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3DOMINGO, 10 DE NOVEMBRO DE 2013 A GAZETA

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Voz embusca devitórias

A cantora Jullie, a capixabaque disputa o prêmio máximonesta edição do programaThe Voice Brasil, busca maisuma vitória: “Meu sonho éviver de música.” Página 6

RAIOS X EM PRESÍDIOSAPARELHOS SUSPEITOSDE CAUSAR ABORTOSGrávidas passaram até seis vezes pela vistoria com radiaçãoVILMARA FERNANDES

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O uso de aparelhos de raiosX na vistoria de pessoas empresídios capixabas – co-nhecidos como bodyscan-ners – é suspeito de causarproblemas de saúde, in-cluindo abortos. Mais de 20mulheres que foram a uni-dadesprisionaisparavisitarparentes acreditam que aperdadeseusbebês,nospri-meiros meses de gestação,decorrem do uso inadequa-do dos equipamentos.

A denúncia foi feita peloConselho Regional de Téc-nicos em Radiologia – quefez um documentário comas mulheres que perderamos bebês – a vários órgãos.Entreas instituiçõesquere-ceberam o material está oMinistério Público Esta-dual, eopromotorMarceloZenkner adiantou que estáanalisando o caso.

MANIPULAÇÃOOs aparelhos usados na

PenitenciáriadeVilaVelhaI (PEVVI), em Xuri, e noCentrodeDetençãoProvi-sória II (CDPVII), em Via-na, são manipulados porpessoas sem habilitação.

Por não terem conheci-mento técnico na leituradas imagens, agentes peni-tenciários submeteriam vi-sitantes a exames inade-quados. “Há casos de pes-soas que passaram até seisvezespelamáquina”,relatao presidente do Conselhono Estado, Marcos Neppel.

O problema ocorrequando agentes suspeitam

dotransportedeobjetosile-gais, como drogas ou celu-lares, nas cavidades do cor-po. “Desconhecem a anato-mia humana, interpretamumfetocomoumamanchae presumem que possa serdroga”, diz Neppel, acres-centandoquearepetiçãodoexame não melhora a qua-lidadedaimagem.“Subme-tem as pessoas a sucessivasdoses de radiação”, diz.

SURPRESAEm fiscalizações feitas

em junho e agosto, o fiscaldo conselho Josiel de Oli-veira identificouvárias irre-gularidades. Além da au-sência de técnico em radio-logia, as máquinas estãoinstaladas em locais inade-quados, equemasmanipu-lanãoutilizaequipamentosde proteção. “Para minhasurpresa, um dos diretoresnão sabia nem que o apare-lho emitia raios X”, relatou.

A ele agentes relataramque, após o exame, os visi-tantes aguardam a visita-ção ao lado da máquina.“Como não há proteção noespaço,continuamsujeitosà radiação”, lembra Josiel.

Entreosdocumentosquecompõem a denúncia estáumofíciodadireçãodeumaunidade,determinandoquegrávidas e crianças passempelas máquinas até após avisita.Quemserecusatemodireitoàvisitaçãosuspenso.“Vim de tão longe, o que fa-zer?”, desabafou Ana, queperdeu um bebê no segun-domêsdegestação.Ela, co-mooutrasentrevistadas, re-

REPORTAGEM ESPECIAL

gazetaonline.com.brDocumentário com mulheres queperderam seus bebês.

cebeu nome fictício por te-mer por sua segurança.

O presidente da Socie-dadedeGinecologiaeObs-tetrícia do Estado (So-goes), Henrique Zacarias,explica que gravidez nãocombina com raios X. “Obom-sensoéqueseevite.Equanto mais precoce for agravidez maior a probabi-lidade de afetar o desen-volvimento do feto”, disse.

Para evitar que a gravi-dez fosse afetada, a adoles-cente Silvana – hoje noquinto mês de gestação –enfrentouumabatalhae fi-couatésemvisitarseucom-panheiro. Ao conselho, suamãe contou que, mesmoapresentando os exames,foiexigidoqueagarotapas-sasse pelo bodyscanner.“Ela não aceitou, seguindoorientação médica, e as vi-sitas foram suspensas.”

Já Sônia não teve alter-nativa. “Passei umas trêsou quatro vezes pela má-quina. Algumas semanasdepois, perdi o bebê. Fica-ram o vazio e a revolta.”

Neppel reconhece queaparelhos são importantespara segurança dos presí-dios, mas avalia que preci-sam ser mais bem utiliza-dos. “Para evitar problemasà saude de terceiros.” Eleacrescentaterrecebidorela-tos de que agentes brincamcom o aparelho, examinan-do colegas. “Esquecem-sedas doses de radiação.”

CARLOS ALBERTO SILVA

O bodyscanner é utilizado na Penitenciária de Vila Velha I (PEVVI), em Xuri

Documento:AG10CACI003;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:09 de Nov de 2013 13:25:54

4 CIDADESA GAZETA DOMINGO, 10 DE NOVEMBRO DE 2013

DEPOIMENTO

“QUERIAM QUEEXPLICASSE O QUEERA A MANCHA”

Janaína(nome fictício)24 anos

“Todas as vezes emque vou ao presídio pa-ra visitar meu maridopasso umas cinco vezespela máquina. Às vezesaté na saída. Numadessas ocasiões, suspei-tava de que estava grá-vida. Sem o exame pa-

ra comprovar, os agen-tes queriam que eu ex-plicasse o que era amancha que estavamvendo na minha barri-ga. Mostravam a ima-gem e queriam, a todocusto, que falasse o queera. E me ameaçavam,

REPORTAGEM ESPECIAL

dizendo que deveriaser droga. Quando con-firmei a gravidez, leveio exame, mas não acre-ditaram. Para visitarmeu marido, tive quecontinuar passando pe-la máquina. Algumasvezes, após o exame,

ainda me encaminha-vam para uma revistamanual, onde é feito oagachamento para pro-var que não há drogano corpo. Em agosto,fiz um ultrassom. Esta-va com quase três me-ses, mas o médico disse

que minha gravideznão iria vingar. O bebêestava com problemasde má-formação. Sema-nas depois aconteceu oaborto. Fiquei revolta-da. Não bastasse oconstrangimento, ain-da perdi meu filho.”

“REGISTREI E, DEPOIS,ENTERREI O MEU BEBÊ”Vítima de aborto, empresária suspeita da vistoria em presídios

VILMARA [email protected]

Após quatro anos de tenta-tivas, a administradora deempresasMaria,de35anos–quepediuparanãoterseunomerevelado–,finalmen-te conseguiu engravidar.Um gestação que foi acom-panhada com muito cuida-do. “Optamos por fazer to-do o acompanhamentoparticular para não termosproblemas”, relatou. O so-nho foi interrompido emabril por um aborto, quan-do ela caminhava para osseis meses de gestação.

Maria é uma das mulhe-resquesuspeitamdequeosraiosxnospresídioscapixa-bas possam ter causado aperda de seu bebê. “Regis-treionascimentodomeufi-lho e enterrei o bebê nomesmo dia”, relata, emo-cionada, com as certidõesdenascimentoedeóbitoda

BERNARDO COUTINHO

Maria, que fez várias visitas a um detento no Estado, guarda todos os exames da gestação perdida

criança nas mãos.Nosmesesqueantecede-

ram o aborto, ela mantinhaarotinadevisitarumparen-te num presídio, a cada 15dias. Em todas as ocasiões,passou pelo bodyscanner.“Não imaginei que isso pu-desseacontecer.Sónãopas-sei pela máquina no últimomês, quando outra mulherfez o alerta”, relatou Maria.

Até isso ocorrer, os exa-mes indicavam que sua gra-videz estava bem. “Era umafelicidade só. Um bebê mui-todesejado”,diz,mostrandoos exames de seu filho. “Eraum menino”, acrescenta,com a voz embargada.

Segundo seus médicos,não houve infecções ou ou-tro problema que justifi-quem o aborto. “Nada queexplique o que aconteceu”,falaMaria.Paraela,temsidodifícilretomarasidasaopre-sídio. “Só restou a revolta.”

Radiação já é usada em vários setoresParaapresidentedoCon-

selho Nacional de Técnicosem Radiologia (Conter),Valdelice Teodoro, apare-lhos de radiologia têm sidoutilizados de forma indis-criminada em vários seto-res: do controle de alimen-tosaportoseaeroportos.E,na maioria desses casos,manipulados por pessoassem habilitação. Mas háuma diferença no caso dospresídios, diz Valdelice:“Nos aeroportos, você pas-sa a bagagem pelos apare-lhos; nos presídios, é o seucorpo”.Confiraalgunspon-

tosdaentrevista concedidapor ela na última semana,durante seminário do Con-selho realizado no Estado.

EXPERIÊNCIAPassei pela amarga ex-

periência de perder um fi-lhoporcausadaradiação.Trabalhava em um setorde radioterapia. Fiqueiafastada nos três primei-rosmeses,masdepoistiveque voltar. Isso afetoumeu bebê, que nasceumorto. A placenta enve-lheceuantesdotempode-vido à radiação.

MALESO uso de aparelhos de

raios x para vistoria empresídios não é um proble-ma só do Espírito Santo.Hoje,ondesevai seencon-tra um equipamento decontrole que usa radiação,a maioria manipulada porguardasdesegurança,semnenhumconhecimentoso-bre a imagem. É grave pes-soas sem formação cientí-fica, que não conhecem asnocividades da radiaçãoexporem pessoas de umaforma irresponsável, cau-sando males à saúde.

EXPOSIÇÃOO nível de exposição

considerado ideal é de 20milisievert (medida de ra-diação) a cada cinco anos.Mas a radiação não é comoum medicamento que vocêtomaeapósalgumtempooefeito passa. Ela tem efeitoestocástico,ouseja,vaisen-do acumulada no seu orga-nismo,desdeoseuprimeiroexame, ainda na infância, epode trazer consequênciasaté a terceira geração.

LEGISLAÇÃOA Comissão Nacional de

Energia Nuclear (CNEN) éo órgão responsável, auto-rizado pelo governo fede-ral, paraacompanharondeestão os equipamentos e asfontesdematerial radioati-vonopaís.Masultrapassouseus limites ao emitir umparecersobreadosagemderadiação dos aparelhos uti-lizados no aeroportos, di-zendo que era baixa e que,por isso, os equipamentospoderiam ser manipuladospor pessoas não habilita-das. Mas não emitiram no-vo parecer para os apare-lhos que agora estão sendo

utilizados nos presídios. Ehá uma diferença: nos ae-roportos você passa a suabagagem pelos aparelhos;nospresídios,é feitaaleitu-ra do seu corpo. É você queestá exposto à radiação.

FISCALIZAÇÃOTemos um papel social,

que incluios cuidadoscoma saúde. Nas fiscalizações,proibimos o exercício ile-galdaprofissãoparacoibirque pessoas sem qualifica-ção e formação façam o ci-dadão de cobaia, repetin-do radiografias, pratican-do exames de má qualida-de.Nãoestamosnumabri-ga por campo de trabalho.

Documento:AG10CACI004;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:09 de Nov de 2013 13:09:39

CIDADES5DOMINGO, 10 DE NOVEMBRO DE 2013 A GAZETA

REPORTAGEM ESPECIAL

VILMARA [email protected]

ParaosecretáriodeEstadoda Justiça, Sérgio Alves, asdenúncias contra a utiliza-ção de equipamentos deraios X nos presídios – co-nhecidos como bodyscan-ners – representam umataquedeagentespeniten-ciários envolvidos com or-ganizações criminosas aosistema de segurança ado-tado nas unidades. “A sus-pensão do uso dos equipa-mentos favorece o crime”,destaca o secretário.

Alves lembra que, emoperações policiais realiza-dasnesteano,forampresosdiversos agentes peniten-ciários envolvidos com or-ganizações criminosas queatuavam na facilitação daentrada de drogas e de ce-lulares nos presídios.

“São servidores corrup-tos que querem retomarsuas ações, mas não deixa-remos que comandem asunidades prisionais. O co-mando é do Estado”, frisa.

Como exemplo o secre-tárioressaltaque,noúltimomês de agosto, uma dasunidades que contam comessetipodeequipamento,aPenitenciáriadeVilaVelhaI(PEVVI), em Xuri, foi alvode uma rebelião que prati-camenteadestruiu.“Tenta-ram, mas não conseguiramchegaraoequipamentopa-ra destruí-lo”, disse.

INSTRUÇÕESOs aparelhos instala-

dos nos presídios capixa-bas, segundo Alves, se-guem as orientações daComissão Nacional deEnergia Nuclear (CNEN)

e do fabricante. Ele asse-gura ainda que os funcio-nários foram treinadospara lidarcomamáquina.“São equipamentos paraserem operados por servi-dores da área de seguran-ça, não por técnicos emradiologia”, comenta.

A situação é acompa-nhada de perto pelo fabri-cante, segundo o secretá-rio, por se tratar de umamáquinacaraequecorreorisco de perder a garantiasesua instalaçãonãoaten-der às recomendações.Acrescentou que a empre-sa fornecedora faz perio-dicamente a fiscalização ea aferição dos equipamen-tos e que eles são seme-lhantesaosquevêmsendoutilizados nos aeroportos.

Alves explica que, nasvistorias feitas nos presí-

dios, as mulheres grávidasque apresentam laudo deseus médicos não são sub-metidasàrevistanobodys-canner.Eledestacaquesóaapresentação do exame degravidez não é suficiente.

RECLAMAÇÃOQuanto à orientação da

direção de uma unidadeprisionalparaquegrávidase crianças passem peloaparelho, explicou que setratava de um erro corrigi-do dois dias depois. “O do-cumento com o erro foi re-tirado do presídio por umfuncionário envolvido emcorrupção”, destaca.

Nenhuma reclamaçãofoifeitaàSecretariadeJus-tiça (Sejus), segundo Al-ves, por mulheres que sus-peitam de abortos em de-corrência do uso dos apa-

relhos. “Não recebemosnenhum relato”, garantiu.

O Estado conta com doisbodyscanners que estão naPenitenciária de Vila Velha I(PEVVI), em Xuri, e no Cen-trodeDetençãoProvisória II(CDPVII), em Viana. Amboscomeçaram a ser utilizadosem janeiro deste ano. Se-gundoosecretário,sónosúl-timos três meses em que es-tão em operação, nove pes-soas foramautuadasao ten-tar entrar nas unidades por-tando drogas. “Por isso nãopodemos abrir mão de des-ses equipamentos”, disse.

Em breve, segundo o se-cretário, a segurança nospresídiosseráreforçadacomo apoio de cães de pequenoporte, que vão ser utilizadospara identificar as pessoasque estiverem transportan-do drogas nos dias de visita.

CARLOS ALBERTO SILVA

Estado não tem autorização paraa instalação dos equipamentos

A Secretaria de Estadoda Justiça (Sejus) não so-licitou à Comissão Nacio-nal de Energia Nuclear(CNEN) uma avaliaçãoparaa instalaçãodosequi-pamentos de raios X nospresídios, conhecidos co-mo bodyscanner. Segun-doinformaçõesdaprópriacomissão, o uso dessesaparelhos deve ser prece-dido de avaliação técnicadela e de autorização es-pecífica para o responsá-

vel pelo equipamento.Ricardo Guterres, da

Divisão de AplicaçõesMédicas e da Pesquisa daCNEN, explica que, emgeral, a taxa de dose deradiaçãoemitidaporessetipo de equipamento –que é considerado de ins-peção não invasiva – émuito baixa. Assim, con-sideram que o risco à saú-de das pessoas que sãosubmetidas a esse tipo deinspeção nos presídios

não é significativo.

RISCOA ressalva é que o risco

estáassociadoàexposiçãoà radiação ionizante e queele é crescente em funçãoda dose recebida, ou seja,o risco aumenta com o nú-mero de vezes em que aspessoas são submetidas avistorias no bodyscanner.Destaca que, quando a co-missão forneceaautoriza-çãoparaainstalação, indi-

ca o número máximo deinspeções, por ano, quepodem ser realizadas emcada pessoa.

Seguindo a recomen-dação, quem passa por es-se tipo de vistoria recebe-ria, no total, uma quanti-dade de dose de radiaçãobem inferior aos limitesestabelecidospelaprópriaCNEN. Limites, destacaGuterres, que já são infe-rioresàsdosesderadiaçãorecebidas por qualquer

pessoa em decorrência daexposição natural, produ-zida por fontes de radia-ção já presentes no meioambiente.

Guterres explicou,ainda, que se forem res-peitados os limites esta-belecidos pela CNEN, ouso do raios X na vistoriados presídios “não ofe-rece risco significativo,inclusive, para mulhe-res grávidas e fetos”.

DIFERENTESPara a comissão, os

equipamentos utiliza-dos em presídios são“absolutamente distin-tos de equipamentos

utilizados no diagnósti-co de saúde”. Dessa for-ma, a dose de radiação éinferior, não havendoassim a necessidadeblindagens específicaspara a sua instalaçãodos aparelhos.

A regulamentação daCNEN não impõe que, pa-ra operar esses equipa-mentos de raios X, até nospresídios, seja necessárioum especialista em radio-logia,comotécnicooutec-nólogo. Mas destaca que“caso exista, tal exigênciaseria decorrente de legis-lação específica do conse-lho de classe a que perten-ce o profissional”.

DENÚNCIAS

“A suspensão do usode raios X nos presídiosfavorece o crime. Sãodenúncias de servidorescorruptos quequerem retomar suasoperações criminosas”SÉRGIO ALVESSecretário de Justiça

SUSPENSÃODE RAIOS XFAVORECECRIME

Secretário diz que segurança dos presídios pode ser afetada

Documento:AG10CACI005;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:09 de Nov de 2013 12:44:50