PROJETO INDIVIDUAL DE PESQUISA – Versão ampliada Renovação do projeto inicial com complementos teórico-metodológicos, novos recortes e novas perspectivas de análise. FESTAS, MÚSICAS E DANÇAS POPULARES NA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE NACIONAL BRASILEIRA III - 1870-1930 Perspectivas de pesquisa em torno das canções afro-brasileiras
Martha Abreu Niterói, 28 de fevereiro de 2003
1) Resumo da pesquisa e problematização atual:
O objetivo central do presente projeto mantém-se ligado à investigação do
processo que culminou, tanto no senso comum, como nos textos acadêmicos e literários,
com a vitória final da associação, no caso positiva, entre festa e nacionalidade, entre festas,
músicas populares e identidade brasileira, na década de 1950, como foi discutido no projeto
inicial (fevereiro de 1999).
O investimento nesta temática originou-se de uma discussão aberta pela
pesquisa que realizei anteriormente sobre as festas do Divino no Rio de Janeiro no século
XIX. Os registros destas festas populares feitas por literatos, historiadores memorialistas e
folcloristas já davam, no período, sinais claros da aproximação, se bem que nem sempre
positivamente valorizada, entre as festas e as músicas ditas populares, por um lado, e os
traços que definiam a nação ou, em escala menor, a cidade e sua gente.
Dentre os memorialistas das festas e músicas, Mello Moraes Filho foi o autor
que, no final do século XIX, mais contribuiu para a investigação que se iniciava1. Sua
principal obra, “Festas e Tradições Populares no Brasil”, abria portas para se buscar outras
1 Sobre Mello Moraes Filho, ver Abreu, Martha, O Império do Divino, Festas Religiosas e Cultura Popular no Rio de Janeiro, 1890-1900, cap.2.
formas de relação de membros das elites intelectuais com as práticas culturais populares,
no período em questão. Nem só da importação de gêneros e hábitos europeizantes viviam
os literatos ou movimentava-se o mercado editorial. A pesquisa tem demonstrado que
Mello Moraes Filho não estava sozinho. Mais do que nunca pode ser visto como um
representante, dentre vários, e, ao mesmo tempo, um divulgador, de um caminho de
convivência e articulação com as manifestações populares, o que não necessariamente
fazia apagar as diferenças, os preconceitos e os conflitos culturais presentes em seus textos.
As memórias do Divino, e das festas religiosas de um modo geral, produzidas a
partir dos anos 40 do século XX, foram as que cristalizaram a idéia da festa e de seu
público como a marca de "realce da originalidade da urbe carioca", na orgulhosa expressão
de Adolfo Morales de Los Rios em 19462. Paralelamente, acompanharam de perto, em
termos culturais, as construções que definiam o Brasil como uma mistura positiva de raças.
A partir de escritores como De Los Rios, Gastão Cruls e Vivaldo Coaracy, as tradicionais
festas da cidade ficariam definitivamente associadas à mistura de etnias, classes e cultura;
os costumes do "povo", à identidade local/nacional.
Desde o projeto aprovado em fevereiro de 1999, venho perseguindo e registrando
a produção de memorialistas e folcloristas sobre festas, músicas e danças populares, entre
1850 e 1950 (a partir de 2001, a pesquisa recebeu um novo recorte: 1870-1930),
procurando acompanhar de perto como estas manifestações começaram, gradativamente, a
ser celebradas como marcas de uma expressiva regionalidade e/ou da identidade do
“povo” brasileiro. Desde então, foi ganhando importância uma nova e importante questão:
a utilização dessas fontes para uma investigação sobre os esforços de intelectuais, entre
1870 e 1930, em prol da construção dos conceitos de cultura popular e música popular
brasileira, assim como da própria história destas práticas no Brasil. Esta perspectiva tem
contribuído para redimensionarmos não só a aplicabilidade desses conceitos, como também
os marcos tradicionais sobre o pensamento social brasileiro, em termos da valorização da
cultura popular e da mestiçagem racial.
A localização de uma discussão intelectual (de músicos e folcloristas), entre
1870 e 1930, em torno da definição e história da “música popular brasileira” e a
identificação de um significativo número de “canções” e “artistas”, valorizados e
2 De los Rios Filho, Adolfo Morales, O Rio de Janeiro Imperial. Rio de Janeiro, Ed. A Noite, 1946, p. 433.
divulgados por serem “populares”, dignos representantes do “folclore” brasileiro no
período em foco, articularam-se aos objetivos centrais do projeto de estabelecer a relação
entre a construção da identidade nacional brasileira e as visões e versões sobre as festas,
músicas e danças populares.
Se temos clareza de que precisar o possível núcleo de uma identidade nacional é
um trabalho inteiramente vão, a despeito de alguns traços coletivos que são apenas
aparentemente invariáveis, posto que sempre historicamente determinados3, a História da
construção desta identidade é uma tarefa fundamental, que há muito atrai estudiosos.
Entretanto, pouco se investiu na história da construção de um dos maiores mitos nacionais:
o de que o Brasil é um país festivo e que todo brasileiro gosta de samba.
A grande parte do estudos acadêmicos sobre a História do pensamento social
brasileiro não privilegiou a análise de autores que investigaram a “música nacional”. Deu
preferência aos trabalhos de intelectuais que, preocupados com as questões da mestiçagem,
da herança ibérica, da qualidade da natureza (flora, fauna, terra, clima) ou do homem em
ambiente tropical, sempre em busca das raízes do sentimento nacional, se dedicaram ao
discurso científico (médicos e juristas), à literatura (tais como Sílvio Romero, Lima
Barreto, Euclides da Cunha, João do Rio, Olavo Bilac, os modernistas etc), ao pensamento
político (Joaquim Nabuco, Eduardo Prado, Afonso Arinos, Graça Aranha etc), a ensaios
sociológicos (Manuel Bonfim, Álvaro Bomilcar, Alberto Torres, Jackson de Figueiredo,
Cassiano Ricardo, Monteiro Lobato, Fernando Azevedo, Gilberto Freyre etc.) ou à história
nacional (Raul Pompéia, Afonso Celso, Gonzaga Duque, Afrânio Peixoto etc.).
Certamente, nomes como os de Mello Moraes Filho, Francisco José de
Santa-Ana Néri, Julia Brito Mendes, Alexina de Magalhães Pinto, Guilherme de Mello,
Augusto Pereira da Costa, Luciano Gallet são bem menos conhecidos do que os
anteriormente citados. Para além da terra, região e raça, intelectuais ligados à música, e à
poesia popular (aspecto que ainda terei que aprofundar), entre o final do XIX e primeiras
décadas do XX, estavam engajados na definição sobre a música popular e na construção
3 Mansilla, H.C.F., “O Dilema da Identidade Nacional e do desenvolvimento autóctone em uma era de normas e metas universalistas”, Estudos Históricos, n.9, Rio de Janeiro, FGV, 1992, p. 61.
de uma história da música brasileira, sempre valorizando positivamente os seus traços
mestiços4.
Para a avaliação da dimensão dos trabalhos em questão, deve-se considerar que
suas pioneiras versões sobre a "música popular brasileira", origens e características,
mantiveram-se presentes nos trabalhos sobre o tema, nas décadas posteriores5. Ainda no
final dos anos 80 (do século XX), a idéia do histórico mestiçamento musical continuava
recorrente, como se pode verificar pela afirmação de Waldenyr Caldas no pequeno mas
divulgado livro da Série Princípios sobre "Iniciação à Música Popular Brasileira":
"A nossa música, de acordo com seus estudiosos, aparece, juntamente com os primeiros centros urbanos, no Brasil colonial do século XVIII... Mas é só a partir do final do século XIX que se configura a síntese da nossa expressão musical urbana através do hibridismo de sons indígenas, negros e portugueses".6
Dentre as inúmeras manifestações musicais citadas pelos folcloristas ligados à
música, como Guilherme Melo, Luciano Gallet e Renato Almeida, entre o final do século
XIX e início do XX, os lundus e as modinhas foram os gêneros escolhidos como exemplos
contundentes da "música popular brasileira" desde os tempos coloniais. Para estes
gêneros, os autores apresentam expressões otimistas da miscigenação em mais de um
sentido: português-negro e negro-português. Toda a mistura racial e musical atribuída a
esses gêneros é avaliada como se o processo fosse naturalmente determinado e construído:
o inexorável caminho (e história) da "música popular brasileira". As formas e os estilos de
música e dança, em detrimento das ações e criações musicais dos agentes sociais, é que
ganhavam vida própria: misturavam-se e diversificavam-se, num sentido claramente pré-
determinado. O hibridismo valorizado nas obras estudadas é sintomaticamente lançado para
4 Até o momento, tenho encontrado um número significativo de autores (a maioria deles músicos) que, entre o final do XIX e as primeiras décadas do XX, de alguma forma, se preocuparam com a definição, coleta e até mesmo com a produção de uma música erudita baseada na "música popular". Na década de 20, já marcada pela discussão do modernismo, novas revistas apresentaram a questão do folclore musical brasileiro e contariam com a presença de artigos assinados por importantes músicos e folcloristas. Dentre eles, Amadeu Amaral, Renato Almeida e Mario de Andrade. Ainda poder-se-ía destacar um grupo de maestros que, a partir do final do XIX, passaram a preocupar-se com temas brasileiros e com a pesquisa folclórica para a música erudita. Dentre eles, Alexandre Levy e Alberto Nepomucemo. 5 Ver os trabalhos de Mariza Lira, Oneyda Alvarenga, Ulysses Paranhos, Luiz Heitor e Waldenyr Caldas. José Ramos Tinhorão, apesar de não abandonar os parâmetros da identidade nacional mestiça, não se encontra nesta lista, pois a riqueza de suas pesquisas e a importância de seu trabalho mereceriam uma análise bem mais aprofundada.
o passado na busca de gêneros que comprovem a tese central. A constituição da “música
popular brasileira” parece se uma sucessão de estilos sempre mestiços: lundus, modinhas,
choros, maxixes e, finalmente, o samba.
Estas obras trazem aos historiadores de hoje grandes desafios. Como interpretar
e entender os constantes e observáveis trânsitos e sincretismos musicais entre negros e
brancos, escravos e livres, populares e senhores, nascidos no Brasil e em Portugal, sem o
viciado viés do "mito das 3 raças" e da identidade nacional mestiça?
A atual pesquisa tem demonstrado que os investimentos na definição e
construção de histórias sobre a “música popular brasileira” não se circunscreviam a
músicos e folcloristas interessados em produzir versões, umas mais outras bem menos,
otimistas sobre o futuro do Brasil e dos brasileiros festivos. As temáticas da “canção
popular” e “poesia popular” ganharam publicações e conseguiram muitas edições nas
últimas décadas do século XIX e início do XX7. A “música popular”, das ruas e do
interior, invadia os cafés, os teatros e os jornais. “Músicos populares”, muitos deles
negros, mestiços e pobres, como Eduardo das Neves e Catulo da Paixão Cearense,
alcançavam alguma notoriedade, chegando a publicar os seus próprios versos ou de autores
pertencentes ao anonimato da “poesia popular”. A “música popular” parecia ser também
um bom negócio.
Os artistas / organizadores dessas publicações urbanas, como por exemplo,
Eduardo das Neves, José de Souza Conegundes e Catulo da Paixão Cearense,
confundiam-se freqüentemente com os primeiros coletores do folclore musical, como
Mello Moraes Filho e Júlia Brito Mendes, ao revelarem um inegável orgulho pela
produção que denominavam de nacional.
A pesquisa no biênio 2001-2003 procurou investigar e discutir os significados
da emergência, entre o final do século XIX e início do XX, das discussões e publicações
em torno da “canção e da poesia populares”, em meio a um ambiente intelectual onde
dominavam ensaios de interpretação sobre o “atraso”, “barbárie” e despreparo do “povo”
6 Caldas, Waldenyr, Iniciação à Música Popular Brasileira, Rio de Janeiro, Atica, 1989, P.5. 7 Ver por exemplo, Brito Mendes, Julia, Canções Populares do Brasil, Rio de Janeiro, J.Ribeiro dos Santos, Livraria Cruz Coutinho, 1911; Moraes Filho, Mello, Cantares Brasileiros: Cancioneiro Fluminense, Rio de Janeiro, Livraria Cruz, 1900; O Trovador Moderno, Quaresma Editores, s. data; Joaquim Norberto de Souza e Silva, Nova Coleção de Hynnos, Canções e Lundus", Rio de Janeiro, 1878; Serenatas e Fadinhos, José de Souza Conegundes, Rio de janeiro, Quaresma, 1914.
brasileiro8. Para além do exotismo e regionalismo que teria invadido a cidade do Rio de
Janeiro a partir do início do século XX, apesar de toda a europeização atribuída à Belle
Époque carioca, como querem José Ramos Tinhorão, Hermano Viana e Santuza Cambraia
Neves9, avançamos no sentido de construir uma história social da música. Nesta
perspectiva, procurei identificar e avaliar a participação dos artistas ditos populares e afro-
descendentes nestas construções da música popular brasileira, assim como procurei
perceber a sua interação com os mercados editorial e fonográficos que cresciam (criamos
um banco de dados com mais de 600 artistas ditos populares e investimos na identificação
de editoras e gravadoras, ver relatório anexo). Nesse sentido dei passos importantes para se
construir uma história social da música, como pode ser avaliado pelo relatório
apresentado10.
A ampliação e avaliação das informações bibliográficas que compõem o banco
de dados sobre folcloristas e artistas populares também permitiu identificar que todo o
interesse pela música popular brasileira fazia parte de uma produção intelectual mais
ampla, ligada ao resgate do folclore brasileiro, especialmente da poesia e canção populares,
após 1860. A trajetória de vida, as publicações e gravações de Eduardo das Neves, o
conhecido “crioulo Dudu”, no final do século XIX e inicio do século XX, também
representam um movimento maior de interesse dos músicos (e pelos músicos) tidos como
populares pelas canções e poesias que consideravam como do “interior”, anônimas e
cantadas desde muito tempo pelo folclore nacional.
Este movimento intelectual esteve diretamente interessado em coletar
principalmente poesias, contos e cantos, tendo tido uma série de ramificações no campo
literário, lingüístico, musical e folclórico, propriamente dito. Assim, além dos já citados
autores, situamos uma expressiva produção bibliográfica sobre estas temáticas, que recua à
8 Naxara, Marcia Regina C., “A construção da identidade: um momento privilegiado”, In: Revista Brasileira de História, São Paulo, set.91/ag.1992, p. 184. 9 Ver Viana, Hermano, O Mistério do Samba, Rio de Janeiro, Zahar ed/UFRJ, 1995, cap. 1; . e Neves, Santuza Cambraia, O Violão Azul, Modernismo e Música Popular, Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1998. 10 A preocupação em construir uma história social da música, recuperando a trajetória e as lutas dos agentes sócias envolvidos com a questão, tem importantes interlocutores: Robert Darnton (o Beijo de Lamourette. São Paulo, Cia das Letras, 1990), , Maria Clementina P. Cunha (Carnavais e outras frestas, ensaios de História Social da Cultura. Campinas, Ed. Da Unicamp, 2002, p. 11-26); Sidney Chalhoub (Chalhoub e Pereira, L. A. M. (org.). A história contatada. Capítulos de historia social da literatura. Campinas, Ed. Unicamp, 1998).
década de 60 do século passado. Dentre eles, destacamos a obra de Juvenal Galeno (1865,
“Lendas e Canções Populares”; 1871, “Cenas Populares”), Couto de Magalhães (Tradições
Populares de Minas e São Paulo, década de 1850/1860), José de Alencar (“O Gaúcho”,
1870, “O Sertanejo”, 1871); José Maria Vaz Pinto Coelho da Cunha (“Cancioneiro popular
brasileiro”, 1879), Araripe Jr (“Poesia sertaneja”, 1875, “Cantos Populares do Ceará”,
1884), Celso de Magalhães (1873, “Romanceiro brasileiro e poesias populares”), Silvio
Romero (“Nosso Cancioneiro”, 1874, “Poesia Popular”, 1879, e “Folclore Brasileiro” de
1883), José Antonio de Freitas (“O Lirismo Brasileiro, 1877), Silvio Romero (Cantos
populares do Brasil, 1883, Poesia Popular no Brasil, 1880), João Barbosa Rodrigues
(“Lendas, Crenças e Superstições”, 1881), Vale Cabral (“Achegas ao estudo do folclore
brasileiro”, 1883-1884); Carlos von Koseritz (“Bosquejos etnológicos, 1884), Sant'Ana
Neri (Folclore Brasileiro, 1889), Guilherme Studart, (“Linguagem e Costumes do Ceará”,
1892), José Rodrigo de Carvalho, “Costumes do Ceará”, 1897, “Cancioneiro do Norte”,
1903), Luiz Tenorio Cavalcante (“Subsídio ao folclore brasileiro”, 1897); Afonso Arinos
("Música Popular", 1908), Osório Duque Estrada (Trovas do Norte, 1915).
Uma outra reflexão vem acompanhado e desafiando o projeto desde o início, as
possibilidades de análise do material registrado pelos folcloristas e memorialistas da
música, assim como as canções e poesias escritas ou editadas por artistas tidos como
populares. É exatamente nesta direção que o presente projeto pretende se dirigir.
Sempre foi o meu objetivo colocar no centro da investigação as pessoas pobres,
geralmente identificadas e discriminadas socialmente pela cor da pele, pelo local de
moradia, pelo modo de ser e vestir, pela pretensa criminalidade e, principalmente, no
passado, pela falta de “cultura”, ou pelas “não civilizadas” expressões culturais. O
problema é que esses sujeitos históricos só aparecem para o historiador através dos
suspeitos filtros dos registros de memorialistas e folcloristas, ou através de edições que se
afirmam como populares, mas reúnem canções das mais diferentes origens, inclusive de
autoria de reconhecidos intelectuais da literatura nacional. Sem dúvida, não se pode
desprezar o que já advertiram Roger Chartier sobre a origem erudita do termo cultura
popular ou Peter Burke a respeito da necessidade de prestarmos atenção para a história
deste conceito. Fruto de um movimento de “descoberta do povo”, de suas tradições e
pureza, o termo serviu para construir o “espírito” das nações européias11.
Pelo que os resultados da pesquisa tem indicado, o interesse pela “música
popular” e “poesia popular” não tiveram, no Brasil, motivos muito diferentes dos
europeus12. O que tenho procurado avaliar são os resultados deste movimento de interesse
pelo “popular”, tanto em termos de sua influência sobre o mercado editorial ligado à
música, e sobre a própria produção cultural dos que passaram a ser vistos como músicos da
cultura popular brasileira. Pretendo agora investir mais diretamente na avaliação desta
produção de canções e poesias.
Uma concepção do popular, distante das visões folcloristas de originalidade,
autenticidade e tradição, como sugere Nestor Canclini, pode nos ajudar a perceber a
dinâmica, a transformação e a heterogeneidade da manifestações culturais dos setores
populares, sempre em constante relacionamento, por vezes próximo, por vezes conflitante,
com outras tradições culturais. O popular não pode ser definido a priori, essencialmente,
mas por “estratégias diversas” com que os próprios subalternos criam se movimentam, e
também pelo “modo como o folclorista e o antropólogo levam à cena a cultura popular para
o museu ou para a academia, os sociólogos e os políticos para os partidos, os
comunicólogos para a mídia”13. Sem deixar de seguir os conselhos de Carlo Ginzburg de
que “não se deve jogar a criança fora junto com a água da bacia - ou, deixando de lado as
metáforas, a cultura popular junto com a documentação que dela nos dá uma imagem mais
ou menos deformada”14, irei investir na busca de um novo olhar sobre documentos já
conhecidos e muitas vezes desprezados pela historiografia, como é o caso dos registros de
folcloristas e das coletâneas editadas visando um grande público.
11Burke, Peter, A Cultura Popular na Idade Média Moderna. São Paulo, Cia das Letras, 1989, P.35-50; Chartier, Roger, A História Cultural, Entre Práticas e Representações. Rio de Janeiro, Ed. Bertrand, 1990. Para uma discussão mais ampla sobre o conceito de cultura popular, ver Abreu, Martha. “Cultura Popular, um conceito e várias histórias”. In Abreu e Soihet, Ensino de História. Rio de Janeiro, Casa da Palavra, 2003. 12 Canclini, Nestor, Culturas Híbridas, São Paulo, EDUSp, 1998. 13 Idem, ibidem, p.23 14 Ginzburg, Carlo, O Queijo e os Vermes. São Paulo, Cia das Letras, 1987, p.22.
2-Objetivos do atual projeto para o biênio agosto de 2003 – agosto de 2005
Reunir as canções e versos, publicadas nas obras de folcloristas, nas edições “populares”
para o grande público e nas gravações de discos, que se identificam com a temática das
relações raciais e/ou condições de vida da população pobre e mestiça, em particular os
escravos e afro-descententes, procurando investigar as relações entre música, identidade
racial/nacional e protesto social.
Dar prosseguimento à construção de uma história social da música, entre o final do século
XIX e início do XX, através do trabalho com o banco de dados sobre os ditos artistas
populares e do aprofundamento da trajetória artística de Eduardo das Neves. A partir deste
cantor e compositor, dar prosseguimento à análise sobre a produção editorial e musical da
cidade do Rio de Janeiro, no período em questão, buscando os caminhos de articulação
entre a produção editorial e fonográfica.
Investir na reflexão e revisão sobre os tradicionais marcos do pensamento social brasileiro
em relação às associações entre as imagens do Brasil e a valorização da mestiçagem,
incorporando as discussões desta pesquisa sobre folclore, música popular, poesia popular,
canções afro-brasileiras e identidade nacional.
Organizar um livro que reúna todas as fases do projeto “Festas, músicas e danças
populares na formação da identidade nacional brasileira, 1870-1930 (fases I, II, II)”. O livro
teria os seguintes capítulos: 1)A problemática dos estudos de folclore no Brasil; 2) Musica
popular e identidade nacional, uma relação construída; 3) Por uma história social da
música: artistas, intelectuais e mercado editorial; 4) Eduardo das Neves, o trovador da
malandragem e sua visão do Brasil crioulo; 5) Canções afro-brasileiras: a música como
forma de identidade e protesto social.
Contribuir para o debate historiográfico em torno da noção de cultura popular e formar
pesquisadores nesta temática, avaliando as possibilidades de utilização deste conceito e
seus desdobramentos, como música popular, religiosidade popular e festas populares, na
pesquisa e no ensino de História.
3) Novas questões teórico-metodológicas
Priorizando neste atual projeto a análise das canções e poesias recolhidas por
folcloristas ou publicadas em edições de grande circulação, que enfoquem principalmente
temáticas ligadas aos afro-descendentes e às relações raciais, é fundamental uma reflexão
mais aprofundada em torno deste tipo de opção.
O registro das letras e temáticas das chamadas canções populares esteve presente
desde a primeira etapa deste projeto. Sempre pretendi avaliar as possibilidades de análise
do material coletado por folcloristas e divulgados pelas editoras e gravadoras de discos,
visando compreender certos aspectos da vida, da construção de identidades, da luta pela
sobrevivência e felicidade dos chamados setores populares. Mas muitos problemas
colocavam-se para este tipo de investigação, em função das fontes que se encontravam
disponíveis: os registros de terceiros sobre estas canções, a dificuldade de datação e de
estabelecimento da origem social dos seus pretensos autores. Os folcloristas nunca se
preocuparam com estas questões; as coletâneas urbanas estabeleciam autorias duvidosas e
muitas vezes não identificavam a origem ou a autoria da canção publicada. Assim, sempre
caminhei privilegiando a análise das construções sobre o popular e sobre a música popular;
sempre busquei rastrear os sujeitos sociais, cantores ou organizadores das coletâneas,
sempre preocupei-me mais com os problemas que envolviam a divulgação e circulação dos
livros e discos.
Entretanto, ao longo destes anos, a experiência e o amadurecimento em relação a
essas fontes permitem-me propor com mais confiança uma análise de conteúdo,
especialmente ligada à presença nestas canções – em tese originárias do final do século
XIX e início do XX - de questões raciais, de temas ligados à escravidão, à liberdade e à
luta pela cidadania dos afro-descendentes. Depois de um ensaio muito proveitoso na
análise da temática das mulatas, pretendo seguir em frente, investigando as relações que se
construíram no período em questão entre identidade étnica, perspectivas de vida e
identidade nacional nas canções que envolveram a população afro-descendente (como
cantores, autores ou divulgadores dessas letras).
Evidentemente, procurarei não perder de vista a identificação dos possíveis sujeitos
sociais, autores, cantores e divulgadores (editoras e divulgadoras) destas canções,
estratégias fundamentais de uma história social da música, como venho me propondo a
construir. Para isso, será importante continuar centralizando a investigação na produção
artística do “crioulo” Eduardo das Neves, que poderá fornecer uma importante referência
de comparação para a análise de canções coletadas por folcloristas no “interior”, onde
esperavam encontrar a autêntica cultura brasileira. Dudu das Neves cantou de tudo:
canções de sua autoria, de outros, de parceiros, do “interior” e ditas folclóricas. Pode-se até
imaginar que algumas canções recolhidas por folcloristas no “interior”, em períodos
posteriores às publicações de Eduardo das Neves, fossem de autoria deste famoso cantor.
Suas canções e apresentações circulavam por todo o Brasil.
Outra justificativa importante para a valorização deste caminho de pesquisa é a
presença significativa de letras de canções com temáticas ligadas aos afro-descendentes,
que não foram investigadas pela historiografia até o momento. Uma das possibilidades de
explicação para esta lacuna diz respeito à própria construção da história do folclore no
Brasil, que estabeleceu julgamentos muito negativos sobre a produção folclorista anterior à
década de 1940, quando, segundo Luis Rodolfo Vilhena, era criado o “Movimento
Folclórico Brasileiro”15. Até mesmo antes, os modernistas dos anos de 1920 e 1930
chamavam para si a grande descoberta do folclore como marca de uma especificidade
brasileira, especialmente em termos musicais16, desprezando iniciativas anteriores, que
tinham o mesmo sentido. Todos estes julgamentos negativos sobre a produção folclorista
antes da década de 1920 devem ter afastado os primeiros interessados.
Como tenho mostrado, é verdade que estes estudos de folclore são realmente
problemáticos em termos de identificação das fontes ou da associação das manifestações
15 Ver VILHENA, L. Rodolfo, Projeto e Missão: O Movimento Folclórico Brasileiro, 1947-1964, Funarte/Fundação Getúlio Vargas, 1997. . 16 Ver Abreu, Martha. Histórias da "Música Popular Brasileira", uma análise da produção sobre o período colonial. In: Jancsó, I. e Kantor I., Festa: Cultura e Sociabilidade na América Portuguesa. São Paulo, Imprensa Oficial, Hucitec, Edusp, Fapesp, 2001.
populares com uma certa identidade nacional. Mas os mais recentes folcloristas também
não podem se vangloriar por seguir regras da cientificidade muito mais aceitáveis. Por mais
que sempre tenham existido diferenças e divisões entre os focloristas, de qualquer tempo17,
eles comungavam de certos pressupostos e práticas que dificultam o trabalho do historiador
com a sua produção. Valorizaram os registros obtidos a partir da cultura rural oral de seus
informantes, defendendo a concepção de que inexistiam autores entre as manifestações
populares. Ambas perspectivas eram importantes para a construção de seus veredictos sobre
a autenticidade do que definiam como cultura popular (posto que reprodutora de tradições
de tempos imemoriais). Por sua vez, a autenticidade da cultura popular era fundamental
para que pudessem legitimar a expressão da verdadeira singularidade nacional.
Ao valorizarem o tradicional e o que permanecia, como traços de uma identidade
cultural e étnica, marcada pela integração cultural sincrética das 3 raças (também conhecida
como a “fábula da união das três raças”), o pensamento sociológico das décadas de 1950 e
1960, liderado pela Universidade de São Paulo (USP) de Florestan Fernandes, Roger
Bastide e Maria Isaura Pereira de Queiroz, tornou-se um dos maiores críticos dos
folcloristas, pois passava a considerar as culturas populares no âmbito da modernização, da
mudança social e das desigualdades sociais. Os folcloristas e o folclore passaram a receber
críticas profundas por defenderem uma prática tida como não científica, em função de seu
pretenso caráter mais descritivo que interpretativo, e por ficarem identificados às forças
mais conservadoras de uma sociedade que rapidamente se transformava, cheia de conflitos
sociais. Acabaram sendo marginalizados nas universidades e esquecidos pela
intelectualidade de esquerda, como bem demonstrou Luis Rodolfo Vilhena. As críticas
tiveram uma tal repercussão que a expressão folclore hoje possui significados negativos,
assumindo até mesmo conotações ligadas ao anedótico e ao ridículo.
O resultado de todo este debate em torno do folclore, na década de 1960,
principalmente, foi muito além da desvalorização da produção acadêmica dos folcloristas e
do folclore. Passaram também para segundo plano as discussões sobre os significados das
práticas culturais ditas tradicionais, populares ou não (festas religiosas, por exemplo), e a
reflexão sobre a dinâmica das intensas trocas culturais (interior/urbano; popular/erudito) na
17 Ver Vilhena, op.cit. e Abreu, Martha. Câmara Cascudo para historiadores. In: Sesmaria. N.1, ano 1, Rio de Janeiro, NEHPS, Faculdadade de Filosofia de Campo Grande, 2001.
sociedade brasileira. Evidentemente, os estudos de folclore diziam muito pouco sobre como
se processava a dominação. Não se preocupavam em conhecer os problemas e a real
situação das classes populares em foco. Idealizavam um autêntico “povo rural” que não
ameaçava a ordem social. Preferiam pensar as culturas populares como diferentes e não
como partes que também eram (e são) de um sistema de dominação.
Mas, para além de todos estes limites corretamente colocados às obras dos
folcloristas como caminhos de compreensão do Brasil, deve-se tratar esta documentação
como uma fonte qualquer, onde as operações básicas do historiador entrem em ação, como
a historização do documento, a sua inserção no movimento da sociedade e a investigação
de suas condições de produção, e coleta, quando possível18. Não tenho dúvidas de que só
teremos acesso à produções dos ditos “de baixo” através de seus variados filtros, sejam
autoridades judiciárias, médicos, filantropos, professores e folcloristas.
O historiador inglês E.P Thompson, em uma palestra proferida na Índia, em 1977,
quando valorizava os trabalhos de história que procuravam investigar o folclore e a
tradição, como ótimas oportunidades para se estudar os costumes antigos e seus
significados sociais, declarou ficar “roxo de inveja” ao reconhecer que na Índia “um
especialista indiano contemporâneo”, podia coletar durante a pesquisa em vilarejos, “1500
canções populares, 200 histórias, 175 adivinhações, 800 provérbios e algumas simpatias”.
“O folclore na Inglaterra é, na maior parte, uma compilação literária de resquícios dos
séculos XVIII e XIX, testemunhos coletados por párocos e educados antiquários, que os
reconheciam por detrás da fronteira de classe da condescendência”19. Tomando-se as
devidas precauções, entendo que se deva levar em conta esta inveja de Thompson, e buscar
analisar os inúmeros e riquíssimos registros dos folcloristas brasileiros.
O conjunto de fontes que será analisado – e que se encontra registrado no banco
dos folcloristas - possui diferenças que devem ser explicadas: uma parte é fruto de
trabalhos de folcloristas ou de literatos preocupados com o registro do folclore brasileiro,
que, buscavam encontrar (como também inventar) o “popular” em áreas do interior do
18 A discussão sobre a utilização das fontes dos folcloristas já foram longamente debatidas por historiadores europeus. Ver Burke, P. BURKE, Peter, A Cultura Popular na Idade Moderna. São Paulo, Cia das Letras, 1989.
sudeste, entre o que chamavam de "gente simples", negros e mestiços de um modo geral; a
outra é o resultado das coletâneas de "músicas populares" (algumas vezes com canções de
autoria reconhecida) ou do "cancioneiro popular", organizadas por músicos ou pelas
próprias editoras e publicadas em livros de grande circulação, entre 1890 e 1920 (muitas
vezes também gravadas em discos).
Apesar das diferenças qualitativas em relação à natureza e autoria dos dois
conjuntos de fontes – um mais ligado ao folclore do interior e o outro ao que se definia por
“música popular” urbana - não se deve estabelecer, em princípio, uma rígida separação
entre eles. Muitas das chamadas "canções populares" publicadas e divulgadas na capital
para o grande público, eram tidas como provenientes do interior e podiam ser organizadas
por declarados apreciadores do folclore. Se os folcloristas de modo geral não revelam as
fontes de seus registros, muitas canções das coletâneas urbanas, de uma forma parecida,
não aparecem com autores declarados20. Por outro lado, quando a autoria é registrada, nada
garante que não fosse uma adaptação de algum verso do interior ou que já tivesse grande
circulação nas cidades21. Muitas canções estão presentes em edições de folcloristas e em
edições grande circulação.
A preocupação dos folcloristas em definir como brasileira o que encontravam na
chamada "música popular" também pode ser localizada nas publicações urbanas
organizadas por músicos que ganhavam reconhecimento, pois também faziam acompanhar
a mesma adjetivação nos títulos de suas coletâneas. Os músicos Eduardo das Neves e
Catullo da Paixão Cearense, por exemplo, aproximam-se dos primeiros coletores do
folclore musical, como Mello Moraes Filho e Júlia Brito Mendes, ao revelarem um
inegável orgulho pela produção que denominavam de “nacional” em suas coletâneas. Estas
aproximações, se demonstram o quanto músicos e intelectuais ligados à música e ao
folclore investiam na fabricação do “popular” e “nacional”, certamente mais mestiço que
19 THOMPSON, E. P. “Folclore, Antropologia e História Social”. In: As Peculiaridades dos Ingleses e outros ensaios. Campinas, Ed. Da Unicamp, 2001, p. 233 20 Um comentário de Osório Duque Estrada, em 1907, no livro “Trovas Populares” (Tipografia Moderna, Petrópolis, 1907, p.12) ajuda evidenciarmos esta característica. Reunindo versos do interior e das cidades, Duque Estrada afirma que “algumas trovas são de criação puramente anônima; outras de cunho individual, mas de que as massas se apossaram como, por exemplo, as modinhas, que pouco e pouco se vão tornando anônimas” 21 Sobre esta possibilidade nas primeiras músicas reconhecidas como sambas no Rio de Janeiro, ver Samdroni, C. Feitiço Decente. Transformações do samba no Rio de Janeiro (1917-1933). Rio de Janeiro, Zahar ed./ Ed. UFRJ, 2001, p.143-155.
negro, revelam a circulação, nos ambientes artísticos e intelectuais urbanos, das
preocupações e representações sobre a formação do “nacional”, do “popular” e do
mestiçamento das raças e culturas no Brasil.
Embora essas considerações não sejam suficientes para uma definitiva
explicação sobre a representatividade social das canções que analisarei, vou procurar
evidenciar que, por mais que muitas destas canções tivessem trânsito - ou tivessem até
mesmo sido deturpadas pelos folcloristas ou por representantes de segmentos artísticos
mais eruditos - o seu conteúdo não pode ser resumido aos estreitos parâmetros do
pensamento cientificista sobre os afro-descendentes. Não cabem inteiramente nos
preconceituosos julgamentos em geral atribuídos a esta população. A presença dos afro-
descendentes nas canções registradas reúnem um conjunto variado de temáticas: as agruras
da escravidão, as imagens de africanos, negros, mulatos e mulatas, a conquista da
liberdade, críticas à escravidão, ironias aos senhores e senhoras, problemas do cotidiano
etc. As canções que serão analisadas podem representar uma especial versão, musical e
irônica, dos conflitos sociais, culturais e amorosos presentes numa sociedade que
precisava reorganizar os mecanismos de dominação e controle no período pós-abolição22.
Em alguns casos, como em Eduardo das Neves, chegariam a divulgar uma forma de crítica
e oposição frontal à nova disciplina de trabalho livre, através do elogio ao “crioulo
malandro”.
Levar em consideração os significados da música, e também da dança, para as
comunidades afro-descendentes nas Américas é um bom caminho para se pensar a
dimensão das canções e seus versos no período escravista e no pós-abolição. Se no Brasil
não encontrei referências de trabalhos historiográficos recentes com esta perspectiva, nos
Estados Unidos são antigos os investimentos acadêmicos que destacam a presença de
22 Sobre as discussões em torno da formação do mercado de trabalho livre no Brasil, ver Chalhoub, Sidney, Trabalho, Lar e Botequim, O cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da Belle Époque, Rio de Janeiro, Brasiliense, 1986, e Visões da Liberdade, uma História das últimas décadas da escravidão na Corte, São Paulo, Cia das Letras, 1990; Badaró, Marcelo, Contravenções no Rio de Janeiro no início do século, Revista do Rio de Janeiro, n. 1, Rio de Janeiro, UERJ, 1992.
canções, poesias e contos, marcados por sátiras, ridicularizações, recriminações, insultos
e ironias nas produções artísticas de afro-americanos neste país e no Caribe. Para alguns
autores, estes traços podem ser atribuídos a uma herança africana, especialmente da África
ocidental, onde as canções envolvem críticas pessoais, sociais e políticas, especialmente na
direção de abusos dos poderosos. A sátira nas comunidades africanas teria o sentido de
liberar frustrações e unir a comunidade. Nas Américas, os senhores teriam sido os alvos
prediletos destas sátiras, que revelaram uma sofisticada arma de resistência dos afro-
americanos contra a opressão. Nos Estados Unidos, esta estratégia encontrava-se presente
em cantos de trabalho e em paródias sobre a própria condição dos escravos e negros, frente
aos mulatos e homens brancos23.
Procurando seguir esta perspectiva, ampliei significativamente um artigo sobre a
temática das mulatas nas “canções populares” do pós-abolição, conseguindo delimitar
outros possíveis significados para a sua tão decantada valorização, para além da exploração
sexual dos senhores “brancos” sobre os corpos de negras e mestiças. Afinal, afro-
descendentes, como Eduardo das Neves, também cantavam as belezas da mulata, criavam
um espaço de identidade não-branca no pós-abolição e valorizavam o seu papel de destaque
na própria formação da Nação, mesmo que em canções que expressavam humor, sátira e
malícia24. De uma forma próxima a minha pesquisa, o historiador Willian Piersen afirma
23 Ver, Caponi, G. D. “The case for na African American Aesthetic”. In: Caponi, G. .D., A reader in African American expressive culture. Massachusetts, The University of Massachusetts Press, 1999; Cowley, J. Carnival, Canboulay and Calypso, traditions in the making. Cambridge, Cambridge Universty Press, 1998. Na década de 1970 publicava-se um livro que se tornou referência para os estudos sobre cultura escrava a partir de relatos de folcloristas: Levine, L. W. Black Culture and Black Consciousness. Oxford, Oxford University Press, 1978. Sobre o Caribe, a produção é também bastante significativa. Ver Richard Burton, Afro-Creole: Power, Opposition, and Play in the Caribbean; Daniel Miler, Modernity: An Ethnographic Approach: Dualism and Mass Consumption in Trinidad is also interesting on Trinidad carnival and popular music; Gordon Rohlehr, Calypso and Society in Pre-Independence Trinidad; Keith Warner, Kaiso! The Trinidad Calypso: A Study of the Calypso as Oral Literature, dentre outros. 24 Ver Abreu, Martha. Mulatas, Crioulos e Morenas: hierarquias raciais, relações de gênero e identidade nacional nas canções de amor do pós-abolição. Sudeste do Brasil, 1890-1920 (no prelo). A estratégia de valorização da mulher afro-descendente, através da mestiça e da mulata, na luta dos negros pode ser encontrada em outros períodos da história do Brasil e em outras sociedades. Esta estratégia, no caso brasileiro, não significou uma subordinação do movimento à crença da democracia racial. Ver concursos para a escolha da Rainha das Mulatas, na década de 1940, no jornal negro “O Quilombo”, em Maués, M. A. de Motta. “Entre o branqueamento e a negritude: o TEM e o debate da questão racial”. Rio de Janeiro, Dionysios, n. 28, Teatro Experimental do Negro, MINC/Fundacen, 1988, p. 92, citado por Guimarães, Antônio Sergio A, Classes, raças e democracia, São Paulo, Ed. 34, 2002, p. 145. Nos Estados Unidos, estudando a construção da beleza das mulheres afro-descendentes, no início do século XX, em jornais organizados pelas comunidades negras, Máxime Leeds Craig, demonstra o quanto foi importante a estratégia de afirmação da beleza da mulher negra em contraposição às ações segregacionistas que difundiam imagens sobre os seus
que, como uma forma de se defenderem ou criticarem do poder senhorial de atrair as
mulheres negras, muitas canções dos afro-descendentes no sul dos Estados Unidos e Caribe
procuraram fazer ironias ou humor sobre esta situação. Como exemplos, o autor destaca a
existência de canções envolvendo a cobiça do homem negro sobre a mulher do senhor,
assim como versos que apontavam a “inevitável conversão do homem branco à idéia da
superioridade da mulher de cor”25. A explicação para o interesse do senhor e do homem
branco não estaria, nestas canções, na fraqueza do homem negro, mas na força da mulher
afro-descendente.
Entre os tradicionais historiadores da música no Brasil, o gênero lundu é
definido como de origem africana, embora tenha se expandido nos salões mais
aristocráticos, a partir do século XIX, através da incorporação de novos sentidos, como o
caráter irônico e satírico de muitas canções apresentados26. Pretendo mostrar que o tom
irônico dos lundus talvez não fosse apenas a expressão de uma estratégia dos intelectuais
brancos para levar estas canções aos salões e teatros mais chiques. Em meio a algumas
ambigüidades, é bem verdade, pretendo argumentar que os lundus e canções que serão
analisados apresentam outros possíveis caminhos construídos pelos afro-descendentes
para lutarem pela liberdade e autonomia, ou incluírem-se, após 1888, numa Nação, que
não estava muito disposta a aceitá-los; para projetarem os seus sonhos e para criticarem
as desigualdades sociais e raciais, que insistiam em perpetuar-se após o fim da
escravidão.
Especial atenção deve ser dada ao que Artur Ramos (1903-1949) chamou de
“folclore do Pai João”. Ou seja, canções, contos, anedotas, adivinhas e desafios de
diferentes procedências e períodos que giravam em torno deste personagem, envolto em
muitas histórias e lendas. Segundo o reconhecido folclorista da década de 1940, Pai João, o
negro velho das fazendas, é uma espécie de símbolo, “onde se condensam várias
personagens: o griot das selvas africanas, guardador e transmissor da tradição, o velho
aspectos feios e bárbaros. Nesta construção, entretanto, como no Brasil, iria emergir o ideal da beleza da mulher mulata. Para o autor, os concursos de beleza realizados, considerados como uma instituição da comunidade negra, não eram completamente dominados, nem inteiramente autônomos dos valores estéticos dominantes. Craig, M. L. Ain’t I a Beauty Queen? Black human, beauty and the politics of race. Oxford, Oxford Universiy Press, 2002, P.45 - 64. 25 Piersen, W. “A Resistance Too Civilized to Notice”. In: : Caponi, G. .D., A reader in African American expressive culture. Massachusetts, The University of Massachusetts Press, 1999, p.359.
escravo conhecedor das crônicas de família, o bardo, o músico cantador de melopéias
nostálgicas, o mestre de cerimônias dos jogos e autos populares negros, o rei ou príncipe
destronado de monarquias históricas ou lendárias (Príncipe Oba, Chico-Rei...”. Toda a
poesia afro-brasileira poderia ser reunida em torno da expressão “folclore do Pai João”, um
folclore negro, fruto da opressão branca27.
Artur Ramos, entretanto, chega a reconhecer que Pai João não se expressava
apenas de uma forma “resignada”, melancólica e “mansa”, ao cantar as tradições africanas
e a “longa e odiosa” história da escravidão, “de opressão e martírio”. Afirma que havia
sátira e ironia nas suas canções; admitindo, mesmo que depois mude de idéia, que os
germes da revolta estavam presentes neste folclore. Na sua conclusão, acaba defendendo
ser o folclore uma “revolta resignada”. Para o autor, “Pai João” era a antítese do
quilombola revoltado28.
Esta visão do “Pai João”, como o oposto ao quilombola, iria ganhar terreno na
historiografia sobre a escravidão, especialmente depois do livro clássico de João Reis e
Eduardo Silva, “Negociação e Conflito”, de 1988. Ironicamente, os autores, grandes
pesquisadores das formas de resistência dos escravos, e articuladores de uma visão que
busca resgatar a autonomia cultural desta população e de seus descendentes na ampliação
dos canais de negociação na sociedade escravista, ainda aprofundariam a imagem passiva
de “Pai João”. Caracterizaram-no como representante da “submissão conformada”, sempre
oposta a “ira sagrada” dos Zumbis. O próprio título do capítulo, estimulando a oposição, é
“Entre Zumbi e Pai João, o escravo que negocia”29.
Pretendo mostrar, com as inúmeras letras de canções e poesias, que estas
visões e versões sobre “Pai João” não cabem nos estreitos limites da passividade, da
antítese de Zumbi, ou mesmo da negociação. O folclore do “Pai João”, com suas ironias e
26 Ver Abreu, Martha. O Império do Divino. Festas religiosas e cultura popular no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Nova Fronteira, 1999. 27 Todas as referências a Artur Ramos estão em: O Folclore negro no Brasil. Rio de Janeiro, Livraria Editora da Casa do Estudante do Brasil, s/data, p. 231- 232. 28 Idem, p. 232. 29 Reis, João e Silva, Eduardo, Negociação e Conflito. A Resistência negra no Brasil escravista. São Paulo, Cia das Letras, 1989, p. 13.
sátiras sobre vários aspectos da vida (por exemplo, com temáticas que criticam as
diferenças entre negros e brancos, que afirmam irreverentes atitudes frente a senhores e
senhoras) é muitas vezes bastante desconcertante, podendo abrir caminho para uma nova
reflexão em torno dos significados da música, da dança e da poesia para os escravos e seus
descendentes. Para muito além da resignação, identifica-se a criação e o fortalecimento de
identidades afro-brasileiras, percebe-se a expressão de diferentes e criativas formas de
protesto e integração na sociedade envolvente. Por fim, estas canções podem ter também
significado uma espécie de “vingança do negro”, recuperando a perspicaz frase do
folclorista Artur Ramos30.
Um ótimo exemplo desta possibilidade de interpretação encontra-se em lundu
registrado por José Rodrigo de Carvalho, folclorista cearense, que viveu entre 1867 – 1935,
e presidiu a comissão de folclore no 1o. congresso afro-brasileiro (Recife-PE), no início dos
anos 30: “Canta Pai João: Deus primita que chegue sábio, Que meu sinhô vai p’ra feira, Pra eu ficar com mim sinhora Sentadinhos de cadeira.... Pai João não gosta de negra: Deus primita que chegu rumingo Que meu sinhô vá p’ra missa P’ra eu ficar com mim senhora Comendo boa lingüiça Bravos, sinhá moça... Bravos assim.... “
30 Ver Abreu, Martha. “Crianças negras e crianças problemas no pensamento de Nina Rodrigues e Artur Ramos. In: Crianças desvalidas, indígenas e negras no Brasil. Rio de Janeiro, Ed. Universitária Santa Úrsula, 2000.
4- Eixos da Pesquisa e fontes
A partir dos avanços da pesquisa, dos objetivos traçados e das novas questões teóricas e
recortes adotados, estabeleci 2 grandes eixos de pesquisa para o biênio agosto de 2003 –
agosto de 2005.
A) Reunião e análise das canções e versos publicados por folcloristas ou por editoras
de grande circulação, entre 1870 e 1930, ligados às temáticas que envolvem os afro-
descendentes (críticas à escravidão e às relações raciais, problemas do cotidiano, luta por
direitos, ironias com senhores etc)31. Este conjunto de fontes, que, em grande parte, se
encontra catalogado no banco de dados, será organizado a partir dos seguintes critérios:
gênero musical, temas, locais de publicação, autoria reconhecida, origem provável da
canção.
Paralelamente, terá continuidade o levantamento e a seleção da produção
bibliográfica ligada ao folclore sobre “músicas, canções e poesias populares”. Procurarei
dar prioridade, mas não exclusividade, para as obras referentes às regiões do Rio de Janeiro
e São Paulo, em função da localização das editoras.
Alguns exemplos de canções já identificadas podem dar uma boa idéia da riqueza
do material: Pai Francisco (lundu que narra a vida de um escravo que consegue a alforria e
se alegra por não ter mais senhor; estes versos estão presentes em coletâneas de vários
folcloristas); Pai José (lundu que se refere ao poder dos senhores, apesar dos inúmeros
“mexericos” na cozinha e da liberdade alcançada; os versos estão presentes na coletânea de
Alexina de Magalhães, do início do século XX); Mestre Domingos (lundu sobre um negro
atrevido que seduz a própria senhora; letra divulgada por folcloristas e por Eduardo das
Neves no livro “O Trovador da Malandragem”); lundus sobre o 13 de maio e sobre a
abolição (muitos destes versos foram publicados por folcloristas em várias épocas); lundu
ironizando os castigos físicos (versos publicados por folcloristas); e canções valorizando os
31 Uma outra fonte que poderia ser investigada são os contos afro-brasileiros. Mas este caminho, apesar de promissor, ampliaria em demasia o número de fontes e problemas a serem analisados.
“pretos velhos” (registros de folcloristas e canção gravada por Eduardo das Neves); canções
envolvendo o duro trabalho escravo ou a alegria com a fé em São Benedito; lundus
criticando as imagens sobre negros, mulatos e brancos, e as proibições de batuques (versões
presentes em vários folcloristas).
Reproduzo abaixo integralmente duas divulgadas canções para que se possa
perceber como expressam irreverentes percepções das desigualdades entre “negros” e
“brancos” através do humor. A primeira é uma versão do “Pai João” que se encontra na
obra de Julia de Brito Mendes, uma típica pianista folclorista, do início do século XX, que
declara ter recolhido a canção da “tradição oral”, sem contudo especificar o local e o ano.
A obra completa, “Canções Populares do Brasil”, foi publicada, em 1911, pela Livraria
Cruz Coutinho. É importante destacar que este lundu foi transcrito em uma linguagem que
procurava “copiar” o linguajar popular, a chamada “língua de preto”.
“Quando iô tava na minha tera Iô chamava capitão, Chega em tera dim baranco, Iô me chama – Pai João. Quando iô tava na minha tera Comia minha garinha, Chega na terá dim baranco, Cáne sêca co farinha Quando iô tava na minha tera Iô chamava generá, Chega na terá dim baranco Pega o cêto vai ganhá. Dizofôro dim baranco Nó si póri aturá, Tá comendo, tá....drumindo, Manda negro trabaiá. Baranco – dize quando môre Jezuchrisso que levou, E o pretinho quando môre Foi cachaxa que matou. Quando baranco vai na venda Logo dizi ta ‘squentáro
Nosso preto vai na venda, Acha copo tá viráro. Baranco dize – preto fruta, Preto fruta co rezão; Sinhô baranco também fruta Quando panha casião. Nosso preto fruta garinha Fruta sacco de fuijão; Sinhô baranco quando fruta Fruta prata e patacão. Nosso preto quando fruta Vai pará na coreção, Sinhô baranco quando fruta, Logo sai sinhô barão.
Localizei outras versões deste lundu em diferentes obras de folcloristas posteriores,
como Rossini Tavares de Lima e Mariza Lyra, mas a mais impressionante versão, para os
objetivos desta pesquisa, foi a que localizei nos arquivos da Casa Edson, hoje reunidos no
Instituto Moreira Sales, numa gravação de Eduardo das Neves pela Odeon (n.120351), em
1912. Na identificação do lundu, “Preto forro alegre”, associado agora a Pai Francisco, a
autoria é atribuída ao próprio cantor. As canções folclóricas passavam a ter e encontravam
divulgação através da indústria fonográfica norte-americana!
“Quando meu sinhô me disse
Pai Francisco venha cá
Vai buscar papel e pena
Que você vai se forrar
Refrão:
E eu ficô
Como um sarapatalho
Como um Gambá...
Quando eu vim da minha terra
2x
Não comia qual peru
Chegando na terra de branco
Carne seca com agú
Refrão
Branco disse que negro fruta
Negro fruta com razão
Mas o branco também fruta
Com o ar de capitão
Um segundo exemplo que destaquei é uma canção que comemora a abolição,
também de uma forma irreverente. Ela foi reproduzida por Rossini Tavares de Lima, numa
publicação de 1953. O autor registra que o documento teria sido recolhido em 1950, em
São Paulo, e teria mais de 50 anos.
“Meus senhores, minhas senhoras, Um momento de atenção, Vô cantar o 13 de maio Chora por meio de uma canção A canoa virô De boca para baixo, Cacundo por ar Chegou a ocasião Da negrada arregala Os negrinhos antigamente Andavam de pulos e saltos, Também levou o diabo Os tais capitão do mato. A canoa virô Etc... As negrinhas antigamente Andavam de saias de algodão Hoje andam de anquinhas Estufadas que nem um pavão
A canoa virô Etc...
B) Aprofundamento da trajetória de vida e artística de Eduardo das Neves (1874 –
1919), “o crioulo Dudu”, como ponto de convergência das investigações ligadas à
construção de uma história social da música e à presença de uma temática racial nas
canções do pós-abolição na cidade do Rio de Janeiro. Esta temática representaria a
criação de uma identidade não branca, articulada a um sentimento de amor às coisas do
Brasil, e um caminho de afirmação política dos afro-descendentes nas lutas sociais deste
período. Eduardo das Neves, reconhecido pelos próprio contemporâneos como o “crioulo
Dudu”, foi um artista de sucesso, tendo sido contratado pela Casa Edson, divulgadora do
mercado fonográfico (ver relatório). Ao mesmo tempo que este personagem pode ser visto
como uma espécie de “janela” para se discutir as questões raciais, identitárias e políticas no
Rio de Janeiro do pós abolição – uma espécie de Menocchio para os meus objetivos – pode
também ser considerado como um representante das manifestações musicais populares e
afro-brasileiras num contexto de rápido crescimento urbano e massificação cultural 32.
Caminhos da pesquisa:
-Organizar a identificação das canções/poemas – e de seus significados - escritas ou
divulgadas, em livros ou discos, por este reconhecido cantor, que abordem temáticas
envolvendo afro-descendentes. Esta identificação poderá oferecer um referencial
comparativo para a análise de outras canções e poemas publicadas por outros artistas ou por
folcloristas. Todas as suas publicações já estão localizadas e fichadas. O levantamento de
suas gravações está sendo feito.
-A partir de sua trajetória de vida, investigar o projeto fonográfico da Casa Edson, cujo
arquivo encontra-se no Instituto Moreira Sales, no Rio de Janeiro, e o projeto editorial das
32 Sobre estas duas possibilidades da biografia, ver Levi, G. Usos da Biografia. In: Moraes, Marieta de e Amado, Janaína (org). Usos e Abusos da História Oral. Rio de Janeiro, 4a. ed., 2001.
editoras reconhecidas como populares. Identificar os seus parceiros musicais, as estratégias
de divulgação destas edições e os contratos realizados. Através das próprias edições dos
livros, identificar o formato, as publicidades e as apresentações, comparando, por exemplo,
com as publicações de editoras reconhecidamente mais refinadas, como a Garnier. O maior
objetivo é procurar aprofundar a articulação entre a produção editorial e fonográfica da
cidade do Rio de Janeiro, entre o final do século XIX e início do XX. As fontes para esta
estratégia serão levantadas nos arquivos da Casa Edson, nas próprias edições dos livros
“populares” e em jornais diários que divulgavam estas produções.
-A partir de sua trajetória de vida, localizar, através de jornais de época, os fatos políticos e
cotidianos da cidade que suas músicas fazem referência, procurando comparar os
significados destas notícias nas músicas do autor e na imprensa. Por exemplo, são
constantes em suas canções notícias de greves, elogios a Floriano Peixoto e outras figuras
políticas, críticas às vacinas, felicitações pela chegada de Santos Dumont e outros feitos
do Brasil.
-A partir de sua trajetória de vida, e da conclusão das análises sobre o banco de dados, que
reúne mais de 600 artistas da cidade do Rio de Janeiro tidos como populares, situar a sua
produção de músico e compositor dentro de um universo social e artístico mais amplo, onde
não era nada incomum a presença e afirmação de afro-descendentes.
5) Plano de trabalho/ cronograma:
- Segundo semestre de 2003
Seleção da produção bibliográfica ligada ao folclore que privilegie as canções envolvendo
temáticas sobre os afro-descendentes. Este trabalho será feito a partir do banco de dados
sobre folcloristas, que constantemente é complementado.
Início da localização em jornais da cidade do Rio de Janeiro das estratégias de divulgação
de editoras e gravadoras.
Levantamento do projeto gráfico das editoras que publicavam os livros identificados como
populares.
Orientação, em bibliotecas e arquivos do Rio de Janeiro, dos bolsistas de iniciação
científica.
- Primeiro semestre de 2004
Início da localização em jornais da cidade do Rio de Janeiro dos acontecimentos
mencionados por Eduardo das Neves em suas canções. Investimento na localização de
novos dados biográficos de Eduardo das Neves.
Continuidade da orientação aos bolsistas de Iniciação Cientifica para o levantamento de
dados em bibliotecas e arquivos do Rio de Janeiro.
- Segundo semestre de 2004
Conclusão das etapas anteriores
Processamento dos registros selecionados
Início da redação do livro
- Primeiro semestre de 2005
Redação final do projeto e conclusão do livro proposto.
Continuidade da orientação dos bolsistas de iniciação científica para a complementação dos
dados da infobase sobre os folcloristas e artistas populares, com preparação e edição dos
resultados.
Niterói, 27 de fevereiro de 2003 Martha Abreu
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