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ECATI- Escola de Comunicação, Arquitectura, Artes e Tecnologias da Informação

Curso: Ciências da Comunicação e da CulturaCadeira: Teoria dos Media

Recensão Crítica

“A Obra de Arte na Época da sua Possibilidade de Reprodução Técnica”- Walter Benjamin

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Ensaísta, critico literário, sociólogo e filósofo, Walter Benjamin nasceu em Berlim, a 15 de Julho de 1892. O seu reconhecimento como um dos filósofos mais importantes da modernidade, só chegou a após a sua morte, durante a fuga das forças nazistas.

Benjamim desenvolveu o seu trabalho, baseando-se na concepção Kantiana de crítica como uma forma de reflexão. Esteve associado à Escola de Frankfurt e à Teoria Crítica, constituindo, com o seu trabalho, um contributo para a teoria estética.

Entre as suas obras mais importantes encontra-se: “A Obra de Arte na Época de Possibilidade de Reprodução Técnica”, que será aqui analisada.

Segundo o autor, deste sempre foi possível reproduzir a obra de arte, referindo-se a esta como “ a imitação do que os outros tinham feito”.

Os Gregos conheciam apenas a moldagem e a cunhagem, como processos de reprodução técnica. Mais tarde, a xilogravura veio permitir a reprodução de obras de gravura, pela primeira vez. Assim se procedeu durante muito tempo, antes que isto se passasse com a escrita, por meio da imprensa. Já na idade média, surgiram novas formas como a gravura em cobre, a água-forte e a litografia que se traduziram num avanço decisivo para a reprodução técnica. Por meio da litografia, as artes gráficas ficaram capazes de representar o quotidiano, acompanhando assim a imprensa.

Com a fotografia “a mão veio libertar-se, pela primeira vez, no processo de reprodução de imagens”. Esta veio possibilitar o cinema sonoro, tendo-se iniciado a reprodução técnica do som no século passado.

No entanto, por mais perfeita que a obra seja esta peca pela falta do aqui e agora, ou seja, “a sua existência única no local onde se encontra”. O aqui e agora do original contém dentro dele a sua autenticidade, que não é reprodutível.

Enquanto o autêntico tem autoridade face a uma reprodução manual, o mesmo não se passa no caso de uma reprodução técnica. Esta é mais independente do original, para além de poder colocar a cópia do original em situações em que o próprio original não chega, por exemplo, a possibilidade de ir ao encontro do receptor através de uma fotografia.

Na época da possibilidade de reprodução técnica da obra de arte o que enfraquece é a aura das mesmas. Na medida em que a reprodução é multiplicada, substitui-se a existência única, pela existência em massa. Uma vez que a reprodução pode ir ao encontro do receptor, em qualquer situação, o objecto reproduzido é actualizado. Os processos referidos contribuem para abalar a tradição e os seus conteúdos. O cinema é um agente poderoso que inclui um lado destrutivo, ligado à liquidação do valor de tradição.

Define-se aura como “o aparecimento único de algo distante, por muito perto que esteja”. O condicionalismo social, vindo da decadência da aura, está relacionado

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com duas circunstâncias que têm a ver com o significado, cada vez maior, que as massas têm na vida actual. Tal como o autor refere, com o passar dos dias, a necessidade de nos apoderarmos do objecto através da cópia e da reprodução, torna-se mais irrefutável.

Destruir a aura do objecto é a marca de uma percepção cujo “sentido da semelhança no mundo” cresceu, de modo de que esta através da reprodução atribua esse sentido, ao que tem uma existência única. A unicidade da obra de arte é semelhante à sua integração no contexto da tradição. A própria tradição é inconstante. Por exemplo, uma estátua de Vénus antiga era considerada um objecto de culto para os Gregos, num contexto de tradição diferente do contexto do meio clerical, que olhava para ela como um ídolo maléfico. No entanto, o que para ambos se apresentava, da mesma forma, era a sua aura.

O modo de existência “aurático” da obra de arte não se separa, totalmente, da sua função ritual. Com o aparecimento da fotografia a arte prevê a aproximação da crise, por isso reage com a doutrina da arte pela arte. Daqui emergiu uma teologia de uma arte pura que recusa a função social bem como o ser determinada por qualquer assunto concreto.

A reprodução de uma obra de arte, será cada vez mais orientada para a reprodução. “Através de uma chapa fotográfica é possível tirar um grande número de cópias, não faz sentido interrogarmo-nos qual será a autêntica”.

Nos dias de hoje a obra de arte torna-se um produto com várias funções, como a artística, isto foi possível através da reprodução técnica da obra de arte. A fotografia é um dos exemplos que melhor ilustra esta realidade. O valor de exposição só ultrapassa o valor de culto quando, na fotografia, o ser humano desaparece, pois o valor de culto encontra-se, por exemplo, na “recordação de entes queridos distantes ou desaparecidos”.

Ao longo do século XIX existiu uma disputa sobre o valor artístico, entre a pintura e a fotografia, que para nós, hoje, não faz sentido. Esta levou à libertação da arte do seu fundamento ritualístico. No entanto, as alterações de funções que a arte sofreu, devido a este facto, só se manifestaram no século seguinte, marcado pelo desenvolvimento do cinema.

As dificuldades que o cinema colocou à estética revelaram-se superiores às que a fotografia tinha colocado, chegando mesmo a ser comparado a hieróglifos, por Habel Grance, ou seja, um retrocesso ao nível da própria expressão. O actor apresenta a sua arte, através de si mesmo. O actor de cinema apresenta-a através de um conjunto de aparelhos, que não são obrigados a respeitar esta arte como totalidade, uma vez que um filme é composto por vários momentos que são captados e depois compostos, desta forma o trabalho do actor fica sujeito a vários testes ópticos. Para além disto, o actor de cinema não se apresenta directamente ao público, tal como acontece no teatro, assim sendo o público só se identifica com o mundo do autor, na medida em que “se identifica com a aparelhagem”.

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Para o cinema, o mais importante é que o actor se represente a si mesmo, perante as câmaras. Desta forma, este vê-se a ter de actuar e viver, totalmente, por si, renunciando a sua aura, uma vez que esta depende do seu aqui e agora, não podendo existir qualquer cópia da mesma.

A toda a obra de arte consumida pela reprodução técnica opõe-se o teatro. “ O mais recente progresso do cinema consiste em tratar o actor como.. um acessório que se monta no sitio certo”, esta frase de Arnheim, ilustra várias circunstâncias, por exemplo a iluminação, cuja instalação obriga a formar um episódio com várias montagens de filmagens em momentos diferentes. No teatro o actor mete-se dentro da sua personagem, no cinema a sua criação é composta através de muitas actuações distintas.

A técnica do cinema, caracteriza-se pelo facto de as pessoas que assistem às suas performances, fazem-no na qualidade de semi-especialistas.

Durante vários séculos, no campo da literatura, existia um pequeno número de pessoas que escrevia para milhares de leitores. No final do século passado deu-se uma transformação e, hoje em dia, praticamente não há nenhum europeu que não tenha a possibilidade de publicar, por exemplo, uma queixa ou uma reportagem. O leitor está preparado, a qualquer altura, para se tornar um escritor. “A competência literária já não se fundamenta numa formação especializada, mas sim politécnica e torna-se assim um bem comum”. Esta realidade também se aplica ao cinema e pode ser vista através do exemplo que o autor apresenta: alguns dos intérpretes que surgiram nos filmes Russos, não são intérpretes no nosso sentido, mas sim pessoas que se representam a si próprias.

Principalmente um filme sonoro mostra um espectáculo, ou seja, um processo onde já não há um ponto de vista onde os auxiliares (assistentes, iluminação) não estejam no campo visual do espectador. O teatro conhece o carácter ilusório da acção, nas cenas filmadas isto não se verifica, uma vez que é o resultado de uma montagem.

A reprodução técnica da obra de arte transforma a relação que as massas têm com a arte. Benjamin afirma que “o convencional é apreciado sem sentido crítico, aquilo que é verdadeiramente novo critica-se com má vontade”. No cinema, as relações dos indivíduos revelam-se condicionadas pela massificação. Aqui verifica-se também uma relação com a pintura, uma vez que um quadro só podia ser visto por um indivíduo ou por um pequeno grupo. A contemplação deste por muitas pessoas, revela-se um dos primeiros sintomas da crise na pintura. Um quadro não tem condições para ser visto por várias pessoas ao mesmo tempo.

O cinema enriqueceu o mundo da percepção. Este teve como consequência um aprofundamento. As acções apresentadas por um filme podem-se analisar com muito mais exactidão e sob muitos mais pontos de vista do que as acções que são representadas no teatro ou na pintura. O que faz com que o cinema seja mais facilmente analisável é a maior possibilidade de isolar acções. Isto promove a articulação entre a arte e a ciência.

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Uma das mais importantes tarefas da arte foi a de criar uma procura cuja total satisfação ainda não se realizou. A história de cada forma de arte conhece épocas críticas “em que esta forma aspira a efeitos que só se conseguem obter livremente quando se chega a um nível técnico diferente a uma nova forma de arte”. Daqui resultam extravagâncias da arte e o Dadaísmo foi a última forma em que estas abundaram. Como o autor refere: “O Dadaísmo tentou criar com os meios da pintura, os efeitos que o público, hoje em dia, procura no cinema”. As manifestações desta forma de arte asseguravam uma distracção, uma vez que faziam da obra de arte um escândalo, queriam causar indignação pública.

No caso do cinema, o elemento que provoca a distracção, está relacionado com a mudança de lugar e de plano. A tela de um quadro convida os espectadores à contemplação, a do cinema não, pois mal fixamos os olhos numa imagem e ela já mudou.

A partir das massas renovam-se as atitudes perante a obra de arte. As massas de participantes, que aumentaram, provocaram uma alteração no tipo de participação. Mas o facto de esta aparecer sob uma forma adulterada não deve induzir em erro. No entanto, houve quem se tivesse agarrado a este lado, como Duhamel, que critica o cinema, especialmente, na participação que suscita nas massas. Este classifica o cinema como “ um passatempo para idiotas, uma distracção para criaturas incultas, miseráveis, estafadas… um espectáculo que não exige qualquer concentração, não pressupõe qualquer capacidade de raciocínio”. Segundo o que o mesmo afirma, as massas procuram distracção enquanto a arte exige concentração da parte do espectador.

Face a isto, Walter Benjamim afirma que distracção e concentração opõem-se, “aquele que se concentra diante da obra de arte mergulha nela”, logo as massas através da sua própria distracção mergulham na obra de arte.

As construções têm acompanhado a humanidade desde sempre. Muitas formas de arte maceram e da mesma forma desapareceram, nada garante que a pintura de cavalete tenha uma duração ilimitada. No entanto, o homem sempre teve necessidade de ter um tecto. As construções têm uma recepção dupla: o seu uso e a sua percepção. Não se compreende esta recepção da arquitectura se se pensar em turistas diante de edifícios célebres, uma vez que do lado táctil não existe qualquer espécie de contrapartida para a contemplação na percepção óptica. “A recepção táctil efectua-se menos pela via da atenção do que pela do hábito”.

No caso da arquitectura, o hábito determina a recepção óptica, mas esta tem valor canónico, uma vez que as tarefas que se colocam à percepção humana não podem resolver-se pela óptica, vão sendo ultrapassadas sob a orientação da recepção, por meio do hábito.

Por meio da distracção, oferecida pela obra de arte, pode controlar-se até que ponto as novas tarefas colocadas à percepção puderam ser solucionadas.

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A recepção, por meio da distracção, que se faz notar em todas as formas de arte, revela alterações na percepção consciente. Esta forma de recepção passou a ver o cinema como um campo de experiência próprio. Segundo Walter Benjamim, “o cinema restringe o valor de culto não só porque coloca o público numa atitude de apreciação valorativa, mas também porque esta atitude no cinema não inclui o factor atenção”.

Concluindo, na era da reprodutibilidade técnica da obra de arte a aura enfraquece. O declínio desta apresenta uma série de transformações sociais, tornando-se na resposta a um novo mundo. Existe cada vez mais a necessidade de se possuir objectos quer seja na sua imagem, cópia ou reprodução, a destruição da aura corresponde aqui a uma nova forma de percepção.

Fazer a obra de arte ficar mais próxima do Homem é uma preocupação das massas modernas, de modo a tentar superar o carácter único de todos os factos, através da reprodutibilidade técnica. Daí o Homem querer ter o objecto, devido à sua proximidade, quer seja original ou em cópia.

A fotografia permite uma grande variedade de cópias, enquanto, no cinema, a reprodutibilidade técnica do produto não é uma condição externa para a sua difusão. Porém Benjamim, apresenta um problema na visualização do filme: os nossos olhos ainda não são capazes de captar as imagens em movimento, mal nos fixamos na imagem e já ela mudou.

Na História da Arte, podemos identificar o Dadaísmo, como o movimento artístico que, por meio da pintura, procurou produzir o que o público procura no cinema.

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