Repressão - 13 de junho de 2013
Depoimento 1 – Ana Gabriela dos S. Lacerda
Meu nome é Ana Gabriela dos Santos Lacerda, tenho 24 anos, sou do Amapá,
estudo Rádio e Televisão, e trabalho como produtora.
Eu fui com meu namorado, no dia 13/6, à manifestação. Nunca tinha ido em
nenhuma. Chegamos em frente ao Teatro Municipal, por volta das 17h30, quase
18h, e a concentração ainda estava lá. Estava super tranquilo, as pessoas
começaram a se aglomerar bastante. Quando a gente chegou não tinha tanta
gente, mas depois ficou bem cheio. Muita gente com cartaz, gritando. Começamos
a sair, todo mundo em um clima de “querer ser ouvido”. Eu não vi muita
violência. O que eu vi foram algumas pessoas pichando, mas a maioria estava
completamente tranquila. A gente andou muito pouco até chegar à Rua da
Consolação. Havia um primeiro grupo lá na frente, com uma faixa grandona e eu
estava logo em seguida. Quando do nada, sem ninguém ter tacado fogo em nada,
não tinha motivo para eles atacarem a gente. A polícia fez uma linha de frente e
simplesmente jogou muitas bombas. Todo mundo correu para a Praça Roosevelt
e eles continuaram jogando bombas e todos se dispersaram. Inclusive eu vi a
polícia jogando uma bomba em cima de um prédio que não tinha absolutamente
nada a ver. Não sei se entrou no apartamento da pessoa. Eu só sei que era um
despreparo que eu nunca tinha visto. Eu me senti em uma guerrilha. Nunca
estive em uma, mas me senti em uma. A gente foi por trás da Praça Roosevelt,
numa ruazinha que dá na Avenida 9 de Julho. Tinha umas pessoas que eram mais
violentas, começaram a jogar vários lixos no meio da rua. A primeira abordagem
que eu tive foi a da Tropa de Choque. Eu estava subindo a Rua Rocha e aí quatro
carros de polícia pararam no meio da rua, e um policial gritava “Põe a mão na
cabeça, mostra o que tem na bolsa, suas patricinhas, seus mauricinhos, vocês
acham que a gente está aqui de brincadeira?”. Eu dizia “Calma moço, a gente está
na manifestação, mas não tenho nada, pode olhar minha bolsa”. E aí o policial
enfiou a mão na minha bolsa. Eu disse “Calma, o senhor não pode enfiar a mão na
minha bolsa assim, calma, vamos ter calma”. E o policial disse “Você acha que eu
estou brincando, sabe quantas pessoas têm aqui para eu revistar hoje?”, e aí
virou as coisas do meu namorado no chão. Foi um absurdo. E quando estávamos
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indo embora, me xingou de prostituta, “Ah, vai embora, sua prostituta”.
Completamente desnecessário, eu não tinha nada, não tinha porque estar me
xingando. Tudo bem, era uma situação tensa, muitas pessoas devem ter feito
coisas com eles, porque nem todo mundo que estava na manifestação era
pacífico realmente, então acho que eles acabaram agregando isso na atitude
deles com qualquer pessoa, o que eu acho um absurdo, porque não dá para tu
tratar todo mundo igual. Se é uma manifestação, por mais que tenha pessoas que
estejam agindo violentamente, não é todo mundo, então ele não pode
generalizar. Foi isso que eu quis explicar para ele, mas ele estava tão nervoso que
ele nem me ouviu.
No caminho, nós vimos várias agressões. Por exemplo, quando a gente subiu a
Itapeva tinham guardas dos dois lados. A gente viu várias abordagens. Eles
achavam que todo mundo que estava na Av. Paulista era manifestante vândalo.
Inclusive eu vi muitas pessoas se refugiarem em um prédio da Av. Paulista, tinha
senhoras, homens, um cara cabeludo que foi o que mais apanhou… Os policiais
chegavam no lugar gritando “Saiam daqui” e não pedindo para as pessoas saírem,
eles batiam nas pessoas. Vi um cara correndo com uma mochila, quando pararam
três motos de policiais e um policial avançou com a moto em cima do cara e ele
disse “Calma moço”. Os policiais jogaram a mochila do cara no chão, chutaram as
coisas dele, revistaram e ele não tinha nada. Eu estava a uns cinco metros de
distância, com meu namorado, vendo aquilo e dizendo “Para onde a gente vai?”,
porque estávamos cercados por policiais, então a gente ficou meio encurralado.
Perguntamos depois se o moço estava bem, se ele estava na manifestação. Ele
nos disse que corria na Av. Paulista todos os dias, que os policiais simplesmente
não têm a noção de como respeitar qualquer tipo de pessoa, eles não têm
nenhum tipo de preparo, disse que era advogado e que ele estava revoltadíssimo
porque não tinha necessidade nenhuma deles o abordarem daquele jeito. Para os
policiais, todo mundo era suspeito, e isso era muito bizarro. Acho que eles nunca
tinham enfrentado uma situação daquelas. Foi o que me pareceu.
Subi a Rocha, fui lá na Av. Paulista, fiquei bem em frente do MASP, esperando as
pessoas chegarem. Foi quando veio outro grupo de policias, do outro lado da rua,
só que dessa vez eram policiais militares, que diziam “Saiam daqui, saiam daqui,
porque aqui está em área de confronto”. Eu disse “Confronto, moço? A rua está
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liberada, não tem ninguém aqui, você está louco?”. “Por que você está me
tratando assim? Eu te fiz alguma coisa?”. O policial disse “Vocês falam que não
fazem nada, mas meu amigo aqui já foi apedrejado, já foi xingado”. E eu respondi
“Mas moço, não fui eu que te apedrejei ou te xinguei. Eu estou pagando por uma
coisa que outra pessoa fez?”. É totalmente descabido, por isso que eu reforço que
eles generalizaram totalmente e deram como uma causa deles uma coisa que não
era uma causa, um motivo para violência. Um policial disse “Vão embora” e bateu
no meu namorado com o cassetete. Não forte, mas totalmente desnecessário. E aí
a gente atravessou a rua e fomos tomar uma cerveja. Chegamos, sentamos no
bar, tinha uma galera só falando sobre a manifestação, conversando. A rua tinha
fechado, e depois liberaram.
Quando a rua já estava liberada, de repente apareceu outro grupo de
manifestantes, com as faixas e tudo mais, cerca de 20 pessoas, por volta das 20h.
Do bar e a gente viu descer um ônibus da Tropa de Choque e ao invés dos
policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersá-los, eles
ficaram bem na nossa frente e jogaram várias bombas na frente do bar, sendo
que não os manifestantes estavam a uns quinze, vinte metros deles. E todo
mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado do bar. Vi
jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo para a Av.
Paulista. Isso é dispersar um grupo? E as pessoas do bar começou a gritar
“vergonha, vergonha”, a gente estava revoltado vendo tudo aquilo, querendo sair
de lá e não podendo. Os policiais não estavam sofrendo nenhum tipo de ameaça
na hora em jogaram as bombas. A única coisa que as pessoas do bar fizeram foi
gritar “Vergonha”. Desculpa, mas eles tacaram bomba em três pessoas, para mim
isso é uma desvantagem você ter uma arma na mão e atacar em alguém que não
tem nada. As pessoas não tinham nada, só estava subindo a rua…
Foi quando os policiais se dirigiram até a gente. Chegaram na frente do bar, que
tem grades de proteção, batendo com os cassetetes e gritando “Embora, embora,
fecha esse negócio aí”. Passaram o cassetete por todas as mesas, tudo que tinha
em cima das mesas caiu. E diziam “Vão embora, vocês não tinham que estar aqui
hoje, vocês não leem jornal, não sabem que está acontecendo manifestação aqui,
por que vocês estão aqui?”. Jogaram a cerveja das pessoas no chão, chamaram as
pessoas de um monte de coisa, “Vocês não tem o que fazer? Vão para a casa de
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vocês”. Os garçons falavam “Calma moço, a gente tem que fechar as mesas”, e os
policiais “Calma não” e fechavam as mesas. Foi uma coisa bizarra, meio de filme.
Você não acredita que uma pessoa tem uma atitude dessa. Mesmo que esteja em
uma área de conflito. Eu disse “Calma moço, tenho que pagar a conta, não é
assim” e uma policial mulher deu umas duas cassetadas em mim e falou
“Embora, minha filha, você está pensando o que, que a gente tem a noite inteira,
vem logo”. Eu disse “Calma moça, por que você está me batendo, eu fiz alguma
coisa, eu te desacatei, mesmo se eu tivesse te desacatado você não teria o direito
de me bater” e fui andando. Meu namorado estava falando com o outro policial
que aparece na foto do jornal, “Por que vocês estão tratando a gente assim?
Vocês tinham que dar segurança para a gente”. A resposta do policial foi porrada.
Deu várias, meu namorado apanhou bem mais do que eu, ficou bem mais roxo do
que eu. E eu estava perto dele na hora em que o policial estava batendo nele, ele
foi indo para trás e caiu em uma grade dessa de proteção que estava no chão. Ele
foi andando e caiu. E ele me segurou e a gente caiu junto. Foi aí que o policial que
aparece na foto me batendo me bateu. Acho que ele não teve realmente a
intenção de bater em uma mulher, mas ele bateu, e acho que se uma pessoa
representa o Estado, e para representar o Estado tem que dar segurança, a
última coisa que ele tinha era que errar, ele tinha que dar proteção para a gente.
Foi quando a gente caiu no chão, ele continuou batendo em meu namorado. Foi
quando de repente os policiais fizeram a formação de novo. Eu não entendi. Foi
quando olhei para trás e vi que tinha uns trinta fotógrafos jornalistas atrás da
gente, foi por isso que eles pararam, e fizeram aquela formação. Fiquei com raiva,
sentimento de impotência e comecei a xingar os policiais. “E se fosse tua filha,
por que você está me batendo, qual é o seu problema, você está louco? Você não
tem o direito de me bater”. E procurei o nome dos policiais na lapela e nenhum
tinha. Meu namorado perguntou “Onde está o sargento, que não se apresenta?
Por que eles estão batendo na gente desse jeito? A gente não tem nada, nada”.
Eles não revistaram, foi violência gratuita. Eu não apanhei tanto, ficou uns roxos
no braço e nas costas. Meu namorado ficou todo roxo.
Eu vi uma notícia, depois, acho que foi em uma revista, que o policial que nos
agrediu disse que não se lembra de ter batido em nenhuma mulher. Eu acho que
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o bom seria ele ter falado “não lembro de ter batido em ninguém”, né, não em
uma mulher.
Fomos ao Instituto Médico Legal (IML) das Clínicas. A maioria dos manifestantes
foi indicado para ir lá. Só que apesar de a minha agressão não ter sido na
manifestação, eu fui também indicada a ir lá. E era muita gente. No dia em que eu
fui, no dia depois da manifestação, eram uns vinte… Cada um fazia o depoimento
na Delegacia e depois ia para o IML. Quando eu cheguei no IML, a primeira
pergunta que me fizeram “Você é manifestante? Aguarda ali, e aguarde
direitinho”. Deixavam todo mundo passar na frente, a gente que ficasse lá. O
médico, ele olhou, perguntou “Você estava na manifestação?”. Eu falei, “Sim”. E
ele respondeu “Ah, está bom”. Ele bateu uma foto do menor machucado. Eu falei
“Mas é só isso mesmo?”. Ele só olhou. Não sei como funciona esse tipo de exame,
mas achei que, sabe, ele foi meio preconceituoso. Na Corregedoria as pessoas
foram até mais solícitas com a gente do que no IML.
Fizemos tudo que tinha que fazer, estamos esperando agora. Mas por outro lado
foi bom, porque depois do dia 13/6, as pessoas acordaram para o que estava
acontecendo, porque a televisão mostrou uma coisa meio errônea, meio
distorcida da verdade. Tem vandalismo sim, de uma minoria, eu acho, mas eu
acho que isso que gera, que dá munição para esse tipo de informação errada.
Eu vi os jornalistas, mas eu não sabia que eles tinham pegado o momento tão x.
Porque a foto é muito representativa, não é só um cara batendo em uma mulher,
que está de costas para ele. E assim, quando acordei de manhã, as pessoas me
ligando e eu não sabia porquê, “Você estava na manifestação ontem? Olha no site
da Folha”. Para mim foi horrível, nunca tinha sofrido esse tipo de disparate, seja
qualquer tipo de pessoa, nunca me envolvi em uma briga, nunca bati em
ninguém, nunca fiz esse tipo de coisa. E quando acontece com a gente, cai a ficha
de que acontece com um monte de gente e a gente nem sabe. Acontece em favela,
acontece em manifestação coisa pior... Então para mim foi um pouco chocante,
mas acho que valeu a pena apanhar um pouco para as pessoas poderem
entender um pouco o que está rolando, o que está acontecendo no mundo.
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Depoimento 2 - Cecília Lara da Cruz
Meu nome é Cecília Lara da Cruz, eu sou produtora cultural.
No dia 13/6 eu fui na manifestação do Movimento Passe Livre. Cheguei lá mais
ou menos umas 18h30, no Teatro Municipal. Quando cheguei tinha um monte de
gente sendo presa. Cerca de 50 pessoas, que era colocadas de costas, com as
mãos para trás, não sei se algemadas, a uma certa distância, com um cordão
policial na frente. A gente perguntava pros policiais porque eles estavam sendo
presos e eles não responderam. A gente foi pro Teatro Municipal, ficou um pouco
lá, cantando, fazendo palavras de ordem. Seguimos para a Praça da República,
estava tudo tranquilo e de lá fomos para a Rua Consolação, a polícia militar
acompanhando normalmente, do lado. Quando chegou na Consolação com a
Roosevelt, eu estava bem no meio, então não consegui ver o que aconteceu, só vi
que começou a explodir bomba atrás de mim, olhei para trás e estava uma
fumaça imensa e um monte de gente correndo na minha direção. Eu saí
correndo. As pessoas começaram a gritar “É o Choque, é o Choque”, eu não
estava entendendo nada porque eu não vi, não dava para ver nada, só sai
correndo e me protegi em um posto de gasolina na frente da Praça Roosevelt. Eu
e um monte de gente. Eles estavam dispersando mesmo, com bala de borracha e
gás. A gente continuou subindo pela Rua da Consolação depois de um tempo,
tentando se esconder deles.
Pessoas passavam falando “Não fica na esquina que eles estão passando jogando
bomba em todo mundo que está parado”. Passou uma senhora chorando,
dizendo que tinham tacado uma bomba nela e falando “Não fica na esquina, que a
gente estava aglomerado na esquina, só vendo o que estava acontecendo”. Eles
passavam de moto, e quase atropelaram várias pessoas. Eles passavam de moto
em alta velocidade, na contramão. Chegando a uns 100km/h. Passavam correndo
e tentavam assustar todo mundo.
Os policiais estavam fazendo um show com a cavalaria. Fizeram uma coreografia,
mostraram as armas. Estavam subindo pra Paulista.
A gente começou a subir pela Rua da Consolação para a Av. Paulista, mas não
conseguíamos, porque a Consolação estava cheia de gente, cheia de policiais, e
ficamos com medo de passar por eles, e nas paralelas tinha tanto barricada feita
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por manifestante, tanto rua bloqueada por policial, então demoramos quase uma
hora para chegar até a Av. Paulista.
Só que, quando chegamos na Av. Paulista, foi a pior cena que vimos, porque ela
estava sitiada. Tinha muito policial, muita cavalaria, tinha caminhão de Choque, e
os policiais estavam tacando bomba por nada, para todos os lados e tinham
grupos de pessoas que não tinha para onde ir. Os policiais tacavam bomba, as
pessoas dispersavam, e se acumulavam em outro lugar, porque não tinha para
onde ir. O metrô estava fechado. Eles bloquearam a Augusta e bloquearam a
Consolação. Ficamos presas nesses dois quarteirões.
Na frente do metrô Consolação foi o que aconteceu de pior. Um grupo de 10
pessoas estava na porta do metrô, pedindo para os funcionários deixarem a
gente entrar, porque queríamos ir embora, ir para casa. Tinha uma senhora, de
60 ou 70 anos. Eram pessoas que estavam saindo do trabalho, conversando pelo
vidro com os seguranças do metrô, tentando argumentar “A gente só que passar,
depois você fecha”. Não tinha quebra-quebra nenhum, não tinha ninguém
ameaçando. Não tinha justificativa para aquela porta estar fechada, sendo que as
pessoas só queriam ir embora. E não tinha tanta gente assim naquele pedaço…
Quando a gente estava parada na frente do metrô Consolação, pedindo para
abrirem, vieram quatro motos, com muita velocidade, muito rápido, e uma das
motos passou raspando na minha perna… A gente quase foi atropelada. Os
policiais gritavam “Hoje não tem metrô, hoje ninguém volta para casa”. E
batendo com o cassetete nas pessoas. Aí a gente dispersou, cada um correu para
um lado.
Acho que a ordem foi a de não deixar as pessoas se acumularem, porque eles
estavam com medo que a manifestação voltasse a se formar na Av. Paulista,
Então, qualquer numeraçãozinha de trabalhadores eles já começavam a
dispersar… Não tinha o que fazer também, porque tinha que dispersar para
algum lugar, mas não tinha para onde, então eles mandavam para a rua; se
estava na rua, mandavam para a calçada.
A sensação que tive daquele dia é que a gente estava em uma zona de guerra, eu
não sabia quem estava lutando, quem contra quem. A gente estava parado lá e
não me senti protegida. Me senti muito frágil, coagida, e não tinha a quem pedir
ajuda, porque quem teoricamente devia me proteger estava me atacando, e a
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gente não conseguia sair de lá. Acho que nada que a gente conta daquele dia
consegue passar o que a gente realmente sentiu.
Os policiais não paravam para ver se a pessoa estava caída no chão, se a pessoa
tinha dificuldade de locomoção, se a pessoa era de idade, se a pessoa era uma
criança. Eles iam para cima, e não tinha distinção nenhuma de quem estava ali,
de porque as pessoas estavam ali… A gente não conseguia entender o que eles
estavam fazendo… Porque não tinha manifestação acontecendo ali, não tinha
nada ali, o que eles estavam fazendo ali? A gente não conseguia entender, a gente
não conseguia ir embora e a gente estava em uma situação de cativeiro em um
quarteirão gigante, um cativeiro organizado pela polícia. Você era obrigado a
ficar ali, e obrigado a ver pessoas sendo agredidas e correndo o risco de ser
agredida… A sensação era essa.
Quando o metrô abriu, conseguimos ir embora, só que estavam revistando todo
mundo que entrava.
Depoimento 3 - Jade Augusto Gola
Meu nome é Jade Augusto de Macedo Gola Fernandes, tenho 30 anos, paulistano,
brasileiro, jornalista e pós-graduando em ciências da informação – estudante,
também.
Na noite de 13/6, eu não fui no protesto, porque eu trabalho de casa, estava
ocupado, mas eu comecei a ver pela televisão, pelo Cidade Alerta, o confronto
que houve na esquina da Rua Maria Antônia com a Rua da Consolação. Eu moro
na Santa Cecília e chego a pé ali muito rápido. Eu falei, “vou ver o que está
acontecendo”. Na Rua da Consolação com a Maria Antônia já estavam
estacionadas várias viaturas, e os policiais estavam jogando bomba de gás para
um pessoal que estava a uns 200m da Rua Maria Antônia. Vi que tinha gente
xingando, não eram mascarados organizados, eram pessoas que estavam
revoltadas com a polícia, estavam enfrentando a polícia… Eu também gritei e
xinguei, porque eu estava andando ali, eu queria ir até onde estava acontecido, e
não dava porque eles estavam atirando… Eles pararam de jogar gás
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lacrimogênio, e eu fui pela calçada, morrendo de medo, mas cheguei até a
esquina da Rua da Consolação com a Rua Maria Antônia, onde tem um hotel. Tem
até um vídeo que mostra a polícia jogando gás lacrimogênio na imprensa. Tinha
uma roda de fotógrafos posicionados bem ali naquela esquina, que dava para ver
tudo: as bombas, os rojões, os carros que sempre chegavam cantando pneu… Aí
eu consegui atravessar a Rua Consolação; para o posto de gasolina, do outro lado
da rua, e quando olhei para trás eu vi que a polícia jogou o gás lacrimogênio na
imprensa. Foi questão de segundos que eu não estava ali… Não sei se atiraram
bala de borracha, mas eu sei que eles jogaram gás para dispersar. Subi de novo
pelo lado da Consolação até o ponto de ônibus, onde estava o Choque e a
imprensa, uma situação toda tensa. Eu via pessoas que gritavam “covardia”;
qualquer pessoa que se exaltava e falava alto a polícia pegava e levava. Tinha até
um velhinho bêbado, meio mendigo, que começou a falar alto e a polícia foi lá e
tirou ele de lá. Enfim. Eu lembro também que dentro da Universidade Mackenzie,
os alunos, por detrás da grade, estavam gritando muito. A polícia estava
ignorando. Eu estava ali no meio dessa confusão toda, meio de olho, e filmando o
tempo inteiro com meu ipod, que infelizmente estava com uma resolução muito
baixa. Vi que tinha alguns ônibus pichados e quebrados. E vi também umas
tensões entre a polícia e a própria imprensa, com fotógrafos que chegavam muito
perto. Vi até um policial jogando a luz de uma lanterna na cara de uma repórter
de televisão da Globo, que queria se posicionar para trabalhar. Eu lembro que os
policiais colocavam a lanterna em quem tinha câmera, e falavam ironicamente,
“pode filmar, filma, filma, seus trouxas”. Eles estavam combativos com a
imprensa.
Toda vez que os policiais pegavam alguém, ia sempre um grupo filmar, e pessoas
gritavam “filma, filma, filma”. Tinha essa tensão de registrar tudo o tempo todo, e
eu queria ver isso, sentir, e estava participando disso.
Enfim, eu acho que a multidão dispersou ali. Eu desci para a Praça Roosevelt, que
já tinha sido dispersada também; encontrei uma amiga, que tinha tomado um
tiro de borracha embaixo da orelha da nuca, foi parar na Santa Casa, fazer
tomografia, mas pegou de raspão. Mas como bateu na caixa do cérebro, ela teve
que fazer tomografia. Ainda assim ainda tinha polícia civil e polícia militar
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passando assim, cantando pneu… Nisso fui andando, queria subir a Augusta,
porque disseram que tinha manifestante lá. Na Praça Roosevelt com a Rua
Augusta tem um prédio que estão fazendo, eu acho que vai ser um batalhão da
polícia militar; nesse lado da Roosevelt, na Augusta, tinham várias blazers
(carros) da polícia militar e vários policiais. Eu estava do outro lado da rua, bem
naquela parte que forma um viaduto em cima da Radial. Eu estava andando ali e
olhando o outro lado, né, porque os policiais estavam bem reunidos, era bem um
centro deles. Nisso, passaram dois meninos do meu lado, correndo, tensos, eles
pararam exatamente do meu lado, gritando com a polícia, com a mão para cima,
“não, não, não, desculpa, desculpa, não fiz nada”. Eles passaram na minha
esquerda, por trás, eu acho que eles mexeram com a polícia, falaram alguma
coisa alta… E eles pararam com a mão para cima e a polícia apontou para eles… E
não deu outra, os policiais começaram a atirar balas de borracha. Eu lembro dos
tiros alvejando, do barulho, “voop, voop”, uns seis tiros, só que uma hora um me
pegou na lateral esquerda das costas, quase na lombar – que na hora eu lembro
que não doeu muito, ardeu muito, estava frio, eu estava com uma jaqueta jeans
grossa. Eu saí correndo, assustado, e ouvia mais tiro, e eu lembro que tinha muita
gente, em um bar, que gerou um caos, dispersou as pessoas correndo. Aí eu subi
na Augusta, correndo, gritando, muito nervoso, comecei até a chutar a fachada
daquele prédio, porque eu fiquei muito revoltado, porque de certa forma eu levei
um tiro sem motivo. Eu levei na lombar, não vi se esses meninos levaram, não vi
para onde eles correram, só lembro de desviar do tiro e subir, aí um me atingiu.
Nisso que eu subi, na Augusta já estava bem mais caos que a Consolação, as
viaturas cantando pneu, passando por cima das barricadas de fogo. Eu lembro
que quem falava das varandas dos prédios alguma coisa alta a polícia apontava a
arma para o alto e dizia “cala a boca”. Eles queriam coibir qualquer manifestação
que fosse de voz.
Tirei uma foto do ferimento, que ficou bem vermelho e ardia. Não escorria
sangue, mas estava em carne viva. Levou ou quatro semanas pra cicatrizar, com
uma casca muito grossa. Aí um dia ela caiu e ficou esse vergão que coça até hoje,
cinco semanas depois, mais de um mês, é que eu estou hidratando. Eu liguei para
meu advogado no dia seguinte, ele falou para eu fazer corpo de delito e registrar
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um B.O. Coisa que eu não fiz porque eu hesitei muito. O que eu fiz de registro foi
ligar na Ouvidoria da Polícia Militar e fiz uma reclamação formal, me
identificando, eu tenho até o número do protocolo. Eu fui orientado até pelo
pessoal da ouvidoria, onde eu fiz uma denúncia formal, me identificando, a fazer
um B.O., e meu advogado também orientou, mas eu não me senti impelido a ir até
à Delegacia, na Santa Cecília, porque eu percebi que estava indo fazer uma
reclamação da polícia na polícia, então fiquei com medo, pouco tenso… Não
queria tomar chá de cadeira, aguentar ironia do escrivão, então achei melhor
tentar fazer outros registros disso, como o da Ouvidoria; o próprio post da
internet…
Depoimento 4 - Juliana Keltke Santos O. Miraglici
Meu nome é Juliana Keltke Santos O. Miraglici, tenho 22 anos, sou estudante de
direito. (...)
Subíamos a Rua Augusta, no meio dos carros, para tentar evitar que os policiais
chegassem no meio da gente, e o helicóptero da polícia jogava uma luz branca
muito forte sobre os manifestantes, que gritavam, falavam, cantavam etc. Em um
determinado ponto da Rua Augusta, os policiais da Tropa de Choque fecharam o
trânsito, em uma esquina e nos desviamos por ruas paralelas. (...)
Eu arranjei um outro grupo de pessoas, eles se sentaram novamente e a polícia
jogou uma bomba de novo no meio, e nisso eu comecei a passar muito mal
porque eu não tinha vinagre. Um menino viu que eu estava passando muito mal e
colocou vinagre na minha blusa. Quando consegui respirar um pouco de ar, senti
uma bala de borracha bem nas minhas costas. Daí eu olhei para trás, para saber o
que estava acontecendo e só vi o carro da polícia passando, e um policial com
uma arma. E nisso eu senti outro tiro de bala de borracha na curva do pescoço
com o ombro… Nesse momento eu estava sozinha… Tinha um monte de gente
correndo, mas eu percebi que era a última, porque como eu estava passando
muito mal, eu fiquei para trás… E nisso quando eu senti a bala, pensei “tenho que
correr, não posso ficar parada”. Depois eu fiquei pensando que o policial mirou
na minha cabeça, porque ele acertou bem na curva do pescoço com o ombro.
Pode isso?! Eu não estava fazendo nada, estava passando mal, era uma das
Repressão - 13 de junho de 2013
últimas por causa disso, e foi bem no meu pescoço com o ombro. Eu fiquei em
choque por causa disso.
Corri e entrei na primeira rua, queria ir embora, ir para casa, mas aí eu encontrei
outra Tropa de Choque na esquina da rua, e mais um monte de gente também
parada ali, encurralada. Eu pensei “meu Deus, não acaba nunca”. As pessoas se
sentaram, ficaram em um cantinho da calçada, para os policiais passarem e irem
embora. E eles começavam a jogar bombas de novo em cima da gente. Todo
mundo levantou a mão para a cima, eu me lembro de um menino que levantava
os braços, gritando “pelo amor de Deus, para, a gente não tem nada, não está
fazendo nada de errado”, e todo mundo gritando para parar e muita gente
chorando... Esse destacamento da polícia tinha percebido que a gente queria ir
embora, que todo mundo não estava aguentando mais. Só que outro
destacamento chegou por outra rua e nisso começaram a jogar bomba de novo.
Continuou a gritaria pedindo para pararem, pedindo para podermos ir embora e
a gente começou a sair.
Eu comecei a descer a Augusta, só que a cada quarteirão tinha uma Tropa de
Choque, e nisso veio um policial com uma arma gigante, de bala de borracha,
apontando para mim, e eu levantei o braço para ele, dizendo “Moço, eu estou
indo embora, pelo amor de Deus, deixa eu ir embora”, e ele disse “Está bom, vai”.
Nisso parei em uma esquina que tinha um pessoal de um prédio, do lado de fora,
olhando, porque tinha um caminhão da Tropa de Choque e um grupo na esquina
gritando as musiquinhas do protesto. O pessoal da Tropa de Choque desceu do
caminhão e começou a jogar bomba nas pessoas e a atirar com bala de borracha.
Eu pedi para entrar em um prédio e fiquei esperando. Só ouvia o barulho das
bombas e das balas de borracha. O caminhão da Tropa de Choque passou,
esperamos tudo acalmar, a fumaça abaixar, e fui embora correndo.
E parecia que a polícia não tinha nenhum critério para usar bomba; o objetivo
era atingir as pessoas e acabar com os manifestantes, porque o manifesto já tinha
acabado fazia tempo.
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Depoimento 5 - Mayra Leite
Meu nome é Mayra, eu tenho 25 anos, sou estudante de gestão de políticas
públicas.
Eu tinha pensado em não ir para o Ato, mas trabalho com uma amiga, que
inclusive é do PSOL; ela ficou insistindo para eu ir, enfim, e pensei bem, estava no
final do semestre, aquela coisa complicada, eu tinha um monte de coisa para
fazer, mas pensei sobre o Ato anterior, o que tinha acontecido a prisão do Pedro,
do Pedrão, que é um conhecido meu, eu fiquei muito chocada ao ver os vídeos e a
violência policial que aconteceu naquele Ato anterior. Eu decidi ir, passei na casa
dela, troquei de roupa – coloquei uma calça jeans, eu estava de meia-calça, só
para me precaver e a gente foi. A gente chegou na concentração, ali no Teatro
Municipal; fiquei impressionada com a quantidade de pessoas. Fiquei até
emocionada, muita gente mesmo, muito mais do que tinha no Ato anterior, acho
que as pessoas realmente ficaram chocadas com o que tinha acontecido naquele
Ato, a violência, as prisões, as acusações de formação de quadrilha, um absurdo.
A gente ficou concentrado ali, quase já não dava para andar de tão lotado que
estava e a gente começou a receber muitas informações por mensagem, por SMS,
do pessoal que estava de fora, falando que já haviam acontecido muitas prisões,
de pessoas que estavam portando vinagre nos metrôs. Saindo dos metrôs tinham
policiais prendendo as pessoas. E muita gente falando da cobertura da mídia,
dizendo que o contingente de policias que estava ali ao redor era imenso, e que
eles estavam cercando a gente. A gente ficou assustada achando que a gente nem
ia sair da concentração. O Ato resolveu a andar, saiu ali da concentração, e acho
que foi pacífico, tudo muito tranquilo, até subirmos a Avenida Ipiranga. O Ato
muito grande, bem organizado, nenhum problema. Inclusive a gente nem viu
tantos policiais em volta. A gente foi subindo, e quando começou a chegar na Rua
da Consolação a gente subiu, estava com uns amigos, em torno de 12 amigos. A
gente começou a subir na Consolação, a palavra de ordem era para ocupar a
Avenida Paulista. E a gente começou a ouvir, bem lá na frente – a gente estava no
final do Ato – as bombas… Então a gente começou a ir com calma, muita gente
em volta pedindo para ir com calma, para não acontecer nenhum acidente, para
Repressão - 13 de junho de 2013
ninguém cair, ali estava muito cheio, e a gente foi voltando com calma. A gente
ficou ali na Praça Roosevelt, na Igreja, em frente a Igreja, vendo um monte de
gente voltando e ouvindo as bombas. A gente foi um pouquinho mais para a
frente, porque a gente viu que o Ato começou a correr, eles já estavam
perseguindo as pessoas, recuando mesmo. A gente voltou, foi um pouquinho
mais para frente, e quando a gente viu, olhou para trás, de repente a Tropa de
Choque já estava ali do nosso lado. Começou o desespero, muita gente pulando
uma grade que tem na Praça Roosevelt. E começamos a ficar preocupados,
porque ali estávamos encurralados… A gente voltou, só que quando vimos,
tentamos voltar para trás, mas vimos que estávamos totalmente encurralados,
porque atrás também já tinha um grupo de policiais da Tropa de Choque, e a
gente voltou e começou a subir a Augusta… Só que bem no começo soltaram
várias bombas de gás lacrimogênio e me perdi das pessoas. Ali foi o momento
mais desesperador mesmo, porque não conseguia respirar, achei que ia desmaiar
ali, comecei a ficar fraca, não conseguia correr mais, e fiquei um tempo ali,
desnorteada, com todo aquele gás, e continuei correndo… Já tinha perdido todo
mundo, e olhei para os lados, estava todo mundo correndo, subindo e não tinha
para onde ir, a não ser subir a Augusta. Tinha muita gente, e não dava para ir
rápido, a gente ficou encurralado. Quando vi, estávamos entre uma parede,
subindo a Augusta, na frente tinha um grupo de policias da Tropa de Choque, e
atrás também. Ali foi o momento que fomos emparedados. Não tinha o que fazer,
não dava para correr muito, corríamos lentamente… Me senti fuzilada naquele
momento, a gente ficou emparedado, parecia um fuzilamento no paredão. Foi
tudo muito rápido, e de repente estourou uma bomba na minha frente, a
princípio achei que era gás lacrimogênio, eu senti todo o impacto no meu corpo,
mas continuei correndo. Não sabia que eu havia me machucado, ou melhor, que
tinham me machucado, naquele momento só tinha sentido o impacto. Eu estava
com muito medo de levar bala de borracha, porque eles estavam realmente
perseguindo. Quando virei a direita, eu continuei ouvindo os tiros, e as bombas, e
aquela rua estava completamente parada, as pessoas correndo entre os carros,
todo mundo desesperado ali. E eles continuaram correndo atrás da gente – na
verdade, sequer olhei para trás, dava para ouvir, e tinha certeza absoluta que
seria atingida por uma bala de borracha. Porque eles estavam muito perto,
Repressão - 13 de junho de 2013
perseguindo. Consegui correr, e virar a direita de novo, onde encontrei um
estacionamento grande na Caio Prado. Ali, correndo, seguindo nessa rua, percebi
que havia um corte profundo no meu braço. Eu olhei, um corte muito profundo,
eu fiquei muito assustada. Minha reação foi chorar, continuar correndo. Foi uma
sensação de desespero muito grande mesmo. Me senti em uma guerra, não tinha
para onde correr, e com certeza seria atingida por alguma bala de borracha ou
por bombas, porque eles continuavam atrás. Nesse estacionamento, pedi para o
rapaz me deixar entrar. Ele falou que não podia me deixar entrar. Falei “por
favor, me deixa entrar”, mostrei meu braço, ele se assustou, e deixou entrar.
Tinha uma outra menina que estava na porta e também pediu para entrar – ela
falou que estava grávida. Ele deixou nós duas entrarmos. Os policiais
continuaram perseguindo na Caio Prado e na rua debaixo. As pessoas
começaram a me ligar. Fui falando com várias pessoas, com minha família, com
meus amigos que estavam no Ato, e fui explicando o que tinha acontecido. Fui
ferida por estilhaços da bomba na perna esquerda, no antebraço esquerdo (com
o corte profundo) e no braço esquerdo, um pouco acima do corte profundo. Um
rapaz, estava de carro no estacionamento, mas não conseguia sair, e ele falou que
iria me levar para um hospital.
A gente chegou na Santa Casa, demorou muito para ser atendida, e começou a
chegar muita gente machucada. Primeiro chegou uma menina com um corte na
cabeça, de bala de borracha, e era impressionante como chegaram pessoas com
ferimentos na cabeça. Depois, olhando para os relatos e vendo os vídeos, eles
estavam mirando na cabeça das pessoas. E chegou uma menina com um corte na
cabeça, duas meninas com corte na cabeça. Ela foi uma das meninas que mais me
chamou atenção, que me chocou, ela estava desesperada. Tentei acalmá-la...
Esperei bastante tempo, e vários policias chegaram na Santa Casa, no Pronto-
Socorro, e eles foram atendidos antes de todo mundo. Nem sei se isso é uma lei
municipal, estadual, enfim, não sei se isso existe, mas foi algo que revoltava, meu
braço estava com um corte muito profundo, muitas pessoas ensanguentadas por
causa de cortes na cabeça, com o corpo todo cheio de sangue, e os policiais com
ferimentos menores, como luxação, foram atendidos primeiro do que todo
mundo.
Repressão - 13 de junho de 2013
Depois fui atendida, foram quatro pontos espaçados. A princípio até falaram que
não iriam conseguir fechar o ferimento. E muito precário, é uma coisa que choca,
que revolta, na verdade. Eu saí de lá umas duas da manhã, e não consegui dormir
naquela noite, eu ouvia o barulho das bombas na minha cabeça, do meu lado. Eu
não consegui dormir a noite inteira, e depois no outro dia, eu fui ver a proporção
do que havia sido aquele Ato: o quão violento e brutal havia sido a ação da Tropa
de Choque, quantas pessoas foram feridas… Eu fiz um relato, postei no facebook,
postei a foto da ferida em um tumblr dos feridos… E lendo esses relatos, dos
feridos, vi como foi desesperador para muita gente, muita gente se feriu, muita
gente vivenciou aquela violência. O mais terrível é pensar que a ação da polícia
nos Atos é violenta, é terrível dessa forma, mas o terrível é pensar como é
violenta no dia a dia, nas periferias… Há relatos de tortura no dia 13/6. Fiquei
sabendo de pessoas que foram colocadas nas viaturas, espancadas e jogadas na
sarjeta. Conheço pessoas que presenciaram isso, e vendo isso nos relatos como
isso aconteceu muitas vezes.
Depoimento 6 - Micaela Carolina Cyrino
Sou Micaela Carolina Cyrino, estudante de artes visuais. No dia 13/6, eu estava
em torno do protesto, porque eu já sei das minhas limitações com policiais – eu
falo isso por ser negra. Era por volta das oito horas da noite, na Av. Paulista não
tinha muita gente, a manifestação já tinha dispersado. Quando estava a caminho
de ir embora, na Av. Paulista, próximo à estação de metrô Consolação, estava
com meu celular gravando uma menina branca apontando o dedo na cara de um
policial civil. De repente, vieram vários desses caminhões da Tropa de Choque e
fecharam os dois lados, o espaço que tinha ali na Av. Paulista, perto da Rua
Augusta. Desceram vários policiais da Tropa de Choque. Enquanto eu estava
filmando, uma policial da Tropa de Choque veio, me pegou pelo braço e falou que
eu estava detida. Eu perguntei o porquê de eu estar detida e tentei não ser pega.
Vieram mais dois outros policiais e me pegaram também.
Me jogaram em um ônibus da Tropa de Choque, onde três policiais, dois homens
e uma mulher, me agrediram. Me bateram com chutes, com socos, deram chutes
Repressão - 13 de junho de 2013
e socos no meu rosto… Saíram dois policiais, um homem e uma mulher, e ficaram
somente o outro policial homem e o motorista desse ônibus, que passou a se
movimentar. Eu fiquei deitada no chão, com a cabeça embaixo do banco e o
policial com o pé em cima de mim. De dentro do ônibus eu escutava o que estava
acontecendo lá fora: muitas bombas. Em todo esse momento eu estava sozinha
dentro do ônibus, não havia ninguém mais detido.
Eu não sei quanto tempo eu fiquei dentro desse caminhão, mas acho que foi uma
meia hora, quarenta minutos. A todo momento, eles me agrediam verbalmente,
falavam gírias, um código deles e me agrediam assim: “Ah, você não quer
protestar, então protesta agora”, e me davam mais um chute. “Patricinha quer
protestar, agora vai apanhar”… Me chamaram de “vagabunda”… Depois disso, eu
fiquei em silêncio, o ônibus se movimentou da estação Consolação do metrô até a
Rua Consolação. Eu desci do ônibus, me algemaram, e me colocaram em outro
veículo, um camburão da Tropa de Choque, com dois outros policiais, para me
levar para a delegacia. Nessa hora que fui algemada, tinha uma repórter do Terra
que fotografou, só que saiu uma outra versão, que fui detida só.
A gente foi para a Delegacia que fica na Rua Estados Unidos. Chegando lá, esperei
muito tempo dentro do carro. Um policial saiu, o outro ficou comigo dentro do
carro. Depois disso, me pediram para descer, eu entrei na delegacia e soltaram
meus braços. Entrei na delegacia, e os policiais estavam falando em códigos:
“Quem teve a ideia de pegar esse frango?”. Pegaram meu RG, não sei se fizeram
algum registro ou alguma pesquisa, e me liberaram. Disseram que eu estava
liberada e não consegui fazer o Boletim de Ocorrência (B.O.) contra os policiais
que me agrediram. Ao falar com o delegado, ele disse que estavam dando
prioridade para atender as pessoas que foram detidas e não as denúncias contra
agressão policial. Eu fiquei do lado de fora da Delegacia, dizendo que precisava
fazer o B.O. e os advogados que estavam lá tentaram me ajudar, falaram com o
delegado. E o delegado disse que eu só iria conseguir fazer o B.O. às sete horas da
manhã do outro dia. Eu fiquei mais um tempo lá, insistindo, até quando deu meia
noite e fui embora.
No outro dia, fui ao Hospital Emílio Ribas, porque levei chutes no maxilar, e
passei o dia inteiro no hospital fazendo vários exames, como tomografia. Eu pedi
para a médica registrar como um documento, fiz um depoimento… Fiquei com
Repressão - 13 de junho de 2013
machucados nas pernas, eles me chutaram bastante; meu pé ficou machucado e
inchado; tive cortes na mão e no pulso.
Depois desse dia no hospital, eu fui para uma Delegacia da Mulher, que fica na
Freguesia do Ó. Nessa delegacia, primeiro, um policial falou que só conseguiria
fazer o B.O. na Corregedoria da Polícia. Eu liguei para um amigo que é policial e
perguntei se esse o procedimento. Ele disse que os policiais tinham a obrigação
de me atender de qualquer jeito, que não poderiam negar isso. Eu voltei para a
Delegacia, falei com uma policial feminina, e ela confirmou que tinham de fazer o
B.O., mas que naquele dia estavam sem escrivão. Era um sábado, disse que só a
Delegacia da Casa Verde funcionaria. Na Delegacia da Casa Verde, fui atendida
depois de umas quatro horas de espera e, então, consegui fazer o B.O..
No mesmo dia fui ao Instituto Médico Legal (IML) do Mandaqui. E lá também
houve muita demora para ser atendida, não tinha ninguém. Houve muita
grosseria, não podia fazer qualquer pergunta que eram grossos. Não sei se todos
nesse processo são policiais também, mas todo mundo com que tive contato foi
muito agressivo.
Depois que fiz o corpo de delito, na segunda-feira, fui à Corregedoria da Polícia…
Quando eu fui detida, um fotógrafo tirou todas as fotos, nas quais aparecem os
policiais que me agrediram, e divulgou para todo mundo, por Facebook … Todos
os policiais que me agrediram e eu acredito que todos que estavam na Av.
Paulista, estavam todos sem identificação. Na hora eu não notei, mas as fotos
mostram a parte que era para ter a identificação vazia.
Eu levei essas fotos à Corregedoria da Polícia para abrir outro B.O., contra os
policiais das fotos, mas eles não aceitaram. Eles disseram que eu tinha de
reconhecer os policiais que me agrediram através de um banco de fotos, e
mostraram uma por uma, com cerca de 45 policiais mulheres e cerca de
quinhentos homens. Não reconheci nenhum, porque acho que eles não estavam
lá no banco. Mas consegui fazer o B.O.. Queria registrar a agressão como crime
racial, porque estava justamente filmando uma menina branca apontando o dedo
na cara de um policial civil, e somente eu fui detida, apanhei e fui liberada. O
policial da Corregedoria me perguntou porque eu gostaria de registrar como
crime racial. E eu falei “porque uma menina branca apontando o dedo na cara do
policial não foi desacato, e eu, uma menina negra gravando, fui pega, apanhei, e
Repressão - 13 de junho de 2013
quero registrar racial por conta disso. Porque eu aprendi desde sempre que
negro apanha de polícia por ser negro”.
Eu acho que não sou um caso isolado. Os policiais estavam muito insanos e
descontrolados nessa manifestação… Estava muito desorganizado, parecia que
os policiais não tinham um líder, porque cada um estava fazendo uma coisa mais
absurda que a outra, como deter pessoas, bater e, depois, soltar. Acredito que eu
tenha apanhado por conta dessa questão racial. Eu cheguei a dizer que estava
sendo presa porque era negra, porque não teria outro motivo.
Depoimento 7 - Renan Barbosa Fernandes
Meu nome é Renan Barbosa Fernandes, tenho 22 anos e sou estudante de direito.
No dia 13/6, a manifestação foi marcada as 17h, com a concentração em frente
ao Teatro Municipal. Eu já tinha participado desde o Terceiro Grande Ato, e tinha
muita gente. A gente ficou reunido por volta de uma hora, uma hora e meia, ali no
Teatro Municipal, e a gente saiu, por volta das 18h30, em direção à Praça da
República. Era uma passeata pacífica, não observei qualquer tipo de ato de
vandalismo; inclusive, entre os manifestantes, se alguém estava mais exaltado, os
próprios manifestantes diziam “não, não faz isso”. Paramos ali na Praça
Roosevelt, por uns vinte minutos.
A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes. Nesse
momento, que todo mundo viu o Choque, as pessoas já começaram a gritar “sem
violência”, que acabou virando uma espécie de grito de ordem. Passados uns dez
minutos, nós parados, começamos a escutar bombas e o pessoal começou a
correr. Bomba, fumaça, você sentia o cheiro do gás lacrimogêneo, e todo mundo,
aquela multidão de gente, correu para a Praça Roosevelt.
Naquele momento, tive um pouco de medo, porque era muita gente, e o medo
não era nem da bomba, mas sim das pessoas caírem, ter algum tipo de
pisoteamento de quando as pessoas começam a correr de medo. Eu,
particularmente, pensei, “Bom, a gente vai ficar aqui na praça, porque a desculpa,
em geral, é que não se pode atrapalhar o trânsito, e vamos fazer uma assembleia
na Praça Roosevelt”. A surpresa foi quando eles começaram a tacar bomba nas
pessoas que estavam dentro da Praça Roosevelt. Para mim não tinha nenhuma
Repressão - 13 de junho de 2013
justificativa, porque já estávamos na praça, fora da Rua da Consolação. As
pessoas começaram a correr, fui em direção à Rua Augusta. Ali as pessoas
começaram a se dispersar, mas muita gente começou a subir em direção à Av.
Paulista pela Rua Augusta, para continuar a manifestação.
Não tinha como saber onde estavam as pessoas, mas tinha gente tentando subir
para a Av. Paulista por várias vias – tinha gente na Av. Angélica, gente na Rua da
Consolação… Até aquele momento, eu não esperava o que ia acontecer logo
depois… Eu estava me sentido ainda seguro, achei que a polícia estava
exagerando, no sentido que sempre exagera, de não deixar que se manifeste, mas
nunca achei que minha integridade física estava em risco, ou coisa parecida. Só
que aí, quando estávamos a duas quadras pra baixo da Paulista, na Bela Cintra
com a Antônio Carlos, ali o que ficou claro é que a Tropa de Choque tinha vários
destacamentos separados… Eles estavam cercando a gente! Eles explodiam
bombas muito perto das pessoas, jogavam as bombas de efeito moral… O efeito
era separar os grupos de pessoas que estavam andando em grande número.
Ali me assustou muito, porque estávamos em um grupo de duzentas, trezentas
pessoas, e de repente fomos encurralados por dois destacamentos da Tropa de
Choque. Nessa hora todos ficaram assustados. Não estavam nos dispersando,
pois agora estávamos encurralados em uma quadra. Qual o sentido disso? As
pessoas foram, então, para a calçada e saíram do meio da rua. Pelo menos o que
estava passando pela minha cabeça é que tinha acabado, que não havia mais
protesto. Todos se sentaram na calçada, todo mundo abaixou, estávamos
totalmente rendidos. E a gente, nessa hora, morrendo de medo. Foi quando, para
nossa surpresa, que os policiais começaram a tacar bomba de gás lacrimogênio e
efeito moral em cima da gente, sentado na calçada. Como os policiais estavam
nas duas esquinas, a gente tinha que passar por eles para se dispersar, e eles
estavam atirando balas de borracha… As pessoas caíram no chão, passavam uma
por cima da outra, isso foi muito assustador.
No caso a gente conseguiu passar pelo destacamento policial e fomos parar na
frente do Bar Atenas. As pessoas tinham percebido àquela altura que era um
salve-se quem puder. Então estava todo mundo tentando entrar nos bares, nos
prédios… Algumas pessoas conseguiam entrar, os bares estavam todos com as
portas baixadas. E tinha um aglomeração ali, em frente ao bar Atenas, batendo na
Repressão - 13 de junho de 2013
parede de vidro, pedindo pelo amor de Deus para entrar. Quando veio outro
destacamento da Tropa de Choque e começou a tacar gás lacrimogêneo na gente
de novo. Nessa hora, tinha gente no chão, na frente do bar, tentando entrar e o
bar de porta fechada. Eventualmente eles abriram a porta e algumas pessoas que
estavam ali fora conseguiram entrar.
Conforme o destacamento vinha, as pessoas começaram a sair. Eles começaram a
atirar na gente, de novo, e foi nessa hora que tive a experiência mais
imponderável… Eu vi um menino sentado na calçada em frente ao bar,
chorando… As bombas explodindo, o gás… E eu percebi que era um menino mais
novo, bem mais novo do que eu, e os policiais vindo. Nessa hora pensei “eu
preciso tirar esse menino daqui”. E o que me deixou mais preocupado foi que um
dos policiais se adiantou do destacamento dele e mirou na gente, e naquela hora
ele disparou. Aquele policial estava a menos de dez metros quando atirou na
gente. Se ele acertou o menino, não sei, o menino estava chorando, mas o fato é
que ele mirou na gente e disparou. Nessa hora peguei esse menino, agarrei ele e
falei “vamos sair daqui”. Foi nessa hora, que eu peguei o menino e andei, que eu
senti que depois eu levei um tiro de bala borracha na minha nádega esquerda. A
gente conseguiu subir a Augusta em direção a Paulista, mais uma quadra, esse
menino estava desesperado, estava na multidão; o pouco que eu conseguir
conversar com ele, porque ele só chorava, ele dizia que tinha perdido o irmão
mais novo e que tinha dezesseis anos… E dizia “meu irmão é mais novo, ele
morreu, ele morreu”, enfim, nitidamente desesperado. Muita bomba explodindo
e eles tacavam indiscriminadamente, inclusive em gente que estava caída. Você
não podia tropeçar… Você tinha que torcer para não tropeçar e cair no chão,
senão você seria alvo preferencial. O menino se acalmou, eu acho que ele viu o
irmão dele, porque eventualmente esse menino saiu correndo, não consegui mais
falar com ele. Os policiais estavam pelas ruas, encurralando as pessoas, atirando,
eu precisava correr para algum lugar. Falei “Vou para a Paulista”, e nessa hora,
veio um destacamento do Choque pela Paulista atirando na gente. As pessoas
saíram todas correndo, descendo a Frei Caneca. À esquerda, eu desci, e tinha uma
escadaria que dava na unidade do de um Cursinho, o Damásio. Fui o último a
conseguir a entrar no prédio, porque o segurança chegou a fechar a porta. Uma
menina que por sorte também estuda no Cursinho Damásio, me reconheceu e
Repressão - 13 de junho de 2013
gritou que eu era irmão dela e o segurança me deixou entrar. Tinha um cara
correndo atrás de mim, que não conseguiu entrar no prédio. Eu vi ele sendo pego
pela polícia na escadaria do prédio, na frente de todo mundo e deram umas
cassetetes nele e levaram embora. Eu fiquei mais umas duas horas dentro do
prédio, escutando bomba explodindo… Dá para ver a rua da porta, vira e mexe as
pessoas passavam correndo e os policiais passavam pegando as pessoas, tinha
gente apanhando, e o tempo todo a gente escutava gente gritando “sem
violência”, que isso virou uma palavra de ordem... De vez em quando você via da
rua alguém correndo e o policial com o cassetete atrás. Virou um jogo de gato e
rato… Eu me senti em um bunker, porque o prédio é meio subterrâneo, e aquelas
bombas explodindo, gritaria….
Eles viam alguém na rua e jogavam bombas. “Ah, duas pessoas estão juntas”, e
jogavam. Principalmente com as bombas, que com a bala é mais difícil, que a
bomba tem mais efeito, você vê quando a bomba explode. Vi gente caída, a
bomba explodindo do lado…
Quando as coisas acalmaram, por volta das 22h, eu consegui sair de volta para a
rua, e cheguei em casa, por volta da meia-noite.
Depoimento 8 - Sérgio Andrade da Silva
Meu nome é Sérgio Andrade da Silva, sou fotógrafo, brasileiro, nascido em SP,
tenho 31 anos, casado, tenho duas filhas, de 7 e 13 anos.
Vou contar meu relato sobre a noite de 13/06, quando ocorreu uma
manifestação em SP e eu, como profissional de imprensa, estava trabalhando,
exercendo minha profissão de fotógrafo, na área de fotojornalismo, pautado por
uma agência, que é minha parceira nessa área de atuação.
Cheguei até o ponto de concentração da manifestação, na Praça Ramos de
Azevedo, por volta de umas 18h. A multidão já estava concentrada, porém
iniciando a caminhada.
Segui os manifestantes, fazendo os registros de imagens pelas ruas do centro de
SP. A manifestação seguiu pela av. Ipiranga ate início da rua da Consolação, onde
já havia viaturas policiais acompanhando a multidão. Até então, a movimentação
desses policiais era tranquila, como a dos próprios manifestantes. Eles
Repressão - 13 de junho de 2013
caminhavam com suas faixas, bandeiras, camisas com dizeres de protesto,
gritos... enfim, uma manifestação como outra qualquer.
Entrando na rua da Consolação, o clima começou a ficar diferente. Em frente à
Praça Roosevelt, havia uma barreira de guardas civis, da Guarda Civil
Metropolitana (GCM). Eles se posicionaram com escudos e cassetetes, formando
uma barreira humana nas escadarias da Praça Roosevelt, para que os
manifestantes não ocupassem aquele espaço. Para mim, já foi uma forma de
coibir o direito daquelas pessoas, até porque a Praça é um local público, o
dinheiro que foi investido ali para a construção é dinheiro público, das pessoas
que estavam se manifestando e nosso.
Seguindo ainda nesse trecho da rua da Consolação, a Polícia Militar do estado de
São Paulo posiciona alguns veículos, duas ou três viaturas (não me recordo bem),
e começa um diálogo (podemos chamar assim) entre alguns policiais, alguns
manifestantes e o pessoal da imprensa. Posso dizer com absoluta certeza que
eram pouquíssimas pessoas nesse diálogo, dois ou três policiais, cinco ou seis
manifestantes e o resto era da imprensa. Eu estava próximo do local dessa
conversa e o pouco que eu consegui ouvir, era da voz de um policial, dizendo que
os manifestantes não poderiam continuar naquele trajeto, ou seja, subir a rua da
Consolação em direção à av. Paulista, que era o trajeto que aquela manifestação
queria fazer.
Então, houve esse diálogo, que era uma espécie de aviso da polícia, era uma
espécie de ordem, dizendo que não era para subir. A grande maioria dos
manifestantes estava afastada desse pequeno trecho onde estava ocorrendo esse
diálogo. Então, acredito que essa informação não tenha chegado a todos.
O que me recordo é que os manifestantes começaram a andar, em passos lentos,
respeitando até o trânsito que já se formava na rua da Consolação – um
engarrafamento, na verdade. Eu estava ao lado dessas pessoas, fotografando.
Essas viaturas se afastaram um pouco mais, subiram a rua da Consolação e se
posicionaram próximo à rua Maria Antônia, que é uma esquina da rua da
Consolação. Com isso, os manifestantes ganharam mais um pequeno trecho para
poder caminhar, porque até então eles haviam parado próximos à Praça
Roosevelt.
Repressão - 13 de junho de 2013
Chegando exatamente na esquina da rua Maria Antônia, eles pararam
novamente. Pelo que percebi, o número de pessoas tinha aumentado, e colegas
de imprensa também... Tudo começou a ficar maior.
Nesse momento comecei a sentir que o clima não estava bom, porque aumentou
o número de viaturas, gritos de manifestantes pedindo passagem começaram a
ficar mais intensos, os colegas de imprensa também, todos já atentos e você
percebia isso no semblante, nas conversas... que o clima ali não estava ficando
legal e que todo cuidado naquele momento já era pouco. Foi então que eu e
alguns colegas resolvemos ficar uns próximos aos outros, como profissionais de
imprensa, procurando preservar nossa segurança e até nossa identificação.
Todos com câmeras profissionais, não eram celulares, e alguns com capacete,
colete, máscaras – então, visivelmente era claro que ali eram profissionais de
imprensa.
Passado algum tempo, não sei exatamente quantos minutos, mas coisa muito
rápida, ouviu-se um primeiro tiro de bala de borracha e as primeiras bombas de
gás lacrimogênio sendo disparadas em direção aos manifestantes. Nesse
momento a primeira reação que eu tive, e da maioria das pessoas que estava
naquela esquina, foi de correr. Eu corri para o lado esquerdo, que é o da rua Caio
Prado, alguns colegas também. O restante continuou na esquina da Maria
Antônia. Alguns manifestantes voltaram no sentido da Praça Roosevelt.
Foi quando eu percebi uma tropa da polícia descendo a rua da Consolação no
sentido centro, em direção dos manifestantes, e outra da Maria Antônia. A
sensação que eu tive foi de uma emboscada, porque eles saíram de ambos os
lados, armados, atirando em direção aos manifestantes. O que me deixou ainda
mais preocupado e realmente com a noção de que o clima não era bom para
ninguém foi quando eu percebi alguns colegas meus, profissionais da imprensa –
repórteres, cinegrafistas, fotógrafos – sendo agredidos com tiros de balas de
borracha. Eles estavam posicionados em uma daquelas esquinas, mais próximas
da rua Maria Antônia, e a polícia militar, essa tropa, que estava armada com as
armas de balas de borracha, atirou na direção deles. Eu vi que eles correram,
fiquei preocupado, mas não consegui notar, pela distância em que eu estava, se
alguém tinha sido atingido, mas vi tiros na direção deles.
Repressão - 13 de junho de 2013
Esses tiros foram disparados em direção ao chão. Então naquele grupo de
pessoas, acho que o policial que direcionou a arma, teve uma preocupação de
não atingir uma área onde houvesse chance de um ferimento mais grave. Porém,
no meu modo de ver, isso não isenta a dor que uma pessoa pode sentir ao ser
atingida por uma bala de borracha.
Passado esse instante, eu já estava na esquina da rua Caio Prado, procurando
abrigo atrás de alguns veículos que estavam ali parados, porque, como a
Consolação havia sido fechada, os veículos não conseguiam atravessar, nem subir
a Consolação nem descer. Muitos manifestantes correram para a rua Caio Prado
para se afastar da polícia; eu fiquei abaixado atrás de alguns veículos, outros
colegas também. Nesse momento, mais algumas bombas de gás lacrimogêneo
caíram muito próximo do local onde eu estava. Então aquele gás insuportável
subiu, começou a ardência nos olhos, a tosse incontrolável, aquele estado de
penumbra em que você não consegue enxergar um palmo à sua frente. Então nós
procuramos nos afastar um pouco mais e eu me escondi atrás de uma banca de
jornal junto com outros colegas. As pessoas corriam ali, tentavam se abrigar
onde eu estava, mas o espaço já era curto para a quantidade de pessoas que já
estavam ali, então elas fugiam para o final da rua. Eu me recordo de ter ajudado
uma garota que estava correndo e tossindo muito e gritando, porque ela tinha
inalado o gás muito forte e ela tropeçou nos sacos de lixo que havia num poste e
caiu no chão. Eu com uma mão no rosto, tampando o nariz, conseguir dar a outra
mão para ela, ajudei ela a se levantar e ela continuou a se afastar dali.
Eu, como profissional de imprensa, não achei certo aquele ataque, porque até
então os manifestantes estavam totalmente pacíficos. Isso posso afirmar pelas
coisas que eu vi, pelo que presenciei. Não estou generalizando nem dando
opinião pelo que eu vi na TV. É minha própria experiência daquela noite.
Não concordando com aquele ataque, com aquelas bombas que caíam, eu decidi
fotografar a tropa que estava atacando na minha direção, que estava jogando as
bombas de gás e as balas de borracha na minha direção. Eu e alguns outros
profissionais ali também. No momento em que eu tomei a decisão de fotografar a
tropa que estava atirando na direção de onde eu estava, eu saí de trás da banca
de jornal, porque eu precisava de um campo de visão. A polícia, por poucos
Repressão - 13 de junho de 2013
segundos, havia parado de atirar. Esse foi um dos motivos também porque eu
tomei a decisão de sair de trás da banca de jornal e fotografá-los.
Tirei algumas pouquíssimas fotos, duas ou três fotos. Eu lembro do momento
exato em que fiz a última foto antes de ser atingido. Vou contar como foi. Eu tirei
a foto da tropa que estava posicionada no ponto saindo da Maria Antônia e já na
Consolação. Era um grupo de seis ou sete policiais, mais ou menos, posicionados
com escudos e armas, capacetes. Aparentemente, era a Tropa de Choque, pela
forma de atuação, mas depois acabamos sabendo que era Tropa de Elite, não sei
qual a diferença. Enfim, eles estavam agindo da mesma maneira, com total
brutalidade, atirando nas pessoas. Quando acabei de bater essa foto, peguei a
minha câmera e olhei para o visor, para ter uma noção se tinha conseguido
atingir o enquadramento que eu queria, e a cena, os policiais que estavam
atirando. De olhos abertos, eu senti o impacto da bala de borracha.
Foi um impacto que... a dor foi instantânea, profunda, terrível. Todos os piores
adjetivos com que você puder qualificar a dor, eu senti naquele momento. Meu
olho inchou muito rapidamente, coloquei a mão e minha pálpebra já havia
fechado, muito sangue já começava a cair e naquele instante eu pensei “fiquei
cego, não vou mais conseguir fotografar”. Foi uma sensação que eu tive.
Eu fui atingido no olho esquerdo por uma bala de borracha na rua da Consolação
e o policial que me acertou nitidamente adota um método de pura repressão,
violência e intenção de acertar a pessoa que está à frente dele. Eu tenho quase
1,80m de altura e a bala me atingiu exatamente no olho. Se existe alguma
recomendação da Polícia Militar de utilizar essa bala que diz que é para atirar da
altura da cintura para baixo (o que já é errado, porque atirar em uma pessoa já é
completamente fora de qualquer noção de civilidade)... Enfim, ele está indo
contra o próprio regulamento da corporação dele. Ele atirou da altura tronco-
cabeça. Está comprovado, há fatos históricos fora do Brasil, de gente que perdeu
a vida por conta de a bala de borracha atingir uma região letal, da cabeça, ou de
perfuração do olho através de um ângulo em que a bala adentra o globo ocular e
causa a morte da pessoa. Então, a Polícia Militar, nessa noite, nem essa
preocupação tinha: de seguir um “regulamento” interno que ela tem.
Eu precisava sair dali. Ainda estava em pé, mesmo com a tontura. Procurei me
afastar, desisti do local onde eu estava. Tinha muito mais pessoas correndo.
Repressão - 13 de junho de 2013
Começou um empurra-empurra e eu me afastando, cambaleando, tossindo por
causa do gás lacrimogêneo que ainda caía. Era uma sensação que aquilo não
terminava nunca, que as bombas não tinham fim. Saí cambaleando, gritando de
dor, até que esbarrei em uma pessoa que também fugia daquela situação. Essa
pessoa percebeu que eu estava ferido, perguntou o que tinha acontecido, eu
consegui responder, não sei como, mas consegui responder que havia sido
atingido possível por uma bala (que até então eu pensava em milhares de coisas
que pudessem ter me atingido, até realmente ter a noção e ouvir de pessoas que
estavam ali percebendo a minha situação, que havia sido uma bala de borracha).
E essa pessoa em quem eu esbarrei, automaticamente tomou a melhor decisão
da minha vida, que foi a decisão de querer me ajudar, me retirar daquela situação
de perigo. Então ele pegou meu braço, apoiou em volta do pescoço dele e
começou a me afastar, pela rua Caio Prado, no sentido da rua Augusta. Nesse
pequeno trecho da Caio Prado eu tive que parar para tossir, limpar um pouco do
sangue. Eu já tinha tirado uma blusa que eu tinha amarrado na cintura, colocado
sobre o olho para estancar um pouco o sangue. Tive que parar e tirar um pouco
desse sangue. A tosse também não tinha fim. Essa pessoa que me salvou ali nesse
instante começou a falar quem ele era, perguntou quem eu era, então teve uma
atitude de me passar confiança, mostrar que estava ali para me ajudar. Disse o
nome dele, disse que era professor, onde trabalhava e que eu podia ficar
tranquilo que ele encontraria um táxi e me levaria para o hospital.
Foi ali também que eu comecei a ter essa noção de que precisaria ir para um
hospital. Quando já estávamos já bem afastados da rua da Consolação, na esquina
da Augusta, eu tive que parar num posto de gasolina, que já estava fechando,
porque tinha muita viatura passando, muitas pessoas correndo, o clima já era
realmente de confronto entre a polícia e os manifestantes. O posto estava quase
fechando e essa pessoa entrou lá e comprou uma garrafa de água para mim; eu
consegui tomar um pouco de água, passei um pouco de água sobre o olho ferido.
Dali decidimos encontrar um hospital. Pensamos em ir à Santa Casa, porém a
Santa Casa fica do lado contrário de onde estávamos, ou seja, do lado onde eu
havia sido atingido, então era impossível ir para lá. Pensamos em encontrar um
táxi, mas o trânsito na Augusta e na própria Caio Prado estava tudo parado,
então se entrássemos em um táxi ou em um ônibus a gente não iria sair do lugar.
Repressão - 13 de junho de 2013
Foi aí que me lembrei do Hospital 9 de Julho, porque a avenida 9 de julho fica ali
bem próxima, e pedi que me levasse para lá. Ele me carregando, descemos até a 9
de julho. Começamos então nossa via sacra, porque chegar até o hospital foi um
dos momentos bem difíceis daquela noite, porque o hospital não ficava próximo
e nós tivemos que caminhar cerca de 30 a 40 minutos, porque eu não tinha
velocidade, estava sendo carregado e havia um peso para ele, que era o peso do
meu corpo.
A todo momento, durante essa caminhada, eu comecei a sentir ânsia de vômito e
num trecho da 9 de julho eu tive que parar e eu vomitei, pouca coisa. Não foi um
vômito desses comuns, quando se tem uma infecção por alimento, saía água, não
saía nada, mas eu com aquela sensação do vômito a todo instante. E ele também.
(...)
Eu me recordo que nessa caminhada a todo momento passavam viaturas pelo
corredor da 9 de julho. Policiais, moto, carro, e manifestantes correndo. Muitos
nos ultrapassavam, porque estavam correndo. Até que conseguimos chegar ao
Hospital 9 de Julho. As pessoas que estavam na porta do hospital ficaram bem
assustadas quando eu tirei a camisa com que eu estava cobrindo o olho ferido.
(…)
Dei entrada no hospital com um trauma ocular considerado muito grave. Tive,
durante esses primeiros socorros, eu me recordo de ter tomado de duas a três
doses de morfina, por conta da dor. Havia toda um processo burocrático no
hospital em relação a plano médico.
(…)
Até então recebi ali um primeiro socorro, que foi uma limpeza da região
atingida, um curativo adequado, até que um médico de plantão conseguiu
entender a gravidade da minha lesão. Eles fizeram um exame que acredito que
tenha sido uma tomografia e foram constatadas duas fraturas na órbita ocular.
Eu continuo com essas duas fraturas, dois meses depois, por conta do tratamento
médico que estou fazendo...
Continuando no Hospital 9 de Julho, o médico, depois dos exames, percebeu que
eu precisaria passar por uma cirurgia.
(…)
Repressão - 13 de junho de 2013
Fui transferido para outro hospiral. Passei aquela madrugada sob os cuidados
deles, até que foi identificada a urgência da cirurgia, porque eu tinha um corte no
globo ocular. Então a questão era suturar esse corte e parar o sangramento.
Recebi 5 pontos dentro do olho, ou seja, no globo ocular. A equipe médica
decidiu não fazer nenhuma outra cirurgia no sentido de reestruturação do olho,
porque pelo que foi atestado clinicamente e através do boletim médico, a lesão
foi muito, muito séria, meu olho teve danos gravíssimos e a cirurgia naquele
momento traria o risco muito alto de eu perder a visão desse olho. Então a minha
família concordou em não fazer logo essa cirurgia e continuar com o tratamento
que venho fazendo até hoje.
Ainda no hospital, após a cirurgia, eu acompanhava o noticiário sobre as
manifestações e senti até, primeiro, um sentimento de revolta, porque fiquei
sabendo que outros colegas tinham sido atingidos, e uma senhora que estava por
acaso na manifestação e tomou um tiro de bala de borracha no pescoço, vi a
imagem dela, uma ferida enorme no pescoço. Depois eu vi a fotografia da colega
Giuliana Vallone, repórter da Folha de S.Paulo, e através do retrato dela eu me vi,
imaginei o meu rosto, que até então eu não sabia como meu olho estava. Sabia
que estava inchado, machucado, mas não tinha uma noção visual, e através do
retrato dela, aquela cena do olho dela muito inchado, com sangue, com corte, eu
me vi e bateu primeiro um sentimento de revolta.
Ao longo do dia, ainda no hospital, eu e minha esposa acompanhando o
noticiário, eu vi a declaração do secretário de Segurança Pública, Fernando
Grella, e de outras patentes altas da Polícia Militar dizendo que todos os casos de
pessoas feridas, de possível abuso da Polícia Militar, seriam apurados.
Foi aí que eu imaginei: a Polícia Militar, ou algum outro representante do
governo do Estado virá me procurar para saber como estou, colher meu
depoimento, enfim... Isso durante a sexta-feira e a manhã do sábado.
No sábado, dia 15 de junho, pela manhã, eu fiquei sabendo que ia ter alta do
Hospital e até então nenhum representante da Polícia nem do Estado me
procurou. A não ser profissionais de imprensa interessados no assunto, família e
amigos, ninguém me procurou. A Polícia Militar do Estado de São Paulo e
nenhum representante do governo nem sequer descobriram nosso telefone nem
ligou para o hospital para saber do meu estado de saúde. Eu achei isso como se
Repressão - 13 de junho de 2013
fosse a própria violência da bala de borracha. Um outra forma de violência: você
ser esquecido pelas pessoas que zelam por esse Estado, sendo que eles foram os
responsáveis pelo ferimento, pela violência que eu sofri. Achei isso muito
desumano.
Enfim, também não ia fazer diferença se eles aparecessem ou fossem pedir
desculpa, porque o fato é que a violência já tinha acontecido e eu estava ali
praticamente sem visão, no hospital.
Eu fecho esse relato da minha experiência até a saída do hospital com uma
opinião um pouco mais geral, pensada, sobre se, passados quase dois meses do
fato: hoje é certo que eu perdi a visão do olho esquerdo por conta do impacto da
bala de borracha que atingiu meu olho esquerdo. Então, hoje tenho a visão
monocular, não estou trabalhando, não tenho recebido nenhum apoio do
governo. O único apoio que eu tenho é da minha família, dos meus amigos e o
respeito de uma parte da imprensa que se preocupa ainda com meu caso e que
não quer deixar essa história ser esquecida. Até porque, se isso for esquecido,
claramente a polícia voltará a cometer esse tipo de violência. Porque, como pode
ser visto em todo o país, as pessoas andam agora bastante organizadas, saem
bastante às ruas, vão protestar, então a possibilidade de outra pessoa ser
atingida por uma bala ou até mesmo sofrer um dano por um gás de pimenta ou
qualquer outra arma que eles chamam de menos letal, é muito grande.
O que eu peço e que venho discutindo nesses últimos dois meses, é que a Polícia
Militar, não só do Estado de São Paulo, mas também de todo o Brasil e até de
outros países, não utilize mais arma com bala de borracha e nem mesmo o gás
lacrimogênio, porque as pessoas que inalam aquele gás ficam traumatizadas,
passam mal e se tiverem algum problema de saúde podem vir a desencadear
uma doença ou até um trauma eterno como esse que vou ter de carregar para o
resto da minha vida. Então, peço que a polícia militar de todo o país não utilize
mais o armamento [menos] letal. Além de não trazer a paz a esse tipo de evento,
no caso as manifestações nas ruas, eu vejo esse tipo de arma como uma
predisposição ao manifestante, às pessoas que estão nas ruas defendendo seus
direitos a irem já com uma certa preocupação. Não é cautela, nem medo, porque
se elas estão na rua, elas vão fazer o que tiver de ser feito para serem ouvidas. Se
a polícia começar a atirar com esse tipo de arma e essa pessoa for alguém com
Repressão - 13 de junho de 2013
um nível de revolta elevado, ela vai ter a reação de partir para a violência. É ação
e reação, que gera a violência.
Acredito que a polícia ou o governo têm a obrigação de encontrar uma forma de
defender o direito dessas pessoas de se manifestarem, ou de qualquer outro tipo
de ato público na rua, que não seja manifestação, como acontece, por exemplo,
em evento esportivo: numa São Silvestre, que acontece todo ano, a Polícia Militar
está na rua defendendo, protegendo, organizando para que o evento ocorra da
melhor maneira possível. Eu acho que no caso de uma manifestação poderia ser
adotada uma estratégia nesse sentido também: um diálogo com os
representantes de ambos os lados, uma preocupação de que a segurança pública
esteja ao lado das pessoas que vão para as ruas, que essa segurança pública seja
para defender essas pessoas, para apoiar o direito delas.
Depoimento 9 - Tais Chartoni Rodrigues
Meu nome é Tais Chartoni Rodrigues, tenho 22 anos e sou estudante de direito.
Na concentração do Teatro Municipal estava super pacífico, os grupos se
reunindo, cantando, com faixas e a polícia já vinha se concentrando em grupos,
nas esquinas, e ia parando pessoas, indiscriminadamente, para revistar. Aquelas
que tinham vinagre na bolsa eram detidas… E a gente achou um absurdo. Eles
diziam que era para apreender, para averiguação, e levavam as pessoas para a
delegacia. Qualquer pessoa que estivesse com máscara… Às vezes não tinha o
menor critério…
(...)
O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da Tropa de
Choque foi o mais marcante, porque até então a gente acreditava que os policiais
da Tropa de Choque estavam ali para dispersar… A gente ainda tinha, no limite,
essa ilusão. E ali, encurralados, tivemos essa última tentativa de demonstrar que
estávamos em paz, nos sentamos, porque ali não tínhamos saída. E foi o
momento mais chocante, com eles jogando bomba em cima da gente. Foi nesse
momento inclusive que eu caí, perdi meu sapato, uma bomba antes de explodir
bateu na minha mão, que ficou queimada… Eu não sei que tipo de bomba era,
Repressão - 13 de junho de 2013
parecia uma balinha em brasa, que bateu em mim antes de estourar, e estourou
do nosso lado. Nessa hora foi o caos, a gente não conseguia respirar, o vinagre
não era suficiente…
(...)
Em frente ao bar Atenas, na Rua Augusta, foi uma hora bem angustiante, porque
veio aquela multidão na porta, a gente achando que ia morrer, muito gás, a gente
mal conseguia respirar... Um garçom do restaurante me viu, viu que eu estava
caída no chão, sem sapato, me puxou e consegui entrar com uma ou duas
pessoas. No começo, nos primeiros vinte minutos ainda tinha entrado muito gás
no próprio restaurante, ao abrir a porta para as pessoas entrarem, então as
pessoas lá dentro ficaram meio sufocadas, os clientes e os funcionários ficaram
meio assustados… Eu fiquei lá de dentro das portas de vidro, observando o que
continuava acontecendo, foi horrível... Foram várias cenas absurdas da polícia
fazendo barreira, atirando bala de borracha nas pessoas, parando e revistando as
pessoas que passavam na rua, muitos manifestantes, que andavam
tranquilamente, tentando fugir… Eu vi várias pessoas sendo levadas pelo carro
da polícia, sendo tratadas como se tivessem praticado algum crime, como se
tivessem que ser levadas… Quando eu estava dentro do restaurante, que eu vi
eles atirarem contra umas pessoas, era uma distância bem próxima, que em nada
justificava.
Depoimento 10 - Thaisa Oliveira Meu nome é Thaisa Oliveira, sou diretora de fotografia.
No dia 13/6 cheguei entre as 19h30 e 20h. Eu queria pegar a passeata. Quando
desci no metro Paulista, já estava tudo fechado pela polícia, não tinha mais carro
passando naquela hora. Eu não conseguia descer pela Rua da Consolação, ela
estava fechada pelos policiais. A Av. Paulista já estava interditada para os carros.
Desci pela Rua Augusta, e vi quinze caminhões de Choque passando, descendo a
Augusta correndo. Eles paravam em uma esquina, saíam dos carros, se
posicionavam na frente do carro com as armas de borracha apontadas para as
pessoas, ficavam cinco minutos, entravam no carro e desciam mais um
quarteirão, paravam na esquina, só para as pessoas verem que eles estavam com
aquelas armas, e seguiram correndo de novo.
Repressão - 13 de junho de 2013
(...)
Ficamos presas ali na frente do Cemitério da Rua da Consolação, porque a gente
não conseguia nem ir pra frente, porque eles começaram a soltar umas bombas
pra frente, nem pra trás, porque a cavalaria estava lá. Aí nessa hora a gente viu
umas pessoas, do outro lado da calçada, querendo sair também, descendo em
direção ao centro correndo, e a polícia começou a atirar, na nossa frente, na
direção das pessoas correndo, de costas pra polícia, correndo na direção
contrária deles, e eles começaram a atirar. A gente ficou encurralada do outro
lado, no muro do Cemitério, sem saber o que fazer, vendo aquilo, tiro da
esquerda, tiro da direita, cavalaria na esquerda… A gente ficou uma meia hora ali
parada, porque não tinha para onde ir. E o que a gente viu várias vezes na
Consolação, com a cavalaria, na hora que a gente estava subindo, foi isso, as
pessoas correndo na direção contrária da polícia, e a polícia atirando nas costas
das pessoas, com balas de borracha. Na Paulista a gente também viu isso, mas na
Consolação foi muito claro, naquela descida, as pessoas correndo em direção ao
centro e a polícia atirando, na nossa frente, atirando nas costas das pessoas, a
dois quarteirões de distância, sem a menor necessidade.
Passaram umas três levas de cavalaria e pensamos que dava para irmos embora.
A gente teve que atravessar a Consolação, no meio de bomba de gás, no meio de
tiro de borracha, porque eles não tinham ido embora ainda. A gente conseguiu se
enfiar pelo meio das outras ruas.
(...)
Tinha gente claramente que estava voltando do trabalho, tentando voltar pra
casa, que não tinha nada a ver com aquilo. A gente ficou um tempo conversando
com um cara do metrô Consolação, pedindo para podermos entrar, e de repente
a gente escutou uma gritaria “Sai pra rua, vai pra rua, vai pra rua”, e quando
olhamos, passaram as motos de policiais. Tinha quatro motos vindo, subiram na
calçada, em alta velocidade. Tentando dispersar a gente para a rua. Eu peguei
uma senhora, com 60 ou 70 anos, que estava tentando entrar no metrô, falei
“Vem pra cá”, e ficamos numa porta de vidro, virada ao contrário, para se
proteger das motos, mas nisso os policiais desceram das motos, com cassetete na
mão, gritando “Vai pra rua, vai pra rua”. Eles não deixavam a gente ficar na
calçada. A gente estava lá tentando se proteger deles, e eles mandando a gente ir
Repressão - 13 de junho de 2013
para a rua, pro asfalto. “Vai pra rua, vai pra rua”, e nisso com o cassetete
levantado. Foi nessa hora que o cassetete passou raspando no meu braço, eu
fiquei tentando proteger a senhora que eu sabia estava ali de coitada, que nem
sabia o que estava acontecendo, e nessa hora a gente foi para rua.
Tinham poucas pessoas que ficavam na rua, porque na rua sempre caia uma
bomba, e tinha as balas de borracha, então as pessoas tentavam não ficar na rua.
Acontecia de eles mandarem as pessoas para rua, as pessoas se dispersavam, e
aos poucos davam um jeito de voltar para calçada, para depois voltar para a rua
de novo.
Pensamos em ir para a Rua Dr. Arnaldo, mas não conseguíamos, porque a
cavalaria estava bloqueando a pista para ir pra lá. Você não conseguia sair do
quarteirão, porque a polícia estava prendendo a gente na rua.
Os policiais estavam encurralando as pessoas, as pessoas não podiam ir embora,
e os policiais meio que riam da cara das pessoas que queriam ir embora, e
mandavam a gente ficar na rua. Não podia ficar na calçada, não podia se proteger
debaixo de uma coluna, não podia fazer nada. A gente tinha que ficar exposto
para eles.
Encontramos uma pessoa que estava machucada por um estilhaço de bomba na
perna, que não estava conseguindo andar direito, e ajudamos ela a andar até o
metrô. Tinham várias pessoas deitadas no chão, na calçada, nesse prédio que fica
na esquina da Consolação com a Paulista. A gente ficou um tempo parada nessa
esquina, sem saber para onde ia …
Mas tudo entre a gente decidir subir pra Paulista e conseguir pegar o metrô
foram umas duas horas. A gente não conseguia ir embora. E eles não estavam
deixando as pessoas irem embora.
Quem estava naquela região da Paulista, seja manifestante, seja pessoa que não
estava na manifestação, foi agredida. Todo mundo. Pelo menos sentiu um pouco
de gás, não conseguia voltar pra casa. Eles sitiaram toda aquela região, várias
ruas… Tudo sitiado. Encontramos um monte de gente parada porque não sabia
para onde ir. Tinha bomba aqui, tinha tiro aqui, e as pessoas estavam
encurraladas… Não tinha diferenciação de ninguém, também, qualquer coisa que
você perguntasse eles não te respondiam…
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