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REPRESENTAÇÕES DE FEMINILIDADE NAS EXPOSIÇÕES “SARAU NO
PALÁCIO SÃO FRANCISCO” (2016) E “MEMÓRIAS INESQUECÍVEIS”
(2012)
Caroline Müller 1
Anna Lucia da Silva Araújo Vörös 2
Resumo: Neste trabalho apresentamos uma discussão sobre as representações de feminilidade
presentes nas exposições “Sarau no Palácio São Francisco” (2016), realizada no Museu Paranaense
e “Memórias Inesquecíveis” (2012), mostra permanente do Museu da Indumentária e da Moda. A
temática que as une é a apresentação de eventos sociais a partir de uma perspectiva histórica e o uso
de peças do vestuário feminino e de fotografias para compor sua narrativa. Para estabelecer a
análise, descrevemos as exposições por meio de fragmentos textuais e imagéticos coletados nos
sites das instituições, e trechos de relatos de suas/eus curadora/es. A partir dessas fontes,
problematizamos sobre as representações de feminilidade presentes nas narrativas expográficas e o
modo como foram articuladas. Para tanto, construímos um diálogo entre as abordagens de Carvalho
(2008), Miller (2013), Ribeiro (2010) e Scott (1998; 2000) a fim de abordar aspectos envolvidos na
questão tais como a curadoria, o recorte temporal e geográfico das mostras, os artefatos que as
compõem, bem como as categorias de geração, classe social e raça/etnia das mulheres
representadas. Compreendemos que as narrativas expográficas estabelecem, por meio de
documentos, argumentos que evidenciam, reproduzem e/ou afirmam modelos de feminilidade. Por
fim, o trabalho abre espaço para um debate sobre como as duas instituições trataram as relações
entre moda, indumentária e gênero.
Palavras-chave: Museus. Exposições. Representações de feminilidade. Indumentária. Fotografia.
Introdução
Escrevendo em 1994, o historiador Ulpiano Toledo Bezerra de Menezes, defendeu que uma
exposição é uma organização de objetos para produção de sentidos. Para o autor, ela é um
enunciado sobre certos problemas humanos, desenvolvido com o suporte das coisas materiais. Em
diálogo com Menezes, o também historiador Francisco Régis Lopes Ramos (2004) afirmou que a
exposição é um ato comunicativo. Segundo Ramos (2004), o objetivo dos museus e instituições
culturais não é promover a celebração de personagens ou uma classificação enciclopédica da
natureza, mas sim buscar uma reflexão crítica. Em outras palavras, estes lugares não assumem a
postura de contemplação e de uma suposta neutralidade científica, mas assumem um argumento
crítico motivado por escolhas, tais como a coleta, o arranjo e disposição que tecem a exposição.
1 Doutoranda em Design pelo Programa de Pós-Graduação em Design (PPGDesign) na Universidade Federal do Paraná
(UFPR), Curitiba, Paraná – Brasil.. 2 Doutoranda em Design pelo Programa de Pós-Graduação em Design (PPGDesign) na Universidade Federal do Paraná
(UFPR) e professora do Departamento Acadêmico de Desenho Industrial da Universidade Tecnológica Federal do
Paraná (UTFPR), Curitiba, Paraná – Brasil..
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Neste artigo, nosso interesse está em apresentar uma discussão inicial sobre as
representações de feminilidade registradas nas exposições “Sarau no Palácio São Francisco” (2016),
realizada no Museu Paranaense e “Memórias Inesquecíveis” (2012-atual), do Museu da
Indumentária e da Moda (MIMo). O Museu Paranaense3 é uma instituição estadual que foi
inaugurada em 1876 e tem como objetivo receber, organizar, guardar e divulgar artefatos relativos à
história do Paraná. Mantém um acervo de aproximadamente 400 mil itens, do qual a indumentária
faz parte e tem sido motivo para estudo e debate na instituição. O MIMo, por sua vez, é um museu
digital4 que foi criado em 2012 com o objetivo de disponibilizar conteúdos sobre a história da
indumentária investigada sob a perspectiva da Moda. Seu trabalho prioriza o estudo da produção e
dos usos atribuídos à indumentária em diferentes cidades brasileiras nos séculos XX e XXI. Seus
conteúdos são apresentados em seu website por meio de documentos textuais e imagéticos
(fotografias, desenhos, croquis e vídeos).
Como argumento, pontuamos que as exposições marcam representações de gênero
materializadas nos artefatos, utilizando como estratégia para problematizar, cronologicamente,
temas como mulher, corpo e família. Compreendemos ainda que as narrativas expositivas
estabelecem, por meio de diferentes tipos de documentos, argumentos que evidenciam, reproduzem
e/ou afirmam modelos de feminilidade. Para isso, nos filiamos a autoras como Vânia Carneiro de
Carvalho (2008), Joan W. Scott (1998; 2000) e Marinês Ribeiro dos Santos (2015).
Procuramos, num primeiro momento, reconstruir e identificar ações que marcaram os
eventos, tais como as fontes utilizadas e as divisões das mostras. Ainda, para a exposição "Sarau no
Palácio São Francisco” (2016) tomamos como referência reportagens que foram veiculadas no
website e no canal do Youtube da instituição.
Em seguida, analisamos o discurso verbal e visual proposto pelas duas exposições. Nossa
intenção foi, com esse conjunto de fontes, problematizar os argumentos presentes nas narrativas
expositivas e as representações de feminilidade nelas apresentadas, dialogando com autoras que
conduziram suas discussões sobre representações de feminilidades. Em diálogo com Vânia Carneiro
3 O endereço de seu website é: <http://www.museuparanaense.pr.gov.br/>. 4 O MIMo utiliza a denominação de museu digital para descrever suas características de funcionamento. A partir de
Rosali Henriques (2004), compreendemos o termo museu digital como sinônimo de museu virtual, e esta caracterização
está ligada a dois motivos: primeiro porque não há um espaço físico do museu que possa ser visitado por seu público e
porque a maior parte de suas ações é realizada em uma plataforma digital, acessada por meio do endereço de seu
website: <http://www.mimo.org.br>. Além disso, vale observar que o MIMo é vinculado ao grupo de pesquisa Museu
da Indumentária e da Moda: pesquisa e desenvolvimento de um museu digital. Desse modo, compreendemos que ele
também atua como um espaço para a divulgação do trabalho do grupo de pesquisa (Márcia Merlo, entrevista, 2015).
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de Carvalho (2008), adotamos as imagens inscritas nas fontes não apenas como ilustrações, mas sim
como discursos visuais produzidos em determinados contextos.
A discussão destas questões abre espaço para pensarmos sobre como as relações de gênero
estão sendo debatidas e explicitadas em museus e instituições culturais. A seguir, apresentamos
algumas ações que marcaram os eventos.
Reconstruindo alguns momentos das exposições
Entre os dias 12 de maio e 12 de junho de 2016, o Museu Paranaense – Curitiba (PR), em
parceria com a Universidade Federal do Paraná (UFPR) e outras instituições culturais5, realizou a
exposição “Sarau no Palácio São Francisco”. A mostra teve o Grupo de Trabalho de Moda do
Museu Paranaense6 como responsável pela curadoria, que encontrou na atividade uma maneira de
retomar as discussões sobre o Acervo de Indumentária da instituição. Responsável por organizar e
dirigir a exposição, o grupo é quem apresentou o objetivo e o argumento da mostra, por meio de
texto, objetos e imagens.
De acordo com uma reportagem do dia 09 de maio de 2016 compartilhada no site do museu,
a mostra apresenta uma sala de música no Palácio São Francisco, atual sede do MP,
retratando os saraus em ambientes particulares de Curitiba nas primeiras três décadas do
século XX. O objetivo é resgatar os momentos de sociabilidade que envolviam música,
dança, poesia, literatura e política, além de remeter aos trajes e acessórios usados nesses
eventos (MUSEU PARANAENSE, 2016a).
Nesse sentido, com a intenção de reconstruir fragmentos sobre os costumes e as práticas
sociais que contemplavam a elite curitibana no início do século XX, trabalhou-se com uma
narrativa expositiva pautada em fotografias, indumentária, textos de jornais e revistas da época7
como evidências e indícios históricos (BURKE, 2004). Ainda, ao propor a reconstrução de uma sala
de música do início do século XX em Curitiba, a organização da exposição alinhou-se à proposta de
5 Instituições como o Clube Curitibano, a Sociedade de Amigos do Museu Paranaense (SAMP) e alunos(as) da
Universidade Federal do Paraná contribuíram com a pesquisa, processo de curadoria e montagem da exposição. 6 Este grupo deu início às suas atividades no ano de 2014 em parceria com o Programa de Educação Tutorial da História
(PET) UFPR. Em 2015, contudo, suspendeu seus trabalhos, retornando em 2016. Ao retomar os trabalhos, o grupo,
majoritariamente feminino, passou a ser composto por Carolina Damrat (Historiadora do Centro de Memória do Clube
Curitibano), Caroline Muller (doutoranda em design – PPGDesign UFPR), Claudio Luis Ogliari (Setor de Educação
Patrimonial do museu), Maria Luiza de Almeida Scheleder (colaboradora do museu), Tatiana Takatuzi (responsável
pelo Setor de História do museu) e o Programa de Educação Tutorial da História (PET) UFPR. 7 Foram utilizados jornais e revistas que circulavam por Curitiba no início do século XX para compor a narrativa da
exposição: “Jornal O Estado do Paraná” (1926), “Jornal Correio do Paraná” (1932; 1933), “Jornal O Estado” (1936),
“Revista da Semana” (1925), “Revista Ilustração Paranaense” (1929), “Jornal Gazeta do Povo” (1921).
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reproduzir um cenário com um repertório de coisas materiais que eram produzidas, circuladas e
utilizadas por uma camada social específica na cidade.
Pensando no percurso expográfico, no ambiente anterior à sala, ao lado direito, foi
posicionado um chapeleiro e, ao lado esquerdo, um painel de apresentação da exposição, como é
possível observar na Figura 1A.
Figura 1 - A: Ambiente que antecede a sala de exposição. B: Lado esquerdo da sala de exposição. C: Panorama ao
entrar na sala de exposição. C: Lado direito da sala de exposição. Fotografia: Caroline Müller (10 de maio de 2016).
Ao entrar na sala, no lado esquerdo, foram posicionados dois painéis. O primeiro deles,
nomeado “Mundanidades ecos da moda: Chapéus, Luvas e Leques”, apresentava imagens e trechos
de reportagens de jornais e revistas sobre manuais de etiqueta que circulavam na cidade. O segundo,
“Usos e prescrições”, oferecia uma leitura sobre o uso de trajes femininos e masculinos em ocasiões
festivas e suas prescrições. Estes painéis contribuíam para a contextualização das fontes
tridimensionais, na medida em que chapéus, carteiras, manequins com vestidos, um casaco de pele,
luva e outros acessórios foram expostos próximos a eles (Figura 1B). Outro aspecto importante é
com relação ao circuito expositivo, em que a organização dos painéis direcionou a escolha dos
artefatos para compor a narrativa da exposição.
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Já ao fundo da sala, um piano, um violino e um gramofone foram selecionados para
representar o cenário dos saraus no início do século XX. Ao lado esquerdo da Figura 1C é possível
observar um conjunto de cinco leques e, ao lado direito, a representação de um homem e uma
mulher contemplando o evento. No dia de abertura da exposição, o público pode apreciar uma
apresentação de instrumentistas tocando músicas dos anos 1920 e 1930, além da declamação de
uma poesia.
Por fim, a parede ao lado direito contemplou o painel “Sarau Musical”, que evidenciou
músicos, lojas de instrumentos e trechos de reportagens veiculados em jornais e revistas sobre esse
tipo de evento cultural. Aliado à narrativa do painel, chapéus, carteiras, lenços, um relógio de
parede, uma cadeira, um banco e um rádio ajudavam a construir sentido, valores e ações para o
local.
Grande parte dos artefatos, das imagens e das citações utilizadas na mostra pertencem ao
acervo do Museu Paranaense. Algumas bolsas, lenços e chapéus foram emprestados pela artista
plástica Maria Luiza de Almeida Scheleder, umas das principais doadoras de indumentária da
instituição. Além de propor debates e reflexões sobre esta tipologia de acervo, a exposição foi
idealizada no período que ocorreu o evento Moda Documenta8, momento que concedeu visibilidade
à instituição no circuito de museus brasileiros que contemplam acervos de indumentária, atraindo
pesquisadores e pesquisadoras de diferentes estados do país que estudam e se interessam pelo tema
registrado.
Diferente da exposição "Sarau no Palácio São Francisco", a mostra "Momentos
Inesquecíveis" do Museu da Indumentária e da Moda (MIMo) está em um museu digital, e, por isso
não apresenta um percurso de visitação explícito ou linear. Sua lógica de apresentação funciona
como um website e cada história desvelada é apresentada em um formato de página da web, por
meio de um link a ser acessado. Trata-se de uma mostra de longa duração9 realizada desde o ano de
8 O Moda Documenta é um evento de caráter técnico-científico que promove reflexões que privilegiam os aspectos
relativos à memória, à cultura material, à museologia e à moda, sobretudo, volta-se à reflexão dos modos de vestir em
suas múltiplas perspectivas e possibilidades analíticas, considerando que o vestir abrange o fazer, o saber, o ser, o estar,
o sacralizar e o descartar. Em 2016, durante os dias 12 e 14 de maio, teve sua edição na cidade de Curitiba e foi
realizada pelo Departamento de Design da Universidade Federal do Paraná, no Centro Histórico da cidade, em que
algumas atividades foram realizadas no Museu Paranaense. Disponível em: <http://www.modadocumenta.com.br/>.
Acesso em: 10 mar. 2017. 9 Na falta de outro termo, emprestamos essa terminologia a partir do que é estabelecido para denominar as exposições
de longa duração realizadas no âmbito dos museus físicos. No entanto, cabe observar que houveram algumas mudanças
de conteúdo e adaptações de layout no ano de 2015, inclusive a mudança do nome da exposição de Histórias
Desveladas para Momentos Inesquecíveis.
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2012 pelo MIMo, no entanto nosso recorte é composto pelo conjunto de 18 histórias desveladas,
publicadas entre 2012 e 2015.
A mostra é fruto da curadoria das fotografias pertencentes ao "Acervo Imagens
Fotográficas" do MIMo e apresenta histórias sobre a indumentária no contexto brasileiro, narradas
por meio de histórias desveladas10 (MIMo, 2017a). As histórias desveladas são compostas por
fotografias, depoimentos sobre as famílias e a história da cena registrada e uma interpretação da
circulação e uso da indumentária nos contextos sociais e históricos da época do registro.
O conjunto das 18 histórias desveladas apresentam fotografias nas quais foram registradas
mulheres, sozinhas ou acompanhadas. Observamos também que 15 depoimentos foram cedidos por
mulheres e os outros 3 foram cedidos por casais. Outro dado que gostaríamos de ressaltar é o
número de pessoas que fizeram as interpretações: 17 foram feitas por 08 mulheres e 1 por um
homem.
Nesse sentido, propomos a investigação das duas exposições, "Sarau no Palácio São
Francisco" e "Momentos Inesquecíveis" a partir de uma leitura crítica das suas narrativas
expositivas e do modo como os documentos que as compõem foram nelas articulados. No caso da
mostra "Momentos Inesquecíveis" também fizemos um outro recorte, qual seja, analisar uma
história desveladas ligadas ao período da década de 1920, visto que é o mesmo contexto temporal
retratado na mostra "Sarau no Palácio São Francisco", intituladas como "Família Sayeg, Traços de
uma vida e de uma cidade – São Paulo"11.
Visamos com esta análise identificar representações de feminilidade presentes nos discursos
verbais e imagéticos veiculados pelos documentos que compõem as exposições. Ainda, nossa
intenção foi compreender o modo como os corpos, os comportamentos e os eventos sociais foram
articulados com ideias sobre as identidades sociais das mulheres e dos homens retratados.
Diálogos possíveis sobre as representações de feminilidade nas exposições
Dantes, uma senhora, mesmo muito chic, usava meias de algodão, sapatos e luvas simples;
actualmente não há mais nenhuma que não use meias de seda, sapatos e luvas (MUSEU
PARANAENSE, 2016b).
A residência do casal na Rua Frei Caneca, na primeira quadra da Avenida Paulista, era
organizada por Genny, que ficava em casa e era uma ótima anfitriã. Leão tinha por hábito
encher a casa de amigos e promover confraternizações (MIMo, 2017b).
10 Adotamos o recurso do itálico para identificar que o termo foi cunhado pelo MIMo, diferenciando-o da escrita do
nosso texto. 11 Disponível em: <http://mimo.org.br/historias-desveladas/familiasayeg/>. Acesso em: 02 jul. 2017.
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Descrições como estas podem ser recorrentes nas falas sobre as mulheres no início do século
XX, segundo os quais o ideal de beleza feminino era construído via prescrições. No entanto, é
importante problematizar sobre quais mulheres as exposições discorrem. Na exposição “Sarau no
Palácio São Francisco”, por exemplo, houve uma preocupação em caracterizar a mulher que
circulava pelos saraus na cidade de Curitiba entre 1900 e 1930. Ela utilizava roupas inspiradas na
moda francesa e usava chapéus, luvas e leques para a noite. A mulher é aqui caracterizada como
burguesa, branca, urbana e jovem. Nas histórias da exposição "Momentos Inesquecíveis" são
retratadas eventos ocorridos entre a década de 1920 e 2000 em diferentes cidades brasileiras. A
mostra não tem uma temática única, mas todas apresentam histórias sobre mulheres: ora sozinha,
ora acompanhadas de seus maridos e demais familiares. Outra questão evidente na exposição diz
respeito à ideia de família, nela descrita por um núcleo familiar heterossexual. Cabe ainda comentar
que, em algumas histórias, existe uma breve contextualização da época. No entanto, as informações
são pouco problematizadas.
No contexto do movimento feminista, Joan W. Scott (1998) problematiza a categoria
gênero, afirmando que é uma percepção sobre as diferenças sexuais. Para ela, o que interessa são as
formas como se constroem significados culturais para essas diferenças. Nas palavras da autora,
“existe uma subjetividade criada para as mulheres, em um contexto específico da história, da
cultura, da política” (SCOTT, 1998).
Nesse texto, propomos pensar a categoria mulher apresentada nas exposições como ideais
femininos do início do século XX. Compreendemos que esses ideais foram construídos a partir de
prescrições que circulavam socialmente e que foram estabelecidas como normas. Para um exercício
de análise, problematizamos sobre o modo como as representações de feminilidade foram
articuladas em cada exposição e, na sequência, estabelecemos comparações entre as duas narrativas
expositivas para delinear algumas similaridades.
Em parte, as fontes utilizadas nas exposições “Sarau no Palácio São Francisco” e
“Momentos Inesquecíveis” para a elaboração do argumento, fotografia, anúncios, artefatos, são
meios para a construção de tipos ideais em relação ao gênero, por exemplo (CARVALHO, 2008).
Na exposição “Sarau no Palácio São Francisco”, por exemplo, é apresentada uma série de imagens
e anúncios publicitários como testemunho sobre as feminilidades curitibanas do início do século
XX. O Museu Paranaense teve um cuidado em demonstrar os assuntos por meio das fontes
primárias, caracterizando-as no tempo e espaço, por meio da informação sobre as datas e locais de
produção. No entanto, observamos que os artefatos expostos não são referenciados diretamente nos
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textos e não contêm legenda, dificultando sua localização temporal e espacial (Figura 2). Ainda, o
fato da organização dos painéis ter direcionado a escolha dos artefatos contribuiu para que eles
operassem como uma extensão das narrativas já construídas e defendidas nos jornais e revistas.
Figura 2 - Painel "Usos e prescrições" e dois manequins femininos da exposição "Sarau no Palácio São Francisco".
Fotografia: Caroline Müller (10 de maio de 2016).
Na exposição do MIMo, tomando como recorte a história “Família Sayeg, Traços de uma
vida e de uma cidade – São Paulo”, são apresentadas imagens e textos, a saber: 4 fotografias e 01
pintura da família Sayeg, 19 imagens de outras fontes, 01 depoimento e 01 interpretação. A
estrutura visual foi composta de modo a criar duas divisões, informando a seus leitores e leitoras a
existência de um depoimento e de uma parte de interpretação. Esta estrutura torna-se visível pelo
uso de dois títulos, de diferentes fontes e tamanhos; pela informação a respeito da origem das
imagens e da autoria das narrativas e, ainda, pela posição e tamanho das imagens e textos. Outro
detalhe desta composição foi o posicionamento alternado entre as imagens e os textos.
Pensando nos jornais, revistas e imagens que foram apresentadas nas duas exposições,
entendemos, em diálogo com Santos (2015), que elas operam como “veículos de representações que
contribuem para a reiteração das normas hegemônicas na vida social” (SANTOS, 2015, p.65). Para
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a autora, as representações nos regulam por meio de normas, padrões e valores, contribuindo na
nossa compreensão do mundo e nos processos de constituição de identidades.
No que se refere aos atributos reconhecidos como femininos, no painel “Usos e prescrições”
(Figura 2) há um trecho da Revista Ilustração Paranaense de 1929 que evidencia as diferenças entre
as formas de constituição da individualidade feminina e da masculina: “Vestidos, sedas, cores, a
moda enfim concorre para desenvolver na mulher o sentimento esthetico, a intuição das cores,
enquanto o homem, absorvido pelo trabalho quotidiano, atenta mais às cousas práticas, eficientes,
econômicas” (MUSEU PARANAENSE, 2016c). Aqui é possível identificar que, enquanto a
valorização de elementos da indumentária e da moda são características do universo feminino, ao
homem é atribuído o espaço da ordem e o universo do trabalho.
Já na exposição “Momentos Inesquecíveis” do MIMo, quando enfocamos a análise de uma
história desvelada notamos que a narrativa da depoente foi construída a partir da centralidade de um
homem. Na história intitulada “Família Sayeg, Traços de uma vida e de uma cidade – São Paulo”,
Genny Abdelmalack, neta dos retratados, evidencia trechos da trajetória de seu avô Leão Sayeg,
como seu casamento e sua trajetória profissional. A narrativa é permeada por fatos históricos da
cidade de São Paulo e evidencia os esforços do trabalho de Leão Sayeg, imigrante sírio que se
estabeleceu em São Paulo no ano de 1912. O fim do depoimento coincide com sua morte,
provavelmente pelo fato de sua trajetória de vida ter sido importante na configuração desta família e
por Sayeg ocupar a figura do personagem principal. Ele é retratado como aquele que “trouxe no
nome o ofício dos seus antepassados” (MIMo, 2017b), ao passo que sua esposa, Genny Abdo Jorge,
figura como a jovem companheira responsável por organizar a casa, sendo “uma ótima anfitriã”
(MIMo, 2017b).
Na segunda parte da história desvelada, é apresentada uma interpretação sobre a fotografia
do casamento do casal Leão (figura 3) e que é também escrita por Genny Abdelmalack. Nesta
seção, a neta dedica-se a descrever o traje dos noivos, associando os detalhes da vestimenta da
noiva a atributos simbólicos, tais como luxo, rainha, riqueza e delicadeza. Carvalho (2008) discute
sobre o assunto e afirma que “a demonstração de posição social se realiza na pose pretensamente
artística, na interferência pictórica, na fotografia, na beleza do corpo e do rosto e nos detalhes dos
vestidos” (CARVALHO, 2008, p.231).
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Figura 3 - Fotografias do casamento de Leão Sayeg e Genny Abdo Jorge, presente na história "Família Sayeg, Traços
de uma vida e de uma cidade – São Paulo" (década de 1920). Fonte: MIMo, 2017b.
Ao construir esses argumentos nas exposições, pensamos que as peças de vestuário, imagens
e textos organizados perdem o valor de uso e transfiguram-se em objeto narrado (RAMOS, 2004).
Os artefatos ali expostos não são neutros, aliás, é um ilusão, porque incidem neles “múltiplas
malhas de mediações internas e externas que o envolvem, no museu, desde os processos, sistemas e
motivos de seleção (na coleta, nas diversificadas utilizações), passando pelas classificações,
arranjos, combinações e disposições que tecem a exposição” (MENESES, 1994, p.20).
Logo, as formas pelas quais as exposições foram pensadas e organizadas são leituras
possíveis sobre os tipos de feminilidade do início do século XX. Nas palavras da museóloga Maria
Cecília França Lourenço (2015) “memória e patrimônio sempre abrangeram conflitos, fusões,
articulações e perdas” (LOURENÇO, 2015, p.25). Objetos classificados, inventariados e
sistematizados representam escolhas e tentam comunicar narrativas fundadas no conhecimento de
cada sujeito que participou do evento.
Considerações Finais
Nesse texto, nosso objetivo foi apresentar uma discussão inicial e problematizar as
representações de feminilidade apresentadas nas exposições “Sarau no Palácio São Francisco”, do
Museu Paranaense e “Memórias Inesquecíveis”, do MIMo. Para isso, nos filiamos a autores(as)
como Vânia Carneiro de Carvalho (2008), Joan W. Scott (1998; 2000), Ulpiano Toledo Bezerra de
Meneses (1994) e Francisco Régis Lopes Ramos (2004). Como recurso metodológico, utilizamos
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fragmentos textuais e imagéticos apresentados nas exposições via seus websites. E, por meio deles,
reconstruímos momentos das mostras e analisamos seus discursos verbais e visuais, tendo em vista
problematizar as representações de feminilidade nelas apresentadas.
A partir de Santos e Pedro (2010) entendemos as exposições como espaços de mediação
cultural que, a partir de uma posição de autoridade, assumem a construção de uma versão da
história. Nesse sentido entendemos que as representações abordadas pelas mostras sobre as
mulheres do início do século XX reforçam ideais de feminilidade com base na existência de um
binarismo universal, delimitando feminino e masculino de modo hierárquico e assimétrico.
Embora as pessoas envolvidas nas curadorias não colaborem diretamente com a escrita da
história da moda no Brasil, seus trabalhos dialogam com a área, visto que esses artefatos são objetos
de análise da moda. Outro ponto que vale comentar diz respeito ao modo como os museus
articularam a relação da indumentária e da moda como algo diretamente conectado com o universo
feminino. Seria essa a única maneira de entender a moda ou de entender a história das mulheres?
Será que eles(as) pensaram nas histórias dessas mulheres? Assinalamos estes questionamentos
como uma extensão possível da pesquisa, certas de que mais poderão ser trilhadas.
Referências
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MUSEU PARANAENSE. Museu Paranaense recebe a exposição “Sarau no Palácio São
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Representations of femininity in the exhibitions “Sarau no Palácio São Francisco” (2016) and
“Memórias Inesquecíveis” (2012)
Astract: In this paper we present a discussion about the representations of femininity in the
exhibitions "Sarau no Palácio São Francisco" (2016), held at the Museu Paranaense and "Memórias
Inesquecíveis" (2012), a permanent exhibition of the Museu da Indumentária e da Moda. The theme
that unites them is the presentation of social events from a historical perspective and the use of
pieces of women's clothing and photographs to compose their narrative. In order to establish the
analysis, we describe the exhibitions through textual and imaginary fragments collected on the
institutions' websites, as well as excerpts from the reports of their curators. By using these sources,
we discuss the representations of femininity presented in the expographic narratives and the way in
which they were articulated. We constructed a dialogue between the approaches of Carvalho
(2008), Miller (2013), Ribeiro (2010) and Scott (1998, 2000) in order to address aspects involved in
the issue such as curation, temporal and geographical context, the artifacts that compose them, as
well as the categories of generation, social class and race/ethnicity of the women represented. We
understand that the expographic narratives establish, through documents, arguments that highlight,
reproduce and/or reinforce models of femininity. Finally, the paper contributes to bring a debate on
how the two institutions dealt with the relationship between fashion, clothing and gender.
Keywords: Museums. Exhibitions. Representations of femininity. Clothing. Photography
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