educando tome consciência que
o trabalho escravo ainda é uma realidade social e, que não foi extinto com a suposta abolição,
tão exaltada nos livros didáticos. E em relação à abordagem em sala de aula sobre a situação
do negro hoje, Iansã comenta sobre a lei contra o racismo. Nanã cita que haverá apresentação
de seminários sobre os negros:
Iansã: É assim, foi falado também, porque hoje (silêncio), é tanto que tem essa Lei
aí contra o racismo, né? Porque muita gente ainda tinha e, acho que ainda tem,
então a gente prioriza um pouco aí.
Nanã: Ah, deixa eu ver. Nós vamos até apresentar um trabalho, depois dessa aula
agora, com o Jean e tem um grupo que vai apresentar um trabalho sobre os negros.
Uma coisa, assim. Não é o meu grupo, meu grupo tem outro tema, mas vai falar
sim. E que na verdade, também eu tenho dificuldade de lembrar das coisas,
assim...mas o Jean sempre conversa com nós na sala de aula, sempre coloca alguma
coisa, até a professora de filosofia.
Xangô comentou que, na sala dele, os alunos desenvolveram uma pesquisa sobre os
negros, com apresentação de trabalhos, mas o enfoque foi pejorativo.
Xangô: Por exemplo, um colega meu, apresentou um trabalho com slide, mostrando
que negro, aquela história. Negro como escravo, trazido da África nos barcos
negreiros, tipo burro de carga, trabalho forçado. Eu realmente não gosto de ver isso,
eu acho que atinge muito a nossa, a minha, o meu povo, nós negros, porque sempre
fomos muito explorados e não ganhamos nada...
E corroborando esse enfoque, têm-se os comentários sobre como o negro é
representado no material didático. Ogum e Xangô são enfáticos ao afirmarem que os negros
são representados, “sempre como escravo” e Ogum tem, ainda, a percepção que se não são
representados como escravo dos coronéis, o são como do capitalismo. Iansã é mais reticente,
e diz que é representado “como negro mesmo” e que tem gente que “olha e pensa que todo
negro é igual”.
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Ogum: Como escravo. Sempre como escravo. (O negro não é representado em outra
posição?). Não, de jeito nenhum, sempre como escravo. Ou quando não é um
escravo daquele, do tempo dos coronéis é como um escravo, da mão-de-obra do
capitalismo. (Pausa) Do capitalismo, porque na realidade o negro nunca tem uma
chance de chegar num alto nível, numa posição mais elevada, ele sempre vai ser
empregado. A não ser uns aí quando artistas tal, que consegue chegar, mas são
poucos, a minoria. A maioria mesmo é empregado.
Iansã: Ah, o negro é representado como daquele tempo ainda lá trás, como negro
mesmo né? [...] É que o pessoal olha para o negro e pensa que todo negro é igual.
Assim já vi caso na televisão, não sei se hoje esta acontecendo, mas por causa da
pessoa tá mal vestida, as vezes porque ela é uma cor parda, a pessoa acaba
discriminando, acha que todo negro é vagabundo, todo negro é safado, então
acaba que existe essa parte, assim ainda.
Xangô: Chicotado. ..Chicotado, como escravo, no caso. Lógico hoje tá mudando,
isso né? Mas ainda há muito preconceito. [...] Até hoje os negros são explorados.
As afirmações de Iansã, estão envolta em representações negativas sobre os negros,
que foram desenvolvidas ao longo da história, nos quais a sociedade escravista, afirmava que
os negros eram vagabundos, safados, briguentos, entre outros. Essa visão pejorativa se
perpetua e a entrevistada afirma, que o “negro é representado como negro mesmo [...] e pensa
que todo negro é igual”, ou seja, ainda é possível ouvir a “voz” das classes dominantes
hospedada na entrevistada que também é negra, mas que, por estar imersa em uma sociedade
racista que camufla seu preconceito com degradações de cor, não assume sua negritude e
reproduz em seu discurso os estereótipos do negro como ser menos, deixando subentendido
sua aderência ao opressor.
Concluindo a primeira fase das entrevistas, foi questionado se houve polêmicas na
sala de aula, ao se discutir a cultura afro. Ogum informou que, no ensino fundamental
,ocorreram discussões e que ele, “apesar de ser evangélico”, procurou defender o direito
histórico de existir outras religiões. Iansã disse que não houve polêmica. Nanã acha que não
se deve discutir religião e Xangô acredita que a cultura afro esta presente apenas na Bahia.
Xangô: : Não, não. Não me recordo disso, porque muitos se envolvem, né? Nesse
debate sobre a África e tal, mas não me recordo de haver debate mais tenso, porque
a gente tá num país eclético, né? [...] Porque eu sou evangélico também, mas não
discuto, porque eu sei que ‘tamo’ num país eclético, que existe várias religiões,
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várias seitas também. Creio que todos aqui sabem, então não tem o que discutir
sobre Candomblé, Macumba, até porque a maioria da cultura afro, tá na Bahia, no
caso, né?
Iansã: Não. A sala ficou aberta para tirar as dúvidas, a gente pergunta mesmo,
porque acho que quem tava na pele não foi fácil naquela época, a gente diria como
se fosse hoje, será como seria, como o povo iria reagir? Mas a gente faz bastante
perguntas e tem nossas respostas, o professor responde muito bem, tira as dúvidas.
Ogum: Houve uma vez lá que o professor comentou principalmente sobre a
religião, o candomblé, então houve debate porque a maioria da classe era
evangélica, entendeu? Na realidade eu também sou, sou evangélico, só que eu
defendia o outro lado. Houve o debate porque eu defendia a parte histórica, então
foi aí que eu levantei lá discuti e disse: olha nos tamo discutindo aqui é história
gente, não é religião que você segue. Aí o professor tentou explicar alguma coisa,
não terminou em nada, mas houve debate sim.
Nessa primeira fase das entrevistas, Iansã, Xangô e Nanã ainda não conseguem
perceber que a história e cultura negra fazem parte de suas vidas, no centro urbano e no
presente. Os estudantes não se veem inseridos nessa realidade, acreditando que a cultura afro,
“esta na Bahia” e que a discriminação e violência contra o negro, esta “naquela época”, deste
modo, faz parte da consciência real29 desse grupo, a crença nos direitos e oportunidades
iguais, assim como no livre arbítrio.
O discurso de Ogum vislumbra outra consciência, a consciência possível30, uma vez
que o educando consegue separar sua crença religiosa (evangélica), das manifestações
culturais afro (candomblé). Esse discernimento e maior tolerância religiosa, pode ser
resultado de suas experiências pessoais uma vez que tendo uma mãe negra idosa, vivenciou
muito da história e cultura afro.
Porque minha mãe é negra, minha mãe vamos dizer foi criada dentro de fazenda.
Ela tá com oitenta e cinco anos [...] Porque minha mãe, por tudo que ela já
trabalhou, já sofreu, ela é uma pessoa que hoje, não abaixa a cabeça. É uma pessoa
29 De acordo com Goldmann (1973), a consciência é um elemento da realidade social, sendo que todo grupo social tem sobre as diferentes questões que surgem para ele e sobre as realidades que encontra uma certa consciência de fato, real. 30 O máximo de adequação ao qual poderia chegar o grupo sem mudar sua natureza. [...] É pois no interior deste quadro da consciência possível dos grupos particulares, do máximo de adequação a realidade que sua consciência é capaz, que deve ser posto aos poucos o problema de sua consciência real, e das razões pelas quais esta permanece aquém da primeira (GOLDMANN, op. cit., p. 105).
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que hoje, com a idade que ela tá...até minhas irmãs, os cunhados, as cunhadas que
entra na família, se espelha nela. [...] Cada vez que eu olho para minha mãe, eu me
sinto orgulhoso.
De modo geral, os dados da pesquisa socioeconômica apresentada no segundo
capítulo, mostra que ( 62% ) dos estudantes da escola experimental são evangélicos, seguidos
por ( 55 %) da escola de controle. O fato de mais da metade dos estudantes serem evangélicos
pode resultar em pesquisas que procurem entender porque quanto mais carente é uma
população, maior é a sua conversão a religiões evangélicas. Apesar de esse não ser o objeto
de estudo desta pesquisa, é possível observar que esses estudantes estão imersos em religiões
fatalistas, em que a vontade de Deus não é questionada e que a discussão sobre outras
religiões e a cultura negra (de muito dos seus adeptos), é evitada, dificultando o debate em
sala de aula.
A segunda etapa das entrevistas, teve como objeto verificar se os entrevistados têm
consciência de que por serem negros, são vítimas de racismo e preconceito e que, desde que
seus antepassados chegaram ao país foram desumanizados, despersonalizados, forçados a
perder sua memória coletiva e individual. Para tanto, perguntou-se se havia preconceito racial
no Brasil
Ogum: Tem. Tem. Tem assim, por que na realidade o próprio pessoal de cor, ele
mesmo se discrimina. (Como assim?) Porque ele mesmo quer tá num certo patamar
que ele acha que só porque uma pessoa falou de tal modo, você acha que a pessoa tá
discriminando você. E às vezes não é, é um gesto, um modo carinhoso de você
chamar uma pessoa. A própria pessoa acha que a outra esta sendo preconceituosa e
muitas vezes não é? Ah, mas que há as pessoas que discriminam, com certeza.
Iansã: Tem com certeza. O mundo tá moderno, muito, principalmente hoje em dia
até tem muito casais de gays e lésbicas e até racial, mas assim, a questão de
preconceito de cor, acho que ainda existe, principalmente no trabalho, assim.
Nanã: Ah, existe. Existe muito. Ah, porque eles acha que a gente não é capaz. Só
pela cor, eles acha que a gente não somos capazes, porque as vezes tudo que fazem
dizem: “tinha que ser preto” e não é por aí, não é a cor que vai dizer, o que é a gente
é ou vai deixar de ser, entendeu? A gente vê assim, tem muitos brancos fazendo
coisas erradas e as pessoas não julga.
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Xangô: Ha, ha (riso irônico). Com certeza, né? Porque até hoje a gente sofre
preconceito, eu por exemplo, sofro preconceito.
Todos os entrevistados concordam que existe preconceito racial. No entanto, Ogum
utiliza-se da pauta dos opressores, ao dizer que o negro sente-se discriminado sem motivo,
afinal “é um gesto, um modo carinhoso de você chamar uma pessoa”, provavelmente refere-
se a quando alguém é chamado negro31 (no sentido que o dicionário Aurélio apresenta a partir
do item cinco, ou seja, sujo, encardido, preto, muito triste, lúgubre, melancólico, funesto,
maldito, sinistro, perverso, nefando, escravo) e, ao expor sua indignação, é-lhe dito que esta
exagerando, vitimando-se. Trata-se uma inversão de valores, uma alienação, na qual o
oprimido é culpabilizado por encolerizar-se contra o preconceito.
No momento seguinte, o discurso de Ogum, parece contraditório:
Ogum: Eu mesmo, já fui chamado várias vezes, principalmente na empresa: ”Olha
aquele negro, olha aquele negrinho”. Até eu ficava meio assim, pensava nem sou
tão preto assim, mas aí eu me senti discriminado.
Existe negação em sua fala que, por um lado, defende que ele mesmo já foi chamado
de negrinho (o que poderia ser um modo carinhoso, como ele citou acima) e sentiu-se
discriminado; por outro lado, diz: “nem sou tão preto assim”. Dessa forma, Ogum continua
hospedando o branco opressor, reproduzindo sua fala e como afirma Fanon “sonhando
sempre em se instalar no lugar do colono” (1968, p. 39).
Ainda com relação ao preconceito, Iansã disse que nunca foi vítima, mas já
presenciou uma colega sendo humilhada.
Iansã: Não. Não. Eu graças a Deus, eu não. (E conhece alguém que já foi
discriminado?) Assim, já senti por conta do trabalho, assim colega, conheço. [...] A
humilhação assim, fala assim: você tem que limpar! Limpa aí, porque a obrigação é
sua, então assim, a questão é meio tenebrosa, eu fico meio, sei lá.
31 Negro: adjetivo. 1. De cor preta. 2. Diz-se dessa cor, preto. 3. Diz-se do Indivíduo de raça negra; preto. 4. Preto. 5. Sujo, encardido, preto. (...) 7. Muito triste, lúgubre. (...) 8. Melancólico, funesto. (...) 9. Maldito, sinistro (...) 10. Perverso, nefando (...) (sinônimo) 11. Indivíduo de raça negra. 12. Escravo (AURELIO, 1993, p.381)
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Nanã, por sua vez, citou dois momentos que se sentiu discriminada pela família do
marido e em uma loja famosa:
Nanã: Ah, como eu vou explicar.. [..] É que o meu marido é branco, filho de italiano
com portuguesa, nascida lá, em Portugal mesmo. E ela (sogra) não queria quando eu
comecei a namorar com ele, [...] Na época ela não queria, mas assim, ela não queria,
mas não tinha motivo nenhum. O único motivo que ela não queria era por causa da
cor.
Nanã: Mês passado, não, retrasado, eu tava na Besni com a minha mãe, com a
minha irmã e com o meu sobrinho e, nós estávamos esperando para fazer o cartão
(pausa). E nós tavamos com outras sacolas, aí eu sentei ali na parte dos sapatos e
ficamos esperando e, o rapaz, logo que ele me viu, ficou ali, vigiando. E nós
ficamos muito tempo ali esperando, uma que a loja tava cheia e até esperar fazer o
cartão, a moça falou que ia demorar de 15 a 20 minutos e ele ficou o tempo todo ali.
E olhava muito pra mim. Aí eu falei pra minha mãe, olha ela tá achando que a gente
vai roubar, mas estou tranquila, eu tô na minha e não vou sair daqui, não to fazendo
nada de errado, você entendeu?
Xangô descreveu duas “batidas policiais”:
Xangô: Por exemplo, uma vez, eu estava dentro do ônibus, não sei se você conhece
o mercado Negreiros? (Sim) Eu estava dentro do ônibus, a polícia, a rota parou o
ônibus, acho que tava atrás de foragidos, e mandou todos os homens descer e as
mulheres ficaram dentro do ônibus e nesse caso, pelo o que eu recordo, eu era o
único negro dentro do ônibus. Mas eu estava saindo do meu serviço, tava indo,
voltando pra minha casa e o policial, os policiais parou em mim, começaram a me
revistar, pegaram o meu RG, eu sei que o último a subir no ônibus, fui eu. Por quê?
Porque me seguraram lá, pensando que eu tinha passagem pela polícia, que eu era
foragido, tal. Ah, preconceito, né? Porque, acho que devido ao índice de
criminalidade é nóis pessoas de cores que, que, que...comete crime, né? Acho que
por isso, há uma certa pressão, um certo preconceito, pra nós negros, no caso.
Xangô: E teve outro episódio, [...] assim, uma vez, eu e meu amigo estávamos
passando lá no largo do Paissandu, perto do Arouche, ali um lugar que tem
prostituta, cafetão, um monte de coisa errada, eu e meu colega tava indo na galeria,
comprar roupa, né? Aí, a mesma coisa, uma pá gente ali e a polícia parou só eu e
meu amigo, sendo que tinha uma pá de cara mal encarado lá e pararam a gente,
revistou, perguntou o que eu tinha dentro da sacola que eu tava levando, falei que
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era presente para uma amiga minha que era aniversário dela e...realmente, eles
puxaram o meu RG, viram novamente, perguntaram se eu tinha passagem, tal e é
isso, é aquela coisa, né? Parece que nós negros, somos mais afetados, no caso, com
esse tipo de preconceito.
Xangô acredita que, o fato de ser negro, foi o motivo de ter sido parado, revistado e
humilhado pelos policiais. O entrevistado tem consciência que é vitima de preconceito por ser
negro, o problema não é só morar em Cidade Tiradentes. Afinal a primeira “batida” que ele
relatou ocorreu no próprio distrito, curiosamente em frente a um mercado chamado
Negreiros, o problema também não é ser “mal encarado” afinal, no Arouche, havia
prostitutas, cafetão e outros indivíduos considerados maus elementos, no entanto, quem a
policia parou? Somente um amigo e ele. “Parece que nós negros, somos mais afetados, no
caso, com esse tipo de preconceito”.
E com a conscientização vem à revolta, Ogum relatou um episódio que ocorreu
quando ele era garoto:
Ogum: Causa, causa revolta. Eu me lembro até uma certa feita que eu tava
pescando, aí eu pedi licença pra um senhor branco, que eu ia passar por detrás deles
assim, pra mim ir pro outro lado, aí foi na hora que ele disse pro outro que tava no
outro lado e falou assim: “É esses negros, eu não sei o que eles pensa, eles acha que
é dono do mundo, pô vai passar justamente agora?” Aí, aquilo ali doeu, eu pensei,
pô eu pedi licença, com educação. Daí eu abaixei a cabeça passei por ele e fui
embora [...] No momento assim dessa agressão, você fica sem reação. Você não
consegue reagir, parece que toda a história vem na sua cabeça. Volta o que eu já
tinha lido, já tinha estudado, a escravidão. Porque eu já tinha consciência, já era
adolescente, já não era mais criança. [...] Mas ficou aquilo marcado, eu tinha 17
anos e não esqueci, hoje tenho 40 e como é que eu consigo lembrar desses detalhes?
(pausa) Até do rosto dele.
Nanã explicou que quando entra em uma loja saí rápido para não ter
problemas:
Nanã: Porque as vezes você chega numa loja, já vem em cima de você, achando que
você vai roubar, mas eu tiro de letra. Eu chego olho, vejo que vou comprar, compro,
se não, saio. Mas que a gente sofre, sofre. E tem muito.
E Xangô percebeu que o trabalho “tem cor” e, é branca.
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Xangô: Olha, gostar, ninguém gosta, porque tipo... eu devido ser.. sei lá, eu trabalho
desde os meus 11 anos de idade, não é legal ser parado pela policia, ser
praticamente humilhado, porque as pessoas passa na rua fica olhando pra você e,
você tem que por a mão para trás, obedecer o que eles falam, como se você fosse
um meliante ali. O que você não é, é frustrante, né?
Xangô: Preconceito? Porque, como eu falei, tem o preconceito, né? Por exemplo, o
negro pode ter um currículo exemplar, o branco não, lógico é uma suposição, né?
Mas você não sabe se aquele futuro contratante, empregador vai olhar para o seu
currículo ou para sua pessoa, negro no caso. Acho que a valorização vai ser mais
para o branco.
A partir da conscientização da situação de opressão, oriunda do preconceito racial, os
entrevistados não estão mais imersos na cultura do silêncio e, justamente no momento que
são proibidos de ser, quando são discriminados e desumanizados, é que começam a se
reconhecerem como negros. Serem proibidos de ser, causa-lhes sofrimento e revolta e esse é
o momento que pode levar à libertação e ao nascimento do que Paulo Freire chama de
“homem novo, que só é viável na e pela superação da contradição opressores-oprimidos, que
é a libertação de todos” (2005, p. 38).
Se o nascimento desse novo homem/mulher, só é possível pela superação da
contradição opressores-oprimidos, era importante saber se a visão do mundo dos educandos
modificou-se com a introdução do ensino de história e cultura afro na escola. Na escola de
Santo Andre, Ogum informou que o fato de ter voltado a estudar já modificou a sua visão do
mundo, que antes era só baseada na “visão capitalista”.
Ogum: Mudou, mudou sim. Mas mudou nessa parte aí, porque sem o estudo quando
eu comecei, eu não raciocinava dessa forma. E com o estudo, a gente vem
aprendendo as coisas que os professores vem trazendo, a gente começou a abrir
mais a mente. Começou compreender mais as coisas. Porque enquanto eu não
estava em uma sala de aula, pra mim, tanto faz como tanto fez, se o negro era
discriminado, se era mal tratado, eu não tinha essa visão. A visão era assim, a visão
capitalista. A gente trabalhar, gastar seu dinheiro e o resto que se exploda. Depois
que a gente começou a estudar, abriu, a mente abriu. No ensino fundamental,
quando surgiu essa lei, da gente estudar a história do negro, abriu o pensamento e
hoje eu levo esse pensamento para os meus filhos.
127
Iansã comenta sobre a princesa Isabel e, nesse momento, enxerga-se como negra, pois
“se hoje não tivesse libertado os escravos, eu com certeza seria uma escrava, porque olha
minha cor!” Mas se vê como negra no passado e, não, no presente e acha que, hoje, os negros
são livres, não precisam obedecer. Dessa forma, ainda não tem uma postura crítica.
Iansã: Mudou sim, porque assim, a história que eu conheço do negro é o que, tipo e
da princesa Isabel que assinou aquela lei, tal que ela assim geral. Ai eu fico
imaginando, se hoje não tivesse libertado os escravos, eu com certeza seria uma,
escrava, porque olha minha cor, é morena. Então eu fico imaginando, ter que fazer
tudo aquilo que a gente não quer. A gente hoje toma as nossas decisões,
antigamente não. A gente tinha que obedecer.
Na escola Cidade Tiradentes, Nanã disse que consegue perceber que, às vezes, é
tratada de forma diferente e que sua própria filha não se reconhece como negra.
Possivelmente, antes de estudar sobre a história e cultura afro, não tivesse essa percepção.
Nanã: Também, porque às vezes a gente fica meio assim, achando que vamos supor,
não que seja diferente, não sei explicar. Às vezes, as pessoas me tratavam diferente.
Que nem meus filhos, são todos “amarelos” e minha filha foi prestar ETEC e ela
disse que não colocou que era afrodescendente, que colocou que era parda, mas que
quando pediu para especificar se ela se considera afrodescendente ela não colocou.
Ela disse que não sabia.
Xangô explicou que não gosta quando o negro é citado apenas como escravo (objeto),
“porque o negro ajudou a formar o Brasil e outros países também”. Portanto, tem consciência
da importância do negro na sociedade brasileira e mais: “Eu, tenho orgulho de ser negro”,
afirma.
Xangô: Sim, mudou um pouco porque, eu não gosto, já falei quando cita negro
escravo essas coisas, mas hoje em dia, dá para perceber que há uma diferença.
(Como assim, uma diferença?) No caso o ensino, tá sendo mudado. Porque negro
ajudou a formar o Brasil e outros países também. Eu, tenho orgulho de ser negro.
Ao questionar o que é ser negro no Brasil, hoje, observa-se que para a maioria dos
entrevistados é luta, superação e, sobretudo, orgulho.
128
Ogum: Olha pra mim hoje, ser negro no Brasil, é ter orgulho das origens que a
gente somos. Porque cada vez que eu olho para minha mãe, eu me sinto orgulhoso.
Por quê? Porque minha mãe, por tudo que ela já trabalhou, já sofreu, ela é uma
pessoa que hoje, não abaixa a cabeça. [...] É uma pessoa que resiste e aconselha a
gente a nunca abaixar a cabeça, né? Tanto que eu falei pra ela: oh, tanto que a mãe
pediu pra eu voltar a estudar, eu voltei. Ela me deu a maior força, e falou assim:
“nem que os seus estudos, pela idade que você tem, não chegue a lhe dar um futuro
a qual eu desejei pra você, mas pelo menos você vai chegar lá no final e dizer que
você terminou uma coisa que você começou.” Orgulho de ser negro é não baixar a
cabeça.
Nanã: O que é ser negro no Brasil hoje? Ah, eu acho que é uma libertação, uma
conquista muito grande. Porque aos pouco, não é muito, a gente tá tendo mais
espaço, porque antigamente era difícil você ver um médico negro, um juiz negro,
que nem esse que taí no mensalão acabando com esse povo. Até minha mãe falou,
“nossa é muito bom isso”. E o negão tali, botando pra quebrar, botando tudo os
brancos pra correr. Ele deve ta assim, muito vitorioso, acho que é uma conquista
muito grande, é ele que ali e ele tá limpando. Porque falam que só quem faz sujeira
é negro, que só os negros que fazem isso ou fazem aquilo. Só que ele tem que tomar
cuidado também, porque vai ter muita perseguição. È uma coisa que ele não vai ter
um sossego, mas por dentro, deve ser uma conquista muito grande.
Xangô: Hoje, ser negro no Brasil, falta palavras. É luta, conquista, sofrimento,
porque nada pro negro é fácil, lógico para ninguém, mas acho que para o negro é
um pouco mais difícil às coisas. [...] Por isso, eu falo, ser negro hoje em dia é luta, é
difícil às conquistas, mas consegue!
Para os entrevistados, apesar das dificuldades, houve mudanças e existem motivos
para comemorar, como a ascensão social de alguns negros, o reconhecimento dos parentes
entre outros. Existe a consciência que ocorrerão perseguições, que “as coisas para o negro são
mais difíceis”. Entretanto, a categoria esperança continua presente: “É difícil, mas consegue.”
“Por dentro é uma grande conquista”.
Por fim, tem-se trechos das entrevistas em que os educandos informam que pretendem
continuar os estudos e que, portanto, a Educação de Adultos é uma oportunidade para que
esses adultos excluídos possam vislumbrar um futuro diferente.
Ogum: Exatamente e pretendo continuar, pretendo fazer um técnico. Começar pelo
um técnico primeiro e assim que eu terminar eu volto para meu ramo, porque até
129
agora não dá pra mim voltar, porque se eu voltar agora não tenho como terminar,
por isso, eu trabalho por conta, que aí da pra mim se virar até terminar pelo menos o
ensino médio. [...] Acho que é isso aí, a gente olha pra frente e vamos dizer assim e
não se deixar levar pelo que já passou e sim, tentar o melhor.
Iansã: Pra mim buscar ai a escola, foi esse aí meu objetivo, pra eu poder fazer
podologia. É isso aí que eu quero, vou ver se eu consigo, estou quase lá.
Nanã: Um dia, que eu sou muito calma, sabe? Mas sabe um dia, quando você esta
assim, super nervosa, eu abri o verbo, sabe? Eu pensei assim, eu vou falar e disse:
aqui em casa ninguém me dá valor, ninguém pergunta como é que foi meu dia,
ninguém pergunta como é que foi a minha aula, se eu fiz isso, ou fiz aquilo. Todo
mundo fala que os maridos incentivam, conversa tudo e aqui em casa, você nunca
perguntou pra mim: “como é que foi seu dia hoje? Como é que você tá?” Você
nunca me elogiou, você nunca me deu os parabéns, porque eu voltei a estudar
depois de muitos anos. Vocês são umas pessoas muito ingrata, mas não é por causa
de vocês que eu vou parar. E eu vou terminar! E se eu tiver condições, ainda vou
fazer uma faculdade.
Mesmo com todas as dificuldades, Ogum e Iansã informaram que vão cursar um
ensino técnico e Nanã, a mais velha dos entrevistados, explicou que, mesmo sofrendo com a
falta de reconhecimento da família e a opressão do marido, pretende “fazer uma faculdade”.
130
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Afasta de mim a biqueira, pai
Afasta de mim as biate, pai Afasta de mim a coqueine, pai
Pois na quebrada escorre sangue,pai.
(Versão de Cálice – Criolo Doido)
O presente estudo, procurou abordar os temas: Periferia, Educação de Adultos e
Estudante Negro, realizando uma pesquisa com os Estudantes Negros da EDA na Cidade
Tiradentes. Esses temas são relevantes por demonstrar as fragilidades do sistema de ensino na
periferia e, refletir a respeito das condições do negro nesse sistema.
Em uma sociedade de classes, em que existe uma grande concentração de renda como
no caso brasileiro, é muito comum a existência dos chamados “bolsões de pobreza”. Em São
Paulo, podem-se observar esses bolsões na zona leste da capital, (evidentemente, existem
bolsões de pobreza em distritos de outras regiões, mas em virtude do grande contingente
habitacional da zona leste32 a desigualdade social torna-se ainda mais manifesta) e o que
observa-se é uma ausência de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento dessa
região, como exemplo, tem-se um distrito com mais de 220 mil habitantes, localizado a mais
de 30 km da região de central, como uma população vivendo em COHABs e favelas, sem
infraestrutura básica, de lazer e sem possibilidades de desenvolvimento.
Diferentemente do que os governos do período militar alardeavam, as COHABs não
foram desenvolvidas para oferecer uma vida digna ao povo, e, sim, para segrega-los
espacialmente. Os primeiros moradores da Cidade Tiradentes, foram expulsos dos cortiços da
região central e oeste da cidade e, enviados para Gleba da Fazenda Santa Etelvina (que no
período colonial foi uma Fazenda Escravocrata) localizada no extremo leste da capital. Uma
localidade sem asfalto, com residências uniformes, sem escolas, transporte, hospitais ou
presença do Estado e, após mais de trinta anos, a situação pouco mudou.
Os mais otimistas afirmarão que agora existe o terminal urbano, escola pública, um
grande hospital etc... É verdade, existe um terminal de ônibus, no qual o trabalhador demora
em média 2h30 para chegar ao centro da capital; há o hospital Cidade Tiradentes, que
encontra dificuldade para atrair e manter os médicos na localidade; tem-se também escolas
municipais e estaduais, mas o índice de analfabetismo atinge os 20%.
32 De acordo com o Censo Demográfico 2010, a zona leste de São Paulo tem aproximadamente 4 milhões de habitantes.
131
Portanto, Cidade Tiradentes ainda é vitima do descaso público e seus residentes
sentem no dia-dia o peso da segregação. Muitos jovens, nunca saíram do distrito, dizem que
“não se sentem confortáveis” frequentando outros lugares, talvez, por saberem que muitos de
seus colegas foram barrados na entrada do Shopping, humilhados pela polícia e ignorados
pela maioria dos concidadãos.
Além da segregação espacial, os moradores do distrito são vítimas da discriminação
racial, pois como demonstrado na presente pesquisa, à maioria dos residentes do distrito é
negra.
E o que é ser negro na Cidade Tiradentes? Apesar de ser necessário aprofundar a
pesquisa para responder essa questão, com base nas entrevistas e pesquisa de campo, pode-se
dizer que ser negro na Cidade Tiradentes, é ter que lutar todos os dias para sobreviver, lutar
para ser aceito em uma sociedade racista, é ter de ser duas vezes melhor que o branco, para
conseguir um emprego qualificado e ser muito “esperto” para continuar vivo, apesar da
perseguição policial e das tentações do crime organizado.
E a exemplo, do discurso da elite colonial, que afirmavam que os negros eram
primitivos, inferiores, dotados de mentalidade pré-lógica e, desta forma, possuíam uma
humanidade inferior, justificando assim, a escravidão, no século XXI, a segregação espacial
imposta aos residentes da Cidade Tiradentes é justificada pelo Estado e elite, que afirmam
tratar-se de um “bando” de negros arruaceiros, vagabundos, traficantes, desqualificados, que
não gostam de estudar e, muito menos, de trabalhar.
Por isso, apesar de transcorreram-se cinco séculos desde o inicio da colonização, a
mentalidade da classe dominante e também da classe média, continuam praticamente a
mesma, justificando o sistema de desigualdade social, atribuindo, portanto, ao próprio negro a
culpa por sua condição econômica e por ocupar uma posição inferior na sociedade.
Supondo que o residente da Cidade Tiradentes, queira superar esse sistema de
opressão, buscando melhores condições de vida, acesso a serviços públicos, trabalho
qualificado, uma vida melhor para sua família etc... e resolva voltar a estudar depois da idade
de 18 anos, quais seriam suas opções? Considerando sua condição econômica, a única opção
seria recorrer a Educação de Adultos gratuita, terminando a educação básica.
Contudo como informado anteriormente, o referido distrito, possuí apenas duas
escolas que oferecem essa modalidade (ensino médio), uma em Guaianases e outra em Castro
Alves, próximo ao terminal urbano. Fato que leva-nos a compartilhar com o leitor alguns
questionamentos que poderão ser estudados em outras pesquisas, como: a) Se o índice de
analfabetismo (considerando crianças a partir dos 15 anos) atinge os 20%, por que o poder
132
público não investe na educação de adultos? b) Existe um consenso perverso entre o Estado e
a elite, para manter jovens e adultos negros sem acesso à educação básica, podendo assim,
utiliza-los como massa de manobra? c) A EDA será substituída pela prova do ENEM,
privando o trabalhador de uma educação presencial e da possibilidade da tomada de
consciência, sobre o sistema opressor e racista que esse trabalhado é submetido? d) Assim
como aconteceu na época do Brasil colônia, a elite e o Estado (que possuem interesses
comuns) temem o processo de conscientização desses educandos, o que pode resultar em um
acirramento na cultura de resistência?
Afinal, a cultura de resistência, nunca foi abandonada pela comunidade negra, que
combate, conseguindo grandes conquistas, como a aprovação de cotas para negros nas
universidades, o estabelecimento do dia do assassinato de Zumbi, como o Dia Nacional da
Consciência Negra, assim como a introdução da disciplina de história e cultura afro-brasileira
na Educação Básica.
Essas conquistas são instrumentos de conscientização de e para a comunidade negra
que, desde o início da escravidão, sofre com um processo de alienação, que tentou usurpar sua
memória coletiva e individual, impondo-lhe os valores eurocêntricos. Atualmente, sofrem
com a baixa estima e a negação de seu corpo, de sua história e cultura.
Possivelmente, a classe dominante, tem ciência da importância da educação como
instrumento de transformação do indivíduo e em um contexto de luta (como do movimento
negro) da própria sociedade, por isso, a insistência em despolitizar a educação direcionada as
classes populares. Assim sendo, destaca-se a relevância em analisar se e como os estudantes
negros foram impactados pelo estudo de História e Cultura Afro-brasileira (que se inicia com
a promulgação da Lei 10.639/03 e seus desdobramentos, como a implementação das
Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-raciais).
A presente pesquisa defendeu a hipótese de que, por Cidade Tiradentes ser um distrito
formado majoritariamente por negros/nordestinos, no qual seus habitantes são constantemente
discriminados, a introdução da disciplina História e Cultura Afro-brasileira, na Educação
Básica, assim como a implementação de um currículo que considere as diferenças étnicas,
promove a tomada de consciência e a criticidade, além de ser, um instrumento da
conscientização dos (as) educandos (as) negros (as) do Ensino Médio da EDA.
O estudo foi realizado em quatro momentos: no primeiro, procurou-se entender como
os negros resistiram à escravidão, discriminação e racismo ao longo da história, tanto de
forma coletiva como individual. Uma vez que o negro não se limitou a função de escravo,
133
mantendo seus cultos, fundando irmandades na igreja católica, organizando a luta pela
liberdade e formando quilombos, o primeiro foco foi analisar os dados a respeito.
Como apresentado no primeiro capítulo, que versou sobre o período que vai de 1807 a
1835, várias insurreições escravas foram organizadas com o objetivo destruir o sistema
escravocrata, pois os negros escravizados possuíam consciência da sua humanidade e os
maiores aliados dos escravos eram os libertos, demonstrando que havia uma solidariedade
étnica e consciência política dos negros.
Outras formas de resistência dos negros escravizados eram as fugas, os assassinatos
dos senhores, a formação dos quilombos e os suicídios. Os quilombos foram as organizações
de resistência mais radicais ao sistema escravocrata e era no quilombo que o negro negava,
radicalmente, a escravidão e conquistava a condição de ser livre.
Com a abolição, os ex-escravos foram abandonados à própria sorte, sem terras, sem
lugar para onde ir, sem indenizações ou qualificação para se inserirem no mercado interno. A
sociedade, depois de exaurir a força desses seres humanos, adotava uma postura a favor da
imigração europeia, materializando a ideologia do branqueamento.
Nos séculos XX e XXI, os negros foram conquistando, gradualmente, mais espaço na
sociedade. No entanto, dados do censo de 2010 informam que brancos apresentam
rendimentos médios mensais de R$ 1.538,00, semelhantes a amarelos, de R$ 1.574,00,
enquanto os grupos de pretos percebem R$ 834,00, pardos R$ 845,00 e indígenas R$ 735,00.
Ou seja, os brancos recebem praticamente, o dobro do rendimento dos negros e, nos grandes
centros, esse percentual chega a 3,2 .
Concluindo o levantamento bibliográfico, partiu-se para o estudo de campo, sendo que
no segundo momento da pesquisa, aplicou-se um questionário socioeconômico na escola
experimental (Cidade Tiradentes) e de controle (Santo André), com o objetivo de traçar um
perfil dos educandos da EDA, constando que grande parte dos (as) educandos (as) são
mulheres (66%) e (48%), respectivamente, nos dois universos. São, também, jovens de 18 a
25 anos (61%) e (55%). O estado civil predominante é o de solteiro(a), com os percentuais
respetivos de 60% e 55%. Sem filhos são 42% no universo experimental e 53% no de
controle. Os negros representam 66 % na primeira escola e 42% na segunda. A maioria é
natural da região Sudeste: respectivamente, 64% e 56%. Originários do Ensino Fundamental
da rede pública são 88% no universo experimental e 94% no de controle. Com mães
analfabetas, ou com ensino fundamental incompleto, perfazem 51% e 65%, respectivamente.
Quanto à ocupação laboral informal ou desempregados apresentaram-se 29% e 33%, com as
respectivas rendas mensais familiares de 1 a 3 SM 45% e 50%. Residentes em
134
casa/apartamento próprio são 61% e 53%; com predominância da denominação religiosa
evangélica proclamaram-se 62% e 55%, respectivamente nos dois universos mencionados.
Em suma, os dados demonstraram que a maioria é mulher, jovem, negro (a), evangélico (a),
com baixa qualificação profissional e baixa renda.
Na terceira fase da pesquisa, aplicou-se um inquérito com base na escala Likert,
visando identificar as tendências de opinião dos educandos da escola experimental e de
controle com relação aos seguintes itens:
a) houve a introdução do ensino da história e cultura afro na EDA;
b) como o negro é representado na escola e no material didático;
c) estudar a temática modificou a visão que o/a educando(a) possuía
sobre a importância do negro na sociedade.
Os resultados obtidos na escola experimental e de controle revelaram que, a maioria
dos entrevistados 44,23% estudou a disciplina história e cultura afro-brasileira no Ensino
Médio da EDA; 57,69% discordam que o negro é representado de forma pejorativa na escola
e material didático; 71,16% discordam que estudar e discutir temas como preconceito racial,
discriminação e marginalização dos negros causa-lhes constrangimento; 49,36% concordam
que os livros, apostilas e materiais didáticos utilizados em sala de aula trabalham as questões
relacionadas à valorização da história e da cultura dos negros no Brasil, proporcionando uma
reflexão sobre as causas do preconceito racial.
Os resultados da pesquisa de tendência de opinião, do universo total são positivos. De
acordo com os dados, na Educação de Adultos, aborda-se temas como história e cultura
africana e afro-brasileira, o material didático apresentado pelos professores (não utiliza-se
livros específicos para essa modalidade de ensino) valoriza a história e cultura dos negros e
existem discussões frequentes em sala de aula sobre discriminação e racismo.
Contudo, como os estudantes não realizaram pesquisas para responder o inquérito,
optou-se combinar e complementar a pesquisa de tendência de opinião, com entrevistas
individuais. Mas, antes de iniciar a discussão concernente as entrevistas, faz-se necessário
salientar que na pesquisa de tendência de opinião, ocorreu uma inversão dos universos
experimental (Cidade Tiradentes) e de controle (Santo André), pois no Quesito I do inquérito
(nas aulas de história foram discutidos temas relacionados à história e cultura dos negros na
África e no Brasil), apenas 37,78% dos estudantes da Cidade Tiradentes concordaram com a
afirmação, por outro lado, na escola de Santo André o índice foi de 53,03%, contrariando
uma das premissas da pesquisadora, que suponha, que na Cidade Tiradentes o ensino de
história e cultura afro-brasileira é mais expressivo do que em Santo André. Essas verdades
135
desconhecidas até o momento da pesquisa de campo, reforçaram a necessidade das entrevistas
individuais, que foram realizadas com um homem e uma mulher que se autodenominaram
negros na pesquisa socioeconômica. O procedimento foi realizado tanto na escola
experimental, como na de controle. A análise e interpretação dos dados das entrevistas
tiveram como base as categorias “conscientização” e “alienação” de Paulo Freire.
Formaram-se duas duplas constituídas, respectivamente, com os entrevistados da
escola experimental e de controle:
a) Nanã / Iansã
b) Xangô / Ogum
Inicialmente, procurou-se saber se era ministrado o ensino de história e cultura afro na
EDA e, em caso positivo, com qual enfoque. Na escola experimental, tanto Nanã, como
Xangô, afirmaram que, sim; já na escola de controle, Ogum informou que no ensino médio
não foi abordado esse tema, apesar de, em contrapartida, Iansã dizer que houve discussões em
sala sobre o assunto. Com relação ao enfoque, os entrevistados da escola experimental
informaram que a abordagem contempla o período da escravidão e também o negro na
sociedade contemporânea. Na escola de controle, o enfoque foi a fase da escravidão.
Desse modo, constatou-se que ainda existem deficiências na aplicação da Lei
10.639/03, que exige o ensino de cultura africana e afro-brasileira na Educação Básica. No
entanto, mais que modificar o currículo, é necessário mudar as práticas educacionais, que
devem superar o enfoque eurocêntrico, contemplando a diversidade da história e cultura do
povo brasileiro. Afinal, como estimular a formação da consciência crítica de nossos
educandos, se ainda lhes é imposto uma educação bancária, alienada e alienante?
A escola Cidade Tiradentes já iniciou o processo de tomada de consciência. Contudo,
se não houver apoio do Estado e da sociedade, será muito difícil prosseguir nessa jornada. Na
escola de Santo André, talvez, pela própria ausência do poder público e de incentivo social, as
conquistas que podem advir de uma educação multicultural33 ainda estão longe de serem
alcançadas.
33 Entende-se por Educação Multicultural, o estudo de temas decorrentes da história e cultura afro-brasileira e africana, assim como estudos e atividades que abordem as contribuições dos povos indígenas e descendentes de asiáticos (uma vez que a matriz europeia é amplamente trabalhada). Portanto, não se trata de mudar o foco etnocêntrico da raiz europeia por um africano, mas de ampliar o foco dos currículos escolares para a diversidade cultural, racial, social e econômica brasileira (DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS DAS RELAÇÃOES ÉTNICO-RACIAS E PARA O ENSINO DE HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E AFRICANA, 2004).
136
No que se refere ao material didático, Ogum e Xangô são enfáticos ao afirmarem que
o negro é representado sempre como escravo e chicoteado. Ogum afirma também “que se não
são representados como escravos dos coronéis, o são como do capitalismo”. Desse modo,
quando os estudantes de um curso noturno conseguem ter acesso a algum material didático
(por política interna das escolas, pois o Estado não fornece material didático para educandos
da EDA no ensino médio das escolas analisadas), esse material continua a perpetuar a
ideologia dominante, representando o negro de maneira pejorativa e justificando a sua
exploração no passado e no presente. Importante ressaltar que, atualmente, está muito difícil
de se localizar vagas para os cursos de EDA, visto que é possível, por meio do ENEM, ser
aprovado no ensino médio e obter o certificado da Secretaria de Educação dos Estados, sem
frequentar aulas.
A segunda etapa das entrevistas teve como objetivo verificar se os entrevistados têm
consciência de que, por serem negros, são vítimas do racismo e do preconceito. A princípio,
apenas Xangô disse que já sofreu preconceito e sabe que é por ser negro. Nanã disse que “eles
acha que a gente não somos capazes, porque as vezes tudo que (os negros) fazem, eles dizem:
tinha que ser preto”. Da escola de controle, Iansã, no primeiro momento, não percebe que
existe tratamento discriminatório e Ogum, afirma “que, na realidade, o próprio pessoal de cor,
ele mesmo se discrimina”. Assim sendo, os entrevistados, residentes na Cidade Tiradentes,
percebem melhor a discriminação racial, inclusive Xangô descreveu duas “batidas policiais”
em que foi humilhado e Nanã disse que sofreu preconceito da família do marido e também em
uma loja famosa.
Outra questão levantada tratou de saber se o fato de os educandos estudarem a história
e a cultura de seus descendentes, modificou suas visões de mundo. Na escola experimental,
Nanã afirmou que hoje consegue perceber que, às vezes, é tratada de forma diferente e Xangô
explicou que não gosta quando o negro é citado apenas como escravo (objeto), “porque o
negro ajudou a formar o Brasil e outros países também”, portanto, tem consciência da
importância do negro na sociedade brasileira e afirma: “Eu, tenho orgulho de ser negro”.
Na escola de controle, Ogum explicou que o fato de voltar para a escola modificou a
forma de enxergar o mundo, independentemente do conteúdo específico. Todavia, Iansã
parece continuar não enxergando a situação de desvantagem do negro, pois, para ela,
antigamente os negros eram escravos e tinham que fazer o que não queriam, mas, hoje, toma
suas decisões.
As entrevistas revelaram que, diferentemente do que apresentou a pesquisa de
tendência de opinião, ainda não são todos os educandos da EDA que discutem história e
137
cultura afro-brasileira. O material didático ainda reproduz uma visão negativa do negro e
existe um longo caminho até que as relações étnico-raciais sejam um elemento estruturante da
formação humana.
Não há dúvida, que essas considerações estão incompletas, inconclusas e inacabadas,
uma vez que existe uma gama de informações e dados revelados pela pesquisa empírica que
enriqueceriam essa análise, contudo, terei que deixar algumas dessas discussões para estudos
futuros, como por exemplo, uma crítica mais aprofundada sobre a inversão dos universos de
controle e experimental, assim como a respeito do “não dito” nas entrevistas.
Deste modo, considero que discutir história e cultura afro-brasileira na Educação de
Adultos na Cidade Tiradentes, possibilitou-me refletir sobre como os estigmas da escravidão
ainda ecoam, na periferia de São Paulo e, apesar de concordar que o grau de conscientização é
diferente entre todos os negros, considero, que é na periferia que se encontram grande parte
dos oprimidos e será a partir da conscientização dos periféricos e marginalizados, que será
possível libertar e transformar “as quebradas” da nossa sociedade.
138
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142
APÊNDICE A
QUESTIONARIO SOCIOECONÔMICO (EDUCANDO)
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Nome (opcional):_________________________________________
1) Genero: 9) Profissão ( ) Masc. ( ) Fem
( ) construção civil ( ) profissional liberal2) Idade: ( ) estudante ( ) Industria( ) 18 ‐ 25 ( ) 26 ‐ 35 ( ) ajudante geral ( ) empr.domestica( ) 36 ‐ 45 ( ) 46 ‐ 55 ( ) comercio ( ) administrativo( ) 55 ‐ 65 ( ) + 66 ( ) telemarketing ( ) trabalho informal
(sem registro)3) Estado Civil ( ) outros ________________________( ) Solteiro ( ) Casado( ) Viuvo ( ) Divorciado/Separado 10) Renda mensal individual( ) União estável
( ) até 1 salário minimo (R$ 622,00)4) Como você se considera? ( ) + 1 até 3 sal.min.(de R$ 623,00 a R$ 1.866,00)( ) Branco( ) Preto ( ) Indígena ( ) + 3 a 5 sal.min.(de R$ 1.867,00 a R$ 3.110,00)( ) Pardo ( ) Amarelo ( ) + 5 a 10 sal.min.(de R$ 3.111,00 a R$ 6.220,00)
( )+de 10 a 15 sal.min. (R$ 6.221,00 a R$ 9.330,00) 5) Qual seu estado de origem? ( ) + de 15 salários minimos (R$ 9.331,00) ou mais
__________________________________ 11) Renda total mensal de sua familia
6) Em que tipo de escola você cursou o ( ) até 1 salário minimo (R$ 622,00)ensino fundamental? ( ) + 1 até 3 sal.min.(de R$ 623,00 a R$ 1.866,00)( ) Toda em escola pública ( ) + 3 a 5 sal.min.(de R$ 1.867,00 a R$ 3.110,00)( ) Toda em escola particular ( ) + 5 a 10 sal.min.(de R$ 3.111,00 a R$ 6.220,00)( ) Maior parte em escola pública ( )+de 10 a 15 sal.min. (R$ 6.221,00 a R$ 9.330,00) ( ) Maior parte em escola particular ( ) + de 15 salários minimos (R$ 9.331,00) ou mais( ) Metade em escola pública e metade na particular 12) Qual sua religião?
( ) Catolico ( ) Evangelica ( ) Espirita7)Quantos filhos você tem? ( ) Umbanda ( ) Candomblé
( ) outros _____________________________ ( ) Nenhum ( ) Um( ) Dois ( ) Três 13) Situação atual da residência:( ) Quatro ou mais
( ) Casa/apartamento próprio8) Escolaridade da mãe ( ) Casa/ apartamento alugada ( ) não alfabetizada ( ) Casa/apartamento financiada( ) Ensino Fundamental Incompleto ( ) Casa/apartamento cedida( ) Ensino Fundamental Completo ( ) Ensino Médio Incompleto 14) Quantas pessoas vivem da renda familiar indicada ( ) Ensino Médio Completo na pergunta anterior? ( ) Superior incompleto( ) Superior completo. ( ) Uma ( ) Duas ( ) Três ( ) Quatro( ) Pós‐graduação ( ) Cinco ( ) Seis ou mais
QUESTIONÁRIO SOCIOECONÔMICO DISCENTES
Este questionário tem como objetivo conhecer os aspectos socioeconômicos que caracterizam os discentes na Educação de Adultos, tendo finalidade acadêmica.
143
APÊNDICE B
PESQUISA DE OPINIÃO (EDUCANDO)
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
PESQUISA DE OPINIÃO
Preencha os quadrados, à frente de cada afirmação, com o número que corresponde à
sua opinião, de acordo com o seguinte esquema:
(1) Discordo totalmente. (2) Discordo parcialmente. (3) Não tenho opinião formada. (4) Concordo parcialmente. (5) Concordo totalmente.
I - Nas aulas de História foram discutidos temas relacionados à História e Cultura dos
negros na África e no Brasil.
II – Estudar e discutir temas como religiões afro-brasileiras (candomblé, umbanda),
culinária, dança afro, capoeira, hip hop (rap, grafite, dança de rua) e outros temas relacionados
a cultura afro, me causou constrangimento (fiquei sem graça).
III – Quando a história e cultura dos negros foram trabalhadas em sala de aula, os
negros eram representados como: escravos, preguiçosos, marginais e crianças pobres.
IV – Quando a história e cultura dos negros foram trabalhadas em sala de aula, os
negros eram representados como: trabalhadores, sujeitos que lutaram contra a escravidão,
crianças nas escolas e se divertindo, jovens e adultos cidadãos.
V – Estudar e discutir temas como preconceito racial, discriminação e marginalização
dos negros, me causou constrangimento (fiquei sem graça).
144
VI – Os livros, apostilas e matérias didáticos utilizados em sala de aula, mostram os
negros como escravos, trabalhadores braçais, crianças pobres, jovens e adultos a margem dos
benefícios da sociedade.
VII – As únicas coisas que os negros sabem fazer são música e esportes.
VIII – Após estudar e discutir assuntos relacionados ao preconceito racial, a
marginalização dos negros, história e cultura afro-brasileira, minha visão sobre a importância
dos negros na formação da sociedade modificou-se e passei a orgulhar-me da descendência
negra nas famílias brasileiras.
IX – Os livros, apostilas e matérias didáticos utilizados em sala de aula, trabalham as
questões relacionadas à valorização da história e cultura dos negros no Brasil, proporcionando
uma reflexão sobre as causas do preconceito racial.
X – A maioria dos negros são pobres porque não trabalham e não procuram estudar para
melhorar de vida.
145
APÊNDICE C
ROTEIRO DE ENTREVISTAS (EDUCANDO)
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
IDENTIFICAÇÃO DO ENTREVISTADO
Nome:
Data:
Lugar da entrevista:
Gênero
Idade
Nível de escolaridade
Ocupação
Contato:
a) Você poderia contar um pouco sobre sua história e o porquê procurou a Educação de
Adultos.
b) Você pode descrever algumas aulas em que se discutiu a situação do negro no Brasil e
na África?
c) Houve polemica, discussão nas aulas ao falar em cultura negra como religiões de
matriz africana, por exemplo Umbanda; a culinária, as danças e outras?
d) Na sua opinião existe preconceito racial no Brasil? Pode falar um pouco mais sobre
esse assunto.
e) Como o negro é representado no livro didático, nas apostilas, nos materiais escolares?
f) Estudar a historia e cultura do negro na Educação de Adultos mudou a sua visão da
situação do negro no Brasil? Como?
g) Para você o que é ser negro no Brasil hoje?
h) Existe algo que você gostaria de dizer, de acrescentar?
146
ANEXO I
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO RESISTÊNCIA NA CASA GRANDE
História e Cultura Afro-brasileira na Educação de Adultos
Neide Cristina da Silva
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Eu, ______________________________________________________________, após ter
lido e entendido as informações e esclarecido todas as minhas dúvidas a respeito deste estudo
referente à Dissertação de Mestrado intitulada “RESISTÊNCIA NA CASA GRANDE:
história e cultura afro-brasileira na Educação de Adultos”, conduzidos pelo Prof. Dr. José
Eustáquio Romão (orientador) e Profa. Neide Cristina da Silva (orientanda), contatados
respectivamente, pelos e-mails e telefones, [email protected] (11 3665-9312) e
[email protected] (11 97209-4530) CONCORDO VOLUNTARIAMENTE, em
participar desta pesquisa.
São Paulo, ___ de ___________________de _____.
________________________________________________________
Assinatura
147
ANEXO II
ENTREVISTAS EM PROFUNDIDADE (ESTUDANTES)
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO RESISTÊNCIA NA CASA GRANDE
História e cultura afro-brasileira na Educação de Adultos
Neide Cristina da Silva
Sujeito número 1
Neide: Conte um pouquinho da sua história, por que você resolveu voltar estudar agora.
Sujeito 1: Olha, na realidade é assim, eu trabalhava como encarregado duma firma grande da
área de supermercado e numa discussão relacionada a serviço, entendeu? A gente tivemos um
desentendimento com o meu supervisor, que era um engenheiro civil e o qual ‘tava mostrando
pra ele que o serviço que a gente ‘tava fazendo ‘tava errado, entendeu? Só que ele não me deu
ouvido, porque simplesmente ele me chamou que eu era um analfabeto.
Neide: Sério?
Sujeito 1: É que eu não tinha estudado, que eu não sabia de nada. Mas eu tinha o
conhecimento, tinha a prática de anos, entendeu? Mas ele achou que, tudo bem, não ‘tava só
eu e ele, ‘tava outros engenheiros outros técnicos, mas ele achou que a minha palavra não
valeu naquele momento, então aquilo ali, que ele falou na presença de todo mundo que ‘tava
ali, me doeu, entendeu? Me doeu. Então, foi aí que eu até também aonde pedi a minha baixa
lá da firma, saí. Teve um pouquinho de alegria, sabe por que que foi? Porque o serviço a qual
a gente ‘tava fazendo, a qual eu avisei que não ia dar certo, foi para o chão.
Neide: Mesmo??
Sujeito 1: Foi, foi pro chão antes da inauguração e no momento lá, eu já não ‘tava lá, mas os
colegas que ‘tavam me avisaram que até o dono mesmo da rede, chegou lá na construção,
abaixou lá o helicóptero dele na construção. Então isso aí, foi um animo deu voltar estudar,
entendeu?
148
Neide: Entendi.
Sujeito 1: Ai, eu até mostrei lá pra ele e falei: Então você acha que a experiência é o estudo,
que se tá achando que eu não tenho, vou provar pra você que eu também consigo.
Neide: Foi um desafio!!
Sujeito 1: Foi um desafio, sim. Daí eu voltei, eu já tinha parado na sétima série, no tempo que
eu era jovem, pode se dizer assim, daí voltei dois anos pra trás, pra quinta série e hoje ‘to’ aí
nesses três anos nessa luta, na batalha, porque não é fácil.
Neide: E verdade, trabalhar e estudar é difícil.
Sujeito 1: E outra, porque assim, onde eu ‘tava no começo na prefeitura, era um ambiente
assim, com as pessoas tudo quase na mesma faixa etária de idade.
Neide: Ah, no ensino fundamental?
Sujeito 1: Exatamente.
Neide: E aqui?
Sujeito 1: Aqui não, a gente já encontrou um pouco de barreira.
Neide: Que barreira?
Sujeito 1: A barreira assim, de faixa de idade, porque é uma sala, duas no máximo e, o resto
são tudo jovem, molecada. Então querendo ou não, você sente um pouco de como se dizer de
preconceito. No primeiro dia de aula, o pessoal foi ver na sala, quando chegaram lá disseram:
“ih, essa sala aqui só tem velho”, entendeu?
Neide: Entendi.
Sujeito 1: Então, não é só o cansaço de trabalhar e estudar a noite, essas coisas também que
se você não tive firme, decido mesmo, né? a chegar aquilo que você quer ...
Neide: Mas pra você falta pouco, né?
Sujeito 1: Exatamente e pretendo continuar, pretendo fazer um técnico. Começar pelo um
técnico primeiro e assim que eu terminar eu volto para meu ramo, porque até agora não dá pra
mim voltar, porque se eu voltar agora não tenho como terminar, por isso, eu trabalho por
conta, que aí da pra mim se virar até terminar pelo menos o ensino médio.
Neide: Tá certo. E assim, você pode descrever alguma aula que você teve que discutiu, que
faltou sobre a situação do negro no Brasil?
Sujeito 1: Olha, no ensino fundamental lá onde eu comecei, lá a gente tivemos muito debate,
tivemos, a gente foi até convidado a assistir uma parte teatral, se chamava O navio negreiro.
Neide: Sei...
Sujeito 1: E a gente discutiu muito, o professor naquela época debateu muito, debateu muito
com a gente sobre essa parte aí.
149
Neide: E aqui, no ensino médio?
Sujeito 1: Não aqui, não teve nenhuma relação nessa parte, foi só as matérias mesmo, normal
no ensino médio.
Neide: Sobre a história do negro no Brasil, falou o que?
Sujeito 1: Não, nem tanto, para se dizer a verdade não. A gente entrou na matéria mesmo que
entra no ensino médio, a matéria mesmo, mas essa parte do afro-brasileiro, não. Então a gente
teve mesmo só no começo, no ensino fundamental em na escola da prefeitura.
Neide: Então, tentando lembrar dessas aulas que você teve lá, você lembra se nessas aulas
houve muita polêmica quando tratava temas como cultura, religiões afro-brasileiras?
Sujeito 1: Polêmica houve, porque quando se fala sobre nisso aí, sempre vai haver algum
debate, porque um puxa para um lado, outro puxa pro outro, houve vários debates, discussões.
Neide: Você lembra de algum caso?
Sujeito 1: Houve uma vez lá que o professor comentou principalmente sobre a religião, o
candomblé, então houve debate porque a maioria da classe era evangélica, entendeu? Na
realidade eu também sou, sou evangélico, só que eu defendia o outro lado. Houve o debate
porque eu defendia a parte histórica, então foi aí que eu levantei lá discuti e disse: olha nos
‘tamo discutindo aqui é história gente, não é religião que você segue. Aí o professor tentou
explicar alguma coisa, não terminou em nada, mas houve debate sim.
Neide: E você acha que tem preconceito racial no Brasil?
Sujeito 1: Tem. Tem.
Neide: Por que, fala um pouco.
Sujeito 1: Tem assim, por que na realidade o próprio pessoal de cor, ele mesmo se discrimina.
Neide: Ah... é ? Como assim?
Sujeito 1: Porque ele mesmo quer tá num certo patamar que ele acha que só porque uma
pessoa faltou de tal modo, você acha que a pessoa tá discriminando você. E as vezes não é, é
um gesto, um modo carinhoso de você chamar uma pessoa. A própria pessoa acha que a outra
esta sendo preconceituosa e muitas vezes não é? Ah, mas que há as pessoas que discriminam,
com certeza.
Neide: Você conhece alguém
Sujeito 1: Eu mesmo, já fui chamado várias vezes, principalmente na empresa: ”Olha aquele
negro, olha aquele negrinho”. Até eu ficava meio assim, pensava nem sou tão preto assim,
mas aí eu me senti discriminado.
Neide: E como você se sentiu? Como é essa sensação?
150
Sujeito 1: Olha é uma sensação ruim, uma sensação que doí, doí por dentro, é uma dor assim
que não dá pra descrever, não é como uma dor de cabeça, uma dor de dente. É uma dor
diferente, parece que doí na alma aquilo ali que você escuta na hora.
Neide: Te causou revolta?
Sujeito 1: Causa, causa. Eu me lembro até uma certa feita que eu ‘tava pescando, aí eu pedi
licença pra um senhor branco, que eu ia passar por detrás deles assim, pra mim ir pro outro
lado, aí foi na hora que ele disse pro outro que ‘tava no outro lado e falou assim: “É esses
negros, eu não sei o que eles pensa, eles acha que é dono do mundo, pô vai passar justamente
agora?” Aí, aquilo ali doeu, eu pensei, pô eu pedi licença, com educação. Daí eu abaixei a
cabeça passei por ele e fui embora..
Neide: Não houve outra reação?
Sujeito 1: No momento assim dessa agressão, você fica sem reação. Você não consegue
reagir, parece que toda a história vem na sua cabeça.
Neide: Como assim? Que história?
Sujeito 1: Volta o que eu já tinha lido, já tinha estudado, a escravidão. Porque eu já tinha
consciência, já era adolescente, já não era mais criança.
Neide: Interessante.
Sujeito 1: Mas aí, depois que passou uns instantes, que veio a minha reação. Eu comecei a
xingar ele, daí ele pegou umas pedras, eu peguei também na mão na beira da represa. Mas aí
veio na cabeça, deixa isso pra lá, no final das contas, você que vai tomar o prejuízo.
Neide: Por que você acha que você ia tomar o prejuízo?
Sujeito 1: Aí que entra a questão, uma: ele era um rapaz ali que tinha um sitio ali, eu era um
simplesmente, era morador do bairro vizinho. Pela posição dele, pela cor dele, nessa hora
quem você acha que seria o errado? Eu que era de um bairro ali vizinho, vamos dizer uma
periferia, pela minha cor, o que eu ‘tava fazendo ali? que era uma parte não que pertencia a
ele, mas ‘tava no fundo da propriedade dele. Então, o prejuízo seria todo meu, daí outro rapaz
interveio, levou ele. Mas ficou aquilo marcado, eu tinha 17 anos e não esqueci, hoje tenho 40
e como é que eu consigo lembrar desses detalhes(pausa), até do rosto dele.
Neide: E assim, e o no material didático: livro, revista, material que o professor trás para
escola, como você vê o negro representado?
Sujeito 1: Como escravo. Sempre como escravo.
Neide: Sempre como escravo? Você não vê o negro em outra posição, valorizando a cultura
do negro?
151
Sujeito 1: Não, de jeito nenhum, sempre como escravo. Ou quando não é um escravo daquele
do tempo dos coronéis é como um escravo da mão-de-obra do capitalismo.
Neide: Como é isso? Me explica?
Sujeito 1: Do capitalismo, porque na realidade o negro nunca tem uma chance de chegar num
alto nível, numa posição mais elevada, ele sempre vai ser empregado. A não ser uns aí quando
artistas tal, que consegue chegar, mas são poucos, a minoria, a maioria mesmo é empregado.
Neide: Bom, mas existe a Lei que diz que a cultura e história do negro deve ser valorizada na
sala de aula, na prática você acha que a lei esta sendo cumprida?
Sujeito 1: Não, não. Continua o mesmo, por exemplo, do tempo que eu parei de estudar e eu
voltei, a matéria pode ter mudado alguma coisinha, mas é pouco, é a mesmo coisa, não mudou
nada esses anos.
Neide: Uhm, é porque uma das minhas questões de pesquisa era justamente saber se a sua
visão sobre os negros na sociedade, tinha mudado depois que você estudar um pouco sobre a
história do negro no Brasil. Era saber se trazendo essa discussão para sala de aula, quando por
exemplo quando você falou lá no ensino fundamental, trazendo para a sala de aula a discussão
sobre religião, ou quando você fala: “o negro como escravo do capitalismo”, você esta
fazendo uma reflexão sobre o passado e o presente, você acha que toda essa sua reflexão, essa
sua visão de mundo, mudou você estudando sobre os negro ou não?
Sujeito 1: Mudou, mudou sim. Mas mudou nessa parte aí, porque sem o estudo quando eu
comecei, eu não raciocinava dessa forma. E com o estudo, a gente vem aprendendo, as coisas
que os professores vem trazendo, a gente começou a abrir mais a mente. Começou
compreender mais as coisas. Porque enquanto eu não estava em uma sala de aula, pra mim,
tanto faz como tanto fez, se o negro era discriminado, se era mal tratado, eu não tinha essa
visão. A visão era assim, a visão capitalista. A gente trabalhar, gastar seu dinheiro e o resto
que se exploda. Depois que a gente começou a estudar, abriu, a mente abriu. No ensino
fundamental, quando surgiu essa lei, da gente estudar a história do negro, abriu o pensamento
e hoje eu levo esse pensamento para os meus filhos. É um pensamento agora, que eu consigo
chegar em casa e debater com os meus filhos. E eu achei até estranho e interessante. Eu tenho
um menino, que tem 10 anos,
Neide: Uhm.
Sujeito 1: E a cor dele, pode se dizer que ele é branco, aí veio aquelas fichinhas do SARESP
e lá tem a parte lá, sobre a cor que você se define, ele colocou uma cor parda. Daí ei
perguntei, mas menino você é branco, porque você disse pardo? Dai ele não soube explicar
muito bem, mas ele disse: “mas eu sou de família parda, sou pardo”. E nesse dia, fiquei até
152
meio emocionado, deixei a folha lá, quando a mãe chegou do serviço, mostrei pra mãe,
porque ele não teve vergonha de dizer que ele é de uma família parda. E eu pardo que sou de
uma família negra, porque minha mãe é negra, minha mãe vamos dizer foi criada dentro de
fazenda. Ela tá com oitenta e cinco anos...
Neide: E você aprendeu sobre a cultura negra com ela?
Sujeito 1: Aprendi muito. E o meu pai é descendente de português é branco de olhos azuis, e
minha mãe é negra mesma.
Neide: Então você conviveu com as duas culturas?
Sujeito 1: Sim, com as duas. Tanto que minha mãe contava, muita coisa da parte da família
do meu pai, que no começo não aceitava ela, de jeito nenhum. Tanto que meu próprio pai, foi
expulso da fazenda, por conta do casamento. Eles eram do Rio de Janeiro, ele casou e veio
para São Paulo e aqui ele criou todos os filhos que teve.
Neide: E para você hoje, o que é ser negro no Brasil?
Sujeito 1: Olha pra mim hoje, ser negro no Brasil, é ter orgulho das origens que a gente
somos. Porque cada vez que eu olho para minha mãe, eu me sinto orgulhoso. Por quê? Porque
minha mãe, por tudo que ela já trabalhou, já sofreu, ela é uma pessoa que hoje, não abaixa a
cabeça. É uma pessoa que hoje, com a idade que ela tá...até minhas irmãs, os cunhados, as
cunhadas que entra na família, se espelha nela. E é uma mulher sofrida, como meu pai foi. É
uma pessoa que resiste e aconselha a gente a nunca abaixar a cabeça, né? Tanto que eu falei
pra ela: oh, tanto que a mãe pediu pra eu voltar a estudar, eu voltei. Ela me deu a maior força,
e falou assim: “nem que os seus estudos, pela idade que você tem, chegue a lhe dar um futuro
a qual eu desejei pra você, mas pelo menos você vai chegar lá no final e dizer que você
terminou uma coisa que você começou.” Orgulho de ser negro é não baixar a cabeça.
Neide: E existe algo mais que você gostaria e falar.
Sujeito 1: Não acho que é isso aí, a gente olha pra frente e vamos dizer assim e não se deixar
levar pelo que já passou e sim, tentar o melhor.
Neide: Oh, Ronaldo, obrigada pela sua entrevista, pelo seu tempo!!!
153
Sujeito número 2
Neide: Você fala poderia contar um pouco sobre sua história e o porquê procurou a Educação
de Adultos.
Sujeito 2: Então, no começo foi difícil eu retomar a vinda para a escola, não foi fácil. Porque
eu tinha meu filho, tinha não, tenho e não tinha quem ficasse com ele, então eu esperei ele dá
uma crescidinha pra mim poder tá voltando, e como eu tenho esse sonho meu de fazer
podologia, então é uma necessidade ter o segundo grau completo e eu não tinha. Pra mim
buscar ai a escola, foi esse aí meu objetivo, pra eu poder fazer podologia. É isso aí que eu
quero, vou ver se eu consigo, estou quase lá.
Neide: E assim, na sala de aula, principalmente nas aulas de história houve algum momento
que foi discutido a situação do negro no Brasil?
Sujeito 2: Teve várias discussões, a respeito da escravidão, como que o negro veio até aqui,
tudo, a gente falou bastante, mas só que é tanta coisa que eu confesso que não lembro não.
Neide: É verdade, mas quando foi discutido sobre o negro, além de falar da questão da
escravidão, de como eles chegaram aqui, do trabalho nas lavouras, foi falado sobre o negro
hoje na sociedade?
Sujeito 2: É assim, foi falado também, porque hoje (silêncio), é tanto que tem essa Lei aí
contra o racismo, né? Porque muita gente ainda tinha e acho que ainda tem, então a gente
prioriza um pouco aí.
Neide: Uhm. E quando chegou a ter alguma discussão em sala de aula, por exemplo para falar
sobre as religiões africanas, houve polêmica?
Sujeito 2: Acho que não, a gente ficou calmo. Bom eu acho, pode ter acontecido, porque as
vezes eu andei faltando algumas aulas, então...
Neide: Ah, entendi. E no caso, quando vocês discutiram a questão dos negros, qual a reação
da turma? A turma se sente incomodada?
Sujeito 2: Não. A sala fica aberta para tirar as dúvidas, a gente pergunta mesmo, porque acho
que quem ‘tava na pele não foi fácil naquela época, a gente diria como se fosse hoje, será
como seria, como o povo iria reagir. Mas a gente faz bastante perguntas e tem nossas
respostas, o professor responde muito bem, tira as dúvidas.
Neide: E você acha que ainda existe preconceito racial no Brasil? Por que você acha isso?
Sujeito 2: Tem com certeza. O mundo tá moderno, muito, principalmente hoje em dia até tem
muito casais de gays e lésbicas e até racial, mas assim, a questão de preconceito de cor, acho
que ainda existe, principalmente no trabalho, assim.
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Neide: E você já sentiu algum tipo de discriminação?
Sujeito 2: Não. Não. Graças a Deus não.
Neide: E conhece alguém que já foi discriminado?
Sujeito 2: Assim, já senti por conta do trabalho, assim colega, conheço. Eu não passei por
essa experiência e pretendo não passar.
Neide: Tá, mas como é que foi? Me conta...
Sujeito 2: A humilhação assim, fala assim: você tem que limpar! Limpa aí, porque a
obrigação é sua, então assim, a questão é meio tenebrosa, eu fico meio, sei lá.
Neide: você conhece alguém que é racista?
Sujeito 2: Não, não conheço.
Neide: E nos livros, revista, material didático que vocês trabalham na sala de aula. Como que
é o negro é representado?
Sujeito 2: Ah, o negro é representado como daquele tempo ainda lá trás, como negro mesmo
né? O pessoal vê isso, já ....
Neide: É representado de uma maneira negativa ou positiva?
Sujeito 2: Não é negativa, mas também não é positiva. É que o pessoal olha para o negro e
pensa que todo negro é igual. Assim já vi caso na televisão, não se hoje esta acontecendo, mas
por causa da pessoa tá mal vestida, as vezes porque ela é uma cor parda, a pessoa acaba
discriminando, acha que todo negro é vagabundo, todo negro é safado, então acaba que existe
essa parte, assim ainda.
Neide: E na escola, você percebe isso?
Sujeito 2: Não. Aqui não, nunca percebi não.
Neide: Nem mesmo com as outras classes?
Sujeito 2: Não, a gente brinca, tanto é que na nossa sala tem um negro lá o Ary, de boa. O
prof. comenta, conversa bastante, nada contra porque o que a gente discute lá na sala, não é
se referindo a ele e sim a questão do negro, em geral, aí é de boa.
Neide: Ah, entendi. E você acha que estudar a questão do negro na sala de aula mudou sua
visão sobre o negro?
Sujeito 2: Mudou sim, porque assim, a história que eu conheço do negro é o que, tipo e da
princesa Isabel que assinou aquela lei, tal que ela assim geral. Ai eu fico imaginando, se hoje
não tivesse libertado os escravos, eu com certeza seria uma, escrava, porque olha minha cor é
morena. Então eu fico imaginando, ter que fazer tudo aquilo que a gente não quer. A gente
hoje toma as nossas decisões, antigamente não. A gente tinha que obedecer.
Neide: O que você acha que é ser negro hoje no Brasil?
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Sujeito 2: Negro?
Neide: É negro, preto, pardo...
Sujeito 2: Hoje, como eu vou te responder... Acho que é normal, faz parte da sociedade, todo
mundo junto. Não sei como te responder.
Neide: Você acha que o negro ainda sofre preconceito e é vitima de opressão?
Sujeito 2: Não, no meu ponto de vista não. Cada um tem uma maneira de enxergar ao seu
redor, né?
Neide: E tem alguma coisa que você gostaria de complementar, de falar sobre essa questão da
historia afro-brasileira que você estuda na EJA?
Sujeito 2: Não, acho que não. Sabe que eu nem lembro.
Neide: Você lembra de alguma polêmica que houve na sala?
Sujeito 2: Não foi, bem tranquilo. Porque hoje a gente discuti mais as coisas recentes, é tanta
coisa barbara que esta acontecendo, não que a gente não estude aquela parte, mas a gente pega
mais os fatos que acontecem no dia-dia.
Neide: E vocês tem livros na EJA?
Sujeito 2: Não a EJA não tem direito.
Neide: É só que passa na lousa, mesmo? Ou o professor traz outros materiais?
Sujeito 2: Traz..
Neide: E já chegou trazer algum material que fale sobre o preconceito racial?
Sujeito 2: Não, ainda não. E que o tempo é curto, então eles passa só essencial. São duas
aulas por semana, as vezes ela programa alguma coisa, mas não dá tempo.
Neide: Você gostaria de complementar, dizer alguma coisa...
Sujeito 2: Não, nem sei o que falar. Só achei legal você ter me escolhido, é a primeira vez
que dou uma entrevista, gostei muito.
Neide: Eu que agradeço a sua atenção e certamente a sua entrevista será muito importante
nessa pesquisa. Muito obrigada!!!
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Sujeito número 3
Neide: A primeira pergunta que eu gostaria de fazer, é pedir para você contar um pouco da
sua história, falar porque você voltou estudar na Educação de Adultos?
Sujeito 3: De mim?
Neide: É de você.
Sujeito 3: Voltei estudar porque vamos supor, eu estava procurando serviço, não conseguia
por não ter o ensino médio, porque hoje dia todos tem que ter, você tem que ter no mínimo o
ensino médio, né?
Neide: É verdade.
Sujeito 3: E aí, eu, as vezes alguém arruma alguma coisa pra mim... “Você tem ensino
médio?” Não. “Você tem ensino médio?” Não. Primeiro eu só tinha feito, porque na verdade
eu engravidei com 18 anos, né? Aí eu parei de estudar e, ai minha mãe falou uma coisa que
nunca, jamais ,um dia eu vou esquecer na minha vida...que um dia eu ia me arrepender, daí eu
virei para ela e disse: eu jamais eu ia me arrepender! E ela falou isso pra mim, e foi uma coisa
que ficou gravada na minha cabeça assim, pelo resto da vida.
Neide: Uhm...
Sujeito 3: E só agora, o ano passado que isso parece que clareou muito na minha cabeça,
porque eu tinha arrumado um serviço, algumas coisas pra fazer, mas não pude porque não
tinha ensino médio. E aí eu falei pra minha mãe: ah, mãe a Sra. falou pra mim, eu disse que
jamais ia me arrepender, mas me arrependi sim. Aí, eu parei de estudar. Ai no ano de... eu
fiquei acho que uns quinze anos sem estudar, acho que foram quinze anos, não lembro assim
direito. No ano de 99, eu resolvi voltar a estudar, porque eu tinha parado quando eu
engravidei, eu tinha parado na sétima série. Na verdade eu tinha começado várias vezes a
sétima séria e nunca que terminava. Entrava na escola ficava tipo um mês e parava de estudar,
daí quando engravidei foi a cota, parei de vez mesmo.
Ai, acho que em 99 mesmo, voltei a estudar lá na escola em frente a minha casa, voltei
estudar e ai fiz a sétima e oitava série do ensino fundamental, concluí o ensino fundamental.
Ai, tá, achei que ‘tava bom, né? Ensino fundamental, pelo menos isso, eu tinha. Aí foi quando
eu fui pra essa escola do Buracão, eu não lembro mais o nome dela, de lá eles me mandaram
para aquela outra escola, só que é muito longe da minha casa, bem mais longe do que aqui.
Neide: Certo...
Sujeito 3: Aí eu fui contra meu marido, meu marido não queria que eu voltasse a estudar. De
jeito nenhum...ainda quando tava perto de casa, foi fácil, né? Porque era praticamente em
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frente ao meu prédio, que eu morava. Ai eu fui, eu fiquei acho que dois meses só, por quê? Eu
já entrei já no meio do ano, aí já tinha um pessoal que ia todo mundo junto, de carro, coisa e
outra. E foi eu e uma amiga minha, a gente começou a ir, a gente saía da de casa cedo menina,
ia a pé, tudo correndo. Aí ela falou: “ah Debora, eu não vou aguentar, eu vou pedir pro meu
marido vim me buscar”. Ai eu falei pra ela: ah, não, não faz isso, porque se você pedir, como
é que eu vou vim? E ele tinha moto. Ai ela falou pra mim assim: Ah, você vem junto”. Eu
falei: como vai vim nos duas na moto, né? Ela falou, a gente dá um jeito...a gente vem.
Neide: Uhm, Uhm...
Sujeito 3: A primeira vez em vim. Meu marido quase deu ne mim, porque eu falei pra ele que
eu vim de moto, porque eu falei, não vou mentir, né? Eu falei pra ele: eu vim de moto. Ele
disse: “de moto com quem”? Eu falei: com a minha colega, tudo, o marido dela. Ele falou um
monte. E ele com carro dentro de casa, eu pedia para ele me buscar na escola e ele dizia que
não ia enfiar o carro dele naquele buraco. Tudo bem...aí nisso, eu continuei mais um mês
ainda, sabe? De vez em quando ela vinha comigo, às vezes não, aí às vezes ela vinha de moto
e eu vinha junto, mas aí eu nem falava pra ele que eu tinha vindo de moto, pra que? Pra ele
ficar brigando. Mas aí acabei desistindo, eu falei: não, não vou vim mais, porque não dá certo,
né, às vezes ela saia em outro horário, a gente não ‘tava na mesma sala, né? Enfim, aquela
confusão, parei de estudar.
Ai fiquei de 2000 até agora no ano de 2011, foi... Porque eu ‘tava procurando serviço, dai os
meus filhos já ‘tava tudo grande, porque na época, minha filha era bebê ainda, ela tinha um
ano e pouco, ela mamava no peito, eu deixava ela, tudo e, ele acha ruim, aquela confusão toda
de marido ciumento,
Ai eu peguei e falei não, minto.. eu vim aqui na escola (cidade Tiradentes) uma colega minha
me chamou pra mim vim fazer...preencher ficha, trabalhar na escola, mas era tipo terceirizada,
sabe?
Neide: Sei, sei.
Sujeito 3: Dai ela falou: “Debora, você não quer ir na escola fazer, você não quer ir lá? Só
que hoje é o último dia. O que você tá fazendo?” eu falei: ‘to’ limpando minha casa. E ela
falou: você não quer ir lá? Eu vou com você. Aí, eu peguei e falei, eu vou então, o que
precisa? Ela falou: “precisa, disso, disso”.
Aí em vim na escola, ela veio comigo. Quando eu cheguei aqui na escola, ‘tava o papel do
EJA, só que eu também já tinha estudado aqui, se sabia? Acho que foi em 97 eu comecei a
fazer aquela tele sala que tinha aqui.
Neide: Ah, é ?
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Sujeito 3: Parece que teve, foi depois que eu já tinha feito lá no Buracão...acho que foi em 97
ou 2007. Aí eu vim, com a minha vizinha, fizemos, meu marido veio junto, mas veio uma
semana só, parou. Eu ainda, fiquei, acho que uns dois, três meses, porque eu ainda cheguei a
fazer duas provas. Eu só vinha pra gente fazer as provas e ia embora, só que eu ficava aqui,
porque eu tenho muita dificuldade de gravar as coisas, sabe? Então, eu prefiro tá lá, vendo o
professor explicar e já fazer. Mas aí também parei, porque eu comecei a trabalhar e ai não
dava tempo. Eu tinha pulado essa parte rs...
Bom, ai tá. Aí, esse dia que eu vim, no ano passado, no mês de julho fazer a inscrição, eu vi
que era o último dia pra deixar o nome no EJA. Menina, parece que me deu um estalo assim,
eu falei, não, eu vou fazer minha matricula, eu nem falei com o marido, mas ele estava lá fora.
Aí eu perguntei moça: o que que precisa? Ela falou: “do seu CPF, identidade, tirar xerox”.
Fui ali fora, tirei xerox, já deixei meu nome e tudo. Aí a moça falou assim: “oh, tal dia você
vem aqui, pra saber se o seu nome saio na lista, porque você tá lista de espera, tem muita
gente”. Eu peguei e falei, tá bom...
Neide: Entendo.
Sujeito 3: Ah filha, no dia certo eu ‘tava ansiosa, né? Ai pensei, acho que eu vou, agora eu
vou voltar a estudar, porque eu precisava e eu já tinha procurado por aqui e não tinha, não
tinha vaga em lugar nenhum, sabe quando você já esta assim...desanimada?
Neide: Sei.
Sujeito 3: Aí eu vim no dia, meu nome ‘tava lá. Eu decidi. Daí todo mundo falou: “Você vai
voltar a estudar?” Vou dessa vez eu não vou parar (choro...), fico até emocionada.
Porque foi assim, ele não queria, né? Como eu te falei, e a gente passa por uma favela que tem
aqui embaixo, que é o caminho mais próximo, eu não tinha dinheiro de condução, né? Eu
falei, eu vou por aqui, isso a noite, 11 horas da noite, filha fui. Já teve dia de eu ir embora na
chuva, cheguei em casa toda molhada ele em casa com carro na porta, não teve coragem de
vir me buscar. Mas eu falei, não vai ser isso que vai me desanimar! Falei, não vou parar!
Dessa vez eu não vou dar esse gosto pra ele, sabe? Por que eu falei, é muita humilhação.
Porque era assim, às vezes a gente quer que a pessoa, pelo menos os de casa te dê uma força,
mas nem isso ele não dava. Sabe? Todo mundo me elogiava, ah Debora que legal você voltou
a estudar, tal. Agora ele, ele nem perguntava nada pra mim, eu chegava em casa assim, sabe
eu ficava chateada com ele, mas enfim, eu peguei, falei assim, não vai ser ele que vai me
derrubar desta vez, eu ‘to’ decidida, pois eu vim embora na chuva, atravessei essa favela
sozinha, eu e meus deuses, eu pensei, eu vou embora, filha eu cheguei na minha casa, eu acho
que em dez minutos, eu cheguei no setor G, fui a milhão, a milhão e chorando, porque eu sou
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muito chorona, eu falei, não eu vou embora. Esses dias é que ele ficou sabendo desse
episódio, porque eu passei, eu ‘tava até com ele, eu comentei com ele. ‘Tava, eu, ele e minha
mãe, que eu vim trazer ela no terminal, eu falei pra ela: olha eu já passei aqui sozinha nessa
favela, eu tive todas as aulas nesse dia. Minha mãe falou assim: “você é louca”, eu falei: não,
eu determinei que eu ia e, eu vou conseguir, aí passou.
Um dia, que eu sou muito calma, sabe? Mas sabe um dia, quando você esta assim, super
nervosa, eu abri o verbo, sabe? Eu pensei assim, eu vou falar e disse: aqui em casa ninguém
me dá valor, ninguém pergunta como é que foi meu dia, ninguém pergunta como é que foi a
minha aula, se eu fiz isso, ou fiz aquilo. Todo mundo fala que os marido incentiva, conversa
tudo e aqui em casa, você nunca perguntou pra mim: como é que foi seu dia hoje? Como é
que você tá? Você nunca me elogiou, você nunca me deu os parabéns, porque eu voltei a
estudar depois de muitos anos. Vocês são umas pessoas muito ingrata, mas não é por causa de
vocês que eu vou parar. E eu vou terminar! E se eu tiver condições, ainda vou fazer uma
faculdade.
Neide: Nossa!
Sujeito 3: Aí, ele viu que eu ‘tava assim, bem nervosa, que eu chorei muito, aí minha filha
falou assim: “ah, mãe não é assim”. É assim, sim, vocês não dão valor. Eu parei de estudar, eu
sei que foi um erro meu, porque como agora eu voltei, eu podia ter voltado logo que eu tive
meu filho, mas não, mas praticamente por causa de vocês, minha vida parou por causa de
vocês, porque eu quis criar vocês primeiro, eu sou da época passada ainda, mas agora não,
mudei. Agora o século é nosso, o século XXI, é nosso!! Só sei que eu falei um monte de
coisa.
Neide: Tá certa!
Sujeito 3: Filha, só sei que um dia eu ‘to’ saindo daqui da escola, quem tá me esperando na
porta da escola de carro? Meu marido, sem eu pedir, ele veio depois... e começou a vir. Só
não tá vindo agora, porque eu tenho bilhete, eu ‘tava’ trabalhando e ele veio me buscar.
Porque eu determinei, eu vou concluir o meu ensino médio e não pedir mais nada! Coisa de
muitos anos que eu tinha parado. E eu vou te falar uma coisa: ele não tá me incentivando fazer
faculdade não. Ele fala assim: “pra quê? Você já esta com 40 e poucos anos.. Eu falei pra ele
assim: olha se eu quiser fazer, eu vou fazer e não vai ser por você que eu não vou concluir,
seu eu achar que eu devo fazer, eu vou! Mas eu ‘to’ pensando em fazer uns cursos técnicos
primeiro, tem a escola Makiguti que tem curso, no lado do hospital. Esse ano não, mas ano
que vem, já vou começar com o pé direito. E se eu tiver um serviço, um trabalho que eu possa
pagar uma faculdade, eu vou.
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Neide: Agora deixa eu pergunta, nas aula que você teve na EJA, houve discussões sobre a
situação do negro no Brasil e na África?
Sujeito 3: Teve, o Jean conversa muito com nós, aquele que ‘tava lá. Até o professor de
história conversa também, já falou bastante coisa, é conversado sim.
Neide: E você pode descrever alguma aula que você lembra, algum tema que foi discutido.
Sujeito 3: Ah, deixa eu ver. Nós vamos até apresentar um trabalho depois dessa aula agora,
com o Jean, e tem um grupo que vai apresentar um trabalho sobre os negros. Uma coisa,
assim. Não é o meu grupo, meu grupo tem outro tema, mas vai falar sim. E que na verdade,
também eu tenho dificuldade de lembrar das coisas, assim...mas o Jean sempre conversa com
nós na sala de aula, sempre coloca alguma coisa, até a professora de filosofia.
Neide: E de história?
Sujeito 3: De história também, o professor...como é o nome dele? Ele acabou de sair da sala,
deu um branco agora.
Neide: Tá, e você lembra de alguma aula que teve polêmica por discutir a historia ou cultura
negra, por exemplo, ao discutir as religiões de matriz africana, exemplo Candomblé, ou
quando falou sobre capoeira.
Sujeito 3: Não, da cultura africana assim não, teve quando uma moça falou lá e ela é
evangélica, sabe? Aí houve meio que uma discórdia, aí depois pararam, porque a gente não
pode discutir religião, né? Eu pelo menos, não discuto com ninguém, é até difícil eu falar para
as pessoas que eu sou budista, as vezes eu falo se a pessoa pergunta, mas não fico discutindo.
Eu acho assim, se você esta bem na sua, ótimo! Eu estou muito bem na minha, me sinto muito
bem, as vezes sei lá, eu acho que o modo de pensar de analisar as coisas é diferente. Cada um
tem o seu ponto de vista.
Neide: Então, quando teve esta discussão na sala de aula...
Sujeito 3: É que ela falou não lembro assim, que ela falou que ela era evangélica, daí alguém
falou dos pastores, ah, agora lembrei. Foi daquela época daqueles pastores que ‘tavam
roubando.
Neide: E na sua opinião, você acha que existe preconceito racial no Brasil?
Sujeito 3: Ah, existe. Existe muito.
Neide: Por que? Fala um pouquinho.
Sujeito 3: Ah, porque eles acha que a gente não é capaz. Só pela cor, eles acha que a gente
não somos capazes, porque as vezes tudo que fazem dizem: “tinha que ser preto” e não é por
aí, não é a cor que vai dizer, o que é a gente é ou vai deixar de ser, entendeu? A gente vê
assim, tem muitos brancos fazendo coisas erradas e as pessoas não julga.
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Neide: E você já sofreu preconceito racial?
Sujeito 3: Diretamente assim não, mas aconteceu um fato comigo. Mês passado, não
retrasado, eu ‘tava na Besni com a minha mãe, com a minha irmã e com o meu sobrinho e,
nós estávamos esperando para fazer o cartão (pausa)
Neide: Uhm.
Sujeito 3: E nós ‘tavamos com outras sacolas, aí eu sentei ali na parte dos sapatos e ficamos
esperando e, o rapaz, logo que ele me viu, ficou ali, vigiando. E nós ficamos muito tempo ali
esperando, uma que a loja ‘tava cheia e até esperar fazer o carão, a moça falou que ia demorar
de 15 a 20 minutos e ele ficou o tempo todo ali. E olhava muito pra mim. Aí eu falei pra
minha mãe, olha ela tá achando que a gente vai roubar, mas estou tranquila, eu ‘to’ na minha e
não vou sair daqui, não ‘to’ fazendo nada de errado, você entendeu?
Neide: Entendi.
Sujeito 3: Ai, depois ele veio perguntar, se eu ‘tava precisando de alguma coisa. E eu peguei
e falei para ele não, eu só ‘to’ esperando a moça me anunciar, porque eu ‘to’ esperando o
cartão que eu acabei de fazer o cartão, ela falou pra eu esperar e eu não fui esperar lá fora, ‘to’
esperando aqui dentro. Posso? Ele falou: não, não, fica a vontade. E continuou ali, me
olhando.
Neide: Isso te incomodou?
Sujeito 3: Me incomodou, porque as vezes você chega numa loja, já vem em cima de você,
achando que você vai roubar, mas eu tiro de letra. Eu chego olho, vejo que vou comprar,
compro, se não saio. Mas que a gente sofre, sofre. E tem muito.
Neide: Entendo. E no livro didático, no material que vocês usam em sala de aula, apostila,
como você vê o negro representado nesse material?
Sujeito 3: Como?
Neide: É quando é contada a história do negro, como ele é mostrado?
Sujeito 3: Tipo se mostra com preconceito?
Neide: É, por exemplo.
Sujeito 3: Não, acho que não.
Neide: E estudar a história e a cultura do negro na EJA, mudou a sua visão com relação a
situação do negro no Brasil, hoje?
Sujeito 3: Ah, sim, bastante.
Neide: E conta um pouquinho. Em que mudou?
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Sujeito 3: Ah, como eu vou explicar.. uma coisa que eu senti assim, ‘tava até esquecendo de
falar. É que o meu marido é branco, filho de italiano com portuguesa, nascida lá, em Portugal
mesmo.
Neide: Hã.
Sujeito 3: E ela não queria quando eu comecei a namorar com ele, eu ‘to’ com ele, meu
marido, a 25 anos, meu filho mais velho já tem 23 anos, tenho um com 17 e uma menina de
14.
Neide: São três.
Sujeito 3: É são três e na época ela não queria, mas assim, ela não queria, mas não tinha
motivo nenhum. O único motivo que ela não queria era por causa da cor. E ela não tinha
motivo, a gente cresceu junto, eu conheço meu marido desde que tenho 10 anos e ele tinha 11,
ela me viu crescer e não tinha motivo, sabe?
Neide: Sei.
Sujeito 3: Mas o problema era mesmo a cor. Porque um dia ela falou assim: “o que os meus
irmãos irão dizer?” Aí nós falamos: não vai dizer nada, porque o que vai diferenciar? Quer
dizer vai diferenciar a cor, mas não dizer que eu sou menos do que ela, se entendeu?
Neide: Entendi, sim.
Sujeito 3: A minha mãe falou: você que escolheu seu marido, foi a pessoa que você escolheu.
Neide: Mas voltar a estudar mudou alguma coisa referente a sua negritude?
Sujeito 3: Também, porque às vezes a gente fica meio assim, achando que vamos supor, não
que seja diferente, não sei explicar. Às vezes, as pessoas me tratavam diferente. Que nem
meus filhos, são todos “amarelos” e minha filha foi prestar ETEC e ela disse que não colocou
que era afrodescendente, que colocou que era parda, mas que quando pediu para especificar se
ela se considera afrodescendente ela não colocou. Ela disse que não sabia.
Neide: E para você, o que é ser negro no Brasil, hoje?
Sujeito 3: O que é ser negro no Brasil hoje? Ah, eu acho que é uma libertação, uma conquista
muito grande.
Neide: Por que?
Sujeito 3: Porque aos pouco, não é muito, a gente tá tendo mais espaço, mais espaço, porque
antigamente era difícil você ver um médico negro, um juiz negro, que nem esse que ‘ta ‘í no
mensalão acabando com esse povo. Até minha mãe falou, “nossa é muito bom isso”. E o
negão ‘t’ ali, botando pra quebrar, botando tudo os brancos pra correr. Ele deve ‘tá assim,
muito vitorioso, acho que é uma conquista muito grande, é ele que ali e ele tá limpando.
Porque falam que só quem faz sujeira é negro, que só os negros que fazem isso ou fazem
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aquilo. Só que ele tem que tomar cuidado também, porque vai ter muita perseguição. È uma
coisa que ele não vai ter um sossego, mas por dentro, deve ser uma conquista muito grande.
Neide: Legal e, tem mais alguma coisa que você gostaria de dizer, de acrescentar na nossa
pesquisa?
Sujeito 3: Não é só isso.
Neide: Muito obrigada!
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Sujeito número 4
Neide: Gostaria que você contasse um pouquinho a sua história, por que você voltou a estudar
na Educação de Adultos, falar um sobre você.
Sujeito 4: Assim, eu ‘tava cursando, né? Há nove anos atrás, ‘tava cursando supletivo
também, só que minha filha mais velha nasceu a Tainá, devido a isso, a minha mulher ficava
muito sozinha com ela, eu trabalhava o dia inteiro e ainda estudava a noite, ela ficava muito
sozinha com a menina, dai resolvi parar de estudar um tempo para ajudar cuidar da minha
filha, né? E agora voltei novamente estudar porque, agora a empresa em que eu estou
trabalhando, né...ela exigiu que todos os funcionários tenham o segundo grau completo.
Então, ‘to’ aproveitando isso tudo também pra investir um pouco mais em mim, fazer curso,
essas coisas, porque hoje em dia, o mercado exige pelo menos o segundo grau completo, né?
Neide: Hã, entendi.
Sujeito 4: É isso, não tem muito o que contar.
Neide: Tá certo, e você pode descrever alguma aula que teve na Educação de Adultos que
vocês discutiram sobre a história do negro, tanto no Brasil como na África?
Sujeito 4: Estudou em história, lá, estamos estudando esse assunto, sobre a presidência na
África e também brasileira e eu gosto muito, a gente debate muito e é isso. Tem que entrar em
detalhes?
Neide: É conta um pouco de detalhes, você lembra de alguma aula, algum tema especifico
que te chamou atenção?
Sujeito 4: A gente sempre debate muito, sobre escravidão no caso, também serviço, trabalho
escravo.
Neide: Trabalho escravo hoje?
Sujeito 4: É hoje, tem enrustido no caso, mas existe. E é isso, não muito o que falar. Eu sou
rápido...
Neide: E você lembra se na sala de aula, em algum momento houve polêmica quando falou
sobre cultura afro? Por exemplo, religiões de matriz africana, como candomblé, quimbanda?
Ou quando falou sobre a cultura afro especificamente.
Sujeito 4: Não, não. Não me recordo disso, porque muitos se envolvem, né? Nesse debate
sobre a África e tal, mas não me recordo de haver debate mais tenso, porque a gente tá num
país eclético, né?
Neide: É...E então nunca houve, maiores discussões?
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Sujeito 4: Não porque eu sou evangélico também, mas não discuto, porque eu sei que ‘tamo’
num país eclético, que existe várias religiões, várias seitas também. Creio que todos aqui
sabem, então não tem o que discutir sobre Candomblé, Macumba, até porque a maioria da
cultura afro, tá na Bahia, no caso, né?
Neide: Então você acha que na Bahia preserva muito mais?
Sujeito 4: Ah, sim, isso é evidente.
Neide: E na sua opinião, tem preconceito racial no Brasil?
Sujeito 4: Há, há (riso irônico). Com certeza, né? Porque até hoje a gente sofre preconceito,
eu por exemplo, sofro preconceito. Por exemplo, uma vez, eu estava dentro do ônibus, não se
você conhece o mercado Negreiros?
Neide: Conheço, sim. Um mercado grande...
Sujeito 4: Eu estava dentro do ônibus, à polícia, a rota parou o ônibus, acho que ‘tava atrás e
de foragidos e mandou todos os homens descer e as mulheres ficaram dentro do ônibus e
nesse caso, pelo o que eu recordo, eu era o único negro dentro do ônibus eu ‘tava’ saindo do
meu serviço, eu ‘tava’ trabalhando
Neide: Hum...
Sujeito 4: Mas eu estava saindo do meu serviço, ‘tava indo, voltando pra minha casa e o
policial, os policiais parou em mim, começaram a me revistar, pegaram o meu RG, eu sei que
o último a subir no ônibus, fui eu. Por quê? Porque me seguraram lá, pensando que eu tinha
passagem pela polícia, que eu era foragido, tal. Ah, preconceito, né porque, acho que devido
ao índice de criminalidade é nós pessoas de cores que, que, que...comete crime, né? Acho que
por isso, há uma certa pressão, um certo preconceito, pra nós negros, no caso.
Neide: Uhm, entendi. E além desse episódio, terrível, né? Você lembra de mais algum outro,
no local de trabalho ou outro local?
Sujeito 4: No serviço, não. Mas assim, uma vez, eu e meu amigo estávamos passando lá no
largo do Paissandu, perto do Arouche, ali um lugar que tem prostituta, cafetão, um monte de
coisa errada, eu e meu colega ‘tava indo na galeria, comprar roupa, né? Aí, a mesma coisa,
uma pá gente ali e a polícia parou só eu e meu amigo, sendo que tinha uma pá de cara mau
encarado lá e pararam a gente, revistou, perguntou o que eu tinha dentro da sacola que eu
‘tava levando, falei que era presente para uma amiga minha que era aniversário dela
e...realmente, eles puxaram o meu RG, viram novamente, perguntaram se eu tinha passagem,
tal e é isso, é aquela coisa, né? Parece que nós negros, somos mais afetados, no caso, com esse
tipo de preconceito.
Neide: E como você se sentiu nessas ocasiões?
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Sujeito 4: Olha, gostar, ninguém gosta, porque tipo... eu devido ser.. sei lá, eu trabalho desde
os meus 11 anos de idade, não é legal ser parado pela policia, ser praticamente humilhado,
porque as pessoas passa na rua fica olhando pra você e, você tem que por a mão para trás,
obedecer o que eles falam, como se você fosse um meliante ali. O que você não é, é
frustrante, né?
Neide: E nos livros, apostilas, no material que vocês trabalham em sala, como você vê o
negro representado?
Sujeito 4: Chicotado.
Neide: Como?
Sujeito 4: Chicotado, como escravo, no caso. Lógico hoje tá mudando, isso né? Mas ainda há
muito preconceito. Por exemplo, um colega meu, apresentou um trabalho com slide,
mostrando que negro, aquela história. Negro como escravo, trazido da África nos barcos
negreiros, tipo burro de carga, trabalho forçado. Eu realmente não gosto de ver isso, eu acho
que atinge muito a nossa, a minha, o meu povo, nós negros, porque sempre fomos muito
explorados e não ganhamos nada, até hoje os negros são explorados.
Neide: Você acha que ainda hoje, os negros são explorados?
Sujeito 4: Olha, alguns sim. Muitos que não tem cultura, discernimento para dizer não, sabe?
É poucos conhecimentos é explorado, não tem voz ativa para falar com seu superior, tem
medo de perder o emprego.
Neide: E você acha que o fato de você que o fato de você ter voltado a estudar, de vocês
estudarem e debaterem sobre a situação negro, isso mudou a visão com relação ao negro?
Sujeito 4: Sim, mudou um pouco porque, eu não gosto, já falei quando cita negro escravo
essas coisas, mas hoje em dia, dá para perceber que há uma diferença.
Neide: Como assim, uma diferença?
Sujeito 4: no caso o ensino, tá sendo mudado. Porque negro ajudou a formar o Brasil e outros
países também. Eu, tenho orgulho de ser negro.
Neide: E para você o que é ser negro no Brasil, hoje?
Sujeito 4: Hoje, ser negro no Brasil, falta palavras. É luta, conquista, sofrimento, porque nada
pro negro é fácil, lógico para ninguém, mas acho que para o negro é um pouco mais difícil as
coisas.
Neide: Por quê?
Sujeito 4: Porque, como eu falei, tem o preconceito, né? Por exemplo, o negro pode ter um
currículo exemplar, o branco não, lógico é uma suposição, né?
Neide: Claro.
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Sujeito 4: Mas você não sabe se aquele futuro contratante, empregador vai olhar para o seu
currículo ou para sua pessoa, negro no caso. Acho que a valorização vai ser mais para o
branco. Por isso, eu falo, ser negro hoje em dia é luta, é difícil as conquistas, mas consegue!
Neide: E tem mais alguma coisa que você gostaria de falar, de acrescentar na nossa pesquisa?
Sujeito 4: Não, apesar de tímido, adorei fazer a pesquisa!
Neide: Pronto, nem foi tão difícil rs... Obrigada pela sua participação!!!!
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