Universidade de Uberaba
Disciplina de Legislação e Ética em Jornalismo
Professora Cíntia Cerqueira Cunha
Aluna: Jessica de Paula RA: 5111150
Resenha crítica do livro
“O direito à ternura”
Luís Carlos Restrepo Ramirez
Escritor, psiquiatra e mestre em filosofia - Colômbia
Restrepo abre o livro citando a forma como a sociedade atual versa e opina
naturalmente sobre os direitos sociais de domínio público em detrimento dos direitos
íntimos do indivíduo, como se o íntimo fosse condenável e enumera, entre esses
direitos, a ternura.
Não que o direito à ternura deva figurar em códigos legais; uma vez imposto
legalmente, pode esvaziar-se de seu sentido e finalidade, tornando-se letra morta.
Sugere sim que se volte à educação para o campo da sensibilidade. Assim, não
seria necessária a imposição legal de preservar e respeitar o outro, pois que isso
seria natural, compondo o ético e não o jurídico.
Ao separar o público do privado, exacerba-se o primeiro, fixando-o enquanto
delega-se ao segundo as coxias do cotidiano, como que se o governo
estrategicamente assim fizesse, tornando o íntimo algo banal e desprovido de
importância, algo quase vergonhoso, que não deve ser exposto, respeitado e
heresia das heresias, reinvidicado.
O autor aborda um fato interessante no campo político; o de que o direito não
deve ser entendido como uma benesse governamental e sim como um instrumento
de convivência. Valoriza-se assim o indivíduo para manter a ordem social.
Ao citar “os espaços onde abundam as violências sem sangue”, ele aborda o
abuso do poder, mesmo que ilegítimo que causa feridas invisíveis, levando o autor a
concluir que, ao se anular os direitos íntimos, como a ternura, por mais que se
privilegie os direitos públicos, o indivíduo não consegue exercê-lo na primeira célula
social que lhe cabe, o lar. Assim, o respeito ao direito público torna-se apenas um
simulacro, algo feito para “inglês ver”.
A sociedade contemporânea ainda está presa a um modelo secular de
estrutura familiar, onde o homem, provedor, protetor e concomitantemente executor
de violências físicas e morais, é socialmente proibido de ser terno; ternura e
delicadeza seriam então, atributos tipicamente femininos ou infantis e dariam ao
homem que a exercesse esse ar afeminado e por que não, infantiloide. Esse modelo
imposto como verdade indiscutível, tem sido abalado tanto pela subversão feminina,
que exige seu direito à força e que, por ser humana e por isso passível de vícios e
defeitos, também se apresenta violenta. Também a ternura infantil se mostra
discutível, diante da constatação do bullying e de outras manifestações de crueldade
pueril. A ternura deve ser entendida como direito universal, sem condicionais de
gênero ou idade.
Restrepo apenas textualiza um fenômeno da sociedade contemporânea, onde
os papéis não são tão rigidamente definidos e que tentar segui-los por vezes causa
torturas íntimas que afetam não só quem se sujeita, mas também o seu redor.
Contestada a ideia de gênero, o autor ataca as metodologias de ensino
acadêmico onde desde a infância adestra-se quase militarmente o discente,
impondo um saber frio e sistemático, onde não cabem sentimentos. O outro só tem
utilidade se desprovido de tudo o que o caracteriza como ser vivente; anula-se então
o cuidado em prol do conhecimento.
Vencer essas barreiras acadêmicas e de gênero e colocar a linguagem terna
como algo não só natural, mas ensinável, se mostra como um caminho possível
para todos mas, principalmente para o universo masculino onde as barreiras
impostas à ternura já apresentam rachaduras, frestas, mas ainda insuficientes para
fazê-las ruir de vez.
Restrepo em O direito à Ternura nos remete à obra de Aldous Huxley,
Admirável Mundo Novo que retrata a ideia moderna de que no futuro (ou seja, nos
dias de hoje, já que o livro foi escrito em 1932) o homem seria um ser desprovido de
sentimentos, um robô de carne e ossos com inteligência artificial e moldável. Essa
projeção do homem robotizado tem caído por terra, dissipada pela constatação de
que a capacidade humana de emocionar-se é das mais poderosas forças motrizes
da sociedade.
O autor, porém, constata que apesar da informação acima estar clara (ou
seja, de que a ternura movimenta o mundo), o homem ocidental tem ainda
dificuldade em não só aceitar, mas também exercitar o emocional, enternecer-se. O
saber acadêmico engessado, frio e indubitavelmente racional reduziu o homem a um
patético quadro de semianalfabetismo afetivo. Sabe-se o porquê lógico das coisas,
suas razões e, no entanto, todo saber torna-se nulo ao adentrar o campo do afetivo.
A pertinência da comparação entre a ideologia de autossuficiência que
endurece e esfria as relações humanas e a conduta do guerreiro esbarram num
deslize do autor. Ao citar o deus hindu Indra como exemplo de autossuficiência e
independência emocional, Restrepo ignora por completo que Indra e sua esposa
Indrani são venerados na Índia como os deuses do amor, da vida e da sexualidade.
Logo, torna-se um tanto leviano usar como exemplo de frieza um deus que
anualmente recebe festejos e homenagens de todo um povo, por sua história de
amor e afetividade com sua esposa.
Voltando ao tema do capítulo, a educação voltada para o sucesso exclui, via
de regra, o amor. “... porque amar nos liga aos seres e aos espaços, dificultando
nossa empresa de conquista”, diz Restrepo. Essa cultura do guerreiro imbatível
acaba perpetuada na sociedade, onde a dependência afetiva é colocada como
defeito, algo deplorável que desperta culpa em quem sente e desprezo de quem
nota.
O autor também invade o campo das “teorias da conspiração”. Isso por que
Restrepo afirma que a paranoia causada pelo embate adulto entre ser vitorioso e ser
afetuoso é de interesse econômico, uma vez que alimenta as cadeias produtivas
com profissionais ávidos de sucesso em todos os segmentos, sejam políticos,
econômicos, culturais e etc. Como ser bem-sucedido ainda é colocado para o jovem
como objetivo de vida. Encarar os próprios sentimentos e necessidade de afeto
coloca-se como um entrave angustiante. “Para nossa cultura, a paranoia é uma
loucura rentável”, diz o autor. A solidão e fracassos sentimentais acabam sendo
vistos apenas um preço a se pagar pelo sucesso, totalmente justificável, menos para
quem olha para trás e vê que fez tanto por nada.
O caso, porém, é mais grave. O peso da impossibilidade de afeto nas
relações pode esmagar o homem. E assim, a pressão pelo sucesso e independência
lota clínicas, engorda estatísticas de suicídios, enriquece a indústria farmacêutica,
onde, numa última negativa à ternura, receitam-se medicamentos ao invés de amor.
Para o autor é fato de que não somos educados ou preparados tanto por
nossos pais, como por nossos educadores, para depender afetivamente sem que
isso seja visto como pejorativo. Tratamos o outro como uma conquista, algo obtido,
esquecendo que o afeto depende de recíproca e não única e exclusivamente da
nossa vontade. Respeitar o espaço, os limites, as necessidades não só do outro,
mas também as próprias é essencial para que se aconteça a observação dos
direitos, públicos e privados e a manutenção da essência humana de cada um.
Talvez o mais difícil de assimilar seja a questão da dependência. Não
sabemos como lidar com ela, normalmente adequamos o amor à nossa vontade de
subjugar o outro, “eu quero você, como eu quero” (Leoni). Queremos o tempo todo
que o outro faça o que desejamos, que aceite nossas imposições, que mude para
atender aos nossos padrões, mas admitir-se dependente do afeto do outro é muito
difícil. Ninguém quer parecer fraco. “O amor não é um ato de soberania, mas antes
uma constatação da fraqueza compartilhada”, afirma o autor.
Em nos constatarmos como criaturas ternas, de acordo com Restrepo,
conseguimos nos integrar não só com o outro, mas também com a natureza e nos
religamos ao sagrado; o homem despido da arrogância de se julgar o ápice, se
descobre parte de um todo harmonioso que em nada agride ou avilta. Assim, o
indivíduo consciente de sua ecoternura consegue alcançar o princípio das diferenças
sem vê-las como algo a ser extirpado. O outro tem suas peculiaridades, crenças e
costumes que devem ser respeitados e preservados, assim como o que diz respeito
a mim. Essa ecoternura, portanto, vai além do campo individual ou ecológico; ele
consegue reger com naturalidade também as relações políticas, sociais e
econômicas, entre diferentes povos e grupos sociais.
O direito à ternura pode parecer a princípio um livro de difícil leitura e
captação. A linguagem difere do coloquial tão em voga na atualidade, que exige
rapidez e praticidade, mas ao se respeitar o tempo que o livro pede, qualquer
pessoa pode captar e interpretar sua mensagem. A leitura pode ser enfadonha para
uns e fascinante para outros, não só pela falta de tempo ou paciência, mas
principalmente pela dificuldade (ou não) de se encarar a própria necessidade de
afeto e ternura, mesmo em tempos de superprofissionais onde não basta fazer algo,
deve-se ser sempre o melhor para se sobreviver. Restrepo nos obriga a enxergar o
fato tão simples e tão desconfortável que por mais que a sociedade lute por
individualidade, que busque sua autossuficiência, nada livra cada pessoa do afeto
ao se encontrar alguém que o desperte e aqui voltamos à constatação; é preciso
observar e respeitar os limites de cada um e principalmente os próprios limites. Essa
ternura que se deve exercitar no âmbito doméstico, precisa ser estendida aos
campos do ensino e praticada abertamente em sociedade.
Ao fim de tudo, pode-se dizer que Restrepo precisou escrever todo um livro,
para explicar ou concluir o que Tom Jobim tão brilhantemente sentenciou em uma
única frase de Wave:
É impossível ser feliz sozinho.
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