Edward Félix Silva + Maria Aparecida Gomes
A E. histolytica é o agente etiológico da amebíase, importante problema de saúde pública que leva ao óbito anualmente cerca de 100.000 pessoas, constituindo a segunda causa de mortes por parasitoses. Apesar da alta mortalidade, muitos casos de infecções assintomáticas são registrados. No início do século XX, estimava-se que cer- ca de 12% da população mundial portavam o,parasito em seu trato intestinal, mas destes, somente 10% apresenta- vam sintomas da doença. Este elevado número de as- sintomáticos fez Brumpt, em 1925, sugerir a existência de outra espécie de ameba, E. dispar, infectando os as- sintomáticos. Esta hipótese foi rejeitada pela maioria dos pesquisadores na época, que acreditavam que a grande variabilidade de virulência da E. histolistica respondia por aquele quadro. Porém, na década de 80 começaram a acu- mular-se dados que davam suporte à hipótese de Brumpt. Inicialmente, estudos do perfil isoenzimático desses proto- zoários revelaram diferenças entre amebas provenientes de indivíduos sintomáticos e assintomáticos; em seguida, di- ferenças imunológicas e genéticas também foram somadas. E, em 1977, a OMS assume a E. dispar como espécie infectando o homem. Esta nova espécie seria a res- ponsável pela maioria das infecções assintomáticas atri- buídas à E. histolytica. No entanto, casos de amebíase sintomática, denominados colite não-disentérica, foram identificados como produzidos pela E. dispar. Os casos estudados de indivíduos apresentando este quadro clíni- co não mostraram invasão da mucosa, consistindo num forte indício de que esta ameba não produziria doença como a E. histolytica.
Atualmente, mesmo com o ressurgimento da E. dispar, a amebíase continua definida como infecção sintomática ou assintomática causada pela E. histolytica. A prevalência desta protozoose e a porcentagem de assintomáticos deve ainda ser definida. Por isso é urgente o desenvolvimento de técnicas de diagnóstico diferencial entre E. histolytica e E. dispar sensíveis, específicas e de baixo custo, que possam ser utilizadas tanto para diagnóstico laboratorial iotineiro como para estudos epidemiológicos.
A classificação das amebas que vivem no intestino hu- mano, segundo o Comitê de Sistemática da Sociedade Inter- nacional de Protozoologia, é a seguinte:
Protozoa, Philum Sarcomastigophora, Suphilum Sarcodina, superclasse Rhizopoda, classe Lobozia, ordem Aemoebida, família Entamoebidae e gêneros Entamoeba, Iodamoeba e Endolimax. O gênero Dientamoeba, que an- tigamente pertencia à família Entamoebidae, pertence hoje à família Dientamoebidae.
Todas as espécies do gênero Entamoeba vivem no intestino grosso de humanos ou de animais, à exceção da Entamoeba moshkoviskii, que é uma ameba de vida livre. Esse gênero se caracteriza por possuir núcleo esférico ou ar- redondado e vesiculoso, com a cromatina periférica forma- da por pequenos grânulos justapostos e distribuídos regu- larmente na parte interna da membrana nuclear, lembrando uma roda de carroça; o cariossoma é relativamente peque- no, central ou excênirico. As espécies de ameba pertencen- tes ao gênero Entamoeba foram reunidas em grupos dife- rentes, segundo o número de núcleos do cisto maduro ou pelo desconhecimento dessa forma. São eles:
1) Entamoeba com cistos contendo oito núcleos, tam- bém chamada grupo coli: E. coli (homem), E. muris (roedo- res). E. gallinarum (aves domésticas).
2) Entamoeba de cistos com quatro núcleos, também chamada grupo hystolytica: E. histolytica (homem), E. dis- par (homem), E. ranarum (sapo e rã), E. invadens (cobras e répteis), E. moshkoviskii (vida livre).
3) Entamoeba de cisto com um núcleo: E. polecki (por- co, macaco e, eventualmente, humanos), E. suis (porco, para alguns sinonímia de E. polecki).
4 ) Entamoeba cujos cistos não são conhecidos ou não possuem cistos: E. gingivalis (humanos e macacos).
Assim, várias espécies de ameba podem ser encontradas no homem: Entamoeba histolytica (Shaudinn, 1903); E. hartmanni (Von Prowazek, 19 12); E. dispar (Brumpt, 1925); Entamoeba coli (Grassi, 1879); Endolimax nana (Wenyon & O'Connion, 1917); Iodamoeba butschlii (Von Prowazek,
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1912); Diantamoeba fragilis Jepps & Dobell, 1918. Dessas oito espécies, a E. gengivalis vive na cavidade bucal e as demais vivem no intestino grosso, e a E. hitolytica é a úni- ca que em determinadas situações pode ser patogênica.
MORFOLOGIA As amebas citadas se distinguem umas das outras pelo
tamanho do trofozoíto e do cisto, pela estrutura e pelo nú- mero dos núcleos nos cistos, pelo número e formas das in- clusões citoplasmáticas (vacúolos nos trofozoítos e cor- pos cromatóides nos cistos). Devemos chamar a atenção, no entanto, que a distinção entre as espécies é difícil, pois nenhuma delas se diferencia facilmente das demais, prin- cipalmente nos trofozoítos a fresco. Portanto, para que seja feito um diagnóstico diferencial seguro é necessária a ob- servação das várias estruturas em mais de um exemplar. Usualmente, encontramos os trofozoítos no intestino, nas úlceras, nas fezes diarréicas; os cistos imaturos ou madu- ros (bi ou tetranucleados) estão presentes nas fezes nor- mais. Assim, a morfologia das espécies que ocorrem no homem são:
Trofozoíto mede cerca de 20 a 5 0 ~ m , o citoplasma não é diferenciado em endo e ectoplasma; o núcleo apresen- ta a cromatina grosseira e irregular e o cariossoma gran- de e excêntrico. O cisto apresenta-se como uma peque- na esfera medindo 15-20pm, contendo até oito núcleos, com corpos cromatóides finos, semelhantes a feixes ou agulhas.
E. HARTMANNI (VON PROWUECK, 1912) É pequena, medindo 7 a 12pm, com ecto e endoplasma
diferenciados. A estrutura nuclear, na maioria dos casos, é semelhante à da E. histolytica; às vezes, a cromatina apre- senta-se grosseira e irregular. O cariossoma é pequeno (punctiforme), às vezes é visto no centro do núcleo, porém é mais comumente visto em posição ligeiramente excêntrica. A cromatina apresenta-se em crescente, em 113 das formas. Os cistos medem 5 a 10pm de diâmetro, apresentando qua- tro núcleos. A estrutura nuclear dos cistos é semelhante à dos trofozoítos, embora os núcleos sejam menores e a cromatina mais fina.
Os corpos cromatóides são geralmente pequenos, ar- redondados ou quadrados. É uma ameba difícil de cultivar.
A E. hartmanni vive como um comensal na luz do intes- tino grisso, e os cistos são frequentemente confundidos com os de E. histolytica.
É uma ameba pequena, medindo cerca de 10- 15pm, tan- to o cisto como o trofozoíto. É muito comum entre nós, mas não é patogênica. O núcleo tem membrana espessa e não apresenta cromatina periférica; o cariossoma é muito gran- de e central. O cisto possui um só núcleo e um grande va- cúolo de glicogênio que, quando corado pelo lugol, toma a cor castanho-escura. É uma ameba comensal do intestino
grosso do homem. É encontrada em várias espécies de primatas e no porco, mas parece que as formas desses ani- mais nâo-infectam o homem e vice-versa (Fig. 15. l).
É a menor ameba que uive no homem. O trofozoíto mede 10- 1 2 ~ m , com o citoplasma claro, membrana nuclear fina e sem grãos de cromatina, cariossoma grande e ir- regular. O cisto mede'S~m; é um oval, contendo quatro nú- cleos pequenos; às vezes podem ser vistos corpos cromatóides pequenos e ovóides. é uma ameba comensal, vivendo na luz da região cólica do homem e de alguns primatas (Fig. 15.1).
É muito comum no tártaro dentário, e em processos in- flamatórios da gengiva. Não é patogênica. Não possui cis- tos. Os trofozoítos medem de 5 a 3 5 ~ m , algo semelhante aos da E. histolytica. Uma forma semelhante é encontrada em cães, gatos e macacos. A transmissão ocorre pelo contato direto (beijo, lambeduras) e perdigotos.
A sua principal característica é apresentar dois núcleos na maioria dos trofozoítos e não possuir cistos. Os trofozoí- tos medem de 8 a 22pm de diâmetro. Os núcleos não pos- suem cromatina periférica e a massa cromática se condensa em quatro a seis grânulos, geralmente com disposição ir- regular, alguns deles mais densos e grosseiros.
A maioria dos pesquisadores considera a D. fradilis como não-patogênica, embora alguns digam que poderia ser responsável por alguma sintomatologia intestinal branda (diarréia).
O mecanismo de transmissão não é bem conhecido. Como não-forma cistos, suspeita-se que os trofozoítos po- deriam ser veiculados dentro de ovos de helmintos.
Por ser patogênica, será descrita em detalhes, em cada uma de suas fases: trofozoíto ou forma vegetativa, cisto ou forma de resistência, pré-cisto e metacisto.
Mede de 20 até 40ym, mas pode chegar a 60pm nas for- mas obtidas de lesões tissulares (forma invasiva); em cul- turas ou disenterias, os trofozoítos medem entre 20 e 30 pm. Geralmente tem um só núcleo, bem nítido nas formas coradas e pouco visível nas formas vivas. Examinando a fresco, apresenta-se pleomórfico, ativo, alongado, com emissão contínua e rápida de pseudópodes, grossos e hialinos; costuma imprimir movimentação direcional, parecendo estar deslizando na superfície, semelhante a uma lesma. Quando proveniente de casos de disenteria, é comum encontrar eritrócitos no citoplasma; o trofozoíto
128 Capítulo 15
Trofozoítos Cistos
Fig. 15.1 - Amebas encontradas em humanos: Entamoeda histolytica: 1 e 2) trofozoítos; 9 e 10) cistos; Entamoeba hatmanni: 3 e 4) trofozoítos; 11) cistos; Entamoeba coli: 5) trofozoítos; 12) cistos; Endolimax nana: 6 e 7) trofozoítos; 13) cisto; lodamoeba bustchlii: 8) trofozoítos; 14) cisto. (Adapta- do de Rey, 1973.)
não-invasivo ou virulento apresenta bactérias, grãos de amido ou outros detritos em seu citoplasma, mas nunca eritrócitos. O citoplasma apresenta-se em ectoplasma, que é claro e hialino, e endoplasma, que é finamente granuioso, com vacúolos, núcleos e restos de substâncias alimentares (Fig. 15.1).
O trozofoíto, quando fixado e corado pela hematoxilina fénica, apresenta diferenças entre ecto e endoplasma; o nú- cleo é bem visível e destacado, geralmente esférico. A mem-
brana nuclear é bastante delgada e a cromatina justaposta internamente a ela é formada por pequenos grânulos, unifor- mes no tamanho e na distribuição, dando ao núcleo um as- pecto de anel (aliança de brilhante).
Na parte central do núcleo encontra-se o cariossoma, também chamado endossoma. E pequeno e com constituição semelhante à cromatina periférica. Às vezes, o cariossoma apresenta-se formado por pequenos grânulos centrais, dan- do uma configuração, com a cromatina, de "roda de carroça".
Capítulo 15 129
É uma fase intermediária entre o trofozoíto e o cisto. É oval ou ligeiramente arredondado, menor que o trofozoíto. O núcleo C semelhante ao do trofozoíto. No citoplasma po- dem ser vistos corpos cromatóides, em forma de bastonetes, com pontas arredondadas.
Metacisto
É uma forma multinucleada que emerge do cisto no intestino delgado, onde sofre divisões, dando origem aos trofozoítos.
Cistos
São esfCricos ou ovais, medindo 8 a 20pm de diâmetro. Em preparações sem coloração ou a fresco, eles aparecem como corpúsculos halinos, claros, às vezes de coloração pa- lha, com as paredes refringentes. Os núcleos são pouco vi- síveis. Quando corados pelo lugol ou pela hematoxilina fér- rica, os núcleos tomam-se bem visíveis e variam de um a quatro, tomando a cor castanho-escuro; a membrana nuclear C mais escura devido ao revestimento da cromatina, que é um pouco refringente; o cariossoma C pequeno, situado no centro do núcleo, se cora também de marrom-escuro ou ne- gro. Os corpos cromatóides, quando presentes nos cistos, têm a forma de bastonetes ou de charutos, com pontas ar- redondadas. Às vezes apresentam-se como massas de for- mas regulares; seu número C variável, mas, em geral, de um quatro. Encontramos também no citoplasma dos cistos re- giões que se coram de castanho pelo lugol: são as reservas de glicogênio, tambCm chamadas "vacúolos de glicogênio". Nas preparações coradas pela hematoxilina fCmca, os cistos apresentam-se com coloração cinza-azulado, o citoplasma se cora de cinza, e o núcleo C bastante destacado, em azul ou negro, com membrana e cmmatina também em azul ou negro, com morfologia semelhante à descrita para os trofozoítos. Os corpos cromatóides se coram de azul, com pontas ar- redondadas.
Na microscopia eletrônica, os trofozoítos da E. his- tolytica se caracterizam pela ausência de mitocôndria, apare- lho de Golgi, retículo endoplasmático, cetríolos e rnicmtúbu-
los, que são organelas diferenciadas e encontradas nas d- lulas eucariotas.
BIOLOGIA E CICLO BIOLÓGICO Os trpfozoítas da E. histolytica normalmente vivem na
luzzintest ino grosso podendo, ocasionalmente, penetrar na mucosa e produzir ulcerações htestinais ou em outras regiões do organismo, como fígado, pulmão, n?n ~ m i j ramente, no cérebro. 1
Como constituintes básicos da membrana plasmática, en- 1 contramos carboidratos, lipídios e proteínas. Carboidra- tos, principalmente a glicose ou os seus polímeros, fazem parte do metabolismo do parasito.
Os trofozoítos de E. histolytica, tendo como ambiente normal o intestino grosso, são essencialmente anaeróbios. Contudo, amebas são hábeis para consumir oxigênio, poden- do crescer em atmosferas contendo atC 5% de oxigênio. O catabolismo da glicose difere consideravelmente da maioria das cClulas eucariotas animais, pois não possuem mitocôn- drias, citocromos e ciclo do ácido cítrico. Na glicose anae- róbica operam enzimas não-usuais, sendo produzido sob es- tas condições etanol, CO, e ATP.
A locomoção se dá atravCs de pseudópodes, e a inges- tão de alimentos por fagocitose (partículas sólidas: hemá- cias, bactérias ou restos celulares) e por pinocitose (inges- tão de partículas líquidas). A multiplicação se dá atravCs de divisão binária dos trofozoítos.
É monoxênico e muito simples e se encontra resumido na Fig. 15.2. No ciclo, encontramos uma série de estágios: trofozoíto, pré-cisto, cisto e metacisto. O ciclo se inicia pela ingestão dos cistos maduros, junto de alimentos e água contaminados.
Passam pelo estômago, resistindo à ação do suco gás- trico, chegam ao final do intestino delgado ou início do intestino grosso, onde ocorre o desencistamento, com a saí- da do metacisto, através de uma pequena fenda na parede cística. Em seguida, o metacisto sofre sucessivas divisões nucleares e citoplasmáticas, dando origem a quatro e depois
Caracteres E. histolytica E. coli E. hartmanni
Trofozoito:
Tamanho 20-60pm
Citoplasma ecto e endo
Hemacias as vezes presente I
Cromatina nuclear grânulos delicados
Cariossoma pequeno e central
Cisto até quatro núcleos
Corpo cromatóide bastonete
20-50pm
uniforme
ausente
grânulos grosseiros
grande e excêntrico
até oito núcleos
feixes ou agulhas
até lOpm
varihvel
ausente
crescente
pequeno e central
até quatro núcleos
riziforme
130 Capitulo 15
Fígado Pulmáo Pele Cérebro
Flg. 15.2 - Ciclo biológico da E . histolytica: observar ciclos não-patogênico, este com trofozoítos invasivos maiores.
oito trofozoítos, chamados trofozoítos metacísticos. Estes trofozoítos migram para o intestino grosso onde se coloni- zam. Em geral, ficam aderidos à mucosa do intestino, viven- do como um comensal, alimentando-se de detritos e de bac- térias. Sob certas circunstâncias, ainda não muito bem co- nhecidas, podem desprender da parede e, na luz do intes- tino grosso, principalmente no cólon, sofrer a ação da de- sidratação, eliminar substâncias nutritivas presentes no ci- toplasma, transformando-se em pré-cistos; em seguida, se- cretam uma membrana cística e se transformam em cistos, inicialmente mononucleados. Através de divisões nucleares sucessivas, se transformam em cistos tetranucleados, que são eliminados com as fezes normais ou formadas. Geral-
mente não são encontrados em fezes liquefeitas ou disenténcas.
Em situações que não estão bem conhecidas, o equilí- brio parasito-hospedeiro pode ser rompido e os trofozoí- tos invadem a submucosa intestinal, multiplicando-se ati- vamente no interior das úlceras e podem, através da circu- lação porta, atingir outros órgãos, como o fígado e, pos- teriormente, pulmão, rim, cérebro ou pele, causando a embíase extra-intestinal. O trofozoíto presente nestas úlce- ras é denominado forma invasiva ou virulenta. Na intimi-
Capítulo 15 131
dade tissular, não forma cistos, são hematófagos e muito ativos (Fig. 15.3).
O mecanismo de transmissão ocorre através de ingestão de cistos maduros, com alimentos (sólidos ou líquidos). O uso de água sem tratamento, contaminada por dejetos hu- manos, é um modo frequente de contaminação; ingestão de alimentos contaminados (verduras cruas - alface, agrião; frutas - morango) é importante veículo de cistos. Alimen- tos também podem ser contaminados por cistos veiculados nas patas de baratas e moscas (essas também são capazes de regurgitar cistos anteriormente ingeridos). Além disso, falta de higiene domiciliar pode facilitar a disseminação de cistos dentro da família. Os "portadores assintomáticos" que manipulam alimentos são os principais disseminadores dessa protozoose.
Amebíase é a infecção do homem causada pela Enta- moeba histolytica, com ou sem manifestação clínica. Um dos
Fig. 15.3 - Localizações da E . histdytica. 1) Localização primária - intes- tino grosso; 2-9) localizações secundárias: 2 ) úlcera perineal; 3) "absces- so" esplénico (hematogênico); 5) "abscesso" cerebral (via hematogénica); 6) "abscesso" pulmonar (contigüidade); 7) "abscesso" hepático (hematogênico); 8) "abscesso" hepático (contiguidade); 9 ) úlcera cutânea (contiguidade). Adap- tado de Barroeta-Flores e cols., 1970.)
mais intrigantes aspectos da biologia dessa ameba é sua inexplicada variabilidade quanto ao potencial patogênico e diferença de virulência. Este fato parece estar diretamente ligado à natureza de fatores que determinam a virulência do parasito, principalmente o que faz mudá-lo de um tipo co- mensal para um agressivo, invasor. Parece que o início da invasão amebiana é resultante da ruptura ou quebra do equilíbrio parasito-hospedeiro, em favor do parasito. São inúmeros os fatores ligados ao hospedeiro: localização geo- gráfica, raça, sexo, idade, resposta imune, estado nutricional, dieta, alcoolismo, clima e hábitos sexuais.
Dentre os fatores diretamente ligados ao meio onde as amebas vivem, destaca-se a flora bacteriana associada. De- terminadas bactérias, principalmente anaeróbicas, são capa- zes de potencializar a virulência de cepas de E. histolytica, cujos mecanismos envolvidos nesta interação são ainda es- peculativos. Dentre estas bactérias encontram-se várias ce- pas de Escherichia coli, Salmonella, Shiguela, Entero- bacter e Clostridium. Outros fatores, como o colesterol, passagens sucessivas em diversos hospedeiros ou reinfec- ções sucessivas, podem aumentar a sua virulência.
Com relação ao parasito, sabe-se que a evolução da pa- togenia ocorre através da invasão dos tecidos pelos trofo- zoítos invasivos e virulentos. Os mecanismos dessa invasão não estão ainda totalmente esclarecidos. Tudo indica que a E. histolytica tem um efeito letal direto sobre a célula, neces- sitando, para isso, que haja inicialmente uma forte adesão en- tre a ameba e a célula que será lesada (Fig. 15.4). Esta ade- são parece estar mediada por lectinas contidas na superfície das amebas, sendo auxiliadas por formações filopódicas que ampliam a adesão, logo seguida pela fagocitose. Uma vez vencida a barreira epitelial, os movimentos amebóides e a li- beração de enzimas proteolíticas (hialuronidase, protease e mucopolissacaridases) favorecem a progressão e destruição dos tecidos. Parece que a ameba tem certa dificuldades em pe- netrar na mucosa intestinal intacta, havendo fortes indicações de que a ameba penetre inicialmente nas regiões intraglan- dulares, Uma vez invadida a mucosa, os trofozoítos se multi- plicam e prosseguem penetrando nos tecidos sob a forma de rnimulcemções em m ã o à muscularis mucosae, com escassa reação inflamatória. Na submucosa, as amebas podem progre- dir em todas as duqões, determinando inicialmente a típica ul- ceração chamada "botão de camisa" ou "colo de garrafa". As lesões amebianas são mais frequentes no ceco e na região retossigmodiana. As úlceras variam muito em tamanho e forma e podem estender-se a grandes proporções do intestino gros- so. Ocasionalmente, os írofozoítos podem induzir uma resposta inflamatória proliferativa com formação de uma massa gianule matosa, chamada "ameboma". Essa formação não é comum na amebíase. As amebas podem penetrar nos vasos sanguíneos e, através da circulação porta, atingir primeiramente o fígado, que é o principal órgão com acometimento extra-intestinal, formando abscessos ou, mais propriamente, "necrose coliquativa". Podem também atingir o pulmão e mais rararnen- te o cérebro. Atingem ainda, em certas circunstâncias, a pele e as regiões anal ou vaginal (períneo) (Fig. 15.5).
A classificação das manifestações clínicas da amebíase geralmente são difíceis e arbitrárias. O Comitê de Peritos da OMS, em 1969, propôs a seguinte classificação:
Capitulo 15
Formas Assintomáticas ou In£ecçáo Assintomática da Amebíase
Enquadra-se neste caso a grande maioria das infecções humanas pela E. histolytica: 80% a 90% são completamente assintomáticas e a i n f 9 ã o é detectada pelo encontro de cis- tos no exame de fezes. E a forma mais encontrada no Centro- Sul do país. Atualmente vários pesquisadores têm admitido que as amebas encontradas na amebíase assintomática seri- am, na verdade, a E. dispar, conforme proposto por Brumpt, em 1919 (e não a E. histolytica). Este fato consiste hoje no mais coniroveríido problema da amebíase.
Formas Sintomáticas
Fig. 15.4 - E histolytica fagocrtando hemáclas (Foto genblmente fome- Colites ~ ~ ~ - d i ~ ~ ~ t é ~ i ~ ~ ~ cida pelo Dr. Tsutsuml, do Centro de Invesbgacrdn y Estud~o Avanzados, Méxrco, 1999, a quem multo agradecemos) É uma das formas clínicas mais freqüentes no nosso
meio. A colite não-disentérica se manifesta por duas a qua- tro evacuações, diarréicas ou não, por dia, com fezes mo- les ou pastosas, às vezes contendo muco ou sangue. Pode apresentar desconforto abdominal ou cólicas, em geral localizadas na porção superior. Raramente há manifestação febril. O que caracteriza esta forma no nos- so meio é a alternância entre a manifestação clínica e pe- ríodos silenciosos, com funcionamento normal do intes- tino. A maioria das amebas provenientes deste quadro clínico foi identificada como E. dispar.
Forma Disentérica - Colites Amebianas
A disenteria amebiana aparece mais frequentemente de modo agudo, acompanhada de cólicas intestinais e diarréia, com evacuações mucossanguinolentas ou com predominân- cia de muco ou de sangue, acompanhadas de cólicas inten- sas, de tenesmo ou tremores de frio. Pode haver oito, dez ou
Fig. 15.! vido ri E -..A---.
5 - Extensa ulceração acometendo a região perineal e nádegas de- i. histolytica (úlcera fagedenica) (Segundo Atlas Schering das Der- i Tropicais - n l 3 - Doenças Parasitárias.)
Somas assintomáticas. ?ornas sintomáticas. 4mebíase intestinal: a) disentérica; b) colites não- lisentéricas; c) amebomas; d) apendicite amebiana. Clomplicações e seqüelas da amebíase intestinal: per- "ração, peritonites, hemorragia, invaginação, colites )ós-disentéricas e estenoses. 4mebíase extra-intestinal. 4mebíase hepática: a) aguda não-supurativa; b) ibscesso hepático ou necrose coliquativa. 4mebíase cutânea. 4mebíase em outros órgãos: pulmão, cérebro, baço, im etc. ~omplicações do abscesso hepático: ruptura, infecção ~acteriana e propagação pata outros órgãos (Fig. 15.6).
P
difíc Muito variável: de sete dias ate quatro meses e bastante i1 de ser determinado.
mais evacuações por dia. No México e na Venezuela, de 2% a 15% dos casos de diarréia aguda em crianças requerem hospitalização. Casos agudos e fulminantes podem ser en- contrados, acome-tendo todo o cólon e são classificados como disenteria amebiana aguda. O paciente apresenta inú- meras evacuações mucossanguinolentas, prostrações e gra- ve desidratação. Frequentemente ocorrem. perfurações do intestino.
Dados estatísticos indicam que de cada 1.000 pacien- tes com ameba, cerca de dez apresentam disenteria e ape- nas um úlcera hepática.
As complicações da amebíase intestinal são muito va- riadas e podem atingir até 4% dos casos, interferindo na morbidade e mortalidade. As mais comuns são: perfura- ções e peritonite, hemorragias, colites pós-disentéricas e, mais raramente, estenose, apendicite e ameboma.
É raro em nosso meio, mas já têm sido relatados vários casos de abscessos hepáticos amebianos na Região Ama- zônica, principalmente nos Estados do Pará e Amazonas.
Abscesso amebiano no fígado (Fig. 15.7) 6 a forma mais comum da amebíase extra-intestinal. Pode ser encon-
capitulo 15 133
Flg. 15.6 - Segmento de ceco e cblon infectado com E. histolytica, mostrando ulcerações múltiplas.
trado em todos os g m g s de idade, com predominância em adultos com 20 a 60 anos; C mais frequente em homens do que em mulheres. Nos países onde amebíase invasiva
, tem alta prevalência, como MCxico, Africa do Sul, Tailân- dia e Egito, o abscesso hepático constitui uma constante e grave complicação da amebíase. As principais manifes- tações clínicas do abscesso hepático amebiano são repre- sentados pela tríade: dor, febre e hepatomegalia. A dor se localiza no quadrante superior direito do abdome, com hepatomegalia dolorosa em 90% dos pacientes. Inclui, en-
tre outros sintomas, febre intermitente e irregular, varian- do de 38°C a 40°C com calafrio, anorexia e perda de peso 0;ig. 15.5).
O abscesso amebiano no fígado C geralmente simples, com uma única lesão em 80% dos casos; 83% deles estão localizados no lobo direito. Não C comum a invasão bacte- riana, mas quando ocorre, agrava o quadro.
Complicações torácicas são comuns, causando arnebía- se pleuropulmonar e, às vezes, pericardites. A ruptura do abscesso ocorre em cerca de 8% dos pacientes. Os absces-
Fig. 15.7 - Lesões provocadas pela E . histolytica: A) corte histolbgico de uma úlcera amebiana intestinal, com típico aspecto de botão de camisa"; 6) necrose coliquativa hepática (abscesso amebiano hepático). (Fotos gentilmente cedidas por Mosby Co. Medica1 Parasitology, 1981.)
1 34 Capitulo 15
sos pulmonares e cerebrais são raros, principalmente este último, e ocorrem em geral quando há ruptura do abscesso hepático.
A E. histolytica induz respostas celular e humoral em humanos e animais, mas isto não é indicativo de imunidade efetiva após a infecção. A exacerbação da doença pela imunossupressão sugere, por outro lado, a função proteto- ra dos desconhecidos mecanismos de defesa. Anticorpos específicos locais e circulantes são produzidos regulamente durante a amebíase invasiva. Embora os anticorpos e o complemento sejam líticos para os trofozoítos in vitro, a escassa correlação desses anticorpos com a resistência contradiz a sua capacidade protetora in viiro. A existência de reação de tipo imediato na pele (intra-dermorreação), a elevação de títulos de IgE e as IgE específicas antiame- bianas sugerem a ocorrência de anafilaxia. Também é obser- vada hipersen-sibilidade retardada, paralelamente com a arnebíase hepática. Essas observações são consistentes com o papel da imunidade mediada por células.
A elucidação da reação antiamebiana é complicada pelo grande número de componentes antigênicos existentes na E. histolytica que podem induzir respostas diversas.
Manifestações clínicas atribuídas à E. histolytica podem ser edneas devido à grande superposição de sintomas comuns à vánas doenças intestinais. Na maioria dos casos, principalmen- te na fase aguda, poderá ser facilmente confundida com a disen- teria bacilar, salrnoneloses, síndrome do cólon irritado e esquistos- somose. Devido a essas dificuldades de diagnóstico. este só
formadas ou semi-sólidas. As fezes devem ser colocadas no fixador, tão logo sejam emitidas e na proporção de uma par- te de fezes para três de conservador; devem ser bem homogeneizadas, para que a conservação atinja todo o ma- terial coletado.
A verificação do aspecto e da consistência das fezes é muito importante, principalmente se ela é disentérica e con- tém muco e sangue. A utilização de fezes liquefeitas após o uso de purgativos (fezes purgadas) é frequente e, em mui- tos casos, aumenta a positividade dos exames. Nas fezes purgadas, o diagnóstico diferencial entre os trofozoítos é um pouco dificultado, pois muitas vezes a cromatina e o cariossoma ficam mais grosseiros.
O exame direto das fezes sem conservador é muito impor- tante na distinção entre a disenteria amebiana e a bacilar. Nesta última, o número de evacuações é sempre maior, com tenesmo intenso e grande número de piócitos e hemácias intactas. Is- to normalmente não ocorre na disenteria amebiana.
O exame a fresco das fezes deve ser feito tão logo ela seja emitida, no máximo 20 a 30 minutos após, pois tem como objetivo o encontro dos trofozoítos. O diagnóstico diferen- cial baseia-se principalmente no movimento, na diferencia- ção citoplasmática e na presença de hemácias. O exame di- reto deve ter apenas um valor de orientação ou triagem, à exceção dos casos em que são encontrados trofozoítos com ativa movimentação direcional e hemácias fagocitadas, em que o diagnóstico-de disenteria amebiana pode-ser feito com total segurança. Quando o exame direto não puder ser feito rapidamente, as fezes devem ser coletadas e colocadas nos fixadores. O Schaudinn é muito eficiente, porém muito tóxi- co e perigoso; só deve ser usado quando as fezes forem coletadas no hospital ou laboratório para evitar acidentes.
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deverá ser considerado definitivo pelo encontro de parasitos nas fezes. Em muitos casos, a retossimoidoscopia com O exame Fezes Formadas imediato do material coletado apresenta bons resultados e pode esclarecer cerca de 85% dos casos.
No abscesso hepático, além da tríade já descrita, pode- se fazer o diagnóstico usando-se raios X, cintilografia, ultra- sonografia e tomografia computadorizada. Esses métodos podem, em mais de 95% dos casos, mostrar claramente a lo- calização, o número e a evolução do abscesso. A associação do abscesso hepático amebiano com a amebíase intestinal, para um possível diagnóstico, nem sempre é correspondida, pois somente 9% dos pacientes com abscesso hepático arnebiano têm retocolites com amebas nas fezes.
Usualmente é feito com fezes, soros e exsudatos. Embora o exame de fezes seja cansativo, consuma muito tempo na sua execução e dependa da competência do micros-copis- ta, é, sem dúvida, o mais usado. Tem como objetivo identi- ficar trofozoítos ou cistos.
A coleta e o condicionamento das fezes são muito impor- tante; deve ser coletada sem urina e sem contaminação com outros materiais e nunca após contato com o solo, pois pode haver contaminação com amebas de vida livre.
As fezes podem ser coletadas em conservadores, como Schaudinn, SAF, álcool prolivinílico, quando estão liquefei- tas, ou diarréias e em formo1 a 10%, MIF, SAF, quando são
Nas fezes formadas ou normais, o diagnóstico laborato- ria1 é feito através do encontro dos cistos, utilizando-se téc- nicas de concentração. São muitas as técnicas de concen- tração; estão baseadas em dois princípios: 1) flutuação em solução de alta densidade, como a solução de sulfato de zin- co a 33% e densidade 1.180. Esta técnica é usada no méto- do de Faust e cols. (ver Capítulo 56); 2) centrifugação em éter: métodos de MIF e formol-éter. Além dessas técnicas, pode-se usar também o exame direto em que as fezes são di- luídas com salina e coradas com lugol ou pelos métodos de sedimentação espontânea em água (método de Lutz, Hoffmam, Pons e Janer).
Os métodos de MIF, formol-éter ou Faust apresentam resultados muito semelhantes e detectam de 80% a 90% dos cistos. O método de Faust é mais difícil de ser feito, razão pela qual preferimos os métodos de MIF ou formol-éter.
Recomenda-se sempre fazer o exame direto como tria- gem, seguido do MIF, formol-éter ou Faust. Se necessário, faz-se coloração pela hematoxinina férrica. A utilização de substâncias como tetraciclinas, hidróxido de magnésio, óle- os minerais, antidiarréicos (como caulim ou bismuto) e contraste radiológico (sulfatò de bário) podem falsear ou dificultar os exames. Em vista disso, recomenda-se fazer o exame de fezes dez dias após terem sido administradas.
Como a eliminação dos cistos é intermitente e irregular, aconselha-se coletar as fezes em dias alternados e colocá-
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las em conservadores. Um bom método, e muito utilizado, é coletar as fezes em solução de formo1 a ]O%, dia sim e dia não, durante uma semana (as fezes podem ser cole- tadas no mesmo frasco), tomando-se o cuidado de homo- geneizá-Ias sempre que o material for adicionado ao con- servador. O exame poderá ser feito após o término da co- leta. Outra alternativa é coletar e examinar o material em dias alternados. Esses procedimentos podem diagnos- ticar mais de 80% a 90% das infecções. A distinção en- tre a E. hartmanni é feita pela medida do cisto ou trofozoíto através de uma ocular micrométrica. Formas menores que 1 0 ~ m são geralmente E. hartmanni e maio- res, E. histolytica (Fig. 15.1).
Os métodos sorológicos estão sendo cada vez mais empregados, principalmente na amebíase extra-intestinal. Os métodos mais utilizados são: ELISA, imunofluo- rescência indireta, hemaglutinação indireta, além da contra- imunoeletro-forese, imunodifusão em gel de ágar e o radio- imunoensaio. Com a obtenção de antígenos mais puros, sensíveis, esses métodos têm sido muito promissores e cada vez mais utilizados. Na amebíase extra-intestinal, e principalmente no caso de abscesso hepático, em que os exames de fezes podem ser negativos, os exames sorológicos podem detectar cerca de 95% dos casos. Por isso, são considerados mCtodos de escolha no diagnóstico do abscesso hepático amebiano, servindo também para distingui-lo dos abscessos com outra etiologia. As limita- ções na utilização dos mdtodos imunológicos são: 1) difi- culdades ao preparo e obtenção de antígenos; 2) persis- tência dos títulos durante meses e mesmo anos, após o tra- tamento. Geralmente dão resultado negativo nos casos as- sintomáticos. Por outro lado, são importantes na distinção entre amebíase invasiva e não-invasiva. Outro método que parece muito promissor é a pesquisa de coproantígenos pelo método de ELISA; pode diagnosticar, com certa segu- rança, tanto cisto como trofozoíto nas fezes, mesmo que em pequenas quantidades, o que não seria facilmente de- tectado pelos exames de fezes comuns. Contudo, este exa- me está em fase de padronização.
Outros Exames
A retossigmoidoscopia é um importante método na vi- sualização das ulcerações, possibilitando a identificação do agente etiológico obtido do material das lesões. Radio- grafias, tomografias, ultra-sonografias e ressonância mag- nética constituem métodos de diagnóstico auxiliares que podem identificar a localização, o número e o tamanho dos abscessos, como também podem distingui-los de outras etiopatologias.
A punção do abscesso hepático pode ajudar a esclare- cer a etiologia da doença, mas o encontro do trofozoíto no líquido do abscesso C difícil, necessitando para isso que o material seja previamente tratddo e o microscopista tenha bastante experiência, para não confundi-lo com outras célu- las, principalmente macrófagos. No entanto, a punção hepá- tica só é recomendada nos casos em que não há regressão da doença após tratamento, pois constitui procedimento de alto risco em amebíase.
DIAGN~STICO DIFERENCIAL ENTRE E. HISTOLYTICA E E. DISPAR
1 Na maioria dos laboratórios de análise clínicas, mesmo
aqueles de hospitais ou de clínicas, ainda não é possível fa- '
zer a diferenciação entre E. histolytica e E. díspar, pois na sua maioria são utilizados métodos de exames para detecção de cistos e trofozoítos e não podem ser diferenciados pela morfologia. A OMS, tendo em vista esta dificuldade, reco- menda que os resultados dos exames sejam dados como cistos ou trofozoítos de E. histolytical /E. dispar. A dife- renciação entre estas amebas é feita pelo perfil eletroforético de enzimas da via giicolítica, necessitando que as amebas se- jam previamente cultivadas, o que dificulta seu emprego em diagnóstico laboratorial, necessitando a utilização de equi- pamentos e reagentes caros e importados. Ultimamente, têm sido utilizados métodos diagnósticos de pesquisa de coproantígenos específicos, principalmente para E. histo- lytica, usando-se a técnica de ELISA. Seus resultados têm sido promissores, com presença no mercado de alguns kits para tal fim. Eles utilizam anticorpos monoclonais para de- tecção de adesinas específicas. Embora seja um método rá- pido, fácil, específico e sensível, ainda não é usado rotinei- ramente devido ao alto custo.
Outro método para diferenciação dessas amebas que tem se mostrado sensível e específico é a PCR, mas sua utiliza- ção na rotina laboratorial ainda necessita de vários estudos para facilitar a sua execução e reduzir seu custo.
EPIDEMIOLOGIA Estima-se que existam cerca de 480 milhões de pessoas no
mundo infectadas com a E. histolytica, das quais lO%.apre- sentam formas invasoras, isto é, alterações intestinais ou ex- tra-intestinais. Essa incidência, entretanto, é muito variável dentro de cada país, independentemente das condições cli- máticas. Apesar de a prevalência ser maior nas regiões tropi- cais e subtropicais, talvez isto não se deva mais às precárias condições de higiene, educação sanitária e alimentação dos povos subdesenvolvidos dessas regiões do que propriamen- te ao clima (uma vez que nos países de clima frio, com baixas condições higiênicas, a prevalência também é alta).
Quanto à patogenicidade, a E. histolytica também apre- senta um comportamento muito diferente nas várias regiões do globo. AtC o presente, com base na mobilidade eletrofo- rética de isoenzimas, foram identificadas em quatro conti- nentes sete zimodemas potencialmente patogênicas.
No Brasil, a amebíase apresenta grande diversidade no número de indivíduos infectados ou com sintomatologia da doença, variando de região para região. No Sul e Sudeste do país, a prevalência varia de 2,5% a 11%, na Região Amazô- nica atinge até 19%, e nas demais regiões fica em tomo de 10%. Há, no entanto, urna variação muito grande da incidência da doença, de acordo com as condições sanitária e socioe- conômica da população, principalmente com relação às con- dições de habitação, presença de esgotos e água tratada. Os surtos de amebíase no Brasil não apresentam a gravida- de e intensidade dos verificados no México, de alguns paí- ses da África e da Ásia. Predominam aqui as formas de colites não-disentéricas e os casos assintomáticos. Na Re- gião Amazônica, a amebíase difere das outras regiões do
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país, pois, além de ser mais prevalente, manifesta-se com mais gravidade. São frequentes as formas disentéricas e os abscessos hepáticos, que, por sua vez, são raros em outras regiões, principalmente Sudeste e Sul do país. Em estudos feitos em crianças hospitalizadas no Instituto de Medicina Tropical em Manaus durante os anos de 1983 a 1986, 1 1,1% das crianças apresentaram abscessos hepáticos amebianos.
Vemos, portanto, que a epidemiologia da amebíase é muito variável de país para país. Entretanto, alguns aspectos são comuns:
transmissão oral através de ingestão de cistos nos ali- mentos e água; a E. histolytica é endêmica em todas as áreas de sua distribuição, não causando epidemias; apesar de poder atingir todas as idades, é mais fre- quente nos adultos; algumas profissões são mais atingidas (trabalhadores de esgoto etc.); coelhos, gatos, cães, porcos e primatas são os animais sensíveis à E. histolytica. Entre estes, o cão, o por- co e algumas espécies de macacos foram encontrados infectados naturalmente por espécies de amebas morfologicamente iguais à E. histolytica. Talvez os macacos poderiam funcionar como fontes de infec- ção para a amebíase humana. Entretanto, os "porta- dores assintomáticos" é que são os principais res- ponsáveis pela contaminação de alimentos e dis- seminação de cistos; os cistos permanecem viáveis (ao abrigo da luz solar e em condições de umidade) durante cerca de 20 dias.
Está intimamente ligada à engenharia e à educação sa- nitária. Contudo, mesmo nos países desenvolvidos, ainda encontramos grande disseminação da E. histolytica, in- dicando ser o "portador assintomático" o grande res- ponsável. Portanto, seria de grande valia o exame freqüen- te dos "manipuladores de alimentos" para detecção e tra- tamento de algum possível "portador assintomático" que - .
estivesse atuando como fonte de infecção. Entretanto,is- to só será conseguido após uma intensa e extensa campa- nha de educação sanitária, envolvendo-se todo o pessoal responsável pela área de saúde pública. Este pessoal terá como função básica a orientação da população em geral, e, particularmente, das professoras primárias que serão os grandes elementos divulgadores. Aliás, em todo e qualquer serviço de educação sanitária, a professora primária tem um papel fundamental na divulgação do saber e na prepa- ração do espírito da juventude que se forma. Outro fator profilático importante é o combate às moscas, especialmen- te M. domestica e a Chrysomya sp., que frequentam lixos, dejetos humanos e também alimentos dentro das casas (ver Capítulo 44).
Com finalidade doméstica, é possível evitar a ingestão de cistos viáveis, procurando lavar bem e tratar todos os ali- mentos crus. As verduras devem ser mergulhadas por 15 minutos numa solução de 0,3g de permanganato de potás- sio para 10 litros de água ou três gotas de iodo por litro de água. Com esse procedimento, os cistos morrem. Em segui- da, lavam-se as verduras em água corrente, limpa. A OMS sugere, ainda, como profilaxia para várias doenças, que "em
uma comunidade com pequeno recurso financeiro, todo ele deve ser aplicado em saneamento básico".
A vacina contra E. histolytica tem sido tentada e, em animais de laboratório, já foram feitos diversos experimen- tos com relativo sucesso. As vacinas testadas foram feitas usando-se extratos de ameba, cultura de amebas monoxêni- cas (não-patogênicas) e, principalmente, cultura axênica (ate- nuada ou inativada) de E. histolytica, intraderrnicamente.
TRATAMENTO Os medicamentos utilizados no tratamento da amebíase
podem ser divididos em três grupos: 1) Amebicidas que atuam diretamente na luz intestinal; 2) Amebicidas tissulares; 3) Amebicidas que atuam tanto na luz intestinal como
nos tecidos.
São os que têm uma ação direta e por contato sobre a E. histolytica aderidas à parede ou na luz do intestino. Neste grupo estão relacionados:
Derivados da quinoleína, diiodo-hidroxiquinoleína, iodocloro-hidroxiquinoleína e cloridroxiquinoleína. Antibióticos: paramomicina e eritromicina. Outros derivados: furoato de diloxamina, cloro- betarnida e clorofenoxarnida.
São também utilizados os medicamentos de síntese, como Falmonox (Teclosan), que são dicloroacetamídicos usados por via oral na dose de dois comprimidos de 500mg por dia durante sete dias. O outro medicamento é o Kitnos (Etofamida), apresentado em comprimidos de 500mg; o tra- tamento é feito com dois comprimidos por dia durante cin- co a sete dias, atuam sobre os cistos.
Atuam na parede do intestino e no fígado. São compos- tos de cloridrato de emetina, cloridrato de diidroemetina e cloroquina, e esta última só atua no fígado. A emetina e a diidroemetina são usadas por via intramuscular; são muito tóxicas e só usadas quando os outros medicamentos não derem bons resultados. A emetina é usada na dose de lmgl kg de peso por sete dias e a diidroemetina na dose de 1,5mg/ kg de peso também por sete dias.
Antibióticos são utilizados isolados ou principalmente em combinações com outros amebicidas: tetraciclinas e seus derivados, clorotetraciclina e oxitetraciclinas; eritromicina; espirarnicina e pararnomicina.
Derivados imidazólicos: estão incluídos neste grupo os amebicidas mais efetivos e mais usados: metronidazol (Flagyl), ornidazol, nitroimidazol e seus derivados, secnidazol e tinidazol. Estes medicamentos tanto podem ser utilizados por via oral (comprimidos e suspensões) como injetáveis. O
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metronidazol é, sem dúvida, um dos amebicidas mais usados; é muito bem tolerado, sendo hoje praticamente a droga de escolha para tratamento tanto da amebíase intestinal como hepática, nas doses de 500 a 800mg, três vezes ao dirante durante sete dias. O secnidazol tem sido usado em dose úni- ca de 30mgkg de peso para adultos.
No caso de portadores assintomáticos ou de colites não- disentéricas, são indicados os medicamentos de ação direta na luz intestinal, como o teclosan e etofamida, e, em muitos casos, toma-se necessário repetir o tratamento; o Flagyl tam- bém tem sido utilizado com bons resultados. A OMS, em sua resolução de 1997 do México, não recomenda o tratamento de
indivíduos parasitados pela E. díspar. No entanto, devido à dificuldade de distinção entre essas duas espécies, muitos clínicos e pesquisadores recomendam o tratamento com fármacos de ação luminar, como os já citados aqui.
Na amebíase extra-intestinal, principalmente no absces- so hepático, o medicamento de escolha tem sido o metroni- dazol com seus compostos em doses de 500 a 800mg, três vezes ao dia durante cinco a dez dias. Geralmente é utiliza- do sob a forma de comprimido; mas nos casos mais graves ou severos, pode ser utilizado por via injetável. Nos casos que não apresentam bons resultados, aconselha-se associá- 10 à emetina ou diidroemetina e antibióticos.
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