Professor: Firmino Carlos
(21) 99255-4612
Face: Firmino Carlos
Direitos Reais. Conceito. Posição da matéria no Código Civil. Diferenças entre
Direitos Reais e os Direitos Obrigacionais. Situações intermediárias:
obrigações propter rem, ônus reais, cláusulas de eficácia real. Classificações
dos direitos reais. Princípios gerais.
No Novo Código importantes modificações foram introduzidas neste
tema – DOS DIREITOS REAIS. Há uma perspectiva nova, principalmente no que
se refere ao estudo da posse. O instituto posse se apresenta nesse Novo Código
muito mais fortalecido e enfatizando-se os seus reflexos sociais.
Há também importantes inovações no campo dos Direitos Reais limitados,
entre elas, o surgimento de alguns novos direitos reais, como: a superfície e o
direito real de aquisição do promitente comprador.
Do ponto de vista morfológico, topográfico, os Direitos Reais continuam
na parte especial do Código, só que agora no Livro III, enquanto que no Código
passado era no Livro II. O NCC inaugura a parte especial com os Direitos das
Obrigações e dos Contratos, seguindo-se pelo Direito da Empresa e, só então, o
livro dos Direitos Reais. No Código passado abria-se a parte especial com o
Direito de Família, seguindo-se logo com os Direitos Reais. Isto tem uma
explicação, o NCC dá muito mais ênfase aos Direitos Pessoais, aos Direitos
Obrigacionais, enquanto que o Código passado enfatizava exatamente a
propriedade e os demais Direitos Reais. Então, não é à toa que se colocou o
Direito Obrigacional à frente dos Direitos Reais.
A 1ª crítica que se faz ao Código, nesse particular, é quanto ao próprio
título que se dá a esse livro. Talvez por apego à tradição, o NCC manteve o título
“Do Direito das Coisas”. Livro III – Do Direito das Coisas – Exatamente como
aparecia no Código passado. Essa denominação sempre foi muito criticada,
porque quando se fala “Do Direito das Coisas”, o leitor desavisado, o leigo poderia
supor que as coisas têm direitos. E, todos sabemos, que coisas não podem ser
titulares de direitos, só as pessoas. Então, essa expressão “Direito das Coisas”
nunca pareceu ao meu ver das mais felizes. Infelizmente o NCC não corrigiu esse
título, mas, talvez por amor à tradição, ele se manteve.
Tanto a denominação não é das mais felizes, nas grades curriculares (das
maiorias das faculdades) a matéria é ensinada como ‘Direitos Reais’, mas isso é
apenas uma observação, não é nenhuma catástrofe, e não prejudica o estudo da
matéria.
O que são Direitos Reais? São aquelas relações jurídicas que submetem
uma coisa ao poder de uma pessoa. Em todo e qualquer direito real, nós vamos
encontrar como seu objeto, e jamais como seu titular, uma coisa. O objeto do
direito real é sempre uma coisa, que fica submetida ao poder de uma pessoa e,
esta sim, é a titular do Direito Real.
A 1ª preocupação de quem pretende estudar os Direitos Reais é
distingui-los dos Direitos Obrigacionais, também chamados Direitos Pessoais ou
Direitos de Crédito. As relações jurídicas se desenvolvem entre esses 2 mundos:
o mundo dos Direitos Pessoais e o mundo dos Direitos Reais. E é preciso
distingui-los, porque os respectivos regimes jurídicos são diferentes. Portanto,
diante de uma relação jurídica, uma de nossas primeiras preocupações deve ser
classificá-la, verificar se se trata de um direito pessoal ou se, ao contrário, é
um direito real, para que possamos então saber quais as regras que lhes são
adequadas.
Então, a primeira aula que ocorreu versou sobre as distinções de que
podemos nos servir para classificar uma relação jurídica como obrigacional ou
real.
DIFERENÇAS ENTRE OS DIR. REAIS E OS DIR. OBRIGACIONAIS
Veremos que há várias diferenças:
A 1ª delas, eu até já referir por acaso, diz respeito ao OBJETO da
relação jurídica. Enquanto o direito real tem por objeto sempre e
necessariamente uma coisa, que pode ser móvel ou imóvel; material ou imaterial,
fungível ou infungível; isto é inteiramente irrelevante, mas será sempre uma
coisa o objeto do direito real.
O direito obrigacional tem por objeto uma prestação, e essa prestação
pode, até por coincidência, ser também uma coisa, como ocorre nas obrigações
de dar ou de restituir, essa prestação pode ser um serviço, como ocorre nas
obrigações de fazer; essa prestação pode ser uma abstenção, como acontece nas
obrigações de não fazer; essa prestação pode ser uma soma em dinheiro, como
acontece nas obrigações pecuniárias. Em suma, nos direitos obrigacionais o
objeto é uma prestação, que pode ou não ser uma coisa.
No que se refere aos SUJEITOS, há também uma diferença
significativa.
Nos direitos pessoais (obrigacionais) nós vamos encontrar sempre 2
sujeitos perfeitamente determinados ou, pelo menos, determináveis. O credor
ou os credores, que são aqueles que podem exigir a prestação, têm o direito
subjetivo à prestação e, por isso mesmo, pode compelir o devedor à entregá-la.
O outro sujeito é o devedor ou os devedores, sobre os quais versam o
dever/direito de pagar. Pagar é ao mesmo tempo um dever e um direito do
devedor. Esses sujeitos ou, já estão determinados no momento que a obrigação
nasce ou, pelo menos, são determináveis, como no caso do título ao portador, não
se sabe ainda bem quem é o sujeito, mas ele é portador do título, portanto ele é
determinável.
Nos direitos reais nós temos um sujeito determinado, que é o sujeito
ativo, o titular do direito real, como, por exemplo, o proprietário. A propriedade
é o direito maior, mais absoluto, mais pleno de todos os direitos reais. Ex.:
Imaginemos que eu seja proprietário – desta pasta (pasta preta que levante para
alto), sou o sujeito ativo do direito real de propriedade deste código. O sujeito
passivo é indeterminado, todos vocês são sujeitos passivos, e todos os demais
membros da sociedade, para os quais nasce o dever jurídico de respeitar o meu
direito. Então, no direito real não há sujeito passivo determinado.
Quando alguns professores de vocês fez o curso de Direito o
entendimento era que uma das diferenças entre o direito pessoal e o direito
real, era que no direito pessoal haviam 2 sujeitos: o ativo (credor) e o passivo
(devedor). Enquanto que no direito real havia apenas 1 sujeito: o sujeito ativo;
não havia no outro lado outro sujeito, havia apenas a coisa que era o objeto do
direito real (Prof. Serpa Lopes). Essa visão hoje está completamente
ultrapassada. As relações jurídicas, sejam elas de direito real, sejam elas de
direito pessoal desenvolvem-se sempre entre pessoas, e por isso, a doutrina
moderna corrigiu essa visão, para dizer que nos direito reais também temos 2
sujeitos, um ativo e um passivo, só que o sujeito passivo é indeterminado, é
genérico, são todos os demais membros da sociedade.
E dessa diferença, vai resultar outra, que diz respeito à extensão ou à
OPONIBILIDADE DO DIREITO.
Os direitos reais são absolutos, são oponíveis “erga omnes”. O titular
do direito real pode opô-lo a todos os demais membros da sociedade, que
eventualmente venham a violá-lo. Ex.: Se sou proprietário desse apagador (esse
trem caiu no chão), se surpreendo este código indevidamente na mão de alguém,
eu vou reivindicá-lo, ou seja, eu vou opor o meu direito real a quem estiver
indevidamente com o meu código. É isso que se quer dizer quando se afirma que
o direito real é oponível erga omnes, exatamente porque o sujeito passivo são
todos os membros da sociedade.
Se o sujeito passivo são todos os membros da sociedade, é evidente, que
o sujeito ativo pode opor esse direito a todos os membros da sociedade e isso
confere ao direito real essa natureza absoluta.
Os direitos obrigacionais são relativos. Só poderão ser opostos àqueles
que integram a relação obrigacional, salvo raríssimas exceções como, por
exemplo, a estipulação em favor de 3º. Mas, a regra geral é que o crédito, do
qual o credor é titular, só pode ser oposto ao devedor, não se pode exigir o
pagamento a quem não é devedor. Pelo fato de o devedor se tornar insolvente,
não se pode reclamar o crédito de outrem, porque os direitos obrigacionais são
relativos as partes integrantes da relação obrigacional.
Também em razão dessa natureza absoluta dos direitos reais surge uma
outra diferença. É que os direitos reais estão limitados pelo princípio do numerus
clausus. O que significa dizer: só há direitos reais quando expressamente
previstos em lei. Ninguém está autorizado, a não ser o legislador, a criar um
direito real, eu não posso inventar um direito real em um contrato celebrado com
uma outra pessoa. Só a lei é competente para criar um direito real. Portanto, os
direitos reais são submetidos ao princípio da tipicidade explícita, à tipicidade
legal, conforme artigo 1.225 do Código Civil.
OBS.: Há também a alienação fiduciária, que apesar de ser direito real não está
neste elenco.
Já os direitos obrigacionais, são ilimitados. Aliás, o único limite aos
direitos obrigacionais é a ordem pública e a criatividade da inteligência humana.
Enquanto o ser humano puder pensar, não se exaurirá a variedade dos direitos
obrigacionais. Eu posso, em um contrato, literalmente inventar um direito
obrigacional e, desde que não ofenda a ordem pública, ele produzirá os efeitos
perseguidos pelos sujeitos. O juiz não poderá dizer: “Recuso a dar cumprimento
a esse contrato, porque não o encontrei descrito em nenhuma lei.” As partes
dirão: “E daí? E eu com isso.....pow.... Isso é irrelevante”, o que é relevante é se
ele colide ou não com a ordem pública. Porque os direitos obrigacionais não estão
sujeitos ao princípio do numerus clausus.
Ora se o direito real é oponível erga omnes, é preciso que toda a
sociedade os conheça, como é que pode alguém respeitar um direito real se não
o conhecer? Por isso é que eles têm que estar expressamente elencados na lei.
Então, vejam que uma diferença decorre da outra. Como os direitos reais
são absolutos, oponíveis erga omnes, eles precisam estar previstos em lei para
que toda a sociedade os conheça e os respeite.
E, como os direitos obrigacionais são só oponíveis entre as partes, nada
impede que elas criem um direito obrigacional, os vinculando, porque só elas
estarão presas àquele direito
Outra diferença pode ser apontada no modo de exercer o direito.
Como o direito real só tem 1 sujeito determinado, que é o seu titular, e
o outro sujeito é indeterminado; o direito real pode ser exercido diretamente
pelo seu titular (sujeito ativo) independente da participação ou cooperação de
qualquer outra pessoa. Ex.: Se ela é proprietária deste estojo, então ela pode,
por um ato dela, queimá-lo, destruí-lo, doá-lo, vendê-lo, em suma, ela faz
literalmente o que quiser com ele, independente da autorização de qualquer
outra pessoa. E, como o sujeito passivo é indeterminado, como é que eu poderia
consultar todos os membros da sociedade para abandonar, por exemplo, o estojo
que lhe me pertence.
Já os direitos obrigacionais, para o seu exercício, depende sempre da
cooperação do outro sujeito. Como é que o credor vai receber a prestação se o
devedor não se dispuser a pagá-la? O credor vai ter que movimentar as
engrenagens do Judiciário para compelir o devedor a pagar, porque se o devedor
disser ‘não pago’, o credor não tem como compeli-lo diretamente a pagar, ele terá
que promover a execução da obrigação. O Estado substitui o credor para
compelir o devedor a pagar. O credor só conseguirá receber diretamente o seu
crédito se o devedor voluntariamente se dispuser a pagar. Ou seja, o credor
precisa da cooperação do devedor. E o reverso é verdadeiro – o devedor não
consegue pagar diretamente se o credor não quiser receber. O devedor também,
nesse caso, terá que movimentar as engrenagens do Estado, ele vai ter que
consignar em juízo a prestação.
Então, vocês vejam que para o exercício do direito obrigacional, depende
sempre da cooperação do outro sujeito. Enquanto que o direito real dispensa a
cooperação do sujeito passivo.
No fundo, no fundo, todas essas diferenças fluem de uma só, que é a
natureza absoluta do direito real, e da natureza relativa do direito obrigacional.
Outra diferença, que também decorre desse caráter absoluto do direito
real. É que o direito real é dotado de sequela.
Essa é uma característica importantíssima do direito real, não haveria
direito real se não houvesse a sequela. A sequela é inerente aos direitos reais.
E o que vem a ser sequela? Significa cicatriz, marca, vestígio. A sequela
é a marca do direito real que adere a coisa. Por isso foi dito que o direito real
submete a coisa ao poder de uma pessoa. E essa submissão jurídica é marcada
pela sequela. Quer dizer, quando nasce um direito real é como se ele aderisse à
coisa como uma cicatriz.
Essa sequela é necessária, exatamente para que o titular do direito real
possa reivindicar a coisa das mãos de quem indevidamente a detiver. É para
identificar o titular do direito real. E é essa sequela então que garante ao direito
real a sua AMBULATORIEDADE, ou seja, o direito real é ambulante. Significa
dizer que ele segue a coisa, ele não é estático, por mais longe que a coisa vá o
direito real a acompanha. Ex.: Se sou proprietário desta pasta, ainda que ela
esteja no Japão, eu continuarei proprietário dela.
Exemplo de sequela visível, física: Lá de onde eu morava...Espera Feliz -
MG – antes da minha vinda para UFRRJ - os fazendeiros marcam os seus animais
a ferro e fogo para identificá-los no meio de outros.
A sequela pode ser demonstrada através de uma Nota Fiscal, um título
aquisitivo. Mas, há sempre uma marca, um elo que prende a coisa ao titular do
direito real. Isso é que se chama sequela, sem o que o direito real não conseguiria
realmente ser oponível erga omnes.
Já o direito obrigacional não é dotado de sequela, nem precisa, pois se o
direito obrigacional só pode ser reclamado contra o devedor, para que precisa
de sequela? O próprio título obrigacional já habilita o credor a reclamá-lo do
devedor, não há necessidade nenhuma marca. Isso em razão da relatividade do
direito obrigacional, só oponível ao devedor.
Uma outra diferença que julgo importantíssima, é quanto ao tempo
de duração do direito.
Os direitos reais podem ser perpétuos. A perpetuidade é uma das
características dos direitos reais. Se eu sou proprietário desse apagador, eu
posso mantê-lo sob o meu domínio até o último dos meus dias, por mais longa que
seja a minha vida. Não há prescrição vintenária para propriedade, eu serei
proprietário das minhas coisas até o dia que eu bem quiser e depois ainda
transfiro a propriedade para os meus herdeiros, e assim sucessivamente.
Eu não estou dizendo que todo direito real é perpétuo, há direitos reais
transitórios, eu estou dizendo que pode ser, quer dizer, eu posso manter o
direito real até quanto eu bem entender.
Já os direitos de crédito são, por definição, temporários. Ninguém é
credor perpétuo de um devedor, sempre haverá um momento em que o crédito
morrerá, seja pelo pagamento, seja pela impossibilidade do pagamento, seja pela
prescrição; em suma, sempre haverá um momento em que se exaurirá o direito
de crédito. É, pelo menos, o único consolo do devedor, ele sabe que haverá
sempre um momento em que ele se libertará do credor. Não há, nem pode haver,
uma obrigação perpétua, é nula, já nasce morta se disser que a obrigação é
perpétua. É da natureza da obrigação a sua temporariedade, enquanto que é da
natureza do direito real a sua perpetuidade.
Aliás, Santiago Dantas – foi um dos grandes nomes do século XX do
Brasil, um gênio, porque conseguiu o milagre de ser: notável jurista, professor
incomparável, político habilíssimo: foi 1º Ministro do Brasil, foi deputado federal,
empresário vitorioso (foi o rei do vidro plano). Ele era um orador brilhantíssimo
e criava frases inspiradíssimas, e uma das frases sobre esse assunto que ele
proferiu foi: “Enquanto os direitos reais nascem para se perpetuar, os direitos
obrigacionais nascem para morrer, e quanto mais rápido melhor, porque o ideal
social é que as obrigações nasçam e morram através do pagamento.” Com essa
frase ele conseguiu retratar essa diferença.
Quando alguém se torna proprietário de uma coisa, a intenção,
normalmente, é tê-la para sempre. A intenção primeira para quem adquire um
direito real é mantê-lo, enquanto que, ao contrário, no direito obrigacional a
intenção é que a relação morra rapidamente através do pagamento da obrigação.
Outra diferença que precisa ser bem entendida por vocês:
Os direitos obrigacionais perdem-se pela inércia do seu titular. Se o
credor, diante do inadimplemento do devedor, permanece inerte, não exerce o
seu direito de crédito, ele vai perdê-lo, ainda que indiretamente, pela prescrição.
Os créditos estão sujeitos aos efeitos corrosivos da prescrição. A prescrição
fulmina a pretensão ao crédito (ela não fulmina propriamente o crédito), mas,
por via oblíqua, é como se o próprio crédito tivesse morrido. Se o credor não
pode mais compelir o devedor a lhe pagar, na prática é como se ele tivesse
perdido o crédito, em razão da sua inércia, do seu desinteresse.
Daí o velho brocardo romano “Dormienti non socurri et júris” – “O direito
não socorre, não ampara quem dorme”. O credor tem que lutar pelo seu crédito,
a lei lhe dá um prazo para que ele exerça o seu direito de crédito, sob pena de
perder a pretensão a esse crédito se ultrapassar esse prazo, permanecendo
inerte.
Já o direito real não. O titular do direito real não está obrigado a exercê-
lo. A simples inércia do titular do direito real, não faz com que ele perca esse
direito real. Aliás, costuma-se dizer que entre os direitos do titular do direito
real, está o direito de não exercê-lo. E o fato do titular não exercê-lo, o direito
real não é diminuído.
Ex.: Imaginemos que eu seja proprietário de um terreno em Cabo Frio e passe
40 anos em que vá botar os pés lá. Não pratico nenhum ato que denote o meu
interesse em exercer o direito real, não construo no terreno, não o alugo, em
suma, não a faço absolutamente porcaria nenhuma, nada com o terreno que
denote que eu esteja exercendo o direito real. Quarenta anos depois de absoluta
inércia eu, finalmente, resolvo conhecer o meu terreno, e parto para Cabo Frio,
se eu tiver sorte de encontrá-lo vazio, o que é pouco provável, se eu quiser, posso
construir uma casa; o vizinho não pode obstar porque eu não apareço há 40 anos;
a prefeitura não pode deixar de conceder a licença para construir porque eu não
apareci ao longo desse tempo. Em suma, eu sou tão proprietário do terreno, após
40 anos de inércia, quanto no dia em que o comprei. Ou seja, a inércia de 40 anos
em nada abalou o direito real, ele é rigorosamente o mesmo.
Se eu fosse credor de uma obrigação, após 40 anos de inércia, a
pretensão a esse crédito já teria morrido há muito tempo.
Quando eu explico este assunto para os alunos que o estão ouvindo pela
1ª vez, eles perguntam: “Mas professor e a tal da Usucapião?” Isso não tem nada
a ver com o que eu estou falando. Porque eu lhes disse que a inércia do titular
do direito real por si só não acarreta a sua perda. Eu disse “se eu tiver a sorte
de encontrar o terreno vazio, que é pouco provável, eu sou tão proprietário
quanto eu era antes”, porque a inércia do titular do direito real só acarretará a
sua perda, se no curso dessa inércia, surgir uma situação jurídica antagônica ao
meu direito, como, por exemplo, a posse de um 3º.
Então, a inércia do titular do direito real só acarretará a sua perda, se
no curso dessa inércia, se tiver constituído uma situação jurídica antagônica ao
direito real.
Ex.: Vamos supor que naquele terreno que eu passei 40 anos sem aparecer,
apesar de ter cumprido com todas as obrigações tributárias, quando eu resolvo
aparecer lá, encontro uma casa construída, com um estranho morando lá. Aí eu
entro com uma ação para reivindicar o meu terreno, baseado no direito de
sequela, só que aí o morador vai opor ao meu direito real uma situação jurídica
antagônica, que é a posse mansa e pacífica contínua. Aí eu vou perder o meu
direito real para ele. Mas eu não perderei o direito real só pela inércia, eu
perderei porque durante a minha inércia, a posse de um 3º se instalou e isso é
antagônico ao meu direito de propriedade.
Portanto, a inércia do titular do direito real por si só não acarreta a
sua perda, a não ser que no período da inércia surja uma situação jurídica
antagônica ao meu direito real.
Outra diferença: Os direitos reais são suscetíveis de abandono, o que
não ocorre com os direitos de crédito. Isso também decorre daquela
característica, de que no direito real o sujeito passivo é indeterminado.
Ex.: Eu sou proprietário deste código, se ele se tornar obsoleto e não tiver mais
nenhuma utilidade, eu posso abandoná-lo sem precisar consultar qualquer pessoa.
Já os direitos de crédito é diferente. Se o credor abandona o crédito, o
devedor, que não é nenhum adivinho, vai imaginar que o credor não está querendo
receber para constituí-lo em mora, e aí o devedor vai consignar a prestação em
juízo, porque ele não pode saber que o credor abandonou o crédito. Por isso que
os créditos não são suscetíveis de abandono, mas sim de renúncia.
Os direitos reais podem ser abandonados ou renunciados, mas os direitos
de crédito só podem ser renunciados.
Para o leigo é a mesma coisa, abandono e renúncia é a mesma coisa, em
ambos os casos o titular do direito abre mão do direito. Não é a mesma coisa
não. Ao contrário, é muito diferente.
No abandono, o titular do direito, não há necessidade de comunicar a sua
intenção a um 3º. Então, o abandono é um ato material não receptício de vontade.
Ex.: Eu posso perfeitamente abandonar um livro que eu não gostei, no banco da
praça, sem precisar avisar aos transeuntes que estou o abandonando.
A renúncia, é um ato participativo, a renúncia tem que ser levada ao
conhecimento de 3º, tanto que o código diz expressamente “a renúncia ao
crédito só produzirá efeitos quando levada ao conhecimento do devedor. O
devedor tem que ser informado que o credor não quer mais receber o crédito,
porque senão ele vai consignar o crédito para não ficar em mora.
Então, enquanto o abandono é um ato não receptício de vontade, um ato
material, a renúncia é uma ato receptício, participativo, destinado ao
conhecimento de 3º.
O direito real admite as duas formas: o abandono e a renúncia.
Ex.: Imaginemos que eu seja proprietário de um terreno, eu posso abandonar
esse terreno, a propriedade pode se perder pelo abandono. Eu nunca mais piso
no terreno, não pago os impostos, se eu não pago os impostos, a prefeitura, num
determinado momento, vai executar os IPTUs, e eu perco o terreno, porque
abandonei-o.
A lei de registro admite a renúncia à propriedade, eu me dirijo ao oficial de
registro e informo expressamente a renúncia à propriedade do terreno e o
oficial de registro tem que registrar isso e comunicar ao Estado para arrecadar
o bem como pago. Isso é muito raro, mas é previsto em lei a renúncia à
propriedade imóvel.
Normalmente as pessoas preferem abandonar o seu imóvel quando não
mais se interessam por ele, mas podem renunciar por escrito, dirigindo a sua
intenção ao oficial de registro de imóveis e o bem se torna vago e suscetível de
arrecadação pelo Estado.
Então, vocês vejam que do direito real pode ser abandonado, o que é mais
frequente, como também pode ser renunciado. Mas, repito, o direito obrigacional
só pode ser renunciado.
Outra diferença: É que os direitos reais são suscetíveis de posse. A
propriedade está inerentemente relacionada com o direito à posse. O que adianta
ser proprietário de uma coisa se não se tiver a posse da coisa?
Os direitos reais são suscetíveis de posse, os direitos pessoais não
admitem a posse. Embora haja algumas vozes muito isoladas, defendendo a tese
da posse dos direitos pessoais.
Uma dessas vozes, que se tornaram famosas, é a de Rui Barbosa. Ele
defendia a tese de que se poderia ser possível ter a posse de um crédito, a posse
de um direito pessoal. E, por isso, ficou famosa a ação de reintegração de posse
que ele moveu em favor de professores da Escola Politécnica, que haviam sido
demitidos pelo governo federal. Ele então, moveu uma ação possessória para
recuperar os cargos desses professores, essa ação foi até o Supremo, mas lá
ele, apesar de seu brilhantismo, de seu prestígio, colheu uma fragorosa derrota.
O Supremo repeliu a sua pretensão, sustentando que era impossível a via
possessória, por não haver posse no direito pessoal, e a partir daí o Supremo
nunca mais mudou a sua posição.
O motivo de Rui Barbosa entrar com a ação possessória, há uma
explicação facílima de se entender, é que naquela época não havia nem Mandado
de Segurança, nem antecipação de tutela, e a única chance dele obter o
provimento liminar era pela via possessória, porque a via possessória, naquela
época, já concedia liminar. Então, ele tentou forçar a barra para conseguir logo
um liminar para que os professores imediatamente retomassem as aulas. Mas
restou frustrada a sua tentativa.
Se fosse hoje, Rui Barbosa jamais faria isso, porque ele impetraria
imediatamente um Mandado de Segurança, obteria uma liminar e os professores,
no dia seguinte, já estariam lecionando novamente. E, se não fosse órgão público,
ele entraria com uma ação e pediria uma antecipação da tutela de mérito ao juiz.
Então, Rui Barbosa se viu forçado a tentar a via possessória para obter a liminar,
mas não conseguiu.
Concluindo: Está aí uma outra diferença importante: enquanto os direitos
reais são suscetíveis de posse, direta ou indireta, os direitos pessoais não
admitem posse, segundo a posição majoritária da doutrina.
Daí decorre uma outra diferença: é que só os direitos reais podem ser
adquiridos pela via da Usucapião. Isso é óbvio, não há usucapião de crédito.
Imaginem que eu vá viajar, sou titular de um crédito, representado por uma Nota
Promissória, peço a alguém para guardar esta NP e só volto depois de 3 anos e,
quando peço a NP de volta, a pessoa diz que não vai devolver, porque adquiriu o
crédito da NP por usucapião.
Então, esta diferença decorre da anterior, quer dizer, como só os
direitos reais são suscetíveis de posse, e a usucapião é a aquisição do direito
pela posse, então é claro que os direitos reais podem ser adquiridos por
usucapião. Mas, não há usucapião de crédito, porque não há posse de crédito.
Em suma, eu não estou preocupado em dar conta das diferenças entre os
direitos reais e os direitos obrigacionais. Depois de tantas diferenças, vocês vão
achar que está tranquilo, que não há a menor possibilidade dele confundir o
direito real com o direito pessoal.
Ledo engano, porque na prática as coisas não são tão simples como parece
na doutrina. Também quero lhes dizer que esses 2 mundos não estão separados
por uma muralha intransponível, impenetrável. Ao contrário, esses 2 mundos se
interpenetram constantemente, as relações jurídicas ora transitam pelo mundo
do direito real, ora transitam pelo mundo do direito pessoal.
Há situações cinzentas, híbridas, limítrofes, que mantém um pé no mundo
dos direitos reais e outro no mundo dos direitos pessoais (obrigacionais). E só
quem tem intimidade com o direito é capaz de rapidamente distingui-los. Quem
está começando enfrenta seriíssimas dificuldades, em certos casos, para dizer
se é um direito pessoal ou se é um direito real.
EXEMPLOS:
1º - O primeiro exemplo são as famosíssimas obrigações propter rem. É uma
zona intermediária, a começar pelo nome “propter”, é uma preposição latina que
significa “sobre” – obrigação sobre a coisa. Ora sobre a coisa lembra direito real,
sequela. A obrigação adere a coisa, então pode-se supor que se adere a coisa, é
direito real. Mas, não é não, é obrigação, daí o nome “obrigação propter rem”.
Então o que é? É uma obrigação, ou seja, é uma relação pessoal, mas que nasce
de um direito real, que é a propriedade. Ela está umbilicalmente presa a uma
coisa, a um direito de propriedade.
Um exemplo conhecidíssimo de uma obrigação propter rem, é a da quota
condominial, esta é uma típica obrigação propter rem. É uma obrigação porque
ela nasce entre os condôminos, os condôminos se obrigam reciprocamente a
contribuir na proporção de suas frações, para as despesas de conservação da
coisa comum. Portanto, é uma relação pessoal, um direito de crédito, recíproco
entre os condôminos. Só que esta obrigação nasce da propriedade comum, e você
só é devedor do condomínio, se é proprietário da fração dessa coisa. E, no
momento que deixa de ser co-proprietário, automaticamente você deixa de ser
devedor dessa obrigação. Quando você aliena sua fração, deixa de ser devedor
do condomínio, e quem passa a sê-lo é o adquirente. E como essa obrigação nasce
da propriedade de uma coisa, o que garante o seu pagamento é a própria coisa.
Por isso que o condomínio investe contra a própria unidade do condômino
inadimplente levando-o à praça.
Ou seja, por baixo de toda e qualquer obrigação propter rem existe um
direito real,, sem o que ela não nasceria, e ela só viverá enquanto esse direito
real estiver presente.
Um outro exemplo de obrigação propter rem são os direitos de
vizinhança. São relações obrigacionais que nascem entre proprietários ou
possuidores de imóveis vizinhos. A relação é pessoal, porque ela liga os
proprietários vizinhos. Ela não submete um coisa a uma pessoa, ela liga os
proprietários vizinhos, portanto, é uma relação pessoal, mas que nasce da
propriedade de imóveis vizinhos.
Aliás, para mostrar a dificuldade de identificar a natureza dessa relação,
o direito de vizinhança, caiu nos últimos 10 anos em três concursos, com a
seguinte pergunta:
Qual a natureza jurídica dos direitos de vizinhança?
Muitos dos candidatos despreparados, abriram o código e foram
encontrar o direito de vizinhança no livro dos direitos das coisas (art. 1277 e
segs). Mas, apesar de estar lá, os direitos de vizinhança são relações
obrigacionais.
O legislador percebeu que, apesar de se tratar de direitos obrigacionais,
os direitos de vizinhança estão muito mais ligados à propriedade e, com isso, no
capítulo da propriedade incluíram-se essas obrigações propter rem. A resposta
certa é: A natureza jurídica dos direitos de vizinhança são obrigações propter
rem.
Outro exemplo de obrigação propter rem: O IPTU, o IPVA. São
obrigações propter rem tributárias, só paga IPTU quem é proprietário de imóvel.
Se eu receber uma guia de IPTU de um imóvel que não é meu, eu vou à prefeitura
informar que está havendo algum equívoco, pois o imóvel não é meu.
2º - Outro exemplo de uma situação híbrida, que você não percebe bem se é um
direito real ou obrigacional, são os direitos reais de garantia ( hipoteca, penhor,
anticrese). Aliás, os direitos reais de garantia são o oposto das obrigações
propter rem. Eu acabei de dizer que a obrigação propter rem é uma relação
obrigacional que nasce de um direito real, os direitos reais de garantia são
direitos reais que nascem de uma obrigação. Vocês já viram algum direito real
de garantia que não nasça da garantia de um pagamento de uma obrigação? Por
baixo de toda hipoteca, tem uma obrigação.
Eu só entrego a coisa em penhor a um credor para garantir o pagamento
da obrigação. Portanto, por baixo de todo e qualquer direito real de garantia
existe uma obrigação. E a maior prova é que quando a obrigação morre, o direito
real de garantia morre junto. Se a obrigação prescrever, o direito real de
garantia desaparece.
Então, os direitos reais de garantia, também conhecidos como ônus
reais (hipoteca, anticrese, penhor) todos eles nascem de uma relação
obrigacional, cujo pagamento se destina a assegurar.
3º - Outro exemplo – As chamadas cláusulas com eficácia real como, por
exemplo, a cláusula de respeito, de vigência, que se costuma colocar nos
contratos de locação, para que a locação seja respeitada pelo adquirente do
imóvel.
Isto é uma cláusula de direito pessoal, pois está inserida no contrato de
locação (locação é direito obrigacional). Portanto, qualquer cláusula que esteja
inserida no contrato de locação é direito pessoal. Mas, essa cláusula é oponível
erga omnes, é suscetível de registro no registro de imóveis (em princípio só é
oponível erga omnes os direitos reais e só é suscetíveis de registro no registro
de imóveis direitos reais). Então, vocês vejam que essas cláusulas tem toda cara
que é direito real, mas é direito pessoal, por isso que se diz que é uma “cláusula
com eficácia real”. Ou seja, ela parece direito real, mas não é. Cláusula de
vigência, também conhecida como cláusula de respeito, que obriga o adquirente
de imóvel locado, desde que o contrato de locação esteja registrado no registro
de imóveis, a respeitar a locação, não podendo denunciá-lo antes que o contrato
se expire. Então, essa cláusula é oponível a quem quer que venha a adquirir esse
imóvel. Isto é uma característica do direito real – oponibilidade erga omnes.
Portanto, o fato de haver 11, 12, 20 diferenças entre os direitos
obrigacionais e reais, não significa necessariamente dizer que é muito fácil
distingui-los. Em certas situações é preciso intimidade com o direito para
distingui-los rapidamente.
Não se esqueçam sub-rogação de vínculo ou sub-rogação real....somente
02 (dois) alunos teve curiosidade de olhar....pesquisem mais a fundo sobre sub-
rogação real...foi exemplo do suicídio e das quotas altas...cujo imóvel tinha
gravame......
CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS REAIS
Os direitos reais podem se classificar de diferentes maneiras, por
diferentes critérios. Isso também é importante, não é uma mera curiosidade
acadêmica, dependendo da classificação do direito real, nós vamos ter regras
próprias.
A 1ª classificação dos direitos reais se divide em: Direitos Reais de Uso e
Fruição e Direitos Reais de Garantia.
Direito Real de uso e fruição – é aquele em que o seu titular está interessado em
retirar da coisa as suas utilidades econômicas. Daí o nome “Direito de uso e
fruição”. Ele quer usar a coisa, quer gozá-la, usufruí-la, tirar dela benefícios
econômicos como, por exemplo, retirar dela os seus frutos, os seus produtos.
A 2ª classificação é a que divide os Direitos Reais em:
Direitos Reais em Plenos
O único Direito Real Pleno, ou o único que pode se apresentar pleno é a
propriedade.
E o que significa uma propriedade plena?
É aquela que o seu titular possui as faculdades de usar, gozar e dispor da coisa
e o direito de reivindicá-la contra 3ºs. O direito de propriedade é o único direito
real que pode permitir ao seu titular todas essas faculdades: usar, gozar, dispor
e reivindicar.
A 3ª classificação é a que divide os direitos reais em:
Direitos Reais que se exercem sobre a própria coisa, e a propriedade também é
o único dos direitos reais que se exerce sobre uma coisa que pertence ao titular;
Estão aí, portanto, os 3 critérios classificatórios do direitos reais.
CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS REAIS
As características dos direitos reais nós, praticamente, já discorremos,
quando estabelecemos as diferenças entre direitos reais e direitos
obrigacionais.
1ª Característica – É a sua natureza absoluta. Significa dizer, a sua
oponibilidade erga omnes.
2ª Característica – É a sua publicidade. Para que o direito real seja oponível
erga omnes é preciso que ele seja conhecido por toda a sociedade, para que os
seus membros o respeitem. São sujeitos a registro público, para que possam ser
conhecidos.
Tratando-se de direito real sobre imóvel, ele tem que estar registrado no
registro do imóvel.
Tratando-se de direito real sobre coisa móvel, só é oponível erga omnes quando
é registrado no registro de títulos e documentos.
3ª Característica – É a sua perpetuidade. Não é uma característica obrigatória
absoluta. O direito real “pode” ser perpétuo, se assim preferir o seu titular,
mantendo o direito real durante toda a sua vida.
4ª Característica – É a sua ambulatoriedade. Como já foi dito anteriormente, o
direito real é ambulante, ou seja, ele segue a coisa, ele não é estático, por mais
longe que a coisa vá o direito real a acompanha.
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