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Raquel Giffoni Pinto*
As ciências sociais e a profissionalização da gestão empresarial do
“risco social”
Na presente pesquisa investigamos o interesse de grandes empresas, cujas
atividades produtivas dependem fortemente dos recursos dos territórios (tais como as
mineradoras, petroleiras e de geração de energia), na contratação de consultorias e
profissionais especializados no desenvolvimento de metodologias de relacionamento
com comunidades, resolução de conflitos e implantação de projetos nomeados de
“Responsabilidade Social”. Esta procura manifestou-se mais intensamente a partir do
contraste entre as críticas às práticas empresariais destes segmentos produtivos, tidas
como portadoras de impactos negativos sobre o meio ambiente e sobre as condições de
existência de comunidades tradicionais, e o crescente recurso empresarial ao discurso da
responsabilidade ambiental e social. Diversos documentos e publicações empresariais
expressam a preocupação com as repercussões de tais conflitos sobre a imagem e a
rentabilidade da empresa. Na gramática empresarial, os conflitos estão sendo nomeados
de ‘riscos sociais’ e uma das principais estratégias mobilizadas pelas empresas para
gerir tais riscos são os projetos de Responsabilidade Social Corporativa (RSC). As
iniciativas de RSC teriam como objetivo fazer cessar ou prevenir conflitos ao
permitirem uma aproximação com as comunidades através de ações filantrópicas e
outros tipos de projetos sociais. As modificações nas formas de relacionamento entre
empresa e comunidade - é o que parecem supor os agentes empresariais - poderiam
atuar no sentido de neutralizar a crítica social, estabilizar socialmente o terreno em que
atuam e garantir o que, no léxico corporativo, denomina-se “licença social para operar”.
Ante este quadro, vemos a procura crescente por parte destes setores empresariais por
profissionais das ciências sociais para atuar na elaboração de estudos sobre a sociedade
local e no desenvolvimento de programas “sociais”. Por vezes , estes profissionais são
contratados diretamente pelas empresas ou pelas fundações criadas pelas mesmas; em
outras ocasiões o são por empresas de consultoria que vão oferecer este tipo de serviço
às corporações interessadas. Esta contratação estaria relacionada a uma determinada
expertise relacionada ao mundo social. Mais do que outros, porque dotados de um saber
sobre as organizações e dinâmicas sociais, os cientistas sociais poderiam ser capazes de
mediar conflitos e potencializar a obtenção de consensos nas populações.
Para tentar compreender o sentido social destas práticas empresariais foi preciso
perscrutar quais as práticas e habilidades requeridas a esses profissionais contratados (
e aquelas por eles ofertadas), quais os saberes do campo da ciência social mobilizados,
as avaliações sobre as condições de trabalho que eles encontram nesses espaços e a
natureza das relações com as comunidades impactadas pelos projetos empresariais para
os quais trabalham.
Não foi nosso objetivo empreender uma discussão em torno dos aspectos éticos
do trabalho dos cientistas sociais nestes espaços, ainda que este seja um tema de grande
relevância. Concordamos com Otávio Ianni quando diz que mais importante do que
investigar se há ou não comprometimento político, empresarial ou governamental do
cientista social, é reconhecer que as condições sob as quais o conhecimento se processa
envolvem a forma como a sociedade “absorve, seleciona critica ou rejeita” o que foi
produzido pela atividade do cientista social (IANNI, 1989; p.110). Por isso, buscamos,
principalmente, analisar as condições sociais sob as quais se processam os estudos e
atividades, por quais atores sociais e de que forma são absorvidos pela sociedade, além
2
de identificar as questões históricas que tornaram este tipo de trabalho necessário para
determinados agentes econômicos.
A pesquisa foi produzida a partir de entrevistas roteirizadas abrangendo
profissionais das ciências sociais que trabalham para consultorias e em grandes
empresas. A seleção de pessoas a serem entrevistadas teve como critério a formação
acadêmica em Ciências Sociais (seja na graduação ou pós-graduação stricto-senso na
área) e em áreas das ciências humanas (geografia e economia) que trabalham em
empresas cujas atividades produtivas dependem fortemente de recursos distribuídos no
território (do setor elétrico, mineral, siderúrgico etc.) ou consultorias que prestam
serviço a tais empresas. Em um primeiro momento, entrevistamos seis consultoras que
trabalham neste ramo desde a década de 1980. Todas são mulheres, quatro eram
sociólogas e duas eram economistas. Todas essas profissionais continuam no ramo das
consultorias, realizando os mesmos tipos de estudos que faziam há duas décadas: EIA-
RIMAS, diagnósticos socioeconômicos e programas de educação ambiental. As
sociólogas, porém, desempenham também novos trabalhos como: gestão de conflitos,
engajamento de stakeholders e etc. Entrevistamos ainda seis profissionais que iniciaram
a sua trajetória de consultores a partir dos anos 2000: um antropólogo e professor
universitário que trabalhava como consultor autônomo; uma consultora formada em
ciências sociais e funcionária de uma empresa de consultoria no Rio de Janeiro, um
economista especialista em meio ambiente e também funcionário fixo de uma
consultoria do Rio de Janeiro, uma geógrafa e consultora autônoma e duas sociólogas
que são consultoras autônomas e trabalham no ramo desde 2005. Foram entrevistadas
também três antropólogas e duas sociólogas que trabalham em grandes empresas
(mineradoras, petróleo e gás e energia). As entrevistas tiveram, em média, a duração de
uma hora e meia. Para verificar a demanda por estes profissionais nas empresas em
questão utilizamos como fonte uma base de busca de empregos relacionados ao meio
rural <http://www.agrobase.com.br>, através da qual analisamos as vagas de trabalho
disponíveis entre 2009 e maio de 2013 que mencionavam a formação superior em
ciências sociais como um dos requisitos para o preenchimento da vaga.
Como fonte secundária, contou-se com o levantamento e análise de documentos
produzidos por empresas (Relatórios de sustentabilidade e manuais técnicos), por
entidades empresariais que agregam companhias nacionais e multinacionais ( Relatórios
anuais, artigos, peças publicitárias) por Instituições Financeiras Multilaterais,
Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPS), Organizações não-
governamentais que se dedicam à disseminação do lema da Responsabilidade social
corporativa (materiais de cursos de capacitação de funcionários de empresas e
consultorias, estudos, orientações e manuais para empresas e etc.) e por consultores
empresariais ( Teses e artigos acadêmicos, jornalísticos etc.). Além disso, pesquisamos
diversos sítios de consultorias socioambientais para verificar quais eram os serviços por
elas oferecidos, as empresas clientes, o portfólio dos “produtos” realizados etc.
O artigo está dividido em três partes. Na primeira, expomos algumas das atuais
estratégias corporativas frente a um quadro de de contestação social à partir da
abordagem do chamado “risco social corporativo”, apresentando seus divulgadores,
suas principais definições e os mecanismos formulados para o gerenciamento destes
“riscos”. Expomos ainda outras categorias frequentemente utilizadas nos documentos
pesquisados e presentes nas falas dos consultores entrevistados. Antes de tratar
especificamente das práticas atuais destes profissionais nas empresas, na segunda parte
do artigo recuperamos o histórico da inserção de cientistas sociais que forneciam seus
3
serviços para os grandes projetos de desenvolvimento realizados durante a década de
1980, notadamente empreendimentos hidrelétricos. A reconstituição deste processo é
importante para compreender quais serviços eram solicitados, por quais atores e sob
quais motivações e identificar mudanças nas práticas destes profissionais e dos atores
demandantes destes serviços ao longo dos últimos 30 anos. Por fim, nos dedicamos a
analise das atuais práticas desempenhadas pelos cientistas sociais. Buscamos evidenciar
que a difusão de categorias, linguagens e metodologias referentes às intervenções
empresariais nas comunidades - ou na chamada “sociedade do entorno”- são, muitas
vezes, empreendidas por profissionais das ciências sociais. E a eles recorrem grandes
empresas que se encontram em situações conflituosas com as comunidades, sejam eles:
protestos contra o licenciamento ambiental do empreendimento, mobilizações pela
retomada de territórios ocupados pelas atividades empresariais, demandas judiciais
levadas à diante por movimentos sociais, dentre outras contestações.
1. A sociedade como um problema: Os riscos sociais corporativos.
Beth Kytle e John Ruggie, professores da Havard Kennedy School e consultores
empresariais, são os principais formuladores da noção de “risco social corporativo”. Em
um texto escrito em 2005, estes afirmam que as grandes corporações estão se
defrontando com mudanças na natureza dos riscos que habitualmente enfrentavam. A
relação de interdependência típica de um mundo globalizado teria um efeito duplo, pois
ao mesmo tempo em que possibilitou a conquista de mercados e maior eficiência
comercial, expôs as empresas a maiores riscos, tornando-as mais vulneráveis. Neste
quadro, as grandes empresas estariam mais sujeitas a pressões de ordem ambiental,
social e trabalhista do que antes. A essas pressões da sociedade civil, os autores
chamaram de risco social: “O risco social ocorre quando um stakeholder empoderado
leva adiante uma questão social e pressiona a corporação (explorando sua
vulnerabilidade através da reputação, da imagem corporativa)” (Kytle e Ruggie, 2005).
Para estes, a probabilidade de um risco social ser difundido aumentou com a
proliferação dos poderes de ONGs, movimentos sociais articulados em níveis globais e
das novas formas de mídia.
Trata-se de convencer que o risco social é a próxima grande questão estratégica
para corporações e que é semelhante a outros riscos de mercado e por isso deve ser
tratado com igual importância, destinando recursos para geri-los e contratando
profissionais para identifica-los, pois as empresas, conforme a consultoria norte-
americana Booz Allen Hamilton1, seriam “inexperientes no controle da sociedade civil”
e não possuiriam o que denominam de “business intelligence” para a previsão destes
riscos. “A empresa que ignora uma crítica social”, disse a então vice-presidente da Booz
Allen, “incorre em um perigo real, pois não mensura a gravidade das consequências que
esta crítica pode trazer” 2.
Os manuais e artigos consultados elegem os programas de responsabilidade
social corporativa como instrumentos eficazes para enfrentar os “riscos sociais”. Em
contextos sociais conflitivos, os programas de responsabilidade social devem ser
elevados à condição de importância estratégica nas decisões corporativas. Para Kytle e
Ruggie (2005), até o surgimento das questões relacionadas ao risco social, as empresas
1 A Booz Allen Hamilton é uma empresa de consultoria sediada nos Estados Unidos. Fornece seus
serviços a diversas corporações internacionais e governos em todo o mundo. 2 Discurso feito por Chris Kelly, vice presidente da Booz Allen, em 27 de abril de 2005. Vide Kelly
(2005).
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poderiam pensar a responsabilidade social como uma simples forma de cumprir suas
obrigações cívicas. Entretanto, os “riscos sociais” exigem o desenvolvimento das novas
técnicas de “responsabilidade social”.
Em sua pesquisa sobre o empresariado brasileiro, Maranhão (2011) apresenta
uma reorientação na ação empresarial no sentido descrito acima. Conforme a autora:
A filantropia tradicional- na forma de contribuições pontuais – é
cada vez mais substituída por ações norteadas por um plano de
ação e um raciocínio de minimização dos gastos e
maximização do retorno. São ações focalizadas, cujos resultados
devem ser avaliados e monitorados. A mudança da filantropia
tradicional para um planejamento racional das ações expressa os
componentes da gramática política que dá nova forma à ação
social (Maranhão, 2011, p. 244).
Na literatura sobre responsabilidade social das empresas encontramos com
frequência o termo stakeholder (comumente traduzido para o português como “partes
interessadas”) que designa todos os atores sociais e instituições que “afetam” e são
“afetados” pelas ações das empresas (Freeman, 1984). A socióloga Donna J. Wood,
especialista em ética nos negócios escreveu em 1997, em parceria com Ronald Mitchell
e Bradley Agle, um artigo sobre a teoria dos Stakeholders que se tornou referência nos
estudos de Responsabilidade Social Corporativa. “Toward a Theory of Stakeholder
Identification and Salience: Defining the Principle of Who and What Really Counts”
estabelece três princípios para classificar a importância dos stakeholders: poder,
legitimidade e urgência, P.L.U. As estratégias da empresa devem estar organizadas para
atender as solicitações dos stakeholders de acordo com a sua importância, medida pela
presença daqueles fatores (Mainardes et al, 2011).
Para se relacionar com os stakeholders foram desenvolvidas diversas iniciativas, no
âmbito das agências multilaterais, consultorias e institutos voltados para os interesses
empresariais do que se convencionou chamar de “engajamento” de stakeholder. Para os
consultores de empresas, a análise e o processo deste “engajamento” estabeleceria:
Uma relação mútua de confiança, diálogo, troca e influência, para
que todas as partes possam trabalhar questões de risco (conflitos,
greves, perdas de licença), potenciais oportunidades (fornecedores
locais, apoio da comunidade, sinergias etc.) e até mesmo a
formação de parcerias nas quais haja objetivos compartilhados e
se estabeleça uma situação de “ganha-ganha”3.
Este processo visa conferir à empresa o apoio dos atores sociais (comunidades,
poder público etc.) ao empreendimento, granjeando um ambiente politicamente estável,
a fim de que a empresa consiga a chamada: “licença social para operar”. Segundo uma
grande empresa mineradora, “a licença social para operar” é: “um conceito usado para
descrever a importância do amplo consentimento comunitário para grandes projetos”,
tendo em vista que: “deixar de tratar dos interesses comunitários e perder assim o apoio
3 Painel de stakeholders: uma abordagem de engajamento versátil e estruturada. Disponível em:
<http://www3.ethos.org.br/cedoc/painel-de-stakeholders-uma-abordagem-de-engajamento-versatil-e-
estruturada/> Acesso em 26/06/2013.
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da comunidade (a licença para operar) já resultou em grave perturbação, ou fechamento
de muitos grandes projetos de investimento, inclusive na indústria de mineração”4.
Sabe-se que a legislação obriga que a empresa, para obter suas licenças
ambientais, apresente soluções para o gerenciamento e minimização dos impactos
ambientais que irão decorrer das suas operações. A “licença social para operar” poderia
ser obtida em moldes semelhantes. Neste caso, porém, as companhias atuariam no
gerenciamento da sociedade, através de estudos das comunidades mais críticas à
empresa, análises de como estão organizadas tais comunidades, quem são suas
lideranças e no estabelecimento de “programas sociais” nestas sociedades, a fim de
gerenciar e mitigar possíveis “impactos” sobre a lucratividade da empresa.
Conforme os autores norte-americanos Kytle e Ruggie e outros autores
brasileiros consultados, os programas de RSC proporcionariam o contato com as
“comunidades do entorno” poderiam trazer “informações, conscientização e insights
sobre quais são os riscos sociais, e ao mesmo tempo, um meio eficaz para responder a
eles” (Kytle e Ruggie, 2005). Os programas sociais protagonizados pelas empresas,
sejam eles de geração de renda, educação ou saúde, ao proporcionarem melhores
condições sociais às comunidades, diminuiriam a probabilidade de surgirem “riscos”
para as empresas.
Nesta perspectiva, a “sobrevivência” das empresas depende da antecipação dos
“riscos sociais”, através da criação de sistemas de gestão que incluam “conexão com as
comunidades, partilha de informação e integração da RSE com os suas operações
comerciais”, conforme explica Braga et al (2007). A análise do contexto em que o
empreendimento será realizado: “contabilizando todos os riscos possíveis” deve ser
parte essencial do processo decisório, pois conhecer as variáveis que podem influenciar
o retorno dos investimentos é fundamental para “reduzir as surpresas, antecipar ou
simular comportamentos defensivos ou agressivos” (Braga et al 2007).
Esta visão eestá presente também no Conselho Empresarial Brasileiro para o
Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), uma associação civil fundada em 1997 que
representa, no Brasil, a rede do World Business Council for Sustainable Development
(WBCSD). Ele é o principal coletivo empresarial referente a questões do
“desenvolvimento sustentável” e conta com 200 grupos empresariaisde diferentes
setores. Conforme a perspectiva deste grupo:
“Qualquer empresa ou negócio precisa de um contexto social
estável que propicie um clima previsivelmente favorável ao
investimento e ao comércio. Responsabilidade Social
Empresarial constitui o meio pelo qual as empresas contribuem
para essa estabilidade ao invés de se afastar dela (Watts, P;
Holme, R, 2000).
A noção de “risco social corporativo” está também presente hoje na diretriz
mundial das Nações Unidas para o tema “negócios e direitos humanos”. Mencionado
acima, o professor John Ruggie foi nomeado em 2005, pelo então secretário-geral da
ONU, Kofi Annan, para ser o representante especial de direitos humanos e companhias
4 Anglo Social Way. Padrões de Gerenciamento de Sistema . Disponível em:
<http://www.angloamerican.com.br/sustainable-
development/~/media/47D640D6694D4201B3BDE905DED7208F.pdf >. Acesso em: 01/07/2013.
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transnacionais. Ao longo destes últimos seis anos Ruggie coordenou uma pesquisa
chamada “Cost of Conflict with Communities”, motivada por um estudo do banco
Goldman Sachs que analisou 190 projetos da indústria de Petróleo e verificou que o
tempo entre a primeira aprovação do projeto até o início das operações dobrou nos
últimos dez anos devido a ações judiciais e resistência política das comunidades, o que
denominou de stakeholder-related risk. Ruggie, e sua equipe, solicitaram aos setores
extrativistas, notadamente grandes empresas mineradoras e petrolíferas, para que
observassem e calculassem os riscos aos quais estava submetidos, respondendo a
questões como: “What does it cost you because pipelines are being blown up? What
does it cost you because the only access road to a mine is being blocked by a
community one week, two weeks, or three weeks at a time?5” Diversos exemplos dos
altos custos são mencionados, entre eles: “For a world-class mining operation, which
requires about $3-5 billion capital cost to get started, there’s a cost somewhere between
$20 million and $30 million a week for operational disruptions by communities’6.
Uma das diversas propostas feitas pelo representante da ONU para evitar estes
custos é o relacionamento com as comunidades a partir da implantação do que chamou
de “mecanismos de reclamação de nível local”, uma espécie de ouvidoria a ser
promovida pelas companhias a fim de que as populações saibam “aonde ir” para fazer
suas reclamações, e a empresa, por sua vez, saiba como “gerir as queixas.” Ruggie
menciona uma entrevista que fez com um líder comunitário no Peru e que o teria
incentivado a sugerir tal mecanismo:
(…) I met with him afterward and asked: “So what brought you
to this point? Why did you close down the mine?” He said
something I'll never forget: “They wouldn't listen to us when we
came to them with small problems, so we had to create a big
one”7.
Em pesquisa anterior identificamos sugestões semelhantes oferecidas por
consultores brasileiros que trabalhavam para o setor de Celulose e Papel. Segundo a
consultora entrevistada em 2009, a empresa quando se presta a “ouvir” e “dialogar” com
a comunidade: “abre uma porta e a comunidade, ao invés de colocar fogo na floresta,
vai lá conversar com o cara da empresa. Porque essas comunidades só querem ser
ouvidas, serem vistas; agindo assim a empresa fará algo em prol do bem comum”
(Giffoni Pinto, 2010). No referido estudo, analisamos as estratégias empresariais do
setor de celulose e papel, especificamente de uma grande empresa de Celulose, frente às
críticas sociais que lhe eram dirigidas. Nesta pesquisa foi possível constatar que a
apreensão quanto aos conflitos entre comunidades locais e empresa não se restringia
apenas ao setor de Celulose e Papel. A repercussão e notoriedade dos conflitos
chegaram a reunir representantes de sete grandes empresas de diferentes setores
produtivos, em 2006, para tratar dos “ataques” promovidos por indígenas e
5John Ruggie on Business Practice and Human Rights. Entrevistado por Molly Lanzarotta, em 29 de abril
de 2011. Disponível em: < http://www.hks.harvard.edu/news-events/publications/insight/markets/john-
ruggie>. Acesso em 25/06/2013. 6 John Ruggie on Business Practice and Human Rights. Entrevistado por Molly Lanzarotta, em 29 de
abril de 2011. Disponível em: < http://www.hks.harvard.edu/news-
events/publications/insight/markets/john-ruggie>. Acesso em 25/06/2013. 7 Business and Human Rights: Entrevista com John Ruggie, 30 de outubro de 2011. Disponívem em:
<http://business-ethics.com/2011/10/30/8127-un-principles-on-business-and-human-rights-interview-
with-john-ruggie/>. Acesso em 27/06/2013.
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representantes do MST às suas atividades produtivas. A reunião foi na sede da
Companhia Vale do Rio Doce e estavam presentes executivos da CPFL, Alcoa, Alcan,
Tractebel e Bunge. O objetivo da reunião era, segundo o presidente da Vale, “que cada
um relatasse os problemas sociais e ambientais que enfrenta e a forma encontrada para
resolvê-los”. O presidente da Aracruz elogiou a iniciativa: “Pela primeira vez tivemos a
oportunidade de trocar informações sobre um assunto tão delicado” 8
É crescente o número de artigos e Teses que, a partir dessa perspectiva,
dedicam-se a realizar uma ciência dos custos e dos riscos a que as empresas, cujas
atividades produtivas dependem fortemente dos recursos distribuídos no território, estão
submetidas. O artigo “The costs of conflict with local communities in the extractive
industry”, apresenta o resultado de 40 entrevistas realizadas com diretores de empresas
extrativistas, advogados corporativos, seguradoras e institutos de pesquisa sobre os
custos dos conflitos sociais para as empresas mineradoras (Davis e Francos, 2011).
Abaixo reproduzimos uma tabela que expõe os “tipos de custos” mais frequentes para
essas empresas:
Fonte: Retirado de Davis e Francos, 2011, p. 8.
No Brasil algumas empresas já calculavam os custos dos conflitos envolvendo
populações tradicionais. O autor do artigo: “O Estado é responsável pelo custo
indígena”, publicado em uma revista voltada ao empresariado brasileiro, menciona que
as companhias que mais contribuiriam para a “causa indígena” no Brasil são aquelas
que mais sofrem invasões de propriedade. A Vale, que segundo o artigo é a maior
doadora de recursos para povos indígenas entre as empresas brasileiras, perdeu em dois
anos (2004 a 2006) cerca de US$ 50 milhões em exportações devido às mobilizações
indígenas em Carajás (PA) e em Minas Gerais. “Em média, um índio custa para a
8 Alguém vai encarar? O que está por trás dos ataques de militantes do MST e lideranças indígenas
contra algumas das maiores empresas do Brasil. Por João Sorima Neto e Wálter Nunes. Revista Época,
16 de mar. 2006. Disponível em: < http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG73468-6012,00-
ALGUEM+VAI+ENCARAR.html >.
8
CVRD cerca de R$ 9 mil por ano, ou 2,2 salários mínimos por mês” 9. Entretanto, estes
custos não conseguiram apaziguar os conflitos, ocasionando assim o “re-custo
indígena”:
“Mais grave do que o custo indígena é o re-custo indígena. É
como se o mesmo cheque fosse sacado duas vezes. E o valor da
segunda retirada é intangível; vem sob a forma de risco
jurisdicional, ameaças de descumprimento de acordos
comerciais e ferimentos à imagem institucional das
corporações”. 10
Ante o contexto de contestação social aos empreendimentos e os esforços no
sentido de gerenciar os riscos e danos desta contestação, observamos o crescimento da
contratação de cientistas sociais, e demais profissionais das ciências humanas, nas
esferas corporativas para atuar nos programas de “responsabilidade social”, realizando
pesquisas nas comunidades antes e depois da implantação do empreendimento, bem
como implementando projetos sociais financiados pela empresa. Antes de analisar
especificamente este mercado de trabalho, abordaremos de forma sintética a origem da
atuação dos cientistas sociais enquanto consultores nos chamados grandes projetos de
desenvolvimento, que envolviam atividades empresariais com forte impacto nos
territórios.
2. Os cientistas sociais e a prestação de serviços em grandes projetos de
desenvolvimento. Um breve histórico.
A partir da década de 1970, cientistas sociais ingressaram no campo dos estudos
sobre desenvolvimento com a finalidade estudar, a partir de diferentes perspectivas, as
especificidades culturais dos territórios onde seriam implantados estes projetos
(Escobar, 1997; Arantes, et al 2000; Comegna, 2005). Sobre a atuação dos antropólogos
na acessoria a estes grandes projetos, Comegna afirma que seria possível fazer uso das
metodologias da antropologia com o objetivo de
(...)conocer las relaciones sociales de esa comunidad, los
conflictos ente los actores, las representaciones ligadas a las
prácticas cotidianas. Todo ello con el objetivo de proponer
proyectos útiles, viables y sustentables (Colmegna, 2005;
p.183).
Michael Cernea, sociólogo e ex-funcionário do Banco Mundial, entusiasta da
participação de seus pares nos projetos de desenvolvimento, afirma que ao invés de
apenas observar e criticar os efeitos dos projetos de desenvolvimento, os cientistas
sociais deveriam engajar-se e oferecer seus serviços neste campo. Apenas desta forma
seus conhecimentos seriam finalmente valorizados pelas agências financiadoras. “Si
conseguimos idear productos nuevos y utiles de ‘trabajo social’, se producirá uma
9 O Estado é o responsável pela eclosão do custo indígena. Por Claudio Fernandez. Revista Custo Brasil,
2009. Disponível em: <http://www.revistacustobrasil.com.br/pdf/06/Rep%2003. pdf >. Acesso em 10/08/
2010. 10
O Estado é o responsável pela eclosão do custo indígena. Por Claudio Fernandez. Revista Custo Brasil,
2009. Disponível em: <http://www.revistacustobrasil.com.br/pdf/06/Rep%2003. pdf >. Acesso em 10/08/
2010.
9
demanda cada vez mayor de ciencias sociales”. Antes, contudo, preciso seria que os
cientistas sociais saíssem das “trincheiras da passividade”;
los cientificos sociales podrían hacer mucho más de lo que
estamos haciendo ahora, adoptando uma postura proactiva em
lugar de expaectante, tomando la iniciativa , ampliando la oferta
de conocimentos y ofreciendo nustras destrezas analíticas y de
construccion social. De esta forma, uma estrategia guiada por la
oferta podría acelerar el uso de las ciencias sociales em
planificacions del desarrollo inducido (Cernea, 1994).
A partir de 1987 houve um crescimento da contratação de cientistas sociais no
Banco Mundial. “En la reorganizacions de 1987 se crearon varios nuevos piestos de
trabajo para antropólogos/sociologos em los departamentos técnicos de Asia, Africa y
américa latina” (Cernea, 1994). E em 1992 designou-se, pela primeira vez, um grupo de
cientistas sociais para assessorar a alta direção do Banco na seleção, contratação,
formação e promoção de “expertos em ciências sociais”. Nessa época, justamente pela
emergência de diversos conflitos envolvendo grandes projetos, teria sido criado um
forte vínculo institucional entre os “expertos em meio ambiente” e os “expertos em
sociologia” dentro do Banco (Cernea, 1994). Entretanto, o autor lembra que já no início
da década de 1980, por pressão dos cientistas sociais pertencentes ao quadro do banco,
já constava nas diretrizes internas para avaliação de projetos uma sessão destinada à
avaliação sociológica dos mesmos. Ante aqueles que eram refratários aos estudos
sociológicos, sob a argumentação de que estes encareciam os custos dos projetos,
Cernea responde com argumento próximo à noção de risco social, enunciada no capítulo
anterior: “la estimacion correcta de su valor se basa, no en el precio del estudio social,
sino en el precio que habrá que pagar a corto y largo plazo si no se realiza uma
planificación social adecuada” (Cernea, 1994). Este arrazoado é o cerne do argumento
que os cientistas sociais utilizam para justificar uma maior atenção às questões sociais,
seja nas consultorias, seja nas empresas nas quais trabalham. Para convencer os
diretores das empresas seria preciso justificar em termos econômicos a desvantagem de
“não se levar a sério” o direito e as demandas das populações.
Durante a década de 1980 alguns empreendimentos financiados pelo Banco
Mundial, e por outros bancos multilaterais, foram duramente criticados por ONGs
ambientalistas internacionais e diversos movimentos sociais de diferentes países, devido
aos danos causados à dinâmica social das populações que viviam nos territórios nos
quais eram implantados. Caso emblemático foi a luta dos seringueiros e povos
indígenas, reunidos na chamada Aliança dos Povos da Floresta para a Defesa da
Amazônia, em 1987. Esses atores mobilizaram-se contra aos danos à floresta amazônica
ocasionados pelo projeto de pavimentação da estrada BR-364, entre as capitais Rio
Branco e Porto Velho, então financiada com recursos do Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID). Na ocasião, o seringueiro e militante político Chico Mendes
foi até os Estados Unidos para conferência anual do BID e provocou um intenso debate
público sobre a responsabilidade do banco em seus financiamentos. Nesta época, a
questão ambiental era considerada, dentro do Banco Mundial, o problema mais grave de
"relações públicas" da instituição (Pereira, 2011 apud Wade, 1997, p. 672). Frente a este
quadro, em 1987, o Banco promoveu um conjunto de medidas administrativas, inclusive
com a criação de um departamento de Meio Ambiente, adotando uma política de
salvaguardas socioambientais (safeguard policies) para o financiamento de seus
10
projetos11
. “These ‘safeguard policies’ - introduced since the early 1980s in response to
NGO campaigns - cover issues such as involuntary resettlement, forestry, indigenous
peoples, environmental assessment, natural habitats and cultural property12
”. Algumas
alterações no quadro técnico do Banco, comentadas por Cernea, também se relacionam
com este contexto.
A partir da aprovação de vários dispositivos legais referentes a questão
ambiental e da criação de politicas de salvaguardas dos bancos internacionais de
financiamento, grandes empresas de engenharia no Brasil criaram, no final da década de
1980, seus departamentos de meio ambiente. Esses departamentos chegavam a contar
com dezenas de profissionais das mais diversas áreas do conhecimento: biólogos,
geógrafos, economistas, sociólogos e antropólogos.
Muito embora a legislação concernente ao licenciamento ambiental já existisse,
a economista Lúcia13
, socióloga e consultora há quase 30 anos, afirma que os
financiadores internacionais eram os principais demandantes dos estudos ambientais,
uma vez que não existia ainda uma demanda real do governo brasileiro.
O governo era totalmente Brasil grande nessa época. Estavam
construindo a transamazônica (...) então esse movimento do
Banco (Mundial) de exigir esses estudos era uma coisa em
função da pressão internacional sobre o Banco. E aí nas
hidrelétricas isso aí foi bem expressivo”. 14
Devido à pressão política promovida pela consolidação da Comissão de
Atingidos por Barragens em 1979 e, posteriormente, a articulação destes atores no
Movimento dos Atingidos por Barragem, o MAB, o setor elétrico foi o primeiro a
investir na criação de conselhos e na elaboração de diretrizes para estudos ambientais.
Dentre elas destacam-se a criação, pela Eletrobrás, em 1986, do Conselho Consultivo
de Meio Ambiente, a edição de dois documentos: o Manual de Estudos de Efeitos
Ambientais dos Sistemas Elétricos (em junho de 1986) e o Plano Diretor para a
Melhoria do Meio Ambiente nas Obras e Serviços do Setor Elétrico no mesmo ano
(Palhano, 2001).
No Brasil, o licenciamento de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras e
a avaliação de impactos ambientais foram instituídos como instrumentos da Política
Nacional de Meio Ambiente em 1981, pela Lei Federal nº6. 938, de 31 de agosto. Em
1986, a partir da resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) n°
01, fixou normas para elaboração de Estudos de Impacto Ambiental (EIA) e o
Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) para os empreendimentos potencialmente
poluidores e degradadores15
e a Constituição Federal de 1988, no artigo 225 § 1º, IV,
11
É importante lembrar que mesmo antes do final da década de 1980, ainda em 1982 foi divulgada uma
primeira diretriz do Banco para as sociedades indígenas que afirmava que essas populações estavam
"mais sujeitas do que outras a serem prejudicadas, mais do que beneficiadas, por projetos destinados a
beneficiários distintos das populações tribais" e que os projetos "deveriam incluir medidas ou
componentes necessários à salvaguarda de seus interesses" (Oliveira, 2000) 12
Disponível em: <http://www.brettonwoodsproject.org/doc/env/safeguards.PDF>. Acesso em 20 de
agosto de 2013. 13
Para preservar a identidade dos profissionais entrevistados, os nomes reais foram substitúidos por
nomes fictícios. 14
Economista com experiência em Desenvolvimento Regional. Entrevista realizada na sede da
consultoria ambiental na qual trabalha. Rio de Janeiro, março de 2013. 15
O Estudo de impacto tem como principal objetivo examinar os impactos ambientais de um projeto,
assim como a proposição de alternativas e o Relatório de Impacto Ambiental deve apresentar os
11
exigiu o prévio licenciamento ambiental para a instalação de atividades efetiva ou
potencialmente degradadoras do meio ambiente.
Mesmo com a organização da legislação ambiental, pouco se sabia, à época,
sobre o que seria exigido da equipe profissional que elaboraria a avaliação de impacto.
Segundo os consultores entrevistados, essa indiferença ante ao conteúdo e a forma dos
estudos proporcionava uma maior autonomia na elaboração dos mesmos. As Secretarias
de Meio Ambiente Estaduais, que licenciavam a maior parte dos empreendimentos à
época, não possuíam qualquer estrutura para análise e avaliação dos EIAs produzidos. A
economista Lúcia contou-nos o cenário da elaboração dos primeiros estudos:
Ninguém sabia muito bem o que tinha que ser feito essas
próprias metodologias de avaliação de impacto. (...) Nem eles
(órgãos ambientais) sabiam o que exigiam. Então se fazia o
estudo que se achava que se deveria fazer (Economista e
Consultora).
Segundo Flávia, socióloga e consultora que já atuou em diversos processos de
licenciamento de hidrelétricas, os primeiros estudos tinham como objetivo identificar a
“organização e dinâmica do território; quem vivia ali, como viviam a base econômica
existente. Tudo isso tinha que ser analisado e tinha que ter um custo” 16
.
Havia também que lidar com a hierarquia entre os profissionais da equipe
técnica. Os engenheiros, como assinalam as consultoras entrevistadas, agiam com
alguma resistência aos trabalhos desenvolvidos pelos cientistas sociais como se estes
não possuíssem metodologias científicas adequadas. Os empreendedores, por sua vez,
também eram reticentes, tendo em vista que estes estudos encareciam o projeto:
Então era uma brigalhada com os engenheiros porque na parte
de socioeconomia eles não queriam nem saber, e a gente na
verdade não terminava, não tinha controle sobre produto final,
você fazia as partes e os coordenadores de engenharia que
fechavam (Lúcia, Economista e Consultora).
Alguns empreendimentos construídos durante a ditadura militar no Brasil e
implantados sem a realização de avaliações ambientais foram obrigados a mitigar
alguns dos impactos causados, como foi o caso da Hidrelétrica de Tucuruí, no Pará.
Maria17
, socióloga e consultora, contou-nos sua experiência na elaboração do Plano
Diretor de Utilização do Reservatório de Tucuruí:
A população do entorno foi duramente impactada e não foi
beneficiada nem com a energia elétrica. Nessa coisa de tentar
implementar alguma coisa, na questão de impacto ambiental é
que se fez o plano, onde se tentava remendar alguma coisa, de
fazer alguma coisa de compensação. Com uma enorme
resultados do EIA ao público em geral e aos responsáveis pela tomada de decisão. A contratação da
consultoria deve ser feita pelo empreendedor, que deve arcar com todos os custos dos estudos ambientais.
Resolução CONAMA 001/1986. Disponível em:
http://www.mma.gov.br/port/conama/res/res86/res0186.html Acesso em: 24/06/2013. 16
Consultora autônoma, formada em ciências sociais, com Mestrado em Sociologia e Doutorado em
Planejamento Urbano e Regional. Entrevista realizada pela autora em fevereiro de 2013 no Rio de
Janeiro. 17
Socióloga. Consultora ambiental há mais de vinte anos. Atualmente presta serviços para uma empresa
de engenharia sediada no Rio de Janeiro.
12
resistência dos proprietários, no caso o governo (...) a gente
tinha que provar a todo o momento que exista um impacto. Não
era óbvio, principalmente pelos custos que ia gerar para os
proprietários. Não existia ainda uma política, ela foi se forjando
(Maria, Socióloga e Consultora).
Uma avaliação comum entre estes consultores que atuavam no início dos estudos
(1980-1990) é a superficialidade dos EIAs atuais, correntemente associada aos exíguos
prazos concedidos para a conclusão dos estudos.
Você tinha dois anos para fazer todos os estudos e levantamento
para poder de fato fechar um relatório desses (...) hoje em dia,
uns anos para cá o EIA é um instrumento meramente
burocrático para tirar licença. Hoje é tudo muito mais rápido, os
prazos para fazer os estudos não são sérios, não podem ser
sérios. O nível hoje de superficialidade é muito grande (Maria,
Socióloga e Consultora).
Você tinha um ano para fazer um EIA. Tinha que pegar as duas
estações, verão e inverno, para estudar as vazões do rio. Hoje
você tem três meses (Sonia, Socióloga e Consultora).
Durante a década de 1990, auge das políticas neoliberais no país, grandes obras
foram paralisadas e as firmas de consultoria demitiram grande parte de seus
funcionários.
Quando eu iniciei na consultora em 1989, os contratos eram feitos
por homem/hora. Por exemplo, meu primeiro trabalho em uma
(empresa de engenharia) eu fazia parte de uma equipe com mais
três pessoas para desenvolver o programa de educação ambiental
da Tucuruí. Quatro pessoas! Quanto mais gente, mais homem
hora, mais lucratividade. Em 1992 acabou com isso. Os contratos
passaram a ser por produto. Então o EIA-RIMA valia tanto,
independentemente de quantas pessoas trabalhassem. Hoje eu
faço toda a socioeconomia no EIA. Sozinha. (Maria, Socióloga e
Consultora).
Após esta demissão em massa, alguns desses profissionais, em parceria com
antigos colegas, abriram suas próprias consultorias menores. Atualmente o mercado das
consultorias é pouco regulado e a terceirização, e mesmo a “quarteirização”,
predominam: grandes empresas contratam consultorias que, por sua vez, contratam
consultores freelancer. Os consultores criam microempresas através das quais podem
prestar serviços para empresas e consultorias maiores. Conforme Sonia, consultora que
está há quase 30 anos neste ramo, independente se o consultor é freelancer ou faz parte
do quadro de funcionários da consultoria a forma de contratação predominante é
prestação de serviços. “Você é obrigada a ter um registro de pessoa jurídica mesmo
sendo fixo na consultoria”.18
Marina, socióloga e consultora freelancer falou-nos sobre
os impostos que incidem sobre o trabalho de consultoria: “ele é mais alto do que outros
18
Socióloga. Consultora ambiental há mais de 20 anos. Presta serviços para diversas empresas de
consultorias. Entrevista realizada em abril de 2013, no Rio de Janeiro.
13
impostos de profissionais. Por exemplo, hoje em dia eu tenho uma produtora e eu pago
6% de imposto, super simples, na consultoria é 17, 18%”.
O valor dos serviços oferecidos pelos consultores varia de acordo com o tempo e
expertise dos mesmos. Roberto, antropólogo, professor universitário e consultor, utiliza
a tabela de valores da mão de obra por hora de trabalho dado pelo convênio entre a
Associação Brasileira de Antropologia e o Ministério Público Federal que estabelece
padrões para a remuneração de antropólogo na realização de laudos. Todavia, disse-nos
que muitos antropólogos recebem valores altos para realização de consultorias,
notadamente para realização de estudos que envolvam povos indígenas. “As
consultorias de Belo Monte são valores altíssimos. É que a questão indígena parece que
envolve um mistério, como sendo uma coisa impenetrável, que você só chega lá se for
realmente o ‘cara’”. O consultores mais jovens, no entanto, reclamam dos baixos
salários que recebem enquanto funcionários fixos de uma consultoria ou ainda da
precariedade de ser “freelancer”, sem nenhuma garantia dos direitos trabalhistas.
Além disso, o mundo do trabalho nas consultorias empresariais é caracterizado
pela extrema flexibilidade e competitividade. A grande parte dos contratos com as
empresas são de curto prazo e podem ser desfeitos com alguma facilidade. A realização
de um EIA dura apenas poucos meses enquanto os programas de mitigação e
compensação,exigidos como condicionantes da licença, são de médio e longo prazo.
“Esses projetos eu poderia chamar de filé, eles tem chance de ter uma continuidade (...)
todo ano você renova, então assim é o contrato de um ano, você tem garantia daquele
ano.” 19
Não é raro haver trocas na equipe ou mesmo da própria consultoria no decorrer
na implantação dos projetos e programas sociais e ambientais. E é comum que a
empresa de consultoria que elaborou os programas para determinado empreendimento
não seja aquela escolhida para executá-los: “Ainda tem que você pode ter formulado,
mas não ganha concorrência para implementar. É outra equipe completamente diferente
(...). É política da Vale, Petrobrás: quem faz, não implementa. Nunca entendi a lógica,
mas é determinação interna” 20
.
Identificamos uma especialização neste mercado das consultorias, que, nas décadas
de 1980 e 1990, não se fazia presente. Algumas consultorias ambientais tornam-se
experts no licenciamento e na gestão de determinados empreendimentos. Existem
aquelas dedicadas à elaboração de estudos para ferrovias, rodovias, linhas de
transmissão de energia, chamados empreendimentos lineares, outras que mantêm uma
equipe de expertos em licenciamento de hidrelétricas e aquelas que são reconhecidas
pelo seu trabalho com empresas mineradoras. O perfil de cada consultoria depende não
só do tipo de empreendimento, mas também da composição do quadro técnico. Aquelas
consultorias que possuem cientistas sociais e antropólogos em seus quadros são vistas,
em sua maioria, como progressistas e “críticas”, enquanto algumas empresas de
engenharia, há mais tempo no mercado, são apontadas pelos entrevistados como
conservadoras, porque tenderiam a “fazer o jogo do empreendedor”. No entanto, na
maioria dos casos observados, as consultorias possuem uma ampla diversidade de
clientes de diferentes setores produtivos e também de profissionais com variadas
formações superiores.
19
Consultora autônoma, está no ramo há sete anos. Formada em ciências sociais, cursa o mestrado em
antropologia. Entrevista realizada em março de 2013, no Rio de Janeiro. 20
Socióloga. Funcionária de uma empresa de consultoria internacional. Atua em consultorias ambientais
há mais de 20 anos. Entrevista realizada em abril de 2013, no Rio de Janeiro.
14
3. Uma “etnografia constrangida”: O Modus Operandi do trabalho do cientista
social nos espaços empresariais.
“A gente é a linha de frente (...). É uma
antropologia que suja muito as mãos”
(Roberto, Antropólogo, Professor
Universitário e Consultor ).
A atuação dos cientistas sociais nas firmas de consultoria concentra-se nos
procedimentos previstos em lei para o licenciamento ambiental. São eles: a parte
socioeconômica dos EIAs, a organização de audiências públicas, a elaboração dos
estudos e execução de programas de compensação e de mitigação, os estudos de
componente indígena e quilombola. Entretanto, nos últimos anos, houve uma ampliação
de serviços oferecidos pelas consultorias que atendem não apenas ao que a legislação
determina para obtenção das licenças ambientais, mas a outros objetivos das empresas.
Os cientistas sociais que atuam nestas consultorias são então chamados a realizar
estudos antes de iniciar o licenciamento, a fim de que a empresa estabeleça estratégias
para lidar com determinados conflitos que poderão emergir ou desenvolver programas
sociais posteriores a obtenção da licença. Para melhor entendimento, iniciaremos a
apresentação do conteúdo e da forma de trabalho dos cientistas sociais nos
procedimentos previstos pelos órgãos ambientais e depois vamos expor os outros
serviços que não são previstos em lei ou normas dos órgãos ambientais
Em alguns Termos de Referência, antropólogos e sociólogos estão entre os
profissionais citados para compor a equipe que analisará o meio socioeconômico para os
estudos de impacto ambiental21
. Além disso, manuais para o licenciamento ambiental de
alguns setores produtivos específicos estabelecem a necessidade de contratação de
cientistas sociais, como é o caso do manual de procedimentos e normas para o
licenciamento ambiental de atividades extrativas que sugere sociólogos e/ou
antropólogos para formação da equipe técnica22
. No caso de empreendimentos próximos
às terras indígenas, apenas um antropólogo, previamente aprovado pela Fundação
Nacional do Índio (FUNAI), deverá elaborar laudos de impacto ambiental, o chamado
“estudo de componente indígena”. O plano de trabalho destes profissionais também
deve ser aprovado pela FUNAI.
Os cientistas sociais-consultores, após um levantamento dos dados secundários
sobre o local escolhido para instalação do empreendimento, realizam uma pesquisa de
campo nas chamadas “áreas de influência direta e indireta” do empreendimento. É
importante ressaltar que estas áreas já estão classificadas antes mesmo da realização dos
estudos pela equipe técnica. Conforme Bronz (2011) a delimitação destas áreas é feita a
priori, embora seja apresentada como consequência de um estudo prévio da região. Nas
áreas consideradas “diretamente afetadas” são realizados projetos de mitigação e
compensação, enquanto nas áreas indiretamente afetadas são realizados apenas o
monitoramento dos impactos. “Ao distinguir uma e outra, os consultores também vão
intervir sobre os procedimentos de gestão e, consequentemente, sobre os montantes de
21
Alguns exemplos: Elaboração de estudos ambientais para regularização do licenciamento ambiental do
centro de lançamento de Alcântara; UHE Belo Monte; Transnordestina; Avaliação de impacto
socioambiental do projeto integrado de desenvolvimento sustentável do Rio Grande do Norte (RN
sustentável) etc. 22
Manual de normas e procedimentos para licenciamento ambiental no setor de extração mineral.
Disponível em: <http://www.mma.gov.br/estruturas/sqa_pnla/_arquivos/MANUAL_mineracao.pdf >.
Acesso em: 27/06/2013.
15
recursos destinados para cada parcela dos territórios sob influência da empresa” (Bronz,
2011; p. 72).
Solicitamos aos cientistas sociais entrevistados que nos apresentassem a
dinâmica de suas atuações na elaboração dos EIAs. A jovem consultora freelancer
Julia23
, narrou-nos como a sua equipe chegou ao campo para elaboração do estudo de
impacto ambiental para implantação de uma hidrelétrica no Pará:
A primeira coisa que a gente fez foi reuniões de apresentação,
então a gente escolheu pontos específicos dentro do mapa do
empreendimento onde a gente pudesse trazer bastante gente da
população do entorno e apresentar o que a gente estava fazendo
ali. Foi até uma demanda da (nome da consultora Sênior,
também socióloga) essas reuniões, porque a gente não podia
entrar no campo e simplesmente começar a fazer um monte de
perguntas para as pessoas, e aí como elas iriam se sentir?
É uma prática corrente de pelo menos três consultoras entrevistadas a
contratação de pessoas que residem na localidade, na qual a empresa pretende instalar-
se. Julia explicou-nos a sua preferência por uma equipe local:
Pela facilidade mesmo de entrada no campo e também pela
questão do protagonismo, vale muito mais a pena trabalhar com
pessoas do espaço, criar esse protagonismo, eles criarem sobre o
próprio espaço do que chegar com uma equipe pronta. Já
aconteceu comigo e não funciona, as pessoas se sentirem
invadidas (...). Eu fui às universidades, nos colégios particulares
também, lá tem um campus da Universidade, botei lá o aviso,
chamei as pessoas para reunião (...). Aí fizemos uma formação
com eles, leitura de roteiro, capacitação para entrevista, como
manusear um gravador, como se apresentar (...). Como falar, o
que perguntar como transformar o roteiro numa conversa...
Em alguns contextos, os consultores defendem a importância de estabelecer
relações com os movimentos sociais locais valendo-se da argumentação de que, a partir
desta proximidade, os programas de compensação sugeridos poderão contemplar
algumas das demandas destes grupos. Contudo, percebemos também que essa
proximidade é, em alguns casos, condição fundamental para que o estudo , e
consequentemente o próprio empreendimento, não seja contestado judicialmente. A
antropóloga e ex-consultora Vânia, que coordenou a parte socioeconômica do estudo de
impacto de uma linha de transmissão, contou-nos a forma como conduziu o contato com
as comunidades antes da produção do EIA. Ela organizou, juntamente com um órgão do
governo federal, a realização de um seminário com lideranças quilombolas dos estados
por onde a linha de transmissão iria passar. A proposta era incluir na Avaliação
Ambiental o componente quilombola e , com isso, conseguir compensações para estas
populações. No entanto, era necessário identificar previamente as comunidades
existentes em todos os estados.
Porque se depois tem comunidade impactada e a Palmares não
se manifesta...O Ministério Público vem em cima da Palmares,
23
Socióloga. Consultora há sete anos. Atualmente desenvolve trabalhos para diversas consultorias e
empresas de engenharia. Entrevista realizada em Março de 2013, no Rio de Janeiro.
16
vem em cima da consultoria, vem em cima de todo mundo. E o
pior de tudo é a população que vai ficar sem tempo hábil para se
manifestar. Então o negócio é todo mundo tá junto, lá antes do
negócio acontecer. Porque era uma decisão já tomada.
A partir desta fala, podemos inferir que a consulta à comunidade local é
condição relevante para prevenir possíveis ações do Ministério Público, que podem
prejudicar o cronograma das obras e a imagem da empresa de consultoria no mercado.
De acordo com Bronz (2011) o padrão hierárquico nas empresas de consultorias
relaciona-se ao grau de senioridade dos consultores, que é estabelecido pela formação
profissional e experiência de trabalho na área. A hierarquia, em ordem decrescente, é a
seguinte: diretor, consultor sênior, consultor pleno, consultor júnior e assistente (Bronz,
2010). Existe uma divisão social do trabalho na qual os consultores sêniores, que
geralmente são coordenadores dos projetos, fazem incursões mais específicas ao campo,
deixando para os outros consultores grande parte da pesquisa de campo. A estes era
solicitado que:
identificassem comunidades quilombolas e tradicionais, era para
georreferenciar, mapear, pegar contatos, uma informação
mínima para a gente (consultores sênior) voltar depois e fazer
um diagnóstico específico (Vania, Antropóloga).
Honorato (2008), descreve os métodos que podem ser utilizadas pelo cientista
social e suas funções no processo de licenciamento:
Levantamento de dados qualitativos tal como entrevistas
semiestruturadas e em profundidade, registro de depoimentos
oficiais e não oficiais, e reconstrução da memória, são essenciais
para traçar a “arquitetura” deste campo de forças, identificando,
assim, demandas, reivindicações, necessidades reais e “não reais”,
etc., de forma a promover apoio e cooperação (voluntária ou não)
do empreendedor e das localidades, induzindo o
comprometimento de recursos e estratégias variadas a partir de
decisões coletivas (Honorato, 2008).
O trabalho de campo e a etnografia figuram entre os principais métodos que os
cientistas sociais dizem fazer uso em seus trabalhos para as consultorias ambientais.
Uma consultoria ambiental, cujas sócias eram cientistas sociais, ficou conhecida pela
realização de documentários sobre as atividades dos grupos que seriam impactados
pelos projetos a serem licenciados. Uma das ex-sócias explicou-nos que o audiovisual é
outra forma de abordar a população local, é, em suas palavras, “outra forma de chegar”.
“A gente também gosta de pegar o pessoal em ação ‘vamos lá seu fulano mostra aí
como é que pesca, qual é a rede que o Senhor usa’, ‘mostra a casa de farinha’.” (Marina,
Antropóloga). Em diversos processos de licenciamento coordenados por esta firma
foram realizados oficinas de vídeos, documentários e exibição dos mesmos em praças
públicas das localidades onde eram realizados os estudos.
A coleta e construção dos dados das realidades locais pesquisadas servem,
conforme os entrevistados, para subsidiar os programas de compensação e mitigação
que serão financiados pelo empreendimento. Compreender a complexidade das relações
sociais naqueles territórios seria uma tarefa para a qual não haveria outra categoria
profissional tão habilitada:
17
Se eu to trabalhando em Mato Grosso eu estudo os fluxos
migratórios e as políticas que se desenvolveram lá, para que eu
possa entender a complexidade do uso e ocupação do solo. Só o
cientista social consegue fazer isso. Aqui é oligárquico, aqui é
isso ou aquilo. Fica muito mais fácil na hora de avaliar o
impacto e propor medidas, que é a parte mais importante (Sonia.
Socióloga).
O trabalho de diagnóstico não pode ser burocrático, ele tem que
ser muito focado e muito sério de forma que quando você
termina ele, te dá todos os subsídios para primeiro entender
quais são as demandas que podem se transformar em projetos de
efetiva melhoria para aquela comunidade, porque às vezes a
comunidade quer coisas que não necessariamente vai resolver o
problema, por falta de conhecimento (Glória, Socióloga e
Consultora).
Os cientistas sociais também são chamados a elaborar os programas ambientais,
como educação ambiental e comunicação social, que são obrigatórios no processo de
licenciamento federal e outros sugeridos pela consultoria a fim de minimizar os danos
causados pelo empreendimento. Tais programas devem ser elaborados pelas
consultorias e enviados ao órgão ambiental para deferimento. Os projetos de educação
ambiental abrangem o que se chama de compensação e mitigação dos impactos do
empreendimento e atuariam, conforme Loureiro (2009) na gestão dos conflitos
ocasionados pelo empreendimento, objetivando garantir: “a ampla participação e
mobilização dos grupos afetados em todas as etapas do licenciamento e nas instâncias
públicas decisórias” (Loureiro, 2009).
A maioria destas iniciativas se iniciam com questionários e dignósticos da
comunidade que será o “público-alvo” dos futuros projetos. Para nos deter apenas aos
programas ambientais realizados para o licenciamento de empreendimentos offshore de
petróleo e gás, os consultores afirmam que os pescadores estão fartos de dar entrevistas
e participar de reuniões destes projetos de educação ambiental.
Os pescadores aqui da bacia de campos não aguentam mais.
Olha, o que batem na porta da casa das pessoas...” (Sonia.
Socióloga e Consultora).
E aí o que o órgão ambiental faz? Do ponto de vista da medida
compensatória, pede a mesma coisa em todo licenciamento!
Você chega na colônia de pescadores eles não querem responder
mais nenhum diagnóstico. As mesmas perguntas para cada
petroleira! O ógão ambiental já está careca de saber quais são as
demandas, quais são os problemas. Pede a mesma coisa para
todo mundo (Glória. Socióloga e Consultora).
Os programas de comunicação social são considerados mitigadores, pois a
divulgação de informações sobre o empreendimento tem por objetivo orientar a
população local sobre as atividades e prevenir a ocorrência de acidentes (Bronz, 2011).
Sobre os procedimentos realizados pelos cientistas sociais nesses projetos, os
consultores sêniores explicam-nos:
18
A boa comunicação social é antes da obra. Exemplo, se a obra
vai começar em fevereiro, eles têm que estar em campo em
novembro avisar os moradores. Aí a gente faz cartaz, folheto,
reunião, e tem que fazer também com prefeitos, secretaria. E aí
eles têm que fazer relatórios, eles têm que recolher todas as
dúvidas, questionamentos, problemas dos moradores e repassar
para a comunicação social da empreiteira (Sonia, Socióloga e
Cosnultora).
Uma das coisas que a gente faz é isso, junta lá 20 pessoas e fala
que vai ter poeira, óleo, vai ter poluição das águas superficiais,
vai ter trabalhador, prostituição, tudo isso vai ter. (Roberto.
Antropólogo, Professor universitário e consultor)
A “comunicação social indígena” no processo de licenciamento é específica e
ocorre concomitante ao projeto de comunicação social em geral. Para o antropólogo
Roberto ela deve garantir as condições para que os empreendedores conheçam as
particularidades da comunidade e que esta, por sua vez, conheça o empreendimento.
As especificidades da comunidade dizem respeito desde a
proibição legal da venda de bebidas alcoólicas até a fazer com
que os trabalhadores entendam que existe um conflito latente,
uma tensão interétnica (...) Basicamente é assim, esse tipo de
coisa você tem que identificar e comunicar e fazer chegar ao
trabalhador e tem que ser com autoridade: ‘Olha é crime federal
entrar em terra indígena! É terra da união!’ E é o tipo de
informação que o profissional da comunicação social não sabe
disso, quem sabe disso é o Antropólogo (Roberto. Antropólogo,
Professor Universitário e Consultor).
Na sua experiência como consultor no licenciamento de uma hidrelétrica no Sul
do País, este antropólogo elaborou e implementou um projeto de comunicação social no
qual propôs que índios produzissem o material gráfico (obrigatório em todos os projetos
de comunicação social) e realizassem palestras para os trabalhadores:
A mais impactante de todas foi uma mulher indígena (...) que
colocava o dedo na cara deles e falava da condição da vida
indígena, de como eles tinha que ser respeitados (...). E eu fiz um
papel de mediador, porque eles (indígenas) confiavam em mim,
tinha essa relação de confiança (Roberto, Antropólogo, Professor
Universitário e Consultor).
Interlocução, mediação, aproximação são os termos comumente citados pelos
consultores para explicar as suas atividades junto às populações.
Você faz essa ponte entre a empresa, população revoltosa e
movimento social que esteja ali e aí você faz análise de
demandas, o que essa população está dizendo vai levar isso para
19
empresa e qual a resposta da empresa para população24
(Julia.
Socióloga e Consultora).
Não se trata, segundo Roberto, de representar os interesses das populações
indígenas nas negociações com os empreendedores, mas em estabelecer “condições para
que os índios sentem a mesa, entendendo o contexto e aí tenha uma interlocução. Eu
não posso tomar decisões”.
Se observarmos as diretrizes propostas pela coordenadoria de Petróleo e Gás do
IBAMA25
para orientar a elaboração dos programas de educação ambiental, elas falam
que estes devem “desenvolver a organização comunitária”, incentivar a “participação
qualificada dos grupos sociais envolvidos em futuros processos de licenciamento”. O
fomento à participação política dos atores sociais que serão “impactados” pelos grandes
projetos é delegado aos agentes que fazem a gestão desses mesmos projetos. Os
questionamentos políticos dos sujeitos de direito passam pela triagem dos consultores,
entendidos como expertos nas análises sobre as causas dos problemas sociais.
As reações das comunidades ante a chegada da equipe técnica consultora
dependem fundamentalmente dos empreendimentos a serem licenciados, asseguram os
entrevistados. A recepção da equipe para o processo de licenciamento de uma usina
hidrelétrica é mencionada como a mais problemática.
O que dá menos confusão é estrada. Elas são, geralmente,
duplicação e, às vezes, tem que realocar pessoas, mas pouca
gente. A pior é usina hidrelétrica. Coloquei quatro moças lá
(município do Rio de Janeiro) que ficaram um mês inteiro
dentro da área que vai ser alagada. Elas foram cercadas homens
(...) dizendo que elas não iriam trabalhar, não iriam entrevistar
ninguém (Sonia. Socióloga e Consultora).
A pessoa viu o logo na camisa, era o logo da (nome da empresa)
e lá de trás já gritou: ‘só converso com você se for me pagar o
que a empresa está me devendo... ’ ‘Mas senhor, eu não sou da
empresa, sou consultor contratado para fazer uma pesquisa, não
faço a política da empresa, não é meu papel’. Mas até explicar...
(Julia. Socióloga e Consultora).
24
Socióloga. Consultora há sete anos. Atualmente desenvolve trabalhos para diversas consultorias e
empresas de engenharia. Entrevista realizada em Março de 2013, no Rio de Janeiro. 25
A nota técnica (CGPEG/Dilic/Ibama nº 01/10) foi publicada em 2010 e fornece linhas de ação para
orientar a elaboração dos projetos de educação ambiental. Citamos aqui duas das seis linhas de ação
popostas: A Linha de Ação A – Organização comunitária para a participação no licenciamento ambiental:
tem como objetivo a “necessidade de desenvolver processos formativos para a intervenção qualificada de
determinados grupos sociais em processos decisórios de distribuição de custos/benefícios a partir da
exploração de recursos naturais (...) Tendo em vista o direcionamento para o desenvolvimento da
organização comunitária, este foco favorecerá a participação qualificada dos grupos sociais envolvidos
em futuros processos de licenciamento”; Linha de Ação E – Projetos compensatórios para populações
impactadas por empreendimentos de curto prazo: os projetos inseridos nesta linha deverão “desenvolver
processos educativos com a participação ampla de comunidades tradicionais e/ou com baixa capacidade
de representação institucional e de organização sociopolítica, com o objetivo de diagnosticar suas
características socioeconômicas e, desta forma, identificar e hierarquizar demandas que permitam a
elaboração de projetos coletivos voltados para a melhoria das condições de vida e de trabalho nas
comunidades participantes”. Disponível em: <https://www.ibama.gov.brservicos/nota-tecnica-
cgpeg/dilic/ibama-n-01/10.>. Acesso em 10/12/2013.
20
Ao referir-se sobre as diferenças das reações dos movimentos sociais e da
população em geral a consultora e socióloga Julia afirmou que os movimentos sociais
são mais resistentes, pois “já tem uma visão diferente da coisa. Já conseguem observar o
quanto de sacanagem tem na história”. A liderança de um grande movimento que reunia
indígenas, camponeses e ambientalistas contra a construção de uma hidrelétrica no Pará
não quis recebê-los “Foi difícil a entrada com eles”.
Uma das questões feitas aos cientistas sociais entrevistados foi referente à
questão da autonomia e da dependência no seu trabalho para as consultorias. Grande
parte deles mencionou a censura ao qual são submetidos alguns relatórios que
produzem, notadamente quando estes privilegiam a fala dos atores sociais críticos ao
empreendimento. Mencionam ainda o próprio processo de trabalho controlado pelo
empreendedor, no qual as pesquisas têm um objetivo, uma data e um orçamento pré
fixado:
O tempo de campo que é pautado por um budget, um orçamento...
Essa etnografia que eu chamo de etnografia constrangida. Você
trabalha com populações rurais, ribeirinhas, tradicionais então
cada época do calendário é diferente a vida dessas pessoas, época
de chuva, de verão, você não tem essa opção de fazer um campo
na chuva, para ver como eles vivem e vou fazer um campo no
verão, mas isso não cabe dentro da consultoria (Marina,
Antropóloga e Consultora).
À época, como também hoje em dia, os consultores não possuíam qualquer
controle sobre o produto final dos estudos que ajudam a elaborar. “Eu fiz um relatório,
mas eles não me mandaram a versão final, eu não pedi também, mas eles não me
mandaram. Isso é uma coisa que acontece” (Marina, Antropóloga e Consultora). Não é
raro ouvir dos profissionais que a empresa de consultoria modificou ou retirou trechos
dos relatórios parciais ou finais por eles elaborados: “Tem empreendedor que vai querer
mexer no seu relatório, que vai querer cortar e às vezes alterar palavras também”
(Marina, Antropóloga). Segundo esta consultora, as empresas construtoras de usinas
hidrelétricas interferem mais nos trabalhos dos consultores do que as de Petróleo e Gás.
Os contratos podem ser desfeitos com alguma facilidade, caso os empreendedores
entendam que determinado consultor esteja “criando problemas”. Criar problemas
significa: “você ser crítico, você se recusar a minimizar certas coisas” (...) Os contratos
são de um ano no máximo, ou por um trabalho, os contratos já são pequenos justamente
por causa disso. O poder do empreendedor nesses processos de contrato e dispensa é
enorme “.
Os profissionais que elaboram o estudo de impacto ambiental devem ser
registrados no cadastro técnico federal de atividades e instrumentos de defesa ambiental
do IBAMA. Caso a empresa tenha feito alguma modificação no texto elaborado pelo
consultor, este pode negar-se a assinar o EIA, impossibilitando a sua apreciação pelo
órgão ambiental. Esta postura, conforme alguns entrevistados, é uma forma de se
precaver ante possíveis problemas caso alguma omissão, ou informação errada, seja
descoberta pelos órgãos ambientais ou pelo Ministério Público. “Dependendo do
tamanho da encrenca pode perder o seu registro profissional. No EIA-RIMA você se
resguarda, agora, nas outras fases...”, disse-nos Maria. A consultora refere-se às fases
nas quais o profissional elabora outros estudos ou projetos no decorrer do processo de
licenciamento, como programas de educação ambiental e outros. No caso em que as
21
avaliações ambientais incluam estudos de componente indígena, o antropólogo também
deve assinar os laudos para que sejam válidos. É, conforme narra a Marina, uma
margem de autonomia para que o estudo seja fiel às suas contribuições:
Aí você usa isso como forma de pressão, porque você tem que
assinar o relatório e colocar o seu cadastro técnico, então existe
isso também, táticas de resistência. Isso acontece de dizer que não
vai assinar, de que não legitima aquele empreendimento (Marina,
Socióloga e Consultora).
Determinadas posturas mais críticas dos consultores são penalizadas pelos
contratantes. Uma das consultoras entrevistadas afirmou que, devido ao fato de ter se
recusado atestar a viabilidade ambiental de um empreendimento hidrelétrico, não mais
foi chamada para realizar estudos para o setor elétrico nacional. Caso semelhante
aconteceu a uma empresa de consultoria do Rio de Janeiro que elaborou os estudos para
o porto de Ilhéus e por ter inserido muitos impactos no EIA apresentado ao IBAMA,
não teve o seu contrato renovado pelo empreendedor.
Entretanto, se por parte de alguns cientistas sociais há uma preocupação na
imagem enquanto profissional, quando se negam a assinar um relatório que foi
adulterado ou minimizar determinados danos que os projetos poderão causar, existe
também uma forte pressão financeira exercida pela empresa contratante ou pela
consultoria para a qual presta serviços. Esse controle externo é transformado em um
autocontrole no qual o consultor elege o que e como dizer determinadas informações
sem colocar em risco seu emprego. Uma espécie de autocensura é comum e explicada
pelas condições instáveis de trabalho. A antropóloga Marina foi sócia de uma empresa
de consultoria ambiental no Rio de Janeiro e contou-nos que a flexibilidade nos
contratos é tal que, em algumas ocasiões, as consultorias não recebem antecipadamente
das empresas, devendo mobilizar capital inicial próprio para viabilizar as pesquisas de
campo. Neste contexto, o primeiro relatório de campo ou primeiro produto elaborado
pelos consultores, tem como preocupação aprazer à empresa.
Acontece da empresa que é contratada tem que ter capital de giro
para investir no trabalho para receber a primeira parcela e, às
vezes, a primeira parcela só vem depois do campo e é
condicionada a entrega de produto, que seria a própria realização
dos estudos, o mapa tal, o relatório tal, aí depende da negociação.
E já aconteceu de ir para campo sem contrato e aí você vai no
risco (Marina. Antropóloga e Consultora).
Muitas vezes a situação não é omitida, mas é diminuída. Existe
uma subjetividade muito grande na avaliação de impacto, que é a
equipe técnica que tem que chegar ao consenso e decidir o que é
muito relevante, pouco relevante... Para quem né? Se a linha vai
passar na sua cabeça é muito relevante para você, para o
empreendedor não. Ainda tem esse ranço de diminuir as coisas.
Então a gente enfrenta muito isso, quem faz a pesquisa, quem
escreve é sensível às informações, mas, às vezes, essas
informações tem que ser abrandadas para o estudo não ser... Não
22
correr o risco de o estudo ser recusado “26
(João. Economista e
Consultor).
É importante considerar que , em algumas ocasiões, os cientistas sociais não são
obrigados a minimizar informações importantes para a garantia dos direitos da
população que será “impactada”, presente nos estudos ambientais. Todavia esta
aceitação temporária, seja por parte da empresa contratante ou da própria consultoria,
não deve ser sempre traduzida como aquiescência ao trabalho produzido pelos cientistas
sociais. As empresas ainda podem, simplismente, ignorá-los. A antropóloga Vânia
contou-nos que , embora o relatório que ela produziu tenha identificado diversas
comunidades quilombolas que seriam afetadas pelo empreendimento, “na audiência
pública o homem (diretor do consórcio construtor) teve a coragem de dizer que a
consultoria não identificou comunidades quilombolas!”.
O leque de serviços oferecidos pelas consultorias para os quais são chamados
cientistas sociais ampliou nos últimos dez anos e não se referem apenas aos processos
de licenciamento ambiental. As consultorias ambientais que possuem em seus quadros
profissionais das ciências sociais encarregam-os de todas as questões que envolvem
comunidades indígenas e tradicionais, movimentos sociais em geral e instituições
governamentais, como a FUNAI e a Fundação Palmares. Para Fernandes (2005), além
das exigências legais, os antropólogos são contratados pela relação pessoal que possuem
com determinado grupo:
Somos contratados não por nossa formação teórica, mas porque
somos antropólogos especialistas em Kaingang, Xerente,
Guarani, em comunidades remanescentes de quilombos e assim
por diante. Somos contratados por empresas depois que as
estratégias já foram traçadas. Também somos contratados por
sermos ‘especialistas’ sobre a FUNAI ou outras agências.
(Fernandes, 2005).
Parece haver no perfil do cientista social-consultor uma expertise que tornaria
possível a aproximação não conflituosa com as comunidades locais, prováveis críticos
dos grandes projetos. Se existem engenheiros ou biólogos que se especializam em
assessorar empresas a fim de que se adequem e obtenham as licenças ambientais, os
cientistas sociais poderia tornar a empresa apta a conseguir sua “licença social para
operar”. Vejamos algumas falas dos consultores entrevistados:
Pode prejudicar o processo se a pessoa que está ali fazendo a
intermediação, que está à frente não tem essa formação ou essa
sensibilidade e já chega ali achando que eles são um entrave, ‘ah
vou te dar alguma coisa... ’ já começa a dar tudo errado e a
comunidade pode se voltar contra, e pode nem acontecer né?
Eles têm poder de não deixar prosseguir o empreendimento...27
(Lívia, Socióloga e Consultora).
Não é chegar num igreja e dizer vai passar uma linha de
transmissão aqui. Você tem que levantar ver como eles se
26
Economista. Funcionário de uma empresa de consultoria ambiental. Entrevista realizada na sede da
consultoria em março de 2013, no Rio de Janeiro. 27
Socióloga. Consultora há 10 anos. Trabalha para uma empresa de consultoria ambiental. Entrevista
realizada em março de 2013, na sede da empresa.
23
reúnem conversar, dizer; ‘olha, mas em compensação a gente
vai fazer isso e aquilo’, por isso o cientista social (Sônia.
Socióloga e Consultora).
A gente é treinado de certa forma a ter certas estratégias de
abordagem social, como se portar (...). A gente tem algumas
técnicas de apresentação social. Tem, como que vou dizer a
expertise para chegar nessa população. Não é uma contratação
inocente. Eles pensam exatamente qual é o cara que tem a
expertise para chegar numa população da comunidade que vai
ser realocada dentro do projeto (Julia, Socióloga e Consultora).
Quando existe um histórico de mobilização social no território onde o projeto
será implantado, geralmente fruto dos impactos e danos ocasionados por outros
empreendimentos já instalados, alguns sociólogos e antropólogos realizam, antes do
início do EIA, o que eles chamam de “levantamento prévio dos conflitos”. A socióloga
JULIA foi contratada para elaborar o EIA para o licenciamento de uma barragem no Rio
Grande do Sul no mesmo território onde uma grande usina hidrelétrica já estava em
funcionamento. Este levantamento consistiu, segundo sua descrição sumária, na leitura
de textos acadêmicos e outras publicações sobre os conflitos que envolveram a
construção da primeira barragem. Em sua experiência não houve uma incursão a campo
para o levantamento destes conflitos. “Fiz o levantamento de conflitos, e já preparei
para aquilo que a gente ia enfrentar. Chegou lá o trabalho não foi tão complicado assim
(...)” ·.
Desconhecidos de grande parte dos entrevistados, os chamados estudos de “risco
social corporativo” foram mencionados por apenas três entrevistadas. Duas
antropólogas e uma socióloga. As antropólogas já foram consultoras, mas atualmente
são funcionárias de grandes empresas, uma do setor mineração e a outra de uma
empresa estatal de energia elétrica. A socióloga Glória exerce atividades de consultoria
há 20 anos e presentemente trabalha em uma grande consultoria norte-americana. Sua
explicação sobre os riscos sociais é semelhante aquela que encontramos em publicações
internacionais sobre o tema:
O risco social para o negócio é a possibilidade de alguma
manifestação, algum conflito que comprometa o andamento do
seu projeto (...) você a qualquer momento pode ter algum evento,
alguma coisa que inclusive faça o Ministério Público entrar com
Ação Civil Pública, parar a obra (Glória. Socióloga e Consultora).
A equipe com a qual esta consultora realizou os estudos de risco social era
composta, basicamente, por sociólogos, antropólogos e geógrafos. Normalmente tais
estudos estão associados ao processo de licenciamento, mas nem sempre.
Como vimos no primeiro capítulo, a categoria “risco social corporativo” está
ligada à noção de “stakeholder” e os projetos de “engajamento de stakeholders”
constituem uma etapa dos estudos de “risco social”. Ainda que tais projetos não
envolvam o termo “risco social”, a idéia de que a movimentos sociais críticos à empresa
possam influenciar negativamente o andamento dos negócios está presente em todos
24
que tivemos acesso28
. O setor de mineração é aquele que comumente contrata
consultorias para realização de programas de “engajamento de stakeholders”, mesmo
em casos que as suas atividades já foram licenciadas. Se as empresas solicitarem
financiamento para suas obras aos bancos signatários dos “Princípios do Equador” elas
também serão obrigadas a desenvolverem estes programas.
Para compreensão de como são desenvolvidos na prática, transcrevemos aqui
uma parte da entrevista com a socióloga Glória que descreveu algumas etapas do
trabalho e a forma como conduz estes estudos. Não se trata de um padrão, pois o
“engajamento de stakeholder” pode ser feito a partir de variadas metodologias.
Conforme as experiências que coordenou, estes estudos têm em sua primeira etapa em
um mapeamento de stakeholders, no qual as lideranças locais são identificadas: “A ideia
é mapear os diferentes setores que tem algum nível de organização, seja institucional no
nível de associação, sindicato, associações comerciais.” É importante não “discriminar”
nenhum grupo social, coletando as informações pró e contra a empresa ou
empreendimento a ser construído. Após este “mapeamento inicial”, realizam-se diversas
reuniões e oficinas separadas por “setor de interesse”. A partir destas reuniões elabora-
se um “diagnóstico da demanda dos diferentes grupos”.
Depois começamos a discutir as causas dos problemas (...) Você
é o porta voz de todas as lamúrias, depois você começa a limpar
as lamúrias para começar a delinear os problemas. Aí você
consegue fazer essa conexão do que é problema e do que é causa
do problema você consegue discutir soluções possíveis e depois
quem são os responsáveis, porque dependendo do problema
você tem as instituições públicas (...). O engajamento é no
sentido de trazer as pessoas à responsabilidade para ter o
interesse em saber o que está acontecendo, para a aprender a
cobrar a quem de direito. É muito além do empreendimento
propriamente dito e isso que os empreendedores ficam muito
preocupados. Porque também tem interesse da política
local(Glória. Socióloga e Consultora).
Nesta descrição, percebemos que os consultores examinam diversas esferas da
política local, avaliam, qualificam os problemas que consideram relevantes e
apresentam algumas soluções. Organizam a quem as críticas devem ser dirigidas e de
que forma devem ser apresentadas. Todo esse processo é financiado e avalizado pela
empresa que concentra grande parte dos recursos do território.
Observamos que, em grande parte dos casos, é o consultor quem sugere a
empresa que o contratou a realização de programas de “gestão de risco social” e/ou
“engajamento de stakeholders”. Parte fundamental de sua função é convencer as
empresas de que tais estudos são fundamentais para a segurança política e econômica do
projeto. Os estudos adicionais e programas propostos, além daqueles solicitados pelo
órgão ambiental, não são facilmente aceitos pelos empreendedores. Conforme a
consultora mencionada acima, as empresas só contratam este serviço após a emergência
de algum conflito social: “A grande maioria só se movimenta quando já deu problema,
28
Nas entrevistas ; no curso do Instituto Ethos e nas publicações e manuais sobre “engajamento de
stakeholders” consultados.
25
eu não conheço ninguém que foi proativo nesse sentido29
”. As perdas financeiras e
desgastes reputacionais são os principais argumentos utilizados para convencer os
empreendedores a aceitar as recomendações adicionais das consultorias.
Ainda que os outros consultores entrevistados nunca tivessem trabalhado em
estudos ou projetos de gestão do “risco social”, encontramos nas suas argumentações e
em algumas informações sobre os seus trabalhos expressões que remetem a concepção
de “risco social” tal como explicada no capítulo I. Vejamos os seguintes exemplos:
Atualmente tem uma grande mobilização do Ministério Público
para avaliar os estudos. Então se não pega pelo INEA, pega pelo
MP. Como normalmente o interesse do cliente é licenciar,
quanto menos problemas melhor (...) Você corre o risco de uma
ação do MP, criação de um problema enorme (Maria. Socióloga
e Consultora).
Eu recebi uma proposta para ser a relações comunitárias para
uma empresa de usinas eólicas na Bahia, para morar em Caetité.
Eu seria a pessoa para fazer a relação com as comunidades.
Seria fazer o deslocamento, apresentar para eles o que é um
parque eólico (...) Parque eólico é algo que remove muitas
pessoas, então você tem que ter uma boa relação com as
comunidades que vão ser removidas ou que vão habitar próximo
ao parque eólico, que vão ter alguma restrição de passagem
(Julia, Socióloga e Consultora).
O empreendedor não quer ter problemas e nesse ‘o
empreendedor não quer ter problemas’ é que você ganha espaço
para fazer a diferença, eles ficam com medo de ação na justiça,
eles morrem de medo de índio, de quilombola, de MAB. E aí a
gente conseguiu convencer os caras a fazerem um processo de
compensação com as comunidades (Marina30
, Antropóloga e
Consultora).
Em muitas ocasiões, como narram os entrevistados, a consultoria é aquela que
primeiro chega ao território, é ela – e não o Estado - quem leva as primeiras
informações sobre os projetos econômicos. Alijadas do processo de planejamento dos
territórios em que vivem, as populações são apenas informadas sobre os danos que tais
empreendimentos, causarão aos seus modos de vida. A consultoria é quem definirá as
áreas de estudo, as populações que deverão ser “ouvidas”, o formato dos programas de
compensação e a quem eles serão destinados. A explicação sobre a dinâmica do
licenciamento e os papéis desempenhados pelas instituições públicas, as informações
sobre os direitos que a população que será “impactada” possui e o que podem fazer para
que estes direitos sejam respeitados são tarefas que os consultores entrevistados
comumente desempenham.
Os consultores acreditam que ao passarem alguma informação “proibida” do
projeto ou de, discretamente, incitá-los a solicitarem determinadas compensações ou se
29
Socióloga. Funcionária de uma empresa de consultoria internacional. Atua em consultorias ambientais
há mais de 20 anos. Entrevista realizada em abril de 2013, no Rio de Janeiro. 30
Consultora autônoma, está no ramo há sete anos. Formada em ciências sociais, cursa o mestrado em
antropologia. Entrevista realizada em março de 2013, no Rio de Janeiro.
26
articularem com outros grupos sociais contribuem para o “protagonismo social”,
“empoderamento” para uma politização das populações locais:
Se juntem, façam uma organização de moradores para poder
questionar certas coisas, pleitear certas coisas, vocês tem direitos,
o Movimento dos Atingidos por Barragem está logo ali (Julia.
Socióloga).
O interessante é que a consultoria permite que, ao tratar com as
comunidades, você passe informações para eles, crie fóruns, crie
ambientes em que as pessoas se empoderem lá e entendam o que
está acontecendo, conheçam o INCRA, o DNIT, o MPF, a
consultoria acaba sendo um veículo para disseminar informação e
empoderar de alguma maneira (Roberto. Antropólogo, Professor
Universitário e Consultor).
Neste estado de coisas, alguns dos direitos fundamentais dos povos e
comunidades tradicionais, assaz ameaçados pelo avanço das atividades industriais em
seus territórios, tal como a informação sobre as alterações que acontecerão no território
em que vivem, depende, em parte, do trabalho daqueles que são financiados pelas
mesmas empresas que pressionam estes direitos. O acesso a este direito transforma-se
em um serviço que é oferecido no mercado, sujeito a variação de preços, rompimento de
contratos, pressões para o cumprimento de prazos e autocensura nos estudos para
manter a imagem e a competitividade da consultoria.
3.1 O trabalho dos profissionais de ciências sociais nas grandes empresas
Como funcionários fixos de grandes empresas nacionais e multinacionais, os
profissionais de ciências sociais podem atuar em diversas frentes. Acreditamos ser
possível classificar as suas atuações no mundo corporativo em quatro categorias. São
elas: os estudos e assessorias sobre o comportamento do consumidor31
; aquelas que
envolvem questões organizacionais das corporações; a gestão das relações de trabalho
nas empresas e a atuação mais diretamente relacionada com as condições de
transformação da natureza para a produção capitalista de produtos e serviços, que é
objeto desta pesquisa.
Para verificar a demanada destes profissionais analisamos as vagas de trabalho,
disponíveis entre 2009 e maio de 2013, em empresas cujas atividades produtivas
dependem fortemente de recursos distribuídos no território a partir de uma base de
busca de empregos relacionados ao meio rural (http://www.agrobase.com.br).
Selecionamos e analisamos aquelas que mencionassem cientistas sociais como uma das
formações superiores desejáveis. Os cientistas sociais eram cotados para o
preenchimento de empregos como: Analista de Responsabilidade Social Pleno; Analista
de Desenvolvimento Sustentável Pleno; Analista de Sustentabilidade Pleno e Júnior. A
nomeação dos cargos varia de acordo com a empresa contratante. “Geografia, biologia,
economia, comunicação social, psicologia, relações públicas também estão entre as
formações superiores desejáveis para estes cargos”. Em sua maioria as descrições
31
O trabalho de profissionais das ciências sociais como analistas do comportamento dos consumidores é,
no âmbito dos usos corporativos, o mais conhecido. As empresas interessadas em incrementar as vendas
de seus produtos contratam os serviços dos cientistas sociais especialistas na realização de pesquisas de
mercado. Disponível em: http://exame.abril.com.br/revista-voce-sa/edicoes/180/noticias/antropologos-
corporativos?page=2 Acesso em 27/06/2013
27
incluem “áreas afins” após a listagem das formações requeridas. Identificamos que as
empresas do setor de Mineração foram aquelas que mencionaram, com maior
frequência, as ciências sociais entre as formações superiores desejáveis para integrar o
quadro de funcionários. Dentre as atribuições exigidas aos profissionais contratados,
estão:
Âmbito Governamental e
das Normas
Internacionais
Comunidades Na empresa
“Atuar como relações
governamentais e
institucionais no nível
municipal”;
“Participar ativamente
dos programas que
envolvem a empresa e a
comunidade do entorno”;
“Monitorar e auditar todos
os projetos implantados da
área de sustentabilidade e
fazer relatórios de
acompanhamento”
“Monitorar os processos de
licenciamento de projetos
que tenham interação com
Povos Tradicionais
Acompanhamento da
vulnerabilidade social e
ocupação irregular”
“Promover e disseminar
tecnologias sociais”
Realizar pesquisa junto aos
órgãos nacionais e
internacionais sobre boas
práticas e processos em
discussão pelos
stakeholders
Realizar pesquisas e
preparar relatórios sobre
povos tradicionais
“Acompanhar e monitorar
orçamento destinado para
os projetos com Povos
Tradicionais, garantindo o
cumprimento de prazos e o
atendimento de demandas
previstas”
Relacionamento com
órgãos de governo
relacionados aos processos
de licenciamento e
relacionamento com Povos
Tradicionais”
“treinamento para
funcionários e
contratados sobre Povos
Tradicionais”
Apoiar as áreas jurídica,
meio ambiente,
comunicação e imprensa
nos processos de obtenção
de informações para apoio
às atividades
“Apoiar a elaboração de
reuniões com diversos
públicos para apresentação
de impactos do
empreendimento”,
“Acompanhamento da
Migração”;
“Gestão da informação,
políticas e programas de
sustentabilidade”
“Atuação na
implementação de ISOs
16000/2600032
/SA 800033
”
“Identificar
oportunidades de
melhoria dos níveis de
empregabilidade”; “
“Apoiar o desenvolvimento
de análises e propor
posicionamentos
estratégicos para temas
críticos de sustentabilidade
identificados”
“Desenvolver estreito
contato com algumas das
“Desenvolver estreito
contato com algumas das
“Levantar sistematicamente
as demandas que ponham
32
A ISO 26000 é uma norma Internacional, não certificadora, que estabelece diretrizes sobre
Responsabilidade Social. 33
A SA 8000 é uma norma internacional que especifica requisitos de responsabilidade social. É baseada
baseada em convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e em outras convenções das
Nações Unidas (ONU).
28
principais partes
interessadas”;
“implementar metodologias
de engajamento com partes
interessadas”.
principais partes
interessadas”;
“implementar
metodologias de
engajamento com partes
interessadas”.
em risco o desenvolvimento
das operações ou que
exponham a imagem da
empresa ou, ainda, que
resultem em passivos”
------
“Atuar no
desenvolvimento das
comunidades das regiões
que estão sob influência
da empresa através da
execução de projetos,
convênios e ações de
empreendedorismo”
Realização de auditorias
internas de Sustentabilidade
e Realização de auditorias
de Sustentabilidade em
Fornecedores”;
Para uma empresa multinacional de mineração alguns requisitos desejáveis aos
candidatos a vaga eram bem específicos, tais como: conhecimentos sobre os povos
Xikrin do Cateté, Gavião Parkatêjê e Kyikatêjê e outras etnias e sobre comunidades
quilombolas do Pará, Maranhão e Minas Gerais.
Os seguintes perfis eram exigidos aos profissionais interessados nos cargos
mencionados: “Apresentar postura propositiva e apoiar iniciativas que otimizem os
processos relacionados ao relacionamento com Povos Tradicionais”; “Identificar e lidar
com assuntos de forma pró-ativa e persistente, desenvolvendo e executando planos para
atingir resultados”; “Capacidade pesquisa e análise”; “Adaptabilidade, flexibilidade,
análise/ solução de problemas’; “Experiência em relacionamento com comunidades”;
“Experiência em elaboração jornal, reuniões públicas, audiências, etc.”;
“Conhecimentos legislação Socioambiental”;“Experiência em Processos de
licenciamento, estudos etno-ecológicos, diagnósticos socioeconômicos”; “Experiência
em representação sócio institucional e relacionamento com comunidades”;
“Conhecimento de metodologias de engajamento com partes interessadas”;
“Conhecimento das teorias contemporâneas de responsabilidade socioambiental e
sustentabilidade”.
A socióloga e funcionária de uma grande empresa de Petróleo e Gás, Amanda,
conta que quando foi contratada a formação em ciências sociais não era a única
solicitada para o preenchimento da vaga. Em resposta a pergunta sobre o que a empresa
exigia de uma cientista social, ela respondeu que os outros funcionários da empresa,
inclusive seus superiores, desconhecem a função de um cientista social.
Eles não têm ideia do que isso é. Aqui dentro não tem. Em muitas
empresas, e aqui também, nós estamos na área de comunicação
(...) O nome é relações institucionais com governo e com
comunidades, vulgo comunicação (...) porque a gente faz
comunicação com a mídia, com o governo. As consultorias
entendem muito mais para que sirva um sociólogo do que uma
empresa (Amanda, Socióloga).
Todas as quatro sociólogas e antropólogas funcionárias de grandes empresas
afirmam que a grande dificuldade que encontram é o preconceito de outros
29
profissionais, notadamente engenheiros, em relação ao seu trabalho. Vania, antropóloga
e funcionária da empresa de mineração brasileira diz que foi contratada para
desempenhar tarefas internas a gerencia, oferecer cursos para os outros funcionários etc.
“Hoje em dia meu papel é um pouco fazer a catequização desse povo34
”.
Você chega para um engenheiro: ‘Olha isso aqui é um território
étnico’. Aí o engenheiro diz: ‘o que? Que território étnico, isso
aqui é terra e pronto e acabou’ (...) é sofrível porque a primeira a
ouvir as coisas horríveis sou eu. Chamam a gente de hippie, a
gente é meio ET dentro da empresa (Vania, Antropóloga).
A funcionária da empresa de Petróleo afirma que seus superiores na hierarquia
da firma desejam que ela promova relações entre atores sociais estratégicos, como
agências governamentais regulatórias, ministério público : “O que eles querem do
investimento social é que ele suporte o bussiness fazendo relação com a agência
regulatória, fazendo relação com IBAMA (...) com interesse que ele me dê uma licença
de operação.” Embora tenha um posicionamento distinto da empresa, no que tange o
objetivo do investimento social, Amanda compreende os interesses dos gerentes da
companhia e concorda com o fato de que as comunidades de pescadores estão longe de
serem os atores, ou “stakeholders” mais relevantes para a empresa. Em raciocínio
semelhante ao dos teóricos do modelo Stakeholders Salience, não são eles quem
realmente contam “é o órgão regulador, que é o que pode me multar e parar minha
operação (...) a comunidade influencia muito pouco. Essa é a grande questão. A
comunidade influencia muito pouco, sei lá, a secretaria municipal do município X, Y, Z
que eu impacto, menos ainda”.
Ainda que existam profissionais das ciências sociais no quadro de funcionários
da empresa, grande parte do trabalho nomeado de “responsabilidade social” é executado
por consultores contratados. Uma grande mineradora brasileira, mesmo tendo em seus
quadros diversos cientistas sociais, contratou uma consultoria especializada em
antropologia. Atualmente, trabalham na gerencia de responsabilidade social desta
empresa quatro antropólogos e todos estes profissionais “tem experiência com
indígena”, assegurou a entrevistada. Esses profissionais permanecem na sede da
empresa, mas existem outros profissionais desta gerência, inclusive cientistas sociais,
que trabalham nos territórios onde a empresa opera as minas.
Acreditávamos ainda no início da pesquisa, que os gerentes de grandes
empresas, munidos de um conhecimento prévio, ainda que caricaturado, das funções de
um cientista social contratavam-nos para estudar, gerenciar e arrefecer os conflitos
ambientais nos territórios em que operam ou pretendem operar. É verdade que
selecionam profissionais para granjear o apoio da população local ao empreendimento;
entretanto, não procuram por sociólogos, antropólogos , especificamente. As empresas
que selecionam nomeadamente estes profissionais o fazem por já possuírem essas
categorias em seus quadros, e – em alguns casos- são os funcionários sociólogos e
antropólogos que elaboram o perfil desejável para as próximas contratações de seus
pares. Assim, o oferecimento de vagas para sociólogos e antropólogos nas empresas do
perfil estudado não se caracteriza enquanto fenômeno generalizado. Porém, é certo que
todas elas vêem-se levadas a contratar, em algum momento, os serviços destes
34
Antropóloga e ex-consultora. Funcionária de uma grande empresa de Mineração. Entrevista realizada
em abril de 2013, no Rio de Janeiro.
30
profissionais se o local onde almejam implantar-se é um território ocupado por povos e
comunidades tradicionais.
Uma análise sobre a teoria nativa dos funcionários das empresas e dos
consultores sugere que existe uma crença de que suas ações têm o poder de promover
uma maior equidade na implantação dos projetos econômicos. Ao ouvirmos dos nossos
entrevistados frases como: “tenho que achar saídas para que os índios não saiam
perdendo totalmente. Que eles, pelo menos, sejam beneficiados com programas
efetivos”; “Não podemos frear esse modelo, é simplista achar que pode frear. Tem que
ser pé no chão”; “Estamos lá para garantir o mínimo de justiça no licenciamento”;
compreendemos que estamos diante de uma perspectiva de irreversibilidade dos
processos sociais que constituem o quadro do desenvolvimento econômico no país. A
ordem do inexorável, do que não se pode refutar, é justificativa corrente. Nos termos do
filósofo Jaques Ranciére, conforma-se e propaga-se uma opinião em que há poucas
coisas pelas quais podemos deliberar e de que as “decisões se impõem por si mesmas,
sendo o trabalho próprio da política apenas o de adaptação pontual às exigências do
mercado mundial e de uma distribuição equitativa dos lucros e dos custos dessa
adaptação” (RANCIÉRE, 1996; p.10). O estudo deste caso específico pode dizer algo
sobre um processo mais geral em que os atores sociais que contestam o atual modelo de
desenvolvimento econômico são incitados, ou mesmo constrangidos, a enquadrarem
suas críticas e lutas pela garantia de direitos nos marcos do que os empreendedores , e
os agentes por eles financiados, compreendem como politicamente viável.
Reflexões Finais:
A contratação dos cientistas sociais por agentes empresariais estaria relacionada
a uma determinada expertise relacionada ao mundo social. Mais do que outros, porque
dotados de um saber sobre as organizações e dinâmicas sociais, os cientistas sociais
poderiam ser capazes de potencializar a obtenção de consensos nas populações.
Exerceriam eles, nesses espaços, a função de engenheiros sociais, na compreensão de
Bourdieu, pois teriam como objetivo primordial o fornecimento de lucros aos dirigentes
das empresas privadas, ao “racionalizar, no duplo sentido, a dominação , capaz ao
mesmo tempo de reforçar os mecanismos que a assegurem e de a legitimar” (Bourdieu,
2003). Semelhante à análise de Ferguson (1994) no Lesoto, a respeito dos projetos de
desenvolvimento que entendiam a pobreza como uma questão técnica e não política, ao
tratar os conflitos ambientais como resultantes de um problema que pode ser
gerenciado, ou mesmo resolvido, por um conjunto de técnicas e programas
padronizados, o uso das ciências sociais na implantação de grandes projetos
colaborariam para o funcionamento desta “máquina anti-política”, que pretende
substituir por medidas técnicas e produtivas os juízos políticos dos sujeitos sociais.
Em verdade, o conhecimento produzido pelos cientistas sociais nestes espaços
corporativos é qualificado, tanto pelas empresas, órgãos ambientais e pelos próprios
consultores, como técnico:
A gente é chamado de técnico, o nosso saber é qualificado como
técnico, isso nos diferencia da academia, e o que isso significa,
no fundo? Que ele vai ser mais superficial, mais operacional,
que ele tem que trazer um saber mais de execução de projeto,
para viabilizar o projeto (Marina. Antropóloga e Consultora).
31
Este uso administrativo das ciências sociais transforma o trabalho de campo e a
etnografia em atividades técnicas, em processos “de observação, quantificação e coleta
de dados e gravação de testemunhos diretos. A antropologia é reduzida a um método
formal em lugar de uma prática interpretativa” (Morris, 2003, 141 apud Zhouri, Olveira,
2013).
A ciência social é vista, nestes espaços, enquanto uma tecnologia, que ora avalia
os impactos que irão causar os grandes projetos e ora é chamada a gerenciar os conflitos
resultantes desses impactos. Configura-se um processo pelo qual a ciência social é
compreendida como elemento integrante da cadeia produtiva de valor nessas empresas
ao ser chamada a promover a estabilização política do território em que a empresa está
situada. Em uma configuração social como esta, a garantia dos direitos é contabilizada
como custo, a conquista de outros direitos é calculada como risco e a consideração ou ,
principalmente, a tentativa de negociação desses direitos, são convertidas em prestações
de serviços. Acreditamos que esta espécie de instrumentalização empresarial da ciência
social pode ter importantes repercussões na construção de um conhecimento crítico.
Através de uma reflexividade sobre essas práticas, ainda obscurecidas na discussão
intelectual, recolocamos algumas perguntas fundamentais: À quem serve a sociologia?
À quem serve essa ou aquela sociologia? Ou principalmente, a quem ela não deve
servir? (Lahire, 2002).
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