Projeto Memórias Possíveis Entrevistado por Christina Musse e Rosali Henriques Depoimento de Humberto Benachio Nicoline Juiz de Fora 15/10/2013 Depoimento MAMM_03_ Humberto Benachio Nicoline Transcrito por Rogéria Nunes Henriques
P/1 – Para começar eu gostaria que você falasse o seu nome completo, data e
local de nascimento.
R – Meu nome completo é Humberto Benachio Nicoline, eu nasci em São
Paulo em 15 de setembro de 1955.
P/1 – Nome do seu pai, da sua mãe e dos seus avós.
R – Meu pai é Humberto Nicoline, minha mãe, que ainda viva, Clara Angelina
Nicoline, meus avós maternos é Luís Benachio Filho e Genoveva Bérgamo, e
os meus avós paternos é Rafael Nicoline e Antonieta Automare.
P/1 – Bom! Com esse sobrenome a gente até já desconfia, mas fala um
pouquinho sobre a origem da sua família.
R – Olha! O meu avô materno ele nasceu no Brasil, mas voltou para a Itália e
depois voltou para o Brasil, montou um armazém em São Paulo. O meu avô
paterno que tem uma história muito interessante, ele veio fugido da primeira
guerra da Itália e pegou um navio com direção a Buenos Aires, ele e um primo
dele Felipe, essa história sempre me contam. O navio parou em Santos ele
falou para o primo dele: “Vamos descer, vamos conhecer o Brasil” aí o Felipe
pegou e falou assim: “Que Brasil só tem índio, aqui não tem nada”, mas o meu
avô mesmo assim desceu no cais no Porto de Santos para conhecer um
pouquinho, porque o navio ia ficar parado, ia descarregar, ele era meio
cargueiro, meio passageiro o navio. E houve um problema de comunicação de
língua, o navio partiu às 13 horas ele entendeu que ia zarpar às três horas,
então ele perdeu o navio, ele ficou no Brasil com a roupa do corpo. Então, a
vida dele começou, dali ele ficou sabendo que tinha uma colônia de italianos
em Jundiaí, e lá ele ficou, ficou próspero, começou a trabalhar, começou a
servir, conseguiu juntar um dinheiro e comprou umas terras em Conceição do
Rio Verde, Sul de Minas. É ali que ele fez sua vida, como ele era descendente
italiano da Calábria, é uma região, que é uma zona praticamente rural, ele
sabia fazer tijolo, ele sabia cuidar de porco, ele sabia fazer queijo, então, ele
começou a construir a casa dele, sozinho em Conceição do Rio Verde, a beira
do Rio Verde, fazia plantações, vendia as coisas. Até que um “coronel”
Automare da região, ficou sabendo que tinha um descendente de italiano na
região, convidou ele para almoçar lá dizendo que era para ele produzir tijolo
para ele. Mas na verdade não era isso não, depois do almoço ele perfilou as
quatro filhas dele e: “Com que você quer se casar?” Ele falou: “Eu quero aquela
de olho azul ali” aí eles tiveram mais um encontro e o terceiro encontro foi já
casando já, tiveram oito filhos, sendo que o mais novo é o meu pai. Então, são
histórias muito interessantes, inclusive na segunda vez que ele se viram foi
feito um almoço para ele, então lá na casa grande da fazenda, ficaram todas
naquela expectativa: “Ah! O noivo da Antonieta, o noivo da Antonieta vai vir”,
naquela expectativa toda, então, naquela época todo detalhe era importante, a
forma como eles chegavam, como é que ele descia do cavalo, como é que é a
roupa dele, como eles se portavam. E nesse dia foi que eles almoçaram juntos
um perto do outro, depois do almoço ele conseguiu ficar perto dela,
conversaram um pouco, e aí tem uma história que quando ele foi embora todo
mundo na sacada da varanda vendo ele indo embora: o noivo da Antonieta
indo embora, e cavalo empaca, ele ia e o cavalo empaca, deu aquele clima,
vira o meu avô chega perto do ouvido do cavalo, quando chegou perto do
ouvido do cavalo, o cavalo saiu andando, depois a próxima vez encontraram
com ele: “Rafael o que é que você falou para o cavalo, para o cavalo sair?” “Eu
não falei não eu mordi a orelha dele”. São essas histórias da família, e ali
ficaram em Conceição do Rio Verde, aonde meu pai com 15 anos foi para São
Paulo começar trabalhar.
P/1 – Mas o seu pai nasceu em Conceição do Rio Verde?
R – É, ali perto de Caxambu, perto de Águas de Contenda, ali. Meu pai ele
começou a trabalhar com parentes, trabalhou na fábrica Estrela de brinquedo,
montando carrinho de brinquedo, depois ele conseguiu junto com o tio dele
uma barraca de queijo, ele tinha uma barraca de queijo na feira. E foi ali que
ele conheceu a minha mãe, eles se apaixonaram foi ali, ela ia fazer feira eles
se encontravam, me parece que foi uma paixão mesmo, porque a minha mãe
ela já estava querendo um médico que era residente, ia formar. O médico era
doido com ela, mas ela se encantou mesmo foi com o meu pai, eles casaram
em São Paulo.
P/1 – Isso foi o quê? Década de 50?
R – Década de 50, eu nasci em 55, e minha irmã nasceu em 52, minha irmã
mais velha.
P/1 – E sua mãe? Família paulistana?
R – Paulistana também, todos de São Paulo.
P/1 – Ela não tem origem italiana?
R – Não, a minha mãe não, o avô dela sim. O avô dela veio da Itália e veio
para o Brasil, armazém, ‘Secos e Molhados’, armazém que tinha de tudo, tinha
de tudo, o armazém era um açougue com mercearia, era tudo, importava tonéis
de vinho, engarrafava os tonéis de vinho, engarrafava vinho italiano para
vender no Brasil. Na verdade a colônia italiana em São Paulo era muito unida e
meio corporativista, por exemplo, fotógrafo, só usava fotógrafo italiano, tem
essas coisas. E assim, em São Paulo que a vida começou mesmo, a minha
vinda para Juiz de Fora foi com cinco anos de idade, onde o meu pai junto com
parentes, que já estavam aqui em Juiz de Fora, proporam para ele montar uma
loja, uma loja de venda de peças de carros. Existia já a Sorocabana Pneus,
antiga na Praça da República em frente ao cemitério, e esse tio nosso, que era
cunhado do meu pai chamou ele para vir trabalhar, aqui montasse a loja,
porque eles tinham a recauchutadora de pneus, o outro tinha uma oficina, e
meu pai ficou na venda de peças para fazer uma trilogia de comércio, um
puxando e fazendo propaganda do outro, e assim ele fizeram. O meu pai teve
essa loja na Praça da Estação ali embaixo do Hotel Centenário, na esquina da
Marechal com a Francisco Bernardino por 25 anos, e foi ali que eu cresci junto
daquela loja, na época da faculdade eu também trabalhava com ele, vivia ali na
Praça da Estação. Eu assisti a Praça da Estação se transformar, uma mão
vinha para lá, depois vinha para cá, as mãos invertiam, aumento da praça,
então é mais ou menos isso Christina.
P/2 – Humberto, em São Paulo vocês morava onde? Em que bairro?
R – Na Rua da Mooca, na Mooca.
P/2 – Você se lembra dessa casa?
R – Vagamente, porque com cinco anos de idade lembra muito pouco, eu
lembro mais de Juiz de Fora. Em Juiz de Fora eu lembro que o segundo lugar
que a gente morou, que me marcou para o resto da minha vida eu morava na
Rua Oscar Vidal, quase esquina com a Independência, Independência não
existia Avenida Independência, era Córrego Independência. Foi na gestão do
Itamar Franco como prefeito que ele canalizou o Córrego Independência e
transformou numa avenida, até lá eu brincava no córrego, a noite a gente
caçava rã no Córrego Independência. Assisti toda a obra desde o início, ficava
fascinado com aquelas máquinas gigantescas cavando, aquilo é coisa de
criança, e nessa Rua Oscar Vidal foi onde eu fui batizado, eu cheguei de São
Paulo caía na Rua Oscar Vidal com pessoas que já tinham nascido lá e no
início foi difícil, porque até eu fui um pouco descriminado, hoje chamado
bullyng, mas fui descriminado porque eu falava: tomate, restaurante, os
meninos encarnavam em cima de mim, pegava no meu pé. Para mim entrar no
grupo eu tive que passar por um teste, eu tive que pular no vizinho e roubar
galinha, depois roubar os ovos da galinha, cozinhar para eles, eu tive que
adquirir um fogão a álcool, pequenininho, para poder cozinhar para dar para
eles, aí sim eu entrei no grupo e naquela época como você entrava no grupo
era feito um corte na mão e os colegas, todos cortavam a mão e faziam um
pacto de sangue.
P/1 – Como era esse grupo? Era muita gente? Muitos meninos?
R – Não, não eram muitos, eram uns cinco meninos.
P/1 – Nenhuma menina?
R – Não, era clube do bolinha mesmo, porque a gente fazia coisas terríveis. A
gente matava gato, a gente matava passarinho como se fosse uma coisa
normal na época com espingarda de chumbinho, atiradeira, era correr com
carrinho de rolimã, meu pai tinha essa loja de peças, eu tinha facilidade imensa
de rolimã, então, eu era o fornecedor de rolimã para todo mundo, cada um
chegava com um carrinho de rolimã mais sofisticado possível. Então, foi uma
infância bacana, no princípio dura, mas depois foi uma maravilha.
P/2 – Humberto nesse Córrego Independência tinha alguma ponte? Alguma
pinguela? Para vocês atravessarem para o outro lado?
R – Pouquíssimos lugares tinham. Então a gente usava justamente essas
pinguelas para pescar, pescar não, caçar rã, o negócio era caçar rã, que era o
grande lance, você focava uma lanterna, quando você foca uma lanterna no
olho de uma rã ela fica paralisada. Aí é fácil de fisga-la, a gente não comia rã
não, era a caça mesmo.
P/1 – E na escola? Você entrou com quantos anos?
R – Eu entrei com, pelo fato de eu ter nascido em setembro, eu entrei com
quase sete anos, o primeiro dia de escola eu nunca esqueço, aquele temor de
ficar sozinho sem a família, sem a mãe, sem o pai, a primeira escola minha foi
o Colégio Santos Anjos, que fica na Rio Branco, onde é que seria hoje? Em
frente a Rua Santo Antônio do outro lado, era um colégio de irmãs, muito
rígido. Eu me lembro que no primeiro dia eu chorava copiosamente, já no
segundo e terceiro dia já me enturmei, o que me marcou muito foi a rigidez da
disciplina do colégio e a reclamação diária da minha mãe, porque o corredor do
colégio ele era encerado com uma cera avermelhada, a gente gostava muito de
deslizar naquilo e eu chegava com a roupa toda avermelhada em casa, era
motivo para briga, eu nunca me esqueço.
P/1 – O colégio era só de meninos ou tinha turmas mistas?
R – Tinha meninos e meninas, de lá eu fui para o Jesuítas, estudei nove anos
nos Jesuítas, e depois eu fui para o Colégio Magister, tem uma colega minha
que estava regimentando pessoas para ir para o Magister, a Tereza Leite.
Então, a primeira vez, parece que era o primeiro científico, que o Colégio
Magister antes de ser na Braz Bernardino, era no porão do Colégio Stellla
Matutina, ao lado da Capela Galeria de Arte, era o porão que era o colégio. Foi
aonde eu comecei a realmente a interessar por estudo, porque o Jesuítas era
um colégio rígido, e o Magister era um colégio liberal. E foi ali que foi a base
para mim poder fazer vestibular e passar em jornalismo.
P/1 – O que é que você chama de rígido e liberal? Era uma diferença de
controle de presença? Rigidez na cobrança de conteúdo de disciplina?
R – Exatamente eram coisas, por exemplo, os padres são os próprios
professores, e eles mesmo sabendo que aquela disciplina não ia servia muito
para você, mas eles eram rígido por uma questão da ordem dos Jesuítas, eles
tinham uma coisa que era só do ensino dos Jesuítas, e ensinava a gente
coisas que não tinham fundamento nenhum. Às vezes tinha aula de português,
as vezes tinha aula de latim, se eu soubesse eu até podia estudar mais e essa
coisa relevava, mas no final nem eles mesmos deixavam isso ir para a frente.
P/1 – O Magister você já entrou no ensino médio? Segundo grau? O que foi?
R – Exatamente foi o científico ali, na hora que o Magister passou para a Braz
Bernardino eu estudei lá também. E ali que eu fiz o chamado científico,
primeiro, segundo e terceiro científico, que era a base para se fazer o
vestibular.
P/1 – Isso na década de 70?
R – Setenta, foi ali que eu comecei a amadurecer, em todos os aspectos,
emocionalmente, foi a primeira namorada, aquelas coisa toda. E por falar em
juventude, a década de 70 para mim foi muito importante Christina, porque eu
era atleta, era jogador de vôlei, eu fui quatro vezes da seleção mineira juvenil
de vôlei, eu conheci o Brasil todo jogando vôlei. Os campeonatos brasileiros e
os jogos estudantis, eu participava desses dois campeonatos, que eram
campeonatos brasileiros, e foi ali... Isso amadurece muito a gente, o espírito de
equipe, eu era um bom jogador, por exemplo, na seleção mineira aqui em Juiz
de Fora, nos times que eu joguei no Sport, no Olímpico principalmente, no
Sport eu era a primeira rede, eu era o cara que abria a rede, na seleção eu
comecei como o último cortador, e acabei como segundo cortador depois de
três anos. A minha juventude foi muito interessante, muito gratificante.
P/2 – Você não quis seguir a carreira de jogador de vôlei?
R – Não, naquela época não existia, era tudo amador, naquela época o clube
nem pagava o tênis para você jogar, não existia. Foi depois de uns dez anos
que eu parei de jogar vôlei que começou o incentivo com vôlei, por exemplo, o
clube pagava escola, pagava material, dava uma ajuda de custo, aí começou o
semiprofissionalismo na voleibol, só dez anos depois, mas dez anos depois eu
já estava no mercado de trabalho, eu já estava fora da época de continuar
jogando vôlei.
P/1 – Mas o que é curioso é que em Juiz de fora na década de 70 o Diário da
Tarde, por exemplo, dava ampla cobertura aos jogos de vôlei e campeonatos,
então você deveria ser uma figurinha fácil nas fotos?
R – Exatamente o meu apelido era Betinho da seleção mineira, Betinho não sei
o que. O grande divulgador disso era o Mário Helênio de Lery Santos, onde eu
conheci pessoalmente, torcedor do Olímpico, é o cara que me indicou para a
seleção mineira, que ligou para o Minas Tênis Clube: “Olha! Tem um rapaz
aqui que está batendo forte, não sei o que e tal, deixa ele ir para o treino.” A
primeira vez que eu fui treinar na seleção mineira, muito novinho, meu pai que
me levava, ele me levava, e eu fui discriminado no treino, porque o Minas Tênis
Clube que era o grande clube, a base da seleção mineira era o Minas Tênis
Clube, quando pintava alguém do interior, até que eu me irritei, como é que o
técnico avalia se você era um cara bom, um cortador bom ou não, era na hora
de você lançava a bola para o levantador levantava a bola na rede e você
batia, e o cara começava a levantar a bola fora da rede, levantava a bola baixa,
até que eu devolvi uma bola no levantador, chamou a atenção, deu aquele
silêncio no ginásio, ginásio do Minas, aquela monstruosidade para mim, ginásio
do Minas era um Maracanã, aí o que é que acontece? “Pede para o rapaz
levantar a bola direito para mim”. Aí sim ele começou a ver que eu batia bola
direito, assim que eu fui incluído na seleção.
P/1 – Mas você teve uma juventude, assim, controlada? Você não foi um jovem
dos anos 70, por exemplo, que conviveu com um lado mais rock and roll dos
anos 70?
R – Não, eu era atleta, eu respirava, comia, pensava só em vôlei, os estudos e
o voleibol, eu não tinha mais outras ambições. A década de 70 o rock era o que
eu escutava da minha irmã mais velha, ela tem três anos, inclusive o rock que
eu sou a aficionado por rock, graças a ela, que ela escutava rock e eu
acompanhava os discos e tudo, drogas não usava, não podia usar drogas, era
atleta você não poderia usar drogas.
P/1 – Nem fumava?
R – Nem fumava na época, só depois da década de 80 que comecei a virar
jornalista. (risos) Aí tudo aconteceu, aí tudo acontece, universidade, movimento
estudantil.
P/2 – Como é que foi a escolha do jornalismo?
R – Olha! Eu desde pequeno eu queria ser médico. Eu não sei o porque a
gente ficava abrindo passarinho e gato lá na Rua Oscar Vidal, eu queria ser
cirurgião, cismei com isso, Bem aí chegou no final da década de 70, época de
fazer vestibular, o que é que vou fazer? A minha irmã mais velha que era
psicóloga, estava quase formando em psicologia no CES: “Vamos fazer um
teste vocacional”, eu topei fazer o teste vocacional e deu uma área que não era
medicina, era ciências humanas, geografia, comunicação e eu optei por
comunicação. Na época tinha assim, até hoje tem isso, ser jornalista, então é
isso eu entrei e fiz comunicação e passei, bem no final fui um dos últimos
aprovados, mas consegui passar, e comecei a estudar na UF, onde a
Faculdade de Comunicação não era a Faculdade de Comunicação, era um
departamento da Faculdade de Direito, só mais tarde que ela transformou
numa Faculdade de Comunicação mesmo. Tinham professores que eram
professores da Faculdade de Direito, eu fiz curso de oratória, que é uma coisa
típica do direito, essas coisas.
P/2 – Em que ano você entrou na Universidade?
R – Eu entrei em 78, eu formei em 81. Para você ter ideia em 81 a gente
formou o currículo era multidisciplinar e o diploma também, eu formei em
jornalismo, rádio e TV, publicidade e propaganda, pesquisa, essas coisas
todas, bacharel em comunicação.
P/1 – Essa vida da faculdade, assim, como é que era a sua relação com os
colegas? Essa introdução também num mundo que não era tão rígido, tão
disciplinado como o mundo do esporte?
R – Ali foi onde eu tive o meu amadurecimento, amadurecimento emocional,
amadurecimento psicológico, sexual, foi ali que aflorou tudo, foi ali que eu
comecei a ter convicções políticas, participava de movimentos estudantis,
simpatizante dos partidos que nasciam como o PT, por exemplo, era
simpatizante de partidos de primeira hora, a grande novidade. E a gente
acompanhava, a gente era bem aguerrido nos lutas da Universidade lá,
participava dos movimentos, das manifestações.
P/1 – No caso assim você participou de passeatas? Porque era época de
abertura política, ainda na ditadura.
R – Depois que eu comecei a trabalhar na Tribuna como fotógrafo em 81, eu
participava mais como fotógrafo, mas na verdade eu estava também como
participante. Então eu era o cara que eu era simpatizante, ao mesmo tempo o
cara que registrava aquilo, me dá um orgulho muito grande.
P/1 – Porque muitas famílias nessa época não gostava que os filhos seguissem
a carreira de jornalismo, por exemplo, porque achavam que esses filhos iam
tornar subversivos, não sei na sua família tradicional, italiana, possivelmente
católica, se foi bem vinda esse seu ingresso no jornalismo? Ou se o seu pai,
por exemplo, foi contrário? Sua mãe?
R – Não foram contrário não, eu agradeço muito a eles por isso, eles nunca
foram contra o que eu queria não. Eles não tinham esse posicionamento que
eu iria ficar subversivo, porque se você vê uma foto minha da época era a
barba desse tamanho, o cabelo grande, barba grande, eu já era um subversivo
natural. Se ele quisessem me criticar e me colocar contra parede, colocavam,
mas não colocavam, me deixavam livre, graças a Deus, eu agradeço muito a
eles por isso.
P/1 – Na época você nunca teve problema com a polícia? Porque a polícia
costumava a ver alguém com esse tipo barba, cabelo grande já era suspeito.
R – Eu tive alguns problemas. Eu tive, um em 79, eu cismei, eu andava com
Olympus trip, lá na faculdade eu usava essa máquina para fazer as fotos dos
jornais laboratórios, fazia algumas fotos já lá, eu já tinha noção de fotografia.
Eu fui fotografar um preso político ali na Subsistência, que hoje a Praça Antônio
Carlos onde tem o tanque do exército, ali que eram julgados todos os presos
políticos do Brasil pela Lei da Segurança Nacional, e teve um preso político,
que era de uma facção mais radical, mais esquerda do PT, que foi preso. Eu fui
lá, fui na rua ele saindo da cela da Subsistência, indo passando no passeio em
direção a Subsistência, ali eu fotografei, para que? Em 79 eu era estudante,
polícia me pegou, não posso fotografar uma instalação militar. Aí fiquei preso, o
advogado dele teve que ir lá e falou: eles só vão te soltar se você entregar o
filme, eu entreguei o filme, em 79 eu era estudante. Mas foi a partir de 81 que o
pessoal pegava no meu pé mesmo, mesmo sabendo que eu era jornalista, que
era da Tribuna e tudo. Eu naquela época, Rosali, a presença do fotógrafo numa
manifestação impedia muita pancadaria, que é a presença da imprensa lá,
aquilo estava registrando. Então, eu peguei essa parte da ditadura militar,
época da chamada extensão lenta e gradual, foi o começo da
redemocratização do país. Eu fui enquadrado na Lei de Segurança Nacional na
Tribuna de Minas, quando eu trabalhava na Tribuna de Minas, dois casos
interessantes da Tribuna de repressão. Primeiro foi que eu fiz uma foto na Rua
Marechal Deodoro existia um filme que passava na década de 80 que chamava
‘Pixote’. Esse filme ele foi feito denunciando o menor abandonado, a situação
social no Brasil, e a publicidade deles era basicamente pichações ‘Pixote’,
escreviam Pixote, e ia pichando as ruas com a divulgação do filme. Eu vi uma
família inteira de mendigos embaixo de uma pichação dela e fotografei, para
mim guardar, para mim guardar essa foto, não usei. Mostrei essa foto para o
Biel Rocha, que era do Jornal Unibairros, ele falou: “Nossa me empresta essa
foto, me dá que eu vou publicar essa foto na capa do jornal Unibairros” que era
um jornalzinho que ele fazia, aí eu falei: “Bem essa foto pertence ao arquivo do
Tribuna”, eu fui no editor geral, que era o Eloísio Furtado de Mendonça, e falei:
“Eloísio, o pessoal, o Biel, o pessoal do Unibairros está querendo publicar essa
foto, tudo bem?” ele falou: “Tudo bem” publicaram a foto na capa com crédito:
Humberto Nicoline/Tribuna de Minas, e mesmo assim eu fui enquadrado na Lei
de Segurança Nacional, tive que contratar advogado, tive no exército, umas
dez digitais estão lá até hoje, fui fotografado, igual ao um preso político. Mas
devido, depois com o tempo, Christina, você só fica sabendo depois, eu fiquei
sabendo que aquilo foi só um susto que me deram, foi só um susto que me
deram. E também tinha uma coisa interessante, eu estava namorando na
época a filha do Joaquim Simões de Faria, que era o Promotor da Justiça
Militar, então, ele era o cara que escolhia quem ia ser preso, quem ia ser pego
na época da ditadura, ele que também, então, eu acho que ele deu um susto
em mim, para falar: Opa! Você está namorando a minha filha, mas não apronta
não. (risos)
P/1 – Essa paixão pela fotografia surgiu na universidade? Porque não tinha
esse convívio em casa?
R – Nada, eu não tinha equipamento, tinha essa Olympus trip, que eu
fotografava com ela, participei de uma exposição, de uma coletiva com umas
fotos preto e branca, nem sabia fazer, mandava fazer as fotos num laboratório,
não sabia mexer com laboratório. Quando eu saí da faculdade eu queria se
repórter de texto, eu formei em julho de 81, em setembro de 81 nasceu a
Tribuna de Minas, o número zero da Tribuna de Minas é primeiro de setembro
de 1981. Eu entrei na Tribuna, porque estava precisando de fotógrafo, eles não
tinham fotógrafo, mas a minha ideia era com o tempo ir para a redação de
texto, só que a fotografia me envolveu tanto que nunca mais larguei a
fotografia. Eu queria ser repórter de texto, mas a fotografia me ganhou, aquela
correria de fotografar, de você ver o teu trabalho registrado, aquilo me fascinou,
nunca mais larguei a fotografia.
P/1 – Você foi corajoso, porque você não tinha uma experiência com fotografia
e nem mesmo na faculdade era pouca coisa?
R – Não tinha experiência não, eu precisava comprar equipamento, eu soube
que um primo meu morava em Manaus e tinha a Zona Franca de Manaus e ele
comprou equipamento para mim, foi assim que comecei a trabalhar no Tribuna.
P/1 – Qual foi o seu primeiro equipamento?
R – Foi uma Nikon F3, que é uma Nikon toda analógica, foco manual,
fotometragem manual, mas era muito precisa e isso você via nas fotos, a
qualidade ótica era excelente, com duas objetivas só e assim que eu comecei a
trabalhar.
P/1 – Você se lembra das primeiras coberturas como repórter fotográfico?
R – As primeiras não, eu lembro da editoria de cidade mesmo, problema de
bairro, buraco, coisa básica, basicão mesmo. Eu gostaria de registrar também
que a minha segunda experiência com a ditadura militar foi assim mais
traumática. Já que nós estamos em 81, a Tribuna de Minas, uma semana de
existência da Tribuna de Minas estava na cidade o grupo ‘Tá na Rua’ era um
grupo de teatro de rua do Amir Haddad do Rio de Janeiro, e havia censura na
época, tanto é que foram censurados, eles foram impedidos de fazer a
apresentação deles no Calçadão, que era a apresentação, até hoje, quando
você quer fazer uma grande manifestação em Juiz de Fora você faz no sábado
meio dia em frente ao Central. Que hoje passou um pouquinho para lá que é
em frente ao Banco do Brasil, mas era sempre ali no Central, que era uma área
maior. O grupo ‘Tá na Rua’ mesmo assim eles foram às ruas e na hora que o
Amir Haddad pegou o megafone, não era megafone eletrônico era aquela
corneta, aquele cone assim, para anunciar que eles foram impedidos de fazer
apresentação a gente estava lá registrando o fato. Um agente P2, mão no
megafone dele, e eu registrei isso, ah! Christina, foi uma correria, correria
porque eu já vi que as pessoas vinham atrás de mim. P2 eram os agentes da
polícia militar apaisano, eu corri, consegui esconder o filme, coloquei um filme
virgem na máquina, na hora que eu saio do prédio, aquelas escadarias ao lado
do Central, tem umas lojas que tem umas escadas, na hora que eu desci ali já
tinham dois gigantes me pegaram, me puseram dentro de um carro com placa
do Rio, com mais três elementos chamados guarda-roupas e começaram a
rodar a cidade comigo, rodar cidade, vai para bairro, vai para bairro, cadê o
filme? Me dá o filme aí, aí eu dei o filme, parou outro carro foi passado o filme
para esse carro, aí continuaram rodando comigo, rodando, só fazendo tortura,
a nós chegávamos no meio de um matagal: vai ser aqui, e eu estava
começando a ficar apavorado... Bem na verdade eles estavam rodando
comigo, depois eu fiquei sabendo, eles estavam revelando filme, umas duas
horas e meia depois me deixaram na Delegacia de Santa Terezinha, na hora
que eu entro na sala da PM eu me deparo com esse senhor que tinha tirado o
megafone, esse senhor na época Tenente Piccinini, um conhecido aqui de Juiz
de Fora na época, e esse Tenente Piccinini falou: “Nicoline o filme? Aquele
filme que você deu está virgem.” “Não é aquele filme lá” “Então não saiu nada,
eu quero o filme, quero o filme que você tirou a foto minha lá, tira a roupa”
“Como assim tira a roupa?” “Tira a roupa” “Não vou tirar a roupa eu sou
jornalista” a gente tinha carteirinha, formado em jornalismo, trabalhando no
Tribuna de carteira assinada, com crachá da Tribuna “Sou jornalista” “Eu não
quero nem saber” tirei a roupa, fiquei de cueca, “Tira a cueca” “Não vou tirar a
cueca” “Se você não tirar nós vamos tirar, o que é que você prefere?” na hora
que eu vou fazer movimento com a cueca o filme cai, e foi aí que eu aprendi
que da próxima vez eu não posso guardar filme comigo, eu tenho que esconder
em outro lugar. Aí me liberaram fiquei sabendo que a redação do Tribuna parou
em solidariedade, ninguém trabalhou em quanto não tivesse notícia minha,
porque não tinha notícia minha, ficou todo mundo apavorado, a redação parou.
Foi quando me soltaram que eu liguei que foram me pegar, aí o pessoal ficou
aliviado e tal, quem me conta essa história foi o Renato Henrique Dias que me
contou que eles paralisaram a redação em solidariedade ao meu
desaparecimento. Três dias depois me liga o Tenente Piccinini para mim, olha
eu fiquei bem na foto, me gozando a cara. Para você ver a ideia, só um
pouquinho mais para frente, quando eu vou trabalhar em Belo Horizonte, eu fui
cobrir uma solenidade na PM em Belo Horizonte, da Tropa de Choque, que
eles estavam mostrando os novos equipamentos que eles conseguiram para a
repressão, na hora que eu entro na sala o comandante da Tropa de Choque:
Tenente Piccinini, aí ele me vê: “Sem ressentimento” bateu nas minhas costas
“Sem ressentimentos” e a vida segue.
P/1 – Quanto tempo você ficou aqui em Juiz de Fora?
P/1 – Trabalhando na Tribuna.
R – De 81 à 87. Aí, eu fui para a Tribuna, que montou-se uma redação da
Tribuna em Belo Horizonte, aqui continuou Tribuna da Tarde, mas a redação
do Tribuna de Minas passou para Belo Horizonte, a gente fazia o jornal lá, mas
o jornal era rodado aqui. Na época houve um acordo entre o Juracy e o
governador Newton Cardoso, que é um jornal para dar sustentação ao governo
de Newton Cardoso, porque o Newton brigou com os Diários Associados na
época, eles não concordaram, então, ele precisava de um jornal, não só o
Tribuna, mas tinham outros também. Então, montamos uma redação dentro de
Belo Horizonte e fazia um jornalismo, claro que às vezes direcionado, política e
essas coisas, mas a gente cobria o dia-a-dia também, agora você me pergunta:
como é que se faz um jornal local e imprime em outro? Era uma loucura,
porque não tinha internet, não tinha como você transmitir as coisas, como é
que você transmitia? As fotos eram transmitidas através de um aparelho, era
um aparelho com a cópia fotográfica você colocava nesse aparelho e transmitia
essa foto, para cada foto eram 20 minutos de transmissão. Na verdade o
resultado da impressão era um fax melhorado, e era a solução para a gente
mandar as fotos do dia de Belo Horizonte para Juiz de Fora, para ser rodado
aqui. E esse jornal era todo dia, ele vinha impresso para Belo Horizonte, para
ser distribuído em Belo Horizonte, o Tribuna de Minas rodou em Belo Horizonte
como um jornal de Belo Horizonte. Essa história, Christina, de dois anos e
pouco dessa história se perderam por causa desse trajeto BH Juiz de Fora, BH
Juiz de Fora, e as publicidades eram o fotolitos tinham que ser mandado para
cá, de carro para cá, foram dois óbitos, teve um diretor, um editor, e quatro
automóveis destruídos nessa história dessa correria toda, foi uma aventura.
P/2 – Mas a Tribuna da Tarde tinha notícias de Juiz de Fora e a de Minas a de
Belo Horizonte? É isso?
R – Exatamente.
P/2 – Então haviam duas redações?
R – Exatamente uma em BH e outra aqui, só que os dois jornais eram rodados
aqui e todo dia a Tribuna de Minas, que era noticiário de Belo Horizonte ia de
camionete, caminhão, para Belo Horizonte para ser distribuído lá.
P/2 – Quando houve essa escolha, vocês que escolheram ir para Belo
Horizonte? Não quis ficar em Juiz de Fora? Como é que foi?
R – Eu quis ir para Belo Horizonte. Eu quis ir para Belo Horizonte porque eu
achava que lá é um mercado maior, também confesso que eu fiquei um pouco
decepcionado com a categoria do jornalista na época, porque eu fui vice-
presidente eleito do sindicato de jornalista profissionais de Juiz de Fora, foi o
primeiro repórter fotográfico eleito num plano de diretoria, Christina fez parte
dessa diretoria, que o presidente renunciou e eu fiquei como presidente em
exercício. E a gente era muito aguerrido, muito lutador, os sindicalistas que
acompanhavam as lutas operárias do ABC, a gente era simpatizante do PT, o
Lula era a figura que era emergente na época, e a gente fez movimentos,
movimentos de melhorias salariais, a gente ia para o Calçadão, isso está
registrado no meu livro, pedindo reajuste trimestral, a gente pedia piso salarial.
Porque na década de 80, para você ter uma ideia, 86 governo Sarney, a
inflação era base de 300% ao ano, então a luta dos trabalhadores tinha que ser
constante para repor essa perda salarial que tinha. A decepção foi que nós
conseguimos dentro da lei da CLT uma greve, em que se os jornalistas
aprovassem essa greve, porque tinha que ser três assembleias com dois terços
da categoria, como na época tinha 200 e poucos afiliados, a gente achou que
tinha condições de aprovar isso, a gente instalar uma greve, em que tinha
estabilidade por um ano, mesmo terminado a greve, então tinha todas as
garantias possíveis para a gente poder finalmente ter uma melhoria salarial
para os jornalistas de Juiz de Fora, a gente ralava muito, e a categoria em
assembleia decidiu, a maioria foi por abstenções. Eu fiquei um pouco
decepcionado, na hora que eu vi essa notícia de Belo Horizonte investi, pedi,
até o diretor da Tribuna: “Você quer ir para Belo Horizonte? Você vai ter que
abrir mão da estabilidade,” como era da executiva do sindicato a gente tinha
estabilidade, eu tive que abrir mão da estabilidade para ir para Belo Horizonte.
Quem estava lá era o Toninho Carvalho, aí o Toninho Carvalho voltou e eu
fiquei.
P/1 – Voltando um pouquinho na experiência sua aqui em Juiz de Fora como
fotógrafo, 81, 82, como era a rotina sua? Você chegava à redação que horário?
Como é que é? Você recebia as pautas?
R – Eu era um fotógrafo que sempre preferi a parte da tarde, sempre fui
notívago, naquela época a redação fechava era meia noite, vária vezes eu saí
do jornal oito, nove horas da noite, e fotografa alguma coisa e voltava para a
redação para publicar um fato, por exemplo. Os deadlines daquela época eram
meia noite, duas horas da manhã, e eu chegava no jornal uma hora da tarde, e
era pautado com diversos tipos de fotos, era mais a cidade mesmo que era
editoria forte, geral ou cidade, que cobria a cidade como um todo. No princípio,
até 83 a gente tinha um concorrente, que era o Diário Mercantil, o centenário
Diário Mercantil, inclusive nós cobrimos o fechamento do Mercantil em 83, a
Tribuna soltou uma matéria do fechamento do Mercantil em 83, novembro de
83. Então, eu cobria de tudo, por exemplo, eu era um cara solteiro, a máquina
fotográfica aonde eu ia eu levava a máquina fotográfica, eu ia para o barzinho
eu levava a máquina fotográfica. E naquela época, os anos 80 de Juiz de Fora,
como no Brasil também foi um momento de muita efervescência cultural,
efervescência sindical, as manifestações eram constantes, naquela época pelo
fato da gente ficar muitos anos sem poder sair nas ruas, fazer manifestações, a
ditadura não deixava, quando começava a liberar o pessoal saía mesmo, por
exemplo, você via assim, dezenas de pessoas, centenas de pessoas para
reivindicar água num bairro, o verdadeiro gigante adormecido, senti isso e eu
vivi isso. Vivi isso até 87 em Juiz de Fora no processo de redemocratização do
país, foi quando eu fotografei coisas importantes como a votação da Emenda
Dante de Oliveira, que instituía a eleição direta, que acabou sendo derrotada,
porque as bases governistas não deixou dar quórum na câmara para poder
votar, e Juiz de Fora sempre foi uma história aguerrida, pelo fato de ser cidade
universitária, sempre teve um posicionamento mais de esquerda, então, eu fui
um privilegiado na verdade de poder cobrir isso. Com isso de 81 a 87, até
quando eu fui para Belo Horizonte culminou num livro, o livro ‘JF Anos 80’, é
um livro de 300 páginas, com 280 fotos dos fatos de Juiz de Fora, que
aconteceram em Juiz de Fora, e eu fui privilégio ser fotógrafo da Tribuna nessa
época, e esse livro eu dividi o livro em capítulos como as manifestações, a
cidade, os personagens, e pus em ordem cronológica e virou um filme
documental. Naquela época as pessoas saíam na rua com o dobro de pessoas
por motivo bem mais simples do que hoje, agora que voltou em junho de 2013,
voltaram as manifestações.
P/1 – Você cobriu as Diretas Já, por exemplo, todos os comícios das Diretas
Já?
R – Diretas Já, essas coisas todas.
P/1 – Esses comícios na Praça da Estação aqui em Juiz de Fora em especial,
você tem alguma lembrança?
R – Grandes comícios, porque naquela época para você ter uma ideia, as
pessoas se interessaram por política, porque ficaram muitos anos sem poder
ter voz. Então, os comícios que eu citei na Praça da Estação, eram comícios
que não tinham show, iam lá para escutar os políticos e enchia, para escutar
Tancredo Neves, para escutar Itamar Franco, escutar Tarcísio Delgado. Então,
para você ver o interesse das pessoas em participar da vida política do país,
uma retomada da participação popular nas decisões políticas do país, e Juiz de
Fora acompanhou isso direitinho, prova disso, esse livro mostra isso as
participações, os professores, por exemplo, sempre foram os movimentos de
massa mais organizados, até hoje a Sind Ute ainda é os que fazem
manifestações, que saem na rua reivindicando as coisas, os bancários, os
professores e os bancários, e um pouquinho os jornalistas. (risos)
P/1 – Humberto, você me diz assim, você chegava na redação, você gostava
de trabalhar a tarde, não tinha muito horário, estava sempre com a sua
máquina, mas você era pautado? Como é que era a equipe de reportagem
cinematográfica da Tribuna, por exemplo? Tinha um chefe? Tinha um editor?
R – Na verdade não tinha editor, era um chefe de departamento, um cara que
tomava conta do material do laboratório, um cargo de confiança, porque o
material fotográfico era muito caro, então tinha que ser um cara de confiança,
meu primeiro chefe foi o Narcisse Szymanowsk, que foi uma pessoa iluminada,
Narcisse depois foi fotógrafo do Museu, e merecidamente hoje o nome de uma
galeria no Mascarenhas, então isso foi muito bacana. O Narcisse foi o meu
primeiro chefe, só que não tinha assim a figura do editor: você vai fazer isso,
fazer isso, procura fazer assim, assado, não, você ia para a pauta e fazia o que
você achava melhor, e essa parte do fotojornalismo era interessante, porque
tinha a parte laboratorial, você era laboratorista, você revelava os seus filmes,
você ampliava as suas fotos, você identificava os filmes, ampliava fotos, tudo
na câmera escura, e você identificava e entregava na redação. Na verdade a
fotografia era um pré-industrial no jornal impresso, a parte pré-industrial, e o
fato dos químicos da fotografia para revelar filmes, revelar as cópias, elas
terem odores, os odores eram, principalmente, o fixador, que era base ácido
asséptico, é mal cheiroso, eram retirados longe da redação. Sempre os
departamentos fotográficos eram longe da redação por causa do cheiro, porque
era incomodo para as visitas e para quem trabalhava lá. Aí, sempre ficamos
isolados, inclusive eu acho uma bobagem hoje os departamentos de fotografia
continuarem isolados das redações, porque você pode muito bem editar as
suas fotos ao lado do companheiro que você fez a matéria, o repórter de texto
que fez a matéria, que eu acho mais adequado inclusive. Então, a gente tinha
essa parte laboratorial, ou seja, era interessante, Christina, porque você
chegava com o filme para revelar, o repórter sentava na máquina de
datilografar para bater a matéria, na verdade na hora que você entregava a
foto, entrega a foto em que? Em 20, 25 minutos, as fotos em 20, 25 minutos,
era o tempo dele bater a matéria.
P/1 – Vocês saíam sempre em equipe?
R – Sempre.
P/1 – Como era a equipe que saía para a externa? Tinha carro? Motorista?
R – Carro, motorista, repórter de texto e fotógrafo, sempre foi assim.
P/1 – Você não saía sozinho? A pé?
R – Não, geralmente não, no início da Tribuna não, porque tinha muito
jornalista na Tribuna. Basicamente sempre saía um repórter de ter texto, o
fotógrafo também sempre saiu muito sozinho, às vezes não precisa, às vezes o
repórter fazia reportagem pelo telefone, e entrevistava a pessoa, eu ia
fotografar, fazer um boneco, como chamava, do entrevistado, o repórter por
telefone entrevistava, não precisava da presença dele lá. O fotógrafo sempre
trabalhou mais sozinho do que o repórter de texto, dificilmente o repórter de
texto ia sozinho, sempre o repórter de texto queria a presença do fotógrafo,
porque a matéria com a foto ela tem mais importância, as matérias mais
importantes tem fotografia.
P/1 – Normalmente você quando saía com algum repórter, tinha aquele
repórter com o qual você tinha mais afinidade? Como o qual você saiu mais
vezes?
R – O fato da Tribuna, da gente ter fundado um jornal, é como se a Tribuna
fosse nossa também, então, a gente era colegas mesmo, porque o objetivo era
fundar um jornal em Juiz de Fora. Então isso se transformava numa coisa
maior, do que picuinhas, brigas, incompatibilidade, a gente tinha que lançar um
jornal de Juiz de Fora, a gente estava pensando no nosso mercado de
trabalho, então tinha uma causa maior, que era fundar esse jornal, foi o que
nós conseguimos a duras penas, mas conseguimos.
P/1 – Parceria assim, você teve algum parceiro ou parceira mais constante
nesse trabalho de documentar a cidade?
R – Teve parceiros, assim, de repórter de texto? Eu trabalhei com muitas
pessoas, trabalhei Isaura Rocha, trabalhei com Mazé Mendonça, trabalhei com
Oseir Cassola, isso na editoria de cidade. Cultura eu trabalhei com Ana
Goulart, Kátia Dias era editora de cultura, uma figura especial até hoje, muito
especial para mim. Porque eu nasci no mesmo dia que ela, então, (risos) fora
a figura muito interessante, tinha o Renato Henrique Dias, editor geral, Geraldo
Muanis, o editor Eloísio Furtado de Mendonça, diagramadora Beth Barra, eram
pessoas em que eu brigava muito não, eu era para fazer o serviço mesmo e
trazer a melhor foto. Eu brigava para colocar as fotos que eu queria colocar,
porque às vezes eles não colocavam o que a gente queria, ou questão
editorial, ou questão de preferência, de gosto, essas coisas, porque fotografia
todo mundo gosta, todo entende de fotografia, todo mundo opina sobre
fotografia, você pode reparar isso, desde uma criança: não gostei, todo mundo
tem essas coisas, a discussão era mais editorial, editorial mesmo, a gente fazia
uma pré-seleção antes, agora você pergunta se a gente influenciava no
trabalho a opinião pessoal? Sim, claro, ia fotografar um político, por exemplo,
fotografar um governador que não eleito pelo povo, foi eleito pelo presidente da
república, aqueles nomeados, eu entrega umas fotos bacanas e entregava
umas fotos maus também, (risos) para ver se o editor punha, mas nunca pôs. A
gente tinha preferência política e isso influencia muito no trabalho, não só
repórter de texto, mas fotógrafo também, a gente faz as coisas que a gente
pensa também.
P/1 – E fotógrafo pauta jornal? Porque o repórter de texto quer sempre pautar,
ele quer trazer a pauta da rua.
R – É verdade, a gente pauta mostrando, eu fiz uma foto assim, assim vou
revelar lá, aí o pessoal já começava a se mexer, entendeu? Começava a corre
atrás, na hora que eu mostrava a foto: “Oh! Então está, vale a pena mesmo
vamos colocar”, a gente pautava sim. Eu andava pela cidade para lá e para cá,
com máquina fotográfica, então, onde eu ia levava máquina fotográfica, então
eu pegava flagrante mesmo e flagrantes interessantes.
P/1 – Teve alguma primeira página sua que ficou, assim, na memória?
Inesquecível?
R – Teve, a primeira página, da primeira foto, o jornal já estava prontinho, eu
desci o jornal era dentro da Academia de Comércio, porque o pessoal da
Tribuna, o Juracy comprou a Esdeva Gráfica, e ficava dentro da Academia. Eu
desci a Halfeld até o Calçadão, na hora eu chego no Calçadão o Flamengo foi
campeão, e teve uma passeata, uma carreata de flamenguistas, e a Rotam, a
polícia militar desceu o cacete, jogaram boba, fizeram o diabo, e eu registrei
isso, e subi o morro e falei: gente o pau está comendo na Rio Branco, ou seja,
enquanto estava revelando o filme o pessoal foi apurar, apurar, a capa de
jornal foi a primeira grande sensação interessante, porque eu fazia um
jornalismo puro, o jornalismo puro. Que é você flagrar aquilo e correr e fazer
daquilo a primeira página do jornal.
P/1 – Agora você tinha muita discussão com colegas repórter? Eu perguntei
sobre as afinidades, mas às vezes tem aqueles repórteres que saem com você
com os quais nada funciona.
R – Nada. Geralmente os repórteres mais aculturados, mais de editoria de
cultura, editoria de moda, que eram muito detalhista, a gente está com duas,
três, quatro pautas a gente quer aquilo rápido para fazer outras pautas, sai com
três, quatro pautas por dia. Depois, na década de 90 aumentou muito isso, na
década de 90 aumentou muito o fato de você sair sozinho com motorista, e
aumentou muito o número de pautas, porque aumentou a quantidade de
editorias, você tinha que cobrir tudo, fazia um roteiro, o seu chefe: você vai
aqui, aqui, aqui e aqui, os carros começaram a ter rádio, que antes como é que
você comunicava com as pessoas? Com rádio você se deslocava de lá para
cá, não, vai aqui, vai ali, está acontecendo isso e assim vai. A gente cobria de
tudo, o fotógrafo cobre tudo, não tinha setorização, aqui não tinha setorização,
o fotógrafo não era setorizado, você cobria de moda, desfile de moda, a futebol
a assassinatos, quando eu saí da Tribuna daqui de Juiz de Fora e em Belo
Horizonte na Tribuna também cobria de tudo, só quando eu fui trabalhar no
Jornal Hoje Em Dia que houve uma setorização, interessante, mas eu cobria de
tudo.
P/2 – Desse período que você ainda está em Juiz de Fora, antes de ir para
Belo Horizonte como é que deu a sua participação na Revista D’lira?
R – A Revista D’lira era uma revista cultural, de poesias e desenhos e eu fazia
parte do grupo, essas amizades que a gente faz fora da redação, então eram
amizades mesmo, a gente saía do jornal ia para bar, a gente ia para festas,
então sempre juntos, eram pessoas que trabalhavam com a gente. Por
exemplo, era repórter, diagramador, mesmo editor, outros fotógrafos também, a
revista nasceu, a Revista Delira nasceu da discussão de poetas com o José
Santos, com o Piva, com o Talarico pintor, como Fernando Fábio Fioresi,
então, são pessoas assim, eu entrei como opção, revista de cultura, então tem
que ter a parte de fotografia, então eu entrei como corpo editorial como
fotógrafo responsável pelas fotos da revista.
P/2 – Como é que você conciliava esse trabalho da D’lira e a Tribuna?
R – Quando dava folga a gente investia nisso, eu ficava por conta disso, eu
vivia isso, até hoje eu me pergunto como é que eu conseguia fazer tanta coisa?
Atualmente eu não conseguiria fazer isso, mas na época tinha tempo para
tudo, por exemplo, reunia de madrugada, varava madrugada, antigamente
virava e no dia seguinte trabalhava, entendeu? (risos) E trabalhava, não tinha
problema nenhum, tinha físico, você tinha condições de fazer isso, eu vejo os
meus filhos hoje fazendo coisas, “Mas menino vai descansar você tem aula
amanhã?” Mas não adianta era a mente, eu era assim também.
P/1 – Aonde que vocês iam depois que saíam da redação? Muitas vez dez,
onde horas da noite? Tinha algum bar que essa turma da Tribuna, do impresso
frequentava?
R – Não tinha específico muito não, mas tinha o Bar Redentor, tinha o Bar 650,
na Tiradentes, me parece, ou na Santo Antônio agora não me lembro, agora
você está me lembrando uns bares, tinha o Vitrô, na Rua São Mateus, esses
bares a gente se encontrava nesses, os bares da moda na época.
P/1 – Jornalista e repórter cinematográfico, fotográfico normalmente não
ganhavam muito, eram bares mais populares, alguns com música como o Vitrô,
e qual era a pedida? Cerveja?
R – Cerveja e tira gosto, de tudo que você possa imaginar, almôndega, (risos)
e tomava as piores bebidas, mais baratas possíveis. Porque o jornalismo é
muito ligado a boemia, por quê? Por causa do deadline, se o deadline daquela
época fosse oito horas da noite, sete horas da noite, como é hoje os jornalistas
não seriam tão viciados em álcool, alcóolatras, porque eu conheci vários que
eram alcoólatras, eu não encaminhei por essa vertente do alcoolismo não, as
pessoas bebiam demais da conta, bebia muito, e bebida ruim, barata.
P/1 – Conhaque?
R – Nossa Senhora! Como, por exemplo, você tinha pouco dinheiro e queria
ficar alegrinho você tomava conhaque, misturava as bebidas.
P/1 – Pinga e conhaque.
R – Graças a Deus eu não entrei nessa onda de álcool não, talvez por isso que
eu conseguia acordar mais cedo do que os outros.
P/1 – Você alguma vez passou algum problema, assim, além desses dois
relatos de prisão, algum acidente? Porque houve jornalista da Tribuna que
morreram em acidentes, como outros jornalistas de outras emissoras inclusive
de TV que morreram em acidente de carro. Você passou alguma situação
realmente de tensão com ameaça física com você?
R – Não isso não, graças a Deus não, trabalhando no Hoje Em Dia em Belo
Horizonte sim passei por alguns sufocos lá, mas fora isso não, aqui em Juiz de
Fora não, não passei não, fora essas, levei um tiro de borracha uma vez numa
manifestação em frente a câmara.
P/1 – Aqui em Juiz de Fora?
R – Aqui em Juiz de Fora.
P/1 – Conta um pouquinho para nós.
R – Foi uma manifestação de bancários, eram muito comum os bancários
saírem, os bancários fazia greve, eles paravam, faziam piquetes para os
bancários não entrarem no Banco do Brasil na Getúlio com a Halfeld, por
exemplo, e ficava dois, três camburões enfrente para impedir o piquete, e era
comum eles saírem fazendo passeata pelo Calçadão e culminava em frente a
câmara municipal, e ali houve a polícia chegou e começou a dar tiro e pegou
um tiro em mim, pegou um tiro de raspão mas ardeu para caramba, ficou a
marca um tempão, e é um tiro horroroso, dói demais, arde demais, entendeu?
Só arde menos que chumbo, mas situações de perigo aqui em Juiz de Fora
não, fora essas duas que eu te contei, do meu “desaparecimento”, as coisas
perigosas mesmo aconteceram foram em Belo Horizonte.
P/1 – A entrada do mundo digital na sua vida como é que foi? Primeira câmera
digital? Essa revolução.
R – Foi uma maravilha, a entrada do equipamento digital diminui o deadline dos
jornais, porque a rapidez com que você envia uma fotografia. Para você ter
ideia como é que antigamente você transmitia uma foto, você tinha que montar
um laboratório, quando você viajava, como você transmitia uma foto? Com
esse equipamento aqui, que você aluga da Associated Press, você chegava na
cidade no hotel que você ia ficar, no banheiro do hotel você punha uns
plásticos pretos com adesivos nas janelas para tampar a luz e transforma
aquilo num laboratório fotográfico, ali tinha um mini ampliador, tinha os
químicos para revelar o filme, os químicos para revelar as fotos, os papéis
fotográficos, a luz vermelha, tinha tudo, você trazia tudo, instalava a luz
vermelha lá e fazia as cópias fotográficas. Colocava a cópia fotográfica nesse
aparelho e transmitia via telefone, tem sempre uma linha direta, não podia ter
ramal, porque qualquer coisa que você falasse na extensão saia na foto, com
um ruído. As fotos eram transmitidas desse jeito, na Tribuna, esse dois anos
que eu fiquei na Tribuna 87 e 89, em Belo Horizonte, eu transmitia as fotos
para Juiz de Fora desse jeito, nesse aparelho. Depois eu usei esse aparelho no
jornal Hoje Em Dia, para transmitir já com a cabeça cor, era cópia colorida,
você punha nesse máquina e passava três vezes a mesma foto, 20 minutos
cada vez, cyan, magenta e yellow, cada foto demorava uma hora para
transmitir uma foto, ou seja, o deadline era mais alto. Agora com equipamento
digital não, equipamento digital não, no princípio demorava também. Esse é o
primeiro equipamento digital que eu trabalhei, era uma Nikon N90 com back da
Kodak, essa câmera foi a primeira câmera a ser digital vendida no Brasil,
profissional. Efla tinha uma resolução de seis megapixel, eu não podia usar o
sequencial, que era para você disparar quatro, cinco fotogramas por segundo,
porque ela não processava, eu fazia futebol, por exemplo, você dava três
cliques ela travava, enquanto não processava, a tecnologia o processador não
conseguia carregar as imagens dentro do winchester, da máquina. E a gente
viajava com esse equipamento pesado, um laptop Macintosh pesado, dessa
largura, desse tamanho, que me criava um problema enorme toda as vezes
que eu viajava de avião, porque eu tinha direito uma maleta só e eu levava o
meu equipamento fotográfico, as lentes, os fleches, a máquina e tinha que
levar essa maleta, então, sempre a maleta ia na cabine do piloto, era sempre
uma dor de cabeça, como eu viajava muito.
P/1 – Você viajava muito por Minas Gerais? Isso já na fase do Hoje Em Dia?
R – Hoje Em Dia eu viajava muito, e a última vez que eu usei esse
equipamento de transmissão via cópia foi em Pirapora. A câmara municipal fez
o Impeachment do prefeito, não me lembro o sobrenome dele, mas era Abdala,
ele foi destituído do cargo de prefeito, e ganhou na justiça o retorno. E a
população cercou a prefeitura não querendo ele deixar entrar, e ele tinha direito
por lei, mas a população não queria, nós fomos lá para cobrir, era para ficar um
dia, acabei ficando quatro. Então, eu consegui, já existiam os laboratórios
coloridos, de foto colorida, eu consegui comprar um determinado tempo e todo
o dia eu ia lá revelar os filmes, eu editava e transmitia essas fotos, por incrível
que pareça era uma novidade, eu escolhi uma casa com telefone, pedi
autorização e transmitia, as pessoas ficava vendo, fazia um círculo, junta
pessoas para ver transmitindo as fotos.
P/1 – Isso antes do digital?
R – Antes do digital.
P/1 – Agora a cor entrou na sua vida no jornal quando?
R – Foi em Belo Horizonte, só no Hoje Em Dia, até lá eu trabalhava só com
preto e branco.
P/1 – Então isso é o quê? 89? 90?
R – Noventa.
P/1 – Até então só preto e branco?
R – Só preto e branco. 90 que começou no Hoje Em Dia, no começo do Hoje
Em Dia a gente tinha filme preto e branco e slide colorido, quando era uma
matéria importante era slide, era capa, capa era colorida, o interior, o miolo do
jornal era preto e branco.
P/1 – E você tem predileção por preto e branco ou cor para a imprensa?
R – Preto e branco.
P/1 – Por quê?
R – Porque é mais objetivo naquilo que você quer transmitir, você não perde
nuanças de coloridos, você é mais objetivo. Um exemplo clássico: uma criança
chorando. Você vê a foto preto e branco você vai no cerne da questão, você vê
o objetivo do fotógrafo, você não vai perder tempo se tem um balde vermelho
do lado, que vai tirar a sua atenção, você foca mais; um guarda batendo em
alguém, por exemplo, manifestações, uma pessoa de um vermelho muito
intenso vai tirar sua atenção daquilo, então o preto e branco é objetivo a
mensagem.
P/2 – Humberto eu estou curiosa para saber sua saída para o Hoje Em Dia,
você estava na Tribuna.
R – Tribuna acabou em Belo Horizonte.
P/2 – Mas você não quis voltar para Juiz de Fora?
R – Não, eu quis permanecer em Belo Horizonte, eu permaneci em Belo
Horizonte, a Tribuna de Minas acabou em dezembro de 89, quando acabou o
governo Newton Cardoso acabou o Tribuna, entende?
P/1 – A razão foi essa.
R – Se o Newton fosse reeleito ou o grupo dele fosse reeleito a Tribuna
continuaria com certeza, porque é o que estava sustentando, era as
publicidades do governo que sustentava a Tribuna em Belo Horizonte. E
acabou o Tribuna e eu permaneci como fotógrafo freelancer, nesse aspecto eu
já conhecia outros fotógrafos, comecei a fazer substituição de férias, que em
Belo Horizonte você tinha quatro jornais diários, eu fazia substituição de férias,
sempre alguém estava de férias, e eu fazia substituição de férias, até que um
editor do Jornal Hoje Em Dia, me chamou para trabalhar lá. O Jornal Hoje Em
Dia tinha um ano só, esse Jornal Hoje Em Dia na época ele era do Newton
Cardoso. O Newton Cardoso fundou um jornal chamado Hoje Em Dia, que
tempos depois passou para a Igreja Universal, que agora em agosto desse ano
vendeu depois de tantos anos, vendeu para o grupo Bel de Belo Horizonte.
Então, foi quando eu comecei a trabalhar, eu fiquei desempregado na Tribuna
em 89, fevereiro de 90 em já comecei a trabalhar no Hoje Em Dia, e lá eu
permaneci por 13 anos, comecei com repórter fotográfico e cheguei a ser editor
adjunto de fotografia. Quando eu entrei no jornal Hoje Em Dia tinham 16
fotógrafos, quando eu saí de lá tinham seis.
P/1 – Por que essa redução?
R – Porque é tudo muito caro, a fotografia é uma coisa cara, o filme fotográfico
era caro, os equipamentos eram caros. Para você ter uma ideia esse
equipamento digital aqui, quando ele chegou na minha mão ele custava 20 mil
dólares, hoje você compra uma câmera digital, então era tudo caro. Fotografia
ela o local onde a contenção de despesa era muito grande, tinha muita
restrição de filmes às vezes, a gente viajava sem muitas opções, porque o
jornal não tinha condição de dar.
P/1 – Nessa época do Hoje Em Dia o equipamento era do jornal não era seu?
R – Do jornal, optou-se por isso, diferentemente da Tribuna, tanto em Juiz de
Fora, quanto BH que eles optaram por equipamento dos fotógrafos. Inclusive
quando eu estava no sindicato dos jornalistas, eu consegui que a exemplo de
Belo Horizonte, que se pagasse 25% do seu salário bruto como forma de
aluguel de equipamento, equipamento básico, uma câmera, três lentes e um
flash, isso até hoje é assim aqui em Juiz de Fora, pessoa é obrigada, 25% do
salário. E por falar em salário não só ganha mais do que o repórter de texto,
por causa disso, ele ganha porque ele é fotógrafo, ele faz os bicos dele como
fotógrafo, faz casamento, faz festa de aniversário, o repórter fotográfico a cima
de tudo ele é fotógrafo.
P/2 – Você fazia muito?
R – Faço, fazia, fora do jornal eu fazia, o pessoal me chamava para fazer, eu
fazia, entendeu? Fazia muito serviço, fazia foto comercial, trocava foto por
camisa, por calças, por muita coisa.
P/1 – Havia uma disputa na época também, quando você esteve no sindicato,
que era essa questão do repórter fotográfico e do repórter cinematográfico,
muitos não tinham cursado uma faculdade e tinham um registro especial, não
tinham registro como jornalista, mas como repórter fotográfico e repórter
cinematográfico.
R – Exatamente, eu fui o primeiro repórter fotográfico na cidade a ter o registro
de jornalista, foi uma novidade.
P/1 – Você foi então o primeiro repórter fotográfico formado numa faculdade?
R – Formado na Universidade de Juiz de Fora.
P/1 – Isso te criou algum tipo de atrito, com os colegas autodidatas na
profissão?
R – Não. De jeito nenhum, eu era fotógrafo, eu optei por isso, não podia ficar
em pé em cima deles, eu precisava deles, éramos muito unidos.
P/1 – Um fotógrafo brasileiro e depois algum estrangeiro, que te inspiraram na
carreira como fotojornalismo?
R – Naquela época?
P/1 – É.
R – Eu vou contar uma coisa, antes de responder isso eu vou contar uma coisa
para você. A década de 70 eu recebi um folheto da Revista Times, falando que
se você mandasse aquele folheto assinado você receberia, você fazia a
assinatura da revista, a Revista Times era tabloide colorida, um papel fino, mas
um papel muito bom, e o fotojornalismo era muito bom naquela revista, as
vezes as fotos de guerra, de conflito eram página inteira, eu mandei aquele
folheto eu não sei por que cargas d’água, se os Estados Unidos queriam
aculturação americana no Brasil naquela época, década de 70, eu recebia todo
mês duas revistas iguais, eles mandaram de graça, eu fiquei recebendo isso
dois anos. Então, o que é que eu fazia? Uma das revistas eu cortava e fazia
um mosaico na parede da minha casa, em frente a parede onde eu dormia, no
meu quarto, aquilo, Christina, o fato de eu acordar e dormindo vendo aquilo,
quando eu comecei a trabalhar com fotografia os enquadramentos se tornaram
automáticos, entendeu? Agora as pessoas que eu me espelhava, eu nunca me
espelhei em ninguém na década de 80 em Juiz de Fora. A única pessoa que eu
conhecia e que eu via foto era Jorge Couri, Toninho Carvalho e Toninho Maria.
A nível do Brasil, o Jorge Araújo da Agência F4, eram pessoas que divulgavam
as fotos, naquela época não se divulgavam fotos, não tinham livros de
fotografias, não se falava sobre os fotógrafos, não tinha nada, era raro um
fotógrafo lançar um livro de fotos autorais, era raro, então a gente não tinha
muito conhecimento, eu não tenho um fotógrafo não tinha ninguém como
referência não, a minha formação era autodidata mesmo.
P/1 – E hoje alguém que seja para você, assim, um exemplo em termos de
fotojornalismo?
R – Só existe uma pessoa que exemplo hoje que está, que é o Sebastião
Salgado, Sebastião Salgado é um cara que me emociona todas vezes que eu
vejo uma foto dele, publica as fotos dele, o último livro dele Gêneses, as
últimas entrevistas assisti todas, praticamente, é sempre uma emoção ver a
carga que esse cara carrega, lembrei de algumas coisas que aconteceram
comigo, você soube que ele quase morreu, Sebastião Salgado? Depois que ele
fez Êxodos, ele voltou de Êxodos começou a ficar doente, ficar doente, vai no
médico faz exames o médico falou: “Você não tem nada, você está morrendo,
você que quer morrer” na verdade ele estava morrendo por causa das coisas
que aconteceram com ele, o que ele viu, o que ele assistiu, o que ele vivenciou,
o que ele cheirou, aquilo estava remoendo e comendo ele por dentro. A
salvação dele, que foi a ideia da mulher dele, foi fazer Gêneses, é sair desse
campo do pessoal, porque quando ele fazia, por exemplo, Êxodos ele ficava
dentro de uma aldeia que estava migrando para outro lugar, por causa de
guerra, por causa de fome, ele ficava dois, três meses vivendo com as
pessoas, ele via as pessoas morrendo sem poder fazer nada, ele mesmo disse
que viu pessoas sendo, corpos sendo jogados, tratores levando corpos de
pessoas para enterrar porque não podia ficar, crianças morrendo e ele não
podia dar nada para a criança, isso foi comendo ele por dentro. E isso
aconteceu um pouco comigo, eu senti exatamente o que ele falou, as coisas
que a gente faz, o drama humano isso fica sempre. Hoje eu não posso ver um
filho, por exemplo, um pai ao lado de um filho num caixão de filho que eu me
emociono e começo a chorar, eu tenho que sair de perto, por causa de coisas
que eu vivi em Belo Horizonte, coisas que a gente vai vivenciando, aquilo fica
na gente, aquilo não sai. O nome é Sebastião Salgado, por causa do preto e
branco, por causa do envolvimento dele naquilo que ele faz, não é porque ele
tem o melhor equipamento, porque as fábricas fazem as objetivas que ele quer,
não é por causa disso não, por causa dele, por causa da personalidade dele,
ele começou como repórter fotográfico, ele começou um cara que saiu do
interior de Minas.
P/1 – E que é economista de formação, né?
R – Coisas que ele fala que me espelha muito.
P/1 – Tem uma coisa também que eu queria saber de você, Humberto, fotos
hoje a gente tem cada vez mais influência da foto posada, da foto produzida,
da foto publicitária, em especial nas revistas invadindo esse terreno do
fotojornalismo, que trabalha com flagrante em especial, isso te incomoda? Ou
não?
R – Incomodou sim, é porque eu soube separar, as revista periódicas semanais
são fotos posadas, basicamente são chamados bonecos, eu fiz muito frila para
Veja, Isto É, aí eu entendi qual é, são fotos posadas, não é foto flagrante,
dificilmente a Veja publicava um flagrante, só quando era um flagrante muito
bom. Porque as revistas Veja e Isto É começaram no Brasil, com sucursais em
Belo Horizonte, como desempregado da Tribuna eu trabalhei muito para a
sucursal da Isto É em Belo Horizonte, chamava Isto É BH, tinha Isto É Rio de
Janeiro, Isto É São Paulo, eram fotos direcionadas. O que é que era médico?
Muito bem, eu punha ele num ambiente e ele olhando para a câmera, às vezes
não olhando, às vezes trabalhando, mas aquela foto plástica. Hoje foto
jornalismo qual que é a foto ideal para um jornal hoje? É uma foto que tem
carga informativa, que você basta olhar para você entender o que está
acontecendo, e tem uma plasticidade, ser atrativa, o ideal, aí entra o colorido
que ajuda muito nisso, a essência. Mas você pode ver que hoje no jornalismo
hoje, não só impresso, como televisivo também, imagens desfocadas são
apresentadas como fatos reais, as imagens de celular, por exemplo, aquilo não
tem resolução nenhuma, aquilo não tem foco, aquilo é uma loucura, mas está
lá, a pancadaria comendo e a foto, aquilo atesta. Então, a carga informativa é o
que prevalece, tem que prevalecer no jornalismo, não é a plasticidade. No dia
que a plasticidade valer mais do que a carga informativa deixa de ser
fotojornalismo, aí é foto, não é fotojornalismo, é fotografia.
P/1 – Hoje os jornais têm muito assim, embate os repórteres fotográficos
certamente também, todo mundo tira fotos, as câmeras digitais facilitaram o
acesso.
R – Todo mundo é fotógrafo agora.
P/1 – Aí que eu queria como um sindicalista que você foi, você analisasse essa
questão do trabalhador nesta área, hoje está mais desvalorizado ou há uma
valorização? Porque todo mundo tira foto e com uma relativa qualidade.
R – Isso acontece uma desvalorização dos profissionais. Com o avanço
tecnológico dos equipamentos, não vai existir o repórter fotográfico, nem o
repórter cinematográfico, vai existir o profissional de imagem, o futuro é esse.
As empresas que tem rádio, jornal e TV, vão utilizar o repórter crossmídias, que
eles chamam, então, ele vai fotografar, ele vai filmar, ou seja, uma filmadora
hoje, já existem filmadoras em que você filma normal, você faz um frame, com
resolução suficiente para publicar foto no jornal, existem, são caríssimas, mas
existem. Então, o futuro é esse, um barateamento desse equipamento, então, a
câmera vai fotografar e filmar ao mesmo tempo, você vai ter a imagem no
jornal com qualidade, vai ter imagem na TV, e o repórter vai escrever para site,
vai escrever o texto diferenciado para site, para TV, para rádio, para jornal. Isso
já acontece na Europa, a Yula Rocha do SBT, todas as imagens que você vê
dela ela mesmo posiciona a câmera no tripé e filma ela mesma, ela filma, faz
matéria para o SBT, correspondente do SBT, corre e faz três textos, um texto
para site, um texto para o não sei o que, um para rádio, é isso. Eu conheci ela
em Belo Horizonte, trabalhou em Belo Horizonte. O futuro é esse. Agora a
câmera digital melhorou muito a vida de todo mundo, mas o problema da
câmera digital, desculpe interromper e acrescentando o problema de guardar
isso, como é que você vai guardar milhões de megapixels, gigabytes, o que
está acontecendo é que os jornais estão deletando, se o fotógrafo não guardar
o seu próprio trabalho vai ser tudo perdido. Porque um trabalho, por exemplo,
que você faz você escolhe de cada pauta, no jogo de futebol, por exemplo,
você guarda 20 imagens o resto é tudo deletado, numa passeata não é tudo
guardado, às vezes essa foto guardada, esse livro, por exemplo, muitas fotos
dessas foram recusadas de ser publicadas, que estão aqui, por quê? Porque
tem os negativos originais, diferente da digital não tem original, se você não
guardar não vai existir original, então o problema do equipamento digital é
esse, a memória visual que pode estar sendo perdida.
P/1 – Você ganhou prêmios como fotógrafo de jornal?
R – Ganhei alguns prêmios. O primeiro foi um desfile militar em Juiz de Fora,
um prêmio da Nikon, Photo Contest, do menino vestido de militar, como militar
mesmo em frente ao tanque, em frente a um carro bélico. A outra é uma
história interessante, que eu trouxe aqui que eu vou mostrar para vocês, todo
ano a gente fazia a Procissão de Ressureição em Ouro Preto, que aconteceu
até pouco tempo, onde as pessoas de madrugada enfeitam as ruas com
serragem coloridas, e fazer aquelas imagens de Ouro Preto. Muito bem, a
gente saía de Belo Horizonte quatro horas da manhã para chegar lá as seis,
para pegar as pessoas fazendo isso e depois a procissão no início da manhã.
E todas essas pautas a gente sempre está com dois ou três fotógrafos dos
jornais diários de Belo Horizonte junto com você, futebol trabalhava demais, no
Mineirão, por exemplo, a gente ficava um ao lado do outro, pela restrição do
espaço a gente sempre fotografava a mesma coisa, às vezes no dia seguinte
saía a mesma foto, mesmo lance de futebol, e em Ouro Preto também, todo
mundo junto. Inclusive eu queria fazer um parêntese antes de contar essas
história, você só tem a oportunidade de ser um profissional, jornalista impresso,
jornalista de texto ou repórter fotográfico pleno, se você trabalhar com
concorrência do lado. Se você não trabalha com concorrência do lado, igual
aqui em Juiz de Fora às vezes, você trabalha sozinho, você faz o que quer e
todo mundo acha bonito, agora a comparação com as edições, aí sim que vai
engrandecer você, que você vai crescer, que você vai entender. Bem! Eu
chegando em Ouro Preto, fiz algumas fotos do pessoal como sempre arrumado
as ruas e tal, e as sete horas da manhã na primeira missa na Igreja do Pilar,
vejo uma quantidade de crianças vestida de anjo, que é uma tradição, as
crianças morrendo de sono, todo mundo lá, e as mães juntos, na hora que eu vi
eu tive uma ideia, tinha um grupo de mães, devia ser do mesmo bairro, uma
coisa assim, aí eu pedi autorização para levar as crianças numa rua para fazer
uma foto. E eu fiz a foto das crianças descendo a rua, os outros fotógrafos dos
outros jornais viram eu fazendo isso, então com o respeito profissional eles não
fizeram também, é uma coisa que eu produzi. Bem! Eu já tenho um diferencial,
vou chegar em Belo Horizonte já tenho uma foto diferente, então vendi essa
foto para capa do jornal, essa foto é a foto diferencial minha, aí chega o editor
da primeira liga para mim: “Infelizmente não vai dar para publicar essa foto”
“Mas por quê?” “Porque foi vetada pelo editor” e como o jornal era da Igreja
Universal do Reino de Deus, a gente já sabia que não podia sair foto de padre,
de cruz, de imagem nenhuma, mas de anjo eu não sabia, e anjo também não
podia, eu fiquei chateado, porque aquilo era a foto diferencial minha. Bem!
Passado uns oito meses, eu escrevi essa foto num PNT internacional, o maior
concurso internacional de fotojornalismo, World Press com sede na Holanda, e
eu ganhei menção honrosa, na hora que a direção do jornal soube que eu
ganhei uma menção honrosa no World Press, aí eles fizeram uma matéria
comigo, publicaram a foto, aí sim eles publicaram a foto. “O fotógrafo do jornal
Hoje Em Dia ganha prêmio internacional”, ou seja, para o dia-a-dia não pode,
mas para prêmio pode.
P/1 – Humberto você falou que ficou 13 anos no Hoje em Dia, como você saiu
de lá? Por que saiu? Como deu a saída de lá?
R – Eu sai do Jornal Hoje Em Dia por uma contenção de despesa da firma,
quando uma empresa faz um corte eles vão na folha de pagamento, eu como
era editor adjunto, eu tinha um salário razoável, bom, razoável, para Juiz de
Fora muito bom, para BH razoável. Aí, foram oito editores adjuntos mandado
embora que uma vez só, aí eu fazia a mesma coisa quando eu fiquei
desempregado da Tribuna lá, ia começar a fazer substituição de férias do
outros jornais, porque eu aprendi uma coisa quando se trabalha com
concorrência, você sempre respeitar os colegas de trabalho. Você nunca vai
brigar com outro fotógrafo do jornal concorrente, porque um dia você pode ser
colega dele, não pode brigar com ele, você tem que ajudar ele, a gente se
ajudava uns aos outros. Aí, eu fiquei desempregado, um outro fotógrafo que
também estava desempregado, que trabalhávamos juntos, a gente até tinha
combinado de fazer alguma coisa, ele tinha um estúdio fotográfico na Savassi,
então nós combinamos, eu faço foto das coisas externas e você faz as fotos de
estúdio, vai fazendo, vai vivendo. Aí, quando eu soube que em Juiz de Fora ia
nascer um novo jornal. Inclusive esse negócio de nascer jornal já virou parte da
minha vida profissional, porque primeira equipe da Tribuna, depois a Tribuna
em BH, é outra redação nova, o Jornal Hoje Em Dia ele tinha um ano só,
depois o Jornal Panorama em Juiz de Fora. Eu soube que um empresário de
Leopoldina estava abrindo um jornal, comprou a concessão da TV Globo em
Juiz de Fora, estava montando um jornal e uma rádio. A minha mulher sempre
quis voltar para Juiz de Fora, ela sempre falou isso comigo, eu ponderei, nós
ponderamos, meus pais já velhos, e a questão de segurança em Belo
Horizonte estava ficando pesado. Eu comprei uma casa com financiamento de
Caixa e cada vez mais aumentava muro, e punha rede, punha cerca, cada vez
mais, aumentou muito a questão da violência e de assalto em Belo Horizonte,
então estava me assustando um pouco, em determinados horários você não
podia estar em determinados lugares em Belo Horizonte, coisa de cidade
grande. Fiquei sabendo desse jornal, aí fiquei sabendo que estava
regimentando currículos, eu entrei o meu currículo Fritz Utzeri, e ele me
contratou como editor de fotografia do Jornal Panorama, foi quando eu voltei
para Juiz de Fora em 2004.
P/1 – Como é que foi essa sua experiência no Jornal Panorama?
R – Foi a mesma experiência da Tribuna, muito parecida, nascendo um jornal,
como o próprio editor falou: é você pilotar um avião em aprendizagem, deslocar
o avião no ar em aprendizagem. Como eu já estava acostumado, eu tinha uma
bagagem, foi uma experiência interessante também, foi muito estressante,
Christina, muito estressante, porque a gente lidava com profissionais, que pelo
fato de não ter vivência em grande imprensa, as vezes esbarrava em ideias
antagônicas. Eu pedi para fotografia ficar dentro da redação, não, eles
isolaram, eu comecei a brigar com isso, deixa a fotografia dentro, são três
terminais só, põe dentro da redação, não, tem ficar longe, aí ficava afastado,
por que afastado da redação? Eu queria que fosse lá dentro, que é uma coisa
só, o veículo é um só. No princípio foi duro para todo mundo, muita gente tinha
saído da Tribuna para ingressar lá, pessoas competentes, muito interessantes,
que eu aprendi a conviver muito, aprendi a admirar também. E a Panorama
nasceu, você lembra muito bem, Christina, como nasceu, a gente a serviço
fazendo um jornal novo, dentro de um mercado de quase 25 anos de um outro
jornal. Foi interessante aquela mudança de standard para tabloide, aquela
loucura toda.
P/1 – Quando tempo você ficou?
R – Fiquei lá três anos e quatro meses, acabou com o Panorama ele
transformou no JF Hoje. Aí eu saí junto com o Panorama, o Panorama acabou
eu saí junto com o Panorama.
P/1 – Mas você sentia muitas mudanças nas rotinas do jornal Panorama para
aquelas que você tinha vivenciado na década de 80, da Tribuna devia ter muita
diferença.
R – A diferença básica era o deadline, na Tribuna você tinha um tempo maior,
ali você tinha que resolver aquilo ali e acabou.
P/1 – E o jornal também não era impresso aqui, era impresso no Rio de
Janeiro.
R – Exatamente, tinha esse problema também, às vezes dava problema de
transmissão, você transmitia o jornal via internet.
P/1 – Tinha uma coisa curiosa, quer dizer, você montava o jornal todo aqui,
diagramava, mas já tudo digitalmente, enviava pela internet, o jornal ele era
rodado em gráfica no Rio de Janeiro, e depois a distribuição era feita por
carros, por uma logística.
R – Era outro problema também, às vezes não chegava o jornal, às vezes
chegava todo borrado, eles falavam, que começou a roda no Globo, que o
Jornal Panorama era o aquecimento para o Globo, para as máquinas do Globo
(risos) servia para aquecer as rotativos do Globo.
P/1 – Você não chegou a trabalhar com linotipo, não? Sempre offset.
R – Sempre offset, eu cheguei a ver linotipo no Diário Mercantil, cheguei a ver
a chumbeira, eu já peguei com offset, a foto era transformada no PMT, que era
impresso na chapa para ser gravada a chapa por offset, o Juracy inovou nisso,
no offset.
P/1 – Humberto pensando nessa carreira, você nunca chegou a dar aula não?
R – Não, eu até tentei uma vez, eu tentei ser professor numa faculdade
particular, mas aí na hora lá eles preferiram pessoas que tinham pós-
graduação, e eu não tinha o título de pós-graduação.
P/1 – Só experiência.
R – Exatamente.
P/1 – O que é que você gosta de fazer além de trabalhar?
R – Além de trabalhar? Fotografar. (risos)
P/1 – Não tem a separação de trabalho e lazer para você?
R – Tem sim, agora com uma certa idade eu já estou começando a separar
sim, mas sempre que possível eu carrego a máquina e faço umas fotos ainda.
Estou procurando, estou fazendo um ensaio fotográfico da Praça da Estação,
já tem um bom tempo, pelo fato de eu gostar muito da Praça da Estação desde
a época que o meu pai tinha a loja lá. Então, estou fazendo um ensaio, aos
poucos fazendo um conjunto de fotos bem interessantes da Praça da Estação.
Eu estou muito preocupado com a Praça da Estação, eu tenho medo da Praça
da Estação pegar fogo, porque aquilo se você olhar direitinho, aquilo parece
que se pegar fogo num prédio vai pegar em tudo, eu estou muito preocupado,
outro dia, ótima notícia, eu vi uns tapumes na frente da Associação Comercial,
falei: que ótimo eles estão reformando aqui, tem um prédio ao lado da
Associação Comercial, parece que vai pegar fogo a qualquer momento, eu
estou preocupado com aquilo. A Praça da Estação não é valorizada porque é
uma região de tráfego, na verdade Juiz de Fora é separada por uma linha de
trem e um rio, ali passa todo mundo. Então, a Praça da Estação é lugar de
mendigo, até hoje é, de prostituta, até hoje, mas não deixa de ter a importância
dela, foi ali que nasceu a cidade praticamente.
P/1 – Agora você também teve uma experiência mais com assessoria de
comunicação, que nós até tínhamos esquecido de falar, é muito diferente.
R – Depois que eu saí do Panorama eu fiquei de freelancer, fiz muito freelancer
para o Estado de Minas, o Estado de Minas tinha um caderno comercial eu
fiquei muito tempo. Depois eu fui chamado para trabalhar na campanha do
Custódio em 2008, e eu comecei a trabalhar na campanha do Custódio, fui o
único fotógrafo da campanha, e ele ganhando eu entrei na prefeitura, e fiquei
quatro anos trabalhando como assessoria de imprensa. Primeira experiência
minha de fotógrafo de assessoria de imprensa, foi a primeira vez, quatro anos
na prefeitura.
P/1 – Aí um enquadramento totalmente diferente.
R – Totalmente uma foto direcionada.
P/1 – Que dialoga mais com publicitário?
R – Mais ligado ao publicitário, exatamente. Inclusive fizemos todas as fotos,
da publicidade da prefeitura nesses quatro anos, fora um caderno da Avenida
Rio Branco, foram todos feitos por nós, era eu e mais um fotógrafo e no final da
gestão mais um fotógrafo, porque estava bombando de serviço.
P/1 – Se você pudesse mudar alguma coisa na sua vida o que é que você
mudaria?
R – Isso no passado ou agora?
P/1 – Hoje, se você olhasse para trás mudaria alguma coisa?
R – Sim, porque a gente tem uns arrependimentos, mas atualmente o que
mudaria: às vezes a minha forma de ser muito sincera, às vezes eu sou muito
intransigente, muito sincero e perco amizades com isso, às vezes sou muito
sincero e direto, um pouco intransigente, mais velho estou ficando sem
paciência com certas hipocrisias. (risos)
P/1 – Você tem algum sonho assim? O maior sonho hoje, nesse momento, não
é do passado, agora.
R – Agora? Viajar, para países que eu não conheci, porque quando eu fiz
futebol, quando eu cobria futebol, setorizei na Hoje Em Dia muito anos.
Setorizei em esportes, em conheci a América do Sul todinha, fazendo futebol,
Mercosul e Copa Conmenbol fazia muito, viajava muito. Teve uma vez que eu
peguei nove aviões em uma semana, com esse equipamento digital, fazia
campeonato brasileiro, você vai para São Paulo, vai para Criciúma,
campeonato brasileiro o Atlético estava jogando, Porto Alegre, depois vai para
Buenos Aires, e depois você vai para Santiago do Chile, é assim, eu acordava
dentro do avião e não sabia onde eu estava, era comum isso, entendeu? Uma
pauleira danada. Eu gostaria de contar um caso interessante para vocês, há
pouco tempo, no dia 11 de setembro, passado se comemorou 40 anos do
golpe militar no Chile, eu tive uma experiência interessante lá. Na época que
não tinha internet você transmitia as fotos via
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