Universidade Federal de Uberlândia
Instituto de Geografia
Rene Gonçalves Serafim Silva
Os atingidos por barragens do Complexo Energético Amador Aguiar: reminiscências
simbólico-afetivas de territórios alagados e as novas identidades territoriais no Assentamento
Olhos D’água
Uberlândia
2011
RENE GONÇALVES SERAFIM SILVA
Os atingidos por barragens do Complexo Energético Amador Aguiar: reminiscências
simbólico-afetivas de territórios alagados e as novas identidades territoriais no Assentamento
Olhos D’água
Trabalho Final de Graduação (TFG)
apresentado ao Instituto de Geografia da
Universidade Federal de Uberlândia,
como requisito parcial à obtenção do
título de Bacharel em Geografia.
Orientador: Prof. Dr. Vicente de Paulo
da Silva
Uberlândia
2011
Rene Gonçalves Serafim Silva
Os atingidos por barragens do Complexo Energético Amador Aguiar: reminiscências
simbólico-afetivas de territórios alagados e as novas identidades territoriais no Assentamento
Olhos D’água
Uberlândia, 02 de Dezembro de 2011.
Banca Examinadora
______________________________________________________________
Prof. Dr. Vicente de Paulo da Silva (Orientador)
Instituto de Geografia – Universidade Federal de Uberlândia
______________________________________________________________
Prof. Dr. Marcelo Cervo Chelotti
Instituto de Geografia – Universidade Federal de Uberlândia
___________________________________________________________
Prof. Esp. Hudson Rodrigues Lima
Escola de Educação Básica (ESEBA) – Universidade Federal de Uberlândia
Uberlândia
2011
Aos atingidos por barragens do Brasil e do mundo.
Aos moradores de Olhos D’água, que nos abriram suas
porteiras e possibilitaram a realização desta pesquisa.
Aos meus pais, Tânia e Rene, pelo esforço, trabalho e
amor dedicados nos últimos 26 anos.
AGRADECIMENTOS
À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), pelo
financiamento do projeto intitulado “Grandes Projetos de Investimentos no Triângulo Mineiro
e Alto Paranaíba: o rio Araguari passo a passo e os efeitos sócio-espaciais da construção de
barragens”, por meio do qual se desenvolveu esta pesquisa; à Universidade Federal de
Uberlândia e ao Instituto de Geografia; ao Laboratório de Planejamento Urbano e Regional
(LAPUR), por disponibilizar sua estrutura física e material, necessários ao desenvolvimento
do trabalho; à Fundação de Apoio Universitário (FAU), pela gestão dos recursos do projeto.
Ao Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Efeitos de Grandes Empreendimentos
(NEPEGE) do Instituto de Geografia, por ter me aceitado como integrante e pesquisador,
possibilitando alcançar não só este objetivo, mas outros que ainda virão. Isso inclui todas as
pessoas que fazem parte dele, professores, pós-graduandos, graduandos, colegas de luta e
trabalho. Aos professores e técnicos do Instituto de Geografia, pelos ensinamentos e
contribuição para minha formação acadêmica. Em especial à Mizmar Costa, secretária do
curso de Geografia, pela presteza em atender minhas solicitações sempre que possível. Meus
sinceros agradecimentos.
Ao Prof. Dr. Carlos Rodrigues Brandão, por me aceitar em sua disciplina como aluno
especial do Programa de Pós-Graduação (Mestrado) em Geografia, (des)construindo, em
parte, minha visão de mundo, meu modo de pensar. Suas aulas foram mais que aulas. Foram
verdadeiros atos poéticos de ser e pensar, viver e agir.
Ao Prof. Dr. Vicente de Paulo da Silva, meu professor e orientador de longa data, por
quem tenho um apreço enorme. Sua contribuição para minha formação profissional foi de
grande importância, e continua sendo. Sua crença na educação e por um mundo melhor fez
com que eu me enveredasse pelos caminhos tortuosos da educação, e agora da pesquisa. Sua
maneira “humana” de ser e tratar as pessoas me ensinou muito mais que as teorias e práticas
poderiam me ensinar.
Aos meus amigos e colegas de trabalho e da vida (antigos e atuais), que de alguma
forma contribuíram para minha formação, acadêmica ou pessoal. Não há como citar o nome
de todos, pois consumiria parte considerável das páginas desta pesquisa, e por isso, optei por
agradecer a todos de forma geral.
À minha família: irmãos, avós, primos(as), tios(as), cunhados(as), enfim, todos
aqueles que se consideram parte integrante da minha vida. Em especial ao meu primo
Wellington Júnior, um garoto brilhante, de apenas 8 anos de idade, que sabe muito sobre
muitas coisas para alguém da sua faixa etária, com quem aprendo muito mais do que ensino.
À Fernanda Tavares, minha companheira dos últimos e próximos anos, pelo amor,
dedicação, compreensão, conversas, diálogos, poesia, (des)entendimentos, e tudo mais que
uma relação a dois exige e demanda, com muito prazer. Sua importância não está apenas na
minha vida pessoal, mas nesta pesquisa também, pelo seu olhar psicológico/filosófico sobre o
trabalho que desenvolvi. Muito obrigado por tudo!
Por fim, aos meus pais, Tânia Mara Serafim Silva e Rene Gonçalves da Silva,
comerciantes na Rua Timbiras, 1112, Bairro Saraiva, há mais de duas décadas. Por meio do
trabalho de vocês é que construí alguns dos valores mais importantes da minha vida. Vocês
foram meus primeiros e mais importantes mestres, com ensinamentos e lições que nenhuma
universidade será capaz de ensinar. Obrigado é pouco. Ainda não existe a palavra que
expressaria a gratidão de uma vida inteira.
“(…) o dinheiro, que tudo busca desmanchar, e o
território, que mostra que há coisas que não se podem
desmanchar.”
(Milton Santos, 2006)
RESUMO
Nesta pesquisa, propôs-se estudar os atingidos por barragens do Complexo Energético
Amador Aguiar, cujo empreendimento localiza-se na Bacia Hidrográfica do Rio Araguari, em
Minas Gerais, na área de influência dos municípios de Uberlândia, Araguari e Indianópolis.
As duas usinas hidrelétricas que compõem o complexo deslocaram um grupo de famílias para
o Assentamento Olhos D’água, situado no município de Uberlândia, como forma de
indenização pela construção das barragens, que interrompeu suas relações de trabalho na área
de influência. Nesse sentido, a pesquisa preocupou-se em compreender os efeitos
socioespaciais causados pelo empreendimento, principalmente em relação aos atingidos
moradores do assentamento, analisando o processo de desterritorialização e reterritorialização,
por meio das reminiscências simbólico-afetivas e das novas identidades territoriais. Para
tanto, utilizou-se a revisão bibliográfica sobre a temática e os conceitos de território e
atingido, além do levantamento de informações referente ao empreendimento. Nas pesquisas
de campo, privilegiaram-se as entrevistas com alguns atingidos/assentados, com o objetivo de
compreender, a partir de suas falas e observações empíricas, as novas formas de produção e
reprodução socioespacial, além de compreender, por meio da memória, como o rio era um
importante referencial simbólico dessa população.
Palavras-chave: Grandes Projetos de Investimento; Atingidos por barragem; Assentamento
Olhos D’água; Identidade Territorial.
ABSTRACT
In this research, we proposed to study those affected by dams in the Energy Complex Amador
Aguiar, whose project is located in the Araguari River Basin, Minas Gerais, in the area of
influence of the municipalities of Uberlândia, Araguari and Indianópolis. The two power
plants that comprise the complex have caused a movement of a group of families to the Olhos
D’água Settlement, located in the city of Uberlândia, as a form of compensation for the
construction of the dams, what has interrupted their working relationships in the area of
influence. The research was concerned to understand the socio-spatial effects caused by the
project, especially in relation to the affected residents of the settlement, analyzing the process
of deterritorialization and reterritorialization, through the symbolic and emotional
reminiscences and new territorial identities. For this purpose, we used the literature review on
the subject and the concepts of territory and affected people, besides the collection of
information regarding the undertaking. In field works, the interviews with some
affected/settlers were conducted, in order to understand, from their speeches and empirical
observations, the new ways of socio-spatial production/reproduction, and understand, through
memory, how the river was an important symbolic reference for that population.
Keywords: Large Investment Projects; People affected by dams; Olhos D' água settlement;
Territorial Identity.
LISTA DE FOTOS
Foto 1 – Infraestrutura de comunicação...................................................................................54
Foto 2 – Reservatório de água..................................................................................................54
Foto 3 – Estrada de terra (via de acesso à BR-365).................................................................54
Foto 4 – Casarão antigo: referencial simbólico........................................................................65
Foto 5 – Lavoura de feijão em estágio inicial. ......................................................................66
Foto 6 – Rego d’água e bananal às margens............................................................................66
Foto 7 – Assentado trabalhando na lavoura de milho..............................................................66
Foto 8 – Frutas não consumidas no chão da chácara...............................................................67
Foto 9 – Local da piscicultura..................................................................................................69
Foto 10 – Parte da armadilha....................................................................................................69
Foto 11 – Placa indicando o nome de uma das chácaras do assentamento..............................70
LISTA DE FIGURA, MAPA, TABELA E IMAGENS
Figura 1 – Evolução Territorial do Aproveitamento do Potencial Hidrelétrico Brasileiro......36
Mapa 1 – Localização dos Grandes Projetos Hidrelétricos no Rio Araguari-MG...................39
Tabela 1 – População Total e Crescimento Populacional da área de influência......................42
Imagem 1 – Área de abrangência do assentamento em 20 de abril de 2005............................51
Imagem 2 – Área de abrangência do assentamento em 29 de julho de 2007...........................52
Imagem 3 – Área de abrangência do assentamento em 11 de novembro de 2010...................52
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................ 12
CAPÍTULO 1 – REFERENCIAL TEÓRICO ............................................................................................... 16
1.1 GRANDES PROJETOS DE INVESTIMENTO (GPI) ............................................................................ 17
1.2 CARACTERIZAÇÃO DO CONCEITO DE ATINGIDO .......................................................................... 19
1.3 GRANDES EMPREENDIMENTOS E TRANSFORMAÇÕES NO TERRITÓRIO ...................................... 23
1.4 DO EMPREENDIMENTO AO LUGAR: CAMINHOS INTERROMPIDOS ............................................... 26
1.5 DO LUGAR À IDENTIDADE: CAMINHOS QUE SE FUNDEM ............................................................. 27
1.6 OS CAMINHOS DA PESQUISA: OS PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ........................................ 29
1.6.1 A PESQUISA QUALITATIVA ......................................................................................................... 29
1.6.2 A COLETA DE DADOS .................................................................................................................. 31
CAPÍTULO 2 – A OPÇÃO PELAS HIDRELÉTRICAS: HISTÓRICO E O COMPLEXO ENERGÉTICO
AMADOR AGUIAR ................................................................................................................................ 33
2.1 HIDRELÉTRICAS NO BRASIL: HISTÓRIA E PANORAMA ATUAL .................................................... 33
2.2 O COMPLEXO ENERGÉTICO AMADOR AGUIAR: FORMAÇÃO, IMPLANTAÇÃO E OPERAÇÃO DO
EMPREENDIMENTO ............................................................................................................................... 37
2.2.1 LOCALIZAÇÃO DO EMPREENDIMENTO E CARACTERIZAÇÃO DOS AHE’S AMADOR AGUIAR I E
II ............................................................................................................................................................ 39
2.2.2 CARACTERIZAÇÃO AMBIENTAL DA ÁREA DE INFLUÊNCIA DO EMPREENDIMENTO ................ 41
2.2.3 CARACTERIZAÇÃO SOCIOECONÔMICA E CULTURAL DA ÁREA DE INFLUÊNCIA DO
EMPREENDIMENTO ............................................................................................................................... 42
CAPÍTULO 3 – OS ATINGIDOS POR BARRAGENS MORADORES DO ASSENTAMENTO RURAL OLHOS
D’ÁGUA: REMINISCÊNCIAS SIMBÓLICO-AFETIVAS E AS NOVAS IDENTIDADES TERRITORIAIS ....... 47
3.1 A LEGISLAÇÃO E OS ATINGIDOS POR BARRAGENS: AS BASES DA CRIAÇÃO DO ASSENTAMENTO
RURAL OLHOS D’ÁGUA ....................................................................................................................... 48
3.2 LOCALIZAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DO ASSENTAMENTO RURAL OLHOS D’ÁGUA ................... 51
3.3 ANTES DA “CHEGADA DO ESTRANHO” ......................................................................................... 57
3.4 AS NOVAS IDENTIDADES TERRITORIAIS ....................................................................................... 62
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................................................... 73
REFERÊNCIAS ....................................................................................................................................... 77
12
INTRODUÇÃO
O modelo energético adotado pelo Brasil, pautado pelo uso do potencial hidráulico
para formação de usinas hidrelétricas, ao longo de sua história tem refletido em significativas
alterações no espaço geográfico, impondo à sociedade uma reflexão de aspectos variados,
como a questão dos atingidos pelos empreendimentos, os impactos e efeitos ambientais, os
efeitos socioespaciais, a destruição e a formação de novos territórios. No caso de
empreendimentos hidrelétricos, com a construção de grandes barragens e a formação de lagos
artificiais, destituem-se populações de pouco poder político e/ou econômico ante aos grandes
projetos hidrelétricos, também chamados de Grandes Empreendimentos ou Grandes Projetos
de Investimento.
Os efeitos causados pela implantação de um Grande Projeto de Investimento, no
tocante aos aspectos socioespaciais, não são passíveis de mensuração tão somente quantitativa
e de valor econômico, pois impactam as condições de vida de uma população que vive,
trabalha e/ou mantém um sentimento de pertencimento e afetividade com a terra (lugar) que
nela se relaciona, desencadeando efeitos não previsíveis. Portanto, mensurar somente as
perdas materiais é desconhecer ou reprimir as sociedades locais, seus modos de vida, seus
elos, suas identidades construídas sobre o território.
Nesse contexto, o presente trabalho justificou-se por buscar compreender e analisar os
efeitos e processos socioespaciais que ocorreram no território dos atingidos pelo Complexo
Energético Amador Aguiar, moradores do Assentamento Rural Olhos D’água, efeitos esses
que causaram rupturas no território simbólico-afetivo e de trabalho dos atingidos, ao mesmo
13
tempo em que formaram novas identidades territoriais com os referenciais criados a partir do
deslocamento para o assentamento.
O objetivo geral da pesquisa foi realizar um estudo qualitativo sobre os efeitos
socioespaciais impostos aos atingidos em questão. Analisou-se, também, a questão das
hidrelétricas no Brasil, inferindo algumas preocupações com a matriz energética brasileira
pautada prioritariamente nos projetos hidrelétricos, e o Complexo Energético Amador Aguiar
nesse contexto. Por último, objetivou-se compreender a situação dos atingidos pelas barragens
do complexo energético, moradores do assentamento Olhos D’água, revisitando suas
reminiscências simbólico-afetivas em relação ao rio Araguari, ainda chamado, por eles, de rio
das velhas, e suas atividades socioculturais às margens desse rio, ao mesmo tempo em que se
buscou entender as novas identidades territoriais que foram criadas a partir do deslocamento.
Os atingidos por barragens fazem parte de uma parcela da população brasileira que é
compulsoriamente deslocada para outras áreas, próximas ou não, ao empreendimento que a
desterritorializa. Nem sempre são relocados de maneira satisfatória, em condições mínimas de
dignidade e, por isso, precisam se organizar em grupos para reivindicarem melhores
condições de vida pós-deslocamento, ou contar com a colaboração da legislação, em
determinados locais, que impede a completa omissão para com eles.
Compreender esse deslocamento e suas consequências é vislumbrar a possibilidade de
analisar os processos que ocorrem no espaço geográfico; a perda de um território e, por
conseguinte, de uma identidade territorial. Mais que isso, é discutir a forma como o processo
conhecido como reterritorialização dar-se-á ao longo do tempo e espaço, e como os processos
espaciais e as relações socioculturais e econômicas configurar-se-ão em novas identidades de
um grupo específico da sociedade.
14
A problemática proposta permite investigar de forma qualitativa as reais perdas que
ocorreram no processo de deslocamento do atingido pela barragem em questão. E, ainda,
possibilitar ao indivíduo ou grupo social pesquisado resgatar a memória e a identidade
deixadas submersas pelas águas dos reservatórios, além de ser porta-voz das metamorfoses,
das novas identidades, dos vínculos com o novo lugar, os novos territórios.
No primeiro capítulo da monografia ora apresentada, foi realizado um levantamento e
discussão do referencial teórico, julgados pertinentes para o desenvolvimento da pesquisa,
procurando sempre incorporar autores que acrescentassem algo à discussão, mesmo aqueles
que não trabalham diretamente com a temática, mas que versam sobre os conceitos de
território e lugar na geografia. Ao final do referencial teórico, destinou-se um espaço em que
foi possível discutir os procedimentos metodológicos da pesquisa, ou melhor dizendo, os
caminhos da pesquisa.
Na sequência, o capítulo dois apresenta ao leitor um breve histórico da opção pelas
hidrelétricas no Brasil, refletindo sobre o contexto em que esses empreendimentos serão
inseridos no cenário nacional. Foram discutidas a formação, implantação e operação do
Complexo Energético Amador Aguiar, apresentando sua localização e caracterização.
Realizou-se, também, uma caracterização física e dos aspectos socioeconômicos e culturais da
área de influência do empreendimento.
Por último, no capítulo três, aprofundou-se na pesquisa in loco. O encontro entre o
pesquisador e os pesquisados revelou nuances desses atingidos pelas barragens do complexo,
os quais foram deslocados para o Assentamento Rural Olhos D’água. Foram discutidas as
bases legais que deram aos atingidos a possibilidade de serem assistidos pelo consórcio que
realizou a implantação do empreendimento. Da mesma forma, foram tratadas questões
15
referentes à localização e caracterização do assentamento, novas identidades e
territorialidades, bem como os antigos territórios atingidos pela execução dessas obras.
Nas considerações finais, buscou-se refletir e (re)pensar as discussões feitas ao longo
da pesquisa, com base nas interpretações dos dados coletados, essencialmente qualitativas,
para a proposição de novas formas de se tratar os atingidos por barragens, além de demonstrar
a importância da Geografia no contexto da temática, não podendo essa ciência, e aqueles que
a produzem, se furtar de seu papel social.
Por fim, espera-se que este trabalho contribua não somente para o desenvolvimento da
ciência geográfica de uma forma geral, mas que alimente outras pesquisas relacionadas à
mesma temática, construindo, pouco a pouco, bases teóricas que futuramente possam
contribuir para a qualidade de vida daqueles que, invariavelmente, sofrerão com novos
processos de desterritorialização em virtude dos grandes empreendimentos.
16
CAPÍTULO 1 – REFERENCIAL TEÓRICO
Neste capítulo são abordados os conceitos que orientam esta pesquisa no que se refere
aos estudos dos Grandes Projetos de Investimento (GPI’s) ou Grandes Empreendimentos e
dos autores que cunharam estes termos no âmbito acadêmico, iniciando uma temática ainda
pouco explorada pela ciência geográfica, mas bastante difundida nas ciências sociais e
humanas em geral.
Em um segundo momento, o conceito de atingido é discutido, pois esta é uma
característica marcante em relação aos sujeitos da pesquisa, os quais fazem parte de um grupo
social bastante desconhecido ou ignorado pela população brasileira. O atingido por barragem
é, na atualidade, um grupo social crescente e que clama, ainda que de forma velada na maioria
dos casos, por estudos a seu respeito, colocando-o no mesmo patamar de exclusão que outros
grupos sociais e movimentos de caráter social.
Adentrando na abordagem de cunho geográfico desta pesquisa, conceitos de território
e seus desdobramentos (territorialização, desterritorialização e reterritorialização), e
identidade territorial, também são debatidos no sentido de reafirmar e orientar as concepções
que melhor atendem aos sentidos desta pesquisa. Esses conceitos não são exclusivos da
geografia, mas não se deve furtar da responsabilidade de afirmá-los enquanto parte importante
da literatura geográfica.
Por último, foi realizada uma reflexão acerca dos caminhos da pesquisa, atentando-se
para a importância da pesquisa qualitativa e apresentando a forma como os dados foram
coletados na pesquisa.
17
1.1 GRANDES PROJETOS DE INVESTIMENTO (GPI)
Ao delimitar o conceito de Grandes Projetos de Investimento (GPI) busca-se
apresentar ao leitor a magnitude de tais projetos. Embora o termo “delimitar” passe uma ideia
de restrição, pretende-se aqui situar a esfera de abordagem.
O Grande Projeto de Investimento “procura caracterizar projetos que mobilizam em
grande intensidade elementos como capital, força de trabalho, recursos naturais, energia e
território” (VAINER; ARAÚJO, 1992, p.29, grifo nosso). Embora esses autores alertassem
para a falta de precisão do termo, convém destacar que os elementos caracterizados vêm ao
encontro da proposta desta pesquisa, uma vez que a construção e operação de usinas
hidrelétricas requerem todas as variáveis citadas e destacadas.
Em perspectiva semelhante, porém bem mais contundente que a definição de Vainer e
Araújo (1992), Martins (1993, p. 61-62, grifo nosso) afirma, em relação aos grandes
empreendimentos, que “trata de projetos econômicos de envergadura, como hidrelétricas,
rodovias, planos de colonização, de grande impacto social e ambiental, mas que não têm por
destinatárias as populações locais”. Observa-se que nesse caso, o autor já delimita quais tipos
de projetos poderiam se enquadrar dentro de um Grande Projeto de Investimento, informando
que o termo gera conflitos, ao passo que os atingidos não são encarados como tal e, nesse
sentido, não são beneficiados como deveriam os diretamente beneficiados pelos
empreendimentos; ao contrário, são vistos como entraves à implantação desses
empreendimentos.
Ainda seguindo a linha de pensamento de Vainer e Araújo (1992), pode-se dizer que
18
São empreendimentos que consolidam o processo de apropriação de recursos
naturais e humanos em determinados pontos do território, sob lógica
estritamente econômica, respondendo a decisões e definições configuradas
em espaços relacionais exógenos aos das populações/regiões das
proximidades dos empreendimentos (VAINER; ARAÚJO, 1992, p.34)
Desse modo, são empreendimentos que visam à apropriação e reprodução do espaço
sob a lógica economicista, desenvolvimentista e exploratória de recursos naturais,
desconsiderando as populações que vivem e possuem algum vínculo material ou imaterial
com o local que sofrerá a ação.
Muitas vezes são populações que jamais saíram de seus lugares e que possuem uma
relação histórica com os territórios que ocupam, sendo palco de suas manifestações culturais,
sociais e de trabalho, nem sempre imperando a lógica do capital industrial-financeiro do
mundo contemporâneo.
Embora utilizem termos diferentes, tanto Vainer e Araújo (1992) quanto Martins
(1993) concordam em questões essenciais sobre os grandes projetos: as hidrelétricas se
encaixam como um grande projeto devido ao elevado capital investido, e as populações que
sofrem diretamente os efeitos socioespaciais não são as “destinatárias” dos mesmos, como
afirmam os autores.
O termo GPI, ou Grandes Empreendimentos, começou a ser utilizado quando o Brasil
passou a investir sobremaneira em políticas públicas voltadas à infraestrutura básica para o
desenvolvimento nacional, principalmente na questão energética, conforme destaca Bortoleto
(2001, p.53):
Por meio desses investimentos, surgiram as políticas setoriais e os planos de
investimentos, como os grandes projetos que comportavam
empreendimentos de grande porte e que foram elaborados como meio para a
implementação da infra-estrutura necessária para a industrialização e, ainda,
como uma forma de levar o “desenvolvimento” às regiões em que foram
instalados.
19
Com base nisso, pode-se refletir e inferir que um Grande Projeto de Investimento é,
antes de qualquer coisa, um projeto nacional de desenvolvimento de um país. É, também, uma
“política setorial”, como afirma a autora, demonstrando que a premissa e finalidade dos
grandes empreendimentos é o desenvolvimento regional e, consequentemente, nacional de
setores da economia. Estes setores, em um primeiro plano, são o setor elétrico
regional/nacional e, posteriormente, setores industriais diversos.
1.2 CARACTERIZAÇÃO DO CONCEITO DE ATINGIDO
Os atingidos por barragens surgem como uma categoria de análise na perspectiva dos
Grandes Projetos de Investimento devido a sua posição frente a esses empreendimentos. São
os primeiros a sofrerem os impactos e efeitos que são trazidos pela implantação e operação
das usinas hidrelétricas, principalmente aqueles que se encontram em áreas que serão
inundadas para enchimento do reservatório dos complexos energéticos.
Juntamente com o termo “atingido”, entra em cena outra questão: o deslocamento
compulsório. Esses deslocamentos são, hoje, os maiores problemas enfrentados pelos
atingidos, surgindo, daí, a necessidade de estudos para fomentar não somente as questões
teóricas na academia, mas viabilizar, na prática, tanto para empresas do setor elétrico como
para concessionárias, bases fundamentadas para a reinserção desses deslocados na sociedade e
na vida cotidiana, sem maiores prejuízos sociais.
20
Existem variadas concepções de atingidos, elaboradas a partir daquilo que se considera
como base técnica e econômica na definição de “atingido”. Mas antes de tudo, Vainer (2008,
p.40) informa que “a noção não é nem meramente técnica, nem estritamente econômica”, ou
seja, é necessário que haja um equilíbrio entre as questões técnicas e econômicas na
delimitação da terminologia.
Dentre as concepções discutidas por Vainer (2008), é possível destacar,
primeiramente, a concepção “territorial-patrimonialista”, na qual o atingido é o proprietário de
terra. As medidas de negociações e reassentamento desses proprietários apresentam um
caráter indenizatório das terras desapropriadas para construção da barragem e enchimento do
reservatório. Embora o atingido aqui seja o proprietário, o autor faz uma ressalva ao incluir
aqueles que trabalharam sobre um pedaço de terra sob posse e, por isso, possuem benfeitorias,
entrando nessa concepção como atingidos também, e sendo indenizados pelo valor das
benfeitorias realizadas.
A outra concepção debatida pelo autor é a “concepção hídrica”, na qual o atingido
passa a ser o inundado, ou seja, aquele que do ponto de vista prático teve suas terras alagadas.
São reconhecidos nessa concepção os não-proprietários de terras, mas que nela trabalham,
apesar de se delimitar apenas aqueles que perderam suas atividades/terras no limite do
reservatório. Relegam-se, assim, aqueles que sofrem com os efeitos do empreendimento
devido à proximidade com o projeto a ser executado.
De acordo com Vainer (2008, p.44),
A única forma de superar de maneira consistente as concepções que têm
como núcleo o direito do empreendedor, e não os direitos das populações
afetadas, é entender a natureza do processo social deflagrado pelo
empreendimento, processo simultaneamente econômico, político, cultural e
ambiental. Trata-se, com efeito, de um processo de mudança social que
interfere em várias dimensões e escalas, espaciais e temporais.
21
Compreende-se que as concepções abordadas pelo autor vão, na verdade, atender aos
interesses dos atores hegemônicos da relação de conflito que se estabelece nos Grandes
Projetos de Investimento, e que é preciso superá-las. Dessa forma, é imperativo criar no
âmbito acadêmico discussões densas e profundas acerca da problemática teórica exposta, uma
vez que as populações afetadas pelos grandes empreendimentos são, de fato, as maiores
prejudicadas pelas mudanças sociais ocasionadas por agentes exteriores a eles.
Por modificar as estruturas socioeconômicas pré-estabelecidas, é preciso aprofundar as
discussões e propor resoluções entre os sujeitos envolvidos no conflito que se instala, sendo
que o Estado, representado pelas agências estatais, não pode se furtar do papel de mediador e
representante do grupo social atingido. Na prática, grande parte dos atingidos ainda tem que
se organizar por meio dos movimentos sociais para reivindicar suas perdas, ficando as
concessionárias de energia e as agências do setor elétrico, de forma proposital, alheias ao
processo de “desterritorialização” que se processa na implantação de uma usina hidrelétrica.
No documento apresentado pela Comissão Mundial de Barragens (WCD), intitulado
“Deslocamento, Reassentamento, Reabilitação, Reparação e Desenvolvimento” (2000,
tradução nossa1), Bartolome e outros (2000), com relação ao termo “deslocamento”, dirão que
se trata de um movimento involuntário na maioria das vezes, com pouca participação
significativa da população atingida.
Os afetados (tradução literal da palavra affected, o que equivaleria a atingidos no
português), de acordo com a Comissão Mundial de Barragens (2000),
1 Original em inglês: Displacement, Resettlement, Rehabilitation, Reparation, and Development. Final Version:
November 2000.
22
têm sido [...] frequentemente os últimos a receber qualquer informação
significativa do projeto de barragem. Que as informações que eles recebem
são tipicamente limitadas e fornecidas muito tarde no planejamento e
implementação de medidas mitigadoras (BARTOLOME et al., 2000, p.3,
tradução nossa2).
O documento em questão ainda informa que o deslocamento “refere-se não somente
àqueles que são forçados a se relocarem fisicamente a fim de realização do projeto e seus
aspectos relacionados, mas também incluem aqueles que são deslocados de seus recursos
básicos e meio de vida” (BARTOLOME et al., 2000, p.4, tradução nossa3).
Sigaud (1988) compara os deslocamentos compulsórios realizados nas barragens de
Sobradinho e Machadinho, cujas realidades distintas não originaram processos de
deslocamentos tão diferentes de outras realidades nacionais, como Germani (2003) relata e
acompanha as negociações de reassentamento das populações atingidas por Itaipu no final da
década de 1970 e início de 1980. Dessa forma, assume-se nesta pesquisa a concepção de
deslocamento econômico, no qual o meio de vida e o sustento de um grupo social são
interrompidos pelo empreendimento.
2 Original em inglês: The displaced and other affected people have often been the last to receive any meaningful
information on the dam project. What information they have received has typically been limited and provided
very late in the planning and implementation of mitigation measures.
3 Original em inglês: In this context displacement refers not only to those who are forced to physically relocate
in order to make way for the project and its related aspects but also includes those who are displaced from their
resource base and livelihoods.
23
1.3 GRANDES EMPREENDIMENTOS E TRANSFORMAÇÕES NO TERRITÓRIO
É um tanto quanto desafiador debater sobre o conceito de território e contribuir para a
definição deste termo nas pesquisas geográficas, cujo enredo obrigatoriamente se situa nas
abordagens que esse conceito possui. Primeiramente, por se tratar de um conceito que não é
exclusivo da Geografia, porém fundamental nas pesquisas geográficas. Em segundo lugar, por
ser um conceito que se transformou muito ao longo dos anos na ciência geográfica e que hoje
possui várias concepções e abordagens, dependendo das vertentes e bases filosóficas que os
autores possuem e, por conseguinte, seguem.
Nesta pesquisa, foram utilizadas as abordagens e concepções que trabalham na
perspectiva de território enquanto “chão mais a identidade” (SANTOS, 2006, p.14) e as
relações de poder que circunscrevem essas áreas, nem sempre palpáveis devido à
imaterialidade em que muitas vezes se processam.
Do ponto de vista teórico, é preciso entender que:
Espaço e território não são termos equivalentes. [...] É essencial
compreender bem que o espaço é anterior ao território. O território se forma
a partir do espaço, é o resultado de uma ação conduzida por um ator
sintagmático (ator que realiza um programa) em qualquer nível. Ao se
apropriar de um espaço, concreta ou abstratamente (por exemplo, pela
representação), o ator “territorializa” o espaço. (RAFFESTIN, 1993, p.143).
Assim,
[…] o território compõe de forma indissociável a reprodução dos grupos
sociais, no sentido de que as relações sociais são espacial ou
geograficamente mediadas. Podemos dizer que essa é a noção mais ampla de
território, possível assim de ser estendida a qualquer tipo de sociedade, em
qualquer momento histórico, e podendo igualmente ser confundida com a
noção de espaço geográfico. (HAESBAERT, 2006, p.53).
24
Com as contribuições desses dois autores importantes para a Geografia
contemporânea, pode-se dizer que a questão que o primeiro coloca está na separação entre
espaço e território. Estes dois termos, embora estejam um assentado sobre o outro na prática,
não são iguais. Tampouco são semelhantes, uma vez que o território existe a partir da
apropriação do espaço, ou seja, aquele é uma apropriação deste.
Essa apropriação, conforme destaca Raffestin (1993) na citação acima, pode ocorrer de
duas formas: concreta ou abstrata. Esta segunda, não sendo possível sua visualização, utiliza-
se de representações que de alguma forma mostram sua “territorialização”. Haesbaert (2006)
vem complementar a essência básica do território, enquanto local da reprodução dos grupos
sociais e confundida com a noção de espaço geográfico.
Em uma visão que traduz a essência do território, Santos (2006, p.13) dirá que
território “é o lugar em que desembocam todas as ações, todas as paixões, todos os poderes,
todas as forças, todas as fraquezas, isto é, onde a história do homem plenamente se realiza a
partir das manifestações da sua existência”. Nessa concepção, o território adquire uma forma
receptora, onde tudo aquilo que a sociedade produz e reproduz vai delimitar um determinado
território.
O geógrafo brasileiro Marcos Aurélio Saquet (2010), analisando obras de autores
europeus que trabalham a questão do território, incorpora na concepção do termo a natureza
enquanto fator relacional concomitante com os aspectos antropocêntricos conceituais
apresentados nas definições dos autores supracitados. Assim, “o território é entendido como
lugar de relações sociais; de conexões e redes; de vida, para além da produção econômica,
como natureza, apropriação, mudanças, mobilidade, identidade e patrimônio cultural; como
produto socioespacial e condição para o habitat, viver e produzir.” (SAQUET, 2010, p. 118).
25
Como consequência da abordagem de território, principalmente numa pesquisa na qual
se trabalha com grupos sociais e deslocamentos compulsórios devido a agentes externos (a
chegada das hidrelétricas), desmembramentos do conceito também se fazem presentes na
pesquisa e vão caracterizar o movimento e a dinâmica do território. Consistem no processo de
desterritorialização e reterritorialização que acontece devido às mudanças que ocorrem no
interior do território, ou a partir dele, não somente uma mudança física de um lugar a outro,
mas, principalmente, da perda de acesso a ele.
Antes de relacionar, no âmbito deste trabalho, a desterritorialização como forma de
extinção do território, propõe-se a pensá-la numa outra perspectiva:
[...] desterritorialização relacionada à efetiva apropriação e ao domínio do
espaço, especialmente aquela ligada aos processos de exclusão
socioespacial. Trata-se, de fato, de uma des-territorialização como perda de
acesso à terra, visto não só em seu papel de reprodução material, num
sentido físico (como na principal bandeira do movimento dos sem-terra),
mas também como locus de apropriação simbólica, afetiva (HAESBAERT,
2001, p. 127, grifo do autor).
Desse modo, a desterritorialização por ora trabalhada nesta pesquisa refere-se ao
processo de privação do acesso à terra e trabalho que os atingidos por barragens sofrem (ou
sofreram) com a chegada dos grandes empreendimentos, além da desapropriação simbólico-
afetiva realizada pelo deslocamento compulsório, acarretando em transformações, ou mesmo
perda, dos símbolos que faziam parte do cotidiano e do espaço vivido do atingido, restando-
lhe apenas a memória daquilo que existia antes.
Como a desterritorialização requer, nesse caso, uma nova territorialização a partir do
momento em que não existe mais o território sucumbido, a reterritorialização é o movimento
seguinte à perda de um território. Pensar nessa reterritorialização não é apenas refletir na
mudança física de um determinado lugar a outro. É pensar como os símbolos e identidades
26
foram reproduzidos no novo território, e até que ponto as perdas foram superadas pela
incorporação de novos símbolos ou pelas relações afetivas entre o Homem e o novo território.
1.4 DO EMPREENDIMENTO AO LUGAR: CAMINHOS INTERROMPIDOS
Não poderia ser relegado o conceito de lugar nesta pesquisa pelos significados e
importância que esse termo alcançou na ciência geográfica nas últimas décadas. Outro fator
preponderante está no recorte espacial em que esta pesquisa é desenvolvida, situando-se em
um (ou múltiplos) território(s) onde vários lugares o preenchem, sendo, portanto, uma escala
de abordagem.
De acordo com Silva (2007, p.20),
A conceituação de lugar parte do entendimento de que ele permite análises
mais localizadas, no tempo e no espaço, e proporciona respostas mais
nítidas, pois é ele que representa a dimensão do espaço mais próxima seja
para o indivíduo, seja para a coletividade. Por outro lado, a inserção do lugar
no chamado espaço global acaba por transformar os gestos, os sonhos, a
utopia. Mesmo assim, sua característica de corresponder à dimensão do
vivido, do cotidiano, não se perde e atua para manter a coerência do grupo.
Ele é experienciado por uma população local, embora envolto por uma
trama, progressivamente, regional, internacional, global.
Nesta análise, destaca-se aquilo que procurou ser trabalhado na questão do lugar: o
espaço vivido e o cotidiano como representação desse lugar. O espaço vivido, no interior de
uma mesma família, nem sempre apresenta os mesmos valores, as mesmas “vivências” entre
os indivíduos. Captar o espaço vivido de cada indivíduo na sociedade requer adentrar na vida
27
cotidiana das pessoas para compreender, minimamente, o lugar desses indivíduos na
sociedade.
Um clássico da geografia na perspectiva fenomenológica, Tuan (1980, p.5) apresenta o
termo topofilia, segundo o qual “é o elo afetivo entre a pessoa e o lugar ou ambiente físico”.
Com base nessa afirmação e retratando a formação do “lugar”, os elos são criados a partir das
relações e vivências que o indivíduo realiza com o seu lugar, dentro de um determinado
território, inseridos de maneira mais ampla no espaço geográfico. Retomando as ideias de
Tuan, os sentidos são as bases da percepção do indivíduo em relação ao seu lugar, afirmando
ainda que “O termo topofilia associa sentimento com lugar” (TUAN, 1980, p.129). Ressalta-
se que o conceito de lugar trabalhado nesta pesquisa refere-se à abordagem humanística, cujas
bases teóricas se apoiaram nas correntes fenomenológicas.
1.5 DO LUGAR À IDENTIDADE: CAMINHOS QUE SE FUNDEM
Para compreender os significados de identidade, recorre-se às leituras que não sejam
exclusivamente da Geografia. Buscar outros autores e outras ciências é um exercício que
enriquece o debate e promove um crescimento científico.
Diante disso, uma primeira acepção de identidade que se procurou colocar nesta
pesquisa vem da psicanálise por entender que a identidade é, em primeiro lugar, um conceito
que envolve o Ser. Para tanto, recorreu-se à leitura de Laing (1989, p.82, grifo do autor), o
qual argumenta que identidade “é aquilo pelo qual a pessoa se sente a mesma, neste lugar,
neste momento, como naquele momento e naquele lugar, no passado ou no futuro; é aquilo
28
pelo qual se identifica”. Identificar-se com algo faz com que o indivíduo sinta-se parte de um
todo por meio de sua individualidade. As identidades são passíveis de mudanças no decorrer
do tempo e espaço, embora as heranças identitárias sejam carregadas por toda a vida do
indivíduo.
No prisma geográfico e com base na abordagem dada por Bagnasco (1999), Saquet
(2010, p.147, grifo do autor) informa que identidade “se refere à vida em sociedade, a um
campo simbólico e envolve reciprocidade. Na Geografia, significa, simultaneamente,
espacialidade e/ou territorialidade”. Portanto, esse “campo simbólico” pode ser considerado
além do território tangível. São os territórios simbólicos que as relações de lazer e trabalho
proporcionam a grupos sociais, nesse caso os atingidos por barragens. Esses territórios são
abstratos e de difícil visualização para aqueles que se encontram exteriores às relações
socioculturais que se processam no interior dessas sociedades.
A partir da consolidação desse território, Haesbaert (2007) introduz no âmbito da
geografia o debate sobre as identidades territoriais, que mescla as categorias território e
identidade em um sentido de identificação com o território sobre o qual pertence um
indivíduo ou grupo social. Segundo o autor, a identidade territorial ocorre quando há uma
construção “concomitante e indissociável” entre os conceitos de identidade e território. Nesse
sentido, a identidade territorial é uma construção que pressupõe um espaço para que a
identidade possa ser construída ao longo do tempo.
29
1.6 OS CAMINHOS DA PESQUISA: OS PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A pesquisa requer um caminho a ser seguido, um rigor que a torna e consolida como
uma pesquisa que seja, de fato, científica. Nesse caminho, os procedimentos metodológicos
tornam-se essenciais não somente por direcionar e encaminhar a construção do trabalho, mas
por fazê-la uma ferramenta que contribua para o andamento e organização dos dados
levantados e para a transformação dessas “fontes” em resultados.
Obviamente as ciências humanas apresentam particularidades se comparadas com
outras ciências, como as da natureza e exatas, constituindo, portanto, uma ciência que permite
um rigor científico menos rígido (no que se refere a modelos, fórmulas, teoremas, etc.) e mais
flexível (com relação a métodos, técnicas, abordagens, etc.). Todavia, essa flexibilidade a
torna uma ciência tão ou mais complexa que as demais, por exigir do pesquisador e das
pessoas que leem seus resultados uma capacidade analítica e crítica acerca das questões
levantadas e discutidas.
1.6.1 A PESQUISA QUALITATIVA
O caminho escolhido neste estudo perpassa pela abordagem qualitativa, ou seja, visa
uma compreensão de determinada realidade social a partir da qualidade dos dados coletados, e
não de suas quantificações. Essa abordagem é uma escolha do pesquisador, mas que carrega
forte influência da própria evolução do pensamento geográfico brasileiro. Não cabe por ora
30
levantar essa discussão, mas pode ser mais bem examinada e de forma bastante didática em
Moraes (1987).
Por ser uma pesquisa qualitativa, o que se busca é a compreensão de um determinado
“fenômeno social” sobre o espaço geográfico, que neste caso são os efeitos de um
empreendimento hidrelétrico sobre um grupo de pessoas atingidas e seus territórios. Nesse
contexto, Seabra (2001, p.34, grifo do autor) afirma que
O fenômeno social é melhor (sic) compreendido a partir de uma abordagem
qualitativa. Entretanto, no Brasil, o procedimento quantitativo tornou-se uma
regra para a pesquisa social até o final dos anos 1960. [...] A pesquisa
qualitativa preocupa-se nas ciências sociais com um nível de realidade que
não pode ser quantificado. Como a realidade social representa o próprio
dinamismo da vida individual e coletiva, com toda a riqueza de significados
a ela relacionados, o objeto da pesquisa social é essencialmente qualitativo.
Embora o autor remeta à pesquisa nas ciências sociais, pode-se aplicar esse conceito às
ciências humanas de forma geral também, uma vez que uma está, necessariamente, vinculada
à outra. O início da fala do autor também evidencia uma questão que a própria geografia teve
de superar, que é a questão do procedimento essencialmente quantitativo. Por ser algo
dinâmico, compreender os processos do fenômeno social associado ao espaço geográfico em
sua essência, e não na superficialidade dos números, é construir uma ciência engajada e
preocupada com os sujeitos da pesquisa, não somente com um objeto.
31
1.6.2 A COLETA DE DADOS
Toda pesquisa requer a coleta de dados, independentemente da abordagem utilizada.
Neste caso, fez-se o levantamento bibliográfico sobre a temática proposta e de categorias da
Geografia para uma discussão e reflexão diante da problemática exposta. O intuito desse
levantamento e discussão é promover um diálogo com os autores que versam sobre as
questões abordadas na pesquisa e fazer uma aproximação e conexão das categorias.
Em seguida, delimitou-se a área a ser pesquisada e os sujeitos que seriam utilizados
como fonte de pesquisa e, ao mesmo tempo, objeto de estudo. Houve, assim, um
compartimento do recorte espacial: o Complexo Energético Amador Aguiar, de forma geral; e
o Assentamento Olhos D’água, de forma específica.
Com relação ao complexo energético, as fontes de pesquisa foram os boletins
informativos do Consórcio Capim Branco Energia (CCBE) distribuídos gratuitamente à
sociedade, tanto na versão impressa quanto na eletrônica. Por sua vez, com os atingidos do
assentamento, foram utilizadas pesquisas de campo, fazendo entrevistas com roteiro prévio,
fotografias e anotações de campo. Desse modo, o intuito era aprofundar na questão da
pesquisa qualitativa, e não apenas nas questões meramente empíricas.
Ao final, fez-se uma “amarração” das bases teóricas levantadas e discutidas com os
dados coletados, possibilitando uma interpretação da realidade socioespacial, principalmente
dos efeitos que o empreendimento trouxe aos atingidos.
No próximo capítulo, será trabalhada a questão das hidrelétricas no Brasil, fazendo um
breve histórico da questão hidrelétrica e a situação atual, além de inserir o Complexo
Energético Amador Aguiar nesse contexto, abordando sua implantação. Além disso, será feita
32
uma localização do empreendimento, bem como as caracterizações física, socioeconômica e
cultural da área de influência do complexo energético.
33
CAPÍTULO 2 – A OPÇÃO PELAS HIDRELÉTRICAS: HISTÓRICO E O COMPLEXO
ENERGÉTICO AMADOR AGUIAR
Neste capítulo retoma-se o processo histórico de formação das usinas hidrelétricas no
Brasil de forma geral, além de analisar a conjuntura atual da questão energética e,
principalmente, a implantação das hidrelétricas em território nacional. Ademais, é feito um
estudo de caracterização e localização do Complexo Energético Amador Aguiar, cuja parcela
de atingidos desse grande empreendimento encontra-se no Assentamento Rural Olhos D’água,
objeto de estudo e análise desta monografia.
É realizada uma caracterização geral da área de influência do empreendimento, tanto
dos aspectos ambientais como dos aspectos socioespaciais e culturais, apresentando um
panorama que permite o leitor refletir sobre a instalação das duas usinas hidrelétricas que
compõem o complexo, visto que a bacia hidrográfica do Rio Araguari, conforme será visto
adiante, abriga outros empreendimentos hidrelétricos ao longo de seu curso.
2.1 HIDRELÉTRICAS NO BRASIL: HISTÓRIA E PANORAMA ATUAL
Compreender o histórico de instalação e expansão das hidrelétricas no Brasil é uma
questão de compreender a própria história do país, principalmente as (re)configurações
socioespaciais ao longo do tempo e a influência dessa infraestrutura no desenvolvimento
econômico nacional, regional e local.
34
Segundo Leite (1997), a partir da década de 1950 o Estado brasileiro ampliou o
modelo de desenvolvimento energético oriundo das usinas hidrelétricas, cujo aumento foi
impulsionado pela busca do desenvolvimento econômico e investimento em infraestrutura no
governo Juscelino Kubitschek. O impulsionador desse processo logicamente não surge no
governo JK, mas na Era Vargas, período em que o governo federal rompe com a estrutura
política vigente e reformula as prioridades de investimento, principalmente aquelas vinculadas
a uma infraestrutura que desse suporte às primeiras indústrias de base da época.
De acordo com Rosa (1988, p.9), “o Brasil se destaca como um dos que mais
investiram em grandes projetos, principalmente na década de 70” do século passado. Nesse
período, a energia hidrelétrica no país triplicou devido à construção de usinas de grande porte
(CONANT; GOLD, 1981, p.205). Nesse sentido, é possível pensar os fatos históricos em
escala nacional e mundial para o aumento da produção de energia advinda das hidrelétricas: o
período desenvolvimentista nacional foi iniciado, de fato, pela Era Vargas, quando da
necessidade de substituição das importações e a criação das primeiras indústrias de base,
consolidadas nos governos seguintes, até nas crises mundiais referentes à produção,
fornecimento e comércio do petróleo.
Aliado a esses fatores, existe também o potencial hídrico do Brasil em conjunto com
as formas de relevo favoráveis ao represamento da água nos vales das grandes e médias bacias
hidrográficas. No caso específico de Minas Gerais, o estado já possui um histórico antigo de
sua utilização em recursos hidráulicos para geração de energia elétrica. No Brasil, “os
primeiros aproveitamentos hidráulicos foram realizados no estado de Minas Gerais, durante
os últimos vinte anos do século XIX” (MIELNIK; NEVES, 1988, p.17). Ainda de acordo com
os autores, esses primeiros aproveitamentos tiveram origem privada, de empresas de
mineração e fábricas têxteis cujo objetivo era a autoprodução.
35
Esse histórico possibilita visualizar como as ações das esferas governamentais
influenciam e (re)configuram o espaço geográfico ao longo da história. As ações políticas e os
planos de desenvolvimento (que no caso quase sempre estão correlacionadas estritamente ao
desenvolvimento econômico) são determinantes na transformação do território, sendo que as
políticas energéticas além de transformar também destroem territórios, os territórios das
populações atingidas, não somente o meio físico e a biodiversidade.
A situação energética atual é preocupante, na medida em que os grandes
empreendimentos hidrelétricos estão migrando para a região norte do país, principalmente
para a bacia amazônica, cujos efeitos são ainda maiores devido a um conjunto de fatores que,
se somados, apresentam um aspecto bastante negativo, como um relevo de planície, grande
biodiversidade, áreas de ocupação de ribeirinhos e indígenas (populações tradicionais, que
dificilmente se adaptam aos deslocamentos forçados), predominantemente, dentre outros
fatores.
Em bacias hidrográficas já ocupadas por empreendimentos hidrelétricos,
principalmente na região sudeste, estão surgindo em grande quantidade as Pequenas Centrais
Elétricas (PCH’s), utilizando-se de rios menores e da suposta concepção de que esses
pequenos empreendimentos hidrelétricos apresentam um impacto menor à sociedade e ao
ambiente natural, mas que pode ser contestado e discutido dependendo do contexto no qual
são feitas as instalações dessas centrais.
Segundo dados do Ministério de Minas e Energia (MME), no ano de 2009 a Oferta
Interna de Energia Elétrica (OIEE) oriunda da hidroeletricidade, dentre outras fontes
disponíveis, era de 77,3% do total, sendo que a segunda maior oferta era de apenas 4,7%,
proveniente da biomassa. Estes dois dados apresentados revelam duas preocupações: a
primeira referente à falta de diversificação equilibrada da matriz energética brasileira,
36
sobrecarregando apenas uma fonte; a segunda refere-se aos problemas socioambientais que a
energia hidrelétrica impõe à sociedade, principalmente àqueles que moram em regiões onde
serão construídas barragens para a formação do reservatório que alimentará as turbinas dos
geradores de energia elétrica.
Analisando o documento, publicado em 2007 pelo Ministério de Minas e Energia
(MME), denominado “Matriz Energética Nacional 2030”, o qual traça um exaustivo relatório
sobre a expansão da oferta e demanda de energia no Brasil nas próximas duas décadas,
observa-se que quando é abordada a questão das hidrelétricas no Brasil, o MME, recorrendo
ao atlas de Energia Elétrica do Brasil divulgado pela Agência Nacional de Energia Elétrica
(ANEEL) em 2002, aponta a região do Triângulo Mineiro, no estado de Minas Gerais, e
adjacências como sendo a área central dos aproveitamentos do potencial hidrelétrico do país,
tornando-se um núcleo de geração de energia elétrica por meio das hidrelétricas.
A figura 1 ilustra essa evolução na segunda metade do século XX, claramente
aparecendo a região do Triângulo Mineiro como o núcleo de máximo aproveitamento do
potencial hidrelétrico devido à presença de bacias hidrográficas importantes, como a do Rio
Grande, do Rio Paranaíba e, em maior escala, do Rio Paraná. Essa evolução pode estar ligada
por dois fatores que, associados, propiciaram essa mudança territorial: o potencial hidráulico
das bacias hidrográficas e à mudança da capital federal do país na década de 1960 do Rio de
Janeiro para Brasília, construída com o propósito de abrigar o centro político nacional,
possibilitando uma expansão e interiorização tanto da população/cidade quanto dos
empreendimentos de infraestrutura básica, como a energia.
37
Figura 1 – Evolução Territorial do Aproveitamento do Potencial Hidrelétrico Brasileiro
Fonte: Atlas de Energia Elétrica do Brasil ANEEL (2002), retirado do relatório “Matriz Energética
Nacional 2030” (2007).
Desse modo, o panorama da energia elétrica no Brasil se encontra muito dependente
das hidrelétricas, devido ao processo histórico de investimento nesse setor, sem
investimentos, na mesma proporção, em outros setores, principalmente naqueles considerados
“limpos”, como a energia eólica e solar, que demandam investimentos pesados em pesquisas e
tecnologia.
2.2 O COMPLEXO ENERGÉTICO AMADOR AGUIAR: FORMAÇÃO, IMPLANTAÇÃO E
OPERAÇÃO DO EMPREENDIMENTO
O Complexo Energético Amador Aguiar4 foi criado a partir do Consórcio Capim
Branco Energia (CCBE), composto pela associação das seguintes empresas: Vale (Companhia
4 As informações referentes ao Complexo Energético Amador Aguiar e o processo de consolidação do
empreendimento foram coletadas diretamente do sítio eletrônico do consórcio. Devido à ausência de autoria dos
textos cujas informações foram coletadas, utilizamos na forma de citação indireta, sem citação de autoria, das
38
Vale do Rio Doce), Cemig (Companhia Energética de Minas Gerais), Suzano Papel e
Celulose e Votorantim Metais. Até junho de 2002 a empresa Camargo Correia Cimentos
também integrava o consórcio, porém transferiu suas cotas para as empresas do CCBE,
autorizada pela ANEEL. O complexo energético é composto por duas hidrelétricas, citada
pelo consórcio como Aproveitamentos Hidrelétricos (AHE’s) Amador Aguiar I e II. Na
implantação do empreendimento os AHE’s eram chamados de Capim Branco I e II, sendo
posteriormente rebatizados para o nome atual.
A concessão de uso do trecho da Bacia Hidrográfica do Rio Araguari no qual se
encontra o complexo, foi autorizada pela ANEEL em dezembro de 2000 por meio de um
leilão, cujo ganhador, o CCBE, ficou responsável pela construção e operação do
empreendimento. No entanto, os estudos de viabilidade e potencialidade energética na região
começaram anos antes dessa concessão, em meados da década de 1960. Desse período até
1987, foram realizados os primeiros estudos de viabilidade do potencial hidráulico do Rio
Araguari.
A princípio, apenas uma usina hidrelétrica seria construída na área que hoje
compreende o complexo. Entretanto, o estudo de viabilidade técnica e econômica,
posteriormente, decidiu que os impactos seriam menores com a construção de duas usinas,
sem perder a capacidade de produção de energia. No segundo semestre de 2003, o complexo
energético efetivamente começou a ser construído e entrou em operação parcialmente no dia
21 de fevereiro de 2006, com a primeira unidade geradora em funcionamento do AHE
Amador Aguiar I. O primeiro empreendimento do complexo entrou completamente em
operação no dia 16 de maio de 2006, quando sua terceira e última unidade geradora entrou em
informações obtidas. Os textos na íntegra podem ser acessados no seguinte endereço eletrônico:
http://www.ccbe.com.br/home/
http://www.ccbe.com.br/home/
39
funcionamento. Em 9 de março de 2007, a primeira unidade geradora do AHE Amador
Aguiar II entrou em funcionamento, e sua última unidade geradora em 4 de julho do mesmo
ano. Desse modo, da primeira unidade geradora da primeira usina até a última unidade da
segunda, foram gastos quase 1 ano e meio com as obras, demonstrando a complexidade de
tais empreendimentos.
O Complexo Energético Amador Aguiar foi oficialmente inaugurado em 5 de
dezembro de 2006, com a presença de vários políticos das esferas municipal e estadual,
empresários e pessoas da comunidade que, de alguma forma, tiveram relações com a
construção do complexo. Nota-se, por meio dos informativos do consórcio, que os “atores
hegemônicos” da sociedade, tanto do cenário político como financeiro, fizeram questão de se
apresentar como os responsáveis pelo desenvolvimento econômico da região, por meio de
seus discursos.
2.2.1 LOCALIZAÇÃO DO EMPREENDIMENTO E CARACTERIZAÇÃO DOS AHE’S AMADOR
AGUIAR I E II
A área de influência do Complexo Energético Amador Aguiar localiza-se na Bacia
Hidrográfica do Rio Araguari, no trecho ocupado pelos municípios de Uberlândia,
Indianópolis e Araguari, região do Triângulo Mineiro, extremo oeste do estado de Minas
Gerais. O mapa 1 apresenta a localização dos empreendimentos hidrelétricos presentes na
bacia hidrográfica, demonstrando o processo de ocupação e apropriação do espaço geográfico
dos grandes empreendimentos na região.
40
Mapa 1 – Localização dos Grandes Projetos Hidrelétricos no Rio Araguari-MG.
Fonte: ROSA, et al., 2004.
Adaptações: BUENO, G. O.; DAMASCENO, I. A.; VIEIRA, W. A. (2010).
Retirado de: DAMASCENO, I. A. (2011).
Além de mostrar no mapa as usinas hidrelétricas, a Pequena Central Hidrelétrica
(PCH) Pai Joaquim aparece por se inserir no contexto dos grandes projetos hidrelétricos,
embora sua dimensão e área afetada seja de menor proporção. No entanto, os efeitos não
devem ser compreendidos apenas no local, mas na região de influência do empreendimento,
somados com as demais hidrelétricas.
Segundo as informações do CCBE, o AHE Amador Aguiar I possui potência instalada
de geração de energia instalada de 240 MW, operando a fio d’água e ocupando uma área de
18 km2, enquanto o AHE Amador Aguiar II apresenta potência instalada de 210 MW e
ocupando uma área de 46 km2, também operando no mesmo sistema que Amador Aguiar I.
Percebe-se que apesar de Amador Aguiar II possuir uma área alagada bem maior que Amador
41
Aguiar I, a usina não possui a mesma capacidade de geração de energia, o que acarreta
maiores impactos socioambientais.
2.2.2 CARACTERIZAÇÃO AMBIENTAL DA ÁREA DE INFLUÊNCIA DO EMPREENDIMENTO
Caracterizar ambientalmente a área de influência do empreendimento é um exercício
não somente de elencar o tipo de solo, relevo, rochas, vegetação ou clima. É apresentar uma
visão holística de como o conjunto dessas características propiciou a escolha desse trecho da
Bacia Hidrográfica do Rio Araguari para a instalação de usinas hidrelétricas. Vale ressaltar
que outros trechos também apresentam empreendimentos hidrelétricos, de maior ou menor
magnitude, devido aos condicionantes ambientais semelhantes.
De acordo com Baccaro e outros (2004, p.4),
Os rios e córregos da região apresentam várias cachoeiras e corredeiras.
Próxima do Vale do Araguari a paisagem possui um relevo fortemente
ondulado, com altitude de 800 a 1.000 m e declividades suaves, em torno de
30%. Os solos são muito férteis, do tipo latossolo vermelho e vermelho-
escuro. Em todas as suas porções, verifica-se que a vegetação predominante
é o cerrado e nas vertentes mais abruptas observa-se a presença de mata
mesofítica. Além do abastecimento de água para alguns municípios, o Rio
Araguari apresenta um potencial energético que já está sendo explorado,
com as Usinas Hidroelétricas de Nova Ponte e Miranda. Está prevista
também a construção das Usinas de Capim Branco I e II. [...] As condições
climáticas na Bacia do Rio Araguari são caracterizadas com nitidez por duas
estações bem definidas, sendo uma seca compreendendo os meses de abril a
setembro, e outra úmida, entre os meses de outubro e março.
Observa-se que o conjunto de atributos físicos apresentado pela autora revela um
potencial energético, conforme citado, principalmente pelas condições geomorfológicas,
42
climáticas e hidrológicas. Por outro lado, a construção de uma usina impõe a criação de um
reservatório que, no caso específico do Rio Araguari, alaga terras férteis e matas nativas de
cerrado, modifica o microclima, trazendo consequências ambientais que ultrapassam a
questão local.
O desnível apresentado pelo relevo é preponderante para potencializar o uso da bacia
hidrográfica no seu uso para a instalação de empreendimentos hidrelétricos. Embora a região
apresente uma estação seca de 6 meses durante o ano, nos outros 6 meses as chuvas
conseguem recarregar de forma satisfatória os reservatórios de água, impedindo uma possível
desativação temporária das usinas hidrelétricas. Em anos mais secos, como na estação seca
prolongada deste ano (2011), os reservatórios baixam seus volumes de água não só para
aproveitamentos hidrelétricos, mas também para o abastecimento doméstico, necessitando do
setor público solicitar aos usuários uma utilização racional da água.
2.2.3 CARACTERIZAÇÃO SOCIOECONÔMICA E CULTURAL DA ÁREA DE INFLUÊNCIA DO
EMPREENDIMENTO
Os aspectos relacionados à condição socioeconômica e cultural da área de influência
do empreendimento estudado tornam a problemática ainda mais interessante para a discussão
e debate, pois é uma região que apresenta uma importância regional e nacional considerável
em vários prismas. Conforme mencionado, os municípios afetados pelo empreendimento e
que tiveram parte de suas terras alagadas foram Uberlândia, Araguari e Indianópolis. Este
último apresentou efeitos menores por ter tido apenas um trecho de seu município alagado,
enquanto que Uberlândia e Araguari sofreram maiores perdas.
43
A população total da área de influência do empreendimento é de 716.245 habitantes,
segundo o último censo realizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)
em 2010. Conforme pode ser observado na tabela 1, a taxa de crescimento populacional dos
municípios envolvidos, se somada sua população, nos últimos 10 anos foi de 17,6%.
Tabela 1 – População Total e Crescimento Populacional da área de influência.
Município Censo 2000 Censo 2010 Taxa de Crescimento
Uberlândia 501.214 600.285 19,7%
Araguari 101.974 109.779 7,6%
Indianópolis 5.387 6.181 14,7%
Total 608.575 716.245 17,6%
Fonte: IBGE - Censo Demográfico 2000-2010.
Organizado por: SILVA, R.G.S. (2011).
De acordo com a taxa de crescimento do Censo Demográfico 2000-2010 do IBGE
divulgada no seu endereço eletrônico, essa taxa de crescimento populacional dos municípios
envolvidos diretamente com o empreendimento foi superior à média nacional de 11,7%, à
média regional (Sudeste) de 10,5% e à média estadual de 9,1%. Com exceção de Araguari, os
outros dois municípios superaram as taxas de crescimento nos três níveis de escala (Brasil,
Sudeste e Minas Gerais), o que não sugere que o crescimento populacional implique em
desenvolvimento socioeconômico necessariamente, mas podem ser feitas correlações sob
alguns aspectos, como nível de emprego/desemprego, infraestrutura básica e educacional,
dentre outros fatores. Essas correlações podem sugerir se este crescimento traduziu-se em
desenvolvimento regional.
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Embora o crescimento populacional seja um indicativo quantitativo, algumas
considerações a partir desses dados podem ser feitas, tais como: aumento do número de
pessoas que demandam por energia elétrica em mais de 100.000 habitantes, impondo ao setor
elétrico uma disponibilidade maior de energia para esse contingente populacional; como
consequência, aumenta-se, também, a necessidade de energia para os demais setores que
movimentarão a economia da região e, logicamente, do contingente excedente que cresceu
nos últimos 10 anos e que estará locado nos setores econômicos dos municípios; impõe-se aos
municípios novas linhas de transmissão de energia, que ocasionarão em áreas a serem
ocupadas e, por conseguinte, investimento em infraestrutura urbana e rural que dê conta de
acompanhar esse crescimento.
Outras análises e correlações podem ser feitas com maiores detalhes, implicando em
utilização de outras fontes de dados, tornando a análise mais rica e precisa, com informações e
desdobramentos. Embora o intuito deste estudo seja apenas fazer uma breve caracterização
socioeconômica e cultural, essas reflexões servem como exercício para (re)pensar a geografia
como ferramenta ao planejamento de setores como o energético, aliado a outros setores de
infraestrutura a partir de dados populacionais.
Com relação aos setores econômicos, principalmente o setor industrial, por ser o
grande consumidor da energia produzida no país, Soares e outros (2004, p.134) apresentam
um estudo no qual mostram que
A bacia do Rio Araguari, por estar situada em área de cerrado modernizado,
possui importante complexo agroindustrial, constituído por agroindústrias
processadoras de grãos, carnes, frutas, vegetais e laticínios, e também por
indústrias relacionadas às demandas do campo, ou seja, indústrias para a
agricultura, especialmente aquelas associadas ao segmento da biotecnologia
animal e aquelas de insumos e equipamentos agrícolas.
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Os municípios da área de influência do empreendimento não estão restritos a somente
esses tipos de indústrias, mas contam também com outros setores industriais, principalmente
Uberlândia, por ser polo educacional de diversos centros de pesquisa em nível superior de
graduação e pós-graduação, papel desempenhado com destaque pela Universidade Federal de
Uberlândia (UFU) em várias áreas do conhecimento.
No que tange aos aspectos culturais, a questão religiosa é sempre colocada em
evidência pela importância e tradição das festas populares na bacia do Rio Araguari,
especialmente nas áreas rural e urbana de Uberlândia, na sede e nos demais distritos. Essa
ênfase em destacar Uberlândia está relacionada à importância socioeconômica e cultural que o
município representa, além de ser o local onde o assentamento rural Olhos D’água está
inserido.
Santos e Alves (2004) retratam a importância que as festas de cunho religioso, como a
congada e a folia de reis, para citar apenas dois exemplos, representam para a tradição e
costumes de um povo, cujo alicerce religioso não está baseado apenas nas origens europeias,
mas africanas. Apresentam a dinâmica dessas festas na região, com suas características que
envolvem simbolismo, tradição, metamorfoses, rupturas e outros fatores que tornam a festa
em si uma forma de manifestação cultural do antigo e do novo mesclado no espaço
geográfico.
No próximo, e último, capítulo, o assentamento rural Olhos D’água será trabalhado na
perspectiva das novas identidades territoriais construídas na vida dos atingidos que optaram
por seguir morando no campo. A base teórica que permeia e traça as tramas de uma população
ainda pouco conhecida pela sociedade brasileira, encontrará a realidade de um grupo social
marcado para sempre pelos efeitos que o empreendimento hidrelétrico operou em suas vidas,
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transformando não somente suas vidas cotidianas, mas estabelecendo novos territórios, ou
melhor, novas identidades territoriais.
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CAPÍTULO 3 – OS ATINGIDOS POR BARRAGENS MORADORES DO ASSENTAMENTO RURAL
OLHOS D’ÁGUA: REMINISCÊNCIAS SIMBÓLICO-AFETIVAS E AS NOVAS IDENTIDADES
TERRITORIAIS
“(...) A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega o destino prá lá (…)”
(Roda Viva – Chico Buarque)
A música “Roda Viva”, do compositor Chico Buarque, inicia a trajetória deste capítulo
pela correlação do trecho citado com a vida daqueles que são atingidos por grandes
empreendimentos hidrelétricos. São pessoas que querem ter voz, não necessariamente ativa,
frente aos processos e urdiduras que lhes são lançados, sem que ao menos tenham a
possibilidade de uma alternativa própria, de escolhas próprias.
A “roda viva”, metaforicamente associada ao empreendimento hidrelétrico, comanda
os deslocamentos de famílias inteiras, carregando não só “o destino pra lá”, mas os
sentimentos simbólico-afetivos em relação ao pertencimento de um território, que não são
passíveis de uma observação meramente empírica.
Neste capítulo, portanto, a “voz” dos atingidos passa a ser a própria pesquisa e seus
resultados, que visa atender essa necessidade dos alagados, dos inundados, dos afogados, ou
qualquer outra nomenclatura utilizada para remeter às pessoas que são desprovidas de suas
terras, de seus trabalhos e de suas vidas cotidianas, em virtude da construção de barragens das
usinas hidrelétricas. Esses aspectos (trabalho, vida cotidiana, rio, etc) são o que pode ser
chamado de concepção simbólico-afetivo nesta pesquisa.
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3.1 A LEGISLAÇÃO E OS ATINGIDOS POR BARRAGENS: AS BASES DA CRIAÇÃO DO
ASSENTAMENTO RURAL OLHOS D’ÁGUA
Um dos pressupostos da pesquisa, de maneira mais ampla, é incutir no meio
acadêmico e nas instituições públicas e privadas, que se relacionam com o setor elétrico, a
nova exigência de um dos maiores avanços da legislação federal no que tange aos atingidos
por barragens. Trata-se do Decreto nº 7.342, de 26 de Outubro de 2010, que na íntegra
Institui o cadastro socioeconômico para identificação, qualificação e registro
público da população atingida por empreendimentos de geração de energia
hidrelétrica, cria o Comitê Interministerial de Cadastramento
Socioeconômico, no âmbito do Ministério de Minas e Energia, e dá outras
providências. (BRASIL, 2010).
Esse reconhecimento jurídico não afasta a ideia de discussão e mais avanços na
legislação sobre o atingido por barragem, mas inicia uma nova era sobre a legitimação, em
nível nacional, de um grupo social que sequer obteve ao longo de décadas de lutas seu
reconhecimento legal na totalidade dos atingidos.
Embora o decreto federal tenha um valor jurídico apenas a partir dos empreendimentos
licenciados de 2011 em diante, inicia-se com este trabalho um movimento de qualificação dos
atingidos pelas barragens do Complexo Energético Amador Aguiar, um processo que
desencadeou uma série de transformações socioespaciais de um pequeno grupo social. O foco
não está no cadastramento socioeconômico, conforme reza a legislação, mas na qualificação
dos territórios perdidos, e dos novos que surgiram com o reassentamento no Olhos D’água.
Retomando a análise do Decreto nº 7.342, visualiza-se que o conceito de atingido,
discutido no capítulo 1 desta monografia, é tratado logo no Art. 2º do documento, conforme a
seguir:
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Art. 2º - O cadastro socioeconômico previsto no art. 1o deverá contemplar os
integrantes de populações sujeitos aos seguintes impactos:
I - perda de propriedade ou da posse de imóvel localizado no polígono
do empreendimento;
II - perda da capacidade produtiva das terras de parcela remanescente
de imóvel que faça limite com o polígono do empreendimento e por ele
tenha sido parcialmente atingido;
III - perda de áreas de exercício da atividade pesqueira e dos recursos
pesqueiros, inviabilizando a atividade extrativa ou produtiva;
IV - perda de fontes de renda e trabalho das quais os atingidos
dependam economicamente, em virtude da ruptura de vínculo com áreas do
polígono do empreendimento;
V - prejuízos comprovados às atividades produtivas locais, com
inviabilização de estabelecimento;
VI - inviabilização do acesso ou de atividade de manejo dos recursos
naturais e pesqueiros localizados nas áreas do polígono do empreendimento,
incluindo as terras de domínio público e uso coletivo, afetando a renda, a
subsistência e o modo de vida de populações; e
VII - prejuízos comprovados às atividades produtivas locais a jusante
e a montante do reservatório, afetando a renda, a subsistência e o modo de
vida de populações.
Parágrafo único. Para os efeitos do disposto neste Decreto, o
polígono do empreendimento abrange áreas sujeitas à desapropriação ou
negociação direta entre proprietário ou possuidor e empreendedor, incluindo
as áreas reservadas ao canteiro de obras, ao enchimento do reservatório e à
respectiva área de preservação permanente, às vias de acesso e às demais
obras acessórias do empreendimento. (BRASIL, 2010, grifo nosso).
Destaca-se no decreto o inciso IV e o parágrafo único do Art. 2º, nos quais abordam
duas questões importantes e que se relacionam diretamente com esta pesquisa: a legitimação
do atingido e a inserção do termo “polígono do empreendimento”. O referido documento
insere os atingidos que perderam seus postos de trabalho e, por conseguinte, suas fontes de
renda. Todos os moradores do assentamento Olhos D’água podem ser “classificados” pela
concepção de atingido grifada na citação: não eram proprietários de terras ou posseiros, mas
trabalhadores rurais das propriedades que integravam o polígono do empreendimento.
Ao analisar o parágrafo único disposto no decreto, compreende-se que esse polígono
do empreendimento não corresponde tão somente às áreas de alagamento da barragem, mas
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áreas que estão diretamente relacionadas com o empreendimento, ampliando a noção de
atingido. Todavia, as negociações, que deveriam ser mediadas pelo poder público (e suas
instituições que garantem ao indivíduo a plena cidadania e democracia), são “privatizadas” ao
empreendedor, formado por grandes corporações e empresas privadas, muitas vezes de capital
aberto e estrangeiro, deixando os atingidos à mercê de um capital que visa o lucro e não as
pessoas, respondendo à provocação incitada por Chomsky5 (2002) no título traduzido de sua
obra.
Ainda com relação às leis que regulam e asseguram o direito dos atingidos, muito
antes do supracitado decreto, o estado de Minas Gerais já possuía legislação específica para
tratar os atingidos por empreendimentos hidrelétricos. E por existir tal legislação estadual é
que o assentamento Olhos D’água foi criado, atendendo a uma demanda legal, e não uma
exigência dos atingidos não-proprietários.
De acordo com a Lei Estadual nº 12.812 de 1998, que “Regulamenta o parágrafo único
do art. 194 da Constituição do Estado, que dispõe sobre assistência social às populações de
áreas inundadas por reservatórios, e dá outras providências”, os moradores do assentamento
se enquadram como “assalariados”, conforme parágrafo único do art. 1º da lei:
Parágrafo Único – A assistência social será prestada àqueles que habitem
imóvel rural ou urbano desapropriado, bem como aos que nele exerçam
qualquer atividade econômica, aí incluídos comerciantes, posseiros,
assalariados, parceiros, arrendatários, meeiros e assemelhados. (MINAS
GERAIS, 1998, grifo nosso).
Esse dispositivo jurídico possibilitou aos atingidos uma assistência social impositiva
ao empreendedor, tornando-se uma medida que, ao menos, não ignora a existência dos
5 Título da obra de Noam Chomsky em português: O Lucro ou as Pessoas? Neoliberalismo e Ordem Global
(2006).
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atingidos “assalariados”, ou seja, pessoas que poderiam ser excluídas do processo de
indenização/reassentamento por não possuir qualquer vínculo material com as propriedades
alagadas pelo empreendimento.
3.2 LOCALIZAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DO ASSENTAMENTO RURAL OLHOS D’ÁGUA
O Assentamento Rural Olhos D’água6 está localizado próximo às margens da BR-365,
no município de Uberlândia-MG, nas coordenadas geográficas 18º53’39.11”S e 48º07’39”O
(a referência adotada foi a entrada que dá acesso à estrada de terra da rodovia para o
assentamento). A distância do assentamento à sede municipal de Uberlândia é de 11
quilômetros, tomando-se como referência o entroncamento da BR-050 com a BR-365, em
direção ao rio Araguari, ao lado direito da rodovia nesse sentido.
As imagens 1, 2 e 3 mostram as transformações espaciais ocorridas na área que
compreende o assentamento, facilmente visualizadas pelas três imagens em três períodos
distintos.
6 Algumas informações do Complexo Energético Amador Aguiar (Capítulo 2) e do Assentamento Rural Olhos
D’água foram retiradas do Consórcio Capim Branco Energia (CCBE) por meio dos Informativos “Capim
Branco”, disponíveis no sítio eletrônico do consórcio em: www.ccbe.com.br. Desse modo, os créditos autorais
das informações indiretamente citadas nesta parte do capítulo são do CCBE, que não cita autoria em seus textos.
http://www.ccbe.com.br/
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Imagem 1 – Área de abrangência do assentamento em 20 de abril de 2005.
Fonte: Google Earth.
Nota-se que a primeira imagem ainda apresentava uma grande quantidade de
vegetação e era