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Psicologia Jurídica
Introdução
A iniciativa de publicação de um livro jurídico centrado nas denominadas
disciplinas propedêuticas possui inestimável importância. Entre tantos motivos, alguns
merecem destaque.
O primeiro, de cunho epistemológico, permite uma discussão da Ciência
Jurídica para além das vaidades. Sim, a ciência é permeada por vaidades. Muitas
vezes, no afã de valorização pessoal, a discussão científica restringe-se à
superficialidade, em uma luta periférica de conteúdo, com o escopo tão-só de valorizar
a área de conhecimento escolhida pelos que se pretendem cientistas. Assim, defende-
se aguerridamente a autonomia do Direito, mas só pelo status de ser autônomo, sem o
rigor necessário a uma compreensão total do fenômeno jurídico e sua real atuação no
campo social.
No mundo moderno, com particular importância nas ciências sociais,
torna-se muito difícil explicar a vida a partir de uma única área de conhecimento. Por
isto, a interdisciplinaridade, ou seja, o estudo de um objeto a partir de várias disciplinas
ou conhecimentos, não de forma estanque, mas permeada, se apresenta como a
melhor e mais rigorosa forma de se estudarem e se compreenderem os fenômenos
humanos, aí incluídos, por certo, os jurídicos.
Cada ramo da ciência oferece à sociedade uma série de promessas, e
todo o discurso epistemológico é construído para comprovar a capacidade científica de
cumpri-las. O Direito promete Justiça, segurança, garantir a paz social, regular a
sociedade e outras coisas mais. Qualquer estudo empírico do cotidiano demonstra
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injustiças, conflitos, guerras e desregulamentação. Mesmo diante desses paradoxos, o
Direito insiste em sua autonomia (sustentada pela dogmática jurídica) e mantém as
promessas descumpridas. A compreensão deste fenômeno exige não só uma reflexão
crítica, mas, necessariamente, uma análise para além do jurídico, consubstanciada em
vários saberes, como o filosófico, o sociológico, o econômico, o histórico, o
antropológico, o político, o metodológico, o literário e, também, o psicológico.
O segundo motivo é de cunho ideológico. A ideologia jurídica construiu a
certeza (muito tênue) de que o Direito tem capacidade de, por si só, regular
satisfatoriamente a sociedade, a partir de sua técnica. Dentro desta premissa, surgem
os juristas dogmáticos, com suas psicodélicas teorias (penais, civis, processuais, etc),
a falar de um mundo irreal, totalmente distanciado do dia-a-dia das pessoas. O mundo
jurídico desconecta do mundo concreto. E a autonomia do Direito, de fato, o torna uma
realidade à parte ou, quando menos, tão-só a regulamentação de determinada
estrutura de poder. Mas o manto ideológico obscurece esta verdade, enaltecendo
ideais, símbolos, valores, desejos e, com isto, produz a cegueira sobre os fatos da
vida, gerando também a tiflose epistemológica.
A leitura dos manuais jurídicos evidencia rapidamente a superficialidade
de seus conteúdos, quando se trata de compreender as complexidades da vida social.
Mas não só a produção doutrinária jurídica mantém-se distanciada dos fatos concretos
do cotidiano. Esta prática estende-se à jurisprudência e, sobremaneira, às atitudes
pessoais dos juristas. Olhem-se os corredores dos Palácios de Justiça, escutem-se as
falas dos magistrados, promotores de justiça, advogados e demais operadores do
Direito, analisem-se os resultados da prestação jurisdicional, e, com raciocínio crítico,
compare-se tudo com a vida da população, e o paradoxo se evidencia.
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Os estudantes de graduação, as maiores vítimas desta alienação, soem
reclamar, nos primeiros anos de curso, que perdem tempo estudando disciplinas não
relacionadas com o Direito. Exatamente, as disciplinas propedêuticas. Não sabem eles
que são justamente elas as únicas com capacidade de lhes permitir uma compreensão
global (holística, para usar um termo em moda) não só do fenômeno jurídico, mas da
vida social como um todo, quando, então, a técnica jurídica passa a ter algum sentido.
Estes conhecimentos para além do Direito podem torná-los grandes juristas.
Para tentar seduzir os leitores, a redação deste texto abandonará o estilo
acadêmico, típico das dissertações de mestrado e teses de doutorado, com suas
cansativas notas e transcrições, mas isto não significa o relaxamento no rigor científico
e na seriedade dos argumentos. Por certo, não poderá transitar pelas profundidades
do tema, restringindo-se seu objeto a demonstrar a importância da psicologia jurídica
para a Ciência do Direito.
Como esclarecimento introdutório, é de ser frisado que o título psicologia
jurídica, utilizado normalmente para nominar esta disciplina propedêutica, não é de
todo correto. Isto porque, apesar do termo psicologia ser usado em sentido amplo, não
se pode olvidar existir diferenças concretas entre os conceitos de psicologia, psiquiatria
e psicanálise, todos envolvidos na disciplina. Estas três áreas do conhecimento têm
como objeto a psique humana, mas as abordagens sobre o mesmo objeto são
bastante diferentes.
De forma perfunctória, pode-se dizer que psiquiatria pertence ao
conhecimento médico, embute o conceito de doença para os conflitos anímicos e
utiliza, quase sempre, medicação química no tratamento. Já a psicologia e a
psicanálise não são conhecimentos da área médica e tampouco utilizam medicação no
tratamento. Estas diferem na concepção ontológica do sujeito, pois a psicologia
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mantém-se dentro dos parâmetros da racionalidade e as psicoterapias pretendem
atuar no consciente dos pacientes, enquanto que a psicanálise (Freud, que era
médico, separou-a da medicina, dando início a uma nova área do conhecimento, que,
inclusive, permitiu o nascimento posterior da própria psicologia como ciência
autônoma) trabalha a partir de uma crítica à racionalidade humana, realçando a
irracionalidade inconsciente como determinante de grande parte das ações do sujeito,
aí se incluindo as neuroses e outros conflitos psíquicos. O tratamento dá-se em
análise, quando se trabalha o inconsciente.
Este estudo é elaborado com fundamento no marco teórico psicanalítico.
1. Autonomia do Direito
Antes de adentrar nos temas da mente humana, torna-se necessário
explicitar como o Direito se apresenta à sociedade. Isto é crucial para permitir apontar
suas contradições e, principalmente, sua falha em negligenciar a importância da
subjetividade (entendida como as questões particulares de cada indivíduo, unilaterais
na formação de seu juízo, não concernentes diretamente à consciência, mas
fundamentais na determinação do seu pensamento e das suas ações) humana em
todos os momentos jurídicos. Tanto na elaboração da norma (no caso dos sistemas
jurídicos romano/germânico), como na sua interpretação (doutrinária e jurisprudencial),
bem como na elaboração da verdade jurídica, através do processo (destacando-se a
coleta das provas) fatores subjetivos, não considerados pelo Direito dogmático, são
fundamentais. Ou seja, não há legiferação, interpretação ou produção de prova sem
interferência axiológica, e os valores são subjetivos e, no mais das vezes,
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inconscientes. Estas afirmações serão defendidas mais adiante, depois de ficar
demonstrada a estrutura jurídica de nosso tempo.
A partir de todas as transformações no mundo social (e mental)
produzidas pelo iluminismo (sendo historicamente emblemática a Revolução
Francesa), saindo deus da posição de grande legitimador do poder e ingressando em
seu lugar a racionalidade e o governo de leis e não, de homens, o Direito passou a ter
uma destacada função na regulamentação da vida comunitária (hoje está sendo
substituído, cada vez mais, pela lex mercatoria, ou lei o mercado). E esta função deu-
se a partir dos pressupostos a seguir.
Sendo o ser humano portador de racionalidade, possui capacidade de
chegar à verdade a partir dela, bem como de estruturar a sociedade de forma
harmoniosa, direcionada à paz e ao progresso. Quer dizer, a estrutura social passou a
ser entendida como uma estrutura geral sem conflito, sedimentada na razão.
Entretanto, apesar da harmonia estrutural (macro), no seio da comunidade poderiam
surgir microconflitos, com capacidade de perturbar a ordem geral. Portanto, resolvidos
esses microconflitos, restabelecer-se-ia o todo ordenado e simétrico.
Com base nesta concepção de sociedade, o Direito foi construído com a
função precípua de resolver exatamente estes conflitos individualizados, ou setoriais.
Não se pode esquecer que o Estado absolutista foi substituído pelo estado mínimo,
não intervencionista, com base capitalista, liberal e utilitária, o que retira do Direito a
função de promover o bem-estar social. Sendo assim, as normas jurídicas eram
elaboradas visando a dar solução aos possíveis conflitos entre partes (uma pessoa ou
várias, não importa), pois na sociedade como um todo, a sua ordem era estrutural,
mantida pela razão humana.
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Se a ordem e a harmonia eram a regra, as exceções (microconflitos)
seriam resolvidas pelo Direito e este necessitava de uma estrutura jurídica capaz de
dar suporte à efetivação desta função e garanti-la. Esta estrutura, então, foi montada a
partir das normas jurídicas (independentemente do sistema jurídico ou o tipo de fonte
do Direito) e da criação de uma hierarquia jurídico-funcional, ou seja, de funcionários
aptos ao exercício da função de julgar, ou de uma hierarquia de tribunais (da mais alta
corte ao juiz comum). Mas esses funcionários especializados não poderiam ser
qualquer pessoa, mas, sim, técnicos em Direito.
Mas onde estes técnicos seriam formados? Nas universidades, ou
faculdades de Direito, por óbvio. Nestas, os estudantes receberiam o devido
conhecimento dogmático, aprenderiam a Ciência Jurídica, seu método racional, formal,
técnico, dedutivo, e se tornariam eficientes operadores jurídicos. Desde o início, com a
elaboração das normas, passando pela construção da verdade jurídica por intermédio
do processo, e chegando ao julgamento, tudo se passa, segundo a dogmática jurídica,
sob o manto da racionalidade, da neutralidade e do apolitismo. Como se verá, nada
mais falaz.
Assim o círculo jurídico social estava fechado. Parte-se da ordem ou
harmonia geral. Esta pode ser abalada por pequenos conflitos entre partes. Estes são
resolvidos pelo Direito, por intermédio de seus tribunais e funcionários técnicos,
formados nas universidades. Decididos estes microconflitos, restará restabelecida ou
mantida a paz geral.
Ainda hoje, com raras exceções (quase todas em nível de pós-
graduação), as universidades ainda se prestam a este serviço: formar técnicos
especializados na resolução de microconflitos. Não é sem motivo que os currículos
escolares são massificados com disciplinas de direito privado e processual, sem
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qualquer relação com os grandes conflitos das sociedades contemporâneas, como
também não é sem motivo que os manuais dedicam inúmeras páginas para explicar
como se resolve uma demanda quando um fruto de uma árvore situada no limítrofe de
dois imóveis cai no terreno vizinho, enquanto a mortandade no campo campeia e a
disputa pela terra assume macroproporções de conflito armado.
Toda esta construção possui muitas bases falsas. A premissa maior da
racionalidade humana é tema a ser posto em debate pela psicanálise. Também a idéia
de técnica (em sentido geral) capaz de julgar objetivamente pode ser atacada a partir
desta disciplina propedêutica. Outras desconstruções podem ser feitas, a partir, por
ilustração, da sociologia, da filosofia, da política e da economia, em relação à pretensa
ordem e harmonia geral da sociedade (principalmente após toda a crítica marxista), só
perturbada por microconflitos. Parece evidente, inclusive com perspectivas de
comprovação empírica, existirem conflitos estruturais em qualquer sociedade, não só
os clássicos de classe, mas outros, como de gênero e de culturas. E só isto já é
suficiente para colocar em entredito toda a racionalização jurídica. Como estes temas
não pertencem à disciplina objeto deste estudo, ficarão apenas registrados.
Um ponto importante a ser analisado adiante se refere à visão ontológica,
à concepção sobre o ser, que dá base à Ciência Jurídica. A partir disto, estudar-se-á,
interdisciplinarmente, todas as questões subjetivas (inconscientes, diria a psicanálise)
que permeiam o Direito, em todos os seus momentos. Isto remete a análise jurídica a
sua devida complexidade, permitindo ao estudioso afastar-se das construções
fantasmagóricas sobre a vida e as instituições jurídicas, capacitando-o a uma
compreensão profunda sobre os fenômenos da regulação social, inclusive tendo
presente qual o lugar ocupado pelo Direito na mente humana, como sistema regulador
repressivo.
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2. Visão ontológica
Ter uma compreensão ontológica é necessário, entre outros tantos
fatores, por uma razão muito simples: toda e qualquer teoria, mesmo elaborada com
requintes de perfeição, não vale por si só, pois depende de um ser humano (ou vários)
tanto para sua elaboração como para sua implementação ou consumação. Teorias
aparentemente perfeitas sobre uma sociedade digna e democrática simplesmente não
dão certo, porque as pessoas encarregadas de colocá-las na prática agem com base
em seus desejos (pulsões em linguagem psicanalítica) e não, em consonância com as
elaborações teóricas. Pense-se na teoria marxista, de uma sociedade sem estado,
igualitária, sem classe social, sem repressão oficializada, e os fatos históricos
acontecidos em todos os países ditos comunistas. Edificaram-se tiranias pessoais,
com base nos desejos pessoais dos ditadores, e não a sonhada sociedade natural de
plena paz e harmonia.
Portanto, a primeira função de uma disciplina propedêutica de psicologia
jurídica é investigar rigorosamente, e não, idealmente, o que é o ser humano. E este é
um ponto difícil, pois esbarra em dois poderosos fatores ideológicos: a) o religioso,
para o qual o homem foi feito “à imagem e semelhança de deus”, portanto bom; e b) o
político/filosófico, que afirma a racionalidade do ser humano, por conseguinte, sua
capacidade de chegar à verdade e agir, construir seu mundo, através da razão. Por
mais que os fatos históricos empíricos demonstrem o contrário, isto não impede que
milhões de pessoas ajam (aparentemente, ou melhor, no discurso) a partir destas
crenças e até influenciem boa parte da epistemologia científica.
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A psicanálise possui uma visão diversa. A compreensão do ser humano
parte de um pressuposto evolutivo, tendo início nos primórdios da humanidade,
quando nossos ancestrais viviam em hordas, grupos fora da cultura ou da civilização. E
aqui cabe uma reflexão. Normalmente costuma-se pensar a história (talvez por
influência do relato bíblico), em tese, a partir de cem mil anos antes de Cristo, quando
se constituiu o Homo sapiens sapiens. Entretanto, nossos ancestrais já habitavam este
planeta desde o período plioceno (vai de 5 milhões a 2 milhões de anos atrás). Dando
a devida amplitude histórica ao desenvolvimento do ser humano, fica muito mais fácil
compreender (ou aceitar), como se verá, momentos históricos (passaram-se mais de 3
milhões de anos até a atualidade) sem Direito e sem Estado. Naquela época as ações
de homens e mulheres não obedeciam a qualquer interdito (ou proibições) criado por
qualquer tipo de norma (jurídica, moral, religiosa, etc.). O agir dava-se a partir das
necessidades e dos instintos, e só a força da natureza ou a força bruta de outro
ancestral se opunham à saciação dos desejos. Frente à inexistência de conceitos
como respeito, crime, vontade alheia e tantos outros, a vida comunitária ou social não
existia, salvo o agrupamento por absoluta necessidade de sobrevivência (a vida
individual, fora da horda, significava morte, por incapacidade de sobrevivência diante
das agressões da natureza ainda não dominada).
Aqui talvez exista um erro de interpretação marxista, ao julgar o estado de
natureza, período sem Estado e sem Direito, como um momento histórico no qual
reinava a harmonia e a solidariedade. Estudos antropológicos demonstram o contrário,
ou seja, a existência de profunda violência nesta fase histórica, com vida em conjunto,
mas por necessidade de sobrevivência, como já dito, e não por princípios éticos ou de
solidariedade.
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As hordas eram ajuntamentos de pessoas que, necessariamente, viviam
de forma nômade, em decorrência da escassez de alimentos. A vida em conjunto (não
é correto ainda usar o termo social ou comunitária) restringia-se à sobrevivência, ou
seja, dormir, comer e se reproduzir. Esta singeleza, ou falta de complexidade, permitia
a sobrevivência sem normas, salvo as regras (ou fenômenos) da natureza do tipo:
colocar a mão no fogo, queimar-se; pular de um precipício, morrer; entrar em um rio
profundo, afogar-se, etc. E estas regras não necessitam de qualquer autoridade para
serem cumpridas.
A própria comida, que para uns era repartida de maneira amigável, era,
provavelmente, usufruída primeiro pelo líder, o mais forte e capaz de defender o grupo,
seguindo-se os demais -- há fortes indícios neste sentido. Líder, aliás, escolhido não
por qualquer convenção política cultural, mas pela natureza da força na defesa da
horda.
A idéia de individual representava a morte, pois a sobrevivência só era
garantida pela união. No curso do tempo e pela capacidade psíquica do ser humano,
algumas aprendizagens foram sendo incorporadas à vida grupal, como a manipulação
do fogo, os rudimentos da agricultura e a domesticação de animais. Estes primeiros
atos cognitivos deram início à cultura, ou seja, à criação humana para além da
natureza, e permitiram a fixação da horda em determinado ambiente, pois se aprendeu
a aquisição de comida prévia, ademais da caça e da coleta, suprindo-se as
necessidades nutricionais para mais de um dia. Até então, tinha-se alimento para o
momento.
Estas pequenas descobertas foram suficientes para proporcionar uma
grande evolução na vida de nossa espécie. A abundância de comida permitiu a fixação
das hordas. Mesmo em momentos de falta de alimentos em decorrência do tempo, o
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plantio e a domesticação de animais permitia a alimentação mínima à sobrevivência.
Uma vez abandonada a vida nômade, o dia-a-dia destas pessoas foi acrescentado de
outras atividades, tornando a vida em grupo um pouco mais complexa. Uma coisa é
viver andando diariamente atrás de comida, sem proteção adequada, reproduzindo-se
em plena locomoção nômade. E outra é estar fixado em um lugar, com comida
suficiente e, em corolário, em condições de melhorar o ambiente de vida, em uma
caverna, por exemplo, quando poderia proteger-se das intempéries da natureza e das
agressões de outros animais.
Esses avatares no cotidiano levaram a uma outra grande transformação:
tempo livre. Garantida a nutrição, melhor defendidos das agressões da natureza,
nossos ancestrais começaram a ter tempo livre durante o dia, ou à noite, para colocar
a funcionar algo que nos diferencia dos demais animais: a mente. E, neste momento,
aparece algo que talvez vá marcar a humanidade para sempre: as diferenças entre as
pessoas. Cada um passou a desenvolver suas habilidades pessoais, produzir bens.
Até então, o contato ser/natureza dava-se de forma direta, ou seja, as mãos em
contato imediato com a natureza. Mas a psique humana permitiu o aperfeiçoamento de
determinados objetos (osso transformado em foice ou porrete, por ilustração) que
passaram a intermediar sua relação com a natureza (hoje, como já demonstrou a
antropologia, alguns primatas já o fazem -- talvez o façam há muitas eras --, usando
pedras para quebrar coquinhos, ou uma pequena vareta para caçar pequenos animais,
como formigas). São os modernamente denominados meios de produção.
Muitas vezes torna-se difícil compreender esta longa evolução de nossa
espécie, porque o atual conhecimento cultural acumulado não nos permite o devido
distanciamento que enseje a compreensão do mundo de nossos antepassados. Há de
ser imaginada a existência praticamente sem conhecimento, incluindo os mais
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rudimentares, como o uso da roda, do fogo e, até mesmo, o desconhecimento da
participação masculina na procriação. Isso sem falar na chuva, trovões, enchentes e
demais fenômenos naturais, todos sem explicação.
O importante a ser frisado no âmbito deste trabalho é um fator que vem
acontecendo ainda hoje, sendo ele crucial para as ciências jurídica e psicológica. Cada
descoberta humana torna a vida social mais complexa, produzindo efeitos no
comportamento anímico e, em conseqüência, tornando necessária a produção de
normas regulamentadoras. Basta pensar na descoberta da internet e a necessidade de
normatização que ela implicou.
A nova forma de vida pré-civilizacional, ademais de melhorar a qualidade
de vida: alimentação, defesa, rudimentos de saneamento, queda da tacha de
mortalidade infantil, em especial no parto, crescimento populacional acelerado1, criou
outro fator decisivo para a história da humanidade: a possibilidade do individual. Até
então o isolamento significava morte (o degredo, até pouco tempo, era uma pena
severa). A partir destas evoluções, o indivíduo já poderia pensar em viver só e, muito
importante, teve condições em pensar no é meu, quer dizer, na propriedade privada.
A somatória de todos estes fatores: agricultura, domesticação de animais,
produção de bens e conhecimento (lidar com o fogo, saber da participação masculina
1 Interessante o grado seguinte:
CRESCIMENTO POPULACIONAL NA PRÉ-HISTÓRIA
Anos a.C. Período Densidade por km2
População total
265000 Paleolítico inferior 0,00425 125.000
125000 Paleolítico médio 0,012 1.000.000
65000 Paleolítico superior 0,04 3.340.000
10000 Mesolítico 0,04 5.320.000
6000 Sedentarismo agrícola
Neolítico
1,0 86.500.000
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na procriação, etc.), criou, devido às complexidades advindas dos mesmos, uma nova
e decisiva necessidade para a vida em grupo: a criação de normas culturais. Existem
muitas teorias tentando explicar este fenômeno, não sendo possível repassar todas. O
texto será fiel ao marco teórico antes indicado.
Antes de adentrar neste tema particular, torna-se necessário realizar uma
importante diferenciação entre o natural e o cultural. Isto é importante, pois como as
palavras aceitam qualquer conceito, muitas vezes idéias importantes podem ser
confundidas. É o que os jusnaturalistas soem fazer. Acima foi afirmado que nossos
ancestrais viviam sem Direito e sem Estado. Para muitos, isto é uma heresia. Como
disse, as palavras aceitam qualquer coisa. Há quem defenda a existência do Direito
antes mesmo do ser humano, vinculando-o a uma divindade qualquer. Trata-se de
uma questão ideológica e lingüística, nada mais.
Independente destas divergências sobre as formas de ver o mundo e
suas crenças, sob o ponto de vista acadêmico é bem plausível diferenciar as
prescrições naturais (Capella chama de regras, prefiro denominar de fenômenos) das
culturais (normas, para ambos). A vida primitiva era regrada pelos fenômenos naturais.
O líder se impunha pela força e capacidade de proteção coletiva. As ações e omissões
dos nossos primatas eram determinadas por estes fenômenos, cumpridos por pura
necessidade humana. Isto não é Estado e não é Direito. Estes, após produzirem suas
normas, necessitam de autoridade, de força ou violência monopolizada, para fazerem
cumpri-las.
Um exemplo pode aclarar esta complicada diferenciação. Pegue o leitor
(se não de fato, imaginariamente) um livro ou outro objeto (não quebrável, para evitar
acidente) e ponha-o na palma da mão, erguendo-o. Pois bem. Feito isto, retire a mão
rapidamente. O que acontecerá ou aconteceu, caso tenho o leitor participado desta
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experiência empírica? A resposta é única: o livro cai. E por que caiu? Também há uma
única resposta: por força da gravidade. A gravidade, conhecida como “Lei”, em
verdade não é Lei ou norma, é um fenômeno natural. O livro irá cair, independente de
qualquer ordem em contrário. De nada adianta chamar o exército americano, a maior
força organizada do planeta, para evitar que o livro caia, porque ele irá cair. A única
forma de evitar um fenômeno natural é modificar o ambiente natural, no caso, levar o
leitor e o livro para a Nasa e colocá-los em um câmara sem gravidade.
Ainda mantendo o exemplo do livro, pense o leitor em outra situação.
Parta da afirmação: “Este livro é meu”. Este novo fenômeno, a propriedade sobre o
livro, para ser obedecido, ou cumprido, necessita, ou não, de uma autoridade ou da
força pública organizada? Pode até que as pessoas respeitem a propriedade, mas a
verdade é que basta uma pessoa com maior força física desejar não a respeitar para
tornar necessária a presença da violência estatal, a fim de garantir este fenômeno, em
verdade, norma jurídica, ou seja, norma cultural. E o exército americano (não necessita
tanto) seria muito eficaz nesta tarefa, como, aliás, está sendo na invasão de países.
Fica, assim, bastante distinguidos os fenômenos naturais, que acontecem
independente da vontade humana ou de qualquer autoridade, dos fenômenos
culturais, ou seja, não dados pela natureza e construídos por vontade humana, os
quais necessitam, sim, de força legalizada para se fazerem cumprir, por mais que
sejam introjetados via ideologia.
Retornando à evolução histórica, torna-se inegável que, em determinado
momento, nossos antecipados começaram a criar normas para regulamentar a vida
social, pois os fenômenos naturais não mais davam conta de manter a vida em grupo,
frente às descobertas realizadas. Friedrich Engels defende a origem das normas para
garantir a transmissão da propriedade privada. Pode-se dizer que, em um só “golpe”,
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foi criada a instituição da propriedade privada; a instituição da família monogâmica,
para retirar a mulher do sexo grupal típico de uma sociedade matriarcal e, assim,
subordiná-la à exclusividade sexual de um homem, e, com isto, garantir o
conhecimento da paternidade; e, o Estado, para garantir a manutenção e respeito a
estas instituições, incluindo a transmissão hereditária da propriedade privada. Já Juan
Ramón Capella analisa a criação das normas para consumar a divisão social do
trabalho. Na organização social rudimentar dos ancestrais, o trabalho era dividido
naturalmente, em consonância com a capacidade de cada um. Mas, com a transcorrer
da história, e com os conhecimentos produzidos, criaram-se normas para dividir o
trabalho intelectual para poucos e o trabalho braçal, pesado, para muitos.
Postas estas duas teorias, assim, de forma absolutamente fragmentária e
superficial, só para constar (pois não são incompatíveis com a tese psicanalítica),
tentar-se-á esboçar as complexidades do pensamento antropológico de Freud, para
apresentar não só uma visão ontológica, mas também toda a relação do sujeito com os
interditos ou as prescrições (normas que lhe proíbem algo), o que permite uma análise
diacrônica e sincrônica entre o Direito e a Psicologia (termo sempre usado neste
trabalho em sentido amplo, como toda ciência dedicada ao estudo da psique humana).
Na horda regida por fenômenos naturais sempre se destacava a figura do
líder, o mais forte e mais apto para manter a segurança do grupo. Este, exatamente
por ter a força, impunha-se como tirano (parecem presentes reminiscências desta
realidade em tantos ditadores da história da humanidade, e mesmo ainda hoje),
subordinando a todos aos seus desejos, incluindo os sexuais. Este líder,
simbolicamente o Pai, tinha a exclusividade (ou preferência) das fêmeas,
simbolicamente as Mães. E os demais machos da espécie, submetidos ao tirano,
representavam a figura dos Filhos. Suplantando as naturais resistências, pode-se ver
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esta construção na família nuclear (monogâmica, hierárquica e repressora) burguesa.
Mesmo dentro da democracia, com as sempre presentes exceções (no nível simbólico,
imaginário, talvez não haja exceções), é o pai quem manda, o tirano, sendo o detentor
do monopólio da mãe, e quem determina aos filhos todas as interdições. Estes,
admitindo ou não, exatamente por terem no pai aquele que proíbe, possuem com ele
uma relação de amor e ódio.
Esta situação gerava conflito e forte desejo dos Filhos de possuírem as
Mães. Mas tinham no Pai o grande obstáculo. A partir desta construção, Freud defende
o parricídio como o marco inaugural da civilização ou da cultura, ou seja, a reunião dos
mais fracos (Filhos), para somarem força e poderem enfrentar o mais forte (Pai
tirânico), com o propósito de possuírem sexualmente as fêmeas (Mães exclusivas do
tirano). E esta união leva ao assassinato do Pai. Mas após a morte, diante da relação
de amor e ódio, surge o sentimento de culpa, o remordimento. Como conseqüência, a
consumação sexual da mãe é abandonada e, mais ainda, cria-se o tabu do incesto,
uma norma cultural (a natureza não impede, de qualquer forma, a relação sexual
incestuosa), ou seja, a primeira norma criada pelo ser humano, independente da
natureza.
Muito se critica esta teoria, tentando demonstrar a impossibilidade de
parricídios em massa, em uma determinada época da histórica. É claro, e o próprio
Freud admite, há muito de especulação nesta construção, mas a verdade é que, ainda
hoje, e não se precisa dos consultórios clínicos e dos divãs para se comprovar, há
muito destes sentimentos no nosso cotidiano. Cada leitor que pense em sua volta e em
todas as relações afetuosas que o envolvem, bem como a sua família. E ninguém
pode negar ser o incesto, de fato, um grande tabu (proibido, mesmo sem lei estatal).
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Independente da comprovação empírica desta tese, o concreto é que os
estudos históricos, antropológicos e arqueológicos demonstram que as instituições
sexuais foram as primeiras a serem estabelecidas, seguidas das instituições políticas e
econômicas.
A união dos mais fracos somou força e levou à derrota do mais forte. Mas
a dissolução desta união levaria ao retorno do tirano. Portanto a manutenção desta
união era condição necessária à manutenção da primeira ordem, ou relação social de
poder. Esta manutenção significa exatamente os primórdios do Estado e do Direito. Foi
ela quem deu origem à civilização e à cultura, a partir da primeira norma cultural
estabelecida. É claro que muito cedo esta união necessária à criação da vida social foi
apropriada por uns, para subordinar os demais.
Criada a primeira interdição, abriu-se a possibilidade da criação de muitas
outras, como a história demonstra. Mas desta troca, do primata animal regido pela
natureza, para o ser humano delimitado pela cultura, nasceu, nas palavras de Freud, o
mal-estar da civilização.
Na fase pré-civilizacional, nossos antepassados gozam seus desejos,
sem qualquer trava cultural. Para imaginar esta afirmação, basta olhar um grupo de
crianças atualmente, a partir, por exemplo, de um ano de idade. Juntas, sem a
intervenção dos adultos, cada uma irá tentar saciar todos os seus desejos, sem se
importar com as demais crianças, inclusive agredindo qualquer uma que tente impedir
o gozo. São movidas pelo princípio do prazer, quando só o gozo importa. A
participação dos adultos na manutenção da ordem, evitando as agressões, choros e
confusão geral, significa exatamente a intervenção da cultura. Papais e mães correm
para apartar as brigas, dizendo frases como (quando não mantendo a ordem pela
violência, igual ao Estado): “este brinquedo é do nenê”; “não chore, que o papai vai te
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comprar um depois”. Sob o ponto de vista psicanalítico, estas atitudes representam a
adequação das crianças à civilização, ou, em palavras mais científicas, a troca do
princípio do prazer pelo princípio da realidade, quando a criança aprende que nem
tudo é possível e que o gozo tem seus limites.
A adaptação ao princípio da realidade é a única forma de manter vida
social, pois ela exige valores como respeito, pois o outro necessita do seu lugar. E a
vida social proporciona vários benefícios como o sentimento de proteção (na vida
agregada) e de solidariedade. Mas tem seu preço. E o preço é exatamente abdicar dos
desejos anti-sociais. Aqui se estabelece um conflito inevitável, entre a renúncia dos
desejos animais e os benefícios da vida em sociedade. Este é o mal-estar, origem de
todas as neuroses.
E o sujeito, para refrear seus desejos anti-sociais (ou pulsões), deve estar
submetido a vários sistemas de interdição (ou repressão). Como dito acima, o primeiro
freio cultural foi o tabu do incesto. Este tabu é uma proibição externa ao indivíduo, ou
seja, uma norma construída fora dele, de caráter geral. Portanto, para a manutenção
do desejo de gozo absoluto, para o enquadramento do ser ao mundo compartido,
foram construídas, inicialmente, as normas proibitivas externas a ele, iniciando com o
tabu do incesto, ou até mesmo qualquer outra, não parecendo isto ter grande
importância.
Como o tema é demasiado complexo, é necessário lembrar, pelo menos
de passagem, que em toda esta evolução, e ao mesmo tempo em que ocorriam todas
as mudanças narradas, outras também aconteciam, como o nascimento do
pensamento religioso, ou a necessidade de se acreditar em vida antes e pós-morte.
Em determinado momento nossos ancestrais tomaram consciência da morte, do seu
fim. E isto deve ter-se dado diante do cadáver do ser amado. Ser este desaparecido,
19
mas que voltava em sonho, estando, portanto, presente. Disto para a crendice, de vida
mesmo após a morte, foi só um passo de alívio.
Estes interditos externos, com o passar do tempo histórico, foram se
desdobrando. Na atualidade, pode-se falar de três grandes sistemas de prescrições
existentes fora do ser, de caráter geral. São os sistemas: jurídico, religioso e moral.
Para a psicanálise, estes sistemas externos, mesmo unidos, não são suficientes para
segurar as pulsões, as necessidades de gozo infinito, os desejos humanos, como mais
comumente se fala. Sempre tendo como fundo um processo histórico evolucionista
(não no sentido de qualquer série de movimentos desenvolvidos contínua e
regularmente, completando um ciclo harmonioso, mas, sim, no estrito sentido
darwiniano. Apesar de ser discutível qualquer idéia de evolução na psicanálise, pois o
sujeito do desejo de hoje é o mesmo de qualquer era civilizada), o ser humano,
submetido a um processo de introjeção, foi construindo em seu interior,
subjetivamente, um novo sistema de interditos. É por isto que cada um de nós possui
um severo código pessoal, interno, em sua psique, responsável maior por sua
adequação ao sistema social vigente.
Nesse ponto, todos os semestres, costumo fazer uma pesquisa entre os
alunos, em média quarenta alunos por classe, uma noturna ou diurna. Pergunto-lhes
quais são as normas que, de fato, verdadeiramente, determinam suas ações a cada
dia, desde o momento que acordam até que vão dormir. Quais normas indicam o
conceito de certo e de errado, de bom e de mal, e, a partir delas, eles delimitam suas
ações e omissões. Coloco no quadro negro os três sistemas externos de interditos. Os
resultados são impressionantes. Muito raro alguém indica o religioso. Um ou dois por
turma menciona o jurídico. Quase a unanimidade afirma ser o sistema moral o
responsável por seus atos. Aqui já aparece um grande ponto de contribuição da
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psicologia jurídica ao Direito: fazer ver a sua própria importância na delimitação da
conduta humana.
Cabe, aqui, uma rápida digressão. Em continuação, indago aos alunos se
eles costumam efetuar uma análise crítica sobre estas normas morais externas e
internalizadas nas profundezas psíquicas de cada um. Pergunto-lhes: Já pensaram
como elas foram constituídas? Como foram parar em suas mentes? Quem as colocou
aí? Por que e para quê? Será que, efetivamente, aquilo que pensam como certo, é
certo? E o errado é, de fato, errado? Estas normas os fazem felizes? Já pensaram em
mudá-las? Quase sempre o silêncio é a resposta. Cada leitor pense no seu caso.
Tendo sua própria concepção ontológica, a psicanálise entendeu a
estrutura psíquica humana a partir de três bases (não são órgãos autônomos), a saber:
ego, id e superego. O id é a parte “animal”, sendo inconsciente, não submetido à
cultura. O id não tem moral, não tem remordimento, apenas demanda, busca a
satisfação. O superego, ao contrário, é o código prescritivo de cada um, a
regulamentação subjetiva, construída a partir da cultura (aqui representada menos nas
instituições sociais e mais nas relações primárias com os progenitores). O ego é parte
do id transformada por influência direta do mundo exterior, nós em nossa vida. Foi
formado pelo sistema perceptivo-consciente, mas não se tornou pura consciência.
Submetido às demandas do id e as interdições do supergo, o ego sobrevive, quase
sempre (uns dizem sempre) recorrendo às neuroses, psicoses, ou seja, produzindo
sintomatologia.
Em conclusão, ontologicamente, para a psicanálise, o ser humano é um
animal submetido à cultura, formado por uma parte não civilizada, que demanda gozo,
mas obstruída (em certa parte) pelas prescrições externas e internas, o que lhe
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permite viver em sociedade, obtendo ganhos e perdas, motivo pelo qual vive em mal-
estar. Este ser, sujeito de desejo, convive com as normas jurídicas.
Uma questão fundamental é a relação entre o sujeito de desejo e o
sujeito do direito; é saber até que ponto as prescrições jurídicas, a partir da
subjetividade humana, são construídas, respeitadas, interpretadas e aplicadas; é
saber, afinal, para que e para quem serve o Direito e qual sua real capacidade de
regular a sociedade, interditar os desejos do id, mantendo a vida comunitária dentro
dos limites civilizadores.
3. As normas jurídicas
Fala-se de norma jurídica sem levar em consideração – pois, sob o ponto
de vista psicológico, isto não faz muita diferença – o sistema jurídico analisado
(Romano-germânico, Common Law, Muçulmano, Socialista, etc.), bem como as fontes
do direito (empirismo exegético francês, lei escrita; historicismo casuístico inglês,
jurisprudência; ou o racionalismo dogmático alemão, doutrina). A Lei, em sentido
psicanalítico, representa a força afetiva da prescrição, do proibido, não importando se
vem de um texto escrito, moral, religioso ou, até mesmo, simbólico. Mas como este
texto é produzido no Brasil, país submetido ao sistema Romano-germânico, tendo
como fonte do Direito a norma escrita, esta será a base da análise.
Partindo da teoria do Direito (e também do Estado) com sua base
racionalista, advoga-se a construção das leis através do Parlamento, órgão soberano e
com capacidade de legiferar com a razão, produzindo um arcabouço jurídico (a
legislação) no qual serão previstas todas as condutas necessárias (proibindo-se as
danosas) à manutenção do bem comum e do interesse geral da nação. Como este
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trabalho preocupa-se com o que é e não com o como se diz que é, não é de
surpreender a afirmação de ser uma grande falácia o acima afirmado. O fato é que o
parlamento funciona a partir de vários valores, incluindo o suborno em grande escala,
crenças religiosas, interesses capitalistas, corporativos, ideologias de todos os tipos,
etc. Por conseguinte, a contribuição da psicologia jurídica, neste particular, é
possibilitar a discussão sobre os porquês: por que se suborna, por que se proíbe uma
e não outra conduta, e assim por diante.
Isto tem importância porque retira o caráter racional do arcabouço
jurídico, demonstrando existir, mesmo na legislação escrita, vários ingredientes
irracionais, ou, no mínimo, bastante subjetivos. E isto interferirá na eficácia jurídica,
sem dúvida. Alguns exemplos podem ajudar esta argumentação. Pode-se partir do
incesto. Por que o incesto é proibido (considerado crime) em alguns países (Alemanha,
Suíça, Itália, México, Uruguai e Cuba) e, em outros, não (Peru, Espanha, França,
Bélgica, Portugal e Brasil. Quando muito é considerado agravante de um crime)?
Parece difícil dar uma resposta racional para esta pergunta. Os fatores que diferenciam
a legislação destes países são de outra ordem. Só uma análise a partir de um
conhecimento profundo sobre cada uma destas nações poderá, quiçá, dar uma
resposta. No caso do Brasil, cuja legislação penal é da década de quarenta,
profundamente influenciada pela religião católica, em uma primeira análise, pode
parecer surpreendente a não-criminalização do incesto. Mas uma análise percuciente
pode levar a outra conclusão. Ao contrário de ser um avanço progressista, tal omissão
possui, sob um ponto de vista psicanalítico, uma explicação bastante plausível. Freud
sempre defendeu a idéia de que só se proíbe aquilo que é desejado, pois aquilo que
não se deseja não faz falta proibir e/ou reprimir. Como o incesto é um tabu primário
básico, o pensamento religioso sequer admite a existência do seu desejo. Portanto
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proibir significaria admitir o desejo da prática incestuosa. Na ausência de tipificação
legal encontra-se latente a negativa, ou tentativa de ocultação, do desejo incestuoso.
Outros exemplos podem ser dados: Por que em determinados países é
crime a prática de sexo anal e, em outros, não? Ou quais motivos justificam o fato de a
palavra do marido ter força de verdade, mesmo quando ele próprio acusa a mulher (em
benefício próprio) de adultério, em algumas nações cujo Direito se confunde com a
religião? Por que o Direito de Família, em determinados países, é estruturado com
base monogâmica e, em outros, poligâmica? O que justifica a pena de morte em
determinados lugares e, em outros, não? E a questão moderna do casamento entre
homossexuais? Por que gera tão profundas e radicais posições, só entendíveis, se
analisadas as profundezas da mente humana? Enfim, pode-se discorrer longamente
sobre as diferenças nas estruturas legais dos vários Estados, e a Ciência Jurídica não
possui base epistemológica para compreender estas diferenças e, muito menos,
analisar seus motivos e, menos ainda, sua eficácia no cumprimento de normas
prescritivas externas ao ser humano. Não poderá explicar, por corolário, os motivos de
(não) eficácia e efetividade das mesmas.
Há um outro fator a ser considerado na própria compreensão do Direito
em si e, no caso brasileiro, da sua estrutura legal, ou Direito Positivo. A Ciência
Jurídica ambiciona resolver conflitos. Ora, o conflito é algo diretamente relacionado à
subjetividade humana. Determinado fato pode ou não gerar conflito, dependendo da
estrutura mental do sujeito. Por ilustração, o fato de um travesti “fazer ponto” perto da
residência de uma pessoa, pode ou não gerar um conflito. A tendência homossexual
reprimida do morador pode tornar insuportável a presença próxima do travesti. E o
Direito não possui condições de compreender, sozinho, os reais motivos de um conflito
e, por isto, não poderá dar a devida solução para ele. Disto resulta que o Direito decide
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os conflitos, mas isto não implica sua resolução. Uma coisa é decidir um conflito,
impondo uma solução; outra é resolvê-lo, construindo, diretamente com as partes
envolvidas, uma forma de suplantá-lo e/ou de conviver com ele pacificamente.
Aliás, na questão do conflito, as faculdades de Direito, apesar de
pretenderem estudar uma ciência com capacidade de resolvê-los, não dedicam uma só
disciplina a seu estudo. Nem sequer se dão conta de que os conflitos jurídicos
representam, de fato, ínfima parcela dos conflitos sociais. Ou seja, os conflitos jurídicos
são os poucos conflitos sociais que foram jurisdicizados (Hoje, cada vez mais, os
conflitos sociais estão sendo levados ao Poder Judiciário, ocasionando um crescente
aumento do número de feitos).
Nestes pontos, os conhecimentos advindos das disciplinas dedicadas ao
estudo da mente humana podem ser fundamentais na compreensão das
complexidades envolvidas na construção das fontes (formal e material) do Direito.
4. O processo judicial
Quando se fala de psicologia jurídica, comumente, o falante refere-se
àqueles casos em que o processo prevê a participação de psicólogos e psiquiatras,
com apresentação de laudos periciais em : a) Direito de Família, separações, divórcio,
guarda de filhos, e Direito da Criança e do Adolescente, adoções e aplicação de
medida socioeducativas; b) interdições; e c) Direito Penal, em casos de incidente de
sanidade mental e concessão de alguns benefícios na execução penal. Nos dois
últimos itens, o comum é o laudo psiquiátrico. Já, no primeiro, vêm avançando as
perícias efetuadas por psicólogos. Por certo, outras hipóteses de perícias psicológicas
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na prática forense existem, mas são mais esporádicas, como em um processo de
indenização por danos morais, por ilustração, motivo pelo qual não foram citadas.
Mas este tipo de visão sobre a psicologia jurídica, além de se restringir
ao pensamento dogmático, tolhe o alcance da interdisciplinaridade. Tenta-se mostrar,
neste texto, o potencial da análise psicológica jurídica, não só nas perícias (quando a
autonomia do Direito se mantém e o conhecimento psicológico é apenas auxiliar), mas,
acima de tudo, na compreensão do próprio fenômeno jurídico, demonstrando suas
limitações ao tratar de normas de conduta humana, sem considerar devidamente as
implicações anímicas nesse processo, em especial as subjetivas.
O estudo do processo judicial talvez seja a melhor maneira de
demonstrar a necessidade da união destas duas áreas do conhecimento (sem excluir
outras), para se dar conta, de fato, das complexidades do ser humano e de sua vida
em sociedade. A partir da dogmática jurídica, o processo é visto com as normas
procedimentais (em verdade, um ritual) estipuladas de maneira formal e técnica, com
capacidade de levantar a verdade jurídica e, sobre ela, permitir a correta aplicação da
lei. Trata-se de uma construção fantasmática, sem dúvida.
Indubitavelmente, a legislação tenta estabelecer regras de procedimento
pelas quais o mundo do Direito trafega. Elas são pensadas como científicas e com
capacidade de garantir o levantamento da verdade jurídica, do juridicamente relevante,
dados necessários à aplicação do Direito e, dizem outros, adentrando especulações
filosóficas, à concretização da Justiça. Um estudo mais acurado poderá demonstrar as
dificuldades destas pretensões.
Afinal, o que, de fato, pretende fazer o processo? Sob um ponto de vista
empírico, abandonando o discurso jurídico, a única resposta plausível parece ser:
através de determinado ritual e da coleta de provas, reconstruir um fato passado, já
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acontecido, remontando-o no presente, para ser julgado. E o primeiro problema está
exatamente aqui: um fato já acontecido nunca é reconstruído (ou reproduzido) com
fidedignidade. Ou seja, o Direito trata não com o fato acontecido, mas com uma
hipótese de como ele aconteceu. Esta hipótese é repleta de subjetividade, de valores,
todos construídos a partir das mentes humanas envolvidas no processo judicial.
Analisando o processo (todos: penal, civil, etc.) para além do Direito e
descrevendo-o em linguagem não jurídica, não fica difícil compreender que seu início
sempre é uma hipótese já construída a partir da interferência (objetiva e subjetiva) de
pessoas não envolvidas no fato em si. Por ilustração, o processo penal tem início,
quase sempre, com a denúncia oferecida pelo Ministério Público e, em poucos casos,
por queixa-crime oferecida pelas partes. Já no processo civil, seu início dá-se pela
petição inicial. Todos estes documentos são papéis nos quais consta uma descrição
sobre os fatos fundamentadores da demanda jurídica, ou lide. Mas esta descrição não
reproduz aquilo que empiricamente aconteceu tempos atrás. Estes documentos
descrevem uma versão possível do fato (ou fatos), uma hipótese de como ele teria
ocorrido, mas já a partir dos desejos de quem os apresenta a julgamento.
Acontece o fato. Passam-se dias (quando não meses ou anos). Dá-se
início a sua reconstrução, com o inquérito policial, no crime; com os dados fornecidos
pela parte, no civil. Estes dados são construídos a partir das versões efetuadas sobre o
fato passado. E, sobre estas versões, o promotor de justiça ou o advogado constrói
outra versão. No mínimo, a segunda versão do fato dá início ao processo. Uma versão
é um modo (entre muitos) de contar e interpretar o ocorrido. Quem não estuda as
questões anímicas dificilmente entenderá os fatores (muitos, infantis) determinantes na
elaboração das versões.
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A partir da versão inicial (de fato uma construção elaborada já com
distorções) que remete ao passado, dá-se início ao processo judicial. Nele, se tentará
verificar, por intermédio das provas, a veracidade, ou não, dessa primeira versão.
Neste ponto, surge um novo problema negligenciado (ou omitido) pela Ciência Jurídica:
as provas não são capazes de encontrar a verdade empírica sobre o ocorrido. Na
melhor das hipóteses, criam uma terceira versão do fato, para, então, vir o julgamento
e dar a quarta versão.
Antes de adentrar na análise da produção de prova, torna-se
imprescindível citar um requisito altamente subjetivo que embase toda a teoria
processual: o princípio da boa fé. Pressupõe-se (é uma exigência legal) que as partes,
testemunhas, juízes, promotores, advogados, enfim, todos os envolvidos na relação
processual ajam com boa fé. O conceito de boa fé, em si, já é discutível. Um neurótico
compulsivo, um sádico, um masoquista, um psicótico, um esquizofrênico, por certo,
terão conceitos diferentes. Ademais, em um mundo guiado pelo afã do lucro, pelo
desejo de enriquecimento, quais os motivos que levariam os sujeitos, dentro do
processo (incluindo juízes e promotores de justiça), a abandonarem os valores-padrão
da sociedade em que vivem, para agirem de boa fé? Só muita boa vontade, ou desejos
diversos, e isto é matéria a ser analisada pelas ciências da mente e não só pelo
Direito, de forma autônoma.
Os meios de prova são basicamente três: documental, pericial e
testemunhal. Os dois primeiro, em princípio, são mais objetivos. Em princípio, porque
há um fato, de cunho ontológico, ou anímico, fundamental: qualquer atividade cognitiva
sempre implica certa dose de subjetividade. O próprio Einstein afirmou que a
observação científica assim o é, pois a velocidade de captação dos fenômenos pela
retina do observador (observar um astro, por telescópio, no caso) varia de pessoa a
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pessoa. Portanto, mesmo na produção (existe o crime de falsidade ideológica, não se
olvide) e interpretação de um documento autêntico há interferências de fatores
subjetivos. O mesmo ocorre com as perícias. Até mesmo em um teste de paternidade
efetuado por análise de DNA existe a possibilidade de erro. As perícias como um todo
não estão eximes dos fatores subjetivos dos peritos, pois estes sempre terão de
interpretar e concluir, e, como seres humanos, não podem abandonar sua
subjetividade, seu inconsciente, sua capacidade cognitiva, sua capacidade de
aprendizagem e memorização, suas crenças, enfim, sua história de vida. A verificação
da quantidade de erros em exames médicos e outros surpreenderia o leitor. Portanto,
até em relação às chamadas provas objetivas, trabalha-se com probabilidade e não
com certeza absoluta. Isto sem falar no caráter absolutamente subjetivo da
interpretação destas provas, a ser feita por todos os envolvidos no processo,
principalmente o magistrado, como se verá no próximo item.
Mas as provas documentais e periciais respondem por parte ínfima na
construção da verdade jurídica. Esta é montada, em quase todos os processos
judiciais, através das palavras de pessoas. E as palavras não são reprodução e sim
construção. A iniciar pelas partes. Nos processos cíveis, por óbvio, o discurso inicial de
uma demanda é montado a partir do interesse direto do demandante. O fato levado
aos autos representa seus desejos e não a realidade empírica passada. Já nos
processos crime, lida-se com a palavra do acusado a partir do seu medo de ser
condenado e preso, chegando ao oposto, ou seja, a auto-acusação para suprir uma
necessidade neurótica de ser punido. Passa-se, também, pelo desejo de proteger um
terceiro, de agradar e destruir. Questões nada objetivas e não incluídas na
epistemologia jurídica.
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Ademais da palavra das partes, o processo judicial costuma ser formado
basicamente sobre a prova testemunhal e esta, não há dúvida, é totalmente subjetiva e
trás ao processo uma reinterpretação do fato acontecido, uma versão nova, montada
(não necessariamente com má-fé) a partir dos valores de cada sujeito. E isto por vários
fatores. Sempre há, de início, os casos de corrupção ou outras transgressões da
própria legalidade. Testemunhas pagas, preparadas, não são poucas. É um fator
importante, mas para manter-se na crítica à teoria jurídica autônoma, ficarão de lado.
Mesmo a testemunha honesta não fala a verdade, entendida esta como reproduzir,
autenticamente, os fatos como eles ocorreram empiricamente (fala a sua “verdade”).
E a “mentira” não corresponde a um ato doloso, com a intenção de
falsear o fato. Não se trata disto. São questões fisiológicas e psíquicas que impedem a
qualquer ser humano reproduzir autenticamente um fato ocorrido no passado. A
percepção de cada indivíduo (visual, auditiva, olfativa, tátil, gustativa e afetiva) não é
igual à dos outros. A noção de espaço, de tempo, de temperatura, de claridade e
assim por diante está muito relacionada com a história de vida de cada um. Por
exemplo, uma pessoa criada solta em uma fazenda rural terá uma noção sobre perto e
longe, pequeno e grande, curto e longo, alto e baixo, muito e pouco, rápido e
demorado, bastante diferente de uma outra pessoa sempre criada em um pequeno
apartamento urbano.
Para explicar bem estas asseverações, sempre realizo uma experiência
com os alunos. Faço-lhes uma pergunta, antes esclarecendo ser ela de capital
importância para elucidar os fatos relativos a um crime. Da resposta poderá advir a
condenação ou absolvição do acusado. Peço-lhes que escrevam a resposta, antes de
se manifestarem sobre ela, a fim de que não sejam influenciados pelas respostas dos
demais colegas. Após estarmos de acordo, pergunto: quanto mede esta sala de aula,
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isto desde o quadro negro até a parede dos fundos? Anotadas as respostas, sempre
os resultados variam de sete a quinze metros, ficando a maioria perto dos nove
metros. Pois bem. Ninguém mentiu propositadamente, mas as respostas chegam a
diferir em até o dobro. E isto em relação a uma pergunta simples, sobre um fato
simples, sem qualquer estresse e em relação a um espaço relativamente pequeno (o
que diminui a margem de dúvida). Sete e quinze metros são os extremos. E qualquer
um dos alunos que fosse prestar um testemunho sobre a sala de aula deporia, sem
maldade, indicando ao processo uma metragem errada, pois as salas medem,
normalmente, de oito metros e meio a nove. Este erro ,oriundo das diferenças de
percepção de cada um, poderia ser crucial na fundamentação da futura decisão.
Tendo-se em conta, ainda, que os fatos levados ao processo, em
especial os tipificados como crimes, são praticados em momentos de alta tensão,
(medo, gritaria, barulho, nervosismo, etc.) e não na descontração de uma sala de aula,
é de se ter como certo outro fator: grande dificuldade na percepção dos fatos e sua
memorização (a capacidade de memorização também difere de pessoa a pessoa).
Some-se tudo isto a outro momento de estresse, quando a testemunha, muito tempo
depois, é levada diante de um juiz, nos palácios de Justiça, simbolicamente
agressivos, e, após jurar a verdade, sob pena de cometer o crime de falso testemunho,
deve descrever os fatos diante de estranhos, em lugar hostil e sob ameaça de prisão.
É muito ingenuidade, para usar um eufemismo, desejar da testemunha uma
reprodução genuína, autêntica, do ocorrido no passado.
Ademais de questões puramente fisiológicas, as psíquicas se impõem
como fatores complicadores do ato de testemunhar. Como já mencionado, não há ato
cognitivo puro. A percepção e compreensão de qualquer fato sempre são produzidas a
partir da filtragem efetuada por cada sujeito (e esta é uma regra sem exceção).
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Acontece um fato diante de várias pessoas, cada uma irá codificá-lo mentalmente de
forma diferente e disto resultarão diversas versões sobre o mesmo, na melhor das
hipóteses parecidas. Isto é inerente ao ser humano. E somem-se a isto outros fatores,
como a própria importância (ou não-importância) que a testemunha dará ao fato de
testemunhar. Um sujeito excluído, cuja vida é uma seqüência de monotonia e
vulgaridade, pode encontrar no seu testemunho um momento de autovaloração, e isto
poderá fazê-lo dizer mais do que sabe, inventando, não por maldade, mas para
justificar sua própria existência. Um racista, ou um sexista (não só com aversão a
homossexuais, mas, também, com idéias misogínicas ou misândricas) irá depor
influenciado, a partir de seu inconsciente (quando não mesmo conscientemente), por
estes fatores subjetivos, quando se trate de testemunhar um fato relativo a um negro,
um homossexual, uma mulher ou um homem.
Pode-se escrever folhas e folhas elencando todas as variáveis de
influenciar um depoimento e lhe tirar a objetividade pretendida pela Ciência Jurídica.
Mas o objetivo momentâneo é chamar a atenção para estes problemas e demonstrar
ou realçar a importância de uma análise jurídico-psicológica do processo como um
todo, para se poder praticar o Direito não a partir da crença de uma base
pretensamente objetiva (na verdade psicótica, pois fora da realidade), mas a partir de
sua efetiva realidade, que é subjetiva e probabilística.
5. A jurisprudência
Usa-se o termo jurisprudência não em seu sentido jurídico tradicional
(julgados reiterados), mas como sinônimo do ato de julgar, em qualquer instância. A
Ciência Dogmática do Direito insiste na defesa da neutralidade jurídica e na
32
possibilidade do julgador agir como um técnico, alheio às questões não-jurídicas,
dando ao processo o justo é único julgamento possível, a partir da base científica
racional que a fundamenta. Tal visão é, quando muito, tão-só um ato de boa vontade.
Apenas com base na análise efetuada sobre o processo judicial, já fica
evidente a falta desta base epistemológica (em realidade, ideológica) do Direito.
Entretanto, mesmo acreditando-se na construção da verdade jurídica de forma
objetiva, ainda assim a subjetividade não escaparia à função de julgar. Isto porque o
julgador, como qualquer ser humano, não pode prescindir de seus valores, de suas
experiências emocionais, de sua estrutura psíquica, de seu inconsciente, na prática de
qualquer ato cognitivo, e, por óbvio, no momento de julgar. O juiz, o desembargador e
o ministro (e seus assessores, por certo) encontram-se vinculados às suas emoções,
às suas pulsões, e delas não podem se apartar, quando julgam. Isto não leva ao
absurdo, ao descontrole ou à possibilidade de o julgador cometer aberrações (apesar
de muitas serem feitas cotidianamente, pois os juízes hoje presos por corrupção
ditaram muitas sentenças, com argumentos jurídicos racionais, e muitas delas foram
mantidas por vários tribunais). Há, sempre, a exigência de argumentação. Os fatores
subjetivos estão latentes nela e só uma análise psicológica -- no caso, o mais preciso é
dizer psicanalítica, pode trazê-la à tona, ou desvendá-la.
O magistrado não escapa aos mesmos fatores que influenciam as
testemunhas. Assim, já no momento da coleta da prova, fatores não-jurídicos
influenciam a sua atuação. Isto em relação às perguntas que escolhe fazer às
testemunhas, a credibilidade que dará a cada uma (e aqui os fatores racistas, sexistas
e outros também atuam), chegando até à forma como dita o depoimento ao digitador,
para registrá-lo na ata de audiência. Aliás, neste ponto, quem atua na prática forense
sabe muito bem, não é infreqüente o próprio digitador digitar uma palavra diferente
33
daquela ditada pelo juiz, a qual já era diferente daquele falada pela testemunha. O
comum, e os julgadores sabem bem disto, é a prática do prejulgamento, já no primeiro
contato com os autos, para depois realizar a simples adequação da prova ao desejo
expressado no seu prejulgar. É claro que isto não representa uma regra absoluta, mas
é comum.
Também há uma vinculação afetiva, emocional, do magistrado com o
conteúdo do processo sob sua jurisdição. Um magistrado filho de um pai alcoolista
seguramente será influenciado por sua história de vida na hora de instruir e decidir um
processo envolvendo uma parte com o mesmo vício (ou doença, como, na atualidade,
muitos reconhecem). Ou um magistrado religioso sofrerá influências de sua crença em
todos os processos cujos valores religiosos estejam envolvidos, mesmo de forma
dissimulada. Ou criado no interior, com grande apego à terra. Ou em uma cultura
machista, com seus fortes valores de subordinação da mulher ao homem. E, aqui, o
“ou” se perpetuaria, para indicar todas as possibilidades de fatores subjetivos, não
jurídicos, no ato de julgar.
Além da questão cultural, até mesmo fatores psicopatológicos influenciam
diretamente a decisão judicial. Um juiz neurótico compulsivo, ou obsessivo, julgará
diferente de um sádico, que julgará diferente de um psicótico, que julgará diferente de
um masoquista, e assim por diante.
Na vida prática, por ilustração, alguns advogados mais experientes
possuem um subterfúgio eficaz para arrancarem medidas liminares de juízes, isto, por
evidente, a partir de argumentos não-jurídicos. Em um caso de reintegração de posse,
com pedido de liminar, soem falar com o juiz e, assim, sem qualquer intenção, dizem
que a parte requerida afirma, de forma categórica, “que não sairá do imóvel e nenhum
juiz o tirará de lá.” Atingido frontalmente em sua autoridade (ou desejo de ser macho,
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super-homem), o juiz cai na armadilha, fica irado e diz todo orgulhoso: “Vou mostrar
quem manda.” Após, arruma os argumentos jurídicos necessários para fundamentar
sua decisão interlocutória, e manda retirar o requerido do imóvel (aliás, que nunca
ameaçou o magistrado). Estes espertos advogados foram além do Direito e
conseguiram seu intento. Só as ciências da mente podem explicar este tipo de
atuação.
Também há um outro caso emblemático para demonstrar os fatores
inconscientes no ato de julgar. Certo desembargador era conhecido como um “grande
condenador”, quando se tratasse de crimes sexuais. Era um homem honesto, não
afeito a qualquer prática corruptiva. Mas, ao chegar aos setenta anos, foi aposentado
compulsoriamente. Retirado dele o peso da toga, sempre voltava ao seu antigo lugar
de trabalho, o Tribunal. Entretanto, agora, ao contrário de condenar acusados de crime
sexuais, ele passou a molestar sexualmente as mulheres que lá trabalhavam, em
especial ascensoristas e serventes. Esta dualidade de prática: antes, um moralista
ferrenho contra os crimes sexuais, com base jurídico-racionalista, e, depois, um
molestador (ou criminoso), desvenda fatores ocultos, escondidos no discurso jurídico
que durante anos foi usado para colocar pessoas na cadeia (algumas de forma
merecida, outras, talvez, não). Afinal, quem ou o que este julgador condenou em sua
vida profissional? Aqueles com coragem para realizar seus desejos inconscientes? A si
próprio? Como atuam (e qual discurso racionalista utilizam) os julgadores
homossexuais reprimidos? Só anos de análise para responder. Mas a falta de resposta
imediata não retira a necessidade de aprofundar estudos interdisciplinares sobre a
função de julgar e todas as implicações subjetivas nesta importante tarefa social.
6. As soluções jurídicas
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Como analisado no início deste texto, o Direito se apresenta à sociedade
com suas promessas de controle social e promotor do bem comum e da paz, via
resolução dos conflitos. Também foi visto que o Direito, de fato, situa-se entre os
sistemas de prescrição (ou interdição) externos ao sujeito, convivendo paralelamente
com os sistemas morais, religiosos e outros. E todos estes, por sua vez, atuam sobre o
sujeito, também submetido ao seu código interno de proibições. Neste item final de
estudo, discutem-se as formas pelas quais a Ciência Jurídica pretende cumprir suas
promessas, ou, mais tecnicamente, por quais mecanismos o Direito tenta cumprir suas
funções.
Antes de qualquer análise, torna-se necessário frisar as limitações do
Direito no cumprimento de sua tarefa. A dogmática jurídica omite (propositadamente,
ou não) a insuficiência da Ciência Jurídica para fazer seu trabalho mínimo: fazer
cumprir as normas. Em realidade, no arcabouço jurídico existem normas para serem
cumpridas e normas para não serem cumpridas. Estas últimas são aquelas com
capacidade de transformar as relações de poder, em especial as econômicas, na
sociedade. Assim, todas as normas relativas aos direitos sociais, econômicos e,
também, os princípios básicos constitucionais (dignidade de vida, por ilustração) não
existem para serem cumpridos via Direito. E aqui já surge um tema baste interessante
para se analisar a partir dos conhecimentos da mente humana. Qual a necessidade de
existirem normas para não serem cumpridas? Por que isto ocorre e os juristas ignoram
o fato? Quais os fatores determinantes desta esquizofrenia epistemológica e de
conduta dos juristas?
Deixando de lado esta parte, legislada para não ser cumprida, na outra,
a que deve ser cumprida, o Direito possui algumas formas de atuar. Pode-se dividir em
36
dois ramos básicos: a) a repressão à criminalidade e b) o cumprimento dos direitos. No
primeiro, fala-se de Direito Penal. No segundo, precipuamente, de Direito Civil, mas,
também, dos demais ramos do Direito, como Constitucional, Tributário, Comercial,
Trabalhista, etc.
O combate à criminalidade dá-se por uma prática bastante behaviorista,
pretendendo-se combater a celeridade através de punição e castigo. Já no
cumprimento aos direitos, a Ciência Jurídica enfatiza a reparação do dano, o
cumprimento dos contratos e a garantia da propriedade privada. Todos estes
mecanismos são ditados em uma sentença a ser futuramente executada, após seu
trânsito em julgado. A coerção estatal, ou o monopólio legítimo da violência, é a
garantia do cumprimento das decisões judiciais.
O Direito Penal pode ser estudado a partir de sua própria perversidade
estrutural. Alguns dados2, por si só, demonstram as complexidades das mentes
criadoras das normas repressivas brasileiras: as reprimendas mais severas em nosso
sistema penal referem-se aos delitos de latrocínio, tipificado em um mero parágrafo (§
3º) do crime de roubo, disposto no art. 157, e extorsão mediante seqüestro quando
resulta morte, conforme § 3º, art. 159, coincidentemente ambos dentro do capítulo II do
Título II do Código Penal, que diz respeito aos crimes contra o patrimônio. Se uma
pessoa rouba e mata, está sujeita a uma pena de 20 a 30 anos de reclusão. Caso
seqüestre um empresário para obter vantagem e o mate, será condenado, no mínimo,
a 24 anos e, no máximo, a 30 anos de reclusão. Mas, se estupra uma adolescente, e
do fato resulta a morte (art. 213 c/c 223, parágrafo único), a pena é de 12 a 25 anos de
reclusão. Aliás, para o código, o estupro é um crime contra a liberdade sexual, incluído
2 Estudo mais detalhado por ser encontrado em ANDRADE, Lédio Rosa. Direito Penal Diferenciado.
Tubarão: Editorial Studium, 2002, 120 p.
37
entre os crimes contra os costumes. Já, se o crime for de homicídio simples (art. 121),
a pena é de 6 a 20 anos de reclusão; e se for homicídio qualificado (art. 121, § 2º), a
reprimenda sobe para 12 a 30 anos de reclusão.
Dentre os crimes contra a pessoa, existem as lesões corporais. Vejam-se
os seguintes casos: a) uma pessoa desfere, sem intenção de matar, uma facada em
outra, causando-lhe um corte. Pena de 3 meses a um ano de detenção (art. 129); b) se
da facada resultou incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias,
perigo de vida, debilidade permanente de membro, sentido ou função (cegar um olho,
por ilustração), ou acelerar o parto, pena de 1 a 5 anos de reclusão (art. 129, § 1º); c)
se da facada resultou incapacidade permanente para o trabalho (ficar tetraplégico),
enfermidade incurável, perda ou inutilização de membro, sentido ou função (ficar
totalmente cego), deformidade permanente (perder as pernas) ou aborto, pena de 2 a
8 anos de reclusão (art. 129, § 2º); d) se da facada resultar lesão leve, mas a vítima
cair, bater com a cabeça e vir a morrer, a pena é de 4 a 12 anos de reclusão (art. 129,
§ 3º).
Voltando aos crimes contra o patrimônio, passo a analisar casos de furto
e roubo, com suas conseqüentes penas, a fim de compará-los com as hipóteses de
lesões corporais: a) se a vítima deixa aberta a porta de seu veículo, e o criminoso retira
de seu interior um relógio usado, pena de 1 a 4 anos de reclusão (art. 155); b) se a
porta do veículo estiver travada, e o agente quebrar o vidro ou usar uma chave falsa, a
pena passa para 2 a 8 anos de reclusão (art. 155, §4º); c) se a vítima estiver dentro do
veículo, e o agente a ameaçar, sem produzir qualquer ferimento, e se apossar do
relógio, a pena é de 4 a 10 anos de reclusão (art. 157). Se, para produzir a ameaça, o
agente usar um revólver de brinquedo, a pena de 4 a 10 anos é aumentada de um
terço até a metade (§ 2º, I, do mesmo artigo); d) no caso da violência resultar em lesão
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corporal grave, a pena é de 7 a 15 anos de reclusão (art. 157, § 3º); e) mesmo sem a
intenção de matar, se da violência exercida para roubar (a vítima pode morrer de
ataque cardíaco) resultar a morte, caracteriza-se o latrocínio, com a pena de 20 a 30
anos de reclusão, conforme já dito.
A comparação chega ao absurdo, se for efetuada em relação ao crime de
extorsão mediante seqüestro: a) para o fato em si de seqüestrar uma pessoa para
obter vantagem, mesmo sem lhe causar qualquer dano físico, a pena é de 8 a 15 anos
de reclusão (art. 159, caput, do CP), ou seja, maior do que o crime de lesão corporal
seguida de morte. A pena mínima é superior em dois anos à do homicídio simples; b)
se o seqüestro durar mais de 24 horas, ou for praticado por bando ou quadrilha (quase
todos são, pois é praticamente impossível uma única pessoa seqüestrar outra e obter o
resgate em menos de 24 horas), ou se a vítima for menor, isto também sem qualquer
dano físico, a pena é superior à prevista para o crime de homicídio simples (6 a 20
anos de reclusão) e praticamente igual à fixada para o homicídio qualificado (12 a 30
anos), uma vez que a reprimenda é de 12 a 20 anos de reclusão, nos termos do § 1º,
do mesmo artigo; c) se do crime resultarem lesões graves, pena de 16 a 24 anos, e se
resultar morte, 24 a 30 anos de reclusão (§§ 2º e 3º). Isto é um absurdo frente às
penas estipuladas para os crimes contra a pessoa, incluindo o homicídio qualificado.
Para deixar bem explícito, se um criminoso, sem a intenção de matar,
furar os dois olhos de uma pessoa e, ainda, deixá-la tetraplégica, poderá receber uma
pena de 2 a 8 anos de reclusão, mas, se ousar roubar o relógio de uma pessoa,
ameaçando-a com uma arma de brinquedo, sem lhe produzir qualquer lesão física,
estará sujeito a uma pena de 4 a 10 anos de reclusão.
Uma outra comparação bastante ilustrativa pode ser efetuada entre os
crimes previstos nos artigos 149 e 155, § 5º, do Código Penal. Reduzir um ser humano
39
à condição análoga à de escravo é considerado um crime de menor potencial
agressivo à sociedade em relação à subtração de um automóvel em um Estado da
Federação, transferindo-o para outro Estado.
Com estas ferezas básicas e, ainda, estruturado para regular os seres
humanos a partir de uma lógica de castigo e prêmio, não se pode esperar do Direito
Penal qualquer eficácia no cumprimento de sua missão declarada (combater o crime e
promover a paz e harmonia social), pois a velada, a ideologicamente embutida, a
cumpre muito bem. Ademais, os castigos aplicados, na prática, restringem-se à prisão.
Penas como multas ou as chamadas alternativas simplesmente não são aplicadas e,
se fossem (em poucos casos são), não funcionariam.
E a dogmática jurídica penal, mais uma vez, não adentra em pontos
importantes para se pensar o controle social, via Direito. Ora, submetido à miséria,
com supressão do mínimo à subsistência, qualquer sujeito pode delinqüir. E, mesmo
suprido materialmente do necessário à sobrevivência, o desejo pelo proibido (há de ser
diferenciada a necessidade do desejo) é muito mais forte do que as proibições
externas ao sujeito. Portanto, uma deficiência de superego pode levar um indivíduo a
cometer crimes, exatamente para pedir uma punição. E não é só isto. Basta pensar
nos crimes cometidos por pessoas abastadas economicamente. O que leva um juiz de
Direito (ou um empresário, ou um legislador), por ilustração, com seu salário suficiente
para pagar o necessário a uma vida confortável, a envolver-se com corrupção? A
ameaça de cadeia será suficiente para prevenir estes crimes? É claro que não, pois
eles existem em grande quantidade. E a efetivação da prisão irá recuperar estes
delinqüentes? Parece que não: primeiro, porque não são presos (com raríssimas
exceções) e, segundo, porque o discurso da recuperação do criminoso via cárcere é
40
tão-só ideológico, não encontrando muito amparo na própria Ciência Jurídica, na
sociologia e, muito menos, nas Ciências da mente.
Pense-se, então, em um maníaco sexual. Após apossar-se da vítima (ou
mesmo antes), irá raciocinar a partir das penas para não prosseguir com seus atos
agressores? Todas estas possibilidades envolvem questões anímicas e não só
jurídicas.
Alguns exemplos (bem constantes) presenciados em mais de vinte anos
de magistratura podem demonstrar a ineficácia dos remédios jurídicos penais, quando
se trata de, realmente, resolver um conflito e proteger, do crime, a sociedade (e isto
sem considerar que os tipos penais são sempre antijurídicos, mas nem sempre são
anti-sociais. E muitos atos anti-sociais não são antijurídicos).
Em casos de estupros e atentados violentos ao pudor dentro da família,
quase todos incestuosos, muitas mães, quando não as próprias vítimas, protegem o
agressor. A demora no processo, com o passar dos anos, leva à reestruturação do lar.
Quando a pena chega para ser cumprida, só serve como novo golpe à família. O que
faz o Direito nestes casos de abuso sexual masculino em crianças e adolescentes, nas
relações parentais? Para proteger a vítima, busca reconstruir os fatos, através da fala
dos envolvidos. Quebra a confidencialidade do ocorrido, torna pública a possível
agressão (o segredo de justiça só serve para avivar o interesse no caso), pressupõe
ter encontrado a verdade, e acaba destruindo a figura paterna, destituindo o pátrio
poder e, quando não, aprisionando o agressor. Da solução dada pelo Direito, decorrem
grandes conflitos familiares, entre pais e mães, divórcios, suicídios, queda profissional
do condenado, entre tantos. Pode-se perguntar: O que fazer, então, absolver o
criminoso? Um enérgico NÃO é a resposta.
41
O problema é outro, e mais complexo. O Direito erra, em primeiro lugar,
ao confundir a ação com o dito. Ora, todo tema referente à sexualidade, na sociedade
que construímos, já implica uma certa violência implícita. O falar sobre, com uma
criança, um adolescente e, até mesmo, com um adulto, se efetua sob o signo da
surpresa, do segredo, do abalo, do proibido e do velado. O tema em si dispara as
fantasias dos sujeitos. Então, um pai ou um padrasto, que acaricia uma criança ou
uma adolescente no leito, pode, dependendo das fantasias delas (e dele também),
estar simplesmente acariciando paternalmente ou cometendo um abuso sexual. É duro
e forte de dizer, mas há uma certa cumplicidade, em determinados atos, entre agressor
e agredido, entre abusador e abusado. Isto não implica defender a complacência com
o abuso sexual, bem ao contrário, deve-se analisá-lo com redobrado cuidado.
Um segundo erro do Direito é quebrar a confidencialidade do fato. Não se
trata de proteger o agressor, mas de preservar a vítima, pois a exposição de sua
intimidade acarretará danos irreparáveis, podendo ser pior do que a agressão. Por fim,
o derradeiro erro é a destruição da figura do pai. Todo ser humano se desenvolve a
partir de um ideal de pai. Portanto, sua destruição, mesmo sendo um agressor,
significa acabar com um importante referencial do sujeito, mormente sendo criança, e
isto também implica distúrbios graves.
Os agressores sexuais devem sofrer algum tipo de atenção (a prática de
punição nada resolve neste caso, e talvez em nenhum outro, mas isto não significa
total irresponsabilidade jurídica pelo ato praticado. Outros meios de atuação devem ser
construídos a partir de um novo paradigma jurídico interdisciplinar), mas, para proteger
as vítimas, os julgamentos devem ser efetuados sob confidência, levando-se em conta
as fantasias das partes, e preservando-se na filha e no filho o seu ideal de pai, imagem
a se sobrepor à do pai agressor. E isto o jurista sozinho não sabe fazer. Afinal, se
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ninguém pode ignorar a lei, é de se exigir que legisladores e julgadores não ignorem as
conseqüências de sua aplicação.
Muitos casos de mulheres agredidas, quando resulta denúncia e prisão
do agressor, culmina com a vítima implorando por sua soltura. O desejo masoquista, a
dependência psíquica (também a econômica) são temas não considerados pelo Direito
Penal, e a prisão, sua única resposta para estes casos, é totalmente inadequada,
produzindo danos superiores ao crime em si. Não se está a falar em absolvição
generalizada, pois isto manteria a mesma lógica, mas, sim, em ponderar,
interdisciplinarmente, sobre os fatores envolvidos no conflito.
Muitos outros exemplos poderiam ser dados. Mas para concluir a análise
sobre o Direito Penal, torna-se importante frisar que a solução dada pelo Direito para
combater a criminalidade, a pena, não possui, em si, o potencial pedagógico e
repressivo pensado pelos juristas. Nem antes, nem depois da prática criminosa.
Dependendo da estrutura psíquica do sujeito criminalizado (diferente do criminoso,
todos, pois não há quem não pratique ato típico penal), a pena pode, inclusive, servir
de incentivo ou, quase sempre, simplesmente não importar nada.
Nas demais áreas do Direito, a solução, normalmente, vem através de
uma sentença condenatória reparadora. Sem esquecer que a tecnologia já criou danos
irreparáveis, como, por ilustração, uma explosão nuclear, quando as vítimas não
podem ser quantificadas e, pior, pessoas ainda não nascidas serão vítimas no futuro,
mesmo hoje a reparação, em si, não resolve conflitos, em muitos casos. O desejo
psíquico da parte não se contenta com uma reparação pecuniária.
A questão torna-se mais complexa, quando diz respeito ao Direito de
Família. Nesta área, a reparação já não possui muito sentido. Várias partes usam o
processo para manterem um vínculo afetivo, de amor e ódio, tornando os feitos
43
intermináveis. São constantes os pedidos de pensão alimentícia, revisão de pensão,
revisão da revisão, direito de visita e tantos pleitos de modificação, de guarda de filhos
e acusações mútuas de maus tratos. Muitas vezes, o processo é a garantia de que os
separados possam se ver, vez por outra (em outras palavras, não conseguem viver
juntos e nem separados, logo: vivem “juntos” no processo). Os fatores não-jurídicos se
multiplicam.
Um caso emblemático pode ser citado, por experiência própria. Em uma
ação de separação judicial, cumulou-se o pedido de guarda de um casal de filhos, uma
menina de aproximadamente nove anos e um menino de cinco ou seis anos. Eles não
queriam nem ouvir falar da mãe. Aberta a audiência, para tentar uma conciliação, os
genitores foram para a sala de audiência e as crianças, para o gabinete do magistrado.
Este (eu), dirigiu-se diretamente para a sala de audiência, sem ver as crianças. Casal
de classe média baixa, com instrução média. O argumento principal apresentado pelo
pai centrava-se na vontade dos filhos. Dizia: “São eles que querem ficar comigo e não
querem ver a mãe.” Esta atuava a partir de forte postura fundamentalista e isto, como
bem pode ser observado, tinha reflexo em sua relação familiar, tornando-se uma
mulher bastante dogmática e rígida, com pouca relação afetiva com os filhos. Na falta
de acordo, surgiu a dúvida: “mesmo com a frieza materna, não é normal uma recusa
tão forte dos filhos para, até mesmo, tão-só ver a mãe”. Suspensa a audiência, o
magistrado deslocou-se até seu gabinete para ouvir as crianças. Na primeira visão, a
resposta apareceu. A menina, vestida como adulta, com batom vermelho e sapato um
pouco alto, tinha seu irmão deitado ao colo, no sofá, acariciando-o no cabelo. Disse
que não entendia qual era o problema, pois tudo estava muito bom em sua família,
pois ela cuidava da casa, do irmão e do pai, e nada faltava.
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As indumentárias da menina, suas atitudes para com o irmão (tornado
filho) e seu discurso evidenciaram um sério conflito edipiano, com falha total da
castração, assumindo, simbolicamente (não havia molestamento sexual), a filha, a
figura materna. Cuida da casa e do pai (transformado em marido) e do irmão (feito um
filho). Que falta faria a mãe, neste mundo ideal (ou idealizado)? Para este caso, qual a
solução a ser ditada pelo Direito? O problema grave era exatamente o conflito
edipiano. Caso não resolvido, seguramente acarretaria sérias conseqüências àquelas
crianças. Uma decisão jurídica, em favor do pai ou da mãe, sem trabalhar o conflito
psíquico causador da lide, só agravaria o problema. Isto demonstra a total necessidade
do Direito conviver, não como conhecimento auxiliar, mas em conjunto, sem qualquer
hierarquia, com outras áreas do conhecimento, destacando-se a psicológica, em seu
sentido mais amplo possível.
As soluções que o Direito apresenta à sociedade, em todos os seus
ramos, incluindo o internacional (a guerra é uma constante), não possuem condições
de cumprir com suas promessas, e necessitam ser revistas, modificadas, através de
um novo paradigma jurídico, interdisciplinar, para, então, se pensar na possibilidade de
um outro mundo.
Conclusão
“A normatização do poder” é o conceito de Direito dado pelo meu mestre
Capella. De fato, falar de Direito implica falar de poder, ideologia, manipulação,
bandeira de luta revolucionária, exploração, diferenciação, democracia, e tantas outras
coisas. O tecnicismo jurídico com toda sua epistemologia formal, dedutiva, lógica e
dogmática é, tão-só, um discurso ideológico, não valendo muito a pena combater o que
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já é óbvio. Mas, para além destas questões, outras, também complexas, se
apresentam e necessitam ser estudadas.
No transcorrer deste texto, buscou-se demonstrar o imperativo de
superação da estreita visão dogmática do Direito, a qual tenta, por pura vaidade
intelectual, manter a autonomia desta ciência. Ao tratar com seres humanos, por
corolário, trata com todas as suas complexidades, e estas não são poucas. Os mais
profundos conflitos psíquicos estão presentes na elaboração da lei, na instrução
processual, na hermenêutica jurídica e na elaboração das decisões. Negar isto é negar
a própria condição humana. Assumir a falta de autonomia não significa qualquer
demérito, pois toda ciência particular, ao fim e ao cabo, depende das outras.
Superadas as questões pessoais dos cientistas, resta a necessidade da
interdisciplinaridade como condição necessária para se lidar com os sujeitos e se
ensejarem as transformações sociais necessárias à criação de novas possibilidades de
vida comunitária.
A violência é um fenômeno intrínseco ao ser humano. O nascimento da
cultura, ou da civilização, com seus sistemas de interditos, surgiu para tentar manter a
vida comunitária em níveis aceitáveis. Pelo estudado, a união do sistema externo
moral ao sistema interno (superego) é a responsável maior pela determinação da
conduta social, ou da conduta dos indivíduos em sociedade. O Direito exerce uma
função auxiliar, para punir aqueles que rompem os demais sistemas repressivos, não
obedecem a eles.
Se isto for certo, o nível civilizacional da humanidade, condição possível
de se melhorar as relações entre as pessoas, depende muito mais das crenças, da
visão de mundo, da estrutura psíquica dos sujeitos e, menos, das normas jurídicas
repressivas. Não que estas sejam desnecessárias. Apenas não possuem o potencial
46
regulador desejado pelos juristas. É claro que a Ciência Jurídica, na função de criar
direitos e determinar a forma de se garantir o direito aos direitos, contribui de forma
decisiva para melhorar as relações civilizadas, pois também atua na construção do
imaginário social e individual.
O nível de democratização das relações sociais de poder pode ser
aperfeiçoado, talvez, a partir da construção de um código simbólico social, capaz de
introjetar no mundo subjetivo de homens, mulheres, homossexuais e assexuais, um
novo sistema axiológico, calcado em princípios democráticos, no qual os Direitos
Humanos (construção puramente cultural), o respeito ao outro, a igualdade e a
liberdade sejam valores efetivamente predominantes, acima da avidez, da ganância,
da sedução produzida pelo dinheiro. Trata-se de construir novos valores no imaginário
social e individual, com capacidade de agir a partir dos sistemas externo e interno de
prescrições, valores estes, como visto, decisivos na construção do agir humano. Se
cada indivíduo, na sua subjetividade, tiver para com os Direitos Humanos e para com a
Democracia, uma relação de grande respeito, de desejo de sua realização, de tê-los
como importantes e cruciais à vida coletiva (como fazem em relação à propriedade
privada), as atitudes podem mudar.
Utopia ou não, é uma bandeira de luta, e o Direito, se afastado de sua
arrogância, poderá prestar um inestimável serviço na construção deste possível mundo
novo.
Autores importantes.
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Influenciaram este trabalho de forma direta os seguintes pensadores:
Sigmund Freud, Amilton Bueno de Carvalho, Juan Ramón Capella, Perfecto Andrés
Ibáñez e José Eduardo Faria. Também anos e anos de leitura e prática jurídica.
Indicações para leitura.
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Salomão. Rio de janeiro: Edição Standard, vol. XV, 1ª ed., 1976, pp. 239 a 254, (Obras
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Madri: Editorial Biblioteca Nueva, vol. III, 4ª ed., 1981, pp. 3207 a 3215, (Obras
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Torres. Madri: Editorial Biblioteca Nueva, vol. III, 4ª ed., 1981, pp. 2961 a 2992, (Obras
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________. Los actos obsesivos y las prácticas religiosas. Trad. de Luis Lopez-
Ballesteros y de Torres. Madri: Editorial Biblioteca Nueva, vol. II, 4ª ed., 1981, pp. 1337
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de Torres. Madri: Editorial Biblioteca Nueva, vol. III, 4ª ed., 1981, pp. 2507 a 2541,
(Obras completas)
________. Psicología de la masas y análisis del yo. Trad. de Luis Lopez-
Ballesteros y de Torres. Madri: Editorial Biblioteca Nueva, vol. III, 4ª ed., 1981, pp.
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