infi – Instituto FEBRABAN de Educação
FORMAÇÃO DE CORRESPONDENTES
MÓDULO II
RELACIONAMENTO COM O CONSUMIDOR: PROTEÇÃO E DEFESA; ÉTICA NO
ATENDIMENTO (CDC)
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SUMÁRIO A Proteção do Consumidor no Mundo e no Brasil ........................................ 2 Proteção do Consumidor no Brasil ................................................................ 5 Código de Proteção e Defesa do Consumidor .............................................. 6 A Formação da Relação de Consumo .......................................................... 8 O Conceito de Consumidor ........................................................................... 9 O Conceito de Fornecedor ............................................................................ 13 A Política Nacional das Relações de Consumo e seus Princípios................ 19 Instrumentos da Política Nacional de Relações de Consumo ...................... 22 Direitos Básicos do Consumidor................................................................... 23 O Direito do Consumidor e suas Fontes....................................................... 28 Qualidade de Produtos e Serviços, Prevenção e Reparação de Danos....... 29 Da Responsabilidade pelo Fato do Produto e do Serviço............................. 31 Prescrição...................................................................................................... 36 Da Responsabilidade por Vício do Produto e do Serviço ............................. 36 Vício do Serviço............................................................................................. 43 Responsabilidade Objetiva............................................................................ 46 Garantia Legal. ............................................................................................... 47 Vício e Responsabilidade .............................................................................. 52 A Oferta ......................................................................................................... 52 Responsabilidade Solidária ........................................................................... 58 A Publicidade ................................................................................................. 59 Das Práticas Abusivas ................................................................................... 62 Orçamento Prévio .......................................................................................... 71 Da Cobrança de Dívidas ................................................................................ 72 Dos Bancos de Dados e Cadastros de Consumidores ................................. 74 Proteção Contratual ....................................................................................... 76 Direito de Arrependimento ............................................................................. 78 Garantia Contratual ....................................................................................... 79 Das Cláusulas Abusivas ................................................................................ 81 Concessão de Crédito ou Financiamento ..................................................... 86 Liquidação Antecipada .................................................................................. 87 Das Sanções Administrativas ........................................................................ 89 Sistema Nacional de Defesa do Consumidor ................................................ 93 Crimes Contra as Relações de Consumo ................................................ .... 95 Acessibilidade do Serviço ............................................................................. 99 Da Qualidade do Atendimento ...................................................................... 101 Do Acompanhamento de Demandas ............................................................ 103 Do Procedimento para a Resolução de Demandas ...................................... 103 Do Pedido de Cancelamento do Serviço ...................................................... 104
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A Proteção do Consumidor no Mundo e no Brasil
É possível afirmar que mesmo de forma indireta, a proteção do consumidor
esteve presente nas normas, na jurisprudência e nos costumes, desde épocas
bastante remotas (ainda antes de Cristo), porém a defesa do consumidor como
ramo autônomo do direito começa a surgir somente a partir da segunda metade
do século XX.
Em diversos momentos da história mundial é possível detectar fragmentos de
leis ou leis autônomas que tratam de situações onde claramente se verificam
regras de proteção do consumidor. Regras que hoje podem ser encontradas no
Código do Consumidor brasileiro.
As referências a normas de defesa do consumidor mais antigas remetem a
regras presentes no Código de Hamurabi (1700 a.c.) e no Código de Massú
(Índia séc. XIII a.c.).
Nessas codificações antigas podem ser encontrados prazos de garantia para o
reparo de barcos (um ano); modificação de contrato por desequilíbrio contratual
em razão de forças da natureza; punição para quem adulterasse gêneros
alimentícios, alterasse seu peso ou entregasse mercadoria diferente da
prometida ou, ainda, vendesse bem de igual natureza por preço diferente.
No direito romano (período clássico 130 a.c a 230), a responsabilidade do
fornecedor se restringia aos defeitos por ele conhecidos. Mas essa regra evoluiu
no período de Justiniano (530 a 565) e o fornecedor passou a responder pelos
vícios mesmo ignorando-os (a venda tem por objeto a coisa como ela deveria
ser). Leis que tratavam da distribuição de pão e cereais abaixo do preço pelo
estado diretamente à população; ações judiciais que determinavam a devolução
do valor pago em dobro, quando conhecido o defeito; proteção em caso de o
vendedor anunciar certas qualidade ou características do produto que não se
confirmavam posteriormente.
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Já na Europa do século XIII, havia regras impostas aos artesãos para assegurar
a qualidade dos produtos fabricados. Na França de Luiz XI, havia pena de banho
escaldante para quem vendesse manteiga com pedras para aumentar o peso.
ou leite diluído com água. Mais adiante, Carlos IX criou tabelamento de preços
(século XV). Nas Ordenações Filipinas havia previsão de pena de degredo para
a África para quem praticasse usura. São todas leis que podem ser lembradas
no direito romano e que remontam ao nosso direito do consumidor.
Mas somente no fim do século XIX e início do século XX é que surgiu uma
categoria própria de consumidores e de um ramo do direito destinado a regular
as relações de consumo, conforme exemplos abaixo:
Inglaterra 1891 - criação de um comitê para evitar anúncios publicitários
inconvenientes;
França 1905 - promulgada a lei de proteção aos consumidores
(preocupação com a segurança e coibição contra mentiras de vendedores
sobre natureza e utilidade de produtos, falsificações e defeitos em
alimentos);
Alemanha 1909: qualquer associação de consumidores possuía
legitimidade para atuar em juízo em situações de competição desleal;
Suécia 1910 - primeira legislação de defesa do consumidor em
colaboração com outros países nórdicos;
EUA 1914 - criação de Federal Trade Comission com o objetivo de aplicar
a lei antitruste e proteger os interesses dos consumidores;
15 de março de 1962 - mensagem do Presidente Americano ao
Congresso - o direito do consumidor adentra nos seus tempos mais
modernos, começando a ganhar a notoriedade que merece;
Obs: nessa época o c.c. Etíope de 1960 já tratava de proteção, em contratos de
adesão.
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Japão 1968 - Lei geral de proteção aos consumidores;
México 1975 - Lei de caráter geral de proteção;
EUA 1961 - Consumer protection act;
EUA 1968 - Trade descriptions act;
ONU - International Organization of Consumers Unions IOCU;
1977 - Convenção de Estrasburgo;
1975 - Ley Federal de Protección al Consumidor do México;
1964 - Estatuto de la Publicidad Espanhol;
1971 - Bélgica - Lei que regula diversos tipos de venda;
1966 - França - Lei repressora da usura.
Proteção do Consumidor no Brasil
Diferentemente dos movimentos históricos citados anteriormente que deram
origem ao movimento denominado consumerismo (entre as décadas de 40 e
60), no Brasil, os marcos referem-se à edição de normas ou outros atos
governamentais, conforme abaixo:
Lei 1.521 de 26/12/51: Lei de Economia Popular;
Lei Delegada 4 de 26/9/62 (fiscalizada pela SUNAB);
Tentativa de criação do Conselho de Defesa do Consumidor (Projeto de
Lei 70 do Deputado Nina Ribeiro em 1971);
Constituição Federal de 1967, com a emenda nº. 1 de 1969 - congregou a
defesa do consumidor;
Criação do PROCON SP - 1976;
Constituição Federal de 1988 - consagrou a defesa do consumidor como
direito e garantia fundamental, princípio da ordem econômica e
determinou expressamente a criação de uma lei de proteção ao
consumidor, fato que veio a se concretizar dois anos depois.
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Código de Proteção e Defesa do Consumidor
A partir do reconhecimento, por parte do estado brasileiro, de que o consumidor
necessita de proteção, nesta matéria é que surge o Código de Proteção e
Defesa do Consumidor - Lei .8078 de 11 de setembro de 1990.
Nossa lei adota o modelo de intervenção estatal, regrando relações privadas.
Em todo o mundo, onde há disposição de proteger o consumidor há intervenção
do estado nas relações de consumo em maior ou menor grau. A inspiração da lei
brasileira veio de diversas normas estrangeiras, dentre elas a Resolução 39/248
da ONU de 1985, do código francês, das leis espanhola, portuguesa, mexicana e
canadense.
O nosso código foi estruturado basicamente da seguinte maneira:
a) conceito dos partícipes da relação (consumidor e fornecedor);
b) enumeração dos princípios da política de defesa do consumidor;
c) direitos básicos do consumidor;
d) as regras sobre qualidade de bens e serviços;
e) proteção à saúde e segurança;
f) responsabilidade por vício de produtos e serviços;
g) oferta;
h) publicidade;
i) práticas abusivas;
j) proteção contratual;
k) bancos de dados de consumo,
l) cláusulas abusivas,
m) sanções administrativas,
n) infrações penais;
o) defesa do consumidor em juízo;
p) Sistema Nacional de Defesa do Consumidor; e
q) Convenção Coletiva de Consumo.
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Neste material, estudaremos a maior parte dos assuntos que acabamos de
enumerar e seguiremos, sempre que possível, a mesma sequência da Lei
8.078/90 para facilitar o acompanhamento e estudo dos alunos.
TÍTULO I
Dos Direitos do Consumidor
CAPÍTULO I
Disposições Gerais
Art. 1° O presente código estabelece normas de proteção e defesa do
consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inciso
XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições
Transitórias.
Já no artigo 1º, o legislador inicia recordando que os fundamentos da defesa do
consumidor brasileiro estão na Constituição Federal e o faz mencionando os
artigos, precisamente aqueles em que a defesa do consumidor foi inserida.
O art. 5º, XXXII da Carta Constitucional trata dos direitos e garantias
fundamentais; a importância disso, é que os direitos previstos no art. 5º da
Constituição não podem ser modificados pelo Congresso Nacional. Dessa forma,
a defesa do consumidor no Brasil atingiu o patamar constitucional e só poderia,
por exemplo, deixar de existir, mediante nova Assembleia Nacional Constituinte.
Já no art. 170, da Constituição Federal, estão enumerados os princípios da
ordem econômica e o direito do consumidor os integra (com o mesmo status).
Apenas para conhecimento, vamos mencionar alguns dos princípios da Ordem
Econômica: a soberania nacional, a propriedade privada e sua função social, a
livre concorrência, a defesa do meio ambiente etc.
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O último artigo da Constituição Federal, mencionado no artigo 1º do Código do
Consumidor, é o 48 do ato das disposições transitórias.
Lá o constituinte deu o prazo de 120 dias para que o Congresso Nacional
elaborasse o Código do Consumidor. Muito embora a Constituição tenha sido
promulgada em 1988, e o CDC em 1990, não se tem o que lamentar em matéria
da qualidade legislativa do nosso Código. Desde a elaboração de seu
anteprojeto, ele foi cuidadosamente preparado por um grupo de professores da
mais alta qualidade. Sua tramitação no Congresso não foi das mais fáceis, pois
havia receio de grupos econômicos de que uma lei dessa natureza poderia pôr a
perder a economia nacional. Entretanto, o que se verifica, passados mais de 20
anos da entrada em vigor da lei, é que o efeito foi justamente o contrário. Nosso
Código do Consumidor contribuiu para elevar a qualidade dos produtos e
serviços prestados no país.
A Formação da Relação de Consumo
A premissa fundamental do nosso estudo é a identificação da relação de
consumo. Do ponto de vista prático de aplicação do CDC, diante de qualquer
relação jurídica é fundamental sabermos se estamos diante de um caso onde se
pode aplicar o Código do Consumidor.
Caso não possamos aplicar o CDC, no caso concreto, a relação poderá estar
sujeita à aplicação do Código Civil, por exemplo, e não se sujeitará às regras
que estudaremos neste material.
Para sabermos quando estamos diante de uma relação de consumo, é preciso
perguntar, diante do caso concreto, se temos ali a figura do consumidor, do
fornecedor e se esta relação tem por objeto um produto ou serviço. Como todos
esses elementos estão definidos no próprio CDC, analisaremos cada um deles
para, ao final, conceituarmos a relação de consumo.
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O Conceito de Consumidor
Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto
ou serviço como destinatário final.
Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas,
ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.
O Código não possui apenas um conceito de consumidor. Ao todo são quatro
conceitos. Dois destes conceitos estão mais à frente na lei; entretanto, esse é o
melhor momento para estudarmos todos os conceitos de consumidor que o
legislador brasileiro previu. Vamos a eles.
O primeiro que veremos é o conceito padrão. O conceito básico ou standart, que
está previsto no caput (cabeça) do artigo 2º, acima mencionado.
Aqui, o legislador determina que consumidor pode ser tanto pessoa física quanto
jurídica, desde que adquira produtos ou serviços como destinatário final.
Assim, tanto a pessoa física (chamada de pessoa natural, no direito civil) quanto
a jurídica podem ser consideradas consumidoras de produtos ou serviços.
Entretanto, no conceito da lei, para saber se estamos diante de um consumidor,
é preciso perguntar se a aquisição preenche o requisito da destinação final, ou
seja: quando adquirimos um produto ou serviço para nosso uso próprio ou de
nossos familiares, encerrando com este ato a cadeia produtiva, sem reinserir o
bem no mercado de consumo, estaremos diante da figura do consumidor.
Dessa forma, quem compra gêneros alimentícios em um supermercado, para
consumo próprio ou de sua família, é considerado consumidor e goza da
proteção da lei, em caso de irregularidade. Se essa mesma pessoa adquire
esses mesmos produtos para revenda, deixará de ser consumidora desses
produtos.
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Importante atentar para o fato de que o legislador atrelou (neste primeiro
conceito) a figura do consumidor à finalidade – destinação final – por essa razão
encontramos frequentemente, na doutrina especializada que o legislador
brasileiro utilizou, a teoria ‘finalista’. Assim, seguindo à risca esse conceito legal,
só é considerado consumidor o destinatário final de bens de consumo.
O segundo conceito de consumidor, previsto no CDC, é um conceito de
consumidor por equiparação legal. Ele está no parágrafo único do próprio artigo
2º. A primeira diferença entre o conceito do artigo 2º caput e dos demais
conceitos que veremos, reside no fato de que o primeiro define e conceitua o
consumidor, enquanto os demais equiparam a consumidor pessoas e situações
que a rigor não seriam considerados consumidores, a partir do conceito padrão.
No parágrafo único do artigo 2º, por exemplo, a figura equiparada à de
consumidor é a coletividade de pessoas (mesmo indetermináveis). Esse
dispositivo foca não mais no consumidor individual, mas no coletivo, no grupo de
pessoas que adquiriu bens de consumo. Além de tratar a coletividade como
consumidora, já que os contratos de consumo são, em regra, contratos de
massa, há um foco preventivo nessa regra.
No rol de legitimados a defender essa coletividade de consumidores, está o
próprio Ministério Público. São diversas as situações em que se pode pensar na
incidência desse artigo: veículos defeituosos, medicamentos postos no mercado
em desacordo com as normas, alimentos nocivos à saúde etc.
Nesses casos, o Ministério Público pode propor ação ou instaurar procedimento
preparatório (conhecido como inquérito civil) para investigar o caso, buscar a
reparação de danos e punir os infratores, se for caso.
O terceiro conceito de consumidor, no CDC, é outro feito por equiparação legal.
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Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as
vítimas do evento.
A seção onde esse artigo foi redigido na lei, é a que trata da Responsabilidade
pelo Fato do Produto ou Serviço, a qual estudaremos mais adiante. No CDC, o
fato do produto ou serviço é o mesmo que um acidente de consumo. Ou seja, se
uma pessoa, mesmo sem relação contratual com uma empresa que fornece
produtos ou serviços no mercado, for vítima de um acidente de consumo, ela
será considerada consumidora por equiparação.
Exemplos:
Panela de pressão com defeito na válvula, que explode durante o uso e
fere a empregada da consumidora que adquiriu o produto (panela);
Ônibus de transporte coletivo que, por defeito de fabricação, fica sem
freios e atropela pessoas na rua;
Acidente aéreo: avião que cai sobre residências matando e ferindo
pessoas;
Explosão em shopping center que fere pessoas, inclusive as que estavam
apenas passeando no local, sem praticar atos de consumo.
Em todos esses casos, as vítimas do acidente de consumo são, nos termos da
lei, equiparadas a consumidoras e gozarão (as vítimas ou seus sucessores) da
proteção legal, embora não tenham praticado atos de consumo selando uma
relação contratual com o fornecedor.
O último conceito de consumidor contido no Código, é o do artigo 29.
Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos
consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele
previstas.
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Aqui a equiparação a consumidor estende-se a diversos assuntos previstos no
CDC. Vamos a eles:
Como o comando expresso da lei é guindar à posição de consumidor as
pessoas expostas às práticas previstas neste capítulo (V) e no seguinte (VI),
este conceito alcança os consumidores expostos a:
Oferta;
Publicidade;
Práticas abusivas;
Cobrança de dívidas;
Bancos de dados e cadastros de consumidores;
Proteção contratual e cláusulas abusivas.
Importante chamar a atenção para a grande amplitude deste artigo. O
consumidor, ainda que meramente exposto a quaisquer destes assuntos acima,
poderá valer-se do Código do Consumidor para se proteger, em caso de lesão
ou ameaça de lesão a direito.
Em outras palavras, basta que o consumidor esteja exposto a uma oferta
incorreta, a uma publicidade enganosa ou abusiva, mesmo que não esteja
disposto a adquirir o produto ou serviço anunciado, já será consumidor por
equiparação legal.
Da mesma forma, se exposto a alguma das práticas ou cláusulas abusivas, que
estudaremos mais adiante, se exposto a ridículo em cobrança de dívida, lesado
por cadastros de consumo, também poderá valer-se do Código do Consumidor
para se proteger ou reparar danos sofridos.
Assim, de forma sintética, temos no Código um conceito padrão de consumidor
(chamado de standard) e mais três outros conceitos de consumidor por
equiparação legal que ampliam muito o conceito do artigo 2º caput, aumentando
também o leque de proteção ao consumidor brasileiro.
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O Conceito de Fornecedor
Diferente dos diversos conceitos de consumidor que temos no CDC, ao
conceituar o fornecedor, o legislador criou apenas uma regra, sem recorrer a
equiparações.
Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional
ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem
atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação,
importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou
prestação de serviços.
Assim como no conceito de consumidor, o fornecedor também pode ser pessoa
física ou jurídica. Dessa forma, mesmo que uma pessoa decida oferecer
produtos ou serviços aos consumidores, sem que para isso crie uma empresa,
ela também será considerada fornecedora e responderá nos termos de nossa lei
de consumo, em todas as fases (da oferta ao pós-contrato).
Pessoas que comercializem alimentos (p. ex. salgados) ou produtos de beleza e
que não possuam registro de pessoa jurídica perante o estado, podem ser
fornecedoras de produtos. O mesmo se pode dizer em relação aos camelôs que
atuam na informalidade. São todos os casos de pessoas físicas que podem
integrar as relações de consumo e sua cadeia de responsabilidade, a despeito
de se apresentarem como pessoas físicas.
Já as pessoas jurídicas (formalmente inscritas no Cadastro Nacional de Pessoas
Jurídicas), respondem na condição de fornecedoras desde que ofereçam
produtos ou serviços no mercado de consumo, conceitos que veremos logo à
frente.
As pessoas jurídicas de direito público podem ser aquelas que, criadas pelo
poder público, prestam serviços diretamente aos consumidores e também às
concessionárias e permissionárias de serviços públicos.
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Assim, não importa se o serviço público é prestado diretamente pelo estado ou
repassado a um ente privado; essa circunstância não descaracteriza a condição
de fornecedor da empresa. O que de fato é preponderante para entendermos
quais fornecedores de serviços públicos são fornecedores, sob a ótica do CDC,
é a forma de remuneração. Mais adiante, ao estudarmos o conceito de serviço,
teremos maior clareza sobre quais tipos de serviços públicos são considerados
objeto das relações de consumo.
Já em relação às pessoas jurídicas de direito privado (criadas e geridas por
particulares), o tipo de serviço ou produto fornecido e a forma de remuneração
(direta ou indireta) não os desnaturam como fornecedores, do ponto de vista das
relações de consumo.
Sejam as pessoas jurídicas, nacionais ou não, elas serão fornecedoras se
oferecerem produtos ou serviços no mercado de consumo brasileiro. Caso a
pessoa jurídica esteja domiciliada fora do país, mas ofereça seus produtos no
Brasil, ainda assim o consumidor terá a proteção de nossa lei de consumo.
Além das pessoas jurídicas com personalidade jurídica (públicas ou privadas), o
legislador brasileiro também incluiu no conceito de fornecedor os entes
despersonalizados. Os casos mais comuns de entes despersonalizados que
podem intervir em relações de consumo, na condição de fornecedor, são a
massa falida, o espólio e o condomínio.
Imagine que uma empresa (pessoa jurídica de direito privado) tenha sua falência
decretada judicialmente, mas que continue a produzir os mesmos bens de
consumo que já produzia anteriormente a fim de liquidar suas obrigações com
seus credores (recuperação judicial). Nesta hipótese a empresa perde sua
personalidade jurídica (torna-se massa falida), mas não deixa de ser fornecedora
para fins de relações de consumo.
Para caracterização de relação de consumo é de suma importância avaliarmos
se as pessoas físicas ou jurídicas de que acabamos de falar, desenvolvem
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determinadas atividades. Chamamos a atenção para o fato de que a atividade
requer habitualidade. Assim, se uma pessoa jurídica que fabrica creme dental
vende um veículo de uso da empresa a uma pessoa física, essa venda não
possui habitualidade, tampouco está no objeto social da empresa o que retira
essa relação jurídica da esfera das relações de consumo e a torna uma relação
civil (sujeita as regras do código civil brasileiro).
Os tipos de atividades listadas no artigo 3º como de fornecimento são as mais
diversas: produção, montagem, criação, construção, transformação, importação,
exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de
serviços.
O leque de atividades é o mais abrangente possível. Todas as fases do
fornecimento estão contempladas na regra legal. Da produção até a ‘ponta’ do
consumo, incluindo a intermediação, todas essas atividades são de fornecimento
em matéria de consumo no país.
Em complemento ao nosso estudo há um conceito de fornecedor fora do Código
do Consumidor, que está no Estatuto do Torcedor (Lei 10.671/2003). Segundo a
regra do art. 3º do Estatuto, equiparam-se a fornecedores para efeito do CDC, a
entidade responsável pela organização da competição, bem como a entidade de
prática desportiva detentora do mando de jogo.
Assim, organizadores de competições desportivas e clubes detentores do mando
de jogo equiparam-se a fornecedores de serviços e respondem como qualquer
outro fornecedor por danos causados aos consumidores torcedores.
Visto os conceitos de consumidor e de fornecedor – as partes da relação –
vamos conhecer os objetos do consumo: produtos e serviços. Ambos com
definição no próprio CDC.
O conceito de produto:
Art. 3° (...)
§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.
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Bens podem ser definidos como coisas, sejam eles materiais ou imateriais
dotados de valor econômico e que possam servir de objeto a uma relação
jurídica.
No Código Civil, o legislador não utiliza o conceito de produto; ao contrário,
optou por categorizar e definir bens em: móveis, imóveis, fungíveis, consumíveis,
singulares, coletivos, públicos e reciprocamente considerados. Já no CDC, a
opção do legislador foi de dizer quais bens são considerados produtos (móveis,
imóveis, materiais e imateriais).
Os bens móveis são aqueles que podem se mover por força própria ou alheia,
sem alteração da sua substância ou destinação econômico-social. No direito
civil, os bens que podem mover-se por força própria são classificados como
semoventes. Nessa categoria, estão os animais.
Assim, animais que possuam destinação final, ou seja, que não sejam utilizados
para atividades econômicas (por exemplo, gado de corte leiteiro etc) são
considerados bens de consumo, na categoria móvel.
Além desses, os automóveis, os eletrodomésticos, eletroeletrônicos, alimentos,
medicamentos, vestuário, materiais de construção ainda não incorporados à
obra e todos os demais bens considerados móveis, no conceito do direito civil,
que comentamos há pouco, poderão ser objeto das relações de consumo, na
condição de produto.
Na categoria dos imóveis (a partir do conceito de bem móvel), estão aqueles que
não podem ser transportados, sem perda de sua substância ou destinação
econômico-social. Uma casa de alvenaria é um claro exemplo disso. Entretanto,
um prédio que possa ser separado do solo, sem perder sua unidade e, assim,
ser removido para outro local, não perderá sua característica de imóvel.
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O conceito de serviço:
Art. 3º (...)
Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante
remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e
securitária, salvo as decorrentes das relações de trabalho.
Aqui, voltamos a chamar a atenção para a expressão “atividade”, da qual já
falamos ao conceituar fornecedor. Essa é uma das chaves para a identificação
de serviços sujeitos ao regime do CDC. Se o serviço não é prestado de forma
habitual pelo fornecedor, ou seja, se ele presta serviço, ainda que remunerado,
mas o faz sem qualquer habitualidade, não é fornecedor de serviços. Dessa
forma, o amigo que por entender de mecânica, conserta o carro alheio, mas o
faz por solidariedade, coleguismo e sem a habitualidade, não é fornecedor de
serviços.
Porém, o mecânico que exerce sua atividade habitualmente, e com
remuneração, é fornecedor de serviços e deve realizar oferta adequada, fornecer
orçamento discriminado previamente etc.
Repare que nesse artigo o legislador conceituou, também, amplamente o
fornecedor e depois passou a listar algumas atividades sobre as quais quis ser
absolutamente enfático para que não pairassem dúvidas sobre a condição de
fornecedor de serviços destes entes (bancária, financeira, de crédito etc).
Mesmo assim, o Sistema Financeiro questionou judicialmente, através de uma
Ação Direta de Inconstitucionalidade o fato de estar sujeito às regras do CDC
como fornecedor de serviços, nas relações de consumo (ADI 2591).
A Ação, ao final, foi julgada improcedente e essa controvérsia foi dirimida pelo
Supremo Tribunal Federal (STF).
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Assim, todo aquele que exercer atividade de natureza bancária, mediante
remuneração, é considerado fornecedor de serviços.
A expressão ‘mediante remuneração’ contida nesse dispositivo merece atenção
especial, principalmente, quando o serviço possui natureza pública.
Pois bem, já vimos que o fornecedor pode ser pessoa jurídica de direito público
ou privado; o que resta saber é quais serviços públicos estão sob a égide do
CDC. Será que hospitais e escolas públicas, segurança pública e os poderes
legislativo e executivo podem ser enquadrados como relação de consumo?
As promessas de campanha dos candidatos a cargos eletivos se encaixam nos
conceitos de publicidade previstos no CDC.
Segundo a doutrina dominante, prevalece o entendimento de que o fornecedor
de serviços de natureza pública será considerado fornecedor para a lei de
consumo, quando sua remuneração for feita mediante taxa ou tarifa (preço
público).
Sob essa ótica, excluem-se do conceito de serviços a polícia militar, o legislativo,
o judiciário, hospitais públicos, escolas públicas etc, pois todos esses serviços
são remunerados mediante impostos.
Já os serviços de água, energia elétrica, telefonia, transporte público, rodovias
são remunerados, conforme o caso, por tarifas ou taxas e como tal estão
sujeitos à incidência do CDC.
Repare que textualmente o legislador apenas deixou de fora dos serviços nas
relações de consumo, aqueles de caráter trabalhista, situações já reguladas pela
CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).
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A Política Nacional das Relações de Consumo e seus Princípios
O Código do Consumidor inaugura uma política de relações de consumo (Art.
4º), algo até então inexistente no Brasil. Essa política traz consigo alguns
objetivos como o atendimento das necessidades dos consumidores, respeito à
sua dignidade, saúde, segurança, proteção de seus interesses econômicos e
melhoria de sua qualidade de vida. Por fim, essa política nacional deve ser
baseada em transparência e harmonia.
Em nível federal, o órgão encarregado de zelar pela execução dessa política
nacional é a SENACON (Secretaria Nacional do Consumidor), criada em maio
de 2012.
Além de objetivos muito bem definidos, a política de relações de consumo
brasileira é orientada por princípios.
O primeiro deles é o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor (art. 4º,
I). Essa é uma presunção legal, ou seja, a partir da constatação da formação de
uma relação de consumo, o consumidor ali presente será sempre considerado
vulnerável. Trata-se de uma premissa.
É a partir desse reconhecimento, de que o consumidor é a parte mais fraca da
relação de consumo, que o legislador estabeleceu em todo o código uma série
de direitos e de mecanismos de proteção ao consumidor na intenção de
reequilibrar uma relação que nasce desequilibrada.
De um lado, o fornecedor que controla os meios de produção, redige os
contratos, escolhe os componentes que utilizará em seus produtos, define sua
estratégia de marketing e, de outro, o consumidor que, como regra, ignora todos
os fatores que levaram o fornecedor a colocar seus produtos no mercado e
eleger determinados consumidores como seu público-alvo. Nas relações
massificadas, o processo decisório do consumidor (quando há, fica limitado a um
sim, ou a um não.
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Ele decide apenas se contratará ou não aquele serviço ou produto. Não lhe é
dado interferir, seja customizando os bens de consumo, seja alterando regras
contratuais.
Desse modo, nada mais razoável e compreensível que o estado legisle de forma
a intervir no domínio econômico, criando limites aos fornecedores e direitos aos
consumidores.
O segundo princípio da Política Nacional de Relações de Consumo (PNRC) é a
ação governamental de proteção (Art. 4º, II, a, b e c). Essa ação pode se dar por
iniciativa governamental direta, incentivando a criação e o desenvolvimento de
associações de consumidores, pela presença do próprio estado no mercado e,
também, assegurando padrões adequados de qualidade, segurança,
durabilidade e desempenho de produtos e serviços.
A harmonização de interesses entre consumidor e fornecedor é o terceiro
princípio (art. 4º, III). A harmonização, a princípio difícil de imaginar,
considerando que por vezes os interesses de consumidores e fornecedores são
antagônicos, nada mais é do que a busca do equilíbrio entre proteção da parte
mais fraca e o desenvolvimento econômico e tecnológico nacional.
A boa-fé de ambas as partes é essencial para a busca da harmonização. O
sentido de boa fé, mais comumente empregado aqui, é em seu sentido objetivo
e não subjetivo (intenção apenas), que consiste em uma lealdade entre as
partes, em ações lado a lado que favorecem a execução do contrato e que
facilitam, em última análise, a vida em sociedade.
Outro pilar da PNRC é a educação dos partícipes das relações de consumo (art.
4º, IV). A educação de consumidores e fornecedores é fundamental para a
redução de litígios e respeito mútuo. Conhecedores de seus deveres e direitos,
consumidores não exigem mais do que a lei lhes faculta e fornecedores não
desrespeitam as garantias asseguradas aos consumidores.
21
A educação é a porta aberta para que se evitem abusos nos dois sentidos das
relações consumeristas. A melhoria do mercado é a consequência que o próprio
legislador espera por meio de ações educativas.
Em regra, as atividades educativas são efetivadas pelos órgãos de defesa do
consumidor com palestras e cursos, seja para consumidores, seja para
fornecedores. Mas considerando que a proteção do consumidor é assunto de
interesse social (de toda a sociedade), empresas, entidades de classe e de
defesa do consumidor podem e devem promover a educação financeira e para o
consumo.
Outro princípio das relações consumeristas é o controle de qualidade e
segurança incentivado pelo estado (Art. 4º, V). Além disso, de meios alternativos
(aos tradicionais) de solução de conflitos de consumo.
Este inciso possui dois comandos. A primeira regra vem no sentido de evitar
lesões a direitos e acidentes de consumo; já a solução alternativa de conflitos de
consumo surge na fase da reparação de direito violado. Prevenção e reparação
estão contempladas nesse dispositivo principiológico. Sem falar na assunção de
que o estado não tem dado conta do dever de solucionar adequadamente
conflitos sociais e como os conflitos de consumo se dão em massa (aos
milhares) fica ainda mais evidenciada a incapacidade estatal de dar vazão à
solução desses conflitos, gerando o que se chama de demandas reprimidas. De
certo modo, as redes sociais vêm dando resposta a esse comando, mesmo sem
o incentivo estatal determinado na lei.
Do ponto de vista legislativo, a lei de arbitragem pode ser lembrada como regra
que atende a esse comando do CDC; entretanto, a utilização da arbitragem em
relações consumeristas ainda é praticamente inexistente.
O inciso VI, do art. 4º, reforça um dos papéis inerentes ao próprio estado: o de
reprimir condutas ilícitas constatadas no mercado de consumo. Sejam elas
relações entre consumidores e fornecedores, sejam relações anticoncorrenciais
(entre fornecedores) que causem prejuízos aos consumidores.
22
Os serviços públicos prestados aos consumidores estão na mira do legislador,
em diversos momentos do CDC. Eles não foram esquecidos nem mesmo na
formação das relações de consumo e como decorrência deverão buscar
patamares de mercado elevados, oferecendo serviços com qualidade e preços
módicos. Não raro os serviços públicos são prestados em regime de monopólio
e, como tal, ao suprimir a liberdade de escolha dos consumidores, devem
garantir o binômio satisfação x preço adequado. Tal equilíbrio deriva da busca
constante pela melhoria e racionalização, conforme o princípio previsto no artigo
4, inc. VII.
O último princípio previsto no CDC é um tanto visionário (art. 4º, inc. VIII). Ele
determina que sejam realizados estudos sobre as modificações do mercado de
consumo. Seja pela velocidade das mudanças de mercado tanto em nível
mundial, o que determina mudanças no mercado interno, quanto no próprio
mercado nacional; seja falta de tradição ou investimento nesse tipo de atividade,
não temos atividades conhecidas de estudos de modificações de mercado senão
aquelas realizadas pelos próprios fornecedores com vistas a atualizar seus
produtos às novas exigências dos consumidores e manter-se atualizados, do
ponto de vista concorrencial.
Instrumentos da Política Nacional de Relações de Consumo
Após fixar objetivos e princípios da PNRC, o legislador nomeou seus executores.
Os órgãos mencionados no artigo 5º foram inadequadamente denominados de
‘instrumentos’. São eles:
a) assistência judiciária aos consumidores carentes;
b) instituição de promotorias de justiça especializadas em defesa do consumidor;
c) delegacias de polícia especializadas nos consumidores, vítimas de crimes
contra as relações de consumo;
d) criação de juizados especiais e varas especializadas na solução de conflitos
de consumo, e
23
e) estímulo à criação e desenvolvimento de entidades associativas de defesa do
consumidor.
Esses órgãos de estado aqui nomeados receberam por lei especial a
incumbência de proteger o consumidor ou, no caso do judiciário, dirimir conflito.
Restou ao estado a criação de promotorias, delegacias e varas especializadas
em relações de consumo. Situação ainda distante da realidade, pois não são
poucos os estados da federação que contam com a especialização necessária, o
que por vezes inviabiliza o seu acesso a denunciar, por exemplo, crimes contra
relações de consumo em delegacias ‘comuns’, onde há desconhecimento dos
delitos e, o consumidor, caso tenha paciência, será atendido, depois de horas,
pois necessitará esperar o atendimento de crimes contra a vida ou patrimônio.
Direitos Básicos do Consumidor
Ao lado dos princípios, os direitos básicos compõem a essência dos direitos
consumeristas, a fundação de onde partiram as regras específicas. Em 15 de
março de 1962, John Fritzgerald Kennedy enviou mensagem ao Congresso
enumerando direitos dos consumidores. Direito à segurança, direito à
informação e regulamentação da propaganda, direito à opção e direito de ser
ouvido.
Esses mesmos direitos básicos foram adotados mais tarde pela ONU como
diretrizes das Nações Unidas e a data é comemorada até os dias de hoje, como
o dia mundial do consumidor.
Conforme veremos, nosso CDC incorporou os direitos mencionados por
Kennedy e foi além.
O primeiro direito básico (art. 6º, I) visa proteger a vida, a saúde e a segurança
dos consumidores contra riscos decorrentes de produtos e serviços perigosos ou
nocivos.
24
Como se nota, ao utilizar a expressão proteger (e não reparar) o legislador deixa
clara a sua intenção de atuar no momento pré-contratual, ou seja, prevenir os
riscos a que o consumidor fica exposto ao utilizar produtos ou serviços,
potencialmente nocivos ou perigosos.
Outra constatação é que o legislador não ignora que a sociedade de consumo é
também uma sociedade de riscos; assim, tolerou produtos perigosos e nocivos.
Em segundo lugar, no rol dos direitos básicos previstos no CDC (art. 6º, II), está
a divulgação sobre consumo adequado, além da liberdade de escolha e a
igualdade nas contratações.
A primeira regra remete ao consumo adequado. Há aí uma previsão de
adequação entre a necessidade do consumidor e a destinação do bem de
consumo. Por certo o direito atinge tanto o consumidor de alimentos quanto o de
crédito. No primeiro caso, as informações de rotulagem devem informar sobre o
consumo adequado; no segundo caso, prospectos, informações no site da
instituição financeira, contrato e o vendedor do crédito devem apresentar ao
consumidor as características do produto vendido para que, sabedor de suas
necessidades, o consumido possa decidir se aquele produto de crédito é o mais
adequado às suas necessidades.
A liberdade de escolha pode ser assegurada tanto das informações que são
fornecidas ao consumidor para que ele possa fazer comparações entre os
diferentes produtos ou serviços, quanto da atuação estatal que privilegie a
concorrência livre. Não são raros os serviços que consumimos no Brasil, em
regime de monopólio absoluto, e onde claramente inexiste liberdade de escolha
para o consumidor. Exemplo disso é o fornecimento de serviços como de água e
energia elétrica.
A igualdade nas contratações, se pensada entre consumidor e fornecedor, deve
ser bastante relativizada (igualdade formal), considerando obviamente os papéis
25
de cada um deles na relação. Alguns instrumentos de busca de igualdade
contratual estão no próprio CDC (vide art. 51). Sob outra ótica, a igualdade
(isonomia) de tratamento entre os próprios consumidores também pode ser um
aspecto a ser considerado neste dispositivo. Neste caso, estamos tratando de
evitar que haja discriminação em seu aspecto negativo.
No inciso III, o direito de informação é a tônica do dispositivo. Apesar de
espalhado em diversos outros incisos (a exemplo do inciso II) é aqui que o
direito básico de informação ganha o centro das atenções legislativas.
Todas as principais características dos produtos e serviços devem ser
informadas aos consumidores (quantidade, características, composição,
qualidade, tributos incidentes, preço, além de riscos).
Vale destacar que as informações exigidas pela lei (conteúdo), também
ganharam regras sobre sua forma (adequada). A informação adequada não é
aquela trazida em rodapés, com fontes de letras minúsculas ou
incompreensíveis. A informação, base do consumo consciente e refletido, deve
ser dada de maneira que realmente atinja o consumidor: sem enganos ou
truques.
Uma recente mudança neste inciso do CDC incorporou a ele uma regra
constitucional que desde 1988 vinha sendo ignorada. O consumidor já tinha, por
força do art. 150, da Carta Constitucional, direito a saber qual o valor dos tributos
embutidos nos bens de consumo. Em 2012, o legislador emendou esse inciso III
do art. 6º e reforçou o comando constitucional.
No inciso IV, do art. 6º, o consumidor ganhou proteção contra duas formas de
publicidade que passaram a ser consideradas ilícitas (enganosa e abusiva),
além dos métodos comerciais desleais, práticas e cláusulas abusivas.
26
Todas essas disposições ganharam regras específicas no CDC. A publicidade
ilegal nos arts. 36 e 37 e as práticas e cláusulas abusivas (arts. 39 e 51).
Todas essas práticas foram consideradas perniciosas pelo legislador por
desequilibrar a relação consumerista em qualquer de suas fases. Seja no
momento pré-contratual (publicidade e algumas práticas abusivas), quanto na
fase contratual (cláusulas abusivas).
Ainda em relação aos contratos de consumo, outro direito básico está previsto
no inciso V do art. 6º. Porém, esse dispositivo além de focar em cláusulas que
são engendradas de forma a desequilibrar o contrato como é a característica
principal das cláusulas abusivas, também foi desenhada aqui a proteção contra
fatos supervenientes que tornem o contrato excessivamente oneroso ao
consumidor. O caso real mais comumente citado, como exemplo deste inciso, é
o das cláusulas contratuais em contrato de leasing vinculadas à variação
cambial. Com a alta do dólar, em 1999, os contratos tornaram-se excessivamente
onerosos aos consumidores, situação por que milhares de contratos foram
revistos, com base neste inciso, com fundamento na onerosidade excessiva.
A prevenção e a reparação de danos também ganharam status de direito básico
no CDC, sejam eles patrimoniais, morais, individuais ou mesmo coletivos (inc.
VI).
A prevenção no CDC se apresenta, por exemplo, pelas regras que obrigam os
fornecedores a garantir informações aos consumidores e dispositivos que
determinam o cuidado com a qualidade dos bens de consumo. Já a reparação
ganha destaque com sanções civis isoladas (art. 39 parágrafo único) e
substancialmente nos artigos 81 e seguintes com a proteção do consumidor em
juízo.
De nada adiantaria prever uma série de direitos aos consumidores sem, no
entanto, garantir-lhes acesso aos órgãos estatais responsáveis por sua tutela.
Se a efetivação da proteção legal é executada por determinados órgãos, nada
27
mais adequado do que estabelecer o acesso dos consumidores a eles. Seja
tanto no poder judiciário (varas especializadas e juizados especiais), quanto nos
órgãos incumbidos da proteção do consumidor, em nível administrativo, os
conhecidos Procons estaduais e municipais.
O inciso possui um destinatário claro. O consumidor necessitado, ou seja,
aquele em situação de hipervulnerabilidade econômica, sem condições de
contratar advogado para defender seus direitos.
Além do acesso aos órgãos o legislador também estabeleceu como mecanismo
de proteção ao consumidor a facilitação da defesa de seus direitos (art. 6º, VIII).
Objetivamente essa facilitação veio por meio de um mecanismo de capital
importância no processo civil. A inversão, aplicada somente pelo juiz de direito,
pode ocorrer quando as alegações do consumidor forem verossímeis (com
aparência de verdadeiras), apesar de destituídas de prova, ou quando o
consumidor for pouco suficiente (hipossuficiente) o que o coloca em
desvantagem frente ao fornecedor.
O mecanismo de inversão do ônus da prova não é algo novo no direito brasileiro;
ele já existe nas regras de processo civil e pode ser determinado pelo juiz
sempre que a produção de determinada prova for onerosa demais para quem
tenha que produzi-la (prova diabólica, prova negativa).
A regra em direito é que a prova deve ser produzida por quem alega, mas como
nem sempre isso é possível, existe a exceção de inversão do dever de provar,
oportunamente aproveitada no CDC.
A importância dessa regra processual é indiscutível em se tratando de relações
de consumo. Em muitos casos, o consumidor não possui a seu dispor meios de
prova para demonstrar o que alega. Como um consumidor vai provar, por
exemplo, que não realizou determinada compra com seu cartão de crédito ou
chamadas telefônicas que constam da sua fatura de serviços.
28
Determinados tipos de provas estão sob domínio e controle do fornecedor.
Gravação de chamadas telefônicas, controle de consumo em cartões de crédito
e telefonia são todos exemplos em que, caso o consumidor necessite
demonstrar que não realizou determinada transação, não terá como fazê-lo por
meio de provas, pois elas estão com o fornecedor.
Assim, em se tratando de relações de consumo, caso o juiz se convença de que
o consumidor está dizendo a verdade, ou quando for ele pouco suficiente do
ponto de vista técnico ou econômico, deverá devolver ao fornecedor o ônus de
provar que a alegação do consumidor é falsa; se não for capaz de fazê-lo, as
alegações do consumidor passam a valer como prova.
O último direito básico previsto no CDC (inc. X) é a adequada e eficaz prestação
dos serviços públicos em geral.
Sabidamente pouco eficientes e sem concorrência alguma, diversos serviços
públicos prestados no país ficam muito aquém das regras de prestabilidade e
eficiência. A busca do legislador foi elevar os serviços públicos ao patamar de
qualidade exigido dos fornecedores privados.
O Direito do Consumidor e suas Fontes
O código de defesa do consumidor, apesar de principal diploma legal em matéria
de relações de consumo, não é o único. O art. 7º determina que tratados,
convenções internacionais, legislação ordinária interna, regulamentos, além de
regras decorrentes dos princípios gerais do direito, analogia e costumes, todos
são fontes do direito do consumidor.
A legislação ordinária interna é, sem sombra de dúvidas, dentre as fontes de
direito do consumidor, a mais recorrente. Há no país um sem número de leis
estaduais e municipais sobre os mais diversos assuntos em matéria de relações
de consumo. De filas em bancos e supermercados, passando por regras de
29
segurança bancária, meia entrada e proibições de perturbar o consumidor com
ofertas publicitárias, as regras de defesa do consumidor criadas pelo legislador
municipal e estadual são por vezes repetições do próprio texto do CDC e muitas
vezes contraditórias entre si.
De todo modo, críticas à parte, segundo o art. 7º elas valem como fonte do
direito consumerista.
Qualidade de Produtos e Serviços, Prevenção e Reparação de
Danos
Em matéria de qualidade de bens colocados no mercado de consumo, vamos
analisar em primeiro lugar os artigos 8º, 9ºe 10º. Eles tratam especificamente da
proteção à saúde e segurança do consumidor
A temática do artigo 8º é a periculosidade latente e inerente. A regra legal prevê
que os bens de consumo não devem acarretar riscos à saúde e segurança do
consumidor, salvo os considerados normais e previsíveis, sempre
acompanhadas das informações a esse respeito.
Com isso, podemos tirar basicamente duas conclusões:
a) o legislador não proibiu os produtos e serviços que colocam a segurança ou a
saúde do consumidor em risco, desde que a periculosidade ou nocividade seja
inerente à característica do bem de consumo. É sabido que facas cortam; que
isqueiro queima e pode explodir, tal qual botijões de gás; que o transporte aéreo
está sujeito à lei da gravidade e que possuem reações adversas etc. O risco é
inerente a esses produtos e serviços, mas nem por isso eles devem ser retirados
do mercado.
O que o legislador proíbe ao estabelecer que os bens de consumo não ofereçam
riscos aos consumidores, salvo os normais e previsíveis é a periculosidade
adquirida e não a latente ou inerente, que é indissociável do produto ou serviço.
30
A periculosidade adquirida, como o próprio nome diz, é aquela que não é
considerada previsível e surge durante o processo produtivo, seja na fase de
projeto, produção, ou após a introdução do produto ou serviço no mercado.
Os casos mais conhecidos de periculosidade adquirida no mundo envolvem a
indústria automobilística. Não raro, após introduzir um veículo no mercado o
montador descobre algum tipo de defeito que coloca a segurança do consumidor
em risco. Esse tipo de periculosidade é justamente aquela que nosso legislador
procurou regular neste artigo e no artigo 10º onde está prevista a conduta a ser
adotada quando da descoberta de periculosidade, após a colocação do produto
no mercado.
No artigo 9º, o legislador reforça o dever de informação que envolva riscos,
entretanto o foco agora é sobre os produtos e serviços potencialmente nocivos
ou perigosos. No artigo 8º, estávamos tratando de bens de consumo que
apresentam alguma nocividade ou periculosidade; aqui tudo leva a crer que a
referência legislativa se dirige aos bens de alta nocividade ou periculosidade
como os venenos em geral (inseticidas), agrotóxicos etc.
No artigo seguinte, constam os deveres dos fornecedores caso só tenham
ciência da nocividade ou periculosidade, após a colocação do bem de consumo
no mercado. A lei trata do tema sob o rótulo de ‘chamamento’. Mundialmente e
mesmo no Brasil, o assunto também é conhecido por recall.
A regra prevê, em primeiro lugar, que o fornecedor está proibido de introduzir
bens de consumo no mercado que sabe, ou deveria saber, apresentar alto grau
de periculosidade ou nocividade. Já sabemos que estamos tratando da
periculosidade adquirida, pois vimos anteriormente que a periculosidade inerente
é permitida, desde que acompanhada de informações adequadas ao
consumidor.
Porém, como não se pode ignorar que falhas podem ocorrer na produção em
massa, o legislador sabiamente previu como o fornecedor deve agir nesses
casos em que desconhecia a periculosidade (adquirida) do produto ou serviço.
31
A periculosidade deve ser comunicada tanto aos consumidores quanto às
autoridades para que todos (especialmente consumidores) fiquem cientes dos
riscos a que estão submetidos e, conforme o caso, inclusive suspendam
imediatamente o uso de produto ou serviço. Com isso, busca-se evitar o dano
iminente.
A comunicação publicitária a respeito da periculosidade deve ser ampla (rádio e
televisão, no mínimo) e obviamente devem ser custeados pelo fornecedor
responsável pela introdução do bem de consumo no mercado.
Além disso, caso o Poder Público (União, Estados, Distrito Federal e Municípios)
tenha ciência da periculosidade, também possui o dever de alertar os
consumidores. Esse dever é usualmente cumprido pelos órgãos de defesa do
consumidor, por meio de divulgação em suas páginas eletrônicas de bens de
consumo sobre os quais incidiram campanhas de chamamento espontâneas, ou
seja, descoberta e noticiada pelos fornecedores.
Da Responsabilidade pelo Fato do Produto e do Serviço
Ainda dentro da Seção que estabelece regras sobre a qualidade de produtos e
serviços, veremos agora como a responsabilidade pelo fato do produto ou
serviço foi disciplinada no CDC (arts. 12 a 17).
Inicialmente, o Código de Defesa do Consumidor trouxe uma disciplina que é
sua marca registrada (art. 12). Trata-se da regra de responsabilidade objetiva.
Ao estabelecer esta marca, o legislador claramente estabeleceu um parâmetro
claro e transparente, um sistema de responsabilização que se estende por toda
a lei e que também é instrumento de facilitação de defesa do consumidor.
Responsabilidade objetiva significa que os fornecedores, em matéria de
consumo, respondem independentemente da apuração de culpa de sua parte
(elemento subjetivo da responsabilidade).
32
Assim, em caso de acidente de consumo, cabe ao consumidor demonstrar o
dano e o nexo de causalidade do dano com o produto ou serviço, ou seja, que o
dano se originou a partir do ato de consumir.
Não é dado ao fornecedor defender-se, alegando que desconhecia a
possibilidade do dano ou o defeito. A responsabilidade recairá sobre ele, mesmo
sem qualquer culpa de sua parte.
Sejam os defeitos decorrentes do processo produtivo, acondicionamento ou
informações insuficientes sobre utilização e riscos, a regra incide fatal e
infalivelmente.
Cabe aqui um parêntese para explicar, a partir do conceito legal o que é
considerado defeito do produto.
Defeito no dizer da lei está presente sempre que o produto não oferecer a
segurança que dele legitimamente se espera.
Ainda, segundo a lei, essa segurança legitimamente esperada deve ser
analisada segundo critério:
a) apresentação - uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam, na época
em que foi colocado em circulação.
Pois bem, a partir desse critério, é possível, caso a caso, dizer se determinado
produto é ou não defeituoso.
Imagine a seguinte situação: a partir de alguns acidentes noticiados, constata-se
que um determinado veículo já introduzido no mercado de consumo, diante de
impactos provocados por irregularidades no asfalto, libera as bolsas de air bag
do motorista e dos passageiros.
A partir do conceito legal que acabamos de citar, não é preciso muito esforço
para concluir que o produto hipoteticamente criado no exemplo é defeituoso.
33
Imagine um veículo em movimento nas esburacas ruas de qualquer capital
brasileira, acionando os dispositivos de air bag. Qualquer motorista perderia o
controle do carro nessa hipótese, vindo a colidir. O dispositivo de segurança (no
caso o air bag) não oferece a segurança que dele se espera que é a de disparar
apenas em situações de colisão do veículo.
Mas além de conceituar o defeito, o legislador também criou situações onde o
produto não será considerado defeituoso (Art. 12 §§ 2º e 3º).
A primeira hipótese que não gera a situação de defeito está ligada ao avanço
tecnológico. Assim, se um produto de melhor qualidade é lançado no mercado o
anterior não será considerado defeituoso. Avanço tecnológico e criação de
dispositivos de segurança não geram defeitos para os produtos anteriores a
eles, apenas obsolescência, mas não defeito.
Além disso, a regra de responsabilidade não incide sobre o fornecedor se ele
demonstrar:
a) que não colocou o produto no mercado;
b) que mesmo tendo colocado o produto no mercado o defeito inexiste, e
c) culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
É possível que um determinado produto chegue às mãos dos consumidores sem
que este fato tenha se dado, por ato do fabricante. Exemplo disso é uma carga
de produtos roubada enquanto era levada para um laboratório de análise
química. O roubo, além de imprevisível, não podia ser evitado pelo fornecedor.
Caso esse produto seja indevidamente distribuído aos consumidores pelos
ladrões ou por receptadores e causem danos à saúde dos consumidores o
fabricante não será responsabilizado.
No segundo caso, o produto foi introduzido no mercado pelo fornecedor, causou
danos a consumidores, porém não possuía defeito algum. No conceito do art.
12., ou seja, o produto oferecia a segurança esperada.
34
No último caso, a culpa pelo acidente de consumo é exclusiva do consumidor. A
despeito da segurança do produto e informações de periculosidade (caso
fossem necessárias) ele utilizou o produto de modo a causar a própria lesão. É o
popular ‘mau uso’, a terceira causa de exclusão e responsabilidade do
fornecedor. Vale ressaltar que para afastar a responsabilidade do fornecedor, a
culpa deve ser toda do consumidor, se ele agiu mal por falha de informação, por
exemplo, a responsabilidade será do fornecedor.
Em se tratando de responsabilidade do comerciante (art. 13), é fundamental que
ele adote providências e cuidados ao expor produtos à venda, pois do contrário
sua responsabilidade será na mesma medida dos demais fornecedores.
O primeiro cuidado a ser observado é que qualquer produto exposto à venda
deve possuir identificação dos fornecedores anteriores (importador, produtor,
construtor ou fabricante); do contrário havendo acidente de consumo o
comerciante será responsabilizado.
Um exemplo disso é a comercialização de escova de dente com uma única
identificação de origem “RPC” (República Popular da China), Caso durante a
utilização esse produto solte suas cerdas e elas venham a ser engolidas pelo
consumidor, a responsabilidade será do comerciante, pois ele expôs à venda
produtos sem a identificação do fabricante ou importador. Sua negligência atraiu
para ele a responsabilidade.
Do mesmo modo se o produto estiver exposto à venda com a identificação do
fabricante, produtor, construtor ou importador, mas a informação não for clara
impedindo a identificação de origem, o comerciante responde por eventual
acidente de consumo.
A conservação inadequada é a terceira causa de responsabilização do
comerciante por acidentes de consumo. Comerciantes que costumam desligar
os refrigerados à noite para economizar energia elétrica ou os que mantêm
35
produtos que deveriam ser mantidos refrigerados, fora de refrigeração, podem
ser lembrados como exemplos dessa situação legal.
Tal qual a regra de responsabilidade (objetiva) por danos causados por
produtos, o art. 14 traz regra semelhante para danos causados em decorrência
de prestação de serviços defeituosa.
Em relação aos serviços, o legislador apenas adaptou os critérios para aferição
dos defeitos (art. 14 §1º I a III) e suprimiu a regra de responsabilidade (e
irresponsabilidade) do comerciante, considerando que, diferentemente dos
produtos, os sérvios não possuem cadeia de produção, importação e
distribuição, até que o serviço seja prestado ao consumidor.
A última regra do artigo 14, no seu §4º acabou criando exceção à regra da
responsabilidade objetiva dos fornecedores.
Todas as vezes em que estivermos diante de um contrato celebrado com um
profissional liberal (médico, arquiteto, advogado, engenheiro, dentista etc), e a
prestação de serviço seja defeituosa, causando um acidente de consumo, a
responsabilidade do profissional deverá ser caracterizada mediante apuração e
sua culpa em qualquer das modalidades conhecidas (negligência, imprudência
ou imperícia).
O dispositivo legal é bastante criticado e, obviamente, dificulta em muito a
produção da prova por parte do consumidor que normalmente não é técnico no
assunto.
Vale dizer que a contratação de quaisquer desses profissionais, por intermédio
de uma empresa (por exemplo de um médico por meio do plano de saúde)
desnatura a relação de consumidor com profissional liberal. A hipótese aqui é de
contratação diretamente com o profissional liberal.
Outra consideração relevante é que a apuração de culpa do profissional está
prevista no capítulo que trata da responsabilidade pelo fato (defeito).
36
Logo, se o profissional liberal prestar serviço com vício de qualidade, responde
objetivamente como todos os demais fornecedores.
O último artigo deste capítulo é o que equipara a consumidor todas as vítimas de
um acidente de consumo (art. 17), dispositivo já comentado no conceito de
relação de consumo.
Diante de um acidente de consumo, pouco importa se as vítimas eram ou não
consumidoras (em sentido estrito) do produto ou serviço; a proteção legal se
estende a elas.
Prescrição
O único prazo de prescrição previsto no CDC é o relativo ao fato do produto ou
serviço (art. 27).
Entendendo-se aqui de forma simplista que o prazo prescricional é o prazo para
o consumidor pleitear em juízo a reparação do dano. Vejamos qual é este prazo
e quando começa a fluir.
Em se tratando da ocorrência de um acidente de consumo, o consumidor, vítima
do acidente, ou seus herdeiros, terão 5 (cinco) anos para reclamar a reparação
dos danos em juízo. Esse prazo começa a correr a partir do momento em que o
consumidor tem conhecimento do dano (o que em geral ocorre, logo após o
acidente) e de sua autoria. Nem sempre o autor do dano é identificado
rapidamente pelo consumidor, por isso mesmo a contagem de prazo se inicia
daí. Trata-se de outro instrumento de facilitação de defesa para o consumidor.
Da Responsabilidade por Vício do Produto e do Serviço
Vício do produto
Para encerrar o tema do capítulo que disciplina a qualidade de produtos e
serviços, passaremos a analisar as regras consumeristas que tratam dos vícios
em produtos e serviços (arts. 18 a 26).
37
A primeira consideração a fazer é destacar que o ‘fato’ do produto (Seção
anterior) difere do vício do serviço por um traço muito simples e ao mesmo
tempo marcante.
Produtos defeituosos acarretam risco à saúde ou segurança do consumidor, já
os viciados não. Estes apresentam falhas de qualidade ou quantidade que, em
regra são incapazes de ferir a incolumidade física do consumidor. Os danos
advindos dos vícios são, em regra, apenas patrimoniais.
O artigo que inaugura esta Seção (art. 18) estabelece que, em se tratando de
vícios, todos os fornecedores da cadeia de consumo respondem solidariamente
por sua reparação, ou seja, caso o consumidor adquira um eletroeletrônico em
uma loja e este apresente um vício de qualidade (por exemplo, o aparelho não
liga) cabe ao consumidor responsabilizar, à sua escolha, qualquer dos
fornecedores que integram a cadeia produtiva até o consumo.
Caso o produto apresente vício de qualidade, o consumidor aciona um dos
responsáveis e aguarda – no máximo – 30 dias para que o produto seja
reparado. O direito de tentar reparar bens de consumo é o único direito que os
fornecedores possuem no CDC. Apesar da indignação que isso causa em
alguns consumidores, mesmo que o produto seja novo e de valor elevado, o
fornecedor pode tentar consertá-lo em até 30 dias (art. 18 §1º).
Entretanto, caso o fornecedor não consiga sanar o vício no prazo máximo de 30
dias, ou restitua o produto antes do prazo e o vício reapareça, ao consumidor é
dada a tríplice opção. Ele pode escolher entre:
a) substituição do produto por outro da mesma espécie e em perfeitas
condições;
b) exigir a devolução da quantia paga;
c) optar pelo abatimento proporcional do preço (art. 18 §1º, I, II e III).
38
Vale frisar que a opção de troca, rescisão contratual ou abatimento é sempre do
consumidor. Não cabe ao fornecedor impor sua vontade (em geral, pela troca).
O prazo máximo de 30 dias para reparo de produtos viciados admite
flexibilização (art. 18 §2º). Ele pode variar de um mínimo de 7 dias até um
máximo de 180 dias. Entretanto, caso haja uma cláusula de prazo em contrato
de adesão esta deverá ser redigida em separado e só terá valor com
manifestação expressa do consumidor.
Assim, cláusula que amplie o prazo de reparo para além dos 30 dias só terá
validade se obedecer à forma prevista em lei. Se houver redução de prazo,
nosso entendimento é de que a cláusula valha independentemente de ser
redigida em separado, já que amplia o direito do consumidor.
No §3º, do artigo 18, encontra-se a exceção ao que dissemos em relação ao
§1º. Se a regra é de que em caso de vício o fornecedor tem o direito de tentar
sanar o vício em até 30 dias, aqui esse direito inexiste e a tríplice opção do
consumidor passa a ser exigível imediatamente.
A primeira situação é a de comprometimento da qualidade ou características do
produto em razão da extensão do vício. Podem acontecer situações em que o
vício é de tal monta que demande a substituição de diversas peças. Se esse
reparo comprometer características ou a própria qualidade do produto, o
consumidor não precisa aguardar o reparo.
Outra situação de exercício imediato do direito de escolha das opções de troca,
rescisão contratual ou abatimento do preço é a diminuição de valor. Se após o
reparo, houver diminuição de valor do bem o consumidor pode rejeitar a
manutenção. Exemplo dessa hipótese é a de um veículo novo que antes mesmo
de sair da concessionária sofre uma colisão e necessita ser repintado. Nessa
hipótese, o retoque de pintura acaba sendo perceptível e o veículo não terá o
mesmo valor de um outro nas mesmas condições, que não sofreu uma colisão.
39
A terceira e última hipótese está ligada à essencialidade dos bens de consumo.
Se o produto for considerado essencial, não há que se falar em reparo. A
questão aqui é definir quais são os bens de consumo essenciais, pois o CDC
não os definiu. Assim, teremos que buscar este conceito fora do nosso diploma
consumerista.
Dessa forma, ‘porta aberta’ do ponto de vista legislativo para essa interpretação
é o art. 7º do CDC, pois lá há expressa previsão de que os direitos previstos no
CDC não excluem outros previstos em legislação ordinária.
Na lei de crimes contra a economia popular (lei 1521 de 1951 e ainda em vigor),
encontramos alguns bens de consumo considerados de primeira necessidade e
que podem nos dar algum subsídio para descobrirmos quais produtos são
considerados essenciais.
No parágrafo único, do artigo 2º, da lei que mencionamos, consta uma lista
exemplificativa de produtos tidos como indispensáveis à sobrevivência em
condições higiênicas e ao exercício normal de suas atividades, tais como
aqueles destinados à alimentação, vestuário, iluminação, os terapêuticos ou
sanitários, o combustível, a habitação e os materiais de construção.
Evidentemente, tais gêneros não compõem uma lista exaustiva e mudam
conforme a sociedade evolui. Para que tenhamos uma ideia disso, está em
discussão judicial uma interpretação do Ministério da Justiça, por intermédio de
sua Secretaria de Defesa do Consumidor relativa à essencialidade do aparelho
de telefonia celular.
Com essa interpretação, a defesa do consumidor exige que as empresas
fabricantes de desses aparelhos providenciem a troca imediata do produto
viciado, haja vista que o consumidor não pode dispor de seu telefone por até 30
dias.
E por falar em avanço tecnológico e obsolescência de produtos, o §4º do art. 18
do CDC reconhece essa possibilidade e determina que, na impossibilidade de
substituição por outro produto de mesmas características, é possível que a troca
40
se dê por outro de maior ou menor valor. No primeiro caso, o consumidor
complementa a diferença de valo; já no segundo caso ele recebe uma
restituição.
Em qualquer caso, se o consumidor não concordar em receber outro produto
nas condições que acabamos de relatar, poderá optar por rescindir o contrato ou
pelo abatimento proporcional do preço.
Uma categoria de vícios especialmente tratada pelo legislador foi a dos
impróprios. Ao categorizá-los, o legislador deixou claro que quis colocar luzes
sobre eles dadas as consequências negativas que sua exposição à venda pode
causar aos consumidores.
O primeiro tipo de produto impróprio é o de validade vencida. A doutrina
consumerista chama esse vício de impropriedade do tipo aparente. Aparente,
pois a validade vencida é um vício de fácil detecção a olho nu
independentemente de qualquer perícia ou análise do produto.
Interessante advertir que esse vício independe da constatação de que o produto
está de fato impróprio. A constatação é objetiva. Se o prazo está vencido, o
legislador pressupõe sua impropriedade ao uso e consumo.
Além dos vencidos ou deteriorados, alterados, adulterados, avariados,
falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou,
ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares de fabricação,
distribuição ou apresentação são todos impróprios.
Repare que em diversos desses casos acima a apuração da impropriedade não
pode ser feita apenas visualmente como na validade vencida. Ela deverá ser
feita mediante análise ou prova pericial. Em outros casos, a apuração visual
basta (falsificação grosseira, deterioração etc).
Além dessa grande lista de produtos considerados impróprios (e viciados), o
inciso III do art. 18, §6º estabelece que a inadequação ao fim a que se destina o
produto também o torna impróprio ao uso e ao consumo.
41
Se determinadas características ou qualidades são anunciadas em relação a
determinado produto e ele não as atende, estaremos diante de inadequação ao
fim. Que fique claro que não estamos falando de alguns produtos viciados dentro
de todo um lote do mesmo produto, mas, sim, de produtos que, concebidos para
determinada função não a realizam.
Imagine, por exemplo, uma nova linha de refrigeradores que não atingem a
temperatura para conservação dos alimentos. Um medicamento que não
produza efeitos esperados (placebo), ou uma geladeira que não gele não é
adequada ao fim a que se destina e, portanto, é imprópria, por força desta regra
do CDC.
Outro de tipo de vício previsto no CDC é o de quantidade (art. 19).
A regra da solidariedade se mantém entre os fornecedores, neste caso, e a
apuração do vício se dará em relação à rotulagem ou mesmo da mensagem
publicitária.
A regra legal aplica-se a qualquer produto onde seja possível aplicar o critério de
medição por quantidade, sejam eles sólidos ou líquidos. Tanto quantidade em
unidades, quanto em peso ou volume estão sujeitos à apuração por essa regra
legal.
É preciso cuidado para a ressalva legal (respeitadas as variações decorrentes
de sua natureza), pois é possível que do envase até a prateleira possa haver
perda de peso ou volume; logo, é preciso interpretar a regra com parcimônia.
O que não se pode admitir é, por exemplo (situação real) a venda de frango
congelado onde foi constatado grande volume de água (congelada) no interior
da embalagem e o peso anunciado na rotulagem era o peso total (do frango
somado ao do gelo). Nessa situação, o consumidor adquire água ao preço de
carne de frango. A rotulagem não corresponde ao peso real do alimento e há
vício de quantidade.
42
Na hipótese de vício de quantidade, o legislador também fixou como
consequência civil (reparação do dano perante o consumidor) a tríplice opção.
Nesse caso não há prazo para sanar o vício (30 dias) e as opções são:
a) Abatimento do preço. O consumidor opta por adquirir aquele produto com
quantidade inferior à anunciada e paga proporcionalmente ao que está
levando;
b) Complementação do peso ou medida. Em algumas situações essa
alternativa é viável (quando o produto não é hermeticamente fechado, por
exemplo). Se o consumidor achar por bem, exige a complementação do
peso e paga o preço anunciado;
c) Substituição por outro produto sem o vício de quantidade. Caso o
consumidor esteja diante da situação em que apenas algumas unidades
do produto foram atingidas pela quantidade insuficiente e haja outras
unidades com o peso, volume ou unidade corretos, ele pode, a seu
critério, exigir a substituição.
A ressalva a ser feita aqui é que se o consumidor optar pela substituição e ela
for impossível, seja qual for o motivo, ele pode optar por outro produto de maior
valor pagando a diferença, ou de menor valor pagando menos por ele ou
recebendo a devida restituição (art. 19 §1º).
Por fim, caso a pesagem ou medição seja realizada no próprio ponto de venda e
a balança ou o instrumento de medição não estejam devidamente aferidos, a
responsabilidade será, obviamente, do fornecedor imediato (art. 19, §2º).
As regras e o controle de aferição de instrumentos de pesagem e medição são
realizados pelo INMETRO (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e
Tecnologia) e por seus órgãos estaduais delegados, conhecidos por IPEM
(Instituto de Pesos e Medidas).
43
Vício do Serviço
A partir do artigo 20, do CDC, o legislador criou regras relativas aos vícios
decorrentes da prestação de serviços.
A primeira grande diferença evidenciada no artigo 20 (serviço) em relação ao
artigo 18 (produto) é que a palavra solidariedade desapareceu.
E isso se deve em razão de características muito peculiares dos serviços; em
regra, não há cadeia de fornecimento de serviços, mas apenas o prestador
direto. De qualquer modo, isso não significa que os prestadores de serviços
estejam livres da incidência da solidariedade. O artigo 7º contém regra geral
aplicável também a serviços, caso haja mais de um responsável pela causação
do dano.
Os vícios dos serviços foram divididos pelo legislador em: de qualidade,
impropriedade, de diminuição de valor e disparidade com oferta ou mensagem
publicitária.
A exemplo do que já vimos em relação ao vício do produto, o consumidor
também pode exercer tríplice opção, em caso de serviços viciados:
a) reexecução do serviço - por evidente, se o serviço foi mal executado ele
deverá ser refeito às custas do próprio prestador de serviços, sem
qualquer ônus ao consumidor. Mesmo que o fornecedor confie essa
reexecução a um terceiro, o que é permitido pela regra do §1º, essa
subcontratação corre às expensas do prestador de serviços original;
b) restituição da quantia paga – além de imediata, a lei prevê que a
devolução seja feita com atualização monetária (equilíbrio); e
c) abatimento do preço - caso o consumidor se contente com o serviço
viciado e não faça uso das alternativas anteriores, poderá exigir
diminuição do preço. A diminuição deverá ser proporcional à execução
imperfeita (viciada) do serviço.
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Da mesma forma que vimos em relação aos produtos, os serviços inadequados
aos seus fins também são considerados impróprios. Além desses, os que não
atendam às normas de prestabilidade.
Apenas para ilustrar, se o serviço de alisamento de cabelo não o deixa liso, não
atende ao que dele se espera.
Se sobre o serviço incidam também regras específicas em sua prestação (como
é o caso dos serviços bancários e financeiros) e sua prestação não está de
acordo com essas regras o serviço será considerado impróprio desde logo.
Caso o serviço tenha por objeto a reparação de produtos, a lei presume o dever
de utilização de peças de reposição originais, adequadas e novas. Não é dada
ao fornecedor de serviços a decisão de empregar componentes de reposição
não originais ou recondicionados.
Por certo, o consumidor pode fazer essa opção e autorizar o prestador de
serviços, mas a decisão será sempre do consumidor. No mercado de peças de
reposição automotivo, o consumidor acaba optando pela utilização de peças de
reposição não originais, mas que mantenham as especificações do fabricante,
normalmente motivados pelos preços das peças.
Os serviços públicos ganharam um artigo especial em matéria de vícios (art. 22).
Além da regra geral e principiológica que vimos (art. 4º, VII) que determina a
racionalização e melhoria dos serviços públicos, o artigo 22 trata de sua
responsabilização, em caso de vício do serviço.
Não há dúvidas de que, sempre que nos reportarmos aos prestadores de
serviços públicos no CDC, estaremos diante daqueles que, conforme vimos, são
considerados fornecedores nas relações de consumo. Para os serviços públicos
são aqueles remunerados, mediante preço público ou tarifas.
O artigo atinge tantos os órgãos públicos prestadores de serviços, quanto
concessionárias, permissionárias ou outra forma de trespasse do serviço
público.
45
Em qualquer caso, prevê o CDC, os serviços devem ser adequados, eficientes,
seguros e contínuos (em relação aos essenciais).
A adequação é analisada em relação à prestabilidade, ou seja, se ele se presta
ao fim a que se destina.
A eficiência está ligada tanto à boa qualidade do serviço quanto à modicidade
dos preços (custo x benefício). A segurança pode ser aqui entendida sob todos
os aspectos. A segurança física é habitualmente a mais lembrada e ela envolve
desde as instalações de equipamento, tubulações e cabeamentos, visitas às
residências dos consumidores etc., mas a segurança também pode ser pensada
em relação a sistemas que garantam segurança de dados dos consumidores e a
relativa a pagamentos de faturas.
O parágrafo único, do art. 22, fixa consequências civis decorrentes do
descumprimento das regras do caput (cumprimento forçado de obrigações e
reparação de danos).
Nesse momento, não poderíamos deixar de mencionar que ao tratarmos de
prestadoras de serviços públicos, estamos falando de setores da economia
sujeitos à regulação específica do poder púbico. Essa regulação é fruto de
normatização específica oriunda das Agências Reguladoras, sejam elas federais
ou estaduais.
As Agências não apenas regulam a prestação de serviços de natureza pública
como também as fiscalizam. Convivendo com esse sistema de regulação e
fiscalização, estão os órgãos de defesa do consumidor e um rol de sanções
aplicáveis pelo descumprimento da lei de consumo.
Nesse contexto é possível que tanto a agência reguladora quanto o órgão de
defesa do consumidor apliquem sanções ao fornecedor pelo descumprimento da
mesma obrigação. A questão é tormentosa e ainda sem solução uniforme. A
premissa em direito é a do ‘non bis in idem’, ou seja, ninguém pode ser punido
duas vezes pelo mesmo fato. De todo modo, em nosso sistema atual, é possível
46
que um fornecedor venha a ser sancionado pela agência reguladora (no caso
das instituições financeiras pelo BACEN), quanto por um (ou mais de um)
Procon já que esses órgãos existem em nível federal, estadual e municipal e não
há hierarquia entre eles.
Responsabilidade Objetiva
Já vimos que em relação aos defeitos (fato) do produto ou serviço o fornecedor
responde independentemente de culpa, o que a doutrina chama de
responsabilidade objetiva, um excelente meio de facilitação da defesa do
consumidor e uma opção de distribuição de ônus nas relações comerciais.
Ocorre que nos artigos que tratam da responsabilidade por vício dos produtos
(18), e do serviço (19), não há menção à responsabilidade independentemente
de culpa. Essa constatação evidentemente nos faz pensar se a
responsabilidade, em caso de vícios, seria subjetiva, ou seja, se a
responsabilidade somente se caracteriza, após demonstrada a culpa do
fornecedor.
O artigo 23, do CDC, vem para dirimir essa dúvida. Estrategicamente inserido na
Seção que trata dos vícios, prescreve que a ignorância do fornecedor pelos
vícios de qualidade ou inadequação não o exime de responsabilidade.
A doutrina responsável pela elaboração do anteprojeto do CDC costuma tratar
dessa regra de responsabilidade como de responsabilidade subjetiva com
presunção absoluta de culpa. Na prática, a responsabilidade objetiva ou
subjetiva com presunção de culpa significam a mesma coisa - o fornecedor
jamais poderá invocar ignorância do vício na tentativa de eximir-se da
responsabilidade.
Não fosse assim, bastaria ao fornecedor alegar que desconhecia a existência de
produtos vencidos em sua loja e demonstrar que repõe estoques regularmente
para não ser responsabilidade por essa infração. Ao banco bastaria alegar que
age de forma cuidadosa e diligente com todas as suas transferências e que
47
possui sistemas seguros para afastar seu dever de indenizar, quando
comprovada alguma violação de seus sistemas por hackers e ao
desaparecimento de dinheiro da conta bancária do consumidor.
O sistema de responsabilidade objetiva é, portanto, um dos grandes alicerces da
reparação de danos ao consumidor no Brasil.
Garantia Legal
A garantia legal de produtos e serviços é um assunto que precisa ser estudado
reunindo, a priori, ao menos dois artigos do CDC (arts. 24 e 26).,
O primeiro comentário a ser feito apesar de ululante, é que a garantia legal
decorre da lei. O que parece óbvio nem sempre é. O que queremos transmitir
com essa afirmação é que esse tipo de garantia independe de qualquer outro
tipo de avença ou ajuste; não precisa estar prevista contratualmente para que
exista (art. 24).
Aliás, ainda que o fornecedor diga e escreva que o produto ou serviço que ele
pôs à venda não possui garantia, ainda assim ele possui. Produtos e serviços de
consumo postos no mercado brasileiro possuem sempre (e no mínimo) a
garantia legal. Dissemos, no mínimo, pois também é possível que o fornecedor
ofereça garantia contratual para seus produtos, assunto que veremos ao estudar
a proteção contratual.
Muito embora o legislador tenha reservado um local específico no CDC para
capitular as cláusulas abusivas, ele já criou um nesta seção dos vícios. A
disciplina do art. 24 nos deixa claro que o fornecedor não pode nem mesmo
escrever em seu contrato que não se responsabiliza por vícios. Caso o faça, por
força da previsão do art. 51, caput, a cláusula será abusiva e, portanto, nula.
A esta altura convém tratarmos dos prazos de garantia legal (art. 26).
A previsão de garantia legal é algo que eleva os padrões de qualidade dos bens
postos no mercado.
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Se os fornecedores sabem de antemão que serão obrigados a trocar ou reparar
produtos, até determinado prazo e suportar o ônus desse ato, terão,
evidentemente, maior preocupação com a qualidade.
Ao estabelecer o direito de reclamar por vícios (art. 26), o legislador
consumerista põe em operação o sistema de garantia legal de adequação,
previsto no art. 24, dando-lhe prazos objetivos.
O primeiro comentário a fazer é sobre os vícios aparentes (ou de fácil
constatação). Tais vícios são aqueles evidentes aos olhos do consumidor leigo.
A doutrina sugere exemplos como o do televisor sem tela, por exemplo. São
situações de mau funcionamento, inadequação, impropriedade que saltam aos
olhos do consumidor. Essa seria a categoria de vícios do tipo aparentes.
Nesses casos, o consumidor terá prazos diferentes para exercitar seu direito de
reclamar, a depender de um critério. O da maior ou menor durabilidade (art. 26 I
e II).
Se assim for, torna-se necessário um exame sobre o que é considerado durável
ou não durável. Esse conceito não se confunde com o que encontramos no
código civil brasileiro. Lá encontramos uma categoria de bens chamados de
consumíveis. Aqui, o legislador seguiu outro caminho.
Precisamos estabelecer então um critério para o exame da durabilidade. A
primeira coisa que provavelmente nos vem à mente é o critério de uso. Um
produto pode ser durável ou não, a partir de sua resistência ao uso. Mas esse
critério não parece ser adequado, pois cada consumidor possui hábitos de uso
diferentes; uns utilizam e exigem mais de seus produtos do que outros que os
utilizam apenas esporadicamente. Logo, a partir desse critério, o mesmo produto
seria considerado, ora durável, ora não durável.
Um critério interessante foi sugerido pelo promotor de justiça de SP, Willian
Santo Ferreira. O professor sugere que a medida da durabilidade seja dada em
relação ao tempo.
49
Dessa forma, se um produto, independentemente de seu uso, seja resistente à
ação do tempo, será considerado durável; se perece ou perde suas
características rapidamente em relação à ação do tempo ,será considerado não
durável.
Nos exemplos, de forma simples, o professor utiliza como objeto um lápis. Um
lápis deixado à ação do tempo possui ‘vida’ longa. É durável, portanto. Se
utilizarmos o critério do uso, uns irão considerá-lo não durável, pois escrevem
bastante e a utilização (e o ato de apontar) desgastaria rapidamente o lápis.
Já os alimentos, como regra geral, não podem ser considerados duráveis, pois
perecem com facilidade, antes do consumo. É verdade que o acondicionamento
e as modernas embalagens fazem com que alguns gêneros alimentícios
permaneçam próprios ao consumo por longos períodos, mas em sua essência
são considerados não duráveis.
Aliás, os alimentos, ao lados dos medicamentos, são praticamente os únicos
produtos classificados como não duráveis nesse critério. Os demais
(eletroeletrônicos, eletrodomésticos, veículos, vestuário, materiais de construção
etc.) são todos pertencentes à categoria dos duráveis.
Em relação aos serviços, aqueles que se são prestados e por sua natureza são
de fruição imediata (serviços de transporte terrestre e aéreo) ou que não
resistem à ação do tempo (inclusive do clima) são não duráveis. É o caso de
uma lavagem de veículo, serviço de manicure ou de alisamento de cabelos. É
verdade que, no último cãs,o há serviços que prometem maior durabilidade e
resistência à água; nesses casos, não há dúvida de que o serviço somente será
considerado adequado se a promessa for cumprida.
Assim, se os produtos ou serviços são do tipo não duráveis, o prazo para o
consumidor reclamar do vício aparente ou de fácil constatação será de trinta dias
(art. 26, I). Esse prazo é contado da data da entrega do produto ou prestação do
serviço, pois, só nesse momento, o consumidor terá condição de examinar o
produto ou fruir o serviço e saber se há nele algum vício (art. 26, §1º).
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Se, de outro lado, os produtos ou serviços são do tipo duráveis o prazo triplica
(90 dias).
Os prazos previstos em lei são, por vezes, criticados por serem tímidos, curtos
demais. Entretanto, é preciso considerar que estamos falando de vícios que
saltam aos olhos, que são imediatamente perceptíveis e dependem apenas do
ato do consumidor comunicar-lhes ao fornecedor.
A partir daí, entramos nas regras já estudadas de prazo para que o fornecedor
tente sanar o vício (regra) e a tríplice opção, caso o vício não seja
adequadamente sanado.
Esses prazos para o consumidor exercitar seu direito de reclamar são chamados
pelo legislador de ‘decadenciais’. Se o consumidor não os exercitar, perderá
definitivamente seu direito de reclamar por eles. Há uma velha máxima em
direito que diz “dormentibus non socorrit jus” (o direito não socorre a quem
dorme).
Outra coisa que precisamos saber a respeito dos prazos decadenciais é que
eles podem ser paralisados (ou obstados), como previu o CDC (art. 26, §2º).
A primeira causa de óbice é a reclamação do consumidor perante o fornecedor
(art. 26, §2º, I).
Se em determinado caso concreto, o consumidor reclamar perante seu
fornecedor de serviços de um vício do tipo aparente no 10º dia, após a
conclusão do serviço, enquanto ele não receber uma resposta negativa
(negando sua pretensão) o prazo continuará paralisado perante o consumidor.
Porém quando o consumidor reclama e recebe resposta negativa do fornecedor,
o prazo torna a fluir.
O inciso II (vetado) previa que as reclamações formuladas perante os órgãos e
entidades de defesa do consumidor também teriam o efeito de paralisar os
prazos.
51
O veto se deu em razão deste inciso estabelecer que o prazo deixaria de fluir
também quando o consumidor reclamasse perante uma entidade de defesa do
consumidor. As entidades de defesa são de natureza privada (em geral ONG’s)
e a paralisação de prazo é prerrogativa de órgão, por seu caráter público.
De todo modo, não é irrazoável entender que, apesar do veto, as reclamações
formalizadas perante os órgãos de defesa do consumidor têm efeito de obstar os
prazos, pois, de qualquer maneira, o consumidor está reclamando contra o
fornecedor que recebe a demanda em seu endereço físico ou virtual. A diferença
é que a carta de reclamação formalizada pelo consumidor é feita com critérios
técnicos e fundamentação, o que muitos consumidores sozinhos não teriam
condições de fazer. Dá-se cumprimento aqui ao acesso aos órgãos
administrativos, comando estampado no art. 6º, VII, do CDC.
No inciso III, do §2º, do art. 26, está a última causa de óbice do prazo
decadencial. A instauração de inquérito civil, até seu encerramento. O inquérito
civil nada mais é do que um procedimento administrativo que pode ser
instaurado pelo Ministério Público. Trata-se de um procedimento de cunho
investigatório e de coleta de provas; um procedimento que antecede e prepara
eventual ação civil pública.
O procedimento não é obrigatório; caso o Ministério Público disponha de provas
necessárias para mover uma ação civil pública, pode fazê-lo independentemente
do inquérito civil, mas caso entenda necessário, faz a coleta de provas e a
investigação através de inquérito.
Como o procedimento do Ministério Público possui caráter coletivo ou mesmo
difuso, o prazo fica obstado até a conclusão do inquérito em relação a todos os
consumidores independentemente de terem ou não efetuado uma reclamação.
52
Vício e Responsabilidade
Na análise do artigo, dissemos que o fornecedor não pode se exonerar da
garantia legal por contrato. Pois bem, o mesmo ocorre em relação à tentativa de
dificultar ou impedir a incidência das regras de responsabilidade por vício
(impossibilitar, exonerar ou atenuar a responsabilidade).
Esta é a segunda situação de cláusula abusiva fora do capítulo específico (art.
51). Caso o fornecedor redija seus contratos restringindo a sua responsabilidade
em caso de vícios de qualidade, quantidade, impropriedade etc, a cláusula será
considerada ilegal e, se levada ao judiciário, declarada nula.
A solidariedade decorrente dos vícios, já presentes no artigo 18, vem reforçada
no §1º, do art. 25. Em se tratando de situações onde haja mais de um
responsável pelo dano ao consumido,r todos respondem solidariamente pela
reparação.
Por fim, se o dano decorre de peça ou componente incorporado ao produto ou
serviço, responderão também de forma solidária o fabricante, construtor ou
importador juntamente com aquele que efetuou a incorporação da peça ao
produto.
A Oferta
Ao lado da responsabilidade pelo vício, o tema da oferta e da publicidade são os
temas mais palpitantes dentro do microssistema de defesa do consumidor.
Em primeiro lugar, queremos ressaltar que tal qual o fez o legislador
distinguiremos oferta em sentido amplo e de caráter não publicitário da oferta
publicitária ou simplesmente publicidade.
A oferta como gênero pode ser conceituada como todas as técnicas e meios
disponíveis para aproximar consumidor e fornecedor com vistas ao comércio de
produtos e serviços.
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Dentro deste conceito amplo estão a oferta em sentido estrito ou não publicitária
e a oferta publicitária.
A oferta de caráter não publicitário e a oferta publicitária foram cuidadosamente
separadas e suas regras são inconfundíveis no CDC.
A oferta de caráter não publicitário está presente como regra na apresentação
do produto ou serviço. Na rotulagem, nas etiquetas de preço afixadas em
gôndolas de supermercados etc. são aquelas informações destinadas a levar
informações ao consumidor, sem socorrer-se de métodos de indução ao
consumo. A oferta não publicitária não tem por objetivo estimular hábitos de
consumo ou criar necessidades no consumidor.
Dessa forma, esse tipo de oferta possui regras ou deveres de caráter positivo,
ou seja, a oferta não publicitária destina-se a informar o consumidor para que
este decida de forma refletida sobre o ato de consumo, para que exerça seu
direito de escolha.
Já a publicidade ou oferta publicitária tem a função de criar necessidades,
estimular o consumo, despertar sonhos. Ela mexe com nossos sentidos, sempre
no sentido de criar desejos de consumo. Os deveres em relação à publicidade
são negativos.
O CDC não estabeleceu o que a publicidade deve conter, mas o que ela não
pode fazer. O legislador não taxou a publicidade de ilícita; entretanto,
estabeleceu claros ao exercício desta atividade.
Dito isso, vamos seguir na análise dos artigos 30 a 38 do CDC. Artigos que
disciplinam a oferta e a publicidade. Sempre lembrando que o conceito de
consumidor por equiparação legal (art. 29) atinge todas as pessoas expostas à
oferta e publicidade, conforme vimos no estudo da conceituação da relação de
consumo.
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A primeira regra valiosa fixada pelo legislador em matéria de oferta e de
publicidade é chamada de princípio da vinculação (art. 30). Pela regra da
vinculação, qualquer oferta ou publicidade realizada pelo fornecedor o vincula ao
que foi dito ou ofertado. Como afirma o Ministro Herman Benjamim, do STJ, a
regra do código é: “prometeu tem que cumprir”.
É bem verdade que para vincular o fornecedor às palavras ou imagens
veiculadas há um requisito (o da precisão); entretanto, cumprido este requisito a
oferta e a publicidade amarram o fornecedor e criam para ele o dever de cumprir
com sua promessa, integrando inclusive eventual contrato a ser celebrado entre
consumidor e fornecedor.
A precisão da oferta (ou mesmo da imagem),é requisito para que se exija o
cumprimento forçado, para eliminar subjetivismos. Se por exemplo o fornecedor
anuncia seu produto com adjetivos como ‘sensacional’ ou ‘fantástico’ e o
consumidor o adquira, mas não concorde com essas afirmações, é fato que será
um tanto difícil exigir do fornecedor que o produto cumpra a expectativa
individual de “fantástico” de cada um dos consumidores.
De outro lado, se o anúncio promete ‘o melhor preço da região’ ou ‘cobrimos
qualquer oferta’ e nos deparamos com ofertas de preço inferior fica fácil
comparar as ofertas do anunciante com as do concorrente, para então exigir do
primeiro o cumprimento da obrigação.
Folhetos, panfletos, anúncios, promessas verbais, enfim, todas as formas de
comunicação, em qualquer tipo de relação de consumo, têm o poder de vincular
o fornecedor ao que ofereceu, desde que observado o requisito da precisão
suficiente.
Na venda de crédito, são diversos os relatos de consumidores nos Órgãos de
Proteção do Consumidor ou mesmo nos juizados especiais que relatam terem
recebido informações verbais (do valor das prestações) diferentes, em relação
ao valor constante do boleto que posteriormente recebe.
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Situações como essa, além de flagrantemente contrária às regras do CDC, ainda
se agravam quando o consumidor não recebe cópia do contrato, no ato da
contratação.
Daí a importância de ter sempre o cuidado de oferecer sempre e apenas o que
realmente será cumprido. A omissão de informações relevantes (por exemplo,
de uma taxa ou tarifa incidente sobre o empréstimo) que acabam surpreendendo
o consumidor, traz para o fornecedor as mesmas consequências da informação
falsa.
Nessas situações, o fornecedor será compelido a cumprir com o que foi
oferecido ou retirar a cobrança daquilo que não foi informado, mas foi cobrado.
Além da reparação civil, o fornecedor fica sujeito à sanção (multa) por
descumprimento da lei.
Os deveres do fornecedor em relação à oferta, de caráter não publicitário, estão
previstos no art. 31. Lá, o legislador tratou de estabelecer quais são as
informações obrigatórias e que devem acompanhar a oferta e a apresentação e
também como a informação deve ser prestada.
Os deveres de informar abrangem suas características, qualidades, quantidade,
composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados,
bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos
consumidores.
É evidente que a regra merece ser interpretada com bom senso. Exigir, por
exemplo, o prazo de validade de um prego, a composição de um contrato de
crédito ou de um lápis, garantia da água mineral, etc., não são razoáveis. Os
exemplos folclóricos servem para ilustrar que as informações obrigatórias de
cada produto ou serviço variam.
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Além disso, o artigo 31 prevê que, além das informações obrigatórias lá fixadas,
existem ‘outras’ que podem ser exigidas a depender do tipo de bem de consumo
oferecido. Trata-se de uma redação do tipo aberta, um rol de informações
exemplificativo.
No caso de contratos de crédito, por exemplo, as informações mínimas
obrigatórias estão previstas no art. 52 do CDC (soma total a pagar com e sem
financiamento, quantidade e valor das prestações etc.), além de outras
informações (dentre outras) como é o caso do CET (Custo Efetivo Total),
informação obrigatória por determinação do Banco Central do Brasil.
As informações obrigatórias na oferta também possuem requisitos. Não bastam
que as informações sejam prestadas; elas devem ser apresentadas ao
consumidor de forma correta, clara, precisa, ostensiva e em língua portuguesa.
Conforme o Decreto federal que trata de precificação (Dec. 5.903/2006),
informação correta é informação verdadeira que não seja capaz de induzir o
consumidor em erro. Informação clara é a informação que pode ser entendida de
imediato e com facilidade pelo consumidor, sem abreviaturas que dificultem a
sua compreensão, e sem a necessidade de qualquer interpretação ou cálculo.
Informação precisa é a informação exata, definida e que esteja física ou
visualmente ligada ao produto a que se refere, sem nenhum embaraço físico ou
visual interposto. Informação ostensiva é aquela de fácil percepção, dispensando
qualquer esforço na sua assimilação. Além disso, é aquela que possui
caracteres em tamanho adequado.
Em 2009, um parágrafo foi acrescentado ao art. 31 para acrescentar que, além
de todos os requisitos que acabamos de comentar, quando os produtos forem do
tipo refrigerados, as informações deverão ser gravadas de forma indelével. É
frequente a situação de etiquetas em papel, afixadas em produtos refrigerados,
que umedecem, borram ou se apagam e a as informações desaparecem.
57
Se indeléveis (seja através de tinta especial, auto ou baixo relevo), a informação
não se perde com a umidade e manuseio da embalagem, garantindo que a
informação chegue ao consumidor.
Outro assunto tratado na Seção da oferta é o das peças de reposição (art. 32). A
regra vale para fabricantes e importadores. Como as peças de reposição
asseguram a continuidade do funcionamento de produtos, a oferta no mercado é
de fundamental importância. Sua ausência pode tornar produtos obsoletos do
dia para a noite. O comando do artigo 32 apesar de aberto é bem-vindo. A
premissa é de que enquanto o produto estiver sendo introduzido no mercado as
peças e os componentes de reposição devem ser assegurados.
Uma vez que o produto deixe de ser fabricado ou importado, as peças de
reposição devem continuar a ser fornecidas ‘por período razoável de tempo, na
forma da lei’. A razoabilidade, evidentemente, é critério sujeito à interpretação.
Um balizamento trazido para preencher essa expressão (embora não esteja
previsto em lei, mas em um decreto) está no art. 13, XXI do Decreto Federal
2.181/97, que regula as sanções administrativas do CDC. Lá, está previsto que o
período razoável não pode nunca ser inferior à vida útil do produto.
Outro critério de razoabilidade é, sem dúvida, o prazo de garantia contratual
concedido pelo próprio fornecedor. Se a garantia ainda está vigente, não é
razoável (e nem crível) que não existam mais peças de reposição no mercado.
A oferta e a venda por telefone e por reembolso postal também mereceram regra
especial no CDC (art. 33).
Segundo a lei, nessas duas modalidades de oferta ou venda, é necessário que
conste da embalagem, publicidade e impressos utilizados na transação
comercial o nome e endereço do fabricante.
58
Além disso, fica proibida a publicidade de bens e serviços por telefone sempre
que a chamada for onerosa ao consumidor. Essa regra foi introduzida no CDC
em 2008, exatamente no mesmo ano em que entrou em vigor o Decreto do SAC
(Dec. 6.523/08).
Dessa forma, quando a chamada for paga pelo consumidor (no caso dos bancos
são as chamadas realizadas para as centrais de relacionamento) a publicidade é
absolutamente proibida. Já quando se tratar de SAC (a chamada é
necessariamente gratuita para o consumidor) a publicidade pode ser realizada,
desde que autorizada pelo consumidor.
Responsabilidade Solidária
Já verificamos que em diversos momentos o legislador do CDC deixou clara a
responsabilidade solidária existente entre os fornecedores, no mercado de
consumo.
No art. 34, mais uma regra dessa natureza foi redigida. Desta vez a
solidariedade é entre o fornecedor e seu preposto ou representante autônomo.
Assim, se o preposto, representante autônomo ou o correspondente,
intermediando a relação entre o fornecedor e o consumidor informa dados
incorretos do contrato, deixa de esclarecer sobre dados essenciais da operação,
ou pior, faz promessas inverídicas, coloca em movimento a roda da
responsabilidade própria e do fornecedor (instituição financeira) de forma
solidária. Daí a importância e o cuidado em atentar para as regras que protegem
o consumidor.
No início do estudo do tema ‘oferta’, dissemos que ela vincula o fornecedor.
Entretanto, o que acontece se este se recusa a cumprir o que ofertou e o
consumidor exigiu (...interrogação), a resposta a essa indagação está no art.
35.
59
Diante de uma situação de recusa de cumprimento da oferta (apresentação ou
publicidade), o consumidor pode exigir:
a) o cumprimento forçado da obrigação. Se a opção do consumidor for essa,
o fornecedor será compelido a entregar-lhe o produto ou prestar o serviço
exatamente nas condições anunciadas;
b) aceitar outro produto ou prestação de serviço. Caso a opção anterior seja
inviável (o produto anunciado ainda não está disponível no mercado, por
exemplo,), ao consumidor é dado optar por outro equivalente;
c) rescindir o contrato. Nesse caso, restitui-se a situação como estava antes
da contratação, o patrimônio do consumidor deve ser reposto
integralmente se ele já houver dispendido alguma quantia, além de
perdas e danos, e o consumidor devolve o produto em desconformidade
com a oferta, caso o tenha recebido.
A publicidade
A publicidade ou oferta publicitária regulada pelo CDC é aquela criada em
função e destinada ao consumo. A propaganda, reconhecida por muitos como
aquela destinada a veicular ideias, ideologias e opiniões de cunho político,
religioso etc., não é abrangida pelas regras do nosso Código do Consumidor.
Desse modo, a primeira informação relevante é que o CDC não trata da
propaganda nesse sentido em que acabamos de conceituar, mas apenas da
publicidade de cunho comercial.
Relembramos o que dissemos quando introduzimos o assunto da oferta. Em se
tratando de publicidade, os limites são de natureza negativa. Explico: ao
contrário da oferta não publicitária onde há claramente o dever de repassar
informação ao consumidor, na publicidade, as regras vêm em sentido de
proibições. Foram estabelecidos limites, balizas, até onde os anunciantes podem
ir ao elaborar suas peças publicitárias.
60
As duas linhas mestras, conforme veremos são, não enganar e não abusar.
Antes de adentrarmos nos conceitos de enganosidade e abusividade da
publicidade é necessário passarmos pelo que se conhece como princípio da
identificação da mensagem publicitária (art. 36).
O artigo mencionado determina que a publicidade deva ser facilmente
identificada pelo consumidor como tal. Há por detrás dessa regra um comando
de lealdade, de boa-fé.
Considerando que a publicidade é forma de indução ao consumo e que se vale
de instrumentos e fórmulas psicológicas para tanto, é fundamental que ela seja
facilmente identificada.
Se assim é, a publicidade subliminar fica vedada por esta norma e para muitos,
o merchandising deve vir acompanhado de uma frase (mensagem de caráter
publicitário), como acontece em diversos países do mundo.
Dessa forma, o consumidor ficaria protegido dos efeitos negativos da
publicidade, como por exemplo, o de praticar atos de consumo irrefletidos.
Além de identificar a publicidade, o fornecedor tem o dever de manter em seu
poder os subsídios (fáticos, técnicos e científicos) que dão sustentação à sua
mensagem publicitária.
Ora, se o fornecedor faz determinadas afirmações ou promessas de resultados
em suas mensagens publicitárias, evidentemente deve ter como comprovar suas
afirmações. Do contrário, serão falsas. Por essa razão, é primordial que guarde
esse material para acesso aos legítimos interessados. Como interessados,
podemos citar, é claro, o consumidor e aqueles que possuem por missão a sua
defesa (Órgãos de Defesa do Consumidor e Ministério Público ).
Adiante, vamos examinar a publicidade enganosa (art. 37).
61
Essa modalidade de publicidade é taxativamente proibida. Por enganosa,
podemos entender a publicidade que induz o consumidor a erro, seja por afirmar
algo falso (enganosa por comissão), seja por deixar de informar dado essencial
que também leve o consumidor a engano (enganosa por omissão), art. 37, §§1º
e 3º.
Assim, seja na modalidade comissiva ou omissiva a publicidade poderá ser
inteira ou parcialmente falsa se carregar em si a capacidade de induzir o
consumidor a erro em relação ao produto ou serviço anunciado, seja em relação
ao seu preço, natureza, qualidade, características, quantidades ou qualquer
outro dado.
Como dissemos, os deveres na publicidade são bem diferentes dos da oferta;
são na verdade opostos. Logo, o fornecedor não precisa dizer nada em sua
publicidade, não precisa informar qualidade, composição, preço ou qualquer
outro dado. Entretanto, ele pode fazê-lo se assim o desejar. O que é vedado, é
utilizar-se dessas informações ou qualquer outra para atrair o consumidor ao ato
de consumir, enganando-o.
Anunciar determinado preço em folhetos que não se confirmam na fase
contratual, certa taxa de juros que não existe, características que não
correspondem ao produto oferecido ou, ainda, oferecer empréstimo omitindo
acréscimos que dão a impressão de menor preço em relação ao concorrente são
todas situações de enganosidade que ensejam como consequência civil a
incidência da regra do art. 35.
Havendo recusa no cumprimento, conforme a oferta ou publicidade, fica a cargo
do consumidor optar pelo cumprimento forçado, por outro produto ou serviço
equivalente ou rescisão contratual imediata. E isso, mesmo no caso da
publicidade parcialmente falsa.
Por abusiva (art. 37, §2º), deve ser entendida aquela que ofende valores
considerados relevantes socialmente e no âmbito do consumo.
62
O legislador não tolera a publicidade discriminatória de qualquer natureza: a que
incita à violência, explora o medo ou a superstição, se aproveita da deficiência
de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que
seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou
perigosa à sua saúde ou segurança.
Todas essas formas de fazer publicidade são terminantemente proibidas e
punidas com sanções administrativas (art. 56, I e XII) com multa e
contrapropaganda e criminal (art. 66), com detenção de três meses a um ano e
multa. O mesmo vale para a publicidade enganosa.
O dever de provar que a publicidade taxada de falsa é do seu patrocinador (art.
38). Se o fornecedor engendrou a publicidade e se baseou em dados (fáticos,
técnicos ou científicos) para fazer determinada afirmação, nada mais lógico e
justo que caiba a ele demonstrar a veracidade da sua informação.
Não se trata de inversão do ônus ou dever de provar como o direito básico do
art. 6, VIII. A regra, em matéria de produção de provas, é que esse ônus recaia
sobre quem alega o fato e a exceção, a inversão deste dever. Em relação à
publicidade, a regra (sem exceção) é de que o patrocinador faça a prova de
veracidade de sua publicidade.
Das Práticas Abusivas
As práticas abusivas, que podem ser entendidas como condições irregulares de
comercialização ou contratação, estão concentradas no artigo 39 e espalhadas
em um ou outro artigo do CDC. Nesses casos, ao comentar o artigo,
revelaremos a prática abusiva ali vedada.
As relações de consumo podem ser divididas em fases. Normalmente em 3
fases distintas. A primeira fase é a ‘pré-contratual’. Nesse momento, o
consumidor, normalmente já interessado em algum produto ou serviço, começa
a amadurecer sua decisão de contratar.
63
E é por meio da oferta e da publicidade que ele colhe subsídios para a prática do
ato de consumo que o fará adentrar na segunda fase.
Na fase contratual, o consumidor já se decidiu por consumir e também escolheu
qual produto ou serviço adquirir. Nessa fase denominada ‘contratual’ incidem os
comandos de proteção contratual (arts. 46 a 51).
A terceira e última fase da relação é a ‘pós-contratual’. Superadas as fases
anteriores, o consumidor enfrentou algum problema como bem de consumo e
necessita da proteção legal. O legislador reservou para esse momento de
dificuldade do consumidor o vício e a garantia legal dele decorrente, além da
responsabilidade pelo fato.
Essa ilustração, das fases da relação de consumo nos será útil neste momento
para verificar que a maior parte das práticas abusivas acontecem, antes da
formação do contrato, portanto, na fase pré-contratual.
É aí que está a grande diferença entre as práticas abusivas e as cláusulas
abusivas. Enquanto estas acontecem ‘dentro’, ou no próprio contrato, aquelas se
dão antes mesmo de sua celebração.
Vamos a elas:
A primeira consideração, em relação a práticas abusivas, é que elas não foram
completamente definidas e listadas pelo legislador; aliás, isso seria impossível
diante da infinidade de práticas irregulares que podem acontecer atual e
futuramente. Quando o legislador não consegue prever ou exaurir condutas, ele
recorre a uma solução simples: o rol exemplificativo.
Em diversos momentos, o legislador do CDC escreveu ‘dentre outras’ ou ‘entre
outras’ ou ‘qualquer modalidade’, ou ainda ‘entre outros dados’. Esses são
exemplos de situações onde a redação aberta do CDC dá ampla margem ao
aplicador da norma para encaixar o caso concreto neste ou naquele dispositivo.
64
Essa redação aberta é a causa do Código ainda não ter se tornado obsoleto,
após mais de vinte anos de sua edição, mesmo diante do acelerado avanço
tecnológico e ser motivo de elogios pelo mundo afora.
As práticas abusivas são um exemplo claro de redação aberta. A lista de
práticas irregulares não se exaure nos incisos do art. 39, pois o caput estabelece
que “É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas
abusivas:”
Aliás, essa expressão ‘dentre outras’ foi introduzida no artigo 39 em 1994, após
três anos da entrada em vigor do CDC ,para que nenhuma dúvida pairasse
sobre a intenção do legislador de tornar a lista de abusos meros exemplos e não
um rol taxativo.
A primeira prática considerada abusiva é provavelmente a mais conhecida delas:
a venda casada.
Na verdade, o inciso I contém duas proibições: a de venda casada e a imposição
de limite quantitativo.
Condicionar um produto a outro produto é a primeira prática vedada. Os
exemplos são inúmeros (para adquirir o sabonete é necessário adquirir também
o xampu; para conseguir contratar crédito é necessário adquirir um título de
capitalização ou seguro etc.). Para caracterizar a venda casada é importante que
tenhamos sempre a ocorrência de dois requisitos:
a) O condicionamento - se há opção ao consumidor, apesar do casamento da
venda, não haverá o ilícito. Desse modo, quando o consumidor adentra ao
supermercado e encontra uma embalagem contendo catchup e mostarda
vendidos conjuntamente na mesma embalagem, mas também encontra os
mesmos produtos vendidos separadamente, não há que se falar em venda
casada, pois está sendo dada a opção de aquisição conjunta ou separada;
b) outro produto ou serviço - o segundo requisito necessário para caracterizar a
venda casada é a existência de outro produto ou serviço.
65
O condicionamento deve ser feito em relação a produto ou serviço diverso
daquele que o consumidor deseja adquirir, pois caso seja o mesmo produto ou
serviço estaremos falando da imposição de limite quantitativo e não de venda
casada.
Imposição de limite quantitativo - diferente da venda casada, a irregularidade
aqui consiste em obrigar o consumidor a adquirir quantidades de produtos ou
serviços maior do que aquelas que ele necessita ou deseja.
Então, caso o consumidor adentre a um supermercado e lá verifique uma oferta
com a seguinte condição: “leite desnatado em promoção, mínimo 4 embalagens
por cliente.” Nesse exemplo, o consumidor que desejar adquirir o produto será
obrigado a levar no mínimo 4 caixas, mesmo que sua vontade fosse adquirir
apenas uma. Repare que o limite de quantidade imposto recai sobre o mesmo
produto (leite).
Da mesma forma se, por absurdo, ao pretender adquirir um empréstimo de mil
reais, o consumidor seja compelido a emprestar no mínimo dois mil reais,
estaremos diante da imposição de limite quantitativo.
Importante considerar aqui que a venda de iogurtes em bandejas contendo seis
unidades; pacotes de arroz vendidos por quilo; refrigerantes vendidos em
garrafas de um litro ou papel higiênico em pacotes com 4 rolos de 30 metros não
caracterizam imposição de limite quantitativo.
Todos estes exemplos são um conceito de unidade, desenvolvido pelo
fabricante, a partir de estudos de hábitos de consumo.
Imaginar o contrário seria advogar a ideia absurda de que o consumidor pode
entrar no supermercado e sair violando embalagens de alimentos, bebidas,
produtos de limpeza etc., para adquirir apenas a porção de seu interesse.
Outra consideração a fazer, é que o próprio inciso I ressalva que é possível
impor limites quantitativos, quando houver justa causa.
66
Em nossa economia de mercado e nas vendas ao varejo, é comum que
determinada promoção seja atrelada à venda de uma quantidade máxima de
unidades daquele produto, por pessoa.
Essa conduta também não pode ser taxada de irregular, pois a justa causa está
justamente na venda ao varejo. Se o comerciante atender aos anseios de
apenas um adquirente (normalmente um pequeno comerciante da região que
adquire em quantidade para revenda), deixará de atender os consumidores que
também gostariam de comprar o produto em preço promocional.
Logo, se a placa dentro do mercado dissesse “leite desnatado em promoção -
máximo de três unidades por pessoa”, não estaríamos diante da proibição de
imposição de limite quantitativo, pois o consumidor poderia comprar apenas uma
caixa ou duas, caso não desejasse as três e há aí a justa causa de venda ao
varejo.
No inciso II, do art. 39, nos deparamos com a recusa de atendimento às
demandas dos consumidores.
Esse tipo de prática abusiva costuma ser praticada em momentos de
desabastecimento ou aumento de preços de produtos, como no caso dos
combustíveis. Mesmo de posse do produto disponível para a venda (em
estoque), o fornecedor se recusa a vendê-lo ao consumidor, alegando fim de
estoque para aguardar o aumento de preço que virá no dia seguinte.
No inciso seguinte (III), o legislador proibiu a prática de envio de produto ou
serviço, sem solicitação prévia do consumidor. O que se pretendeu vedar aqui é
a ‘empurroterapia’.
O consumidor, mesmo sem solicitar o produto o recebe supostamente ‘em
cortesia’, apenas para experimentá-lo e depois recebe a cobrança pelo que não
pediu.
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A conduta abrange qualquer bem de consumo não solicitado. De assinatura de
revistas a enciclopédias e cartões de crédito. Busca-se evitar o incômodo ao
consumidor que acaba tendo que se preocupar em devolver o que não pediu, e
também com o consumo irrefletido e induzido ou imposto.
Além de vedar essa conduta, o legislador criou uma sanção civil específica para
o fornecedor que resolver desobedecer a lei. No parágrafo único, do art. 39, lê-
se que o descumprimento desse inciso transforma o bem de consumo enviado,
sem solicitação, em amostra grátis.
Assim, caso o consumidor receba algum produto ou serviço, sem solicitação
prévia, estará ganhando na verdade ‘um presente’ do fornecedor por
determinação legal expressa. Nessa situação, inexiste qualquer obrigação de
pagamento por parte do consumidor.
No inciso IV, a conduta proibida é a de que o fornecedor, conhecedor de seu
produto ou serviço e da fraqueza do consumidor (seja em função de sua idade
avançada, ignorância, saúde etc) se aproveite da situação para vender o que
pretende.
Nesse inciso, encaixa-se, por exemplo, a venda de empréstimo consignado ao
idoso sob argumentos de que ele necessita comprar um aparelho de medição de
pressão arterial ou um colchão ortopédico, tendo em vista sua saúde.
Além de moralmente condenável, esse tipo de conduta é vedada pelo código do
consumidor, como acabamos de ver. As relações de consumo devem ser
pautadas pela boa-fé. Produtos e serviços devem atender às necessidades dos
consumidores e não criar neles a necessidade antes inexistente.
A exigência de vantagem excessiva (inc. V) é a próxima prática abusiva.
Note que, diferentemente dos incisos anteriores, não há aqui uma conduta
específica; a redação é aberta e comporta inúmeras situações de abuso, de
desequilíbrio contratual.
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Situações cotidianas ilustrativas dessa regra são, por exemplo, impor ao
consumidor que a perda de seu cartão de consumo em bar ou boate lhe custará
R$ 300,00 independentemente de seu consumo. Por trás desta situação, está a
premissa de que o consumidor que perde seu cartão de consumo age de má fé,
na tentativa de pagar menos do que o realmente consumiu. O ônus de controle
de consumo é do fornecedor e não deve ser repassado ao consumidor com a
imposição de penalidades que criam, como no exemplo, vantagem excessiva.
No inciso VI, encontramos vedação específica ao prestador de serviços. Como
os serviços devem ser precedidos de orçamento, caso ele resolva prestar o
serviço, ignorando esta regra, incorrerá em abuso.
Note que a conduta é bem semelhante à de envio de produto sem solicitação.
De fato a ideia é a mesma. Se diante da constatação que seu veículo necessita
de manutenção, o consumidor deixa seu veículo na oficina mecânica e ao final
da tarde, quando retorna para verificar se havia algum problema mecânico no
carro, ele constata que o serviço já fora executado (sem orçamento), teremos
como consequência a incidência do parágrafo único, do artigo 39: o serviço será
considerado amostra grátis.
O repasse de informação depreciativa do consumidor (inc. VII) também poderá
ser enquadrado como prática abusiva. Vejamos. É sabido que no mercado de
consumo diversas informações circulam a nosso respeito. Em relação à nossa
renda, hábitos de consumo, inadimplemento etc.
O que se pretende coibir aqui é que o consumidor seja prejudicado do ponto de
vista da circulação de informação a seu respeito, mesmo que no exercício de um
direito seu. A doutrina consumerista trata esse inciso como a proibição de
repassar ‘fofoca de consumo’.
Como exemplo desse inciso, caso o consumidor, antes de adquirir sua mobília,
resolva fazer pesquisa de preços em diversas lojas e em cada uma delas realize
simulações de financiamentos, não poderá, ao final, quando decidir comprar o
69
produto, ser surpreendido com a informação de negativa do financiamento, sob
alegação de ‘diversas passagens’ anteriores.
Se o consumidor não contraiu produtos nas lojas em que passou, mas realizou
apenas simulações em um nítido ato de exercício de direito, não é razoável que
a imprecisão das informações do cadastro sejam a razão de uma negativa de
concessão de financiamento.
A seguir, no inciso VII,I o legislador reforçou a observância de que os
fornecedores devem manter as normas técnicas e normas expedidas por órgãos
governamentais. De cintos de segurança a pneus, passando por pães, box de
banheiro, brinquedos e bronzeamento artificial, são inúmeros os produtos e
serviços que devem observância a regras infra-legais.
A colocação no mercado destes produtos ou serviços, sem a observância
dessas regras é, por si só, infração ao Código do Consumidor sujeita à multa,
proibição de fabricação.
Por trás de regras de fabricação expedidas pelos órgãos oficiais ou técnicos,
estão normalmente critérios de qualidade e de segurança do consumidor. A
observância às normas proporciona, além da elevação dos padrões de
qualidade, a diminuição da ocorrência de acidentes de consumo.
Por força do inciso IX, fica proibido ao fornecedor recusar a venda de produtos
ou a prestação de serviços ao consumidor que se disponha a, diretamente,
adquiri-los mediante pronto pagamento.
É certo que em nosso mercado temos alguns casos de intermediação de venda,
como é o caso dos seguros em que o profissional habilitado e com sua atividade
regulada por lei é quem, em contato com o consumidor, intermedia a venda do
serviço. O mesmo se dá em relação à corretagem de imóveis.
Entretanto, caso o fornecedor se recuse a vender seu produto ou serviço
diretamente ao consumidor que deseje adquiri-lo, mediante pronto pagamento
70
(moeda corrente nacional), direcionando-o para intermediários, pratica a infração
aqui prevista.
A elevação de preço sem justa causa (inc. X) é outra prática abusiva prevista no
rol exemplificativo da lei. Considerando que vivemos atualmente em uma
economia de mercado com liberdade de fixação de preços, a aferição desta
conduta é de difícil materialização, na prática. O tabelamento de preços deixou
de existir (e foi proibido), desde a edição do plano real; apenas uns poucos
produtos (como medicamentos e cigarros) estão sujeitos a regime de controle de
preços.
No dia a dia do consumidor, todos sabemos que produtos vendidos em estádios
de futebol, shopping centers e aeroportos são mais caros do que seus
equivalentes, comercializados fora desses locais. Porém, é preciso ter cuidado
para não taxar esses preços mais elevados de abuso, a priori. É necessário
considerar que na composição desses preços são inseridos os valores dos
aluguéis de espaços, além da carga tributária e demais custos do fornecedor.
A justa causa para elevação só é aferível no caso concreto e, como não há
controle oficial de preços, é preciso cuidado na aplicação desse inciso. A
conduta proibida pelo inciso X, carrega consigo uma proibição com foco na
concorrência (ou falta dela) prejudicial ao consumidor. Prova disso é que este
inciso foi introduzido no CDC, em 1994, com a Lei 8.884 (a chamada ‘Lei do
CADE’, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica).
O inciso XI foi renumerado para o inciso XIII. Em razão disso, passaremos desde
logo a comentar o inciso XII.
A regra do inciso XII procura conferir mais segurança nas contratações. Esse
comando proíbe que o fornecedor se negue a estipular prazo para cumprir com
sua obrigação perante o consumidor. Proíbe ainda que a fixação de prazo fique
a critério exclusivo do fornecedor.
71
A clássica situação de deixar de informar prazo para a entrega de mercadorias
encaixa-se nesse inciso. Ao adquirir um produto que será entregue pelo
fornecedor, o consumidor dever ser informado (de forma clara e precisa) sobre o
prazo de entrega. Caso contrário, ficará sujeito à vontade e disponibilidade do
fornecedor.
Por derradeiro, no inciso XIII, a vedação é de aplicação de fórmula ou índice de
reajustamento diferente do que a lei prevê ou do que foi pactuado em contrato.
Esse inciso foi incorporado ao CDC com a lei de mensalidades escolares (9.870
de 1999) e visa coibir situações como a de reajustes que não encontram
parâmetros, nem na lei nem no contrato. As referências legais de reajustamento
são poucas (escolas, planos de saúde). Já em relação a índices de reajuste
pactuados em contrato, o exemplo mais comum é o relativo ao mercado de
locação de imóveis. Não raro, o fornecedor pactua determinado índice de
reajuste no contrato e quando percebe que outro índice lhe seria mais vantajoso
decide aplicá-lo.
Orçamento Prévio
A importância que o legislador do CDC atribuiu ao direito de informação é
inquestionável. O pré-contrato foi tão bem cuidado que a intenção legislativa de
evitar surpresas para o consumidor fica evidente. Com o orçamento, essa
premissa se repete.
No artigo 39, já vimos que o CDC reprime o fornecimento de serviços
desacompanhado de orçamento prévio. Pois bem, no art. 40 temos o conteúdo
mínimo desse documento que instrui e prepara a fase contratual.
Conforme prevê a lei, o fornecedor de serviços é obrigado a entregar orçamento
prévio ao consumidor discriminando o valor mão de obra, dos materiais e
equipamentos, condições de pagamento, além das datas de início e fim do
serviço.
72
Além de disciplinar seu conteúdo mínimo, a lei também fixou o prazo de validade
do orçamento, caso o fornecedor não estabeleça um prazo diferente (art. 40,
§1º). Esse prazo legal é de 10 dias a contar da entrega do orçamento ao
consumidor.
Caso o consumidor aprove o orçamento elaborado, tanto ele quanto o
fornecedor estão vinculados ao que foi ali ajustado. Isso em razão do fato de que
uma vez aprovado o orçamento, este se transforma no próprio contrato da
relação de consumo e, como tal, obriga a ambos (art. 40, §2º); sua alteração ou
modificação não é impossível, mas depende do acordo e da livre negociação
das partes. Não há que se falar em imposição, a palavra-chave aqui é o acordo,
a harmonização das relações.
Tanto o orçamento é ‘lei’ entre as partes, após elaborado e aprovado, que caso
o fornecedor não tenha previsto algum acréscimo que acabe por acontecer para
a conclusão dos serviços, esse acréscimo será suportado por ele (art. 40, §3º).
Comentamos no início do assunto das práticas abusivas que nem todas as
práticas consideradas abusivas estavam previstas no art. 39 do CDC. Exemplo
disso é justamente o orçamento. Ao violar o art. 40 ou seus parágrafos o
fornecedor incorre em práticas abusivas. Da mesma forma, acontece em relação
ao tema da cobrança de dívidas que veremos a seguir.
Da Cobrança de Dívidas
Os consumidores-devedores ganharam uma Seção específica no CDC, com o
objetivo de verem preservados tanto seus direitos como a sua dignidade.
A primeira regra relativa ao tema da cobrança de dívidas proíbe que o
consumidor-devedor seja exposto (por sua condição de devedor) a ridículo, que
seja submetido a constrangimento ou ameaça, por parte do credor.
73
Ligações de cobrança no ambiente de trabalho para constranger o devedor,
visitas de cobradores em sua residência com palhaços fantasiados batendo
bumbo e ridicularizando não só o devedor, mas a sua família entre outros
alegóricos, porém reais exemplos, estão vedados pelo CDC. A ameaça aparece
também aqui neste artigo 42 para evitar abusos, no momento da cobrança.
Além da incolumidade psíquica do consumidor protegida no artigo anterior, o
legislador, a todo tempo, cria mecanismos de proteção econômica para a parte
mais fraca da relação. Assim, caso o consumidor seja cobrado em quantia
indevida deverá receber de volta o dobro do que pagou em excesso,
monetariamente atualizado e acrescido de juros legais.
Essa regra legal incide diante da cobrança de qualquer tipo de dívida do
consumidor, esteja ele em situação de inadimplemento ou não. Caso o
consumidor tenha lançados em sua fatura de cartão de crédito ou de telefonia
valores que não reconheça e acabe pagando por eles, ou se cobrado de uma
dívida, acaba pagando um montante além do que devia a título de acréscimos
pelo atraso, faz jus a receber o dobro do que pagou.
O primeiro requisito para que o consumidor faça jus a esse direito é,
evidentemente ter sido cobrado indevidamente; o segundo, é ter pago. Na
hipótese de o consumidor dever R$ 150,00 e ser cobrado de uma dívida de R$
180,00, caso efetue o pagamento integral de R$ 180,00, faz jus a receber R$
60,00 (o dobro do que pagou em excesso).
O legislador ressalvou que o fornecedor pode se eximir de devolver o dobro do
que cobrou a mais do consumidor, desde que prove ter se tratado de engano
justificável. Situações de homonímia estão dentro dessa exceção.
Em 2009, o art. 42 do CDC foi acrescido de mais um dispositivo (42-A). Por meio
desta regra, qualquer documento de cobrança encaminhado ao consumidor
deve vir com nome, endereço e CNPJ do fornecedor do produto ou serviço para
o qual o consumidor deva.
74
Dos Bancos de Dados e Cadastros de Consumidores
Os bancos de dados e cadastros de consumidores, tema da maior atualidade em
função da recente entrada em vigor do cadastro positivo, foram tratados de
forma única pelo legislador do CDC.
Vale dizer que, diferente do que estamos vendo atualmente com a criação de um
cadastro onde só se poderão armazenar informações de caráter positivo dos
consumidores, no CDC arquivos e bancos de dados foram tratados de forma
completa e única, sem essa divisão que, ao final das contas, acaba sendo irreal,
já que o credor ao ter um pedido de concessão de crédito terá acesso a todas as
informações disponíveis sobre o consumidor.
O que realmente importa para conceder ou negar crédito ao consumidor é seu
histórico de crédito e ele não é composto apenas de informações negativas ou
positivas; é composto de um conjunto de informações que formam um score do
consumidor. É assim em diversos países do mundo. O consumidor tem acesso a
suas informações e pode, a partir daí, comportar-se de forma a aumentar sua
pontuação o que lhe confere maior acesso ao crédito.
Aliás, o acesso é o primeiro direito do consumidor aos bancos de dados. Muito
embora os bureaus de crédito sejam entidades tipicamente privadas, o legislador
garante acesso aos consumidores sobre suas fichas, registros, cadastros, além
de suas fontes (art. 43) e declara, em 1990, que essas entidades possuem
caráter público (art. 43, §4º).
Os cadastros que contêm os dados dos consumidores devem observar
determinados requisitos como objetividade, clareza, linguagem de fácil
compreensão e serem verdadeiros (art. 43, §1º).
Busca-se evitar informações ininteligíveis ou codificadas, pois de nada adiantaria
o consumidor ter acesso às informações arquivadas sobre ele e não conseguir
compreendê-las.
75
Conforme o mesmo §1º, o prazo máximo de armazenamento de informações
(negativas apenas) é de cinco anos. Esse prazo deve ser contado a partir do
momento em que o débito passa à condição de vencido e não pago, e não a
partir do momento em que a informação negativa foi disponibilizada ao banco de
dados.
Esse prazo máximo de arquivamento nada tem a ver com o prazo de prescrição
da dívida. Fizemos essa ressalva, pois após a prescrição da dívida (prazo que o
credor tem para cobrar o consumidor judicialmente), o banco de dados não
poderá fornecer qualquer informação negativa do consumidor em relação àquele
débito que seja capaz de prejudicar o acesso ao crédito (art. 43, §5º).
É comum, nos dias de hoje, o consumidor receber correspondência ou
telefonemas de fornecedores oferecendo desde imóveis a bens móveis dos mais
diversos gêneros, sem nunca terem tido qualquer relação com aquele
fornecedor.
A primeira pergunta que vem à cabeça é: onde o fornecedor conseguiu meu
endereço ou meu telefone? Nossos dados são classificados por critérios como
renda, faixa etária e outros e comercializados entre os fornecedores. Essa
prática em si não encontra vedação no CDC, entretanto todas as vezes que
alguma ficha, registro, dados pessoais ou de consumo são abertas sem
autorização do consumidor, ele deve ser comunicado e por escrito!
Ao menos é o que reza o §2º, do art. 43, do CDC, provavelmente a regra legal
mais desobedecida do Código.
A partir do direito de acesso aos seus dados armazenados em bancos de dados,
o consumidor pode fiscalizar a exatidão das informações e, sempre que
encontrar incorreção, tem direito a exigir sua imediata correção (art. 43, §3º).
Cabe ao arquivista providenciar a correção e comunicar os destinatários da
informação – o mercado – da alteração feita.
76
Além dos bancos de dados negativos de consumidores, o CDC criou também os
arquivos negativos dos fornecedores (art. 44). Se as informações registradas
contra o consumidor são relativas a seu comportamento de crédito, as dos
fornecedores representam seu histórico de reclamações nos órgãos de defesa
do consumidor.
Todas as reclamações consideradas fundamentadas (que tenham fundamento
em lesão a direito previsto no CDC) devem ser divulgadas anualmente pelos
Procons. A divulgação dirá se a reclamação foi atendida ou não.
Tal qual o fornecedor possui instrumentos de prevenção contra maus pagadores
para evitar a concessão de crédito a quem não tem condição de recebê-lo ou
não tem o hábito de honrar com seus compromissos, o consumidor tem à sua
disposição um mecanismo de proteção contra os maus fornecedores que não
costumam respeitar seus direitos.
O cadastro de reclamações fundamentadas é mecanismo preventivo e deve ser
consultado pelos consumidores, antes de fechar negócio com o fornecedor.
Atualmente, os cadastros de todos os Procons estaduais e de alguns Procons
municipais foram consolidados em um sistema chamado SINDEC que pode ser
acessado na página eletrônica do Ministério da Justiça. O banco de dados é de
responsabilidade da SENACON que recebe os dados dos estados e os divulga
aos consumidores.
Proteção Contratual
A partir de agora, adentraremos na segunda fase da relação de consumo: a fase
contratual.
A partir de uma das premissas mais relevante do CDC, é que foi inaugurado o
capítulo da proteção contratual – o direito à informação (art. 46). Informação é a
base da sociedade de consumo; é a porta de entrada para a formação dos
contratos. Em nosso código não é diferente.
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Se o consumidor for convencido a adquirir produtos e serviços sem que lhe seja
dado conhecimento prévio do conteúdo do contrato, ainda que a relação se
aperfeiçoe, o consumidor não está obrigado ao contrato.
Repare na importância conferida ao direito de informação. Sem conhecimento
prévio, não há vinculação por parte do consumidor. Imaginemos que o
consumidor recebe algumas informações verbais antes da aquisição de um
empréstimo consignado, assina o formulário, mas não tem a oportunidade de ler
e conhecer efetivamente o conteúdo do contrato e sequer recebe uma via do
instrumento.
Nessa situação, basta que alegue desconhecer o contrato que terá a seu favor o
art. 46. Repetimos: caso o consumidor não tenha conhecimento do conteúdo do
contrato, não há vinculação contratual de sua parte. O mesmo ocorre se o
contrato for redigido de forma a dificultar a compreensão. Contratos carregados
de expressões técnicas, demasiado rebuscados e ainda por cima redigidos em
inúmeras páginas também estão na mira do legislador.
A premissa da formação contratual perfeita é a informação adequada e
completa.
Uma antiga regra de facilitação de defesa foi incorporada no art. 47. É a regra de
interpretação ‘contra proferentem’. Se nas relações de consumo quem redige o
contrato é o fornecedor, sem qualquer ingerência do consumidor, é ônus seu
redigi-lo bem. Mas se alguma cláusula ensejar dúvidas de interpretação a
vantagem será do consumidor.
Por evidente, o requisito para que esse artigo seja aplicado é a cláusula
contratual que necessita de interpretação. Se ela for clara e lícita, não haverá
problema. Se for clara e abusiva, deverá ser anulada.
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Outra regra bastante repetida em diversos momentos do CDC é a vinculação.
Mesmo que consumidor e fornecedor troquem informações a respeito do
negócio fora do instrumento contratual, ou que sequer exista, as declarações de
vontade emanadas pelo fornecedor possuem força vinculante (art. 48).
Recibos, pré-contratos, escritos particulares, todos eles valem como prova da
relação e dos deveres do fornecedor perante o consumidor. A informalidade não
significa desoneração. No CDC, o apego à forma cedeu lugar ao apego à boa-
fé.
Direito de Arrependimento
Uma das regras mais difundidas do CDC é provavelmente o direito de
arrependimento (art. 49).
Todas as vezes que a compra se der fora do estabelecimento comercial, o
consumidor tem direito a desistir, sem ônus, no prazo de até 7 dias.
Fora do estabelecimento comercial pode ser por telefone, reembolso postal ou
internet. À época da edição do CDC (1990), ela sequer existia, entretanto hoje
não se discute sobre a incidência do artigo 49 ao comércio eletrônico. Tanto
assim que, em 15 de março de 2013, foi editado o decreto federal 7.962 que
regula exatamente esse tema.
O direito de arrependimento nasce como forma de prevenir as compras por
impulso, irrefletidas ou situações em que o consumidor não teve sequer acesso
físico ao produto e, portanto, uma perfeita formação de sua vontade.
O prazo de 7 dias deve ser contado a partir da assinatura do contrato ou do
recebimento do produto ou serviço e nenhum valor deve ser cobrado do
consumidor durante o período de reflexão. Se ele dispendeu alguma quantia,
esta lhe deve ser ressarcida.
Outra característica fundamental atinente a esse direito de arrependimento é que
ele é imotivado.
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O consumidor não precisa de uma razão específica para se arrepender, ele pode
simplesmente desistir.
Garantia Contratual
Dentro do tema dos vícios, estudamos a garantia legal, seus prazos e
abrangência. Pois bem, além da garantia legal, o legislador também disciplinou a
garantia contratual (art. 50).
Diferente da garantia legal ela não é obrigatória; é faculdade do fornecedor
concedê-la, ela é um sinal de qualidade do produto ou serviço e de competição
sadia entre fornecedores de um mesmo segmento. Produtos com maior prazo de
garantia tendem a gerar maior confiabilidade no consumidor.
Outra característica que diferencia a garantia contratual da legal é a forma. A
contratual deve ser fornecida mediante termo escrito, enquanto a legal
independe dele.
As garantias (legal e contratual) se complementam. O sentido de sua
complementaridade é o temporal. Elas se somam no tempo. Como vimos, a
garantia legal de um produto durável é de 90 dias. Se nos termos de garantia
contratual o fornecedor estabelece um ano de prazo, as duas garantias somadas
conferem ao consumidor um exercício de direito para reclamar de eventuais
vícios de um ano e noventa dias.
Essa conclusão é fácil de ser tirada a partir do que diz o artigo 50, combinado
com o artigo 47. Cláusulas contratuais que deixam dúvidas devem ser
interpretadas a favor do consumidor. Assim, compete ao fornecedor cuidar com
esmero da redação de seus contratos e também do termo de garantia.
Além da forma (escrita) da garantia contratual, diversos são os seus requisitos.
Ela deve ser padronizada, deve esclarecer em que consiste, qual a forma, prazo
e local de seu exercício e se há ônus para o consumidor.
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Como a garantia contratual é faculdade e não obrigação, pode cobrir apenas
determinadas partes do produto e excluir outras; além disso, sua duração não é
fixada em lei e pode sim haver ônus para o consumidor que necessite utilizá-la.
Não é incomum que os fornecedores criem regras como, por exemplo, o ônus de
levar o equipamento viciado até sua rede de assistência técnica para que o
produto seja submetido a reparo.
De novo a informação clara é a base da relação. Diante do termo de garantia
com maior prazo e poucas coberturas e outro com menor prazo e cobertura total,
sem ônus de entrega do produto ao fornecedor etc, o consumidor pode se
decidir por qual produto optar.
Outro requisito obrigatório do termo de garantia contratual é que ele seja
entregue preenchido ao consumidor. A razão dessa exigência é bastante
simples e evidente. Uma vez preenchido, o termo de garantia é documento hábil
para comprovar a data da compra e o início da validade da própria garantia.
Frequentemente essa regra é desobedecida (apesar de caracterizar infração
penal) e exige-se a nota fiscal como prova da compra para fins de conferir a
vigência da garantia contratual.
Nunca esquecer do direito à informação adequada; o fornecedor também deve
entregar ao consumidor o manual de instruções; instalação em linguagem
didática (traduzido para o português) e com ilustrações.
Outra modalidade de garantia contratual bastante difundida é a chamada
garantia estendida. A bem da verdade a chamada ‘garantia’ estendida é um
contrato de seguro que tem vigência ao final da garantia contratual. Como
qualquer contrato, é fundamental que o consumidor tenha acesso prévio ao seu
conteúdo e esclareça todas as suas dúvidas, antes de contratar.
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Das Cláusulas Abusivas
A Seção II, deste capítulo, cria uma lista de cláusulas que, caso inseridas em
contratos de consumo são consideradas nulas; sem qualquer valor perante o
consumidor.
Da mesma forma como foi redigido o art. 39 (práticas abusivas), o legislador
cuidou para que a lista de cláusulas abusivas compusesse um rol exemplificativo
de situações vedadas. A lista não se exaure nesse artigo 51; na prática diária é
possível encontrarmos cláusulas contratuais que comprometem o equilíbrio
contratual e que não estejam previstas em um dos incisos do artigo 51.
Entretanto, como veremos, isso não a torna lícita.
A primeira proibição de cláusula contratual é relativa a vícios. Ao estudarmos o
tema, pudemos verificar que há uma regra que proíbe a exoneração contratual
do fornecedor em relação à sua responsabilidade por vícios. Aqui a disposição
legal foi praticamente repetida e passou a integrar expressamente o rol do art.
51.
Impossibilitar, exonerar ou atenuar a responsabilidade contratual do fornecedor
por vício de qualquer natureza, é a proibição constante do inciso I. Em se
tratando de garantia legal de adequação (já que a contratual é facultativa, como
já vimos) não é dado ao fornecedor estabelecer, por exemplo, que o consumidor
renuncie ao seu direito.
No inciso III, a proibição recaiu sobre cláusula contratual que preveja diminuição
ou subtração do direito de reembolso do consumidor. Já verificamos que, em
caso de cobrança indevida, o consumidor possui direito à devolução do dobro do
valor que pagou em excesso. Se nessa ou qualquer outra hipótese o fornecedor
decida escrever nos seus contratos que o consumidor só faz jus a receber a
devolução simples do que pagou (e não em dobro) estará redigindo cláusula
nula, inválida.
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A transferência de responsabilidade a terceiro é outra proibição fixada no rol das
cláusulas ilícitas. O sistema de responsabilidade do CDC é objetivo e contempla,
como regra, a solidariedade dos participantes da cadeia de consumo. Não é
permitido ao fornecedor tentar, por contrato, transferir alguma sua
responsabilidade a terceiro, qualquer que seja ele, alheio à relação.
Outra proibição é a de criar obrigações iníquas (desiguais), abusivas, que
deixem o consumidor em desvantagem exagerada (inc. IV). A perda total do
valor pago, em caso de atraso no embarque do consumidor de transporte aéreo,
a permissão de que em caso de inadimplemento o banco possa sacar todos os
valores da conta corrente do consumidor, são exemplos de situações que, se
previstas em contrato, caracterizam o abuso.
A inversão do ônus da prova, direito básico do consumidor não pode ser
utilizada contra ele. O legislador proibiu, no inciso VI, que ‘o feitiço’ vire contra o
consumidor. Se, como dissemos, a prova em matéria de consumo está
normalmente ao alcance do fornecedor, criar cláusula onde o consumidor deve
ser o responsável pela produção da prova criaria entraves intransponíveis para
sua proteção e defesa.
No inciso VII, o legislador proibiu que a arbitragem seja compulsoriamente
utilizada. Esse inciso sofre críticas em relação à sua redação, pois a arbitragem
para ser válida deve ser sempre um procedimento voluntário. Se houver
imposição à sua participação, haverá vicio de consentimento e nulidade.
A arbitragem, ainda sem tradição no direito do consumidor brasileiro, foi criada
pela Lei 9.307/96. Através do procedimento arbitral, as parte podem afastar a
decisão de determinado caso concreto da apreciação do poder judiciário.
As partes submetem seus casos a árbitros por elas escolhidos que têm poder
para proferir a decisão. Os árbitros são normalmente dotados de conhecimento
técnico no assunto sobre o qual devem decidir.
83
Essa é uma vantagem em relação ao poder judiciário onde causas de milhões
de reais são muitas vezes postas à decisão de um magistrado que desconhece
por completo o tema. Outra vantagem da arbitragem é a rapidez. O laudo arbitral
deve ser proferido, no máximo, em 6 meses. Frente à morosidade que eterniza
causas no Judiciário brasileiro, a arbitragem, se difundida, pode significar
alternativa eficiente aos litígios.
Em seguida (inc. VIII), a proibição recai sobre a imposição de representante para
concluir outro negócio jurídico, em nome do consumidor. Essa situação é
conhecida como ‘cláusula mandato’. Na hipótese, o consumidor confere um
mandato (autoriza) outrem a realizar algum negócio que não é objeto do contrato
em seu nome.
Se em determinado contrato de empréstimo for inserida cláusula que autoriza o
fornecedor a sacar letras de câmbio em nome do consumidor para saldar o
débito, estaremos diante da situação vedada no inciso VIII.
A conclusão do contrato é premissa da contratação. Entretanto, se houver
cláusula contratual prevendo que o fornecedor poderá não cumprir com sua
parte, o mesmo direito deve ser conferido ao consumidor. Trata-se de regra que
busca equilibrar o contrato. Se o fornecedor de serviços não executar cem por
cento do contrato, é evidente que o fornecedor não deverá pagá-lo
integralmente.
A variação unilateral do preço por contrato, também é proibida (inc. X). Uma vez
aprovado o orçamento ou assinado o contrato, não se admite variação de preço
imposta pelo fornecedor; do contrário, a estabilidade contratual estaria
completamente ameaçada.
Vale dizer que esse inciso não proíbe cláusula contratual que preveja reajuste
condicionado a determinado índice oficial. O que está vedado é que o fornecedor
preveja que, a seu critério e a depender de causas externas, haverá variação no
preço já pactuado.
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Se há pouco vimos que o fornecedor não pode se conceder o direito de não
concluir suas obrigações, sem que igual direito seja dado ao consumidor, no
inciso XI, o legislador previu outra regra de equilíbrio que permite a ambos
rescindir o contrato unilateralmente. Exemplo bastante comum dessa regra está
prevista no contrato de conta corrente. Tanto consumidor quanto a instituição
financeira podem, a qualquer tempo e unilateralmente rescindir esse contrato.
É bastante comum que os contratos prevejam consequências, em caso de
inadimplemento; uma delas é o ressarcimento das despesas de cobrança. Se
uma das partes dá causa ao inadimplemento e a outra acaba arcando com
despesas para cobrá-la poderá repassar tais despesas, desde que esse direito
seja uma via de mão dupla. Qualquer das partes (consumidor ou fornecedor)
pode cobrar da outra esse tipo de despesa; todavia, se houver cláusula
prevendo que apenas o fornecedor pode repassar e cobrar tais despesas ela
será abusiva (inc. XII).
As premissas de boa-fé e da vinculação dos contratos de consumo estão
espraiadas pelo CDC; é nesse sentido que o inc. XIII reforça ao proibir que o
fornecedor insira em seus contratos de consumo cláusulas que lhe permitam
modificar o contrato de maneira unilateral, mesmo após assinado. Uma vez
firmado o contrato, este só pode ser modificado por consenso das partes e
jamais por decisão unilateral de uma delas.
Apesar de estarmos estudando regras do Código do Consumidor, o legislador
também fez referência à proteção ao meio ambiente (inc. XIV). Desse modo,
cláusulas em contrato de consumo que sejam contrárias a normas ambientais
são ilícitas (abusivas).
No início do exame do artigo 51, afirmamos o rol de cláusulas abusivas. Pois
bem, no inc. XV, há uma regra que, apesar de tratar do assunto - direito do
consumidor - vai muito além do próprio Código.
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Sabemos que existem inúmeras leis que tratam de proteção ao consumidor. Leis
federais, estaduais e municipais, além de um sem-número de normas infra-
legais.
Todo esse conjunto normativo pertence a um Sistema de Defesa do
Consumidor. Se uma cláusula contratual em contrato de consumo contrariar
esse sistema (que vai além do CDC) será considerada abusiva. Desse modo, se
em um contrato de adesão o fornecedor escrever que seus consumidores abrem
mão de um serviço de SAC, nos termos do decreto federal 6.523/08, estará
criando cláusula que não contraria o CDC diretamente, pois não há nenhum
artigo no CDC sobre SAC, mas haverá contrariedade ao Sistema de Defesa do
Consumidor.
No inc. XVI, a abusividade reside no fato de o consumidor renunciar ao seu
direito de ser indenizado, caso realize benfeitorias necessárias no imóvel. Esse
inciso é aplicável a contratos de locação imobiliária e deriva da própria lei do
inquilinato (8.245/91). Como as benfeitorias necessárias são de
responsabilidade do proprietário, caso o inquilino as realize pode cobrá-las. O
que o CDC proíbe é que o fornecedor faça com o que o consumidor renuncie a
esse direito de ser indenizado.
No inciso IV, vimos que o estabelecimento de obrigações, iníquas ou que
coloquem o consumidor em desvantagem exagerada são consideradas
abusivas. Pois bem, mas quando poderemos saber se o consumidor está em
situação contratual de desvantagem?
A resposta está no §1º, do art. 51.
Nesse artigo, estão as chamadas presunções de exagero de vantagem. O
legislador aponta uma direção ao intérprete da lei para que , diante das
situações concretas, ele possa concluir se o consumidor está ou não sofrendo
abuso, através do instrumento contratual.
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Estão entre as situações de vantagens presumidas, como exageradas, aquelas
que ofendem os princípios do Sistema de Defesa do Consumidor, as que
restringem direitos ou obrigações que ameacem o equilíbrio contratual, as que
se mostrem excessivamente onerosas, dentre outras.
Vale lembrar que, caso uma cláusula contratual seja declarada nula pelo
magistrado, isso não importa em nulidade de todo o contrato (art. 51, §2º), a
menos que ao reconhecer a nulidade o contrato crie ônus excessivos para
qualquer das partes.
Consumidores e entidades representativas de seus direitos podem pleitear que o
Ministério Público ajuíze ação, pedindo a declaração de nulidade de cláusula
contratual (art. 51, §4º).
Concessão de Crédito ou Financiamento
Dentro do tema proteção contratual, o legislador definiu quais são as
informações mínimas obrigatórias a serem repassadas para o consumidor de
crédito.
Mais uma vez o legislador focou no direito à informação como forma de evitar
conflitos e oferecer subsídios suficientes ao consumidor para que ele decida, de
forma consciente e racional, com qual fornecedor pretende contratar; se
contratará um financiamento, tomará crédito, ou se prefere pagar à vista.
O preço em moeda corrente nacional é a primeira informação exigida; além do
preço o montante dos juros de mora (por atraso no pagamento) e da taxa de
juros anual. Se houver acréscimos legalmente previstos, estes também deverão
ser informados; além disso, o número e a periodicidade das prestações; por fim,
o valor total a pagar com e sem financiamento.
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Vale dizer que essas são as informações mínimas exigidas. Além delas, o
regulador exige, por exemplo, que o credor informe o CET (Custo Efetivo Total)
da operação.
O momento em que essas informações devem ser repassadas ao consumidor
também está previsto no art. 52 – previamente. De nada adianta informar o
consumidor sobre todos estes dados da operação após a assinatura do contrato,
pois, conforme vimos, o art. 46 prevê que se as informações não foram
repassadas ao seu destinatário elas não o obrigam.
O legislador consumerista também tratou de limitar as multas de mora (por
atraso) ao teto de 2%. Apesar de a regra estar prevista dentro do CDC, no tema
outorga de crédito e concessão de financiamento, a jurisprudência brasileira já
se posicionou no sentido de que essa regra se aplica a todos os contratos de
consumo, com previsão de multa, em caso de atraso no pagamento (art. 52,
§1º).
Liquidação Antecipada
Ao consumidor que pretende liquidar antecipadamente seu empréstimo, ou
mesmo para quem antecipe parte das prestações, fica assegurada a redução
proporcional de juros e demais acréscimos (art. 52, §2º).
Para fazer jus à liquidação antecipada, o consumidor deve procurar a Instituição
Financeira e solicitar o valor do saldo devedor para quitação antecipada. Essa
informação deve ser dada por meio de uma planilha de cálculo que possibilite,
de forma simples e clara, a conferência da evolução da dívida.
O Banco Central do Brasil definiu na Resolução CMN 3.516/07, como trazer a
valor presente os pagamentos, para fins de amortização ou de liquidação.
Em contrato de compra e venda de móveis ou imóveis não é lícito ao fornecedor
pactuar a perda integral de prestações pagas, caso retome o bem em
decorrência da falta de pagamento (art. 53).
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Com a retomada do bem, abre-se para o credor a possibilidade de revendê-lo,
muito embora esse ato acabe ocorrendo em leilões onde não se aplica o preço
de mercado da coisa; o legislador entendeu por bem conferir algum equilíbrio à
relação para que o consumidor não fique sem o bem e ainda perca todas as
prestações pagas.
Não há um percentual ‘justo’ de devolução das prestações pagas pré-fixado. É
preciso avaliar em cada caso, qual o montante pago, prejuízos que o
inadimplente causou ao credor etc.
Caso o consumidor adira a contratos em sistema de consórcio de bens duráveis
e desista de sua quota, é permitido ao administrador do consórcio descontar a
vantagem econômica que o consumidor teve com a fruição do bem
(evidentemente, se já o recebeu) e os prejuízos causados ao grupo de consórcio
(art. 53, 2º).
Ao final do capítulo VI, o legislador conceituou a base formal da maioria
esmagadora das relações de consumo – o contrato de adesão (art. 54).
Nesse artigo 54, consta que contrato de adesão pode ser tanto aquele aprovado
pela autoridade competente ou estabelecido unilateralmente pelo fornecedor.
Em nosso país, não existe a hipótese em que os contratos de adesão, antes de
serem colocados no mercado, recebam análise e aprovação de alguma
autoridade competente. Ficamos apenas com a segunda hipótese.
O que realmente marca esse tipo de contrato é que uma das partes elabora o
documento (fornecedor) e a outra (consumidor) apenas adere sem discutir ou
modificar o conteúdo. É por isso que o Código possui tantas regras de proteção
ao consumidor em todas as fases da relação. Em muitos casos, o consumidor
possui apenas duas opções: dizer ‘sim’ ou ‘não’. Em outros tantos, como em
serviços públicos (energia elétrica, água e esgoto) sequer há alternativa, ou o
consumidor diz sim, ou fica sem o serviço.
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É até possível que individualmente o consumidor consiga influir e inserir esta ou
aquela cláusula no contrato, entretanto isso não descaracteriza o contrato como
sendo de adesão (ou por adesão), conforme se depreende do §1º ,do art. 54.
A clareza de informações é exigida em todas as relações de consumo. Nos
contratos não é diferente. Sua redação deve primar pela utilização de linguagem
clara, caracteres ostensivos (visíveis), nunca inferior ao corpo doze. Qualquer
cláusula que implique limitação de direito deverá constar em destaque no
contrato para que o consumidor imediatamente a identifique (art. 54, §§ 3º e 4º).
Como exemplo de limitação de direito em contrato de adesão, podemos
mencionar a cobertura parcial de uma garantia contratual. Como regra, o
consumidor tem expectativa legítima de que a garantia contratual cobre todo o
produto adquirido em caso de vício, entretanto, às vezes, o fabricante exclui
determinados itens. Essas limitações ou exclusões devem ser destacadas no
contrato.
Das Sanções Administrativas
A violação das regras de consumo sujeita os fornecedores a determinados tipos
de sanções. A mais comum é a sanção de natureza civil que na maioria das
vezes consiste na reparação do dano sofrido pelo consumidor. Além disso,
também é possível que o fornecedor seja punido administrativamente e, em
casos mais graves (crime contra as relações de consumo), a sanção também
pode ser de natureza penal.
São doze as sanções administrativas previstas no Código do Consumidor e elas
podem ser aplicadas cumulativamente entre si. Ou seja, uma multa pode ser
aplicada juntamente com uma interdição ou apreensão de produto.
Como as sanções são de cunho administrativo, podem ser aplicadas por órgãos
administrativos. Esses órgãos são os órgãos públicos da administração pública
federal, estadual ou municipal que tenham por missão institucional a defesa do
consumidor.
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Em nível federal, temos a SENACON (Secretaria Nacional do Consumidor).
Essa Secretaria de Estado foi recém-criada (em maio de 2012). Antes dela,
tínhamos o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), que
continua existindo e fazendo parte da SENACON. Com a criação da Secretaria,
o governo brasileiro deixa claro que está interessado e preocupado com as
relações de consumo e com a proteção ao consumidor brasileiro.
Essa Secretaria de Estado é responsável por Coordenar a Política do Sistema
Nacional de Defesa do Consumidor (art. 106). Dentre suas atribuições, estão
planejar, elaborar, propor, coordenar e executar a política nacional de proteção
ao consumidor; receber, analisar, avaliar e encaminhar consultas, denúncias ou
sugestões; prestar orientação aos consumidores sobre seus direitos e garantias;
solicitar o concurso de órgãos e entidades da União, Estados, do Distrito Federal
e Municípios, bem como auxiliar a fiscalização de preços, abastecimento,
quantidade e segurança de bens e serviços, dentre outras.
Além disso, a SENACON e os Procons estaduais e municipais podem fiscalizar
as relações de consumo e aplicar as sanções administrativas previstas no CDC.
Em princípio, qualquer violação das regras do CDC sujeita o fornecedor às
sanções administrativas do art. 56.
A primeira sanção no rol do art. 56 é a de multa (inc. I). Diferente das demais
sanções que necessitam de determinados requisitos para serem aplicadas,
conforme veremos adiante, a multa pode ser imposta em qualquer caso de
violação das regras do CDC.
A multa também possui seus limites e diretrizes gerais de cálculo (dosimetria)
previstas no CDC (art. 57). Ela deve ser calculada levando-se em consideração
três fatores:
a) gravidade da infração;
b) vantagem auferida; e
91
c) condição econômica do fornecedor.
A gravidade da infração é critério de justiça e equilíbrio da penalidade.
Seguramente, infrações menos graves devem ser apenadas com multas
menores do que infrações mais leves. Deixar de prestar uma informação ao
consumidor não pode resultar em uma sanção mais grave do que causar um
acidente de consumo que leve consumidores a óbito.
A vantagem auferida, critério de difícil apuração prática, é a vantagem que o
fornecedor conseguiu angariar ao praticar determinada infração. Se ele se
beneficiou com a infração, esse critério também deve ser levado em conta, para
que eventual lucro obtido em detrimento do consumidor não faça com que a
multa seja insignificante do ponto de vista econômico.
A condição econômica do fornecedor deve ser considerada para a fixação da
multa, pois se for demasiadamente baixa em relação ao poder econômico da
empresa não terá o poder de desestimular que o ilícito seja repetido. De outro
lado, se for em montante muito elevado poderá arruinar a empresa e passar a
ter cunho confiscatório, além de desproporcional.
O dinheiro arrecadado com pagamento das multas não reverte em proveito
(direto) do consumidor, mas deve ser direcionado aos Fundos de Direitos difusos
da União. Estado ou Município, conforme o órgão que aplicou a sanção (art. 57).
Os limites mínimo e máximo da multa são: de 200 até três milhões de Unidades
Fiscais de Referência (Ufir). Como a Ufir foi extinta no ano de 2000, o DPDC
passou a basear as multas no IPCA do IBGE. A multa mínima é hoje de R$
400,00 e a máxima chega a R$ 6 milhões.
Há pouco dissemos que a multa é a única sanção que pode ser aplicada
independentemente de condições. Qualquer violação das regras do CDC sujeita
o fornecedor à sua aplicação.
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Seja o desrespeito ao direito de informação, deixar de reparar produtos com
vícios, valer-se de práticas ou cláusulas abusivas, deixar de entregar o contrato
ao consumidor etc, todas essas condutas são consideradas práticas infrativas.
No art. 58, está um grupo de sanções que, para que possam ser aplicadas
dependem da ocorrência de vícios de qualidade, quantidade ou insegurança.
São elas: apreensão, inutilização, proibição de fabricação, suspensão de
fornecimento, cassação do registro do produto e revogação da concessão ou
permissão de uso.
No art. 59, o legislador reuniu um outro grupo de sanções que dependem de um
requisito diferente: a reincidência em práticas infrativas de maior gravidade.
Essas sanções são: cassação de alvará, interdição e suspensão temporária de
atividade e intervenção administrativa.
Em qualquer caso, a sanção administrativa só poderá ser aplicada mediante
processo em que seja garantida ampla defesa ao autuado.
Caso a prática infrativa seja de publicidade enganosa ou abusiva a sanção mais
adequada é a de contrapropaganda (art. 60). A contrapropaganda deve ter o
efeito de desfazer o malefício causado pela publicidade ilícita. Assim, se ela
causou um engano, a afirmação falsa deve ser desmentida, caso se trate de um
abuso ele deve ser reparado.
A forma de divulgação da contrapropaganda deve obedecer à mesma da
publicidade original, com a mesma frequência, preferencialmente no mesmo
veículo de comunicação, mesmo local, espaço e horário. Sempre com o intuito
de desfazer o malefício da publicidade ilegal (art. 60, §1º).
Outro aspecto relevante em relações às sanções administrativas é que, além da
possibilidade de serem aplicadas cumulativamente (multa e contrapropaganda),
também podem ser aplicadas de forma cautelar e antecedente (art. 56,
parágrafo único).
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Imaginemos que durante um ato fiscalizatório os fiscais detectem a
comercialização de alimentos com prazo de validade expirado e outros
visivelmente deteriorados. Nessa situação, não seria adequado que os agentes
aplicassem uma multa no fornecedor e permitissem que os produtos
continuassem nas prateleiras. Esse tipo de situação enseja a aplicação cautelar
e incidente (antes mesmo da instauração do processo) de uma sanção de
apreensão e/ou inutilização dos produtos.
O mesmo se dá em uma fiscalização que constata a adulteração em
combustíveis. Se o estado permite a continuidade da comercialização, aplicando
apenas uma multa, ou se fosse necessário aguardar a conclusão do processo
para lacrar as bombas e apreender o produto, os consumidores continuariam
sendo lesados. Cautelar e de forma incidente, lacram-se as bombas de
combustível e apreende-se o produto adulterado.
Sistema Nacional de Defesa do Consumidor
No tema das sanções administrativas, dissemos que os órgãos administrativos
de defesa do consumidor são os responsáveis por processar
administrativamente os fornecedores, em caso de violação das regras do CDC.
Mas será que somente esses órgãos integram o Sistema Nacional de Defesa do
Consumidor (SNDC)? Na verdade não.
O SNDC é composto pelos órgãos federais, estaduais, do Distrito Federal e
municipais de defesa do consumidor e também pelas entidades civis de defesa
do consumidor (art. 105).
Mas não são apenas esses os integrantes do Sistema. Aqueles que o legislador
chamou impropriamente de ‘instrumentos’, no art. 5º, do Código, também
somam esforços na proteção do consumidor. Além destes, as Defensorias
Públicas também atuam fortemente na proteção dos interesses dos
consumidores.
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As promotorias de justiça do consumidor, as delegacias especializadas em
crimes contra as relações de consumo, as varas especializadas em resolver
conflitos de consumo, todos eles integram o SNDC.
Uma questão que frequentemente surge é se as Agências Reguladoras também
compõem o sistema de defesa dos Consumidores. A resposta é negativa. As
agências reguladoras, a exemplo do Banco Central, muito embora possam
regular condutas, fiscalizar e punir empresas que são fornecedores de produtos
e serviços nos termos do CDC, não possuem o foco de atuação nas relações de
consumo, em sentido estrito, mas na atuação competitiva das empresas e no
risco sistêmico (no caso do BACEN). Seu foco em regulação de mercado não
visa diretamente às relações de consumo, embora indiretamente isso aconteça.
A atuação popularmente mais conhecida dos órgãos do Sistema de Defesa do
Consumidor é a dos Procons. Nesses órgãos os consumidores levam suas
queixas de consumo, recebem orientações e têm seus conflitos intermediados
perante os fornecedores.
A relação entre a SENACON e os Procons estaduais é de coordenação, ou seja,
o órgão federal não determina o que os órgãos estaduais e municipais devam
fazer. Como integrador do Sistema, o órgão federal dialoga com os órgãos e
propõe caminhos para uma política nacional.
Existem hoje no País aproximadamente oitocentos órgãos de defesa do
consumidor entre Procons estaduais e municipais, defensorias públicas e
demais integrantes do sistema.
A SENACON também centraliza as informações do Cadastro Nacional de
Reclamações Fundamentadas através do SINDEC (Sistema Nacional de
Informações de Defesa do Consumidor). O órgão federal recebe dos estados e
municípios conveniados os dados de demandas e reclamações de consumo e os
divulga anualmente, de forma consolidada, conforme manda o art. 44 do CDC.
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Crimes Contra as Relações de Consumo
Se a princípio, as sanções administrativas podem ser aplicadas em qualquer
violação das regras de consumo, o mesmo não acontece com as sanções
penais.
Justamente por tratar-se de condutas (e penas) mais graves, as sanções penais
são reservadas para determinados casos.
É verdade que determinadas condutas sujeitam o infrator a pagar indenização
ao consumidor, ser apenada administrativamente com multa, além da aplicação
da sanção penal.
A publicidade enganosa ou abusiva e a exposição à venda de produtos vencidos
são situações em que a mesma conduta pode repercutir nas três esferas de
responsabilidade.
Os crimes contra as relações de consumo previstos no CDC não são os únicos
crimes envolvendo consumo na legislação brasileira. A Lei 8.137/90 que define
crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo,
também contém tipos penais. A exposição para a venda de produtos com
validade vencida, por exemplo, não está prevista no CDC como crime, mas
nessa lei que acabamos de comentar.
A maior parte dos quinze tipos penais contra as relações de consumo, previstos
no CDC, são apenados com detenção de seis meses a dois anos e multa.
Outros com detenção de três meses a um ano e multa a depender da gravidade
da infração, ou mesmo com detenção de um a seis meses, ou multa em casos
de crimes culposos (praticados sem intenção).
A apuração de condutas de natureza criminal pode ser feita pela polícia judiciária
e o inquérito policial deve ser remetido ao Ministério Público para que dê início
ao processo crime contra o acusado.
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No entanto, o Ministério Público sempre poderá instaurar processo e conduzir as
investigações independentemente do inquérito policial.
A omissão de sinais ou dizeres ostensivos sobre nocividade ou periculosidade
de produtos e serviços nas embalagens, invólucros, recipiente ou publicidade é o
primeiro crime previsto no CDC (art. 63 e §1º).
Como a ausência dessas informações pode ocasionar acidentes de consumo
com lesões físicas e até mesmo a morte, em alguns casos, é prudente que tal
conduta tenha previsão criminal no CDC.
Caso o fornecedor descubra a periculosidade ou nocividade do produto,
somente após sua colocação no mercado, deve comunicar o fato às autoridades
e aos consumidores (art. 10). Realizar o chamamento é dever do fornecedor e
uma das consequências da desobediência a essa regra é a sanção penal (art.
64).
Caso haja determinação da autoridade competente para a retirada dos produtos
perigosos do mercado e o fornecedor não atenda à determinação, também
incorrerá em crime (art. 64, parágrafo único).
Caso o serviço a ser executado pelo fornecedor possua alto grau de
periculosidade e haja determinação de autoridade sobre a forma de sua
execução ou proibição, o fornecedor também fica sujeito a responder processo-
crime (art. 65). Como a simples execução do serviço perigoso é capitulada como
crime. Há aí o chamado perigo abstrato para a sociedade e para os
consumidores. Caso a realização do serviço culmine em lesão corporal ou
morte, esses crimes também serão apurados e os responsáveis punidos (art. 65,
parágrafo único).
A violação do direito de informação que consiste em fazer afirmação falsa ou
enganosa, omitir informação relevante sobre preço, qualidade, desempenho,
quantidade e segurança também colocam o fornecedor em situação de sujeito
passivo em processos-crime.
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Sempre lembrando que, no aspecto criminal, responde pelo crime a pessoa que
fez a firmação falsa. A responsabilidade penal é pessoal, aliás, personalíssima.
Enquanto na infração administrativa a multa decorrente de um ato ilícito de um
funcionário ou preposto recai sobre a pessoa jurídica, no crime a pena é
aplicada na pessoa que praticou a infração.
A publicidade enganosa e a abusiva também foram criminalizadas (art. 67).
Assim, além da eventual reparação de danos aos consumidores lesados, da
multa administrativa e da sanção de contrapropaganda ainda é possível que
recaia sobre o fornecedor uma acusação de prática de crime contra as relações
de consumo.
Curiosamente, o legislador separou em dois artigos diferentes a prática de
publicidade abusiva. No artigo 67, a lei apena com detenção de três meses a um
ano quem pratica publicidade enganosa ou abusiva e, no artigo 68, quem
comete publicidade abusiva de forma a induzir o consumidor a se comportar de
forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança recebe pena maior – de
seis meses a dois anos e multa.
A atenção do legislador para a publicidade não parou por aí. Ignorar a obrigação
imposta ao fornecedor de organizar dados fáticos, técnicos e científicos (art. 36,
parágrafo único) também tornou-se crime, conforme se verifica no art. 69.
Os serviços de reparo de produtos realizados com peças de reposição e
componentes não originais também fazem parte do rol de crimes contra as
relações de consumo. As peças recondicionadas ou simplesmente as usadas
podem colocar a vida dos consumidores em risco, principalmente quando
instaladas em automóveis ou motocicletas e por isso ganhou artigo especial (art.
70).
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Cobranças de dívidas ameaçadoras, realizadas mediante constrangimento físico
ou moral, além de procedimentos que exponham o consumidor a ridículo ou
interfira em seu trabalho, descanso ou lazer de forma injustificada, também
mereceu a alcunha de crime (art. 71).
Os dois artigos seguintes tratam de infrações penais cometidas por violações a
direitos ligados a bancos de dados. A primeira é dificultar o acesso do
consumidor a bancos de dados e a segunda deixar de corrigir imediatamente
informações inexatas sobre o consumidor (arts. 72 e 73).
Por fim, a situação mais corriqueira nas relações de consumo e que
provavelmente seja denunciada às autoridades: a conduta de deixar de entregar
o termo de garantia preenchido ao consumidor também se tornou crime. À
primeira vista, essa conduta parece ter pouca relevância para merecer ganhar
um tipo penal, entretanto aos olhos do legislador, por ser capaz de inviabilizar o
direito ao exercício da garantia contratual, ela também se tornou criminosa (art.
74).
Serviço de Atendimento ao Consumidor - SAC
O serviço de atendimento ao consumidor, realizado por telefone, foi oficialmente
criado em nosso país com a entrada em vigor do Dec. Federal 6.523/08.
Apesar de ser uma norma que regulamenta o Código do Consumidor, o decreto
do SAC não atinge todos os fornecedores previstos no art. 3º, do CDC. Foi feito
um recorte de modo que a norma incide apenas sobre os serviços regulados
pelo Poder Público Federal (art. 1º).
Desse modo, estão fora da aplicação do decreto todos os fornecedores de
produtos e os fornecedores de produtos ou serviços que não tenham suas
atividades reguladas pelo Poder Público Federal.
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Para facilitar a identificação dos prestadores de serviços sujeitos à incidência do
decreto do SAC, sugerimos que você verifique se esse fornecedor sujeita-se à
regulação, ou seja, se há alguma agência reguladora disciplinando suas
atividades.
Seguem alguns exemplos de fornecedores sujeitos ao SAC e suas respectivas
agências reguladoras: transporte aéreo (ANAC); energia elétrica (ANEEL),
serviços financeiros (BACEN); telefonia (ANATEL); saúde suplementar (ANS);
transporte terrestre (ANTT).
O decreto do SAC possui, como vimos, incidência sobre determinados
fornecedores (prestadores de serviços regulados) e assuntos específicos, ou
âmbito de aplicação.
A finalidade do SAC é resolver as demandas dos consumidores sobre
informação, dúvida, reclamação, suspensão ou cancelamento de contratos e de
serviços (art. 2º).
Como a oferta e a contratação de serviços estão fora do objetivo do decreto, é
permitido que os fornecedores mantenham canais telefônicos onerosos com
finalidade comercial. Além disso, em relação às instituições financeiras, os
canais telefônicos de prestação de serviços (consulta de saldos, realizações de
transações, transferências etc) continuam existindo e a chamada pode ser
custeada pelo consumidor.
O decreto veio para ampliar o acesso dos consumidores diretamente aos canais
de atendimento dos fornecedores.
Acessibilidade do Serviço
Em matéria de acessibilidade do SAC as regras são (arts. 3º ao 7º):
Gratuidade: as chamadas para o SAC devem ser gratuitas.
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A norma não determina que a gratuidade deva ser através de telefone tipo
“0800”, embora parte dos prestadores de serviços se utilize desse número.
As empresas de telecomunicações possuem à sua disposição números de
telefone com numeração diferente do 0800 com custo da chamada bem inferior.
Até mesmo chamadas a cobrar podem ser utilizadas para cumprir com a regra
da gratuidade. Importante é retirar o ônus de o consumidor pagar para reclamar
de um serviço mal prestado. As chamadas podem ser efetuadas de terminais
fixos, móveis ou públicos, aí a gratuidade se mantém.
Uma das dificuldades enfrentadas pelos consumidores quando ligavam para os
fornecedores era conseguir falar com um atendente. Menus intermináveis
desviavam o consumidor para outros menus que não levavam à nada.
No intuito de facilitar a vida do consumidor, o SAC deve garantir, no primeiro
menu, opções de contato com o atendente (que também deve ser garantido em
todas as subdivisões do menu), reclamação e cancelamento.
Consta do decreto até mesmo uma proibição de desligar o telefone ‘na cara’ do
consumidor. Uma regra de educação que virou jurídica. A regra visa tentar
impedir que a chamada ‘caia’, antes da conclusão do atendimento e o
consumidor seja obrigado a fazer nova chamada.
Outra regra que veio para facilitar o acesso ao atendente, impede que o
atendimento seja condicionado ao fornecimento de dados pelo consumidor. Note
que nos canais transacionais ou de relacionamento das instituições financeiras,
o consumidor só tem acesso à sua conta, após identificar-se mediante senha.
Essa regra (de segurança) não se confunde com o regulamento do SAC.
Uma vez que o consumidor opte por falar com o atendente, também não poderá
ser submetido a esperas intermináveis. O decreto delegou para norma
específica fixar esse tempo máximo de espera. A regra específica é a Portaria
2.014/08 do Ministério da Justiça que estabeleceu que esse tempo máximo de
espera para falar com o atendente é de sessenta segundos.
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No caso dos serviços financeiros, o tempo máximo de espera é de quarenta e
cinco segundos. Já nos dias considerados de pico (segundas-feiras, nos dias
que antecedem e sucedem feriados e no 5º dia útil de cada mês) o tempo
máximo é de até noventa segundos.
A continuidade no funcionamento do SAC foi outra deliberação governamental.
Vinte e quatro horas por dias, sete dias por semana o SAC deve estar operando.
É bem verdade que o próprio decreto fez ressalvas a essa regra. Elas também
estão na Portaria 2.014 que mencionada anteriormente.
As exceções são: caso o serviço ofertado não esteja disponível para fruição ou
contratação, vinte e quatro horas por dia e sete dias por semana; o SAC
destinado ao serviço de transporte aéreo, não regular, de passageiros e em TV
por assinatura com até cinquenta mil assinantes.
Pessoas com deficiência auditiva ou de fala tem preferência de atendimento no
SAC e as empresas podem destinar-lhes número específico.
A divulgação do SAC deve estar presente em todos os documentos impressos
entregues ao consumidor no ato e durante a contratação; além disso, deve estar
presente na página eletrônica do fornecedor.
Para evitar transferências e redirecionamentos de chamada, o decreto também
prevê que caso a empresa ou grupo empresarial ofereça diversos serviços
conjuntamente, o consumidor terá acesso a canal único para que possa ser
atendido em relação a qualquer dos serviços prestados pela empresa.
Da Qualidade do Atendimento (Arts. 8º ao 14)
Tal qual o CDC prevê comandos principiológicos, o decreto do SAC também os
previu.
102
Dignidade, boa-fé, transparência, eficiência, eficácia, celeridade e cordialidade
são os mandamentos que regem todas as demandas no SAC.
A capacitação é outro ponto de atenção fundamental e que afeta diretamente a
resolutividade das questões levadas ao SAC. Atendentes bem preparados e
conhecedores dos serviços prestados pela empresa têm maior chance de
conferir atendimento adequado e dar o melhor encaminhamento para a
demanda.
Em caso de reclamação e cancelamento, o atendente não poderá transferir a
chamada do consumidor. Nos demais casos (de informação por exemplo), o
atendente pode transferir a chamada para o setor competente para que este dê
atendimento definitivo ao caso, prestando a informação correta. Quando
permitida, a transferência deve ser efetuada, em até 60 segundos.
É fácil entender a motivação governamental para proibir a transferência da
chamada em caso de reclamação ou cancelamento. Presumiu-se que nessas
situações o consumidor seria transferido e não teria seu problema resolvido.
Entretanto, perdeu-se a oportunidade de, com uma transferência, resolver o
problema do consumidor na mesma chamada ao invés de sujeitá-lo a esperar 5
dias úteis para solucionar a demanda.
O acesso ao histórico do consumidor é outra determinação governamental que
visa inibir repetições e aborrecimentos. Uma vez que os atendentes devam ter
acesso ao histórico das demandas do consumidor, mesmo que a chamada
venha a ser interrompida, ou nos casos de transferência, o consumidor não
precisa repetir toda a história que já contou ao atendente que o atendeu, em
primeiro lugar.
No caso de chamadas onerosas ao consumidor, já sabemos que por força do
art. 33, parágrafo único, do Código do Consumidor, não se permite. Já no SAC,
a publicidade consentida pelo consumidor é permitida durante a espera.
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Do Acompanhamento de Demandas (arts. 15 e 16)
Além de acessar o SAC, registrar suas reclamações e solicitar informações ou
cancelamentos, o consumidor também tem o direito de acompanhar as
demandas que originou neste canal.
O registro numérico (ou protocolo) é o primeiro instrumento que possibilita ao
consumidor acompanhar a sua demanda junto ao fornecedor. O protocolo é a
prova do contato com o fornecedor; deverá possuir sequência numérica única e
fornecido logo no início da chamada. O registro numérico acompanhado de data,
hora e objeto da demanda deve ser encaminhado ao consumidor, se ele assim o
desejar, seja por correspondência ou meio eletrônico a sua escolha.
Esse registro de atendimento deve ser guardado pelo fornecedor por, no
mínimo, dois anos após a solução da demanda e deve permanecer acessível ao
consumidor e aos órgãos fiscalizadores.
Caso o consumidor solicite acesso ao histórico das demandas, deverá recebê-
las em até setenta e duas horas.
A gravação das chamadas também deve ser realizada pelos fornecedores e
guardadas por, no mínimo, noventa dias. Caso o consumidor queira ter acesso à
gravação, também possui esse direito.
Do Procedimento para a Resolução de Demandas (art. 17)
Demandas relativas a pedidos de informação devem ser resolvidas no ato,
entretanto as reclamações têm prazo de até cinco dias úteis, a contar do registro
para serem resolvidas.
É obrigatório dar um retorno ao consumidor sobre a solução de sua demanda e
caso ele solicite receberá comprovação do fato por correspondência ou meio
eletrônico. Essa resposta deve ser clara, objetiva e abordar todos os pontos da
demanda. Respostas evasivas ou que nada dizem, não são aceitas.
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Caso o consumidor entre em contato com o SAC para reclamar de cobrança
indevida ou serviço que não solicitou, o fornecedor deve suspender a cobrança
imediatamente a menos que consiga desde logo indicar o instrumento (contrato
ou a solicitação do serviço) que justifique a cobrança.
Do Pedido de Cancelamento do Serviço (art. 18)
Os pedidos de cancelamento de serviços devem ser processados de imediato e
deve ser assegurado por todos os canais onde o consumidor pode efetuar a
contratação. Se o fornecedor oferece a contratação de empréstimo por telefone
deverá permitir o distrato por essa mesma via.
O pedido de cancelamento deve ser prontamente atendido e processado mesmo
que haja inadimplemento contratual do consumidor, e sua comprovação enviada
a ele. Com isso, buscou-se evitar que o consumidor permaneça preso ao
contrato enquanto o montante da dívida cresce em função do atraso no
pagamento.
Por fim, e como era de se esperar, o próprio decreto do SAC prevê que as
violações de suas regras sujeitam os fornecedores às sanções do Código do
Consumidor.
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