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COMO PROPOR AÇÕES JUDICIAIS CONTRA PLANOS DE SAÚDE
1. Introdução
A Constituição Federal de 1988 proporcionou aos brasileiros direitos
fundamentais à dignidade da pessoa humana. Entre eles, a proteção à saúde do
cidadão. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), “saúde é um estado de
completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doenças.”
Com fundamento nas normas internacionais referentes à saúde, a
Constituição Federal de 1988 definiu o direito à saúde como um princípio de garantia
a todos os brasileiros. É o que se infere do art. 196 da Constituição Federal:
A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença
e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
O comando constitucional dispõe claramente que a saúde é direito de todo
cidadão, tornando-se dever do Estado garantir o acesso à saúde àquele que
necessitar, proporcionando ações sociais e econômicas com o objetivo de reduzir o
risco de doença e viabilizar ao cidadão, de forma universal e igualitário, ações e
serviços para promover sua saúde, protegê-la e recuperá-la em caso de
enfermidade.
O legislador constitucional também afirma que a saúde é um direito social,
conforme dispõe o art. 6º da Carta Maior:
São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a
moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma
desta Constituição.
Partindo, portanto, da afirmação de que a saúde é tutelada pelo Estado, e, em
razão de a demanda ser expressiva, o Estado permitiu às instituições privadas que
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promovessem a proteção à saúde por meio dos planos de saúde, consoante dispõe
o art. 197 da Constituição Federal:
São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao
Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação,
fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou
através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito
privado.
Esse artigo constitucional orientou a regulação estatal dos serviços privados
de saúde.
Posteriormente, veio o Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90)
para estabelecer limites ao legislador ordinário, impedindo a criação de normas com
conteúdos que possam restringir, limitar, impedir ou anular quaisquer direitos do
consumidor, visto que o Estado deve promover, na forma da lei, a defesa do
consumidor, segundo o art. 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal.
Para proteger o consumidor em relação ao plano de saúde, o Estado criou a
Agência Nacional de Saúde por intermédio da Lei n. 9.961/2000, ratificando a
proposição de que a saúde é tutelada pelo Estado. Existe também a Lei n. 9.656, de
3 de junho de 1998, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à
saúde.
Pois bem, antes de avançarmos, vamos recapitular o que vimos até aqui:
A saúde é direito de todos e dever do Estado.
A saúde é um direito fundamental do cidadão, tornando-se tão
relevante que foi elevada à categoria de princípio fundamental da
dignidade da pessoa humana.
O Estado deve garantir acesso à saúde àquele que dela necessitar.
A saúde é considerada um direito social.
O Estado permitiu que terceiros promovessem a proteção à saúde por
meio dos planos de saúde.
Ao autorizar que terceiros promovessem a proteção à saúde, teve de
proteger o consumidor, regulando essa relação jurídica por meio do
Código de Defesa do Consumidor.
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Para ampliar essa proteção, criou a Agência Nacional de Saúde
Suplementar (ANS)
2. Relação jurídica de consumo: conceito e natureza das normas da relação de
consumo
A relação jurídica entre beneficiário e plano de saúde é regida pelo Código
de Defesa do Consumidor. Essa afirmação é feita com fundamento na Súmula 469
do STJ: “Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de
saúde.”
O que é relação jurídica? Relação jurídica é o vínculo estabelecido entre
duas pessoas, visto que uma pode requerer um determinado bem a que a outra
está obrigada contratualmente. No da saúde, o beneficiário visa a obter a prestação
de serviço do plano de saúde.
Do ponto de vista processual, a relação jurídica é o conflito de interesses
normatizado pelo direito. Nesse caso, é importante observar que a relação jurídica
não implica necessariamente o ajuizamento de uma ação judicial, entretanto, a ação
judicial implica necessariamente a existência de uma relação jurídica.
Exemplo: a relação jurídica pode caracterizar-se por meio de um contrato. Se
beneficiário e plano de saúde firmarem contrato e houver cumprimento das cláusulas
contratuais por parte da seguradora, não haverá ação judicial. Contudo, se o plano
de saúde, nessa relação jurídica, não cumprir as cláusulas contratuais, haverá,
portanto, ação judicial.
Por sua vez, a relação jurídica de consumo é qualquer relação jurídico-
obrigacional estabelecida entre o beneficiário e o plano de saúde, figurando como
objeto a prestação de um serviço que é a saúde.
A relação jurídica na saúde e a norma jurídica mantêm estreita relação. A
norma jurídica é uma regra de conduta imposta, admitida ou reconhecida pelo
ordenamento jurídico. Exemplo: Código de Defesa do Consumidor
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A norma jurídica divide-se em:
a) Norma de conduta: disciplina o comportamento dos cidadãos na própria
sociedade. Ex.: Direito Civil.
b) Norma de organização: estrutura a disciplina de processos técnicos de
identificação e aplicação de normas. Têm caráter instrumental. Ex.: Direito
Processual Civil
Reafirma-se, portanto, que o Código do Consumidor é a norma de conduta
que norteia a relação beneficiário-plano de saúde. Se a relação jurídica contratual for
desrespeitada, aplica-se o Código de Processo Civil (de caráter instrumental) para
fazer valer o direito do beneficiário-consumidor.
Antes de dar sequência a essa reflexão, é importante relembrarmos de alguns
conceitos básicos do Código de Defesa do Consumidor, a fim de se estabelecer uma
nítida relação entre beneficiário e plano de saúde, a saber: consumidor, fornecedor
produto e serviço.
a) Consumidor é “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza
produto ou serviço como destinatário final.” (Art. 2º do CDC). Exemplo:
beneficiário do plano de saúde.
b) Fornecedor “é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional
ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem
atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação,
importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou
prestação de serviços.” (Art. 3º do CDC). Exemplo: o administrador e o
operador do plano de saúde.
c) Produto “é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.” (Art. 3º,
§ 1º, do CDC). Exemplo: planos de saúde.
d) Serviço “é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo,
mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de
crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter
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trabalhista.” (Art. 3º, § 2º, do CDC). Exemplo: atendimento hospitalar e
outros serviços relativos à saúde como, por exemplo, laboratoriais.
Observemos, ainda, que a relação jurídica entre beneficiário e plano de saúde
tem os seguintes elementos:
a) sujeito: fornecedor e consumidor;
b) objeto: produto ou serviço;
c) finalidade: que o beneficiário adquira o plano de saúde como destinatário
final.
Infere-se, portanto, desse raciocínio que as operadoras de saúde
(seguradoras e planos) são típicas fornecedoras de serviço, e a elas se aplica o
Código de Defesa do Consumidor, pois o beneficiário dos planos ou das
seguradoras são consumidores e estão em posição economicamente inferior, ou
seja, na posição de hipossuficientes.
Deve-se considerar ainda que as normas de proteção e defesa do consumidor
são de ordem pública e de interesse social, por isso não seguem ao formalismo
processual, devendo o juiz de direito examinar a demanda em toda a sua extensão,
independente da manifestação da parte.
A ideia de ordem pública no processo civil fica evidente, quando o juiz de
direito pode buscar a verdade dos fatos sem impulso das partes. Matéria de ordem
pública pode ser analisada pelo juiz de direito na busca da solução da lide, visto que
o beneficiário é hipossuficiente.
3. Os contratos de consumo e sua repercussão na área da saúde
O contrato é o instrumento que concretiza uma relação jurídica de natureza
obrigacional, normatizando direitos e deveres para os contratantes.
Por sua vez, o contrato de plano privado de assistência à saúde é um contrato
celebrado entre o beneficiário e o plano de saúde, no qual aquele assume a
obrigação de realizar periodicamente pagamento mensal, enquanto este se obriga a
disponibilizar atendimento em rede médica específica e a assumir os custos desse
atendimento.
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3.1. Características do contrato do plano de saúde
São características contratuais do plano de saúde:
a) Plurilateralidade: dá-se a plurilateralidade, quando o beneficiário
pertence a planos coletivos, entretanto, se o beneficiário contratar
individualmente o plano de saúde, a característica do contrato passa a ser
bilateral.
b) Trato sucessivo e prazo indeterminado: os efeitos contratuais
prolongam-se no tempo, e a rescisão contratual opera-se por vontade das
partes. Contudo, em se tratando de contrato de plano de saúde, a rescisão
por parte da operadora somente será legal se houver expressa
autorização da ANS, nas hipóteses de inadimplemento superior a 60 dias.
c) Onerosidade: trata-se de um contrato que envolve necessariamente
pagamento sucessivo e mensal do beneficiário. Ressalte-se que o
inadimplemento por si só não permite que a operadora do plano de saúde
suspenda ou interrompa o atendimento, muito menos a rescisão unilateral
sem expressa autorização da ANS, precedido do devido processo
administrativo.
d) Comutatividade: refere-se à troca de obrigações. Nesse caso, obrigações
mútuas para os contratantes. Para o beneficiário, o pagamento das
mensalidades; para o plano de saúde, a disponibilização de atendimento
em rede de serviços médicos.
e) Adesão: não há espaço para modificar as cláusulas contratuais. O
beneficiário assina o contrato já elaborado pela operadora do plano de
saúde.
f) Aleatoriedade: contrato aleatório é aquele que repousa sobre um
acontecimento incerto. Nesse caso, a operadora do plano de saúde
assume o risco financeiro de arcar com o ônus dos gastos médicos,
tratamentos médicos, exames laboratoriais etc.
Antes de avançarmos, vamos retomar o que vimos até aqui.
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3.2. Princípios gerais do código de defesa do consumidor
Uma vez que as operadoras dos planos de saúde submetem-se ao Código de
Defesa do Consumidor, faz-se necessário relembrar seus princípios gerais, pois
fundamentam a peça processual.
a) Princípio da vulnerabilidade do consumidor: reconhece que o
consumidor (beneficiário) é a parte mais fraca, ou seja, hipossuficiente.
Esse princípio tem por objetivo reequilibrar a relação de consumo,
proibindo ou limitando práticas abusivas no mercado. A inclusão do
reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no Código de Defesa
do Consumidor brasileiro decorre da Resolução da ONU n. 39/248, de
1985, que estabeleceu em seu art. 1º que o “consumidor é a parte mais
fraca”.
A relação jurídica estabelecida entre o beneficiário e
o plano de saúde é regida pelo Código de Defesa do
Consumidor.
A relação jurídica é o vínculo estabelecido entre duas
pessoas, porque uma delas pode requerer um
determinado bem que a outra está contratualmente
obrigada.
Do ponto de vista processual, relação jurídica é o
conflito de interesses normatizado pelo direito.
Relação de consumo é qualquer relação jurídico-
obrigacional estabelecida entre beneficiário e plano
de saúde.
A norma jurídica é uma conduta imposta, admitida ou
reconhecida pelo ordenamento jurídico.
A norma jurídica divide-se em norma de conduta e
norma de organização.
A relação jurídica apresenta os seguintes elementos:
sujeito, objeto e finalidade.
O contrato é o instrumento que concretiza uma relação
jurídica de natureza obrigacional, normatizando direitos e
deveres para os contratantes.
O contrato de plano de saúde é um contrato celebrado entre
beneficiário e plano de saúde. Aquele paga as
mensalidades, e este disponibiliza o atendimento em rede
hospitalar.
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b) Princípio do dever governamental: o Estado tem a responsabilidade de
promover ações eficazes para proteger o consumidor.
c) Princípio da garantia de adequação: adequação dos produtos e serviços
referentes à segurança e à qualidade que é a finalidade ideal almejado
pelo sistema protetivo do consumidor.
d) Princípio da boa-fé nas relações de consumo: diz respeito à lealdade
nas relações entre consumidor e fornecedor, visando a combater os
abusos praticados no mercado.
e) Princípio da informação: devem ser esclarecidos os direitos e deveres
do consumidor e do fornecedor, harmonizando a relação de consumo.
f) Princípio do acesso à justiça: o Estado deve viabilizar o acesso do
consumidor ao Poder Judiciário, a fim de pleitear o direito lesado.
Seguindo esse mesmo raciocínio, faz-se necessário enumerar os direitos
básicos do consumidor (Art. 6º do CDC), a saber:
a) Dever do fornecedor de informar os possíveis riscos que o produto e/ou
serviço oferece à vida, saúde, segurança e patrimônio do consumidor.
b) A educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e
serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas
contratações.
c) a Informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços,
com especificação correta de quantidade, características, composição,
qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que
apresentem.
d) a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais
coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou
impostas no fornecimento de produtos e serviços;
e) a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais
coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou
impostas no fornecimento de produtos e serviços.
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f) A modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações
desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as
tornem excessivamente onerosas.
g) A efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais,
individuais, coletivos e difusos.
h) O acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção
ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou
difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos
necessitados.
i) A facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus
da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for
verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as
regras ordinárias de experiências.
j) A adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.
Os efeitos jurídicos dos contratos de assistência à saúde têm início a partir da
data da assinatura da proposta de adesão ou da assinatura do contrato ou do
pagamento da mensalidade inicial. Esse contrato se renova automaticamente a
partir da vigência inicial, sendo proibida a cobrança de qualquer taxa a título de
renovação.
O contrato do plano de saúde é contrato de adesão. Entretanto, o contrato de
adesão, por si só, não é nulo. Devem-se analisar suas cláusulas contratuais. Se o
contrato de adesão não contiver cláusulas abusivas, não há, portanto, abusividade
contratual.
O art. 54 do Código de Defesa do Consumidor define o que é contrato de
adesão. Dispõe o mencionado artigo que:
Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas
pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo
fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa
discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.
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Os contratos de adesão deverão ser escritos com palavras claras e
escrita visível, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de
forma a facilitar a compreensão pelo consumidor.
As cláusulas que impliquem limitação de direito do consumidor deverão ser
redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão. Nesse caso,
as letras devem ser escritas com corpo maior que doze.
É sabido e consabido que os beneficiários dos planos de saúde assinam o
contrato sem ter a liberdade de escolher as cláusulas contratuais, uma vez que elas
já se encontra redigidas e são impostas pelos planos de saúde. Por essa razão, o
Estado permite ao beneficiário discutir as cláusulas abusivas.
Note bem: o que se discute nas ações judiciais de planos de saúde são
“cláusulas abusivas” e não “nulidade do contrato”.
No Direito de Saúde Suplementar, o princípio de que as partes se obrigam em
um contrato é relativizado a favor do equilíbrio contratual, permitindo o Código de
Defesa do Consumidor, no art. 6º, inc. V, “a modificação das cláusulas contratuais
que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos
supervenientes que as tornem excessivamente onerosas.”
A expressão “cláusula leonina” tem origem numa fábula de Esopo (escritor da
Grécia antiga): uma vaca, uma cabra e uma ovelha haviam feito um acordo com um
leão com o objetivo de caçar um cervo. Depois da bem sucedida caça, partindo o
cervo em quatro partes, o leão disse: a primeira parte me pertence, pois é meu
direito como leão; a segunda também me pertence, porque sou mais forte do que
vós; a terceira levo, porque trabalhei mais que todos; e quem tocar na quarta parte
me terá como inimigo, de modo que o leão tomou o cervo para si.
O art. 51 do CDC indicam as cláusulas contratuais consideradas abusivas.
Não se trata de cláusula taxativa, em virtude da expressão “entre outras” no “caput”
do artigo. Dentre elas interessam ao Direito da Saúde Suplementar:
a) subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos
casos previstos neste código;
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b) estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o
consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a
boa-fé ou a eqüidade;
c) estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor;
d) permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de
maneira unilateral;
e) autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que
igual direito seja conferido ao consumidor;
f) autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a
qualidade do contrato, após sua celebração.
4. Empresas operadoras de planos privados de assistência à saúde
Os sistemas privados de medicina supletiva são aqueles que desempenham
funções de prestação de serviços de saúde não remuneradas pelo setor público. As
principais modalidades do setor da saúde são: medicina em grupo, cooperativas
médicas, as administradoras e o seguro-saúde.
Para este estudo, interessa definir administradora e operadoras dos planos de
saúde. As administradoras, como o próprio nome diz, administram planos ou
serviços de assistência à saúde. São financiadas por operadora, não assumem o
risco decorrente da operação dos planos de saúde e não possuem redes próprias da
saúde. A operadora de plano de assistência a saúde é a pessoa jurídica constituída
sob a modalidade de sociedade civil ou comercial, cooperativa, ou entidade de
autogestão, que opere produto ou serviço.
O art. 4º da Resolução n. 08/1998 do Conselho de Saúde Suplementar
(CONSU) enumera os deveres das operadoras de saúde:
a) Informar clara e precisamente ao consumidor, no material publicitário, no
contrato e no livro da rede de serviços, os mecanismos de regulação
adotados e todas as condições de cada modalidade.
b) Encaminhar à ANS, quando solicitado, documento técnico demonstrando
os mecanismos adotados e os critérios para sua atualização.
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c) Quando houver impasse no decorrer do contrato, se solicitado, fornecer ao
consumidor laudo detalhado com cópia de toda a documentação relativa
às questões de impasse.
d) Garantir ao consumidor o atendimento pelo profissional avaliador para
definição dos casos de aplicação das regras de regulação, no prazo
máximo de 01 dia útil a partir do momento da solicitação ou em prazo
inferior quando caracterizar urgência.
e) Quando houver divergência médica ou odontológica a respeito da
autorização prévia, garantir a definição do impasse através da junta
constituída pelo profissional solicitante (ou nomeado pelo usuário), por
médico da operadora e por um terceiro (escolhido em comum acordo
pelos profissionais acima nomeados), cuja remuneração ficará a cargo da
operadora.
f) Quando houver participação do consumidor nas despesas decorrentes da
realização de procedimentos, informar previamente à rede credenciada
e/ou referenciada em forma de franquia.
g) Em caso de internação, quando optar por fator moderador, estabelecer
valores prefixados por procedimentos e/ou patologias, que não poderão
sofrer indexação, cujos valores devem ser expressos em reais.
O art. 2º da mesma resolução indica o que as operadoras não podem fazer:
a) Impedir ou dificultar o atendimento em situações de urgência e
emergência.
b) Limitar a assistência, adotando valores máximos de remuneração para
procedimentos, exceto as previstas em contratos com cláusulas de
reembolso.
c) Diferenciar por faixa etária, grau de parentesco ou outras classificações
dentro do mesmo plano.
d) Negar autorização para a realização de um procedimento, exclusivamente
porque o profissional solicitante não pertence à rede credenciada da
operadora.
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e) Definir coparticipação ou franquia no valor integral do procedimento a ser
realizado pelo usuário, ou criar fatores de restrição que dificultem o acesso
aos serviços.
f) Limitar, em forma de percentual por evento, os casos de internação,
exceto as definições especificadas em saúde mental.
g) Reembolsar o consumidor as despesas médicas efetuadas através do
sistema de livre escolha, em valor inferior ao pago diretamente na rede
credenciada ou referenciada.
h) Exercer qualquer atividade ou prática que infrinja o Código de Ética
Médica ou Odontológica.
i) Exercer qualquer atividade que caracterize conflito com as disposições
legais em vigor.
A experiência indica que as operadoras de plano de saúde:
a) Negam cobertura de internação e exames laboratoriais;
b) Restrição no período de internação.
c) Aumento desproporcional no valor da mensalidade do beneficiário, quando
ele completa 60 anos de idade.
d) Negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento de que a
natureza do medicamento é experimental ou não está previsto no rol de
procedimentos da ANS.
Caso a administradora ou a operadora não cumpram com a cláusula
contratual, resta propor ação judicial.
5. Elaboração de petição inicial de revisão contratual de cláusula leonina de
plano de saúde.
A proposta agora é aplicar a teoria em um caso jurídico, a fim de elaborar a
petição inicial. Para facilitar o trabalho, utilizou-se o problema do V Exame de Ordem
Unificado de Direito Civil (Prova Prático-Profissional) da FGV/2011.
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Em 19 de março de 2005, Agenor da Silva Gomes, brasileiro, natural do Rio
de Janeiro, bibliotecário, viúvo, aposentado, residente na Rua São João Batista, n.
24, apartamento 125, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, RJ, contrata o Plano de
Saúde Bem-Estar para prestação de serviços de assistência médica com cobertura
total em casos de acidentes, cirurgias, emergências, exames, consultas
ambulatoriais, resgate em ambulâncias e até mesmo com uso de helicópteros,
enfim, tudo o que se espera de um dos melhores planos de saúde existentes no
país.
Em 4 de julho de 2010, foi internado na Clínica São Marcelino Champagnat,
na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, vítima de grave acidente vascular cerebral (AVC).
Seu estado de saúde piora a cada dia, e seu único filho Arnaldo da Silva Gomes,
brasileiro, natural do Rio de Janeiro, divorciado, dentista, que reside em companhia
do pai, está seriamente preocupado.
Ao visitar o pai, no dia 16 de julho do mesmo mês, é levado à direção da
clínica e informado pelo médico responsável, Dr. Marcos Vinícius Pereira, que o
quadro comatoso do senhor Agenor é de fato muito grave, mas não há motivo para
que ele permaneça internado na UTI (Unidade de Tratamento Intensivo) da clínica, e
sim em casa com a instalação de home care com os equipamentos necessários à
manutenção de sua vida com conforto e dignidade. Avisa ainda que, em 48 horas,
não restará outra saída senão dar alta ao senhor Agenor para que ele continue com
o tratamento em casa, pois certamente é a melhor opção de tratamento.
Em estado de choque com a notícia, vendo a impossibilidade do pai de
manifestar-se sobre seu próprio estado de saúde, Arnaldo entra em contato
imediatamente com o plano de saúde, e este informa que nada pode fazer, pois não
existe a possibilidade de instalar home care para garantir o tratamento do paciente.
Desesperado, Arnaldo procura você, advogado(a), em busca de uma solução.
Redija a peça processual adequada, fundamentando-a apropriadamente.
PEÇA PRÁTICO-PROFISSIONAL - Estudo de caso que será apresentado em sala de aula
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6. Política nacional das relações de consumo
O artigo 170, inciso V, da Constituição Federal explicita que o legislador
constituinte, ao tratar da ordem econômica e financeira, entendeu que um dos
princípios gerais da atividade econômica é a defesa do consumidor: “A ordem
econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por
fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social,
observados os seguintes princípios: (...) V – defesa do consumidor”.
Ficou claro para a sociedade brasileira que a ordem econômica, fundada na
valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, deve ter por fim assegurar a
todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social, observando o
princípio da defesa do consumidor, agora direito fundamental do cidadão brasileiro.
A Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990, chamada de Código de Defesa do
Consumidor, nasceu com a especial tarefa de regular as relações jurídicas de
consumo, considerando a desigualdade que se apresentava entre o fornecedor (e
assemelhados) e o consumidor (destinatário final).
Para regulamentar as relações de consumo, o CDC dedicou o capítulo II à
política nacional de relações de consumo, tendo por objetivo o atendimento das
necessidades dos consumidores, o respeito à dignidade, saúde e segurança, a
proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem
como a transparência e harmonia das relações de consumo.
Para tanto, essa política de proteção deve atender aos seguintes princípios:
a) Reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de
consumo: o consumidor certamente é aquele que não dispõe de controle
sobre os bens de produção e, por conseguinte, deve submeter-se ao
poder dos titulares destes. (Responsabilidade objetiva e inversão do ônus
da prova)
b) Ação governamental no sentido de proteger efetivamente o
consumidor: esses objetivos devem ser alcançados por iniciativa direta,
por incentivos à criação e desenvolvimento de associações
representativas, pela presença do Estado no mercado de consumo e pela
garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade,
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segurança, durabilidade e desempenho. Cabe ao Estado não apenas
desenvolver atividades no sentido da política nacional de relações de
consumo, com a instituição de órgãos públicos de defesa do consumidor e
incentivo à criação de associações civis representativas, mas, no campo
da ação efetiva, cabe a ele regular o mercado, mediante a assunção de
faixas de produção não atingidas pela iniciativa privada, intervindo quando
haja distorções, sem falar no zelo pela qualidade, segurança, durabilidade
e desempenho dos produtos e serviços oferecidos ao público consumidor.
c) Harmonização dos interesses dos participantes das relações de
consumo: visa à compatibilização da proteção do consumidor com a
necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a
viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170 da
CF), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre
consumidores e fornecedores.
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