Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Amanda Moura de Sousa CRB-7/5992
Q3e Queiroz, Amauri. Egotrip / Amauri Queiroz. — Rio de Janeiro:
Edição do Autor, 2021. 749 kb ; PDF. ISBN 978-65-994056-1-7 1. Poesia brasileira. I. Título. CDD B869.1 CDU 869.0(81)
Índices para catálogo sistemático:
1. Poesia brasileira B869.1 2. Poesia brasileira 869.0(81)
SUMÁRIO
Prefácio................................................................................10
Barca do Degredo........................................................................12
Olhar de Folhetim.......................................................................14
Binários.........................................................................................17
Vácuo.............................................................................................19
Coquetel de Ilusões......................................................................23
Mudez Psicanalítica....................................................................24
Slave..............................................................................................26
Solidão..........................................................................................28
Tempo de Outono.........................................................................30
Vôo................................................................................................33
Vida Madrasta..............................................................................34
Sentido..........................................................................................35
Olhos de Vida...............................................................................36
Nu..................................................................................................37
Fantasia........................................................................................39
Guetos..........................................................................................40
Universo sem Nome....................................................................42
Pilão.............................................................................................44
Retorno.........................................................................................46
Maria.............................................................................................48
No dia do seu Coração.................................................................50
Noite em Copacabana.................................................................52
Jardim de Esperança....................................................................54
Loucos Carnavais..........................................................................55
Blues do Leblon............................................................................56
Identidade....................................................................................58
Interior.........................................................................................60
Lua Branca....................................................................................62
Gaya..............................................................................................63
Floresta Cordilheira.....................................................................64
Atlântico Negro............................................................................66
Brasileira......................................................................................68
Vapores Baratos............................................................................70
Vermelho......................................................................................73
5 P..................................................................................................76
Elite e Favela................................................................................78
Epitáfio.........................................................................................80
Falso Perdão..................................................................................81
Criação.........................................................................................82
Colombina Perdida......................................................................84
Calvário........................................................................................86
Canto de Miração.........................................................................88
Flor do Amor................................................................................90
Mãe Negra....................................................................................91
Céu de Noel..................................................................................95
Chuva de Amor............................................................................96
Canto para Oxum........................................................................97
Corredeira....................................................................................99
Depoimento do Malandro.........................................................101
Madureira..................................................................................104
O Céu do Sambista.....................................................................105
O Mistério do Tião Nanico........................................................109
Fundo de Poço tem Ralo............................................................110
Sereia..........................................................................................112
Se Liga..........................................................................................114
Samba Flor da Cultura................................................................115
Doces Cristais.............................................................................117
Amor Querubim..........................................................................118
Aquarela Existencial...................................................................119
O Afago de Deus.........................................................................121
Terreiro da Ciata.........................................................................123
O Anticristo................................................................................124
Floresta Cordilheira....................................................................126
Soy Lana Star...............................................................................128
Minas..........................................................................................129
O Blefe da Mulher Gato.............................................................131
África Negra.................................................................................133
Alunissagem...............................................................................134
Anjo Caído...................................................................................135
Auto da santa Cruz.....................................................................137
Budapest.....................................................................................139
Lobos...........................................................................................142
Gênesis1.......................................................................................143
Glacial..........................................................................................146
Wica.............................................................................................148
Tristeza de Rio............................................................................149
Canciòn para George Floyd.......................................................150
Espírito Livre..............................................................................152
Cavaleiro do Amor......................................................................154
Filhos do Álcool...........................................................................156
Doces Cristais.............................................................................158
Aos que Vieram Depois de Nòs.................................................159
Flor da Floresta............................................................................161
Noites Fiorentinas......................................................................163
Pedra do sal.................................................................................164
Cheiro de Estrelas.......................................................................166
Poeticídios..................................................................................168
Amor Espelho..............................................................................170
Isabé............................................................................................172
Testamento.................................................................................173
Invisível.......................................................................................174
Sim...............................................................................................176
Reparação...................................................................................178
Ninguém.....................................................................................179
Moinhos......................................................................................181
Universo e Glória........................................................................182
O Toureiro e o Poeta...................................................................184
Filha de Caim..............................................................................186
Aos meus pais (in memoriam)
A Murilo Mello Filho (in memoriam)
Aos meus filhos Bernardo e Gabriel
Aos membros da Família Queiroz
Aos membros de academias de Letras
Aos amigos e amigas de uma vida
Aos que me fazem renascer.
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Egotrip
Prefácio
O poeta é um fingidor / Finge tão completamente / Que chega a fingir que é dor / A dor que deveras sente".
Essa 1a estrofe do poema "Autopsicografria", do poe-ta português Fernando Pessoa, é luz que ilumina o caminho de qualquer poeta. O poeta vive dos recônditos de sua alma, sua dor, seus amores, suas memórias, suas entrâncias. Desses lu-gares, ele tira a inspiração de seus versos, suas letras, sua rima, sua música. O que sente agora renova e reacende em forma po-ética o que já sentiu, por isso o conceito de fingimento de Pes-soa é exemplar, para explicar essa duplicidade de tempos que cercam o poeta e que encarnam na sua poesia.
A poesia de Amauri Queiroz, no seu livro "Egotrip’’, traduz e reinterpreta, no plano do sensível, o que ele já viveu, sentiu e percorreu, reflete suas heranças e vivências culturais mais profundas, suas histórias, suas paixões, suas retas e curvas, os avanços, recuos e contornos da sua vida.
Conheci Amauri Queiroz na quadra da nossa querida Man-gueira, num sábado de festa, num dia especial, o da celebração dos 95 anos do mestre Nelson Sargento. Lá começamos uma conversa que não cessou, seguiu em torno de ideias de projetos a desenvolver, construimos uma afinidade e uma identidade que vêm alimentando uma proximidade que aponta para di-versos lugares ainda a percorrer.
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10
Amauri Queiroz
Apresentar Amauri Queiroz e seu livro de poesia é uma hon-ra, pois é apresentar um brasileiro genuíno e múltiplo, dotado de grande capacidade, criatividade e versatilidade nas áreas da cultura, da política e da educação.
Suas raízes de africanidade e seu mergulho em torno da negritude e das causas do movimento negro são uma das principais bases de sua expressão, uma bandeira identitária que já o levou em andanças pelo seu país e outros países afora, nos quatro cantos do planeta, Europa, América do Norte, do Sul, Ásia, África. Em cargos oficiais, representações políticas, atuações e experiências que marcaram na sua luta permanen-te para tentar fazer do mundo um lugar melhor, e dele uma pessoa mais antenada e completa na compreensão da comple-xidade desse mundo.
Amauri viveu e participou de um pouco de tudo, se expres-sando como jornalista, publicitário, militante político, sindi-calista, agente de direitos humanos, assessor de instituições e governos, educador, escritor, produtor cultural, e que segue produzindo conteúdo para diversas mídias. É um pensador hu-manista, engajado em princípios e práticas voltadas à transfor-mação. E agora nos presenteia com uma obra na linguagem po-ética, onde revela capacidade plena de expressar as dores que já sentiu e que "deveras sente".
Convido os leitores a entrar nesse livro como a passar por um umbral, abrir uma porta e desvendar a emoção de textos poéticos, fortes, sensíveis, generosos, que trazem à tona a in-trospecção de um autor que transita por tempos e lugares, de vida real e imaginária, e que nos oferece sua "egotrip".
Um poeta que na sua estreia nos convida a viajar com ele, nos levar por cercanias diversas, rotas, destinos e desatinos,
vielas e periferias, guetos, chibatas e quilombos, subúrbios e terreiros, lamentos, dores, feridas, sabores, sonhos, romances, desejos, delícias, paixões, folias e carnavais.
Amauri Queiroz, "sangue bom", "salve os erês!", salve a Man-gueira! Salve a poesia que imprime como sentimento e como voz, comprometidos com a igualdade, a justica, a solidarie-dade, a humanidade. Salve a poesia e o que ela nos traz como mensagem de vida, revolução, fé e paixão.
Dermeval Netto Jornalista, documentarista, professor.
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Amauri Queiroz
Barca do Degredo
N oite fria, madrugada de estioBrisa quente, sopro de vida, primavera
Ninguém disse que amar é agoniaEm um trem que corta a vida e não espera
Mariposas beijam as luzes da cidadeBuscando sonhos perdidos na eternidadeVulcão de amor que virou cinza em fogo mortoSob o olhar de um triste anjo torto
Vida que passa espelhada nas vitrinesOnde o amor se exibe em seu reflexoO tempo passa e a humanidade segue a sinaFazendo guerras, revoluções, amor e sexo
Não há destino que apague um grande amorSentimento que consome em perdiçãoForça estranha despedaça como um raioFazendo a mente ser cativa ao coração
Pelos canais da existência sigo em frenteSigo na nau dos deserdados mar afora
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Egotrip
Levando a gente sem amor pelos baixiosSingrando as águas de esperanças de outrora
Sigo na barca dos renegados em triste fadoÍgneos portais do purgatório me recebem Recebem a barca do degredo na correnteCom exilados do amor eternamente.
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Amauri Queiroz
Olhar de Folhetim
De nada adianta chorar o que passouO viço de outrora o tempo levou
Foi se largando por aí, pelas madrugadas da vidaErros e marcas de amorMarcas doídasMarcas da vida que o rouge luta para ocultarMinha cruzada em solidãoLeva-me aos bares em afliçãoQuero um copo amigoUm corpo amigoUm tango antigo de Gardel que invada de ar quente o meu pescoçoPeço uma dose de amparo e o garçom me diz que há muito não se vêAté um beijo amargo me faz fingir que sei amar nessa vida de abandonoSigo a sina de mulher de ninguémSozinha cão sem donoLivre no próprio abandonoConsumindo sonhos e desejosTragando homens e cigarrosHomens guimbas com seus beijos incompletos
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Egotrip
Digo sim às propostas carentesNão tenho porque dizer nãoSomos estranhos, diferentes e sombriosIndecentes em nossos sorrisos gastos e amarelosO álcool me incendeia em fogoMe enrosco no calor e na dor do amorDores tão presentes que nunca se tornam passadoMarcas de um passado vadio e um presente hedonistaMarcas de ferozes luta de cioSei fingir prazer, ser teatralDivido pó e pecados igualmenteO prazer marginal tem um ótimo saborÉ tanto revés, submundo, torporQue até parece que é amorE quando a aurora invade o quarto atrevidaSe assusta com o sabor amargo do ambienteQuando são abertas as cortinas do palco mundoO momento é desconcertante e o desengano profundoNinho de pássaros feridosOnde o arrependimento jaz lasso em uma cama sem saborExalando e disfarçando a repulsaQue pulsa o intragável cheiro da dorEm lágrimas escondidas apago o cigarroEnterro nas cinzas os teus cheiros visDo teu sêmen, da tua pele, da tua bebida, tuas mentirasSina de colombina rota e embriagadaDigna de um pobre pierrô de vida falidaMulher da vida, rota perdida, sou fria, sou fatal
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Amauri Queiroz
Sou do bar, dos copos sebosos e homens carentesSou o falso sorriso que sempre diz simMas meu triste amigo te recomendo de verdadeNunca creia no meu olhar de folhetim
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Egotrip
Binários
V em cá meu igual tão diferenteEu vou viajar curiosa em teu mundo
Cruzar tuas águas difusas, perigosasSobrevoar teus vales sombrios profundos
Eu sei que a vida nos maltrata e nos cegaNos faz estranhos e reativos na corBinários sempre em amor de sol e luaO branco lasso e o preto nu na dor
O mundo é frio nos julga calientesÉ sordidez de devassos em torporAmantes livres amam na praia desertaEstrelas frias brindando tamanho amor
A vida feliz que um dia tanto sonhamosNão é agora mas será em um tempo qualquerCom corpos dóceis e sensuais bocas estranhasCheirando a álcool em um seio de mulher
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Amauri Queiroz
Eu quero um deus que me conceda um novo mundoQue um dia feliz se torne uma eternidadeQuero encontrar abrigo seguro em teu peitoEsquecer por um instante tanta maldade
Te vejo firme cruzando a bruma bem distanteNa mágoa eterna que névoa do vento carregaAmor, ah! esse amor tão profundo!Cruzando a vida e o tempo em entregaAmor de vida que faz queimar o peito erranteO preto em fogo inflama o branco em grande dramaPulsa firme a força iorubanaIncendiando minha savana africana.
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Egotrip
Vácuo
V ácuo...VácuoOnde meu corpo se tortura
E cada vez mais se reduzMais e mais...
Vácuo...VácuoQue injeta meu olharTrinca meus dentesCerra meu pulsoTornando-o belicoso e aterrador
Vácuo...VácuoPenetra meu peitoEm estocadas espasmódicasCurvando-me humilhantementeInvasor de minha menteColonizador de meu íntimoDevassador de meus mistérios
Vácuo...VácuoRessuscitador de traumasInduz-me à imolação
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Amauri Queiroz
Faz depressivo cada amanhecerOnde não me concluoOnde talvez não exista
Vácuo...VácuoEnvolvente e maléficoDeprime ao máximoFazendo explodirFragmenta o existirFaz gritarEnlouquece
Vácuo inerte vácuoSilencioso e frio como os anjos das catedraisTorna-me úmido e saudosoCamaleonístico mistificanteExótico e bruxuleanteCabalístico
Vácuo...VácuoSecreta tortura que induz ao prazerOferta-nos diamantesEnquanto sonhamos com paz e felicidadeDivisor da fé que te mantém de péPretoriano da minha investigação socialDilacera meu conhecimento mais profundoMostra-me o universo indecifrávelVácuo...Vácuo
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Egotrip
Fardo abstrato que verga-me ao peso do serCárcere difuso desprovido de racionalidadeMedonho e opressorMisterioso e dolorosoDeveras insuportável
Vácuo enigmático vácuoReal contrassensoQue emana do insondávelMartírio escorregadio de tese e antítesePrincípio, meio e fimManicômio dos desesperadosDimensão macrocósmicaJardim do surreal
Vácuo desafiador da OnisciênciaPulverizador de alicercesRedutor de sanidadesGaleria de espelhos deformantesOrquestra dissonanteQue esmaga os corações solitáriosNaufragando-os silenciosamenteNo mar do sem-fim-da-almaEm pujante degradação metafísica
Vácuo arrogante vácuoForça espiritualManipulador de fantoches
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Amauri Queiroz
Incrustador eternoSíntese das epopeias derrotadasEspiral misteriosa e jactanteInóspita e indomávelPai dos neuróticos e possuídos
Vácuo ofuscante vácuoTranspassa meus ouvidos com seu som metálicoCega-me à razãoAtira-me desordenado aos paredões do destinoFazendo doer
Vácuo acuo-te vácuoEvoco que evacue-me entre as estrelasValidando minha existência tão miserável e vilVácuo enigmático vácuoVou e volto em tiMorto em teus limites interioresVivo em teu horizonte de eventosEntro e saio dopado e arquejanteCada vez sou mais vácuoParcial total vácuoVácuo.
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Egotrip
Coquetel de Ilusões
S egredos que agora te contoMomentos carentes
São coisas de barSão dores da inconsciênciaTristes confidênciasDo verbo amar-gar
Segredos de amor tão profundosTão inconfessáveis que álcool requerEnvolvem minha alma sofridaDe rota falidaDe ser tão mulher
A chave da felicidadeResida talvez na grande ironiaDe andar a seguir no caminhoMesmo afirmando que nunca iria
Recolho meus cacos de vidaNa velha guarida do teu coraçãoVertendo meus goles de vidaEm um coquetel chamado ilusão.
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Amauri Queiroz
Mudez Psicanalítica
D everias permanecer na mudez da sapiênciaSer como as cinzas de uma fogueira
Vítimas de um fogo vivoVivas cinzasMudas cinzasNunca se esqueça que estou fatigado das coisas comunsNos olhos vejo grandes planosNão ouso confrontar o espelho da inconsciênciaEle é sádico e mordazMostra as velhas feridas da almaPurulentas e repugnantesVejo os infinitos anseiosMuitos alheios e outros nãoSatisfazem minha mudez analíticaPsicanalíticaInvestigadora de minhas barbáriesDe minhas cruzadas pagãsDo meu inferno mais profundoSento no rochedo e o sangue brota pelas pedrasBatalhas heroicas surgem no verso de cédulas monetáriasDeverias ver a bravura dos soldadosEles cantam canções de vida e glória
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Egotrip
Enquanto marcham sobre cadáveres amorfosComo é estranha a saga humana!As palavras jorram desordenadamente de tiAssim como o goleiro ao sentir o iminente gol de placaDeverias não se sentir assimE não enevoar-se de palavras vãsSinto o criptar das chamasDobro-me hilariante perante tuas teorias também vãsMas em silêncioDobro e redescubro teu origami ainda não estérilQue sofre perante a ampulhetaMudaAos nossos anseiosMudaDe lado quando termina o tempo da vidaMudaCada vez que o cão lateMas diante da ampulheta a vida é vã e infrutíferaAbsurda e surda à mudez analíticaPsicanalíticaMuda cinzaViva cinzaQue trata com desdém o vento desnecessário Absurdamente.
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Amauri Queiroz
Slave
D ia perdido na vida profanaDia vadio na cama perdida
Gira o sonho no mundo, vento solarBocas muy locas de bar e beijar
Te conheci ao me achar em teus medosAfoguei em teus mares inconfessáveis segredosO paraíso te ofereceu eu fruta proibidaSou teu pecado, tua maçã, tua Eva banida
Eu uivo em noites de luas cheias de bourbonSou o feitiço que te escraviza e acho bomOuvindo sinos que lamentam catedraisChamando o fogo que sempre faz te querer mais
Minhas entranhas ardem, queimam, sou vulcãoFinjo nuvens nas batalhas da paixãoEntrego a lava que escorre dos costadosOlhar e tez, cheiro, sabor, corpos suados
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Egotrip
Coração quente que acende o que vou darEm seus frangalhos de coração quero pisarEnlouquecendo pulverizo a decênciaSob o hedonismo me entrego à demência
Minha perfídia chicoteia ao luarSacerdotisa, te entrego ao altarMeu cão vadio, doce escravo, arlequimMeu clown desnudo, meu brinquedo que diz sim.
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Amauri Queiroz
Solidão
Q uando o único caminho é a solidãoEsqueça a harmonia
Se a estrada é extenuanteNão se deve cansar a mulherLinda, bela, doceRepleta de energia e felicidadeDoida de vontade de ser feliz no mundo
Caminhar sóEnvelhecer sóComo os elefantes ao término da vida
Deixar a vida se consumir enquanto chamaSem estardalhaçoSilêncio! os bebês dormem!A chama da vida vai se apagando aos poucosSerenidadeSem ninguémSem tragédia gregaSomente as insistentes e anônimasCarpideiras de si.
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Egotrip
As chamas do meu vulcão estão se extinguindoDentre as plúmbeas cinzasMeu espectro permanece imóvelSua silhueta é terrívelSeu olhar irresistívelEntão decompostos seremos eternizados pela lava calienteResponsável pelo nosso não apodrecimento.
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Amauri Queiroz
Tempo de Outono
T eu cheiro invade minha alma como o frescor de outonoCores intensas, densas e tensas é o graal da estação
Frágil, pobre e insano coração brasileiro... Tropical, lona rota, silencioso picadeiroO amor passa na vida como um circo surrealO palhaço chora as dores da plateia no finalFoucault, Freud e Lacan sangram o respeitável públicoEntregando à tua praia seixos vindos do passadoSilenciosos e carentes em presente obscuroCom os seixos construímos paredões em nossa alma Formamos enormes diques que represam nossos desejosMe afago com bourbon em estranhas noites friasBeijo bocas diferentes e indiferentes bar em barMe embriago e sigo triste em minha dor e solidão Ouço ao longe o vazio da existência na cançãoTrôpego sou tombado pelas luzes da cidadeQue iluminam em neon a dura realidadeO trapezista mergulha no vazio, é tempo de outonoSob um manto de obsessões quando tudo era carmim
E o brilho que se perdeu no olhar não se percebeQue o deus que me habita é meio grávido de ti
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Egotrip
É tanta hipocrisia que rola no picadeiroQue o palhaço dobra a lona e envergonhado devolve o dinheiro Pensando que cairia muito bem um bom licorÉ fastio de amor é estio de torporNo meio do vale da vida encontrei a arca perdidaNas encostas de um monte onde está o deus amor
Meu sonho de vida, meu farol, meu guia na noite escuraDesviando dos rochedos, da terrível criaturaFico a navegar desviando dos meus medosAs delícias, hedonismos, doces ilhas de pecadoSe jogar de peito aberto sem ter coração fechadoPatuás e cicatrizes nos protegem de emoçõesNatureza, cio dos deuses, gloriosa criaçãoEssa lua fica estranha quando a gente ama caladoO meu corpo arde em chamas quando me chamas pro teu ladoTe obedeço mas você busca outras terras, mundos distantesSou as cinzas de um vulcão que morreu jorrando amor Destruindo as cidades no caminho que corriaNuma trilha nua e crua chamada melancolia
Me entrego à lua branca ao prazer da tua lembrança Ilusão por ter perdido o amor de eternidade Esperando a vela branca que não vem no horizonteTrazendo as gaivotas e o amor de uma saudadeE assim se foi presente é passado sem futuro
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Amauri Queiroz
É o êxodo do afeto novamente erguendo murosPrometi um carnaval, de paixão, sol e foliaMas a perda de calor incinerou a fantasia.
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Egotrip
Vôo
G otas de fogo no oceano d’almaUnhas cravadas na ordem do desejo
Diante de tantos estertoresOs túmulos exalam suspirosAs carnes e os ossosDerretem-se ao sabor dos sorrisosInterior esfarrapadoVentre rasgado exposto ao luarUnhas cravadas na ordem do desejoAdianto e acelero o relógio de minha morteGolfadas de sangue colorem a florToda a vida passa em um segundoE flutuo para o paraíso.
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Amauri Queiroz
Vida Madrasta
S ofri pensando nesse amorNão fui feliz
A vida não me sorriuAmar e ser amado é um jogoÁgua, ar e fogoProcurando combinarBusquei felicidade em teus braçosEncontrei desilusãoSonhos desfeitos no arTe abriguei no meu abraçoApesar do cansaçoEstendi a mãoVocê sorriu do meu fracassoProcurando outro braçoAbraçou a ingratidãoSigo triste em meu caminhoMigalhas de amor não bastamVivo com amarguraCaminho só na noite escuraVivendo a vida madrastaSempre à tua procura.
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Egotrip
Sentido
A solidão do gelo aquece PalasA confusão do fogo congela
Ave Demo Naturalis SapiensA paz rege as tumbas
Conquanto canonizem santos negrosConquanto Secula – Seculorun
Jorrará do peito a dorRevolvido pelo aço frio do punhal
O astro-rei carrasco das legiões macedônicasCorre o etéreo e cata sentidoUniversal labirinto coordenadoPater-Primus das calendas
Havia SófoclesHavia DiógenesHavia luz
A confusão do geloA solidão do fogo.
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Amauri Queiroz
Olhos de Vida
R asgar esse amor e me rasgarBanhar-me em lágrimas
Por tão dolorido prantoSilenciosoImemorialOs dentes tortos à mostra escondem o blefeFalsa felicidade de botequimQuando o véu for levantadoSerá tudo tão nuQue surgirá um estranho pudorTão irreal quanto a realidadeEntão os olhos buscarão os mistériosMistérios não humanosQue nunca serão desvendadosE novamente descerá o véu
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Egotrip
Nu
A verdadeira causa não está aquiNem foi buscada
Não enxugou o suor das mentes... (androides ao redor)Cria a flor o clima tensoO vento finge nada perceber e alisa cada vez maisPelas grades dos nossos egos onde estamos aprisionadosPodemos ver uma réstia de luz bruxuleanteIluminando os escombros do nosso existir(Querubins coram ante à visão carnal)O bem disfarçado de bem estrangula o cálido amanhecerNos corpos exaustos o verso reverte e caiLivre enfim da ilha sem luarUm triste pôr de sol ardenteNos brinda com infindáveis borboletas assassinasElas matam meu canto homicida e duroExistir cruel existirToca o fado a triste sinaAlmas em conflitoTerra Vida na TerraO ser iluminado digno de toda a prova
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Egotrip
Fantasia
V em que um mundo novo se anunciaVem cantar comigo esta canção
Vem, que os deuses chamam já é horaVem que o fogo da auroraIncendeia nosso chão
Eu navegueiCorredeiras da vida, correntezasOusei voarMinhas asas são meu coraçãoEu caminheiPor caminhos repletos de belezaNas trincheiras lutei pela certezaDe amar, de sonhar, revolução
Vem que a vida inteira é uma festaVem brincar comigo o carnavalVem, seja meu par nessa alegriaSou real sou fantasiaSou o bem que vence o mal.
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Amauri Queiroz
Guetos
Você lembra como eram lindos aqueles guetos?Dos becos, das bocas e vielas
Das periferias e das favelasVocê lembra como era linda a escuridão?A gente ziguezagueando pelas formas lúdicas do morrerZiguezagueando palpitantes e felizes demaisNão se importando com o fio da adaga ideológicaConspirando contra o dragão do malE os guetos eram lindos!Como eram lindos aqueles guetosO cheiro do álcool do mimeógrafo no arA tensão dos carros pretos passando em velocidade reduzidaAs notícias de quem caiu em algum pontoA certeza de perder a famíliaOs amigosO futebol de domingoO barzinho da esquinaPerder o BrasilzãoUm país desse tamanho que cabe em nossos coraçõesViver na gringaSaltando de lá prá cá Daqui prá lá
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Egotrip
Olhos e ouvidos na TVNossos guetos eram lindosHoje somos cacos do que fomosA vida corta os pulsos da dorE a gente corta o grito preso na gargantaOs sonhos são guardados por sentinelasNunca passam dos portais do paraísoFicam ali do lado de foraOlhar pedinteComo criança querendo doce no dia de Cosme, Damião e Dom UmO hoje nunca foi o tão impossível amanhãMas silenciosamente possívelE cá prá nósAs melhores cervejas da vida foram aquelas que bebemos nos guetos.
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Amauri Queiroz
Universo sem Nome
Entre esparsos passos miúdos Veio viver sem rótulos
Trouxe um novo significadoUma nova forma de se ver a vidaTraz pensamentos novosTeimosia de pensar até razão para viverE assim rompem-se as veias na esclerose do medoÉ preciso pensar e viver...cumpre-se viver (mas cuidado!)Eles estão à espreita!Ah! Como é lindo o romper das horas!Sentir em tantas horasFluir o tempo...Mas porque é tempo só de amar!E ali ficamos absortos e estranhosObservando a paciente fila de copos, lágrimas, silêncios, loiras e morenasEla ri de um Deus que morreu sem razãoÉ preciso ressuscitar um novo DeusTão velho quanto nósPassar na praça e prender o tempoViver em busca de um sacrário de amorMais que uma igrejaUma mulher
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Amauri Queiroz
Pilão
A mulher negra passou a vida no pilãoMoendo anos de amargura e sofrimento
Dia após diaBatendoSocandoTriturandoEsmagandoMoeu toda sua existência no cativeiro do colonizadorDestruindo seus sonhos de liberdadeDe viver livrementeSonhar sem correntesTer uma família livre para amar e cuidarO pilão triturou uma vida em sofrimentoA negra masca fumo e escarraSangue pisado nas mãos ancestraisSangue negro pisado na históriaExistência negadaEsfarinhadaRestaram pequenos estilhaçosDe lindos sonhos negros de liberdade nas savanas africanasQue foram esmagados na realidade do pilão da dorConjugados no verbo amar-gar
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Egotrip
Sonhos despedaçadosEstilhaçadosTudo virou póUma vida virou póO pilão esmagou a vidaO pilão massacrou a liberdadeO pilão arrebentou com o futuroÉ a mão do colonizador sempre esmagando a liberdadePulverizando os sonhos de felicidadeO colonizador esmaga a beleza da vida no pilão da dominaçãoHaverá de ser julgado no pilão da históriaTransformado em pó pela mão calejada da alma negra.
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Amauri Queiroz
Retorno
Eu jamais tinha notado as coisas assimO par de tênis meio gasto
A flauta quase coberta pela areiaPegadas melancólicas saiam daliPelas dunasPelas margensSeguiam indefinidamenteTambém seguiPassaram anosSempre seguindoPor todos os caminhosPerdido nas brumas do tempoPor rios, vales e montanhasNão chegava nuncaLá um pouco depoisDa metade da minha vidaEntão em uma praia qualquerAs pegadas formaram um círculo e me cercaramEntão voltei-me e vi-me felizCantando uma linda canção de amorTocando uma flauta com alguns grãos de areiaUsando um par de tênis meio gasto
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Amauri Queiroz
Maria
L á nas terras altas tão distantesVive um amor de fantasia
Dona de nome MariaQue o anjo em festa anunciouEm alegre romariaA chegada triunfalE o planeta abençoouMensageira da alegria
Sintam a beleza de MariaO amor que traz o diaQue a lua entregouCom a luz de encantariaE o canto assim chegouCom o amor da luz do dia
É o canto do amor bomÉ o amor Céu de MariaTraz a paz e deliciaBeijo doce beija-florBeijo puro de MariaLua, paz, som, calmaria
49
Egotrip
Eu vejo o fogo do amorTraz a chama de MariaQue aquece a pele friaNos mistérios da paixãoNas terras altas tão distantesTem um amor emocionanteQue clareia a luz do diaQue me chama pelo ventoChama de amor Maria.
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Amauri Queiroz
No dia do seu Coração
No dia do seu coraçãoNão espere nada que não seja poesia
Não haverá manhã friaSurgirá um atorSorrirá calorEspalhará amor
No dia do seu coraçãoTodos sorrirão para vocêSerá feito um poema novoBelo e ousadoAs viúvas gostarão
No dia do seu coraçãoCairão os regimesJunto com os amores do passadoQue caem com os operáriosQue constroem os regimes
No dia do seu coraçãoCairão pedacinhos prateados da luaTodos dançarão na rua
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Amauri Queiroz
Noite em Copacabana
Noite em CopacabanaSonhos e desejos
Dor e solidãoAmores traídosAmores bandidosNas ‘garçonières’ do teu coração
Vida de guimbas...baganasNa noite vazia...de CopacabanaPegadas carentes desenham paixãoNa bruma que cobre o teu calçadão
Lobos devoram meninasEm tuas entranhas em tuas esquinasAmante abstrata, amarga porçãoPrincesa, BarataLicor de ilusão
Lenda que emana pecadosEm beijos comprados...em corpos febrisNo teu ventre aberto de gozo incertoEternas promessas de amor meretriz
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Egotrip
Deusa...Que cruza a históriaGlamour e escóriaAfrodite profanaNoite misteriosaDe Copacabana
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Amauri Queiroz
Jardim de Esperança
Amor é sensação que cruza o tempoSentimento na memória
Território de paixõesSecreta doses de felicidadesSerenando tempestadesTraz paz aos coraçõesDas flores o amor é o aromaQue cobre o jardim de esperançasOnde reina o beija-florNa vida é sublime é confortoÉ barco chegando no portoDo amor eterno amor
Em tantos mares de ilusãoEnfrentei noites sombriasNo silêncio eu choreiE vi através das lágrimasQue o amor é a verdadeDos caminhos que andei.
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Egotrip
Loucos Carnavais
Partir com vontade de ficarÉ como o fogo que deixa a fogueira
Sabendo que não vai voltarÉ beijo frio, sem abraço e sem calorÉ a tristeza que machuca e causa dorÉ dolorido o partir com amor no coraçãoSaber que tua alegria já está em outros braçosLogo eu de tantas madrugadasMil amoresParti sozinho nessa dura caminhadaNão quero pensar no teu calorNosso ninho rodeado de amorBati a porta com o peso dos mortaisComo viver sem teus loucos carnavais.
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Amauri Queiroz
Blues do Leblon
Beijo o sol que sai da tua peleNo luar do Leblon
Baixo, baixo, bem baixo, baixinhoProcuro Seu Tom
Meu amor, meu tesão minha vidaMeu blues é vocêQue arrasa com a minha harmoniaMeu blues é você
Chega pisa e dança nos cacos do meu coraçãoDerramando volúpia e paixãoComo um samba-cançãoMeu amor, meu tesão, minha vidaMeu blues é vocêQue arrasa com a minha harmoniaMeu blues é você
Vou te amar, vou te amar, vou te amarNo luar do LeblonTe beijar, te beijar, te beijarLá no baixo Leblon
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Egotrip
Meu amor, meu tesão, minha vidaMeu blues é vocêQue arrasa com a minha harmoniaMeu blues é você.
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Amauri Queiroz
Identidade
Passo pela cidadeAlguém pergunta:
“Quem sou eu?”
Nos becos fétidosNas vielas salgadasNa poeira do silêncioAlguém pergunta:“Quem sou eu?”
Na bruma dos cemitériosUma voz em meu pensamentoMe pergunta:“Quem sou eu?”
No avião sobre as nuvensUm frio nos olhos me pergunta“Quem sou eu?”
No mar sem fimO canto de sereia me seduz e pergunta:“Quem sou eu?”
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Amauri Queiroz
Interior
Caminhando por esta natureza terralRevivo a lembrança de comer barro, lamber chão
Crepúsculo anunciado por cigarrasQue insistem em anunciar o entardecer tão lindo e tão desprezadoPor isso cantam até arrebentarLembrando os humanos da beleza do entardecerBicicletas com pneu balãoMeninas puras e pudicasA pitoresca igrejinha matrizBranca com portas azuisPor onde pululam fantasmas clericais (geralmente no cruzeiro)E tome poeira, barro, chãoCalcanhar rachado de tanto sertãoCasinhas de pombos, pombalGalinhas d’angolas atarefadas atrás de escorpiõesUrubus pairam preguiçososTudo cheira à letargiaSob o ranger dos carros de boisQueda-se o entardecerE um assombrado pôr de sol se apresenta
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Egotrip
Quando o prisma rubro do entardecer modela-seVermelhoVivoMostrando a magnificência de DeusSilencioso volto ao velho quartoOs trastes eternos me observamO tijolo amparando o estrado da camaA mesa reumática contrariando NewtonA cama sinuosaO chão de vermelhãoA umidade renitenteA parede de tijolos de barro assimétricos Tão fatigados esses tijolosNo velho quarto nem as baratas visitam-me maisEstão afoitas por vidaDetenho-me entre tão sutis vínculos domésticosAssombrado ao fitar as aracnídeas telhas francesasQue recebem infindáveis suspiros da mais pura poesia.
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Amauri Queiroz
Lua Branca
L ua branca cor de prataArgentada que me vem
Ilumina meu caminhoE o caminho do meu bem
Quando cheia explodes nuaQuando nova se contémSe crescente se insinuasSe minguante és ninguém
Na floresta és pura prataEnamora à beira-marDa janela me espantasLua branca meu luar
Meu São Jorge em, seu cavaloPor ti luta faz a guerraÉ o guardião do segredoQue você comanda a Terra.
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Egotrip
Gaya
Viajantes do universoSomos filhos das estrela
Que beleza poder tê-lasNa grandeza desses versos
Mãe da lua filha do solBaila no espaço profundoVentre farto atmosferaGaya Terra é nosso mundo
A noite cobre o JapãoAqui é sol na BahiaE o planeta vai girandoEm sua linda sinfonia
E a vida que a gente trazÉ a vida que a gente levaVem do Éden verdadeiroÁfrica de Adão e Eva.
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Amauri Queiroz
Floresta Cordilheira
Ande, corra, viva, sonhe, andaPela vida em seu voo
Sentindo o sereno da brisaTanto sabor de viverSe conhecer, desabrocharComo as sementes da florestaNatura em festa, chão, mata verdeViolão, viola, florÉ tudo amorSom de criança no matoEsperança no abraçoPaz divina da montanhaSer alma de cordilheiraLevando o solLevando a luaNo sonho da algibeiraSabor de salSol, cordilheiraMúsica do sal da terraMi amor guantanameraMi cocaleraMi pantaneira
65
Egotrip
Mi ayusqueraAmores da vida inteiraAmor sem fim deusa na terraSer um ponto no astralAmazônia verdadeiraVivam os povos da florestaMiração paz verdadeiraAmoe pela vida inteiraAmazônia brasileiraAmor pela vida inteiraSalve a virgem mãe de DeusPatriarca São joséSalve o Menino Deus.
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Amauri Queiroz
Atlântico Negro
As ondas beijam incessantesO frio barco da dor
Ventre grávido de lamentosLamentos, dor e horror
Atlântico mar insensívelProfundo de tanto abandonoMorada de corpos carentesAtlântico mar desumano
A cruz e a espada unidasCavalgam-te em louco corcelNavega-te a dama da iraEm hordas cobertas de fel
Chibata, sangue, confissãoA cruz e a submissãoA alma apartada do corpoA espada faz a perversão
Atlântico rota sofridaDe África terra esquecida
67
Egotrip
Ao Novo Mundo homicidaA cruz e a espada unidas
Espada, cruz, escravidãoMaldito porto solidãoAtlântico és pingo d’águaDiante da separaçãoNegreiro, cruz, escravidãoEspada, missal, confissãoA dor do tamanho do mundoAfoga a civilização.
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Amauri Queiroz
Brasileira
Sou brasileiraSou N’zinga sou herdeira de Dandara
Reza forte, iorubá eu sou IaraKet, Gêge, Daomé, Oya, Nago
Lá em Palmares guerreiraIabá sou mandingueiraCorpo fechado, jongueiraBaiana de CachoeiraDeusa da raça, festeiraAngola sou capoeiraLá no Bonfim lavadeiraQuilombola brasileira
Sou brasileiraSou N’zinga sou herdeira de DandaraReza forte, iorubá eu sou IaraKet, Gêge, Daomé, Oya, Nago
No samba sou partideiraTambém sou nó na madeira
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Egotrip
Me chamam de candongueiraCantei na tamarineiraRainha da gafieiraPassista em MadureiraCabrocha lá na MangueiraEu sou mulher brasileira.
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Amauri Queiroz
Vapores Baratos
Salve os erês! Salve os erês! Salve os erês!Dá um salve aê!
Salve os erês! Salve os erês! Salve os erês!Dá um salve aê!
Tua estrada da vida é salgadaTua vida uma amarga ilusãoE aquele corpo estendido no chãoÉ prá bancar a vida boa do patrão
São pretos, são pardos, mulatosSão pobres vapores baratosE todo corpo estendido no chãoÉ prá bancar a vida boa do patrão
A mãe chora o filho no quartoO filho que não vai voltarNão dormem nem deixam dormirSão sonhos rasgados no ar
Salve os erês! Salve os erês! Salve os erês!Dá um salve aê!
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Egotrip
Salve os erês! Salve os erês! Salve os erês!Dá um salve aê!
É vida carimbada no útero da mãeA morte é o peito amigo que encerra o futuroE a sociedade fica sempre atrás do muroFingindo que se importaMas carrega o mal me querDe noites são ervas daninhasDe dia são o bem me querNinguém quer meter a colherNinguém quer meter a colher De noite são ervas daninhasDe dia são o bem me quer De noite pecado e luxúria De dia marido e mulher
Os becos na madruga são pedreira meu irmão Eu vejo que São Jorge está perdendo pro dragão As balas são perdidas sempre achando quem não querE a sociedade não quer meter a colherNinguém quer meter a colherNinguém quer meter a colher Salve-se quem puder!Salve-se quem puder!
A pátria varonil que te pariu faliuMatar mais um negro é normal
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Amauri Queiroz
Cortando a linha da vidaDos que avançaram o sinalCortando os sonhos na marra Carrasco institucional
São pretos, são pardos, mulatosSão pobres vapores baratosE todo corpo estendido no chão É pra bancar a vida boa do patrão Ogum salve os erês!Ogun salve os erês!Salve os erês! Salve os erês! Salve os erês!Dá um salve aê!
Há guerras no mundo dos homensOrgasmos dos anjos do malMetendo o louco nos manosQue um dia avançaram o sinal
São pretos, são pardos, mulatos São pobres vapores baratos E todo corpo estendido no chão É pra bancar a vida boa do patrão E todo corpo estendido no chão É pra bancar a vida boa do patrão Ogun Salve os erês!Salve os erês! Salve os erês! Salve os erês!Dá um salve aê!
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Egotrip
Vermelho
Vida de sinalFechou, vai! Vai menor! Já é!
Mundos diferentes em diferentes ambientesSeparados pelo vidro insensível e temperado do automóvel e pela insossa indiferença das ruasPela desigualdade transparenteFado de vidaRetirar dos parcos segundos vermelhosUma interação ontológica com o outroDo átimo de esperaUm sorriso carente de amorEsconde uma existência de dorO sinal não esperaSemáforo frio, olhar dos homens sem luzVerde é verdeVermelho é vermelhoEntre um e outro reina um universo de desejosOs carros ficam tensos, são ansiosos! querem partir!Mergulham na direção de seus indecifráveis futurosFechou mané! Já é!Mostre suas carências flutuantesAtravés do balé dolorido das bolinhas
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Amauri Queiroz
Malabarismos com bolinhas no sinalSinal de falência da civilização, da humanidadeTão pouca idade e tanta umidadeSol escaldante, chuva fina, noite friaO show não pode pararA fome não esperaA escola pode esperarQuem sabe um diaTenha um dia de criança felizSonhos esmagados na raiz africanaSocados no pilão da indiferença da urbeEu quero um deus que me traga a justiça em sua plenitudeQue me traga o calor do amor pelos que padecemUm deus sem cascasQue se emprenhe em um deus novo e amorosoO Deus da restauração Ou da rebeliãoO balé quântico das bolinhas se iniciaBuscando a aprovação insensível da cidadeCom gestos de amor e prazerQue preenchem de cor e magia o tamanho da desigualdadeÉ luz vermelha! Vai cumpadi! Bora mano! Já é!No corre-corre do vermelho um diz sim, dez dizem nãoCem fingem alguma ocupação, mexem no celular para disfarçar a indiferençaEvitam o compromisso espiritual da partilha com o irmão De solidariedade Mas um disse sim
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Egotrip
Sangue bomSalvou o pão c mortadela e o refri Senão não dá para aguentar esse rojãoFechou mané, um bom fez boa ação Bolinhas mil na careta dos caretasSubindo são lamentos no navio negreiroDescendo são as pretas velhas no cativeiroSocando a dor no pilãoSalvou o pão e o macarrão meu irmão!E o do refri prá aguentar esse rojão!Porque ninguém é de ferro não irmão!Abriu, verdeEsperança.Segue com a minha lembrança.
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Amauri Queiroz
5 P
O 5P é a nova ordem do guetoPoder e paz para o povo preto
Poder pra decidirA paz para viverVigiar e punirNós vamos combaterIsso aqui será PalmaresPalmares será aquiNossa história será feitaPela lança de Zumbi
O 5P é a nova ordem do guetoPoder e paz para o povo preto.
Quem manda na polícia pede voto pra vocêTira a paz e traz a guerra enriquece no poderEsculacha a favela pega o certo e deixa tortoO vacilo do urubu é achar que o boi tá morto
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Egotrip
O 5P é a nova ordem do guetoPoder e paz para o povo preto
Nós vamos resistir e fazer rebeliãoNegão larga a cachaça e vem fazer revoluçãoToda negra é Dandara, cada negro guerrilheiroMeu irmão, barata esperta, não atravessa galinheiro
O 5P é a nova ordem do guetoPoder e paz para o povo preto.
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Amauri Queiroz
Elite e Favela
É a velha estória da elite oprimindo a favelaÉ o povo pobre da perifa se lascando nas vielas
E na peleja desigual entre o estado e o povãoO culpado por morrer é o coitado do irmãoA justiça matou no peito e devolveu de canelaÉ a velha estória da elite oprimindo a favela
A injustiça dói! A injustiça dói!Capitalismo não rima com igualdadeA injustiça dói! A injustiça dói!O genocídio da negrada mancha a humanidade
O sangue do negão tá convocando lá do chãoTá lá desafiando a consciência do povãoTá lá nos intimando a fazer revoluçãoO povo vai fazer a verdadeira abolição
Palmares é aqui Canudos guerrilheiroSomos filhos de Zumbi e Antônio ConselheiroSomos cangaço e herdeiros de LampiãoSomos Malês fazendo a revoluçãoAqui o povo luta o povo não amarela
79
Egotrip
Quando a força da cultura é o comando da favelaNo baile funk, no jongo, na passarelaNa beleza da passistaNos artistas das vielasSeres brilhantes diamantes cintilantesPersonagens fascinantes que a elite atropela
Viva Cartola, Mano Décio da Viola, Dona Zica, Dona Neuma, Babaú, Zé Espinguela;Carlos Cachaça, Dona Ivone, Zé com Fome, Lecy, Geraldo Pereira, Bid e Paulo da Portela;Zé Criolinho, grande Nelson Cavaquinho, Padeirinho, Mole-quinho, Dona Eulália e o povo dela;Coluna Prestes, Araguaia, Abdias, Apolônio, Sant Dias, Chi-co Mendes, Marighella; Tibete livre, África reparação, Palestina pátria livre o bom cubano é meu irmão;O povo negro no Haiti fez gol de placa e a elite deu carrinho e até hoje contra ataca;No USA (uesseêi) do Mississipi ao Alabama Luther King e Malcoln X prepararam pro Obama;Falei e disse, já mandei o meu recadoSeja pobre ou seja rico é cada um no seu quadradoAqui o povo luta o povo não amarelaMas no ônibus da vida o rico anda na janelaAqui o povo luta o povo não amarelaEu sou mais é João Cândido e Teresa de Benguela.
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Amauri Queiroz
Epitáfio
Faça de conta que eu morriSe tu quiseres lhe adianto o epitáfio
Aqui jaz um bambambam do tamborimE um bom compositorFeito no Largo do Estácio
Quando o nosso amor esmoreceuDe mel a felFez a vida amargarDevias ter procurado um outro rumoEncontrado um novo prumoE na vida se equilibrar
Hoje choras por felicidadeImploras fidelidadeCoisas que eu não posso darEsqueça nossos sonhos de outroraBusque uma nova auroraQue o meu sol não vai raiará.
81
Egotrip
Falso Perdão
Te dei amor te dei carinho Nas noites frias te aqueci com meu calor
Deixaste nosso mundo de delíciasIludido por caríciasRecebidas de um falso amor
Chora hoje em dia você choraArrependido pelo mal que me causouPelas feridas que abriu em minha vidaCompanheira de guarida que você abandonou
Volta que a porta está abertaEu não te quero mas meu coração te querNão terás mais nosso mundo de delíciasMas apenas a malícia e meus segredos de mulher.
82
Amauri Queiroz
Criação
Como é bela a naturezaPólen de toda a beleza
Dos sonhos do CriadorUma grande consciênciaEterna OnisciênciaConsciência universalGaya tem ligaçõesLigamentos, filamentosCapricho da criação
Digitais de um ser supremoDeusa mãe desta cançãoDeusa mão da criaçãoColorindo o universoCom seu ventre de emoçãoViajando entre as estrelasMeteoro de paixãoColorindo o universoCom amor no coraçãoEspalhando a belezaMilagre da criaçãoCipó, folha, miração
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Amauri Queiroz
Colombina Perdida
Vi você mulher desabrochar em florSe iluminando para o amor
Lembrei das lindas noites de verãoQuanto eu lhe entregue o meu coraçãoÉ tempo que não volta é destinoÉ vida que segueÉ desatino
De todos os romances que viviDo nosso amorNão esqueciDo tempo do desejo e da paixãoDas nossas loucurasDa emoção
Hoje só me resta a lembrançaPoder sonharDoce esperançaA flecha do cupido me alcançouMe feriu pra sempre e aqui estouVivendo na folia da desilusãoSou pierrô
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Amauri Queiroz
Calvário
Se um dia o meu bom DeusRecriar a humanidade
Jesus Cristo irá nascerNa minha comunidade
Judiada tão sofridaVivendo ao deus daráNa minha comunidadeEle irá transformarCovardia em justiçaDesalento em esperançaConsolando os mais velhosProtegendo as criançasNas mesas o santo alimentoNos lares paz e amorE o merecido descanso Do povo trabalhadorJesus na comunidadeQue maravilha seráA nova JerusalémDo meu Leão de Judá
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Amauri Queiroz
Canto de Miração
Flutuando no universoGaya diamante azul
Mar, floresta, naturezaParaíso do astral
Fauna, flora, caiporaPajé, índio, curupiraSete Flexas, Oxum, OxossiSe apresentam nessa giraBichos, rios, cachoeirasBiocivilizçãoAr, espiritualidadeSão irmãos amando irmãos
As florestas são palácios da grande soberaniaDa nobreza universalEspalhando no planeta toda essa energiaO amor transcendental
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Amauri Queiroz
Flor do Amor
Diz que nunca me amouQue aqui não foi feliz
Nas águas da minha fonteSaciaste o teu calorHoje renega o nosso amor
Quantas noites confessastesQue das mulheres do mundoEras sempre a mais felizRegavas com inverdadesCeifavas com falsidadesA flor do amor pela raiz
É destino desse amor ingratoSer escravo da desilusãoAí o universo choraA natureza imploraPela nossa uniãoSe vieres sem vaidadeNas sandálias da humildadeVou reabrir as portas do meu coração.
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Egotrip
Mãe Negra
Mãe negra que estás no céu, santificado seja vosso nome. De seu generoso ventre africano nasceu a hu-
manidade. Oh! Eva! Negra Eva! Mãe de todos nós! Oh! Mãe da diversidade! Mãe dos degredados, dos despossuídos, dos fa-mintos, daqueles que nada têm.
De seus seios fartos jorrou o leite que manteve de pé seus filhos diletos. Também nutriu o filho do branco que a escravi-zava. Leite bom, leite de sustança, leite de tetas sagradas que inundou o planeta de corpos fortes, sadios e viris.
Venha à nós o vosso amor, vosso acalanto, vossa sabedoria. Perdoai nossa covardia, nossa leniência, nossa omissão em não lutarmos pela restauração de teu reino perdido para os inva-sores. Perdoai oh! Mãe Negra! Por sermos reféns do medo, do terror, da paúra de um porvir maior.
Perdoai-nos Mãe Negra, por permitirmos que esse sistema opressor escravize nosso povo. Por não nos rebelarmos por sair de uma escravidão para outra. Saímos do cativeiro da ter-ra para o cativeiro do dinheiro, que nos é negado e sua falta nos atira para longe dos valhacoutos das cidades. Somos a bí-lis do corpo humano terra. Somos o esgar de uma orgulhosa civilização de outrora.
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Amauri Queiroz
Perdoai-nos por não lutarmos pelo futuro de nossas crian-ças, nossas amadas crianças negras. Nosso futuro povo negro que encontrará uma muralha de indiferença e desconfiança que magoará para sempre seu tão puro coração, causando so-frimento e dor.
O racismo Mãe Negra, nos destrói em silêncio. Produz marcas invisíveis, faz com que machuque sem deixar mar-cas visíveis, mas marca para sempre a alma. A dor do negro é uma dor solitária, é dor de peregrino, dor de tuaregue nos desertos da alma.
O racismo apaga aos poucos o sorriso franco e nos impõe o sorriso forçado. O sorriso de negro gente boa, de negro san-gue bom, de negro de alma branca. O pior é que não lutamos. Nosso povo perdeu o rumo da luta que ficou na Serra da Barri-ga com Zumbi e seus guerreiros e guerreiras, que lutaram por 100 anos contra dois impérios. Nós decidimos ficar quietos por aqui Mãe Negra. Lutamos no teclado do computador enquanto nossos povo está sendo massacrado pelo poder dos brancos de má vontade, que querem nos relegar uma cidadania de tercei-ra, pois a de segunda já vivenciamos.
De terceira também será a cova rasa para mais de 35 mil jo-vens negros que são assassinados todos os anos. Agora Mãe Ne-gra, estão nos exterminando sob a égide da lei. Nosso povo está morrendo de várias maneiras: pelas balas da polícia, na violên-cia do narcotráfico, da pedra de crack, pela tortura, pela ina-nição, pelos abortos clandestinos, isso mesmo Mãe Negra, não satisfeitos em nos matar não nos deixam ao menos nascer. No futuro não existiremos mais. Somos estoque étnico descartável
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Egotrip
para o capitalismo. As balas que nos oferecem são de chumbo e não de confeitos ou guloseimas.
O pão nosso de cada dia Mãe Negra, é a dor de ver nosso povo sob os viadutos no que pode se chamar de arremedo de vida. Vivendo nos guetos, nas palafitas, nas favelas, sem tra-balho, sem recursos, sem dignidade. Por isso Mãe Negra que estais no céu, perdoai nossas dívidas por que não temos como pagá-las. O sistema é cruel e não nos dá trégua.
Perdoai as nossas dívidas, pois nossas dívidas também são exis-tenciais. Nossos credores espirituais que estão no Orum são Zum-bi dos Palmares, João Cândido, Teresa de Benguela, Steve Biko, Malcoln X, Martin Luther King, Marielle Franco, George Floyd, Rosa Parks e tantos outros que esperam mais de nosso povo e fica-mos atados ao imobilismo. Aguardando um porvir prometido pelo canto de sereia do capitalismo que nunca virá. Os brancos racistas possuem o dom de iludir. Nos acenam com falsas possibilidades e assim nos mantêm em modo de esperança, onde o futuro é uma porta na linha do horizonte da qual jogaram a chave fora.
Perdoai nossa dívidas assim como nós não perdoamos a dos nossos devedores. Dos colonizadores, dos escravistas, dos tra-ficantes de escravos que tantas dores infligiram ao nosso povo, nossos sofridos ancestrais.
Perdoai nossas ofensas assim como não perdoamos a quem nos tenha ofendido com a crueldade do cativeiro. E que ainda nos ofende com a indiferença, com a desigualdade, com o racis-mo e o preconceito. Não perdoamos aos que nos delegam um sistema de ensino falido, uma educação de péssima qualidade, o interdito ao acesso à cultura e ao lazer.
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Amauri Queiroz
Santificado seja o vosso nome, assim na Terra como no Céu. O pão nosso de cada dia nos é negado hoje. E então caímos em tentação e muitos de nós recorrem ao delito, à desobediência civil e se tornam pessoas à margem da lei, em conflito com a lei, como diz a lei criada pelos brancos. Na verdade acho que a lei é quem está em conflito com eles, desde que nasceram. Antes de nascer já eram humilhados pela obstetrícia violenta. Depois que nascem pela violência das comunidades, pela falta de apoio escolar, pelo estreito convívio com o narcotráfico, com o álcool e outras formas lícitas e ilícitas de fuga da realidade.
Por favor nos deixeis cair em tentação. Nos livre do mal da docilidade, da doma, da subserviência, da resignação. Dê-nos o pecado da rebelião, do confronto, das trincheiras da liberdade. Tire-nos, oh! Mãe Negra, desse limbo, tão cheias de graças que és e que tudo pode! Acorde-nos desse sonho que nos imobiliza, faz com que haja um despertar coletivo, onde arcanjos negros e brancos possam soar suas trombetas e assim comandar nossos exércitos rumo à liberdade. Bendita sois vós entre as mulheres! Bendita sois vós que sempre nos amparou e nos amou.
Vamos nós ao vosso reino após vencermos essa luta. Vamos vencer a maldade, a segregação, a intolerância. Vamos marchar nas ruas e avenidas das cidades. Será feita a vossa vontade e sede de justiça. Que cada pessoa do povo negro possa ser reco-nhecido como igual, apesar das nossas diferenças. Assim seja na Terra como no Céu.
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Egotrip
Céu de Noel
Mas eu também não vou querer choro nem velaQuando eu morrer na passarela
Infelizmente não vai ter fita amarelaA fila andou com o nome dela
Não tem tristeza vai ter mesmo é gurufimJá que o meu lar é um botequimCerva gelada, feijoada, pagodãoE uma mulata assanhadaSapateando no meu caixão
Meu bem no céu se faz samba tambémÉ só chegar e não abafar ninguémNão tem birita, tira-gosto, torresminho, arrasta-péDesse jeito assim eu volto pra te ver ô mulherSão Pedro disse partideiro se quiser ver o NoelÉ só pegar uma nuvem pra Vila Isabel do céu.
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Amauri Queiroz
Chuva de Amor
Chuva caindoVida lá fora
Sem teu sorrisoPor que você foi embora?
Sou flor no jardim do amorSuga meu mel beija-florA chuva caindo lá foraVolta meu amor meu demora
Quero te abraçar beijar muitoQuero namorar ficar juntoA chuva caindo lá foraPor quê você foi embora?
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Egotrip
Canto para Oxum
Ialodê mãe rainha do ijexáSenhora dona do ouro
Toda a riqueza que háMinha mais doce mamãeMinha mais linda mamãeA rainha do ijexá
Carrega meus sonhos em teu colo generosoNas águas do mundoCarrega no colo o filho do mundoTeus filhos e filhas nós somos mais um
Mamãe me carregue em seu amorPoder glorioso da fertilidadeTeu canto é poder e produz o milagreDe transformar o mal em bondade
Riqueza maior não háBeleza maior não háOgun, Abebê, OfáXangô, Oxossi, AdêMamãe Ialodê
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Egotrip
Corredeira
Na naturezaA beleza quer dançar
Na sutilezaQue o corpo vai mostrarVento vida faz balançoForça viva imortalDeslizar na luz pôr do sol Arco Íris dom de DeusArte livre no portalSeres elementaresCamafeu na cumieiraMato, céu, flor de oliveiraCorpo solto naturalVida, paz, viva, videira
Se joga no verde ao somDesse balanço multicorCada um é mais vocêOlha o som do rioÉ a voz do criadorFotossíntese do serSinos, voz do interior
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Amauri Queiroz
Corpo inerte no compasso imensidãoÉ o poder da criaçãoSincronia gaya viva me dominaNa busca da perfeição
Eu sou o verdeEu sou a águaSou volume cachoeiraSou cerejeiraCorredeira no quintalNo quintal sou cordilheiraSou varal, sou amoreiraSou a dança do astral
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Egotrip
Depoimento do Malandro(Uma homenagem a Moreira da Silva e ao Samba de Breque)
Eu vim aqui cantar o meu samba de brequePor ser de breque tem que ter jeito moleque
Quero cantar a velha Lapa tão queridaE relembrar na poesia tempos que não voltam mais
Quem diz sou eu que sou malandro das antigasDo panamá, terno de linho e sapato bicolorGanhei a vida no bilhar e no dadinhoE no baralho de ronda sempre fui um professor
Levei corrida da Invernada de OlariaAmei meninas que faziam trottoir no cabaréNos velhos arcos quando eu abria a navalhaNa madrugada não ficava um de pé
Breque: Joguei roda de capoeira onde só tinha bambambam. Sete Coroas, Babilônia, Meia-Noite e Satã. O risca-faca era regado à Vermuth e Bagaceira. “Falso baiano não se cria” dizia Geraldo Pereira.
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Amauri Queiroz
Na velha Lapa quem reinava era o sambistaO Noel Rosa duelava sambas com Wilson BatistaJoão da Baiana e Ciata na janelaAdmiravam Ataulfo, Bid e Paulo da Portela
Cartola via que o mundo era o moinhoCom sua dor sempre passava o nosso Nelson CavaquinhoE pra mostrar que o samba não é só MangueiraTinha Isamel, Donga, Sinhô, Natal, Silas de Oliveira
O Pixinguinha comandava oito batutasPérola negra encantou a burguesia de ParisCom a Divina Elizeth e o AlmiranteNo café Nice imperava dominante
Joguei sinuca com Brancura e EdgarO marido da Etelvina que acertara no milharSó jogo duro bola à bola até a seteEles bebendo anisete e eu quinado da Dubar
No Bar Capela bebia um rabo de galoIa direto pro salão da gafieiraPra farrear e deslizar a noite inteiraOuvir Gardel ao som de um bandoleònNa Estudantina eu tive uma grande surpresaMe encantei com uma linda japonesaMais delicada que uma flor de cerejeiraA mais formosa da Kananga do Japão
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Egotrip
Breque: Me aceitou para dançar com um sorriso oriental. Meu camarada eu nunca vi um rosto tão angelical. A linda gueixa flutuava ouvindo o som da Tabajara. Tiradentes exalava o glamour da Guanabara. Fui lá no fundo do baú da malandragem de primeira. Beber na fonte da saudade do mestre Kid Morengueira: “Você aqui tá no Brasil, não entra nessa meu irmão, nosso negócio é mulata, batucada e feijão. Arranja uma brasileira que dá menos confusão”.
Larguei a japa apaixonada e pulei foraTomei um Cuba e um Traçado no cabaré da AuroraNão vi polacas nem as francesinhas quentesQue alegravam a Lapa de antigamente
Breque Final:
“Deixei a Lapa trás e fui tomar a saideira. Num cospe-grosso da Mimosa lá na Praça da Bandeira. Peguei o trem pra Madureira que é o 13 Parador. Parando é breque e breque é samba, samba de bamba sim senhor”.
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Amauri Queiroz
Madureira
Madureira...MadureiraTua história viaja nos sonhos da minha emoção
Teus poetas construíram essa magiaQue balança no Trem do Samba do meu coração
Vem da sagrada SerrinhaEsse celeiro de bambasVem da batida do jongoA Sinfônica do SambaFormando a grande nação Dona Eulália e os manosForraram o berço do sambaCom a bandeira do Império Serrano
Oswaldo Cruz foi teu ninhoMinha águia altaneiraQue levou para o mundoO teu nome MadureiraBrilhas no jardim do sambaEntre as flores mais belasSalve a nobre Velha GuardaSalve Paulo da Portela.
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Egotrip
O Céu do Sambista
Se chegar a minha hora vou cantar para subirEu lhes peço por favor não se entreguem à tristeza
Vou querer roda de samba de mesaSamba quente, gente bamba e um animado gurufim
Também vai ter versador mestre de sambaPartideiros, ritimistas, tira-gosto de primeiraCerva gelada, passistas, porta-bandeiraE o meu povo bonito de Mangueira e Madureira
Meu camarada não tô pronto para o céuEu quero é festa, samba até o sol raiarSe não tiver roda com samba no péDesse jeito assim eu volto pra você ô mulher
Meu bom São Pedro quebra essa é carnavalA minha escola desfila no especialSebastião meu parceiro padroeiroDá uma ideia no Pedrão e resgata o partideiro
Senhor São Pedro me libera dessa idaEu já vivo no alto
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Amauri Queiroz
Moro em Santa TeresaNão tem pedido o martelo foi batidoEu subi pro céu do samba sem direito de defesa
Cheguei na manha, devagar no sapatinhoE dei de cara com seu Nelson CavaquinhoVi o Cartola com o Paulo da PortelaEu vi Ciata, Dona Neuma e Dona ZicaConversando com as rosas que falavam na janela
Beto Sem Braço, Anacleto e João NogueiraVi Dona Eulália, Mestre Silas de OliveiraVi Mano Décio o sambista imperadorJoãozinho da Pecadora e Ismael compositorMestre Candeia da Quilombo de AcariSó tinha bamba seu Xangô e JurandyrQue céu é esse de gente tão animadaOlha a Tia Vicentina preparando a feijoada
Luizinho Imperatriz dando ideia o CabanaPixinguinha e Ataulfo com o João da BaianaOlha lá seu Argemiro, Alvaiade e CasquinhaAbraçados com Ventura, Manacéia e MijinhaPartideiros de primeira e bons sambistas de fatoSeu Jair do Cavaquinho e o Alberto LonatoFilhos de águia orgulho de MadureiraSalve Dedé da Portela, Seu Alcides, Picolino
107
Egotrip
Só gente bamba, só sambista de primeiraQue levaram para o mundo o nome de Madureira
Tia Fé tirando onda raiz forte de MangueiraZé Espinguela, Zagaia e PadeirinhoMestre Tinguinha e Waldomiro PimentaSeu Zé Ramos, Gargalhada, Darcy, Dória, BabaúPorque Mangueira tem amor e tradiçãoQuem não se lembra do grande Chico PorrãoCarlos Cachaça, Preto Rico, SaturninoComprido, Mestre Taranta nosso Roberto FirminoO morro desce a Mangueira vai sairSeu Delegado, Jamelão e LuizitoQue maravilha a favela engalanadaDesse jeito não tem jeitoÉ dez em todo quesito
Salve Seu Miro o coração do SalgueiroE seu patrono salve São Jorge GuerreiroCom Sabiá, Binha e Geraldo BabãoChico Rei trouxe a glória do Salgueiro campeão
Tia Maria na Serrinha foi JongueiraJunto com Mestre Darcy estrondava MadureiraVovó Joana nossa grande ImperatrizConstruíram o Império que faz o povo felizE da Congonha veio Dona Ivone LaraCantando com Molequinho e Mano Elói que coisa rara
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Amauri Queiroz
Vilma, Mocinha, Raimunda e DodôEterna Neide, Estrelas do CarnavalIluminaram para sempre a passarelaHoje são eternamente bailarinas no astral
Viva Tijolo, Mestre André, Vila VintémViva a nossa MocidadePorque se quiser lá temSão tantos mestres que ocupam o céu inteiroAlfredinho Bip Bip e o grande Roberto Ribeiro
Roberto Silva nosso príncipe do sambaUbirany o cacique do quintalAlmir Guineto um sambista de primeiraE na turma dos Wilson vi o das Neves e o Moreira
Joãozinho Trinta me chamou para cantarNo céu do samba tem que provar pra entrarSe for aceito vou receber do NoelUm convite pra quizomba na Vila Isabel do Céu.
109
Egotrip
O mistério do Tião Nanico
Tião Nanico virou um grande mistério da ciênciaTodo dia crescia um metro
Tenha a santa paciênciaDa NASA veio um bonde de gênios para desvendarO mistério do Tião Nanico que crescia sem pararVeio inglês, africano, francês, russo e alemãoVeio um monge do Tibete e um ninja de preto do JapãoAcabou que foi tudo embora cheio de vergonha com a cara no chãoFoi aí que chamaram um bicheiro de apelido BolãoBolão bicheiro matou a charada do tal crescimentoTodo dia ele passa na estica e manda um de galo de puro fermentoBolão bicheiro enquadrou o nanico do alto da gruaLarga isso senão desse jeito tu vai alugar o São Jorge na lua.
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Amauri Queiroz
Fundo de Poço tem Ralo
E você me dispensouMe largando no sufoco
Comeu o filé mignonMe deixou roendo o ossoJogou a vida pro alto na maior vacilaçãoNosso caso de amor o nosso lindo barracãoEu não sou bom professorNão me venha com problemasQuaquáquáquaráquáquáEu vou rir do teu dilemaTá ralando na favelaTá no maior batidãoApanhando te aviseiMais que bife de pensãoTá pedindo pra voltarCada vez mais submissaCachorro mordido de cobraFoge quando vê linguiçaMe implorando pra voltarNa manha no sapatinhoMas em rio de piranha água só de canudinhoTá mais dura que um coco se humilhando aqui no morro
111
Egotrip
Outro dia até latiu pra economizar cachorroTá passando um dobrado dando bom dia a cavaloFinalmente descobriu que no fundo do poço tem ralo.
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Amauri Queiroz
Sereia
Sereia...SereiaSalve essa gira de minha mãe Iemanjá
Navego na lua cheiaMil estrelas a brilharPor tuas águas sereiaPro meu amor encontrarA estrela-guia me levaPara alinha de além-marPara o teu trono sagradoPro teu berço douradoPro império do mar
Sereia...SereiaSalve essa gira de minha mãe Iemanjá
Senhora de fevereiroDe sereníssimo olharFlores e água de cheiroCom amor vou lhe ofertarTeu manto azul cobre a terraAs montanhas e o marBeijas Xangô nos rochedos
113
Egotrip
Abraça Ogum na beira-mar
Sereia...SereiaSalve essa gira de minha mãe Iemanjá
O teu poder é imensoFaz o planeta vibrarEm harmonia com a luaComanda as ondas do marEm tuas águas rainhaTodos têm que se curvarOh! Santa dona das águasEnxugai nossas mágoasNossa mãe Iemanjá
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Amauri Queiroz
Se Liga
Se liga no amor que eu te deiCom todo o carinho de uma flor
Nos sonhos de nobreza fui teu reiNo jogo do amor fui perdedor
Mas eu quiseraQuisera eu sorver minha rainhaO mel da tua doce realezaQuisera ser teu príncipe encantadoO teu tesouro a tua grande riqueza
Se liga que sou seu maior amorSou mel em seu jardim meu beija-florQuixote perdido pelos caminhosSem a donzelaSem os meus loucos moinhos
Se liga que sou superstarAmando como só eu sei te amarSe liga nessa minha solidãoSe liga vem, beija o meu coração.
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Egotrip
Samba Flor da Cultura
Quem gosta de samba de bambaEntende que o samba é assim
Meio malandro, maneiroEsperteleco, festeiroTelecoteco de pandeiro e tamborim
É maravilha que brota do coraçãoContagiando o poder da marcaçãoAmar o samba é amar o samba assimSamba de amor colombina e arlequim
Samba é raiz é o céu do batuqueiroRei sem coroa que comanda o terreiroSamba que é samba faz a massa delirarCom a voz do partideiro o poeta popular
Samba de bamba tem levada é samba quenteVai no talento garantindo o alto astralO nosso samba representa a igualdadeForça da comunidade na aquarela racial
=
116
Amauri Queiroz
Peço licença às velhas guardas altaneirasÀs baianas pioneiras peço benção e axéParabéns aos ritmistas que desenham a melodiaQue extasia o CarnavalGrandes passistas mostram o samba no péAgradecendo aos nossos compositoresSão trovadores da história verdadeiraJardineiros da semente mais bonita da cultura brasileira.
117
Egotrip
Doces Cristais
Enquanto não ouvir dos teus lábiosO menor sinal de fadiga
Estrei a seu redorPropondo o mais doce melDa flor mais perfumadaDo mais lindo paraísoDo meu sonho mais bonito
Você me engravidou de amor e belezaDe aconchegante ternuraComo a flor se oferta ao colibriSem nada pedirPelo prazer da doçura
Ao unir meus sonhos aos seusAlcanço o ápice da pazCristais flutuam infinitosCristais refletindo cristais.
118
Amauri Queiroz
Amor Querubim
Teu olhar lua selvagemMeu amor praia deserta
Glorioso amanhecerOnde minha paz se encerraOnde mora o bem querer
Vivo em ti nessa viagemQuerubins cantam amorEm mil mundos são a vidaEstrelas do criador
Se te amo e te queroEu não quero entenderSou o sol que aquece a relvaOceano de prazer
Serviçal dos seus desejosMe acorrento na paixãoOuço a música dos anjosÉ a paz no coração
119
Egotrip
Aquarela Existencial
Teu sonho é rosaVocê é rosa
Teus lábios são lindos
Meu sonho é azulMeu íntimo é azulMeus lábios são seus
Tua vida é brancaTua alma é brancaSeu sorriso é negro
Minha vida é cinzaMeu corpo negroMeu sonho é você
Teus cabelos são negrosTerrivelmente negrosComo meus sonhos de perder-te
120
Amauri Queiroz
Teu futuro é incolorMinha aflição é vermelhaO presente é rosa-choque
Teu caminho é verdeTeus olhos tambémTeus lábios carmim
Enquanto vivo a cor da incertezaVocê é meu arco-íris secretoEnquanto choro lágrimas obscurasRecebo de ti o mais cristalino dos sorrisosEnquanto me perco em mil divagaçõesTu sobrevoa-me enchendo-me de amorEnquanto permaneço ofuscado por tua belezaTu extasias-me com tua estonteante aquarela existencial.
121
Egotrip
O Afago de Deus
O clímax do amor é o afago que Deus nos ofertaUm raro brinde divino celebrado com os mortais
Oásis celestial no árido deserto da vidaImpério do amor que nos coloniza com felicidadeTerritório amoroso da humanidade
Intensidade que preenche o vazioVazio que inunda o intensoRazão tornada contrassensoChama primordial do reino animalDeterminação insondável do astral
Força crescente que eletriza a calmaSinfonia caótica que engrandece a almaCálice sagrado das estrelasFaz do corpo o graal do prazerTraz a glória do amor ao amanhecer
Coro de anjos anunciam sua chegadaMomento sublimeAfago de deusDoce renúncia da realidade
122
Amauri Queiroz
Desejo...amplidão...sensorialidadeDimensão onde o corpo perde a lógicaEnquanto o vulcão irrompe em fúria loucaEstar nas nuvens torna-se realidadeEntregando-se aos céus em frases senisDas bocas roucasSons e palavras de um idioma obsceno porém perdoado
São os acordes desorganizados da paixão Cessam guerras Paz na terra A lava quente do vulcão Escorre cálida Com o suor dos soluços de espanto e alegriaÉ a maior paz do mundoA paz do deus profundoO afago de deus.
123
Egotrip
Terreiro da Ciata
Ô Ciata joga salsa no temperoManda o João da Baiana cantar samba no terreiro
O terreiro tem magia, tem raiz iorubanaO batuque é de Angola no terreiro da baiana
Quilombola benzedeira, Feiticeira do SudãoNo terreiro da Ciata o luar brilha no chão
Tem a força da Bahia, Tem o axé do GantoisQuem não pode com mandinga não carrega patuá
Salve Ogun, salve São Jorge, salve o meu santo guerreiroDa batida do atabaque veio o samba brasileiro
124
Amauri Queiroz
O Anticristo
Somos filhos ilegítimos de um país bastardoSomos o povo negro onde alguns se dizem pardos
Vamos fazer a verdadeira aboliçãoSem Isabel Só nós irmãoNosso destino na palma da mão
Venha irmão!Levanta-te e anda!Venha irmãDandara não morreu em vãoVenha construir o amanhã negroPoder na mão do povãoVerdadeira abolição
Zumbi está nos gritandoPovo negro estou em vocêsDireito colonial não é direitoNão existe direito ofertadoDireitos de verdadeSó quando a irmandade chegar ao poder
125
Egotrip
Palmares, Selma, Soweto e HaitiMesma história e mesma lutaMandela, Martin Luther King, ZumbiMesma mensagem e mesma missãoA mensagem é a missão de fazer essa nação Acorda povo pretoNão teremos igualdade concedida por leis brancasNão teremos liberdade e igualdadeSem a verdadeira aboliçãoNos jogaram nas favelasAs senzalas high techNova colonizaçãoNecropolíticaCapitalismoO capitalismo é o anticristoTira de que não tem e põe onde não cabeCapitalismo é o grande mal da humanidade.
126
Amauri Queiroz
Floresta Cordilheira
Ande, corra, viva, sonhe, andaPela vida em seu vôo
Sentindo o sereno da brisaTanto sabor de viverSe conhecer, desabrocharComo as sementes da florestaNatura em festa, chão, mata verdeViolão, viola, florÉ tudo amorSom de criança no matoEsperança no abraçoPaz divina da montanhaSer alma de cordilheiraLevando o solLevando a luaNo sonho da algibeiraSabor de salSol, cordilheiraMúsica do sal da terraMi amor guantanameraMi cocaleraMi pantaneira
127
Egotrip
Mi ayusqueraAmores da vida inteiraAmor sem fim deusa na terraSer um ponto no astralAmazônia verdadeiraVivam os povos da florestaMiração paz verdadeiraAmoe pela vida inteiraAmazônia brasileiraAmor pela vida inteiraSalve a virgem mãe de DeusPatriarca São joséSalve o menino Deus.
128
Amauri Queiroz
Soy Lana Star
Eu venho das águas calientes pra te consolarEu levo uma prensa da vida pra te libertar
Soy Lana Chiquita bacanaSoy Lana Maria JuanaSoy Lana das vibes serenas eu soy Lana Stra
Eu causo alvoroço na praia eu sou pura famaEu brilho na areia dourada de CopacabanaIncredulidade no marValei-me Ogum Beira-MarSoy Lana das vibes serenas eu soy Lana Star
Eu quero ver todos sonhando Eu quero ver todos se amandoSoy Lana das vibes serenas eu soy Lana StarIncredulidade no marValei-me Ogum Beira-MarSoy Lana das vibes serenas eu soy Lana Star
129
Egotrip
Minas
Minas, mulheres, meninasSe adicionam no escuro
Filhas da ilha do tempoLivres dos seus elementosSe mandam pro futuro
Pólens da flor da paixãoFlorais de amor seduçãoTão lindas amam sem medoFelizes na contramãoNadando contra a correnteFazem a revolução
Não somos o “X” do problemaNós somos nossa soluçãoEu sou o brilho das estrelasEm sua constelaçãoVocê é minha doce meninaEu sou a lava do vulcãoCom minha língua de fogo
131
Egotrip
O blefe da mulher Gato
Baila nas raves viajando numa tripQuerendo ser a toda boa no strip
Se aplicando com balinhas e tequilaPara o que der e vier
Pões na roleta sua estranha castidadeO resto é samba salto-agulha e vaidadeFalsa vedete, Afrodite do subúrbioGrande blefe do poquer
Dama da noite que nenhuma grana pagaEstranho mix de Madonna e Lady GagaPensa que um back, birinaite e madrugadaFazem uma grande mulher
Já não dá mais para apostar na espertezaOs grandes falos já rolaram sobre a mesaE a mulher-gato de calcinha azul-turquesaDerrapou à meia-luz
Caiu nas garras de um lindo anjo tortoTatto tribal, surf, maromba, skate, corpo
132
Amauri Queiroz
Aí tentou fechar a porta Inês é mortaCoisas da primeira vez
Minha garota a madrugada é punk rockO velho príncipe encantado é um escroqueMalvado não foi complacente com seu zíperAmanhã tem futebol.
133
Egotrip
África negra
África negraBerço da evolução
África negraMãe da civilização
Cura minha dor senegalMeu mal de amorDança povo de dakarBatidão do tambor
Brilha o sol de luandaBrilha o luar de benguelaBrilha a raça de sowetoBrilha a chama de mandela
Chore seu pranto oceanoO sofrimento do marPalmares, angola jangaDo outro lado do mar.
134
Amauri Queiroz
Alunissagem
Essa lua que enfeitiça o jardimO filme que tem beijo no fim
Estrelas anarquistas que brilham por siDizem sim...claro que dizem simQuem pode ser feliz assim?O piano...o conhaqueA sede de vida correndo no parqueDerramando teu viver sobre mim
Veja só essa pressa de amorLinda flor essa pressa de amorVento livre beijando o luarMostrando na brisa a força de amar
Veja só quanta vida doídaVeja só já fechou a feridaDo amor que fez mágoa em mim
Pois amar não tem tempo ou espaçoHoje a vida está no regaçoMinha vida é viver no compassoDessa dança de amor sem fim.
135
Egotrip
Anjo caído
Anjo caído me ofereceu amor eternoCom asas rotas me transportou ao meu inferno
Doces lembranças me mostrouSeu paraíso me ofertouMinh’alma frágilDespedaçada ele levou
A espada em brasa atravessou meu coraçãoGotas de fogo incendiaram minha paixãoFado eterno....exílio bomVivi contigo um grandioso armagedon
Anjo caído na rubra aurora me deste o felEm minha boca na negra noite puseste o melQuedo em seus braçosEncantariaNinho de estrelasCéu, purgatórioDoce magiaPartiu em brumas
136
Amauri Queiroz
Rumo ao universoImensidãoDeixou cativo meu coração em comunhãoHomem/mulher/ser/mutaçãoLevou prá sempreEternamenteMinha razão.
137
Egotrip
Auto da santa cruz
No coração da florestaDos riachos de iansã
Tem um reinado floridoDo povo juramidam
É o povo da firmezaPovo da consagraçãoSão soldados da rainhaDa virgem da conceição
São da linha do tucumHerdeiros da miraçãoFilhos de santo irineuE de são sebastião
A irmandade reunidaCanta hinários de amorGuardiã de um jardimOnde reina o beija-flor
A força já vem chegandoEmbalançando a corrente
138
Amauri Queiroz
E a lua cor de prataAlumia toda a genteTodos têm que se curvarPerante esse poderÉ o poder de são joãoE da virgem da conceição
Dai-me graças são miguelSanto guardião do céuDas falanges do senhorJesus cristo redentor
Alto santo, cinco mil,Mapiá e juruáPatriarca são joséEu vim aqui para louvar
O povo leva a bandeiraComo o mestre determinaViva o santo cruzeiroViva as santas doutrinas
Oh! Mãe divina protejaEsse povo, essa missãoDai-me paz e dai-me amorOh! Virgem da conceição.
139
Egotrip
Budapest
Aqui sentado onde estouNesta anônima imensidão
Deixo-me enfim sentar ao meu ladoSimTão poucas vezes pude sentar assimComigoAqui nesta vaga noção de realidadeDo varosliget park sedado à beira do danúbioLiberto os demônios da minha criação AquiChocado onde estouNa gélida persuasão desta urbe dúbiaDeixo-me enfim abraçar-me, afagar-meSim, deixo simDeixo sim porque daqui saiu a bestaDeixo sim, deixo simDeixo sim porque aqui passam as prenhas com seus apetrechosE nem o gelo do chão do parque as incomodamAh! O gelo do chão do parque!Nauseabundo e asqueroso momentoOdiosa criação malditaSabe quem sou eu?
140
Amauri Queiroz
Sou aquele estilete afiadoEscarafunchando sua consciência Podre e pobre...podre e pobre...podre...Sou o grande guerreiro alado (do mal)Que arrasará tuas fantasiasSim, arrasarei todasSou eu que estou aqui nesta cidade dúbiaMorrendo como kafkaSofrendo como rilkeSou eu o emissário que expiará os lamentos de gellertArgh! Os enfermos de gellert!Dois milênios de gellert!Why not urais? Allways gellert...allways gellert...Depois saem com os olhos arregalados por aí Jogando sal nos quarteirõesEmpalando criancinhas e cantando doces cantigas de natalIsso você não sabiaResponda se sabia ou não?Asas é o que temos...asas flap..asas flap...asas flapAsas...asas...asas...Nada me espera em momento algum Só faltava isso!E depois ainda se assustamQuando saio com os olhos arregalados por aí Uivando junto com as tempestadesEntregando meu peito nu ao vento gélido de gellertSim, não temo gellert!
141
Egotrip
E depois ainda dizem que se assustamPodres! Hipócritas!Copulam com os animais nos estábulos E no natal veneram o menino-deus no estábuloO salvador dali tudo vêVeneram a bem aventurança sobre o fenoCoberto de sangue e sêmen das virgens de gellertDali saem as hordas de lunáticos e genocidasNa meca cigana entre ouros e quadris febrisPassa imortal o perene rioAnonimus varosliget.
142
Amauri Queiroz
Lobos
O mar respinga em meu rostoCem mil gotas de sal e amor
Sol contra o sal da dorSou cem mil gotas de amor
Solitário sonho com nós doisBate o silêncio na calma da almaLobos também uivam em noite sem luarA lua também uiva para o lobo amar
É só ter vontade de amarÉ só ter vontade de ver o marAh! Esse mar virou sertãoDepois que você me amarO sertão vai virar mar
A felicidade é uma coisa muito estranhaQue até rola um estresse na calma do olhar.
143
Egotrip
Gênesis
Os sinos dobram solenesAnunciam o fim de uma era
Foi decretado o renascimentoÉ momento de partirElevar-seSer conduzido ao etéreoAbandonar a casca de poeira de estrelasPartir livre e sem amarrasSolto na imensidão do cosmoViajar por nebulosasAglomerados de galáxiasBerçário de estrelasMatéria escuraSóis brilhantes no caminhoMultiversosOnde estarão os anjosA corte celestialOnde celebra-se o reencontro com os ancestraisA nova forma é plasmáticaSem densidade ou contornos definidosUltrapassando as leis bárbaras do conhecimento humanoAtravessando dimensões
144
Amauri Queiroz
Mundos paralelosPercorrendo o insondávelEm júbilo com a perspectiva de deusSonhando com a glória do encontroO dono de todo esse poderO grande arquiteto do universoSentir seu incomensurável amorAmor imanenteJá não ouço mais os sinosAquele velho mundo ficou para trásTerritório de expiação e sofrimentosOnde os humanos purgam suas dores existenciaisSeus desejos inconfessáveisSeus pecados e aberrações inconfessáveisSinto a liberdade mais puraOuço os acordes do paraísoMente livre das limitações da matériaDos julgamentos e das culpasDa prisão limitada do carbonoFlutuo suave nos infinitos recônditos do universo inimaginávelOuço o troar da criaçãoLuzes rugem rasgando as trevas imemoriaisSurgem novos mundosGênesis primordial gerando corpos celestesNascem do mais puro caos mas seguem o ordenamento uni-versalSeguem a determinação de deus
145
Egotrip
Onde está guardado o mais profundo dos mistérios que é a criaçãoO nascer da consciência pela onisciênciaOnde tudo se iniciaA almaO espíritoOs sentimentosO amorDeus.
146
Amauri Queiroz
Glacial
Não me fale de amor tanto assimSe eu não vejo calor no seu olhar
Imagino o depoisA distância dos dois
Para amar o amorTem que ser de outro mundoPara não haver dorO amor é profundo
Tem que ser um amorComo a luz naturalQue retire de mimMeu amor glacialQue repasse prá mimSeu amor animal
E deixar teu sol me aquecerMe transformar em seu novo solBeijar a lua e depois desfalecer
147
Egotrip
É amor de amar e viverMas não me fale de amor tanto assimSe eu não vejo calor no teu olhar.
148
Amauri Queiroz
Wica
Grande senhora do universoVento solar no olhar
Anjo dos sonhos futurosDeusa, fogo milenarSol do meu lado escuroDoce wica, pura magiaRunas, i ching, tarotBúzios, xamã, camelotFeitiços, encantaria
Luar de prata, luz da florestaElementares, druidasGuardiã medievalForça do bem contra o malPitonisa visionáriaAmazona, geledésMisteriosa, secularesDevota da naturezaDas essências do amorFaz um mar de emoçãoDona do meu caminharDona do meu coração.
149
Egotrip
Tristeza de rio
Partiu me trazendo grande dorFez do meu mundo uma terra sem calor
A minha poesia em noite friaFantasia ou ironia floresceu em mais amor
Quem disse que os brutos também amamSim desconhece os mistérios do amorCiranda de carícias infinitasÉ a rosa mais bonita no jardim do criador
Viver sem teu amor é desafioÉ tristeza de rio que jamais alcança o marO mar chamam de felicidadeÉ a distância da saudade entre você e nosso lar
Vem meu amor a casa imploraO meu corpo choraO fervor do teu prazerVocê é a razão da minha vidaVem curar esta ferida que se abriu em meu viver.
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Amauri Queiroz
Canción para george floyd
Vuela pájaro negroVuela al orum, el cielo de los negros
Para aruanda la patria celestial de los negrosNo al cielo de los blancos donde sólo hay dioses blancos con bar-bas blancas y ángeles blancos con alas blancasIr donde suDescanse en paz por fin entre susDonde no te miran sospechosamenteDonde tus sueños serán entendidosBusque al reverendo king para curar su dolor de la pareja infa-me y no programadaBusque sir malcolm x que revitalice su fuerza con sus palabras de truenoBusca rosa parks que te dará serenidad y renitidadTambién busca a extranjeros como nicomedes santa cruz y zumbi dos palmares que te enseñarán la doctrina de la resis-tenciaNo te preocupes por el idiomaVictoria santa cruz hará la traducción p ustedNicomedes estará acompañado por joao cándido, héroe de los brasileños negrosSi escuchas algún desastre allí en los brasileños, no tengas mie-do, es ronaldo campos de la colina celebrando con los bailarines
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Egotrip
peruanos con samba brasileña.Quédate en el orum de los orixásEs nuestro cieloEs el poderoso cielo de las madres negrasDe las santerías beneficiosas que les ofrecerán la paz perdidaNo hay negociación allí porque ellos son los que gobiernan todoQuédate en el orum de los viejos negrosNo vayas al cielo blancoAprenda de nelson mandelaCon porfirio vásquezCon alberta hunterNuestro cielo, el cielo de los negrosSeguro que es mucho más divertidoUsted estará encantado con duke ellington y louis armstrong enseñando blues jimi hendrix, mientras billie holiday y aretha franklin se despliegan para mantenerse al día con el ritmo del cajón peruano.En nuestro cielo, en el orum, hay un amanecer con cantantes negros todos los días.Quédate en el orum, el cielo de los negrosSiente la cálida brisa de las sabanas africanas invaden tu cuerpoSiente que la llama del guerrero enciende tu corazónSiente la inmortalidad que ofrecen los orixás.Te amamos george.
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Amauri Queiroz
Espírito livre
E xiste um espírito invisívelExiste um espírito com cor
Espíritos sofridos expiam lamentosSem nunca compreender o sentido da vida
Vida onde o negro já vem carimbadoSofrido, aprisionado, vagando no orumAliviado enfim do fado terrenoSonhando com o ar da savana africanaLivre do jugo do colonizadorLivre do barco negreiro tumbeiroLivre do jugo e da humilhaçãoLivre da sina do cativeiro
Espírito negro aguarda o acalantoDos deuses da corte celestialQue sobem e descem num afã inconstanteLivrando os negros da força do mal
Carentes sofridos vivendo no transeTer menos valor que um animal
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Egotrip
Largado na vida como um farrapoSonhando em ter um decente final
Os deuses lamentam a perversidadeGanância do homem que nunca encerraPisando na alma, na vida e nos sonhosDos negros que sofrem aqui na terra.
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Amauri Queiroz
Cavaleiro do amor
E ncontrei meus caminhos em seus braçosSuas luzes iluminam a noite escura
Sigo firme, vou em frente, chama acesaA certeza da paz orienta meu caminharMinha mente segue a trilha da paixão No duelo que se arrasta pela vidaMente vivaz contra o ingênuo coração
Sem você o céu noturno é sem estrelasÀ deriva sigo inerte em rumo incertoSinto a força desse amor rasgando o peitoAfogando meu amor banhando o leitoO prazer de ter você sempre por perto
Com o frescor de uma brisa de outonoTeu olhar doce e suave me faz amenoA vida é curta quando envolto em teu abraço É infinita se você está distante Enquanto espero ansioso a silhuetaQue a luz do alpendre revelará em um instante
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Egotrip
Passos suaves de hermosa bailarinaAlisa a lua com elegância os frágeis dedosDisco de prata ilumina a rua escuraO som da música afasta os seus medosVocê revela sua imensa estaturaImenso amor que encanta a minh’almaOnda de amor que me invade expansivaForça divina que me alegra e me acalmaMe traz a luz que vem das livres estrelasMostrando a glória do amor sempre tão viva
Sem ti padeço das mais duras ilusões Rainha eterna do meu reino encantado Sou o cavaleiro e pelejo em teu nomeFormosa dama terço lanças por teu legadoCruzo montes, vales, rios e florestasCruzado insano deste amor tão bonitoLutar por ele em minha vida é o que me restaNão há na terra um amor mais infinito.
156
Amauri Queiroz
Filhos do álcool
A fetados pela cirroseEsmagados pela overdose
Estão por aíEstamos aíFilhos do álcoolFetos de fato etílicosEstão por aíEstamos aíHerdeiros da insôniaFrutos de amores obrigadosFrutos de amores amargadosDas bebedeirasDa baderna dos prostíbulosDas noites insanas do por aíEstão por aíEstamos aíSorrindo forçadoRuminando o dia-a-diaNas latrinas da inconsciênciaAbsorvendo o karma dos espíritos impurosContendo as nossas lágrimas de espectros ambulantes
157
Egotrip
Catando as guimbas de felicidades que nos são atiradasPelo falso brilho do consumoEstão por aíEstamos aíCérebros atormentadosHerdeiros da ilusãoEstão por aíEsmagando as floresVomitando no amorRastejando na derrotaPortadores das chaves do infernoFilhos do álcoolNa bolsa nada amnióticoSó álcoolPuramente álcool.
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Amauri Queiroz
Doces cristais
E nquanto não ouvir dos teus lábiosQualquer sinal de fadiga estarei a seu redor
Propondo o mais doce melDa flor mais perfumadaDo mais lindo paraísoDo meu sonho mais bonito
Você me engravidou de amor e belezaDe aconchegante ternuraComo a flor se oferta ao colibriSem nada pedirPelo prazer da doçura
Ao unir meus sonhos aos seusAlcanço o ápice da pazCristais flutuam infinitosCristais refletindo cristais.
159
Egotrip
Aos que vieram depois de nós
D eslizar pela vida correntezaSem forças para alterar o rumo
Capitão refém do barcoÉ dor silenciosa de criança
Perdoem-nos filhos amadosSomos doentes, loucos, insensatosDevassando a todo instanteSua sensível teia de sentimentos
Não se deve destruir o ser em construçãoAmargar de fel lábios tão sublimesSer o pérfido predador de sonhos tão bonitos
Sobrevivam criançasPor favor sobrevivamSobrevivam à nós seus paisPais insanos e insensatosEgoístas moldados pela sociedade modernaPela indigência do consumismoPelo pecado da competição
160
Amauri Queiroz
Pela perversidade da individualidadePela falta de solidariedadeQual a lição que você gostaria de ter?Quem houve seus desejos mais profundos?Os ouvidos são surdos e não lhe ouvirãoSó querem falarE mostrar um mundo que você não quer verNão carregue pela vidaA dor silenciosa de criançaHá um lindo sol adianteAcrediteQue iluminará para sempre sua felicidade.
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Egotrip
Flor da floresta
E u sou a flor do amorAmor, floresta e flor
Eu sou a flor do amorFloresta, amor e flor
A flor do amor é uma rosa tão bonitaQue o beija-flor se encanta com sua corolaA miração é uma dádiva divinaFelicidade que a floresta nos ensina
A flor do amor é o caminho da verdadeA flor do amor nos ilumina e orientaA flor do amor nos apresenta a verdadeEla é a santidade que o mestre nos apresenta
Eu tenho a força que recebo da florestaEu tenho a luz que me ilumina das estrelasEstrelas brilham no infinito do universoE da floresta a irmandade ama vê-las
162
Amauri Queiroz
Amor e luz, miração, flor e florestaFloresta, luz e a emoção de poder tê-lasRecebo a força criadora do universoEu sou a luz que vem do brilho das estrelasEssa força amplifica o meu amorEssa força regenera a minha dorEssa força limpa o meu coraçãoÉ o amor mais puro da virgem da conceição.
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Egotrip
Noites fiorentinas
V i meus amigos infelizes Nos bordéis de firenze
Sangue nos olhosMau hálito E nas veias muito ácidoNas estupendas noites fiorentinasRegadas à acidoEncontra-se coragem para escarrar nos arcanjosCampanários sobrevoados por ilusões vãsNas mesas álcool, pizzas e muito ácidoÁcido que corrói o riso desesperadoÁcido que embranquece a pele negraÁcido que lhe mostra o quanto você é pequeno e insignificanteAs deprimentes noites fiorentinas exibem seu estupor orgânicoChorando longe de casaQuerendo colo de mãeQuerendo carta de mãeQuerendo morrer de tristezaNas deprimentes noites fiorentinas.
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Amauri Queiroz
Pedra do sal
N ão, ninguém me avisouQue o amor também é pedreira
Deixa a gente de bobeiraSofrendo na solidãoEnquanto isso sai sambando, gingando rasgadoNo compasso sincopadoNa marcação do surdãoNão leve a malNem precisa ser carnavalO samba pede passagemNa nossa pedra do salEra pra ela descer a ladeiraSaindo de porta-bandeiraDesenhando a vida no chãoRodopio de primeiraNo miudinhoTelecoteco balacobacoSó voltando pro barracoNa manhã da quarta-feiraÉ carnaval na cidadeA mocidade não para
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Egotrip
Na folia da guanabaraVai até o sol raiarNa maré do cheia ela beija a lua cheiaO amor da porta-bandeiraÉ sambar no carnavalDa pedra do sal.
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Amauri Queiroz
Cheiro de estrelas
P asseamos juntos pelas estrelasSeu olhar refletia a luz do sol
Tantos mundos imaginamos habitarViver juntos uma vida de alegrias
O tempo passou e sempre ele o senhor tempoNos levou por caminhos tão diferentesVocê cresceu e agora é frondosa árvoreMeio na minha fiquei guardado pra semente
Sol no rosto, lua na cara, banho de estrelasCama delícia na noite clara de luarPenso comigo onde andará a minha deusaEm que cometa estará a se alegrar
Sou terra e água e você sol e vulcãoSou luz dia do dia e você some na escuridãoMinha água arrefece o seu fogoSuas estrelas iluminam a solidão
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Egotrip
Virei montanhas, mares, rios, mundo aforaEnfrentei meus moinhos de ventoCaminhando os caminhos no teu passoEncontrando o amor no teu abraço.
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Amauri Queiroz
Poeticídios
V e jam o oceano que sai de meu peitoÉ um oceano sim
Oceano de amarguraNinguém consegue navegar em mimPô maiakoviskyPor que você fez isso?Só porque tinha um oceano de amargura no peito?
Em minha mente há um vadio doido, desesperado“essa é a maior confissão feita por um vadio”...E no natal de 1925 sierguei iessiênen foi emboraQue merda sierguei!Por quê você fez isso?Só porque não há novidade no natal?
Só eu vejo o guerrilheiro que há em mimSempre procurei um companheiro“nunca houve respostaHavia buracos de granada, de browning, de madzen”...Havia o corpo de leonel rugamaUm jovem poeta sandinista
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Egotrip
Dilacerado por balasNão precisava leonelPor que você quis assim?Só porque os guerrilheiros morrem assim?
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Amauri Queiroz
Amor espelho
Q uando a mulher quer dizerO que sempre não diz
São coisas sutis e pequenasÉ estudo finoQue quando compreendemos as fazemos felizSe você entender o ofícioQue tentar entender a mulherCom seus infinitos universosQue não cabem em versosPor mais quer você queira cantarSão os trabalhos de hérculesFalo pra ti amigoEstás em bom caminho
Jamais ouse decifrar Esse grande mistério enviado por deusA alma da mulherO corpo da mulherO seu pensamentoO seu dia-a-diaSe ela diz sim
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Egotrip
É certo que não é bem assimSe ela perdoaCerteza que não esqueceráEnquanto isso ficamos no chãoE elas danam a voar.
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Amauri Queiroz
Isabé
I sabé, isabéVosso trono não arcança
A aba do meu chapéFiz a guerraFiz a lutaVosmicê ganhou troféFui zumbiFui capoeiraDerrotei os coronéPai xangô me deu o fogoQue taquei no mundaréuLiberdade não se ganhaSe conquista isabé.
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Egotrip
Testamento
R ecolhi os espinhos do caminhoPara não ferir seu caminhar
Nos desertos criei oásisObservado atento de longeUm farol sobre teu mar
Cada caminho uma estóriaDe vitórias ou derrotasMas só vale se for caminharVida boa tem que merecerMerecer, caminhar e vencer
Desvie dos caminhosQue levam à solidãoCaminhe nos caminhosQue tenham coraçãoSiga firme na vidaFique longe da ilusão
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Amauri Queiroz
Invisível
A intenção é invisívelA sentença visível
O cárcere tem corOs espíritos expiam lamentosNão compreendem o sentido da vidaVida que vem de feto carimbadoLacrado, embrulhado, placenta genéricaAcolhedora, amorosa e genéricaPlacenta que não vai segurar a onda do fetoNo mundo exterior, apartado do bem estar socialLonge das riquezas e de olhares afetuosos, da igualdadeO sofrimento é de acordo com a quantidade de melaninaEla é a fronteira que pode definir entre o sucesso e o fracassoLutar para sair do guetoLutar para não pegar em armasLutar para ter direitos de cidadãoTem que cuidar desse fetoDo futuro dessa criançaPara que possa ter um mundo de luzUm mundo suave e cheio de amorosidadeNão podemos entrega-lo à sociedade
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Egotrip
Ela poderá lhe ser perversaConfiar uma vida dura e desnecessáriaUm mundo amargo cheio de desesperançaA vida amarga pode abraçar o feto negroLhe reservar um cárcere negroE uma cova rasa no cemitério dos negros.
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Amauri Queiroz
Sim
N ão queroTe quero
Não gostar assim
Não olhoTeu sonhoInsônia minha
Não vivoTua vidaDeixe-me morrer
Não choresMinhas lágrimasDeixe-me partir
Não dividoMinha dorChore de rir
Não sonhe
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Egotrip
Meu sono Durma
Não corroMinha pressa Te imobiliza
Não espere Minha decisão Te assusta
Não tentoTua essência Estremece-me
Não beijesTeu calorPode matar-me.
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Amauri Queiroz
Reparação
P ovo negroMundo negro
Herança de luta Ancestralidade
Mundo negroO povo lutaAncestralidadeLiberdade
Vem comigo irmãoVenha pra luta irmãZumbi modernoDandara com sabedoriaFazendo a guerraDia após dia
África sonho distanteFicou no seu sonho irmãoTempo de lutaReparação.
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Egotrip
Ninguém
S angue, suor e lágrimasSangue, suor e lágrimas
Herança da escravidãoPorcos comem no chiqueiroSodomia, cativeiroSangue, suor e lágrimasSangue, suor e lágrimasAfricanos açoitadosAbraçando o pelourinhoColonos sem coraçãoQue cruzaram seus caminhosAngola, benim, oyá, ilha de madagascarSinto o cheiro desse chãoNa minha escravidãoNão é a minha naçãoTerra da separaçãoLágrimas, sangue, suorTe quero áfrica queridaLua que me acalantaSol que incendeia meu diaSofri viagem sem volta
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Amauri Queiroz
Sem ver família, amigosNão há nesse mundo infameMaior que seja o castigoConstruir o novo mundoSofrimento, cativeiroMorreu sozinho no eitoSem ser povo brasileiro.
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Egotrip
Moinhos
T anto amor em voltaE eu tentando fazer a esperança nascer
Corre vidaGira mundoMoinhos que moem sonhosMeus quixotes são mesquinhosCorre vidaGira mundoEsperanças vão morrerCom tanto amor em voltaTanto futuro por aquiEu matei a esperançaTriturada no moinhoQueria te ver felizQueria você por pertoFoi um lance muito espertoCorrer mundo e moinhos.
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Amauri Queiroz
Universo e glória
D o universo mais distante e profundo Virá a mensagem que o amor será sempre a grande
glória Que o amor é uma dimensão metafísica no reino dos homensMotivada pela ânsia dos desejos e sentidosDimensão ancestralOnde o maior desafio é atingir a plenitude Acenando aos mais ousados viajantesCom maravilhas nunca antes percebidas
Há uma ordem universal imanente Força viva, contínua e determinanteMantendo perene a harmonia silenciosa das galáxias Do multiversoDa paz universal Do vácuoDo silêncioDo vazio interestelarDa singularidade no horizonte de eventosNa imensidão das fronteiras intangíveis
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Egotrip
Onde a luz da existência é refletida através do brilho das estrelas vivasOnde cristais milenares energizam os espíritos flutuantes no plasma primordial
Dos seres humanos que partiram na viagem sem volta deixando amor e saudade nos que ficaramHoje vivem na paz absoluta, acariciados pela graça divina de deusDimensão do espaço/tempo primordialOnde não existe a ordenação temporalNem a escala memorial de evolução das erasA vida não é mais como deveria serTudo está onde não deveria estarUniverso paraleloJanela quântica para o conhecimento Portal divino do renascimentoPassagem eterna para o paraísoViajantes das estrelas voltando para casaSomos eternamente poeira de estrelasNosso destino é brilhar no infinito.
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Amauri Queiroz
O toureiro e o poeta
H avia uma canção zíngaraHavia o canto rubro de lorca ao luar
Canto gitanoAndaluzA la cinco de la tardeReina o silêncio na arenaSob a fúria do miúraForte, esplendoroso, majestosamente arfanteJorra o sangue rubro espanhol na arenaLindo conjunto de poder do miúraOs músculos, a carranca, a indocilidadeA ignomínia do puro id flamejante sob o solA vida esvai-se com o sol A vida não é mais o que eraNão há mais sentido em alegrias, tristezas e emoçõesUma réstia de sol invade a janela lateral do quarto de dormirDali do chão da arena reina o vermelho de gaudiHavia um clube na esquina em san vicenteHavia uma sentinela, a cidade e suas luzesViu mil tons em picassos
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Egotrip
Viu o grito de amor escorrendo entre os dedos ensanguen-tadosCravados na areia e nas teclas do pianoViu o raio da morte surgir sob o estupendo corpo do miúraSaiu de cena carregado como um heróiA la cinco de la tarde jaz impávido o herói mortoA ilusão de um grande amor abraçou a triste realidadeViu a dor de lorca a la cinco de la tarde.
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Amauri Queiroz
Filha de Caim
A mor sincero e delicado nunca tiveHerdei a sina de viver em solidão
Desejos mortos que vivo através do tempoSonhos de amores mergulhados na ilusão São anjos tortos que ficaram no caminhoMil cicatrizes de distantes carnavaisEu fulgurante colombina em alegriaMeu fogo intenso queimando canaviais Amor incerto quase certo é perdiçãoUm tango amargo na doçura da cançãoLedo engano refletido em cristaisSe é incerto a compulsão faz querer maisSigo sem rumo em minha vida reconheçoMeu recomeço é de cigana bar em barSou o restolho dos corações solitáriosVã pitonisa da amargura de amar Vida perdida afogada no vermuteVelho embuste que ilude a razão
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Egotrip
Rotos lampejos em parceiros desgarradosEu sou a pária a deserdada por Adão Por ser sublime meu amor desfez no arNo destilado amargor do botequimSou a caída que ninguém quer em seu larA degredada pela casa de Caim.
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