CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE
CURSO DE SERVIÇO SOCIAL
CONCEIÇÃO RODRIGUES TEODÓZIO
PRISÃO E CONVERSÃO EVANGÉLICA NA PFHVA:
NO DISCURSO O SENTIDO É DADO
FORTALEZA/2013
CONCEIÇÃO RODRIGUES TEODÓZIO
PRISÃO E CONVERSÃO EVANGÉLICA NA PFHVA:
NO DISCURSO O SENTIDO É DADO
Monografia submetida à aprovação da Coordenação do Curso de Serviço Social do Centro Superior do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Serviço Social.
FORTALEZA/2013
Bibliotecário Marksuel Mariz de Lima CRB-3/1274
T314p Teodózio, Conceição Rodrigues
Prisão e conversão evangélica na PFHVA: no discurso o sentido é dado / Conceição Rodrigues Teodózio. Fortaleza – 2013.
103f. Il.
Orientador: Profº. Dr. Alexandre Carneiro de Souza.
Trabalho de Conclusão de curso (graduação) – Faculdade Cearense, Curso de Serviço Social, 2013.
1. Prisão. 2. Evangélicos. 3. PFHVA. I. Souza,
Alexandre Carneiro. II. Título
CDU 316.356
CONCEIÇÃO RODRIGUES TEODÓZIO
PRISÃO E CONVERSÃO EVANGÉLICA NA PFHVA:
NO DISCURSO O SENTIDO É DADO
Monografia como pré-requisito para obtenção do título de Bacharelado em Serviço Social, outorgado pela Faculdade Cearense – FaC, tendo sido aprovada pela banca examinadora composta pelos professores. Data de aprovação: ____/ ____/____
BANCA EXAMINADORA
____________________________________
Prof. Dr. Alexandre Carneiro de Souza
Orientador
_____________________________________
Prof. Me. Mário Henrique Castro Benevides
Banca Examinadora
_____________________________________
Profª. Me. Rúbia Gonçalves
Banca Examinadora
Dedico este trabalho aquelas pessoas que mais depositaram
confiança em minhas escolhas e que me apoiaram em todos os
momentos de dificuldades: meus pais, meu irmão e minha tia
Conceição sempre tão presentes em minha vida. Por fim,
principalmente pela paciência e compreensão em todos os
momentos de ausência.
AGRADECIMENTOS
Primeiramente agradeço a Deus pela oportunidade de encerrar mais um
ciclo vitorioso em minha vida, que é a formatura em Serviço Social. Essa conquista
não seria possível sem a valorosa e fundamental contribuição de muitas pessoas,
fundamentalmente a minha família.
Aos meus pais, Gorethe e Izidoro, que me deram a vida e me ensinaram
a vivê-la com dignidade, amor, carinho, dedicação e proteção de ambos, fizeram
com que os percursos mais obscuros tornassem iluminados. Ao meu irmão, Manoel,
por fazer parte da minha vida e dividirmos momentos juntos.
A minha tia Conceição, sempre muito presente em todos os momentos da
minha vida, através do incentivo e de suas palavras de apoio.
A minha querida e adorada, Ana Lourdes Maia Leitão, minha primeira
supervisora de estágio (na época no CREAS de Maracanaú) hoje uma grande amiga
e confidente. Agradeço infinitamente a confiança que sempre depositou em mim e a
experiência profissional a qual me proporcionou.
As minhas queridas Naná e Jê, outras supervisoras, estas do CESF com
quem passei pouco tempo, mas que contribuíram intensamente para a minha
formação. Cada uma com uma ética profissional e comprometimento com o seu
público de atendimento inquestionável. Destaco ainda a organização de ambas, e
essa era uma característica exigida a todas suas estagiárias. Levarei sempre comigo
o profissionalismo, comprometimento e organização que me foi tão bem ensinado.
Ao diretor, agentes penitenciários e ao gerente administrativo da
Penitenciária Francisco Hélio Viana de Araújo- PFHVA e a SEJUS o meu
reconhecimento e agradecimento pela oportunidade de permitir a realização da
pesquisa nesta referida unidade.
Aos grandes MESTRES que tive a honra de ser aluna, pelos
ensinamentos, pelo empenho e pela oportunidade do debate de ideias ao longo
destes anos.
Ao professor Dr. Alexandre Carneiro, peça fundamental para a existência
desse trabalho, pessoa com quem pude tirar dúvidas e me orientar para o caminho
certo. Agradeço infinitamente por todas as orientações.
Ao querido professor Me. Mário Henrique, com quem eu pude em vários
momentos tirar dúvidas e levar meus questionamentos. Obrigada!
Agradeço também especialmente aos vários colegas que fiz ao longo do
curso, parceiros de estudo e das dificuldades vencidas nesta árdua jornada. Alguns
permanecerão para sempre em meu circulo mais íntimo de amizade e outros
certamente voltaremos a nos encontrar pela vida.
Não posso esquecer também dos amigos que direta ou indiretamente
contribuíram para o meu desenvolvimento acadêmico.
A todos, o meu muito obrigado!
RESUMO
Esta pesquisa tem como objetivo principal compreender, a partir da percepção dos sujeitos reclusos, o papel da conversão evangélica. Para tal foi entrevistado 13 internos da Penitenciária Francisco Hélio Viana de Araújo- PFHVA, situada em Pacatuba/ Ce, região metropolitana de Fortaleza/ Ce. Para se compreender a categoria prisão fez se necessário explanar a historicização e a Antiguidade até a Modernidade. No trabalho é abordada a partir dos discursos dos entrevistados a importância de ser crente dentro de uma Unidade Prisional, se existe interesse que resguarda a conversão evangélica, e como os conversos passam a serem visto pela massa carcerária. A pesquisa se caracteriza como um estudo de caso qualitativo, tendo como método de análise a hermenêutica dialética. Nos achados da pesquisa foi possível fazer uma divisão dos sujeitos entrevistados em: evangélicos praticantes, não praticantes, católicos e os sem religião. As falas dos entrevistados permitiram concluir que a conversão está ligada ao sofrimento, abandono. Por fim, se compreendeu que para os sujeitos crentes que estão reclusos, manter a imagem de “irmão” é um desafio constante, precisam estar provando constantemente através de suas ações a veracidade da conversão, ou seja, a conversão na prisão perpassa o olhar do descrédito e da desconfiança. Palavras-chave: Prisão, PFHVA, evangélicos.
ABSTRACT
This research aims to understand the main, from the perception of the subjects prisoners, the role of evangelical conversion For such was interviewed 13 internal Hélio Viana Penitentiary Francisco de Araújo-PFHVA, located in Pacatuba / CE, metropolitan region of Fortaleza / CE. To understand the category arrest made if necessary explain the historicizing and Antiquity to Modernity. In the work is discussed from the interviews the importance of being a believer in a prison unit, if there is interest that protects the evangelical conversion, and how are the converts are to be seen by the mass prison. The research is characterized as a Qualitative Case Study, with the method of analysis hermeneutic dialectics. The findings of the research was possible to make a division of the subjects interviewed in; evangelicals practicing and non-practicing Catholics and those with no religion. The speeches of the respondents indicated that the conversion is linked to suffering, abandonment. Finally, it was realized that for subjects who are believers inmates, keeping the image of "brother" is a constant challenge, need to be constantly proving through their actions the truth of conversion, ie the conversion in prison pervades the look distrust and suspicion.
Keywords: Prison, PFHVA evangelicals.
LISTA DE ABREVIATURA E SIGLA
CESF Centro Educacional São Francisco
CPPL CAUCAIA Casa de Privação Provisória de Liberdade Desembargador
Francisco Adalberto de Oliveira Barros Leal
CPPL I Casa de Privação Provisória de Liberdade Agente Luciano
Cavalcante
CPPL II Casa de Privação Provisória de Liberdade Professor Clodoaldo
Pinto
CREAS Centro de Referência Especializado da Assistência Social
CSD Chefe de Segurança e Disciplina
DEPEN Departamento Penitenciário Nacional
HGSPPOL Hospital Geral e Sanatório Penal Professor Otávio Lobo
INFOPEN Sistema Integrado de Informações Penitenciárias
IPF Instituto Penal Feminino Desembargadora Auri Moura Costa
IPGSG Instituto Psiquiátrico Governador Stênio Gomes
IPPOO I Instituto Presídio Professor Olavo Oliveira I
IPPOO II Instituto Presídio Professor Olavo Oliveira II
IPPS Instituto Penal Paulo Sarasate
LEP Lei de Execuções Penais
OAB Ordem dos Advogados do Brasil
PFHVA Penitenciária Francisco Hélio Viana de Araújo
PIRC Penitenciária Industrial Regional do Cariri
PIRS Penitenciária Industrial Regional de Sobral
PM Policia Militar
SEJUS Secretaria de Justiça e Cidadania do Estado do Ceará
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..........................................................................................................12
1- PRA QUE PUNIR? A QUEM PUNIR? COMO PUNIR?.......................................15
1.1- SISTEMA PRISIONAL, SEUS SIGNIFICADOS E CONSEQUÊNCIAS.............15
1.2- RELIGIÃO NA PRISÃO: UTILITARISMO OU OPORTUNISMO?.......................23
2-HISTÓRIA DA PRISÃO: O PASSADO NUNCA ESTÁ MORTO. ELE NEM
SEQUER PASSOU....................................................................................................30
2.1- DO MEDIEVO A MODERNIDADE.....................................................................30
2.2- NA AMÉRICA LATINA: TÉCNICAS DIFERENTES, OBJETIVOS
IGUAIS.......................................................................................................................36
2.3- OS SENTIDOS PERMANECEM AO LONGO DOS TEMPOS ...........................40
3- PRISÃO NO CEARÁ: UM BREVE HISTÓRICO...................................................50
3.1- EVOLUÇÃO DO ENCARCERAMENTO NO CEARÁ .........................................51
3.2 - PENITENCIÁRIA FRANCISCO HÉLIO VIANA DE ARAÚJO............................56
4- RELIGIOSIDADE E PRISÃO: NO DISCURSO O SENTIDO É DADO.................70
4.1- PERCURSO METODOLÓGICO.........................................................................70
4.1.1-PERFIL DOS ENTREVISTADOS......................................................................74
4.1.2- APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS..................................................79
CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................92
REFERÊNCIAS .........................................................................................................96
ANEXO.......................................................................................................................99
APÊNDICE A...........................................................................................................101
APÊNDICE B...........................................................................................................103
12
INTRODUÇÃO
O Sistema Prisional é um tema extremamente polêmico ao ser discutido
na atualidade. Traz consigo uma série de preconceitos embutidos no seio da
sociedade. Muitos têm um sentimento de desprezo pelos indivíduos encarcerados,
chegam a desejarem cumprimento de penas cada vez mais cruéis. Acreditam
fielmente que na prisão esses sujeitos vivem em ambiente de regalias, pensam que
os internos vivem em “hotel”, onde são bem alimentados, bem vestidos e tem
atendimento com profissionais especializados na hora que querem.
Na verdade, esse discurso por parte da população não se deu de forma
aleatória, ele tem um motivo de existir. A mídia divulga constantemente informações
sobre essa realidade e, na maioria das vezes, essas notícias não são retratadas
com fidelidade, não mostram como de fato é a realidade de uma população que vive
encarcerada, a mercê dos agentes executores da pena, sob um poder exaustivo por
parte destes. Podemos perceber que nos noticiários na maioria das vezes só saem
questões referente a algum “motim” nas prisões, dificilmente fazem referência aos
motivos que desencadeia esses “motins” ou trazem pontos referentes às condições
de vida dentro dessas instituições.
Vejamos a seguinte situação: se esses indivíduos são vitimas de
preconceitos por estarem presos, se imagine se além de presos forem evangélicos.
Provavelmente o preconceito pode se torna bem maior, por se esperar do
evangélico outro tipo de conduta; e ai pode ser que não seja apenas por parte da
população que se encontra na sociedade, mas também pela população carcerária
que pode passar a olhar esses sujeitos com desconfiança em relação à conversão a
religião evangélica.
O presente trabalho busca compreender e conhecer a percepção de
alguns apenados da Penitenciária Francisco Hélio Viana de Araújo - PFHVA em
relação ao papel da conversão evangélica por parte de um sujeito recluso em uma
Unidade Prisional e, os efeitos dessa conversão nos indivíduos encarcerados e
como esses sujeitos passam a ser vistos.
A Penitenciária Francisco Hélio Viana de Araújo - PFHVA se situa da
cidade de Pacatuba, zona metropolitana de Fortaleza, Ceará, com capacidade para
525 internos, estando atualmente com 654, ultrapassando a capacidade carcerária.
13
Essa Unidade é destinada aos sujeitos que estão cumprindo pena no regime
fechado. A Penitenciária tem no seu corpo profissional uma equipe multiprofissional,
agentes penitenciários, policiais militares, secretários, serviços gerais, diretor e
diretor adjunto.
Para chegarmos à compreensão da repercussão da conversão evangélica
na prisão, é necessário antes de tudo, analisar como se deu o surgimento da
Instituição Prisão ao longo da história, quais seus desdobramentos e como vem se
estruturando. É também fundamentalmente importante conhecer a realidade
Prisional dos sujeitos do campo pesquisado, assim se pode ter uma compreensão
mais ampla do papel dessa religião, pois se entende que o ambiente é um
condicionante de transformações e mudanças.
Para tanto, este trabalho se estrutura em quatro capítulos. O primeiro
capítulo intitulado “Pra que punir? A quem punir? Como punir?” traz uma visão geral
do que se entende sobre a prisão bem como dos seus desdobramentos diante a
sociedade, a partir de alguns conceitos ou caracterizações realizadas por Foucault,
Goffmam, Durkheim e outros que já desenvolveram trabalhos referentes à temática,
que se desencadearam algumas discussões que permeiam a prisão, religião, poder
e ressocialização.
No segundo capítulo “O passado nunca está morto. Ele nem sequer
passou”. Faz um resgate histórico da prisão iniciando pela antiguidade, Idade Média,
e Modernidade.
No terceiro capítulo se inicia com um breve histórico da prisão no Ceará,
posteriormente se apresenta os elementos do campo onde se encontram os sujeitos
entrevistados, onde faremos uma breve descrição da PFHVA, mostrando questões
referentes à estrutura física, os componentes da Unidade, as relações, o cotidiano e
elementos de pertença religiosa evangélica.
O quarto capítulo apresenta a pesquisa. Primeiramente se destaca o
percurso metodológico, trazendo inicialmente como se deu a escolha pelo tema, o
qual só foi possível em decorrência da experiência da pesquisadora como estagiária
de Serviço Social na PFHVA. Posteriormente se trata da metodologia, descrevendo
de forma transparente os caminhos que foram percorridos para a construção da
pesquisa. Em seguida é apresentada a caracterização dos sujeitos entrevistados,
trazendo um panorama geral. Dando sequência ao capítulo, se mostram os dados e
14
a respectiva analise dos mesmos, a partir dos principais elementos trazidos pelos
entrevistados.
Para concluir, temos as considerações finais, onde por meio da analise
sociológica compreendemos como é a repercussão do fenômeno religioso na vida
de um sujeito recluso, e o quão desafiador é manter a imagem de crente dentro de
um sistema opressor.
Por fim, este trabalho colocará como objetivo principal a compreensão do
papel da conversão evangélica a partir do discurso dos reclusos. Nesse contexto se
buscou identificar se existem interesses que resguardam a inserção em grupos
evangélicos na prisão, e se a conversão evangélica fortalece relações sociais. Não
deixando de buscar conhecer a forma como esses indivíduos conversos passam a
ser vistos pela massa carcerária.
15
CAPÍTULO 1
1 PRA QUE PUNIR? A QUEM PUNIR? COMO PUNIR?
Este capítulo traz algumas discussões em relação à prisão, a partir destas
pretendemos mostrar questões peculiares a esse ambiente e como elas podem
condicionar atitudes dos internos.
1.1 SISTEMA PRISIONAL, SEUS SIGNIFICADOS E CONSEQUÊNCIAS.
As discussões sobre a questão Penitenciária atualmente vem ganhando
mais espaço, já existe considerável número de produções literárias relacionadas ao
tema. Apesar de o Sistema Prisional estar ganhando visibilidade no meio acadêmico
e, nas categorias envolvidas com os Direitos Humanos, se pode colocar que essa
temática ainda é carregada de preconceitos.
Poucos se importam com as questões que ocorrem dentro de uma
Unidade Prisional, ainda é persistente a ligação ao senso comum, de que “bandido”
não presta, não tem jeito, que precisa sofrer mesmo e que é irrecuperável. Grande
parcela da população carrega consigo a ideia de que quanto maior for a pena,
melhor será. Relacionam a privação da liberdade, a tortura e o trato desumano a
uma efetiva “ressocialização” ou assim como expõe Almeida (2001, p.84), talvez se
apoiem na ideia de que a forma de “tratamento desumano bem como as más
condições vivenciadas pelos presos seja uma retribuição justa pelos crimes que
cometeram”.
Talvez de forma inconsciente esses sujeitos tragam consigo um ideal que
era praticado desde antes do surgimento da instituição prisão, onde as formas de
punições desumanas, não eram executadas com o propósito de despertar no réu
uma reflexão do ato cometido, mas sim de mostrar aos indivíduos que não deveriam
agir de forma que violassem as normas, ou seja, funcionava como uma forma de
exercício do poder sobre o indivíduo.
Para impor medo nos indivíduos foram utilizados por um longo período, os
suplícios, caracterizados na obra de Foucault (2010) como sendo os castigos e
torturas corporais: corpos esquartejados, amputações de membros, marcas de ferro
em partes do corpo, exposição do corpo torturado vivo ou morto.
16
Pena corporal, dolorosa, mais ou menos atroz dizia Jaucourt; e acrescentava: “é um fenômeno inexplicável a extensão da imaginação dos homens para a barbárie e a crueldade” ( ENCYCLOPÉDIE, VERBETE SUPLÍCIO Apud FOUCALT, 2010, p. 35).
Diante dos constantes suplícios aplicados nos indivíduos durante séculos,
apareceram no decorrer dos anos leis voltadas à questão da população carcerária.
No caso do Brasil, além das garantias da pessoa presa, estabelecidas na
Constituição Federal e no Código Penal, existe a Lei de Execuções Penal- LEP,
destinada unicamente ao sistema prisional. Essa lei, em tese, é um guia para a
administração prisional, ela regulamenta, normatiza e prevê os direitos e deveres da
pessoa presa.
Quando se entra no âmbito da efetivação da LEP se percebe que na
prática muitos caminhos são divergentes do que preconiza a legislação. Certamente
devem existir interesses por trás da efetivação ou não efetivação do que se
estabelece em lei. Para Xavier (2006, p.08) a falta de cumprimento nessas leis traz
críticas ao sistema.
Com efeito, o preceituado nesses dispositivos legais não é aplicado na prática no cotidiano das prisões em todo o Brasil. Devido a isto, o sistema penal no País e sua administração têm sido focos de ferrenhas críticas por órgãos ligados aos Direitos Humanos e pela imprensa nacional e internacional. São inúmeros os pressupostos de que o sistema penitenciário brasileiro encontra-se em crise e chegando à beira do caos. Essas crises vão desde as incompatibilidades do sistema legislativo punitivo ao sistema de administração carcerária.
Mesmo diante dos avanços no que diz respeito à criação de leis, não
podemos dizer que existe concretude na execução das mesmas. Isso nos remete ao
que Foucault (2010, p.217-218) coloca que “ao fazer da detenção a pena por
excelência, ela introduz processos de dominação”, ou seja, a incompatibilidade do
sistema legislativo ao da administração carcerária pode ser relacionada ao fato dos
executores da pena (agentes do Estado) buscar, mostrar aos presos que sobre eles
existe uma força maior, que ali, reclusos em uma prisão, eles são submissos,
querem assim exercer poder sobre os mesmos.
17
A forma de tratamento punitivo que se tinha na antiguidade pode ser
relacionada aos modos presentes na atualidade, parece que o que ocorreu, foi
apenas uma “modernização” do que podemos chamar de “técnicas de punição”. Mas
elas ainda permanecem injetadas no cotidiano do sistema prisional.
Podem-se comparar as prisões com grandes “depósitos de seres
humanos”, onde os sujeitos são jogados nesses ambientes, ficando tutelados pelo
Estado e vivendo em péssimas condições humanas.
As prisões são cenários de constantes violações de direitos humanos. Os principais problemas enfrentados, segundo a Comissão Parlamentar de Inquérito do Sistema Carcerário ( conhecida como CPI Carcerária) realizada nos presídios de todo país, são: a superlotação, a degradação da infra estrutura carcerária, a corrupção dos próprios policiais, a má administração carcerária, a violência, e a tortura (RELATÓRIO CPI CARCERÁRIA, 2007, p.02).
Foucault (2010) coloca que o corpo supliciado desapareceu há algumas
dezenas de anos. No entanto, essas subcondições humanas (ações violentas,
maus- tratos, humilhações e espancamentos) enfrentadas por presidiários na
atualidade, me parecem ser, uma nova forma de suplícios, onde não se tem o corpo
esquartejado ou amputado como principal forma de repressão, mas sim as
subcondições enfrentadas.
O discurso de Foucault (2010) sobre as prisões não parece que foi
realizado no século passado, na década de 1970; ele dá ares para uma atualidade
prisional que ainda se defronta com a arbitrariedade dos custodiadores. Muito se
falava sobre a inutilidade e a falência da prisão. Contudo ela permanece, até se
transformou, mas não desapareceu com o passar dos tempos.
Foucault (2010, p.218) coloca ainda que se continua fazendo critica ao
sistema, como degradante, parece que não se conseguiu imaginar um sistema que
seja capaz de atender essas criticas, conhecem-se todos os inconvenientes da
prisão, e sabe- se que é perigora, quando não inútil. E, entretanto não “vemos” o que
pôr em seu lugar. Ela é a detestável solução, de que não se pode abrir mão.
18
Ao mesmo tempo em que, Foucault (2010) faz essa critica, também diz
que, não teria como a prisão não ser a pena mais aceita, só ela tira do individuo
aquilo que ele mais ambiciona que é sua liberdade.
Sendo a prisão um ambiente que segrega, isola e priva de liberdade o
sujeito que cometeu infração à lei, Goffman (2003) vai dizer que a prisão leva a
“mortificação do eu” do sujeito, segundo ele, esse processo ocorre quando o
individuo transita para uma realidade externa, a qual vive na sociedade mais ampla,
ficando em um local de confinamento seja ele social ou espacial. Nesse local, o
sujeito passa por mudanças: adaptações, perda da singularidade e da autonomia,
são submetidas às novas regras, obrigado a conviver com outros indivíduos em um
espaço pequeno, cada um com personalidades diferentes e a conviver com a
ociosidade (não tem trabalho nem atividades para todos). Com todo esse processo
de adaptação que o individuo preso passa ao adentrar o sistema prisional, Goffman
(2003) coloca que esse mesmo sujeito acaba desenvolvendo um adoecimento,
caracterizado como a mortificação.
A prisão é um ambiente que priva o indivíduo não só do direito de ir e vir.
Em muitos casos, os sujeitos adentram o sistema prisional com vínculos familiares
fragilizados e, o ambiente carcerário condiciona para o rompimento desses vínculos,
dentre outras perdas; desde as afetivas às profissionais e escolares.
A prisão é um local de sofrimento, onde as pessoas são submetidas a diversos tipos de privação, que vão muito além da restrição de ir e vir. Mesmo em países onde as instituições de cumprimento de pena são mais dignas, o sofrimento é uma característica compartilhada por todos os presos (SABADELL, 2009, p.30 Apud LEITE, A, 2012, p.22).
Foucault (2010, p.223) vem dizer que a solidão deveria ser um
instrumento positivo na reforma do sujeito, porque deve ser um momento para
despertar reflexão e remorso. Contudo, o que garante é o exercício do poder sobre
os sujeitos, condicionando - os a uma submissão total.
Na prisão, se encontra sujeitos, onde na sua maior parte cometeram
delitos, violaram a lei. Nessas instituições os indivíduos são conduzidos para cumprir
sua pena. Rocha (2001, p. 54), enfoca a função da prisão como “um instrumento de
coerção e mecanismo de controle social da violência”. Acontece que em muitos
19
presídios o que se encontra é violência. Assim se torna difícil compreender, como
“tratar” de violência1 em um local, violento.
Com todas essas questões, parece ser a prisão um sistema falido, onde
não se consegue reeducar o sujeito, fazer com que este ao sair do sistema, seja
visto como um indivíduo útil para a sociedade.
Para quem trabalha na área do sistema prisional, especificadamente
fazendo atendimentos aos presos, é comum deparar-se com relatos de experiências
dos presos, bem como criticas ao sistema prisional, alguns caracterizam como algo
“podre” que não recupera, que é uma” escola do crime”.
Externalizam também o fato dos presos serem misturados, não existe
uma separação dos presos por crimes. Expõem que não acham correto que
indivíduos que matam estejam juntos de outro que cometeu um delito de natureza
leve. Existe ainda corrupção dentro do próprio sistema. A forma de tratamento
desumana, principalmente com os que passam pelo isolamento2. Muitos chegam a
se compararem com ratos e gatos mortos, que são jogados de qualquer forma, sem
a menor preocupação, principalmente quando se está no isolamento.
O relato desses sujeitos parece fazer parte de uma realidade não
somente do sistema prisional Cearense. Parece que está enraizada, que é uma
característica comum ao Sistema Prisional. Salla (2001, p.34) nos trás o retrato das
condições da maioria dos presídios brasileiros:
De um lado há os problemas estruturais envolvendo a falta de vagas, superlotação, mistura de presos primários e não-primários, condenados e provisórios, instalações precárias, pequeno número de postos de trabalho e de atividades educativas para os presos, assistência social, jurídica e médica insuficientes. De outro, há uma dinâmica prisional cada vez mais marcada pelos conflitos internos entre grupos de presos. As administrações prisionais, por sua vez, são pouco qualificadas [...]. Muitas delas possuem amplos setores imersos em práticas de corrupção e violência.
1 - Como violência, não devemos entender apenas a tortura física, mas também a o tratamento desumano com o
sujeito preso; má alimentação, violência psicológica, abuso de poder, má condição de higiene, dentre outras.
2 Ambiente destinado aos presos que descumprem normas dentro da Unidade Prisional, ou que por outro motivo
não podem mais permanecer nas vivências.
20
Situações como essas acabam desencadeando no interior das prisões
movimentos contra essas condições, as rebeliões, uma questão que vem
acontecendo frequentemente em diversas unidades prisionais. Para muitos, as
rebeliões se caracterizam como sendo uma forma dos presos chamarem a atenção
da sociedade para as condições nas quais são submetidos. Salla (2001, p.20),
coloca que:
As rebeliões são “momentos extremos de rupturas da “ordem” existentes”. [...] as rebeliões podem ser encaixadas num amplo conjunto de estratégias de que lançam mão os presos, individualmente ou em grupos, para resistir às práticas de imposição de regras e formas de convivência no interir das prisões.
Voltando ao contexto do surgimento da prisão, percebendo a forma de
tratamento e do modo como essa instituição prisão vem se estabelecendo. As
rebeliões não podem ser uma reação que acontecem inesperadamente, entendemos
como uma série de conflitos não resolvidos, e que ao passar dos dias acabam se
acentuando.
Reafirmando essa questão Sykes apud Salla (2001, p.22), repudia a ideia
de que as rebeliões sejam um evento imprevisível “contestando que as prisões seja
um “barril de pólvora” à espera de uma faísca para explodir”.
As rebeliões indiciam ser uma forma de reação do preso contra a
administração prisional, as péssimas condições de saúde, higiene, alimentação,
vestuário, tratamento e as formas de poder exercida sobre a população carcerária.
Todas essas questões transmitem o que Foucault (2001) nos traz em
relação ao poder. Ele acreditava que o poder de dominação que era exercido sobre
os presos deveria ser dosado corretamente, ainda que esse fosse o poder que
deveria ser exercido sobre o preso. Foucault é adepto da teoria que não se deve
analisar o poder, mas sim a forma como ele opera nos sujeitos, ou seja, sua
repercussão. Para ele o poder é exercido tanto pelo dominante como pelo
dominado.
Se entendermos que o poder desenvolve, a auto-formação e auto-
obediência, nesse sentido, as relações de poder operam de forma estratégica,
lógica, gradual, articulada e intencional. Quando não se compreende as normas do
21
poder operado, este tem reação contrária, ao invés dele produzir no sujeito a
compreensão dos limites e das regras, ele gera um caos (XAVIER, p.06).
A pena de prisão traz consigo um conjunto de elementos que discrimina o
sujeito que está ou já esteve preso, traz ainda elementos de coerção tanto no
aspecto físico como psicológico (ROCHA, 2001).
Os elementos psicológicos causados sobre o individuo preso, parece se
evidenciar principalmente quando este deixa a prisão, esse fato parece estar
atrelado à participação da sociedade, quando a todo instante tratam de demonstrar
que o sujeito já esteve preso, e quando ficam esperando que a qualquer momento
ele retorne para a prisão, ou seja, o sujeito passa a não ter mais credibilidade diante
dos outros sujeitos da sociedade, passando na maioria das vezes a serem privados
de oportunidades.
Vive-se atualmente em uma sociedade capitalista, onde o modelo
econômico desenvolvido inclui alguns, outros poucos são incluídos e os demais, os
excluídos são necessários para o desenvolvimento desse modelo econômico
(SIQUEIRA, 2001, p. 59).
Siqueira (2001, p.59), traz exemplos dado por Dupas (1999) de cidadãos
que são tratados como excluídos da sociedade, dentre eles se encontram os presos.
[...] os desempregados de longo prazo, os empregados submetidos a empregos precários e não qualificados, os velhos e os não protegidos pela legislação, os que ganham pouco, os sem- terra, os sem habilidades, os analfabetos, os viciados em drogas, os delinquentes e presos, as crianças problemáticas e quem sofre abusos, os trabalhadores infantis, as mulheres, os estrangeiros, os imigrantes e os refugiados, as minorias raciais, religiosas e em termos de idiomas, os que recebem assistência social, os residentes em vizinhanças deterioradas e os pobres que têm consumo abaixo do nível considerado de subsistência.
Considerando essas classificações, e entendendo que alguns dos sujeitos
reclusos, não se adequariam apenas na condição de preso, mas também, como
indivíduos sem habilidades, analfabetos, usuários de drogas, estrangeiros e que
recebem assistência. Por serem na maioria das vezes excluídos, tornam - se sempre
vistos como alvo mais propício ao mundo do crime. Não estamos aqui afirmando que
essa violação dos direitos seja a causa do envolvimento no crime, mas pode ser um
fator que desencadeia o surgimento e crescimento.
22
Reforçando as causas de uma possível vitimização do sujeito ao mundo
do crime deparamos com o pensamento de Siqueira (2001, p.59), não podemos ter
uma visão simplista e determinista de que unicamente a pobreza gera a
criminalidade. O pauperismo marginaliza, e a marginalidade pode criar delinquente.
Diante dessas situações, Siqueira (2001) ainda acrescenta que existe
uma inversão de valores, no que diz respeito à cobrança da sociedade sobre o
sujeito que comete um delito passível de aplicação de pena em regime fechado.
Quando o sujeito é condenado ele perde a condição de individuo portador de direitos
e deveres para com uma sociedade, passando a se tornar devedor para com esta,
que antes já havia lhe tirado as condições de viver dignamente e honestamente, se
consideradas essas condições que muitas vezes não lhes foram dadas o cidadão
muitas vezes acaba sendo levado ao mundo do crime.
O sujeito condenado passa anos reclusos na prisão, num sistema que
não tem se mostrado ressocializador, com características cada vez mais
degradantes. Mesmo diante desse caos é cobrado constantemente do individuo
preso, sua “recuperação”, sendo que na maioria das vezes, o sistema que rege a
sociedade nunca ofereceu condições dignas a estes sujeitos, no sistema prisional,
tão pouco é oferecido. No entanto, dentro da prisão, e, sobretudo, quando os
indivíduos saem, eles são cobrados, o que na maioria das vezes não lhes foi
oferecido em momento algum.
Talvez sejam essas questões que fazem com que Foucault (1979)
considere a prisão como um sistema falido, como uma solução detestável. Para ele
a prisão deveria ser semelhante à escola, agir em precisão sobre os sujeitos.
Desde 1820 se constata que a prisão, longe de transformar os criminosos
em gente honesta, serve apenas para fabricar novos criminosos ou para afundá-lo
ainda mais na criminalidade (p. 131- 132).
Para que o sujeito preso retorne à sociedade, existem na LEP
determinações onde o individuo poderá e deverá ser submetidos a alguns
programas que, em tese conduzirão o seu retorno para o convívio à sociedade.
No entanto diante desse cenário, a instituição prisional não consegue
sozinha ter um caráter ressocializador, mas punitivos. E é por decorrência das
poucas condições oferecidas nas prisões para reinserir estes indivíduos na
23
sociedade, ou mesmo como meio de buscar amenizar os dias no “purgatório” que
muitos dos presos se aproximam de doutrinas religiosas.
1.2 RELIGIÃO NA PRISÃO: UTILITARISMO OU OPORTUNISMOS?
Em Junho de 2012, o Departamento Penitenciário Nacional- DEPEN3
divulgou os números da população carcerária do Brasil sendo esta composta por
549.577 presos. Em dezembro de 2011 foram divulgados os dados da população
carcerária referente ao Ceará 16. 953, os dados de Junho de 2012 nos trouxeram
novas informações com um aumento dessa população ficando em um total de 18.
304 presos.
A partir desses dados e das constantes noticiais divulgadas na mídia,
percebemos que a população carcerária, em especifico a cearense vem
aumentando constantemente. E esse aumento desenfreado de pessoas envolvidas
em delitos acaba acentuando cada vez mais imagens preconceituosas sobre a
pessoa presa. Esse é um fato que não pode ser ignorado e que em decorrência
dessa expressão da questão social surgem outras: isolamento familiar, repressão,
doenças, falta de assistência, etc.
As prisões estão se tornando espaços onde cada vez mais sua população
se constitui de jovens. O sistema prisional está parecendo um “caminho sem volta”.
Diante do retrato prisional que nos tem sido apresentado, parece ficar evidente o
fracasso dos órgãos gestores da administração do sistema prisional.
Como já citado outras vezes nesse trabalho, as prisões estão se
caracterizando pela ausência constante de materiais básicos indispensáveis para a
higienização, falta de atendimentos médicos, a presença constante da tortura, dos
tratos desumanos e das humilhações.
De acordo com a Lei 7.210/ 1984 (Lei de Execução Penal- LEP), durante
todo período que o preso se encontrar recolhido na Unidade Prisional, ele deverá ter
assistência médica, social, educacional, jurídica, material e religiosa. A Constituição
3 Os dados do DEPEN são disponibilizados no portal do Ministério da Justiça. www.mj.gov.br.
24
do Brasil de 1988 assegura ainda em seu Art. 5º. § XLIX aos presos o respeito, a
integridade física e moral. No Art.5º § III garante que ninguém será submetido a
tratamento desumano ou degradante. Já a LEP em seu Art.41 classifica como direito
dos presos: alimentação, vestuário, exercício das atividades, profissionais,
intelectuais, artísticas e desportistas, assistência material, a saúde, jurídica,
educacional, social e religiosa. Contudo, mesmo diante das garantias estabelecidas
nas legislações, o caos no sistema prisional ainda permanece. Toma espaço o
desrespeito para com essa população, violando os seus direitos enquanto sujeitos
presos como bem se pode ver na seguinte afirmação:
A luz do preconceito social, o bandido, ao ser encarcerado perde todos os seus direitos à dignidade, a assistência e cidadania. Bastamos vê a horrível condição pessoal em que se encontram os detentos de nosso país, jogados e esquecidos “nas masmorras” do desrespeito, esquecendo- se eles próprios de que são seres humanos (BEZERRA, 2010, p.17).
Diante de um cenário onde as situações são degradantes, e os interesses
parecem ser voltados para a punição e vigia do preso, torna-se difícil imaginar como
conseguir reintegrar esses sujeitos à vida fora dos muros prisionais.
Visualizando as condições de uma prisão, pouco provável que ela sozinha
consiga ressocializar indivíduos, assim ocorre à necessidade da junção a outros
meios, como a família, a religião, o trabalho, a educação ou a profissionalização
para que se consiga caminhar em direção à reintegração do preso a sociedade.
Bezerra, (2010) vem dizer que a pena privativa de liberdade deveria ter a
finalidade de ressocializar.
Ressocializar significa reincerir o condenado apto ao convívio social, ou
seja, reeducar ou educar o condenado de tal maneira que se adapte a viver em
sociedade respeitando as regras (normas) impostas (BEZERRA; 2010; p.40).
A LEP foi um avanço no que diz respeito ao tratamento com a pessoa
presa, enfatizou a finalidade do processo de ressocialização, bem como a
importância da participação da sociedade nesse processo.
É triste se vê que nos dias atuais, mesmo que a legislação pátria assegure ao apenado humanização e individualização, voltado a reincerir o condenado na sociedade através de educação, trabalho profissionalizante e tratamento humanizado, o Estado ainda não conseguiu por em pratica a
25
legislação vigente, bastando se vê a situação em que se encontram a maioria dos presídios brasileiros [...]. Na verdade o direito existe, mas não é efetivado (BEZERRA; 2010; p.41).
Como bem já falamos anteriormente, a maior parte das pessoas que se
encontram dentro do sistema prisional, são indivíduos que antes mesmo de serem
presos já tinham sido excluídos da sociedade. Muitos são pobres, não tiveram
oportunidades e acabaram se tornando pessoas vulneráveis ao envolvimento no
mundo do crime. Nesse sentido, torna-se difícil imaginar um caminho para reeducar
e reincerir esses sujeitos, onde na sua maior parte não teve educação ou mesmo foi
socializado.
Contudo, devemos analisar os meios possíveis que possa vir a induzir
esses indivíduos a reinserção social. Bezerra (2010) coloca que a manutenção de
vínculos familiares, o estudo, o trabalho e a religião são meios muito importantes no
processo ressocializador.
O estudo, além de ser um dos direitos assegurados aos detentos pela LEP é um dos mecanismos destinados a ressocialização. Viabiliza uma formação acadêmica, as quais, muitas vezes não tiveram acesso quando em liberdade; e também propicia uma melhor formação profissional (p. 42).
A atividade laborativa deve ser reconhecida como um valor intrinsecamente social, independente do posicionamento da pena, ou seja, advém da sociedade e a ela se destina, como meio de criação, produção, dominação, sobrevivência, reprodução das condições humanas, inserção do ser humano no grupo social, por meio do reconhecimento de seu papel profissional (p.46).
O vínculo com a família é muito importante na ressocialização, para que o presidiário não perca o contato com o mundo exterior. A família pode ser muito útil, pois pode resgatar o individuo da marginalidade, desde que com bastante equilíbrio (p.42).
Para Bezerra (2010) a religião é outro mecanismo auxiliar no processo de
ressocialização. Para ele a religião se mostra importante no padrão disciplinador,
pois os grupos preconizam padrões de comportamento compatíveis com a boa
convivência social, respeito, amor e dignidade. Bezerra (2010, p.41-42) ainda
enfatiza que a religião pode vir a suprir a ausência de assistência nas prisões “a
religião pode suprir a ausência da assistência social nos presídios, pois nem sempre
os reclusos possuem famílias, ou estas os abandonam e o único elo que os resta
extramuros, é a visita dos religiosos”.
26
E são justamente entre essas duas questões que se acentuam os
debates sobre a real importância da religião na prisão. Existe sempre o
questionamento se a conversão à religião dentro da prisão, principalmente a
evangélica é verdadeira. Sempre ocorre uma ambivalência, em um momento são
vistos com desconfiança, por alguns membros dessa religião ter um afã
evangelizador, e uma busca constante por fieis. Contudo também despertam alívio,
pela caracterização que repercute sobre esse grupo evangélico, que é a de
“pacificação”. É corriqueiro se ver em noticiários jornalísticos a presença de
representantes religiosos para conter ou participar das negociações das rebeliões.
Ao tomar nesse trabalho a religião evangélica como ponto central, a
escolha não se deu ao acaso, mas pelo fato dos grupos evangélicos em sua maioria
se constituírem grupos a parte dos demais presos, destacando por sua aparência e
conduta diferenciada.
Dias (2005) diz que se desejamos compreender o significado de práticas
dentro de um sistema prisional, devemos antes, nos atentarmos para as
particularidades desse sistema.
O sistema social constituído no interior do espaço prisional é marcado pela especificidade das normas e valores que presidem as relações aí estabelecidas e deve ser entendidos como uma sociedade dentro da sociedade mais ampla (SYKES 1974 Apud DIAS 2005, p. 40).
Assim como na sociedade mais ampla, dentro da sociedade micro, que no
caso em questão, seria a prisão, os indivíduos também assumem uma identidade,
mas diferentemente dos indivíduos da macro sociedade. Dias (2005) trás conforme
Goffman (2002) que a identidade que um indivíduo assume está diretamente ligada
às disposições institucionais que ditam o que se esperar que um indivíduo seja, a
partir do estabelecimento de padrões e características que o mesmo deverá
representar, a fim de informar a posição e o lugar que determinada instituição social
lhe coloca.
Trazendo essa questão para o sistema prisional, é importante que ao
analisar questões referentes à população carcerária, devem-se perceber quais os
papeis que estão disponíveis para representações nesse ambiente, e as normas
vigentes nas relações.
27
Dias (2005) faz uma divisão da população carcerária em dois grupos: o do
mundo do trabalho e do crime. E para ela isso é condição para que nesse meio, o
sistema social não permita uma variedade de identidade assumida pela pessoa
presa.
Ao mundo do trabalho as normas de conduta, valores e bom
comportamento são aquelas que prevalecem e são estabelecidas na sociedade mais
ampla. O indivíduo não se encaixando nestas, ele provavelmente estará no grupo do
mundo do crime. Onde mostrará lealdade aos seus companheiros, não “deletando”
estes, sob pena de sofre represálias por parte dos mesmos.
Entendendo o mundo do trabalho a partir do pensamento de Dias (2005)
como sendo aquele onde os indivíduos estão predispostos a valorizarem o trabalho,
a família e a educação, como meio de buscar o caminho para o retorno à sociedade
fora de um ambiente transgressor das leis. Podemos entender também que a
religião é um pilar para a mudança de mundo, pois o indivíduo converso na sua
maioria busca aderir às normas de boas condutas, ainda que esta conversão não
seja verdadeira.
Sendo a conversão evangélica na prisão carregada de desconfianças,
não se pode considerar aqui apenas o fato do discurso religioso ser um caminho
para a ressocialização, e que a religião é uma forma de resgatar valores e crenças
antes perdidos, e ate mesmo restabelecer vínculos familiares fragilizados. Devemos
também considerar a colocação de Bourdieu (1998) quando ele diz que a religião
excede essa definição propriamente religiosa, ela também cumpre uma função
social, não vem apenas para “amenizar” uma questão espiritual ou emocional, com o
intuito de restabelecer vínculos, mas também corresponde à de representação social
do indivíduo perante outros.
Se a religião cumpre funções sociais, tornando- se, portanto, passível de análise sociológica tal se deve ao fato que os leigos não esperam da religião apenas justificações de existir capazes de livra- lós da angustia existencial, da contingência e da solidão, da miséria biológica, da doença do sofrimento ou da morte. Contam como (Sic) ela para que lhe forneça justificações de existir em uma posição social determinada, em suma, de existir como de fato existem, ou seja, com todas as propriedades que lhes são socialmente inerentes (BOURDIEU, 1998: 48 Apud MELO, 2007).
28
Segundo Dias (2006), para que haja uma compreensão da prática
evangélica no cárcere, é preciso considerar o contexto em que ela se realiza, os
padrões que são estabelecidos e normas desse universo. Não se pode compreender
a representação religiosa, dissociando o grupo evangélico dos demais grupos
existentes na prisão, nem tão pouco do poder que é exercido sobre a população
carcerária. É preciso conhecer as relações, normas e valores existentes entre os
presos e até mesmo entre a administração prisional.
O espaço prisional por tudo que já foi visto pode ser um universo
caracterizado pela massificação, desumanização e isolamento dos presos, acaba se
tornando um ambiente favorável a conversão. A prisão sozinha por não cumprir sua
função social, que é a de ressocializar, precisa de outras instituições, e estando o
sujeito preso, muitas vezes desassistido tanto pela família como pelo Estado podem
ver na religião evangélica uma “tábua” de salvação. Contudo, muitas vezes a igreja
presta assistência, mas em contrapartida visa um retorno. Valéria (2007) caracteriza
como sendo o “toma lá dá cá”.
De um lado está o detento que precisa da igreja para ajudá-lo materialmente [...] que precisa da cura da doença por meio sobrenatural, porque a assistência médica no presídio é caótica, que precisa de entretenimento porque lá na igreja ele envolve o seu tempo com atividades do culto, goza de maior prestígio social em suas relações com outros detentos, incrementa seu status social porque fala ao microfone, canta, dá testemunho, dá conselhos aos outros, redefinindo- se à frente dos outros como ser transformado e não mais moralmente marginalizado. Isso garante um sentimento familiar uns com outros, substituindo os laços familiares perdidos, em que se chamam uns com os outros de irmãos e abraçam-se, oram juntos, etc [...] (p. 09).
De outro lado está à igreja que precisa do detento para preencher seus bancos bem como de seus familiares que ali vão visitá-lo, que por sua vez, podem se converter e passar a praticar a mesma religião nos seus templos lá fora, garantindo o crescimento de fiéis não só dentro da igreja local, mas também das tantas outras igrejas próximas às residências dos visitantes [...] (p.10).
A religião ora aparece como se estivesse garantindo ou inspirando na
população carcerária maior confiabilidade para ocupar os espaços prisionais e
exercer funções que em princípios são de responsabilidade do próprio Estado. Em
outros momentos ela aparece como uma forma do preso demonstrar ou impor, nos
29
outros presos poder, não no sentido de dominação, mas sim em relação a imagem
social que transmite a massa carcerária.
É nessa ótica que esse trabalho colocará, a partir do discurso dos
reclusos, elementos para se pensar os efeitos que a conversão evangélica produz
nos indivíduos encarcerados e como esses sujeitos passam a ser vistos.
30
CAPÍTULO 2
2 HISTÓRIA DA PRISÃO: O PASSADO NUNCA ESTÁ MORTO. ELE NEM
SEQUER PASSOU
Para se falar de prisão, e do modo como ela vem se desenvolvendo,
torna-se necessário descrevermos e situá-la no contexto mais amplo da sociedade,
através do percurso histórico. Na busca de se compreender a organização da prisão
na contemporaneidade, se desenvolverá neste capítulo uma breve descrição da
história da prisão.
2.1. DO MEDIEVO A MODERNIDADE.
Na Antiguidade, a “prisão” já existia como uma forma de deter o indivíduo.
Por volta de 1700 a. C- 1.280 a.c, já havia no Egito cativeiros, estes tinham como
objetivo custodiar os escravos. Nesse período o Egito tinha como governante central
e absoluto o Faraó, a sociedade era dividida em funcionários que auxiliavam o Faraó
e uma legião de trabalhadores pobres que se dedicavam a agricultura e arcavam
com pesados tributos que eram pagos a este que era tido como o “Deus” supremo
(VICENTINO, 2001); àqueles lavradores que não conseguissem pagar os impostos
através do seu trabalho para o Faraó, tornavam-se escravos.
O ato de conter os indivíduos também era praticado por outras
sociedades (Grécia, Babilônia e Pércia), e estes assim como o Egito, tinham o
objetivo de custodiar e torturar, como forma de puni-los por algo que eles na época
consideravam como crime, (não conseguir pagar impostos, ser desobediente, ser
estrangeiro e prisioneiro de guerra). Esse aprisionamento não tinha caráter penal,
porque não existia na época uma lei para a sanção, assim também, não havia
prisões. Essas pessoas ficavam reclusas em masmorras4 (ver figura 1) até o dia de
receber o castigo (MISCIASCI)5. Nas civilizações egípcias, persas e babilônicas, não
existiam prisões, em decorrência da inexistência de uma sanção penal legal. Nessas
4- Foi um tipo de prisão utilizada até o período industrial. Normalmente esse local ficava em pisos inferiores –
Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Masmorra> Acesso em 23/06/2013.
5Disponível em: http://www.eunanet.net/beth/revistazap/topicos/inicioprisoes1.htm. Acesso em 11/03/2010.
31
sociedades se praticavam os castigos e a pena de morte para os casos
considerados graves (WANDERLEY, 2011).
Nesse período existia na sociedade Babilônica uma legislação, conhecida
como o Código de Hamurabi que dava informações sobre a proporcionalidade das
penas em relação aos delitos cometidos (WANDERLEY, 2011).
Batista (2001) apud Wanderley (2011, p.25) coloca que no Código de
Hamurabi a punição funcionava em equivalência ao dano causado, para exemplificar
ele cita “que se um pedreiro construísse uma casa e esta desabasse, matando o
morador o pedreiro seria morto”.
Assim como na Antiguidade, na Idade Média também não houve muitos
avanços no que se refere a pena, ainda não havia local específico para o
aprisionamento, o isolamento do indivíduo se dava com o mesmo objetivo, aguardar
o julgamento (WANDERLEY, 2011, p.29). Contudo se destaca que nesse período
surge a pena privativa de liberdade, nascendo ligada ao Direito Canônico como
forma de substituir às formas de castigos utilizados cito: tortura corporal como a
amputação de braços, degolar, a roda da guilhotina dentre outros castigos. A maioria
das torturas acontecia em espaços públicos como as praças e ruas, existiam
aqueles castigos em que o indivíduo era arrastado com o ventre aberto e em
seguida lançado ao fogo, tinha ainda casos em que a pena era para que o réu se
tornasse escravo (MISCIASCI)6.
Essa forma de punição, transformada em “espetáculo” era visto por
multidões do período, se constituía numa maneira dos governantes se mostrarem
como a figura arbitraria daquela sociedade, impondo medo nos que ali presenciavam
as punições. Na época a Igreja também usava a punição como forma de castigar os
ditos hereges.
Prisão Eclesiástica [...] destinava-se àqueles que recusavam-se a adotar as ideias da Igreja, sendo retidos em mosteiros para que pudessem refletir e meditar acerca do mal causado, por meio de fustigação corporal, escuridão, isolamento e jejum (BITENCOURT APUD MACEDO, 2011).
6 Disponível em: http://www.eunanet.net/beth/revistazap/topicos/inicioprisoes1.htm. Acesso em 11/03/2010.
32
A igreja buscava através do isolamento a reabilitação e correção do
indivíduo, onde o castigo não tinha o objetivo de destruir o réu, mas sim dele buscar
o seu melhoramento.
Apenas na Idade Moderna, por volta do século XVI e XVIII é que se dá o
nascimento da pena de encarceramento. Nas prisões modernas, essa pena teria
suas raízes nas tentativas de coibir a vagabundagem desde o século XVI (MAIA [et.
al], 2009). Nesse período os instrumentos coercitivos antes utilizados foram
substituídos por instituições de correção, que buscavam reformar os autores de
delitos através do trabalho forçado, disciplinamento, castigo corporal e instrução
religiosa, tendo objetivo não só de punir, mas também prevenir o aumento da
delinquência. Tendo essas formas de punição caráter desumano, nascem
movimentos em protesto. Nesse período podemos citar como destaque o
nascimento das workhouses7, (ver figura 2) um ambiente que era organizado como
uma prisão, onde se utilizava a mão de obra dos reclusos.
O objetivo das workhouses era tirar mendigos e vagabundos das ruas e
lhes ensinar um ofício, para que, quando estivessem em liberdade fossem ganhar o
seu próprio sustento, através da profissão que lhes foi ensinada. Essa medida traria
benefícios para o Estado, pois com a profissionalização o indivíduo ao sair desse
local, poderia custear seus gastos, reduzindo os índices de mendicância e o Estado
não arcaria com o sustento deste (MACEDO8). Diante das guerras e conflitos sociais,
alguns países tiveram quedas em suas riquezas, diminuindo a força de trabalho.
Nesse período ocorre um surto das workhouses, tendo como ênfase o trabalho e o
disciplinamento rígido, fugindo do caráter ressocializador, sendo constituída apenas
como confinamento fundamental para a economia cobrir a ausência de
trabalhadores.
Com a Revolução Industrial do século XIX, as workhouses foram
desaparecendo, pois nesse período havia iniciado o processo de modernização, e o
trabalho manual começou evanescer. Se antes existia ausência de mão de obra,
7 - Casas de trabalho, criadas na Inglaterra no século XX. Disponível em
<http://www.marxists.org/portugues/dicionario/verbetes/w/workhouses.htm>. Acesso em 26/03/2013.
8 Disponível em: http://www.webartigos.com/artigos/historia-e-evolucao-da-pena-de-prisao/77602/. Acesso em
11/03/2013.
33
nesse período já havia um excedente. Assim não se percebia mais a necessidade
de manter um sistema remunerativo dentro da prisão, a economia já não dava mais
conta de incluir toda mão de obra.
Em 1777, o inglês John Howard, sheriff9 de Bedfordshire, escreveu The
State of the Prisions in England and Wales10, neste descreveu as condições em que
se encontravam os presos britânicos, e para ele aquela situação feria a caridade
cristã, a partir de então, John Howard propôs reformas nessas prisões. Suas
mudanças tinham inspirações nos modelos das penitenciárias americanas e da
Europa Continental, baseando-se no confinamento solitário, o trabalho e a instrução
religiosa (MAIA [et. al], 2009).
Jeremy Bentham11 imaginaria um sistema diferente onde a recuperação se
daria através da vigilância diária, idealizando a criação de um edifício, o pan-óptico
(ver figura 3), em que o sistema se daria da seguinte forma: De uma torre central da
prisão o prisioneiro poderia ser continuamente observado pelo carcereiro, e com isso
ter o seu tempo controlado e colocado a serviço de sua regeneração moral (MAIA
[et.al], 2009).
Foi a partir dessas ideias que foram criados por volta do século XIX nos
Estados Unidos os primeiros sistemas penitenciários baseado nessas duas
propostas (MAIA [et.al], 2009). Nesse período a sociedade americana e europeia
estava passando pelo período da Revolução Industrial já vinham enfrentando um
intenso processo de discussão de como se estruturaria o sistema penitenciário, e foi
a partir de então que se chegou a construção dos dois modelos de penitenciárias
para a execução da pena: O Sistema da Pensilvânia e o de Auburn.
O Sistema da Pensilvânia, segundo Fernanda Amaral (2007) foi um
modelo adotado no presídio da Filadélfia, nos Estados Unidos, em 1790. Para Maia
[et.al] (2009), esse sistema tinha como característica propor o isolamento dos
9 - Xerife- Disponível em <https://translate.google.com.br/>. Tradução em 18/03/2013.
10 O Estado dos Presídios na Inglaterra e País de Galés- Disponível em <https://translate.google.com.br/>.
Tradução em 18/03/2013.
11 Filósofo e Jurista Inglês. Fundador da escola utilitarista, que defendia a obtenção do bem- estar do indivíduo
pela organização pragmática da sociedade. Disponível em: https://sites.google.com/a/carlos-
rosa.com/inovacao/educacao-e-tecnologia/historia-da-educacao/educacao-nos-seculos-xvii-xviii-e-xix/jeremy-
bentham. Acessado em 17/ 04/ 2013.
34
presos durante o dia, permitindo que trabalhassem sozinhos em suas celas, durante
todo o período de sua condenação. Rusche e Kirchheimer Apud Amaral (2007) nos
mostra que esse padrão era fundamentado nos princípios dos Quaker12 que viam na
religião a única base para uma educação. Nesse arquétipo de presídio o único
objeto permitido era a bíblia, acreditavam que a partir da leitura, poderia haver uma
reflexão do preso, levando ao arrependimento dos seus pecados.
Segundo Foucault (2010, p.20) ainda que em meados do século XIX o
poder sobre o corpo não tivesse deixado de existir totalmente, mesmo que a pena
não se concentrasse mais sobre o suplício, elas “nunca funcionaram sem certos
complementos punitivos referentes ao corpo: redução alimentar, privação sexual,
expiação física, masmorra”.
De acordo com Amaral (2007), o modelo de Auburn surgiu em 1821, em
Nova York, nesse sistema o objeto regenerador do preso era o trabalho, eram
obrigados a trabalhar durante o dia, e a noite se recolhia nas celas. De acordo com
Foucault (2010, p.224) o modelo auburniano se caracterizava por “celas individuais
durante a noite, trabalho e as refeições em comum, mas, sob a regra do silêncio
absoluto, os detentos só podendo falar com a permissão destes, em voz baixa”.
Acreditavam que as regras a serem seguidas, o respeito à hierarquia, e a vigilância,
seria medidas úteis que preparariam o indivíduo para o retorno a sociedade.
Maia [et.al] (2009), coloca que o sistema de Auburn parecia trazer mais
benefícios para os países industrializados, pois se utilizavam da mão de obra dos
presos.
Esta exploração da mão de obra prisional era fundamentada na ideia de que o Estado não deveria arcar com o sustento do preso, além de ser uma forma de contribuir para a reforma do indivíduo, que encontraria na disciplina do trabalho um meio de não colocar mais a sua energia em pensamentos criminosos, podendo ser reintegrado ao convívio da sociedade quando a pena terminasse. Em alguns casos, os presos tinham direito a receber um salário que, descontadas as despesas com sua manutenção, poderiam guardar para o próprio uso com a família ou para a hora de sua liberação.
12
- Nome dado a um grupo religioso de tradição Protestante. Conhecidos pela defesa do pacifismo e da
simplicidade. Chamado ¨Sociedade Religiosa dos Amigos¨. Foi criado em 1652, por um inglês, que se opunha a
Igreja Anglicana. Disponível em: http://www.dicionarioinformal.com.br/quaker/. Acesso em 19/04/2013.
35
Com o passar do tempo tanto o sistema da Pensilvânia como o de Auburn
passaram a ser criticados pela forma no trato desumano com os reclusos. Maia
[et.al] (2009) traz que muitos dos presos acabavam enlouquecendo por conta da
pressão psicológica por meio do isolamento. A partir de então ocorre à falência
nessas duas formas de sistema, dando inicio, na Europa, os sistemas progressivos,
em que ainda se utilizam de técnicas de disciplinamento de Auburn, mas com um
diferencial. O comportamento do preso influenciaria diretamente na transformação
de sua pena, aqueles que mostrassem um bom comportamento, ganhariam redução
na pena e teriam melhores condições dentro do presídio.
Melossi e Massimo Pavarini Apud Maia [et.al] (2009,p.16), ao estudar os
sistemas prisionais da Inglaterra, Holanda, Itália e Estados Unidos, concluíram que
a pena de privação de liberdade, nasce atrelada ao sistema de desenvolvimento
capitalista, para eles “a prisão surge como uma “pré-fábrica”, ou seja, “o envio de
criminosos e vadios para as casas de correção tinha a função precípua de
transformá-los em operários laboriosos, treinando-os para a rotina de trabalho nas
fábricas”.
36
2.2 NA AMÉRICA LATINA: TÉCNICAS DIFERENTES, OBJETIVOS IGUAIS.
A história das prisões na America Latina, não diverge do objetivo das
prisões da Europa e Estados Unidos, eram locais para detenção de suspeitos e
aqueles que estavam sendo julgados, ou para os considerados delinquentes ficando
no local aguardando a execução da sentença. As prisões ainda continuavam
mantendo as raízes do seu surgimento, como já mencionado.
Durante o período colonial na América Latina, as prisões se
caracterizavam por serem espaços com ausência de segurança, organização e
higiene. Nesse período as prisões não eram os principais meios de castigo, eles se
davam por outros mecanismos.
O castigo [...] se aplicava muito mais [...] por meio de vários outros mecanismos típicos das sociedades do Antigo Regime, [...] execuções públicas, marcas, açoites, trabalhos públicos ou desterros [...] (MAIA [et.al], 2009, p.38).
De acordo com Maia [et.al], (2009) eram diversos os locais que se
caracterizavam por locais de confinamentos para punições: cadeias municipais, de
inquisições, postos policiais e militares, casas religiosas para mulheres
abandonadas, centros privados de detenção como padarias e fábricas. Nestes
locais, os escravos e os considerados delinquentes eram submetidos a trabalhos
forçados, ou a cárceres privados em fazendas e plantações somente para aqueles
trabalhadores indóceis. Destacamos também outros locais como meio de isolamento
da “massa” castigada:
Ilhas como San Juan Fernández, no Chile, San Juan de Ulúa, no México ou San Lorenzo, no Peru e presídios situados em zonas de fronteira eram utilizados para deter e castigar delinquentes considerados altamente perigosos (MAIA [et.al], 2009, p.38).
Foram utilizadas durante muito tempo na América Latina essas formas de
coerção aos indivíduos que desabonassem alguma conduta. Somente durante e
após as guerras de independência do período do colonialismo, é que começa a
37
surgirem criticas por parte de alguns dirigentes políticos as condições existentes na
questão carcerária (MAIA [et.al], 2009).
Nesse período já ocorria tanto na Europa quanto nos Estados Unidos
debates e mudanças acerca das formas dos castigos, e foram justamente esses
debates que levaram a América Latina a considerar e, em razão disto, dando inicio
na década de 1830 novas ideias de punições.
Em Lima, o general José de Sam Martím, logo após a Proclamação de
Independência do Peru em 1821, ao visitar a cadeia propôs melhorias nas condições
desta, atrelando sempre as reformas que ocorriam na Europa e Estados Unidos.
[...] anunciou sua decisão de transformar esses lugares, “onde se sepultavam, se desesperavam e morriam os homens sob o anterior governo”, em espaços onde os detentos podiam ser convertidos “por meio de um trabalho útil e moderado, de homens imorais e viciosos, em cidadãos laboriosos e honrados” (MAIA [et.al], 2009,p.39).
Contudo, tais mudanças não eram frequentes, a questão carcerária pouco
ou em quase nada atraia à atenção dos representantes dos Estados.
A retórica liberal, republicana e de respeito ao Estado de direito que os líderes destes novos Estados independentes professavam era quase sempre neutralizada por discursos e práticas que enfatizavam a necessidade de controlar as massas indisciplinadas e imorais por meio de mecanismos severos de punição (MAIA [et.al], 2009,p. 39).
No século XIX a penitenciária foi instituída como o sistema carcerário na
Europa e Estados Unidos, tendo como modelo o panoptimo , com propostas de
trabalho humanitário e ensinamentos da religião. Segundo Maia [et.al], (2009),
houve por parte de um grupo de autoridades da America Latina interesse por este
modelo, como meio de adequar- se a modernidade, e também tentar buscar formas
de comando sobre a população delinquente. Contudo, existia um grupo maior com
ideia contraria a adoção desse sistema europeu e norte- americano, acreditava que
o sistema iria precisar de um alto investimento público e que não teria maior eficácia
do que o sistema vigente.
38
Esta fascinação com os modelos punitivos europeus e norte- americanos [...] não foi generalizada, ainda que, para alguns funcionários do Estado, a reforma parecesse ser uma boa ideia. Estes, no entanto, não se mostravam muito ansiosos por investir fundos públicos e capital político na construção de edifícios e instituições, certamente caros, que, segundo pensavam, não seriam mais eficazes que as formas tradicionais e informais de castigos amplamente utilizados nessa época (MAIA [et.al], 2009,p. 40).
Mesmo diante das criticas e não aceitação por parte de alguns membros
do Estado acerca dos investimentos nessa área, segundo Maia [et.al], (2009) foi
construído por volta do século XIX algumas penitenciárias modernas na região, com
objetivos de ampliar a participação dos Estados nos esforços de controle social,
eliminação de algumas formas de castigos, transmitir imagem de modernidade ao
adequar-se aos modelos de penitenciárias estrangeiras, proporcionar a população a
sensação de maior segurança, transformar os considerados delinquentes em
cidadão.
Maia [et.al], (2009) discorre que a primeira penitenciária da América
Latina foi a Casa de Correção do Rio de Janeiro tendo iniciado a construção em
1834, sendo concluída em 1850. Em 1844 iniciou a construção da penitenciária de
Santiago no Chile, mas seu funcionamento completo se deu em 1956 baseando-se
no modelo da Filadélfia. A penitenciária de Lima foi construída em 1856, tendo sido
finalizada em 1862, esta seguindo o modelo de Auburn. Por fim tem a penitenciária
de Quito em 1874 e a de Buenos Aires em 1877.
Como o sistema punitivo penitenciário da América Latina veio mais
tardiamente, muitas das penitenciárias surgidas nesse período basearam-se em
sistemas mais modernos como o europeu e norte-americano. Quanto à estrutura
dessas Unidades da América Latina, não houve fidelidade aos padrões estruturais
do modelo “pan- óptico”.
No lugar do pavilhão circular com uma torre de observação ao centro, que teria permitido a vigilância constante e plena [...] estes edifícios consistiam em vários pavilhões retangulares com fileiras de celas em ambos os lados que partiam radialmente de um ponto central, em que se situavam os gabinetes administrativos e os observatórios (MAIA [et.al], 2009,p. 42).
Segundo Maia [et.al], (2009) a construção dessas unidades penitenciárias
veio acompanhada de obstáculos financeiros, muitos governantes viam como gasto
39
desnecessário. As instituições penitenciárias do período sofreram infinitas criticas
por não terem honrado as promessas que fizeram de higiene, tratamento
humanitário aos detentos, eficácia no trabalho de combate ao delito e
ressocialização do recluso.
Nessas penitenciárias reformadas, o elemento central era os regimes de
trabalhos, ainda que nas outras penitenciárias existisse, nestas se daria com um
olhar voltado para outros objetivos, tanto de regeneração do recluso, como uma
forma de custear o financiamento e manutenção dessas instituições. Segundo Maia
[et.al], (2009, p.43) “ muitos detentos viam com bons olhos a oportunidade de ganhar
algum dinheiro, enquanto as autoridades e os empresários privados se beneficiavam
da mão de obra barata”. Como esses países estavam adentrando ao processo de
industrialização careciam de mão de obra, e acabavam absorvendo o trabalho penal
destes.
De acordo com Maia [et.al] (2009) os reformadores latino- americanos
pensavam que as prisões modernas poderiam trabalhar o indivíduo indisciplinado,
treinando- o com bons costumes para tornar-se um cidadão, cumprindo as leis
impostas. Mesmo diante do surgimento dos debates legais e acadêmicos, advindo
das novas doutrinas penais e criminológicas do período após 1870, houve poucas
mudanças e melhorias nos sistemas carcerários desses países.
Podemos destacar que o encarceramento foi uma parte pouco importante
nas estruturas de poder dos países latino-americanos na segunda metade do século
XIX. Conforme Maia [et.al] (2009), o México desde meados do século XIX estava
com um nível de estabilidade econômica importante, se comparado com as décadas
seguinte de sua independência. Após 1876, o país vivenciou até 1911 a ditadura de
Porfirio Díaz13. Nessa época foram mantidas algumas estruturas do governo e outras
foram reforçadas. Nesse contexto, pouco havia interesse para reformar as prisões.
Durante muito tempo o sistema carcerário do México esteve arruinado e abusivo
tanto quanto no período colonial. Os castigos se davam por meio de mecanismo
punitivos opressivos.
13
Nesse período o México recorreu ao capital estrangeiro para restabelecer o desenvolvimento do México.
Mesmo o governo naquele momento está passando por um processo de crescimento, no entanto, a população se
apresentava cada vez mais pobre, devido a entrada do capital estrangeiro. Disponível em:
http://www.colegioweb.com.br/historia/a-revolucao-mexicana.html. Acesso em 17/04/2013.
40
No caso do Brasil, em 1822 o país alcançou a sua independência, mas
manteve tanto a monarquia como a escravidão. A sociedade era organizada e
dividida nos grupos: livres X escravos e negros X brancos. Nesse período existiam
os métodos de coerção policial, segundo Maia [et.al] (2009), estes buscava garantir
o controle da ordem social, laboral e racial, tendo a escravidão o elemento central.
Existia nas áreas de produção de café e açúcar perseguição policial, com o objetivo
de manter o controle e a força de trabalho sobre a população negra escrava e livre.
Assim como o sistema europeu e norte-americano, as prisões no Brasil
estavam atreladas ao desenvolvimento econômico. Maia [et.al] (2009), diz que tanto
as prisões como os castigos foram utilizados para reforçar o trabalho escravo e a
economia de exportação.
Conforme vai ocorrendo o declínio da escravidão e do exercício privado
do poder, ocorre ansiedade em relação ao controle social. Sendo o sistema
penitenciário defasado o Estado busca alternativas para conter os delinquentes, ao
mesmo tempo buscava também oferecer proteção às classes urbanas e impor
controle aos negros livres. Não dispondo de muitas alternativas, o exército foi
empregado como instituição penal, e segundo Maia [et.al] (2009, p.49), “ se
converteu no maior instrumento punitivo para os delinquentes no Brasil durante a
segunda metade do século XIX”. Suspeitos eram recrutados a força, e utilizavam o
alistamento como instrumento de castigo.
Somente no século XX, ocorrem algumas mudanças importantes tanto no
modelo, quanto administração e funcionamento das prisões na América Latina, não
deixando de vir atrelada a incorporação da economia internacional e do
desenvolvimento capitalista.
2.3 OS SENTIDOS PERMANECEM AO LONGO DOS TEMPOS
Segundo Wanderley (2011), quando houve o avanço das tropas
napoleônicas na Europa, a corte portuguesa veio para o Brasil, não havendo tempo
para a colônia se preparar para a chegada da família real. Assim podemos associar
o surgimento da estrutura prisional do Brasil a vinda da Família Real para o país.
Nesse período, o Rio de Janeiro carecia de estrutura prisional, o que se
tinha era a Cadeia do Tribunal da Relação (1747- 1808), para onde eram
41
encaminhados os indivíduos que infringissem as leis impostas. Contudo, com a
chegada da corte foi necessário à transferência da Cadeia para outro local. Como
não existia um local adequado para a instalação desse cárcere, o mesmo ficou
funcionando em um monastério, recebendo o nome de Aljube, durante o período de
1808 e 1856, esse foi o local destinado para a maioria dos presos que aguardavam
sua sentença e os condenados (MAIA [et. al], 2009).
Em 1808 devido à falta de estrutura carcerária foi utilizado durante um
período um navio, o “Príncipe Real”, como prisão. Antes de ser usado para isolar
indivíduos era usado para o combate ao desarmamento. Ao passar a ser utilizado
como prisão, este ficou conhecido como presiganga. Os indivíduos “não eram
“condenados á presiganga”, mas nela depositados por condenação ou imposição ao
trabalho forçado, por recrutamento forçado ou para receber castigo corporal”. Assim
a presiganga não poderia ser comparada as instituições modernas de prisão, pois as
pessoas que eram encaminhadas para lá, não iam por decorrência de receber a
pena privativa de liberdade. O presiganga ficou funcionando até o ano de 1931
(MAIA [et.al], 2009).
Após a Independência do Brasil, em 1822, jurista brasileiros, baseada na
filosofia iluminista e na Declaração dos Direitos dos Homens e do Cidadão de 1789,
buscou acrescentar à legislação os princípios de igualdade perante a lei,
originalidade da pena e utilidade pública da lei penal. A partir desse período houve
avanços na legislação tendo como um dos objetivos abolir as formas dos castigos
desumanos. Trouxeram a ideia da proporcionalidade da pena ao delito cometido, e
que a prisão deveria ter um papel corretivo sobre o individuo, que deveria ter boas
condições de higiene, ventilação e segurança (WANDERLEY, 2011).
Com o advento do Império no Brasil, houve a necessidade de uma
reunião na Assembleia Constituinte com o objetivo de aprovar o Projeto de
Constituição, sendo proclamada em 1824, abordando as questões de cidadania,
abolindo as formas de tortura e tratamento desumano (VICENTINO, 2001).
A Constituição de 1824 estabelecia que as prisões do Império deveria
dispor de boas condições de higiene e segurança, instituía ainda a separação dos
sentenciados por idade, sexo e crime cometido (WANDERLEY, 2011).
Em 1830 surge o primeiro Código Penal, preconizando a individualização
da pena, e o aprisionamento como punição para maioria dos delitos. Mesmo que
42
nesse período a pena por excelência fosse à prisão com trabalho, ainda permanecia
a pena de morte. Somente com o surgimento do segundo Código Penal, em 1890
aboliu-se a pena de morte (WANDERLEY, 2011).
Na década de 1830, surge por parte de Felipe Lopes Neto, advogado,
político e revolucionário na Província de Pernambuco a preocupação com a questão
penitenciária, o estado dos detentos, das prisões e a reforma do sistema. Nessa
época já iniciava em Pernambuco o desenvolvimento das prisões, e Felipe temia
que as obras não estivessem de acordo com o progresso (PERRETI, 1955 apud
WANDERLEY, 2011, p.46). Nessas prisões foram misturados presos condenados a
longas penas, galés, presos comuns com penas curtas e presos provisórios.
Felipe Lopes Neto apud Wanderley, 2011 diz que os projetos de
modernização das prisões eram incertos, não existia um consenso entre juristas,
penitenciáristas, médicos e autoridades públicas. O Estado sempre estava disposto
a gastar menos que o que de fato era necessário, independente do modelo.
O Brasil acompanhou de perto o desenvolvimento das prisões da Europa
e Estados Unidos, como o país estava no seu momento de buscar a modernização,
nesse sentido foi enviado um especialista ao exterior, o objetivo da visita era
atualizar-se do que estava fazendo nesses países desenvolvidos em relação à
reforma penitenciária. A partir de então, foi debatido alguns modelos vindo da
Europa e posteriormente alguns foram testados no Brasil IDEM.
As prisões no Brasil colônia até o império não variaram seus objetivos.
Durante todo período serviram de deposito de gente, onde só punia e isolava, as
vitimas eram sempre as camadas mais pobres da população, os abusos eram
cometidos constantemente, e os códigos pouco foram cumpridos pelos órgãos
competentes (WANDERLEY, 2011).
Com a Proclamação da República em 1889, ocorre mudanças políticas no
país, e consequentemente refletiram no sistema prisional. De acordo com Wanderley
(2011) o projeto de prisão de uma sociedade frequentemente se distancia da prática.
A lei surge com princípios garantidores da segurança e ordem social, contudo o seu
debate ocorre a partir de uma reflexão política e nesta se encontra grupos com
interesses.
Segundo Wanderley (2011) o projeto prisional brasileiro está ligado a sua
reelaboração na República, mais especificadamente como as instâncias
43
administrativas conduziam esse projeto. Pode-se incluir nesse grupo médicos e
diretores, no caso do Lazareto14 situado em Ilha Grande. Em 1893 o Lazareto passa
a receber seus primeiros presos. Nessa época a Colônia de Dois Rios, também
situada em Ilha Grande, já era uma colônia penal aos moldes de Fernando de
Noronha15. Para Dois Rios, foram enviados os considerados ociosos, imorais e
reincidentes.
A Colônia de Dois Rios ficava afastada da cidade, com isso viram nesta
uma oportunidade para fazerem uma limpeza na paisagem das cidades, limpando-
as por meio da reclusão dos criminosos e da população carente nessa Colônia.
Nessa busca, tentaram implantar um núcleo de trabalhadores pobres das cidades
que habitariam o ambiente rural dessa colônia (WANDERLEY, 2011).
Podemos citar que pouco houve avanços em relação ao sistema prisional
brasileiro com o advento da proclamação da República.
Nesta época o País contava com vinte estados, que eram os responsáveis por suas “cadeias públicas”. Considerando que nos dez primeiros anos da República houve a decretação de estado de sítio, a dissolução do Congresso Nacional e intervenção nos estados, não estranha que os apenados não tivessem sido razão de preocupação num clima político tão conturbado (LEMOS BRITO, 1924 Apud WANDERLEY, 2011, p.60-61).
Como exemplo da não evolução prisional do país, podemos mencionar o
Rio de Janeiro, ainda que as condições de aprisionamento fossem um pouco
melhores que as de outras províncias, os espaços prisionais assim como no Império,
não eram mais do que “depósitos de indivíduos” excluídos pela sociedade,
principalmente os negros rejeitados pela abolição da escravatura, ficando estes
reclusos em cárceres e asilos.
14
- O Lazarato foi construído por Dom Pedro II, inicialmente foi um local de quarentena para abrigar viajantes e
imigrantes portadores de cólera. Em 1893, o Lazareto recebe seus primeiros presos, os rebelados da Revolta da
Armada. O local passou a receber presos junto dos doentes, em 1913 foi fechado. Em 1932, Getúlio Vargas
reabre o Lazareto, desta vez como prisão, onde era enviado os presos de guerra. E. 1940, o país entra em guerra e
para o Lazareto foi enviado os presos que estavam na Colônia Penal de Dois Rios, em Ilha Grande também. A
prisão de Lazareto destinava- se aos presos de guerra. O fim do presídio foi em 1963 (LESSA, 1933; TORRES,
1979 Apud WANDERLEY, 2011).
15 -O presídio de Fernando de Noronha tinha por paredes o mar, e a própria ilha era a prisão. Não existia um
presídio enquanto edifício, com celas, grades e muros (Maia [et. al], 2009).
44
Segundo Carneiro apud Wanderley (2011, p.61) um exemplo concreto da
reclusão dessa população excluída no período da Proclamação da República, se
deu na Bahia, por meio do funcionamento de um asilo, onde seus reclusos
apresentavam características do contexto econômico-social da abolição:
A capital da Bahia e o “Asilo dos Alienados de São João de Deus”, fundado em 1874 para os loucos. [...] Nele se encontravam um contingente de maioria mestiça e negra: ao todo eram 96 “alienados” encarcerados, sendo que 36 eram negros e 31 mulatos e pardos, enquanto que os números de brancos representavam a minoria, eram 29.
O Código Penal de 1890 previa outras modalidades de prisão: prisão
celular, reclusão, prisão com trabalho forçado e disciplinar, onde cada pena era
cumprida em um local específico, e àqueles presos com bom comportamento, após
cumprirem parte da pena, eram encaminhados para presídios agrícolas. Contudo,
mesmo com o surgimento desse código penal no inicio do século XX, as prisões
brasileiras pouco mudaram, ainda permanecia a superlotação, não existia a
separação dos presos condenados com os que ainda estavam aguardando o
julgamento (WANDERLEY, 2011).
Em 1889, a Casa de Correção de São Paulo, carecia de estrutura para
acomodar a população que ali adentrava. Nesse local havia mais de 250 presos, e
era uma casa velha, pequena, fora dos padrões de segurança, pois era um espaço
de taipa. Após a proclamação da República a Casa de Correção passou a ser
chamada de Cadeia Pública de São Paulo. Depois de uma reforma, a Casa de
Correção tornou-se uma dependência da Cadeia Pública, tendo assim formado um
conjunto de quatro prédios destinados a atender os excluídos da sociedade
(WANDERLEY, 2011).
Com o objetivo de solucionar o problema das casas de correção de São
Paulo tanto a superlotação quanto as condições insalubres, foi construído a
Penitenciária do Estado (1901- 1920), com capacidade para 1500 apenados.
Contudo, somente em 1930 com a construção do primeiro presídio nos moldes
europeu é que foram oferecidas aos apenados condições mais humanas.
De acordo com Salla, (1997) apud Idem o presídio do Carandiru tinha
capacidade para 1200 apenados, possuía em sua estrutura salas de aulas,
45
bibliotecas, espaços para cultos religiosos, enfermaria, locutório e ainda oferecia
condições de higiene e segurança. A estrutura do presídio se baseava em pavilhões
e ao lado destes havia oficinas de trabalho.
Depois de se ter por muito tempo um sistema prisional em péssimas
condições e surgir iniciativas de melhoramento. Surgiu mais uma vez em
decorrência da crise social e política advinda no governo de Arthur Bernardes (1822-
1826), constantes agitações, onde para combater foi feito uso de grande violência e
estado de sítio. Na tentativa de conter o caos, o presidente propôs reformas
constitucionais. Diante desse contexto, as estruturas débeis que haviam sido
adquiridas na República, foram perdidas no governo de Arthur Bernardes. Como
exemplo pode ser citado às prisões que eram decretadas sem motivos e o elevado
número de presos políticos. No governo de Washington Luiz 1926- 1930 houve uma
atuação pacificadora, “diminuindo a concentração de poderes, anistiando presos
políticos, suspendendo o estado de sítio e determinando a extinção de presídios”
(FAUSTO, 1994 apud Idem, p.68).
Em 1930 Getulio Vargas assume a presidência da República, colocando
um fim no período da velha República, aumentando o poder do Estado e diminuindo
o da sociedade civil. Nesse período, o governo utilizou uma prática de
aprisionamento anteriormente usada, o navio, o “D.Pedro I”, que ficava ancorado
nas docas do Rio de Janeiro, esse local foi destinado durante a década de 1930
para aprisionar revoltosos e oposicionistas (CARNEIRO, 1935 Apud WANDERLEY,
2011).
A dita “Era Vargas” surgiu com o ideal de novas formas de controle social,
com inspiração no pensamento eugenista16. Nancy Stepan apud Wanderley (2011,
p.70) disse que no Brasil tinha o significado de “sanear”, “pois se deslocou o
problema da miscigenação para o do “povo doente” e isso, segundo o pensamento
16
- O pensamento eugenista americano se constituiu em isolar o pobre, o mendigo e os desajustados
socialmente, caracterizados como os “germes defeituosos”. Consideravam esse método de isolamento como uma
forma de impedir a reprodução desses “defeituosos”. A eugenia era considerada como uma ciência capaz de
melhorar com as qualidades das raças. No Brasil, foi criado em 1918 a Sociedade Eugênica de São Paulo. O
movimento eugênico brasileiro atuou junto da saúde pública, saneamento, psiquiatria e “higiene mental”, nas
décadas de 1920 e 1930. O pensamento eugenista, colocava que a genética do brasileiro colocava em risco o
progresso da Nação. Atribuíam o atraso brasileiro a miscigenação. Disponível em
http://www.abrapso.org.br/siteprincipal/anexos/AnaisXIVENA/conteudo/pdf/trab_completo_200.pdf. Acesso em
19/04/2013.
46
higienista que vigorava, poderia ser resolvido com reformas sanitárias e medidas
higiênicas”.
Assim o então presidente, Getúlio Vargas deu a seguinte autorização a
Liga Brasileira de Higiene Mental17:
[...] autorizou que a Liga Brasileira de Higiene Mental, buscasse medidas de “saneamento da raça” e a extinção dos indivíduos loucos e criminosos, consequentemente perniciosos para a sociedade e para o futuro da nação (CORRÊA, 1982 Apud IDEM).
De acordo com Wanderley (2011) se pode destacar que no início do
Governo Vargas, houve a mudança na localização das penitenciárias, passando a
se instalarem no perímetro rural, nesse período as penitenciárias se caracterizavam
por seu caráter agrícola. Em relação ao preso, o Código Penitenciário da República
de 1935 estabelecia que o sistema prisional não devesse ter função apenas de fazer
com que o indivíduo cumprisse sua pena, mas sobre tudo trabalhar a regeneração
do apenado.
Em 1943 a Colônia Correlacional Tapera, foi transformada de
Cunhanbebe para Ubatuba, sendo transformada em presídio, passando a ser
chamado de Presídio da Ilha Anchieta. A casa de correção de Tiradentes, construída
em 1852, passou a ser a Casa de Detenção de São Paulo em 1938, com o objetivo
de deter presos políticos (WANDERLEY, 2011)
No ano de 1940 é promulgado o novo Código Penal, trazendo inovações
aos que lhe antecedia. Tinha como princípio a moderação do poder punitivo por
parte do Estado. No entanto, o descaso continuou, o Poder Público permaneceu
tratando sem importância a questão penitenciária. Com o surgimento do novo
Código, houve a necessidade de adequar a Lei de Execução Penal, surgindo assim
em 1857 a Lei 3.274 trazendo as normas gerais do sistema penitenciário. Contudo, o
sistema ainda carecia de uma lei para a execução penal (WANDERLEY, 2011).
17
Foi fundado em 1923 no Rio de Janeiro, seu fundador foi o psiquiatra Gustavo Riedel. Buscava a
modernização do atendimento psiquiátrico, para melhorar o atendimento. Disponível em
http://producao.usp.br/bitstream/handle/BDPI/10321/art_SEIXAS_A_origem_da_Liga_Brasileira_de_Higiene_2
009.pdf?sequence=1. Acesso em 27/03/2013.
47
Somente em 1984 surge a lei 7 210 de 11 de Julho, a atual e vigente Lei
de Execução Penal, nessa lei esta estabelecida as normas fundamentais que
conduz os direitos e obrigações dos que estiverem presos.
Do ponto de vista legal, ela se constitui na lei máxima dos presos, e tem como sua finalidade precípua a de atuar como um instrumento de preparação para o retorno ao convívio social do recluso, bem como todas as garantias de sua custódia. Tal lei trouxe, como principal característica, as garantias aos direitos sociais dos apenados e o dever de o Estado possibilitar não apenas o seu isolamento, de modo que a sociedade cobre dele a retribuição ao mal que ele causou, mas também que o apenado tenha a preservação de uma parcela mínima de sua dignidade e a manutenção de suas indispensáveis relações sociais com o mundo extramuros, em especial com seus familiares (WANDERLEY, 2011, p. 74).
No país mesmo com o surgimento de leis objetivando garantir um trabalho
de ressocialização do apenado dentro das penitenciárias, o que ocorre na realidade
é a falta de efetivação no cumprimento dessas leis. Muda-se a época, mas as
características do sistema continuam semelhantes ao passado, presídios
superlotados, carência de vagas de trabalho dentro das unidades, dentre outras.
Durante todo percurso histórico, podemos perceber que os sentidos
atribuídos ao sistema prisional perduram ao longo dos tempos.
No que se refere às condições de aprisionamento observadas em perspectiva histórica, ao longo dos últimos 188 anos, no Brasil, não se alteram substancialmente as cenas de superlotação, sujeira e abandono, seja nas antigas casas de correção, assim como nos presídios atuais (WANDERLEY, 2011, p. 82).
Podemos atribuir às prisões contemporâneas as mesmas características
que eram dadas antigamente, principalmente no que se refere à superlotação. De
acordo com os dados repassados ao ministério da justiça pelo INFOPEN18 (Sistema
Nacional de Informação Penitenciária), no primeiro semestre de 2012 a população
carcerária distribuída nos 27 Estados, com 549, 577 presos, em dezembro do
mesmo ano os dados apontaram para 548, 003 presos.
18
Disponível em: http://portal.mj.gov.br/main.asp?View=%7BD574E9CE-3C7D-437A-A5B6-
22166AD2E896%7D&Team=¶ms=itemID=%7BC37B2AE9-4C68-4006-
8B1624D28407509C%7D;&UIPartUID=%7B2868BA3C-1C72-4347-BE11-A26F70F4CB26%7D. Acesso em
20/04/2013.
48
Conforme as informações do INFOPEN, os estabelecimentos penais no
Brasil estão divididos em Penitenciárias (458), Colônias Agrícolas e Industriais (71),
Casas de Albergado (65), Cadeias Públicas (780), Hospitais de Custódia e
tratamento psiquiátrico (32) e Patronato (13). O tipo de prisão e o local para o qual é
encaminhado o indivíduo são de acordo com o regime da pena determinada.
Segundo Wanderley (2011) ainda existe no Brasil um déficit na
infraestrutura prisional do país, ocasionando o desrespeito no cumprimento da Lei
de Execução Penal, ele cita o fato de em algum estados principalmente no interior
de algumas cidades do Nordeste e do Norte do país não existirem estabelecimentos
penais compatíveis com a pena estabelecida para o indivíduo.
50
CAPÍTULO 3
3 PRISÃO NO CEARÁ: UM BREVE HISTÓRICO
Não diferente do que ocorreu em outros estados brasileiros, a Prisão no
Ceará se instaurou a passos lentos. Quem anda atualmente no Centro de Turismo
na Rua Senador Pompeu, 350- Centro- Fortaleza/ CE a procura de bonitos bordados
e rendas, pouco imagina que aquele ambiente já foi local de dor e sofrimento para
indivíduos que cumpriam penas por serem considerados transgressores das regras
da sociedade.
Segundo Maia [et.al] (2009) a província cearense inicialmente criou seu
sistema judiciário para punir àqueles indivíduos que tendo escapado do processo de
civilização escolar e da religião, cairia no crime.
Maia [et.al] (2009) coloca que a Cadeia Pública de Fortaleza foi
construída de 1851 a 1866. Segundo Tulius (2003, p.78) a Cadeia Pública já era
desejo da sociedade cearense bem antes do inicio de sua construção, fato que pode
ser notado através do trecho do Jornal “O Cearense” que falava da necessidade da
construção de uma Cadeia “rogamos a autoridade competente a construção de uma
boa cadeia, e se ora não for possível fazê-la de uma vez, ao menos cumpre
principiar, porque dia vira em que se conclua o que nunca sucederá se não houver
princípio” é notório a partir desse relato o desejo que a sociedade tinha em relação à
melhora da segurança, ou seja, associavam a construção de uma Cadeia a um ideal
de segurança.
Tulius (2003) coloca que o interesse na construção de uma Cadeia, surge
associado à nova forma de punição, a pena privativa de liberdade, orientada pela
nova legislação penitenciária brasileira. A pena privativa de liberdade surge para
substituir os exageros nas execuções (fuzilamento e enforcamento) tidos na época
como as formas de punições mais recorrentes no território cearense.
Em 1854 a província do Ceará se preocupava com as especulações
acerca da expansão da criminalidade no território cearense. Segundo Maia (2009,
p.156), o Presidente da província, Pires da Motta, avisou em assembleia que a
província “estava sendo alvo de comentários e notícias que a incluíam num cenário
51
marcado por homicídios e violências”, ou seja, a criminalidade estava se tornando a
imagem do Ceará.
A província cearense foi marcada nesse período por uma série de delitos:
homicídios, ferimentos, uso de armas, fugas de presos, furtos, roubo, calunia, injuria,
as resistências e desobediências, estupro, os danos, entre outros. Para Maia [et.al]
(2009) os índices desses principais delitos, haviam elevado entre a segunda metade
da década de 1840 e a passagem de 1850 para 1860, passando assim compor a
primeira preocupação das autoridades da província. Nos anos de 1861 a 1865
houve uma agilidade na justiça, entre esse período foram julgados 1.185 casos.
De acordo com Maia [et.al] ( 2009) ressaltamos que a maior parte dos
réus era composto por trabalhadores livres, não trabalhadores, trabalhadores da
lavoura, trabalhadores domésticos e mecânicos, ou seja, naquela época já existia
uma justiça mais efetiva sobre os pobres, para os de territórios incertos, os
desvinculados de trabalhos e os indivíduos ligados ao trabalho escravo.
3.1 EVOLUÇÃO DO ENCARCERAMENTO NO CEARÁ
Segundo Maia [et.al] (2003, p.162) maior parte das cadeias do interior
cearense surgiram no período da seca de 1877 - 1880 do Ceará. E ainda existem
cadeias nas cidades do interior como Quixeramobim e Crato com estrutura dessa
época; “largas paredes, quase toda fechada não fosse uma janela gradeada” fugindo
dos padrões das prisões mais modernas do século XIX.
As prisões desse período careciam de condições adequadas de
segurança e até mesmo de higiene. Das 13 comarcas que compõe a província,
apenas cinco tinha as condições mínimas de segurança e manutenção; Aracati,
Sobral, Quixeramobim, Icó e Crato. As demais cadeias funcionavam em locais
improvisados, casas particulares (MAIA [ et. al], 2009).
Nessa época a Cadeia de Fortaleza ainda não estava totalmente
construída, mas já se mostrava como a melhor cadeia por apresentar um tamanho
maior, divisões e condições de higiene melhor. Em decorrência de sua maior
capacidade, essa cadeia absorvia na sua maior parte os presos vindos das
comarcas da Província.
52
Em 1867 a Cadeia da Capital já tinha uma superlotação, trazendo
consequentemente questões problemáticas como manter os presos com um
orçamento baixo, o transporte dos presos que era constante estava numa situação
precária. Decorrente dessas situações surge aí grande número de fuga de presos
(MAIA [et.al], 2009).
Ressaltamos que antes de se construir a Cadeia Pública de Fortaleza, o
encarceramento se dava na Cadeia do Crime e da Casa de Correção. A Cadeia do
Crime destinava-se aos criminosos sem perspectiva de regeneração moral e
reinserção na sociedade.
A Casa de Correção era destinada aos vadios, desordeiros, os bêbados e
viciosos, nesse local era ensinado ofícios de ferreiro, ourives, funileiro, tartarugueiro,
alfaiate, e sapateiro. Na Casa de Correção também era aplicado trabalho de
correção de comportamento aos escravos e filhos de “família” de Fortaleza. As
formas de punições eram da seguinte forma, “enquanto aos filhos- famílias se
destinavam a prisão por oito dias em solitária, ou um mês para prisão simples, aos
escravos, recaíam até punições com açoites, ou “palmatoadas”, nas ditas “faltas
graves”. (MAIA [et.al], 2009,p.168).
No governo de Fausto Augusto de Aguiar (1848-1850), foi autorizada a
construção da Cadeia Pública, sendo inicialmente chamada de Casa Penitenciária.
Mas como já dito anteriormente, a construção iniciou apenas em 1851, sendo
concluída em 1866. No entanto já recebia detentos da Casa de Correção desde
1855 (Idem, 2009).
Para Tulius (2003) a construção de uma Cadeia Pública não significava
apenas questão de prioridade ao governo da província, mas também a possibilidade
de dias mais tranquilos e com maior segurança nas ruas, bairros e toda província.
A nova Cadeia Pública de Fortaleza tinha sua estrutura baseada na
Legislação Penitenciária Imperial e funcionaria nos moldes do Sistema de Auburn,
esse modelo era baseado no silêncio absoluto, onde durante o dia os presos se
socializavam e a noite permanecia em isolamento, uma característica desse sistema
foram as oficinas de trabalhos que os internos eram submetidos a uma intensa
jornada de trabalho. No entanto, a Cadeia Pública de Fortaleza não seguiu todos os
passos do sistema auburniano, segundo Tulius (2003, p.81) “os aspectos
ideológicos, administrativos e estruturais fugiram ao esperado”.
53
Maia [et.al] (2009) coloca que os chefes de polícia na época
consideravam como conquista o aumento da construção de celas individuais, para
impedir as fugas dos presos. Os aspectos de higiene, implementação de oficinas de
trabalho, regulação de bebidas e outros só passaram a começar ser solucionados
em 1880. Mesmo com déficits em sua estrutura por conta da superlotação, a cadeia
ainda era considerada a mais segura sendo o destino de maior parte dos
encarcerados.
De 1851 até meados de 1860, a Cadeia de Fortaleza ainda tinha uma
estrutura simples, existia apenas a parte térrea, nela tinha duas alamedas uma em
frente à outra, contendo dez celas individuais, separadas por um corredor e um
salão que servia de cela coletiva (Idem, 2009).
Segundo Maia [et.al] (2009, p.173) em 1877, houve um surto de
tuberculose e, encontrando na cadeia um ambiente propicio para se instalar, visto
que o local carecia de ventilação, a doença se infestou no ambiente, vindo a
vitimizar vários presos. Dentre os cuidados auferidos, predominava a constante
preocupação em propiciar a maior ventilação possível, tendo em vista na época
(SÉCULO XIX) “se acreditava que grande parte das doenças, sobretudo as
respiratórias como o caso da tuberculose eram transmitidas pelos ares
contaminados”.
A morosidade na construção da Cadeia Pública era advinda da falta de
verbas, destinada a esta instituição.
Em 1868 e 1871 a Cadeia Pública enfrentou problemas relacionados ao
fornecimento de energia elétrica, só vinda a ser solucionado após sessões na
Assembleia, onde houve uma discussão sobre quem recairia a liberação dos
orçamentos (MAIA [et.al], 2009).
A partir de 1880 ocorreu uma expansão do trabalho dentro da cadeia.
Houve ampliação no número de oficinas, foi permitido aos presos que trabalhassem
dentro das celas com as atividades de cestaria, chapelaria e charutaria, esses
objetos eram vendidos e, o dinheiro da venda pertencia a estes presos para auxiliar-
lós no sustento da família (MAIA [et. al], 2009).
Para Maia [et.al] (2009, p.176), a preocupação dos administradores da
cadeia era a regeneração dos detentos, por isso o discurso civilizatório “pautava-se
54
no tripé instituição-religião-trabalho”, ou seja, a prisão tinha que dispor de uma
escola, capela e locais para trabalho.
Mesmo diante de alguns avanços no que diz respeito à estrutura da
Cadeia Pública, ela ainda carecia de maior investimento, tendo em vista o aumento
de presos no local. Pode-se colocar aqui o descaso imperial no que diz respeito à
questão da segurança, bem com os problemas sociais que geravam a violência e a
criminalidade.
Tulius (2003, p.98-100) traz um trecho do Relatório da Secretaria de
Polícia de 1876 acerca da Cadeia Pública de Fortaleza “falta ali tudo espaço,
higiene, trabalho e ensino”, ou seja, nesse local que teoricamente seria para
“recuperar” sujeitos, acabou tornando-se uma escola de “delinquentes”, o indivíduo
que conseguia sair com vida, saia pior do que quando entrou.
Diante desse contexto, se fazia necessário uma reforma na Cadeia
Pública, no entanto, a província não tinha orçamento nem para sua manutenção
quanto para uma reforma, tendo em vista que a obra tinha sido concluída há apenas
10 anos, e tinha durado cerca de, 16 anos para ser concluída por conta das
dificuldades orçamentária (TULIUS, 2003).
Definitivamente a Cadeia Pública já não atendia mais ao imaginário que a
população fazia de segurança, de um local que pudesse zelava pelos bons
costumes e maneiras, tendo em vista que a população humilde que lá estava não
recebia um trabalho que pudesse civiliza-lós (TULIUS, 2003).
Segundo Tulius, (2003) a Cadeia Pública de Fortaleza passou a ser uma
das reclamações constantes nos jornais da cidade por conta de suas condições
precárias de funcionamento, ocasionando em muitos casos fugas de presos.
No ano de 1970, surge como medida de substituição da Cadeia Pública
de Fortaleza o Instituto Penal Paulo Sarasate - IPPS com capacidade para 860
presos. No entanto, se as criticas feitas as condições da antiga Cadeia Pública de
Fortaleza em meados do século XX eram constantes, se compararmos a situação
Penal atual, estas mesmas condições ainda permanecem no sistema penal
cearense (TULUIS, 2003).
Um dos problemas que sempre acompanham as prisões é o da
superlotação, ou seja, a falta de espaço para acomodar a população carcerária. As
55
prisões são construídas com um limite, no entanto a capacidade é sempre
extrapolada.
Tabela 1 Efetivo de Presos nas prisões Cearenses.
Unidades Capacidade Nº de Presos
CPPL Caucaia 900 1121
CPPL I 900 1113
CPPL II 952 1164
CPPL III 952 1156
Hosp. Otávio Lobo 30 23
Inst. Psiquiátrico G. Stênio
Gomes
104 82
IPF 374 397
IPPOOI 395 62
IPPOOII 492 565
IPPS 940 482
PFHVA 525 486
PIRC 549 503
PIRS 500 521
Fonte: SEJUS19
Não diferente de outras realidades brasileiras, percebe- se a partir da
tabela acima que maior parte das Unidades Prisionais do Ceará ultrapassa sua
capacidade. Com essa superlotação surgem outros problemas, infestação de
doenças, falta de higiene, má alimentação, conflitos, confrontos e a ociosidade, pois
não existe atividade suficiente para todos. Talvez a superlotação seja um dos
problemas mais difíceis de resolver, pois se imagina que não seja a expansão de
uma Unidade Prisional ou a construção de outra a solução mais correta, mesmo
sabendo que muitas vezes essa medida acaba sendo a mais fácil.
Trata-se de um problema difícil de resolver, porque a superlotação existe
em decorrência do aumento da criminalidade, e sabe- se que os governantes
poucos investem em políticas públicas voltadas para a educação, deixando assim
milhões de pessoas a mercê desse sistema competitivo e capitalista, onde muitos se
19
Esses dados fazem referência a Dezembro de 2012. Disponível em
http://www.sejus.ce.gov.br/index.php/gestao-penintenciaria/39/70. Acesso em 19/06/2013. Ressaltamos que
neste ano de 2013 foi inaugurada a CPPL IV, com capacidade para 936.
56
sentem excluídos, acabando muitas vezes enveredando ao caminho da violência e
do crime.
3.2 PENITENCIÁRIA FRANCISCO HÉLIO VIANA DE ARAUJO- PFHVA
A PFHVA é uma Unidade Prisional de Segurança Média situada no
município de Pacatuba, na Estrada João Cavalcante Filho, S/N - Alto São João -
Zona Rural no Estado do Ceará. Essa Penitenciária foi inaugurada em 29 de
novembro de 2011 com capacidade para 525 condenados em regime fechado. A
Unidade foi entregue no governo do então Governador Cid Ferreira Gomes e na
gestão da Secretária de Justiça e Cidadania, Mariana Lobo. 20
No intuito de atender as demandas desta Penitenciária e dos internos
recolhidos na mesma, a Unidade dispõe de profissionais que compõem o quadro
para o funcionamento da PFHVA. Para isso se tem aproximadamente 27
profissionais terceirizados, dentre estes podemos citar: recepcionistas, secretárias,
serviços gerais, manutenção, enfermeiro, técnicos de enfermagem, psicólogo,
assistente social, educador físico, nutricionista, advogados e outros. Para completar
o quadro de pessoas necessárias ao funcionamento da Penitenciária, têm
aproximadamente 82 agentes penitenciários, Policiais Militares, diretor e o diretor
adjunto, ambos agentes penitenciários.
Tabela 2- Profissionais e Setores da PFHVA
Setores Função Profissionais
Administração Recebimento e saída de ofícios,
solicitação de férias de
funcionários, monitoramento de
frequência dos funcionários,
outros.
02 Secretárias
Advocacia Analise da situação jurídica dos
internos.
02 Advogados
Recepção/Cadastro Fazem cadastro das visitas dos 02 Recepcionistas
20
Informações obtidas em http://www.sejus.ce.gov.br/index.php/gestao-penintenciaria/39-gestao-
penintenciaria/69-unidadesprisionais#ipf. Acesso em 29/04/2013.
57
internos e de funcionários.
Direção da Unidade Responsável pela Unidade 01 Diretor e
01Diretor Adjunto
Educação Física Responsável pelas atividades
físicas e recreação dos internos.
01 Educador Físico
Saúde Responsáveis por questões
relacionada à saúde dos
internos: marcam consultas,
exames, cirurgias, extração e
limpeza de dentes, outros.
01 enfermeira, 01
estagiária de
enfermagem, 01
dentista, 06 técnico
de enfermagem, 01
nutricionista.
Gerência
Administrativa
Responsável pelo controle/
recebimento de produtos (vindos
da SEJUS) de limpeza e higiene
tanto para uso da penitenciária
como para serem entregues aos
internos. Responsável pelos
internos que trabalham na
Unidade (faz parte da seleção,
emite declaração de dias
trabalhados para remissão de
pena), dentre outras tarefas.
01 Gerente
Administrativos e
01 auxiliar.
Informática Dá suporte a qualquer problema
relacionado à informática e
atualiza informações no Sistema
Penitenciário- SISPEN21 acerca
dos internos.
01 Técnico de
Informática
Psicologia Faz atendimentos aos internos 01 Psicóloga
21
Sistema Penitenciário- SISPEN esse sistema está disponível nas Unidades com informações sobre os internos.
No entanto, nem todas as informações são atualizadas ou mesma inclusas, tendo em vista a rotatividade dos
internos, a falta de informações em alguns casos, e também por conta do baixo efetivo de profissionais
necessário.
58
(triagem e individual) e seleciona
internos para trabalho.
Secretaria Responsáveis pela organização
dos prontuários e certidões
carcerária dos internos.
04 Secretárias
Segurança Agentes Penitenciários e
Policiais Militares.
Aproximadamente
82 agentes e
aproximadamente
15 PM’S
Serviço Social Atendimentos (triagem dos
internos, individual),
atendimentos as famílias,
encaminhamentos, declarações,
seleciona internos para trabalho
e outros.
01 Assistente
Social e 01
Estagiária
Serviços Gerais Responsáveis pela limpeza e
manutenção.
01 bombeiro
hidráulico, 01
eletricista e
aproximadamente
07 da limpeza.
Fonte: PFHVA
Em relação à descrição da Unidade, podemos começar por sua lateral
que é composta por duas muralhas com uma altura elevada e com guaritas em cada
canto, espaço onde fica um policial militar atento a qualquer manifestação estranha.
A frente da Penitenciária tem meia parede de alvenaria, pintada com cal branca,
sendo esta completada com grades de ferro na cor verde. Existe ainda um portão
grande por onde passam os carro dos funcionários e outros que tenha permissão
para adentrar na Unidade.
Após alguns metros existe a recepção, e o “posto” policial da PM. Na
recepção há duas funcionárias terceirizadas, responsáveis por fazer o
cadastramento das visitas dos internos, cadastro de funcionários novatos, bem como
repassar aos outros profissionais as demandas que chegam até a recepção. A PM
59
tem como função fazer escolta dos internos nas saídas externas (audiências,
hospitais e outros), acompanham os agentes penitenciários no momento de “fazer a
tranca” dos internos em suas celas e no caso de rebeliões tentam conter a
população carcerária juntamente com outras forças policiais.
Entre a recepção e o “posto” da PM existe um portão todo fechado na cor
verde, este é aberto para entrada dos carros que fazem entregas de mercadorias
(alimentos, higiene e outros), de ambulâncias, das viaturas policiais, e saída do lixo
da parte interna do Presídio.
Após a recepção existe um ambiente denominado de “linha”22 onde fica
uma agente responsável de fazer revista nas pessoas que adentram a parte inferior
do presídio. Utiliza um equipamento denominado de “raquete” que passa próximo ao
corpo da pessoa e caso tenha algum metal ela emite um som identificador. Para a
revista de materiais seja eles tanto de limpeza como de alimento é utilizado uma
máquina de raio x, onde as coisas são colocadas dentro da mesma, e a imagem é
projetada no computador. Nesse equipamento também é passado qualquer material
que a família leve para o interno. O setor faz revista não só dos materiais que
entram para a parte inferior da Unidade, mas também dos que saem de lá, a
exemplo, cito o lixo que é recolhido todos os dias, principalmente o da cozinha que
sai para ser jogado por um funcionário da Unidade em um terreno próximo à
penitenciária.
Próximo a “linha” tem a sala do Chefe de Segurança e Disciplina - CSD,
no entanto ele pouco fica na sala, passa maior parte do tempo circulando na
Unidade, atendendo demanda das famílias, dos internos e questões relacionadas a
descumprimento de alguma norma de disciplina dentro da penitenciária. Ao lado do
CSD tem a copa, onde é servido o café da manhã e lanche da tarde dos funcionários
terceirizados, cedido pela Unidade. Esse local também é usado na hora do almoço
por alguns funcionários que compram quentinha dentro da própria Unidade, fora ou
trazem a refeição de suas casas.
Próximo ao local que fica a agente da “linha” tem uma escada de
mármore que dá acesso à parte superior da Unidade, lá fica a sala da direção,
22
Local que antecede a entrada da parte inferior do presídio.
60
administração, secretaria, informática, monitoramento, gerente administrativo e rádio
livre. Atualmente a rádio não é monitorada na Unidade, seu monitoramento ocorre
através de um profissional que fica na Secretaria de Justiça e Cidadania- SEJUS, na
PFHVA existe apenas alguns equipamentos para transmitir som para as vivências
dos internos. No momento essa sala da rádio esta sendo ocupada pela equipe
multiprofissional (assistente social, psicólogo, educador físico, advogados e
estagiários).
Na parte inferior da PFHVA é onde ficam localizadas as 09 (nove)
vivências dos internos, estas compostas por celas. Cada vivência é identificada por
letras alfabéticas de A - I. Mas antes das vivências existem outros espaços nessa
parte da Unidade cito: o setor da saúde, composto pela farmácia, consultório
odontológico, sala de atendimento médico, sala para esterilização e enfermaria, esta
muitas vezes acabam se tornando cela, é corriqueiro encontrarmos presos que por
algum motivo não podem mais “descer a cadeia”23. Ao lado da farmácia, tem um
espaço construído de alvenaria com grade de cor preta na frente, denominado
“passatempo”. Esse local é destinado para colocar os internos quando estão
aguardando atendimento com o setor da saúde, e outros profissionais. Esse
ambiente tem suas paredes riscadas com alguns artigos do código penal, e alguns
nomes que talvez seja o vulgo de alguns dos internos que por lá passaram.
Existem ainda salas24 para a assistente social, advogados, defensoria
pública (uma vez na semana uma defensora pública faz atendimento), OAB
(montada com recursos da OAB essa sala fica disponível para os advogados
particulares que tem clientes na Unidade, o espaço funciona como um apoio quando
vai visitá-los, mas a conversa com o cliente se dá no parlatório), sala do chefe de
equipe25 e banheiros. Em frente às salas dos profissionais tem 02 (dois) parlatórios26,
23
Termo utilizado tanto pelos internos como por profissionais da Unidade. Significa que o interno não pode ficar
em nenhuma vivência, por questões de conflitos. Muitas vezes existe ameaça de morte.
24 Até o momento da pesquisa a sala da assistente social e advogado não estavam sendo utilizadas por esses
profissionais. A da defensoria pública é usada com mais frequência pela defensora. A da OAB pouco é utilizada.
25 É aquele agente responsável pela equipe de agente de plantão.
26 Local para fazer atendimento aos internos tanto por profissionais da Unidade, como por advogado particular
ou visitas familiares agendadas previamente.
61
espaço pequeno com capacidade para três internos em cada um. Nesse local o
profissional que for conversar com o interno fica de um lado e ele do outro, sendo
separados por uma tela de ferro na cor preta. Ao lado desse espaço fica mais um
“passatempo”.
Logo após esse ambiente de salas, existe um portão de ferro na cor preta,
ao ultrapassá-lo de um lado se tem acesso à cozinha onde nessa fica o refeitório
dos agentes penitenciários, e do outro a padaria.
Na cozinha e padaria trabalha em media 13 (treze) internos, de acordo
com uma conversa informal com a gerência administrativa dessa Unidade, a
cozinha/ padaria é mantida por uma empresa terceirizada e o pagamento dos
internos também é realizado por ela. Esses dois locais são responsáveis em
produzir toda alimentação da penitenciária. Tanto dos internos, quanto dos
funcionários. Esses locais passa a impressão de serem ambientes com boas
condições de higiene. Tanto as paredes externas e internas são caiadas de branco,
com uma porta de entrada que abre em duas partes na cor verde.
Em relação ao aspecto físico do refeitório, este é dividido da cozinha por
uma parede de alvenaria, de um lado existe uma abertura na parede, semelhante a
um janelão, onde são colocadas algumas bandejas de self service para servir a
comida dos próprios agentes penitenciários e uma máquina de suco. No espaço
existem algumas cadeiras e mesas, em cima destas é comum encontrar molho de
pimenta, vinagre, palito de dente e guardanapos. Em um dos cantos da parede tem
uma pia pequena de porcelana, próximo a esta um suporte com sabão e outro com
papel toalha.
A questão da alimentação parece sempre um ponto polêmico entre os
internos. Podemos informar, conforme relato constante de muitos internos que a
comida não é boa. Merece destaque um fato ocorrido em um dia de atendimento,
onde pude imaginar que muito provavelmente a comida servida aos internos não
seja a mesma dos funcionários. O fato foi o seguinte, estava em atendimento e um
funcionário informou o cardápio, enfatizando que era carne do sol, no mesmo
instante o interno, colocou que para eles fora servido moela.
O horário do almoço dos internos é por volta das 11: 00 (onze) horas,
momento que alguns internos da cozinha saem com carrinhos cheio de comida e
passam no refeitório (trata- se de uma bancada) de cada vivência onde o interno é
62
servido em um prato de plástico. Existem alguns internos que recebem alimentação
dentro de uma quentinha de alumínio, segundo informações, isso ocorre com os
internos que precisam fazer dieta em decorrência de algum problema de saúde,
assim recebem uma alimentação balanceada pelo nutricionista da Unidade.
De acordo com a gerência administrativa, durante o dia é servido aos
internos 04 (quatro) refeições:
Tabela 3- Cronograma das refeições dos internos da PFHVA
Refeições Horário
Café da Manhã Por volta das 07h30min
Almoço Às 11h00min
Lanche Às 14h00min
Jantar Às 16h00min
Fonte: PFHVA
Depois da cozinha e padaria, tem outro portão com grades pretas. Logo
após é o isolamento27 e em seguida tem um corredor enorme e tanto de um lado
como de outro tem vivências. Antes da entrada de cada vivência tem um espaço
denominado de quadrante, semelhante ao “passatempo”. É utilizado quando se quer
fazer algum comunicado aos internos, evitando entrar na vivência ou conduzi-lo até
o parlatório. Ressaltamos que esse espaço é mais usado pelos agentes
penitenciários, os outros profissionais da Unidade quase nunca se apropriam desse
espaço, somente em casos extremos. Quando há necessidade de falar com um
interno, na maioria das vezes ele é chamado no parlatório.
Atualmente a população carcerária dessa Unidade é composta por 65428
internos, distribuídos nessas vivências. Para ter uma informação melhor acerca
dessa população, se apresenta aqui a faixa etária que a compõe, que vai dos 18 a
mais de 60 anos de idade, predominando internos com idade dos 25 aos 29 anos.
Tabela 4- Faixa Etária da População carcerária da PFHVA
Faixa Etária Quantidade
18 a 24 anos 114
25 a 29 anos 193
27
Local para aquele preso que esta cumprindo alguma sanção disciplinar por ter desabonado alguma norma
dentro da Unidade. Outras vezes é usado provisoriamente para colocar presos que estão sob ameaça de morte
dentro da própria Unidade até transferi- ló para outra Unidade.
28 Em decorrência da rotatividade de internos o quantitativo não é fixo.
63
30 a 34 anos 176
35 a 45 anos 136
46 a 60 anos 32
Mais de 60 anos 3
Total 654
Fonte: Sistema Penitenciário- SISPEN em 11/06/2013
Em relação ao nível de escolaridade, o maior contingente da população
dessa unidade prisional não concluiu o ensino fundamental. Dado esse que nos faz
levantar a hipótese de que os indivíduos com baixa escolaridade estão mais
susceptíveis a inserção no mundo de delitos. Tendo em vista que maior parte
desses sujeitos são excluídos de alguns serviços necessários para a vida humana
(Rocha, 2001).
Tabela 5- Nível de escolaridade dos internos da PFHVA
Escolaridade Quantidade
Alfabetizado 96
Analfabeto 42
Ensino Fundamental Completo 85
Ensino Fundamental Incompleto 303
Ensino Médio Completo 33
Ensino Médio Incompleto 15
Ensino Superior Completo 2
Não Declarado 78
Fonte: Sistema Penitenciário- SISPEN em 11/06/2013
Em relação à rotina escolar nesta Unidade, podemos considerar como
algo que ainda permanece alheio a essa população carcerária. Quando se
pensavam em estruturar o funcionamento desse ambiente, houve em Junho de 2012
uma rebelião, na ocasião foi queimado todo material escolar que existia e, em
decorrência da interdição de algumas vivências, a escola passou a ser uma vivência
improvisada. Atualmente o que se sabe é que em breve ela funcionará.
No que concerne à questão religiosa existe uma predominância da
religião católica. No entanto, destacamos que estes dados podem não condizer com
a atual realidade religiosa dessa Unidade, tendo em vista que essa informação é
repassada para o sistema no momento da entrada do preso no Sistema Penal.
Tabela 6- Quantitativo dos internos da PFHVA por religião
Religião Quantidade
Ateu 5
64
Católico 367
Espírita 1
Evangélico 15
Muçulmano 1
Não Declarado 264
Testemunha de Jeová 1
Total 654
Fonte: Sistema Penitenciário- SISPEN em 11/06/2013.
Nas Unidades Prisionais é muito comum se falar da separação de alguns
grupos do restante da massa carcerária; Evangélicos, trabalhadores e os internos
que cometeram delitos sexuais, os chamados “duzentão”29. Na PFHVA, podemos
dizer que existe uma vivência especifica para os trabalhadores e junto com estes
ficam os internos que cometeram delitos sexuais. Essa é uma das primeiras
vivências pelo fato de ficar mais próximo dos locais de trabalho, facilitando o acesso
aos locais de trabalho.
No que concerne ao labor desenvolvido pelos internos, podemos informar
que existe na Penitenciária existe alguns “postos” de trabalho (Tabela 7) com vagas
limitadas sendo destinadas aos internos com perfil para as respectivas funções.
Atualmente existem aproximadamente 66 internos trabalhando.
Tabela 2- Cronograma de trabalho de internos da PFHVA
Cronograma de Trabalho
Local de Trabalho Nº de Internos Horário
Artesanato 04 Livre
Capinagem 14 09h00min às 11h30min/
13h30min às 15h30min
Cozinha 13 06h00min às 16h00min
Fábrica de Joias 05 08h30min às 11h30min/
13h30min às 15h30min
Faxineiros 18 09h00min às 14h00min
29
Esse é um termo utilizado dentro da Unidade para aqueles que cometeram delitos de natureza sexual. Essa
denominação se dá pelo fato desses delitos estarem especificados no Código Penal nos Arts. 200.
65
Padaria 03 06h00min às 16h00min
Serviços Gerais 04 Limpadores do
Corredor Principal
02 Pedreiros
02 Limpadores do
Almoxarifado
01 Eletricista
TOTAL 09
09h30min às 11h30min/
13h30min às 15h30min
Fonte: PFHVA
Os internos que trabalham na padaria e cozinha trabalham de carteira
assinada para uma empresa terceirizada. Empresa esta responsável pela cozinha/
padaria desta Unidade, bem como de outras, e mesmo na própria SEJUS. Por
diversas vezes foi colocado pelos profissionais mais antigos da Unidade, que essa
terceirizada, oportuniza trabalho para internos que recebem alvará de soltura e,
tenham desenvolvido um bom trabalho na empresa no período de reclusão.
Podemos destacar que existe outra terceirizada onde alguns internos
prestam serviço, esta tem instalação recente na Unidade, a empresa é responsável
por desenvolver o Projeto “Lapidar- Transformando Vidas através do Trabalho” tanto
na PFHVA como no IPPOO II. Os internos que trabalham na confecção de joias
recebem um valor mensal, mas não tem carteira assinada.
Os internos que trabalham na capinagem e serviços gerais recebem uma
ajuda mensal em dinheiro pela SEJUS. Os artesãos fabricam o artesanato e a
família é responsável pela venda do produto. Os faxineiros são responsáveis pela
limpeza de suas respectivas vivências. Para cada vivência existem dois internos.
Ressaltamos que todos os internos que desenvolvem atividade laborativa,
independente de receber um valor mensal, as atividades permitem que os internos
tenham remissão de pena, onde para cada três dias trabalhados, diminui um dia na
pena.
Referente à vivência evangélica, segundo informações cedidas por dois
internos que são pastores30, ela não existe mais dentro da Unidade. De acordo com
30
Dentro da Unidade, existe dois pastores, ambos na mesma vivência. De acordo com o que nos foi informado,
esse fato ocorre em decorrência de um deles já está próximo de receber o alvará de soltura. Eles estão à frente de
qualquer evento evangélico. A nomeação dos pastores ocorreu de maneira informal entre os próprios presos logo
66
o mesmo depoimento, durante a administração da primeira direção, existia uma
vivência especifica e havia mais incentivo para evangélicos. Mas logo depois da
rebelião que aconteceu por volta de Junho/Julho do ano passado, essa vivência
acabou sendo desfeita, porque colocaram muitos internos não evangélicos dentro da
vivência. E posteriormente os evangélicos que ali ainda estavam foram transferidos
para outra vivência, local onde se encontram hoje. No entanto, existe um pequeno
número de evangélicos nesse local, segundo os pastores, de aproximadamente 75
(setenta e cinco) internos nessa vivência, apenas 20 (vinte) são evangélicos.
De acordo com os pastores, ambos estão na busca de construírem uma
vivência só de “irmãos”, para isso já possuem uma relação com aproximadamente
50 (cinquenta) internos que se pronunciaram querer estar nesse espaço. Essa lista
foi adquirida a partir de visitas por parte dos pastores nas vivências, onde no
momento eles perguntaram quem tinha interesse na religião. Segundo eles vai para
essa vivência aquele que já está convertido, ou seja, que prega o evangelho, os que
têm interesse na conversão, e aqueles que por algum motivo estavam afastados da
religião, mas estão querendo nas palavras de um dos pastores “se reconciliar com
Jesus”. Devo destacar ainda, a partir do que nos foi colocado, que as vivências
evangélicas também costumam receber aqueles internos que tem alguma
desavença nas outras vivências, ou seja, que não podem ficar em nenhuma outra.
De acordo com o que nos foi exposto, o fato de não ter uma vivência
especifica para os internos praticantes dessa religião, dificulta os momentos de
evangelização. Segundo os pastores apesar de serem muito respeitados pelos
internos de outras religiões sempre existe um que se sente incomodado.
Ainda assim, mesmo diante das dificuldades, esse grupo de 20 (vinte)
internos, realiza culto nas terças, quartas e quintas. Nos dias de visitas cantam e
louvam com a ajuda do grupo musical que é formado por alguns internos
evangélicos, além de cantar, esse grupo também compõe. Já faz algum tempo que
esse grupo existe, desde a época da primeira direção da Unidade. No entanto,
segundo as informações que nos foram repassadas, alguns dos integrantes já
após o distanciamento do primeiro pastor em relação à religião evangélica. Para tornar- se pastor, um dos
critérios é conhecer a “palavra de Deus” saber conduzi- La e ter o respeito dos “irmãos”.
67
saíram da Unidade, por motivo de transferência ou progressão de regime, mas ainda
assim o grupo permanece. Como equipamentos para esses momentos de louvor
esses internos dispõem de uma caixa de som, microfone e um violão, que segundo
informação esse último está com defeito.
Os pastores nos colocaram algumas normas que são particulares a todo e
qualquer membro do grupo evangélico dentro de uma unidade prisional. Os dois
pastores são as figuras centrais, são respeitados por todos e são os primeiros a
comandarem a palavra na hora do culto. Eles também são os responsáveis em
convocar todos os “irmãos” para comunicar que em determinado dia eles irão fazer
algum sacrifício por determinada causa. O sacrifício se constitui em ficarem algumas
horas sem se alimentar, e na hora de consumir o alimento, oram sobre ele, oferecem
e agradecem a Jesus. Outra característica particular dos evangélicos é o fato não
poderem ficar sem camisa, e os que têm condições de terem calça devem usa- La
ao invés de short, aos evangélicos também é obrigatório à presença nos cultos e é
proibido o uso de drogas.
Mesmo que nessa Unidade não exista uma vivência específica para os
evangélicos, esse grupo ainda consegue se destacar. Pois quando se pergunta a
muitos funcionários da Unidade e a alguns internos qual a vivência dos evangélicos,
a maior parte faz referência a esta.
Quanto à presença de visitas por parte de membros de Igrejas
evangélicas de fora, nos foi relatado que na época da primeira direção da Unidade,
existiu a presença de membros da Igreja Universal, mas por pouco tempo.
Pregavam para os internos no quadrante da vivência e entregavam jornal da Igreja.
Atualmente não existe a presença de nenhum membro religioso.
Segundo os pastores eles estão em busca junto à direção de uma
vivência somente para os evangélicos. Afirmaram que existe a promessa, mas não
tem previsão.
Em relação ao fluxo de pessoas na Unidade, podemos dizer que quase
todos os dias existem um considerável número de pessoas indo até a PFHVA, onde
maior parte dessas pessoas é familiar dos internos, estes vão até a Unidade por
motivos diversos: solicitar declaração para auxilio reclusão, visitas no parlatório,
transferências, deixar material dentre outras coisas.
68
Quanto aos dias de visitas na Unidade, elas são distribuídas entre a
semana e fim de semana. As quartas-feira é o dia de visita das companheiras e
mães dos internos. No fim de semana é só para as companheiras. As crianças
entram na Unidade para fazer visita aos seus genitores no segundo domingo de
cada mês. Os pais, irmãos e filhos dos internos do sexo masculino entram no último
sábado de cada mês.
Tabela 3- Cronograma de visitas aos internos da PFHVA
Dias Visitas
Quartas- feira Companheiras e mães
Domingo Companheiras
2º Domingo do mês Crianças
Último sábado do mês Visita Masculina (pais, irmãos e
filhos).
Fonte: PFHVA
Podemos aqui descrever um pouco da movimentação em um dia de visita
nas quartas- feiras. Nesse dia quando chegamos a Unidade por volta das 08h da
manhã, já existe grande contingente de familiares a espera para adentrarem a
PFHVA. O número de visitas é por volta de 250 (duzentas e cinquenta) pessoas. A
maior parte dessas pessoas levam sacolas enormes contendo alguns elementos que
é permitido entrar nesse dia.
Antes de entrarem na Unidade, as visitas que levam bolsa com pertences
pessoais, tendo em vistas não ser permitido à entrada desses pertences, pagam
para deixa-las com uma senhora que tem uma tenda do lado de dentro da
Penitenciária próxima ao portão de entrada da PFHVA. Segundo informações, essa
senhora é mãe de um dos internos da Unidade, e tem autorização da COSIPE para
vender lanches nos dias de visitas.
Quando as visitas vão entrar na Unidade, inicialmente dão entrada junto
as recepcionista com a carteirinha de visita e o RG, ficando assim cadastrado no
sistema o dia de entrada da visita. Posteriormente passa pelo detector de metal e
em seguida os agentes masculinos fazem revista nas sacolas e as agentes
femininas fazem a corporal, em alguns casos já foi pegue material ilícito, tanto no
meio dos materiais permitidos para entrarem como no corpo de mulheres. Quando
69
encerra o horário de visita, as visitantes tem que passarem novamente pelas
recepcionistas para dar baixa no sistema, registrando assim o horário de saída.
Mesmo que não se consiga transmitir o clima, o cheiro, e os sons que são
transmitidos dentro de um Presídio, ainda assim se buscou mesmo que de forma
superficial passar alguns detalhes dessa Penitenciária. Estar em uma Unidade
Prisional não é algo comum aos sujeitos, pois muitos ignoram os indivíduos que
estão reclusos. A sensação de estar no interior de um presídio é sempre coberta de
tensão, o barulho assusta, mas ao mesmo tempo o silêncio apavora. A tensão é
constante, no trabalho, e atentos a qualquer movimentação atípica.
Algumas questões colocadas pelos sujeitos reclusos nos trazem reflexões
acerca das diversas condições de vida pelas quais muitos indivíduos vivenciam.
Essas questões muitas vezes mexem com quem as ouve, nesse caso a neutralidade
deve ser buscada.
Enfim acredito que somente através de uma vivência diária nesse
ambiente, pode-se chegar a ter uma compreensão total da realidade dessas
instituições. Não são visitas esporádicas que conseguirá nos passar a realidade
dessas Unidades, tudo parece muito mutável e instável.
70
CAPÍTULO 4
4 RELIGIOSIDADE E PRISÃO: NO DISCURSO O SENTIDO É DADO.
Nesse capítulo se buscará compreender, a partir do discurso dos
entrevistados, o sentido da religião evangélica na vida do preso.
4.1 PERCURSO METODOLÓGICO
O interesse pelo tema se deu ao longo do meu percurso como estagiária
de Serviço Social nesta referida Penitenciária, onde no decorrer dos atendimentos,
quando me deparava com um interno evangélico, ele sempre prendia minha
atenção, porque se destacava em relação aos demais internos, se mostrava falante
e demonstrava uma necessidade de transmitir seu discurso religioso.
Por outro lado, existiam os profissionais que em diversos momentos se
mostravam apáticos a esses internos. Em diversas situações era notória certa
desconfiança em relação ao público evangélico encarcerado. Então, a partir daí
surgiu o interesse em conversar com alguns internos e saber de fato como se dá
essa conversão evangélica, o que os motivam, e qual o papel dessa conversão para
esses sujeitos reclusos, e como os evangélicos são visto pelos presos não
evangélicos.
Então, em decorrência dessas questões, decidi elaborar meu projeto de
pesquisa sobre a temática: Prisão e Religião.
Após a aprovação do projeto de pesquisa pela Coordenadoria do Sistema
Penal- COSIPE em 16/04/2013, pelo Nº do Processo 0013189046-8, realizamos a
pesquisa de campo, com a finalidade de buscarmos informações que contribuíssem
com a temática em questão.
A fim de obter uma visão geral da realidade e um aprofundamento do
objeto de estudo, foi realizada pesquisa de campo. O tipo de pesquisa se constituiu
no Estudo de Caso com abordagem qualitativa, por ser uma técnica que investiga
fenômenos sociais de uma realidade especifica.
Para Minayo (1994, p. 21), a pesquisa qualitativa: Trabalha com o
universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que
71
corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos
fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.
Essa abordagem favorece a busca de respostas e questões particulares,
que não podem ser quantificados por estarem relacionadas com o universo dos
significados, valores, crenças, atitudes e das relações humanas. Universo esse não
captável em equações e estatísticas.
Integra ainda a metodologia usada, a análise hermenêutico-dialética,
caracterizado por Minayo (1996, p.231) como o mais capaz de dar conta de uma
interpretação aproximada da realidade. Essa metodologia coloca a fala em seu
contexto para entendê-la, a partir do seu interior e no campo da especificidade
histórica e totalizante, em que é produzida.
Esse método é capaz de se chegar ao conhecimento mais aproximado da
realidade estudada, pois trata de um método interpretativo do fenômeno estudado.
Para as entrevistas foi elaborado um questionário (Apêndice A e B) com
questões abertas, que permitiu os internos falarem livremente sobre as questões
abordadas, essas entrevistas não foram gravadas, pois a COSIPE vetou todo e
qualquer equipamento tecnológico que pudesse obter imagens ou áudio.
Ressaltamos que a entrevista só foi possível mediante a autorização dos internos.
Foram entrevistados no total 13 (treze) internos, nos dias 26/04/ 2013,
29/04/2013 e 03/05/2013. A seleção de 11 (nove) dos internos se deu entre o grupo
dos trabalhadores, de forma aleatória. Os outros 02 (dois) foi de forma proposital,
pois precisava de elementos sobre a presença da religiosidade evangélica nessa
Unidade, assim convidei os dois pastores.
Ressaltamos que a nomeação dos pastores ocorreu de maneira informal.
De acordo com as informações, a nomeação ocorreu após a saída do primeiro
pastor da vivência evangélica (na época existia essa vivência). Para tornar-se
pastor, um dos critérios é conhecer a “palavra de Deus” saber conduzi- lá e ter o
respeito dos “irmãos”. No momento existem dois pastores pelo fato de está próximo
de um receber alvará de soltura.
A escolha do grupo de trabalhadores se deu pelo fato do acesso, tendo
em vista que eles passam o dia fora de suas vivências desenvolvendo suas
atividades laborativas em locais próximo ao parlatório (local da entrevista) não tendo
72
a necessidade do agente penitenciário se deslocar até a vivência para conduzir o
interno até o local da entrevista, processo esse que levaria maior tempo.
Inicialmente, explicamos os objetivos da pesquisa destacando a
importância da participação, comprometendo-nos a não revelar a identidade dos
mesmos, visto serem, pessoas que se encontram respondendo as determinações da
justiça.
No momento da entrevista o interno era conduzido por um agente
penitenciário até o parlatório; antes de iniciar cada entrevista lia-se o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo), e em caso de concórdia era assinado,
ficando uma via com a pesquisadora e outra entregue a direção da Unidade para ser
anexada ao prontuário do interno.
O roteiro da entrevista foi norteador da conversa, contudo, em alguns
momentos, houve inversão na ordem das questões, em função do fluxo dos
depoimentos. Em decorrência da proibição de um equipamento que pudesse gravar
o áudio das entrevistas e posteriormente haver uma transcrição, podemos constatar
que alguns detalhes não podem ser contemplados como os relatos mais extensivos.
A maior dificuldade enfrentada no percurso das entrevistas além de não
poder gravar as entrevistas, foi fazer com que todos, tanto internos quanto
funcionários entendessem que eu não estava ali como estagiária de Serviço Social
da PFHVA, e sim como uma pesquisadora. Na busca de manter o distanciamento da
minha função de estagiária nessa Unidade, aboli o uso do jaleco, que é utilizado
quando o profissional vai fazer atendimento aos internos na parte inferior da
Unidade, e fui realizar as entrevistas nos dias que não estaria como estagiária
(segundas e sextas).
Mesmo realizando as entrevistas nesses dias citado acima, chegavam
até mim demandas do Serviço Social. Quando vinha por parte de algum funcionário
da Unidade a explicação se tornava mais fácil. Mas quando era por parte de um
interno, a insistência permanecia, em alguns momentos recebi a demanda e tomava
as providências no dia seguinte, quando estava como estagiária.
No momento da entrevista com um dos internos, por várias vezes houve a
necessidade de ficar chamando o interno para retomar as questões que eram
perguntadas, pois a todo instante ele desviava do foco, e colocava outras questões,
como se eu estivesse fazendo um atendimento individual do Serviço Social.
73
Destacamos que em alguns momentos houve a necessidade de obtermos
informações mais detalhadas sobre o funcionamento da Unidade, para isso
consultamos de maneira informal a gerência administrativa da Unidade.
74
4.1.1 PERFIL DOS ENTREVISTADOS
A pesquisa tem como universo, 13 internos que estão cumprindo pena na
PFHVA. A partir do que colhemos nas entrevistas, para caracteriza-los podemos
fazer uma divisão em três grupos: Evangélicos praticantes e não praticantes,
católicos e os sem religião.
Entre os entrevistados cinco declararam ser evangélicos praticantes,
esses com idades diferentes: dois com 30 anos, e os demais com 34, 45 e 49 anos.
Entre os delitos dois dos internos cometeram assalto, dois homicídio, um atentado
ao pudor, um roubo/furto e um latrocínio. Ressaltamos ainda que alguns desses
internos respondem a mais de um artigo e mais de uma vez. Quanto à reincidência
podemos destacar que dois destes já tiveram mais de uma condenação, ou seja,
são reincidentes. No que concerne à condenação cada um tem uma sentença
diferente: 06 anos, 09 anos, 13 anos e 09 meses, 14 anos, e 30 anos.
Tabela 431
- Caracterização dos entrevistados da pesquisa ( Evangélicos Praticantes)
Evangélicos Praticantes
Nomes Idade Crimes Penas Reincidência
Adonias 49 Atentado ao Pudor 06 anos Não
Bartolomeu 45 Roubo e Homicídio 09 anos Sim
Abraão 30 Homicídio 14 anos Não
Ariel 34 Roubo e Furto 13anos e 09
meses
Sim
Adriel 30 Latrocínio 30 anos Não
Fonte: Internos entrevistados
Em relação ao estado civil e filhos, dois são solteiros, dois convivem em
regime de união estável e um é casado. Quanto aos filhos três dos entrevistados
tem dois filhos, outro tem um filho e um não tem nenhum filho.
Referente à escolarização desses internos um é alfabetizado, um tem o
ensino fundamental incompleto, dois com ensino fundamental completo e um com
31
31
A fim de garantir o sigilo quanto aos entrevistados adotamos nas tabelas nomes fictícios.
75
ensino médio completo. Quanto ao labor todos declarou que desenvolviam
atividades laborativas cada um com profissão diferente, um declarou que trabalhava
em uma revenda de carro lavando bancos dos carros e outros reparos, por esse
trabalho ganhava 600 reais, outro disse que trabalhava como porteiro, ganhando
600 reais, tem ainda um eletricista, cuja renda era 1.200, 00 reais, um trabalhava
como descarregador em uma fábrica de castanha ganhando 180 reais por quinzena
e por último se tem um pedreiro com uma renda na época de aproximadamente
800,00 reais.
Tabela 5- Caracterização dos entrevistados por escolaridade, profissão, estado civil, filhos e
renda ( Evangélicos Praticantes)
Nomes Escolarização Profissão Estado
Civil
Filhos Renda
Adonias Alfabetizado Serviços Gerais de
Carro
União
Estável
Não R$600
Bartolomeu E. F. C32 Eletricista União
Estável
02 R$1200
Abraão E. M. C Porteiro Solteiro 01 R$600
Ariel E. F. I Descarregador de
Caminhão
Solteiro 02 R$180/
quinzena
Adriel E. F. C Pedreiro Casado 02 R$ 800
Fonte: Entrevistados
Dentre esses internos que declararam serem evangélicos nenhum deles
passaram por sanção disciplinar dentro das Unidades prisionais.
Sobre as características dos dois evangélicos não praticantes um tem 52
e o outro 33 anos, seus delitos foram posse irregular de arma de fogo, porte ilegal de
arma de fogo, tráfico de arma de fogo e homicídio, o outro foi extorsão e estelionato.
Ambos são reincidentes, e foram condenados a 57 e 34 anos de prisão. Um tem
quatro filhos e o outro apenas um. Quanto ao estado civil, um convive em regime de
união estável, enquanto o outro é solteiro. Em relação à vida escolar, um não
concluiu o ensino fundamental o outro tem o ensino médio completo. Exercia
atividade laborativa um como piloto de avião particular, obtendo como renda um
32
Ensino Fundamental Incompleto ( E. F. I); Ensino Fundamental Completo( E. F. C); Ensino Médio Completo(
E. M. C); Ensino Médio Incompleto( E. M. I).
76
valor de aproximadamente 15 mil reais, o outro era empresário, tem loja de aparelho
celular com uma renda de aproximadamente 10 mil ao mês. Durante o período que
se encontram preso nunca passaram por sanção disciplinar.
77
Tabela 6- Caracterização dos entrevistados da pesquisa ( Evangélicos Não Praticantes)
Evangélicos Não Praticantes
Nome Idade Crime Pena Reincidência
Áquila 52 Posse Irregular de Arma
de fogo, Porte Ilegal de
Arma de Fogo,Tráfico
de Arma de Fogo e
Homicídio
57 anos Sim
Benjamim 33 Extorsão e Estelionato 34 anos Sim
Fonte: Entrevistados
Tabela 7- Nível de Escolarização, profissão, estado civil, filhos e renda ( Evangélicos Não
Praticantes)
Escolarização Profissão Estado Civil Filhos Renda
E. F. I Piloto de
Avião
Particular
União Estável 05 R$ 15 mil
E. M. C Empresário Solteiro 01 R$ 10 mil
Fonte: Entrevistados
Apenas dois internos declararam serem católicos, com idades de 26 e 45
anos de idade, um responde a assalto e o outro violência sexual, não são
reincidentes, as condenações fora de 10 e 06 anos de reclusão. Ambos têm filhos,
um dois e o outro apenas um. Ambos vivem em regime de união estável. Um não
concluiu o ensino fundamental, e o outro não concluiu o ensino médio. Trabalha um
como motorista particular, tinha renda de 1.000,00 reais. O outro de serviço geral e
ganhava um salário mínimo. Nunca passaram por sanção disciplinar.
Tabela 8- Caracterização dos entrevistados Católicos
Católicos
Nome Idade Crimes Pena Reincidência
Calebe 26 Roubo 10 anos Não
Demetrio 45 Violência Sexual 06 anos Não
FONTE: Entrevistados
Tabela 9- Nível de escolarização, profissão, estado civil, filhos e renda dos católicos
Escolarização Profissão Estado Civil Filhos Renda
E. M. I Motorista União Estável 01 R$ 1000
78
E. F. I Serviços Gerais União Estável 02 R$ 600
FONTE: Entrevistados
Dentre os entrevistados quatro declararam que no momento não tem
religião. Esses internos têm idade de 30 anos, 40 e dois com 41 anos. Referente aos
delitos existe um sequestro, três assalto, um de receptação, um latrocínio, um
disparo em via pública e um porte ilegal de arma de fogo. Cada um desses
entrevistados possui uma condenação diferente 14 anos, 20 anos, 30 anos e 28
anos. Ressaltamos que tem interno que responde a mais de um artigo, e em alguns
casos mais de uma vez. Entre esses entrevistados, apenas um é reincidente, ou
seja, já tem mais de uma condenação.
Tabela 10- Caracterização dos entrevistados sem religião
Sem Religião
Nome Idade Crime Pena Reincidência
Davi 30 Latrocínio 20 anos Não
Elias 41 Roubo, disparo
em via pública e
porte ilegal de
arma de fogo
14 anos Sim
Estevão 40 Sequestro, roubo
e receptação
30 anos Não
Isaías 41 Roubo 28 anos Não
Fonte: Entrevistados
Em relação à vida familiar desses sujeitos, um é divorciado, outro vive em
regime de união estável e o outro é solteiro. Quanto aos filhos, apenas três tem
filhos, um tem dois filhos, um tem quatro e o outro cinco.
Sobre o labor dos entrevistados, todos exerciam alguma função, um era
vigilante e seu salário era de 640 reais, outro era moto boy, ganhando 1.000,00
reais, um era comerciante com uma renda de 9.000,00 reais e o outro era motorista
de caminhão, com um salário de 1.200,00 reais.
Tabela 11- Nível de escolarização, profissão, estado civil, filhos e rendo dos entrevistados sem
religião
Escolarização Profissão Estado Civil Filhos Renda
E. M. C Moto Boy União Estável Não R$ 1000
E. M. C Comerciante Solteiro 04 R$ 9000
79
E. F. I Vigilante Divorciado 02 R$ 640
E. M. C Motorista de
Caminhão
Divorciado 05 R$1200
Fonte: Entrevistados
4.1.2 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS
As informações obtidas com a realização das entrevistas serão, a seguir,
apresentadas e analisadas.
Quando indagamos Qual a religião da família? Foi possível perceber que
a maior parte dos entrevistados acompanha a religião familiar. Apenas dois dos
entrevistados evangélicos tem uma religião diferente da família. Um dos católicos
convive em uma família onde a prática religiosa é dividida entre o catolicismo e o
protestantismo. Já os sem religião definida são de famílias praticantes de alguma
religião.
Segundo Maia (2006) “a família se configura no espaço privilegiado de
transmissão das tradições e dos valores religiosos”. Pode-se notar a partir desse
item que existe uma relação entre opção religiosa e família, na medida em que a
maior parte dos entrevistados segue a religião familiar ou foi influenciado por alguém
muito próximo, no entanto não se pode considerar como fator determinante.
Tanto os católicos quanto os sem religião ao serem perguntados Se em
algum momento pensaram na conversão evangélica? Muitos se mantiveram firme na
religião a qual está. “Passei por momentos difíceis, busquei Deus, mas nunca pensei
na conversão”. Aqui notamos claramente que para esse sujeito não é o fato de ser
evangélico que as situações mais difíceis serão facilmente conduzidas ou trará o
“alivio espiritual que muitos desejam’”. Percebemos nesse ponto que a mudança de
religião para esse sujeito não está condicionada as situações conflituosas.
Na entrevista surgiu um indivíduo que não se converteu, mas demonstra
interesse. “Tenho vontade de dá um passo para Deus, mas ainda não me entreguei”.
Nessa fala percebemos a incerteza e a insegurança quanto a uma possível
mudança de religião, que talvez seja motivada pelas alterações que possa vir causar
na vida desse sujeito, tendo em vista que para seguir a religião evangélica se faz
necessário seguir algumas regras, para que possa ter a conduta religiosa orientada.
80
Por ser a prisão um ambiente onde os indivíduos estão todo tempo sendo vigiado,
tanto pelos agentes penitenciários, como pela direção do presídio ou até mesmo
pelos próprios internos, dessa forma, para muitos seguir esses padrões dentro da
prisão se torna mais difíceis. Outra hipótese também seria a falta de firmeza numa
tomada de decisão, que consequentemente trará mudanças de costumes e, não
estando o sujeito preparado para aceitar esses costumes, poderá não adaptar-se ao
processo de mudança, e provavelmente tenha medo de uma possível rejeição pela
massa carcerária.
Existem outros sujeitos que não têm pretensões em seguir nenhuma
religião, bem como aparecem aqueles que demonstram interesse na conversão
evangélica, mas não dentro da prisão. “Penso seguir a Deus. Não dentro da cadeia.
Porque a aprovação é grande”. Nesse ponto, na referida “aprovação” citada pelo
entrevistado, podemos reforçar o pensamento citado anteriormente vendo essa
assertiva por dois caminhos: dificuldade de cumprir as normas dos evangélicos ou
medo da rejeição por parte da massa carcerária, onde na falta de cumprimento da
primeira, poderá consequentemente atrair a segunda.
Quando interrogamos os evangélicos com Como se aproximou da religião
evangélica? Unimos com outra pergunta: Quais as razões que levaram a conversão
evangélica? Diante dos depoimentos pudemos constatar que a influência de
pessoas próximas foi um dos fatores primordiais. “Amigo que me chamava”. As
razões da conversão estão relacionadas com a dor, o sofrimento: “Tava no fundo do
poço, Jesus me resgatou”. “Quando não vem no amor, vem na dor”. Abandono
familiar: “Família tinha me abandonado”.
Na fala dos entrevistados sobre as razões da conversão estes creditavam
a questões não só de sofrimento, mas também a milagres, e chamado de Deus, e
por trás de todas essas questões podemos citar um suposto arrependimento, pelo
fato do sofrimento que o envolvimento no mundo de delitos gerou tanto para o
sujeito contraventor quanto para os que a ele estão/ estavam próximo. Nesse ponto,
parece que a conversão surge para o individuo como meio dele redimir-se diante
dos outros, ou seja, a conversão se apresenta como consequência de uma
necessidade.
Podemos aqui colocar assim como Weber (1991) apud Valéria (2007) que
a ação religiosa é racional “As ações religiosas ou magicamente exigidas devem ser
81
realizadas para que vás muito bem e vivas, muitos e muitos anos sobre a face da
Terra”. Considerando que a conversão pode ocorrer diante de uma situação de
conflito, levantamos aqui a hipótese dos interesses racionais dos sujeitos.
As falas citadas anteriormente, se adequam no que Durkheim (1858) traz
sobre a religião, onde para ele esta nasce da necessidade humana, e tem uma
representatividade coletiva. Percebemos claramente o indicio do interesse, pois na
visão desses entrevistados, muitos aderiram à conversão por motivos não apenas
religioso, mas para suprir alguma carência afetiva, social, material e dívidas de
drogas, para amenizar os dias no “purgatório” ou mesmo religiosos.
Em relação aos não evangélicos, ao serem perguntados sobre O que
acha que motiva um preso a conversão evangélica? Colocamos também a pergunta,
O que eles pensam em relação à conversão evangélica? E Como você veem os
presos evangélicos? Verificamos que a conversão evangélica em alguns casos foi
vista como sinônimo de refugio para o preso. “A dificuldade que tá passando, não
tem por quem apelar”. “Às vezes a gente passa por atribulações”. “A fé move a
vontade de sair do sofrimento”. Outro fator recorrente é o abandono “Família tá
abandonando”. Percebemos que esses depoimentos se assemelham as opiniões
dos evangélicos.
Em se tratando da opinião sobre a conversão evangélica, muitos
apresentaram em suas falas a desconfiança quanto à veracidade nessa conversão
de alguns internos. Entrando na questão da terceira pergunta citada acima, a
percepção que se tem do preso evangélico. Foi possível perceber questões ligadas
a uma visão de oportunismo “Em alguns existe muita falsidade, só para se livrarem
de dividas de drogas e ameaça de morte”. Os momentos de dificuldades vivenciados
pelos internos novamente se apresentaram para alguns entrevistados como um dos
fatores que podem influenciar a conversão, no entanto, ao se verem em melhores
condições abandonam a religião. “Quando saem, poucos permanecem, acho que se
sentem preenchidos. Até dentro da prisão quando melhoram esquecem a religião”.
Para alguns entrevistados a conversão se apresenta como um caminho
bom. “É bom, se for de coração, porque vai se livrar de muitas coisas seguindo a
bíblia”. É vista também como um meio para que o preso deixe as drogas e a vida do
crime. “Evangélico evita drogas, bebida, fumar, brigas”. Encontramos nesse ponto,
82
visões diferenciadas: idealização da conversão, estratégia de sobrevivência e a
outra seria a farsa.
No decorrer das entrevistas visualizou-se na fala dos sujeitos
entrevistados a relação da conversão evangélica com o abandono do uso de
substâncias entorpecentes. Nesse ponto a religião acaba desenvolvendo uma “ação
terapêutica” e, acaba tomando para si um papel que é de responsabilidade do órgão
executor da pena, o Estado. De outro modo talvez se tenha aqui a comprovação
verdadeira da conversão demonstrada através do abandono das drogas por parte do
dependente.
Muitos presos evangélicos são visto de forma dúbia, são classificados
como irmão “Caô”, ou seja, esta de “enrolação” ou como aquele que se “Esconde
atrás da bíblia ou da palavra”. “Muitos aprontam, não podem ficar em outras
vivências, aí finge que é irmão”. Outros buscam a religião com o objetivo de obter
benefícios: “Para ter regalias buscam a bíblia”. O fator desconfiança se mostra
repetidas vezes no decorrer das entrevistas, no entanto existem aqueles que
demonstram sinceridade em sua conversão: “Muitos são sinceros, querem retomar a
família”.
Nesse trecho da entrevista, é recorrente as caracterizações de
oportunismo, dificuldade, sofrimento, e refugio como um dos fatores para conversão
a religião evangélica. Ou seja, essa conversão aqui se apresentou como uma
tomada de decisão após o surgimento de situações conflituosas, que na maioria das
vezes são divida de drogas, ameaça de morte ou outras questões que colocam em
jogo a vida do indivíduo. Percebe-se que a conversão funciona como uma “saída” ou
forma de amenizar os dias vividos, em um local onde as relações se apresentam de
forma fragilizada ou mesmo rompidos com o meio externo e, na maioria das vezes
com o próprio meio interno.
O fato de um sujeito recluso se converter a religião evangélica pode
despertar nele ainda que de forma inicial, o sentimento de aconchego e de uma
possível construção de laços familiares, porque muitos desses indivíduos já não têm
mais vínculos com seus familiares, e nesse ambiente religioso existe uma suposta
caracterização de ambiente familiar, tratam uns aos outros como “irmão” e se
ajudam quando possível.
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Quanto às questões de desconfianças que existe sobre os evangélicos na
prisão, podemos relacionar ao fato da conversão está na maioria das vezes ligada a
situações de tensão/conflitos. Ao analisarmos essas falas, desvelamos que essa
desconfiança esta fortemente ligada a uma suposta inexistência de sinceridade
quanto à conversão evangélica.
Nesse ambiente prisional, o sujeito muitas vezes torna-se vigia de si
mesmo. Para provar que sua figura de sujeito evangélico é verídica, ele precisa esta
a todo tempo mostrando um comportamento que não esteja contra ao que a
população não só religiosa, mas também a massa carcerária acredita ser o correto
para um sujeito “irmão”.
Assim percebemos que no momento que o sujeito assume a identidade
de evangélico, ele tem que mostrar tanto para os “irmãos” quanto para a massa
carcerária essa imagem a todo instante. Entende- se que isso ocorre porque a
prisão é caracterizada como um ambiente que impossibilita que o sujeito desenvolva
diferentes papeis, processo esse caracterizado por Goffman ( 2008) como o
“despojamento do papel”. Isto significa dizer que ocorre nas prisões, diferentemente
do que acontece na sociedade mais ampla, onde os indivíduos podem desenvolver
vários papeis, ou seja, “um papel que desempenhe não impede sua realização e
ligação em outros”, nesse ambiente os sujeitos convivem com as mesmas pessoas,
estão sob a mesma vigilância e ainda existe uma ruptura com os papeis
anteriormente desenvolvidos.
Na prisão a vida e as relações sociais são marcadas pela fragilização e
precariedade, desse modo podemos considerar que as formas de sociabilidade
desenvolvida nesse ambiente estão constantemente envolvidas com uma ruptura de
sentido por parte dos sujeitos, ou seja, estes indivíduos estão a todo tempo
confiando e desconfiando das relações/ ações desenvolvidas nesse ambiente de
tensão.
O jargão “Esconder atrás da bíblia ou da palavra” nos trás em mente que
esses sujeitos buscam construir papeis não condizentes com o seu eu, mas sim com
o que parece ser mais aceito e bem visto, a fim de ocultar a partir da “nova imagem
construída” ações que eram vistas como desviantes.
Na prisão os sujeitos convivem por um período normalmente longo com
as mesmas pessoas, nessa convivência estes perdem sua individualidade, em
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decorrência desse fato, as ações desses indivíduos são visualizadas pela massa
carcerária, ocorre dai que muitos desses transparecem atitudes não condizentes
com o “papel” que buscam mostrar. Por isso existe uma desconfiança constante
pairando sobre os presos evangélicos, e sobre essa questão foi colocado por alguns
entrevistados que dá para perceber no decorrer do dia a dia aquele preso que
realmente está convertido ou não, ou seja, o indivíduo não consegue carregar
consigo durante muito tempo uma imagem que de fato não condiz com o seu sujeito.
Aos presos evangélicos quando indagados: “Você vê importância em ser
evangélico dentro da prisão”? Percebe-se a clareza com que esses entrevistados
responderam, em sua maioria associando ao refugio. “Se não existisse evangélicos
só existia morte. Tem ruas que não aceitam determinados grupos, mas os irmãos
vão aceitar. A rua dos irmãos é um refugio!”.
Para outros a religião traz fortalecimento para aguentar os dias reclusos.
“Traz esperança de vida!”. “Muitos quando tem condenação grande se entregam ao
sistema. Com a religião isso não acontece. O sistema oprime as pessoas deixam
revoltadas se não procurar Deus.” Nas palavras de alguns ela representa mudança.
“Deus mudou minha vida! Vim perceber que esse mundo não oferece nada!”. A
recuperação do preso em relação às drogas através da religião evangélica é
também um dos pontos que fora atribuído a esta. “Traz paz. Porque traz
recuperação. Porque não existem drogas”.
Como já foi anteriormente mencionado foi notória também a negatividade
que alguns proferem, onde para muitos a hipocrisia se mantém em destaque.
“Andam com a bíblia só para dizer. Só para direção de o presídio ver. Deixam a
bíblia e vão fumar e usar drogas”.
Destarte, nos parece que a conversão surge como um meio onde o
indivíduo rompe com o mundo do crime, e a partir de então passa a buscar novos
significados para sua vida. Outro ora surge novamente à hipótese de uma conversão
não verdadeira, onde parece que alguns sujeitos apenas tem o interesse em passar
uma boa imagem, talvez na busca de elevar seu status social e se redefinir diante
dos outros, para que não seja mais visto como um sujeito marginalizado e sim como
alguém que se transformou.
Para aqueles não evangélicos ao serem questionados. Você vê
importância em ser evangélico dentro da prisão? Todos atribuíram importância “Traz
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união, amor e carinho com o próximo”. Associaram a melhora de questões interiores
do individuo e projeções a vida futura. “Eleva a autoestima!”. “Traz palavra de
conforto”. “Traz dignidade. Quando ele é verdadeiro é respeitado. Tem visão
diferente, tem planos de futuro”.
Aqui a religião evangélica é tida como o reordenador da vida do sujeito,
pois por meio dela, esse consegue delinear traços para o futuro após sua saída da
prisão.
Referente à pergunta Como é a relação com os presos não evangélicos?
O que você pensa sobre eles? Identificou-se que na sua maioria existe uma boa
relação. “É de respeito, dão atenção à palavra!”. Contudo existem alguns que tentam
discutir religião, e acaba gerando atrito.
Notou-se ainda nas entrevistas a presença da exclusão/separação
dificultando em alguns casos a relação com os não evangélicos. “Às vezes os
evangélicos ficam querendo excluir. Evangélicos não se misturam com ímpios”.
“Agora que estão presos querem ser santo!”.
Nesse ponto percebe-se uma divisão da visão religiosa desses sujeitos
acerca do mundo. Esse fato remete ao que Durkheim (1858) coloca sobre o
fenômeno religioso, onde ele faz uma divisão em duas partes: sagrado e profano e
segundo o autor essas partes traz uma separação, onde para o indivíduo pertencer
a um ele precisa ter saído do outro.
Quando os presos não evangélicos respondem. Como é a relação com os
presos evangélicos? O que você pensa sobre eles? Eles se resumem basicamente a
“Boa!” ou “Normal!”. No entanto, nessa segunda questão apesar de aparecer o
respeito como uma das denominações mais corriqueira entre os entrevistados surge
novamente à desconfiança “Respeitamos, mas com pé atrás, porque tem falsidade”.
Quando se pergunta aos evangélicos. Como imagina que é visto pelos
presos não evangélicos? A visão negativa se apresenta recorrente “Olhar de
maldade, porque estamos servindo á Deus!”. “A gente é visto como cabuetas33,
dizem que estamos fazendo a linha da direção da Unidade prisional”. No entanto,
33
Palavra muito utilizada entre os internos para classificar aquele preso que é informante de fofocas.
Classificados ainda como pessoa dedo- duro ou puxa- saco.
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em um dos discursos surge uma visão positiva, onde para ele os não evangélicos os
veem como: “Guerreiros porque não se entregam ao sistema!”.
Nesse ponto se pode dizer que existe na fala do evangélico um “ar” de
superioridade e ao mesmo tempo de desconfiança. Onde assim nota-se notamos
que as desconfianças não pairam apenas sobre os evangélicos, mas também de
forma contraria. Isso nos leva a crer que a vigilância numa instituição como a prisão
se dá por todos os lados e de todas as formas, tanto do próprio sujeito para com ele
mesmo, como dele para com os outros.
Já não evangélicos ao indagarmos. Como imagina que é visto pelos
presos evangélicos? Essa pergunta nos trouxe como resposta constante o
sentimento de misericórdia, no entanto, não deixou de aparecer mais uma vez à
desconfiança quanto aos presos evangélicos. “Quando realmente é evangélico, de
misericórdia e amor. Tentam resgatar”.
Ao serem questionados: Como é a relação dos presos evangélicos entre
si? Como é o dia a dia? Evidenciou- se que a maioria trouxe apenas as questões do
dia a dia, onde notamos os momentos de orações mais presentes. “A gente passa
um pouco da realidade da vida e a palavra de Deus”. “É falar do amor de Deus, da
família”.
Percebe-se que os sujeitos buscam em momentos de reunião com os
“irmãos” fazerem a retrospectiva de suas vidas para, a partir do discurso evangélico
possam dar novos sentidos tanto ao passado quanto ao futuro.
No questionamento: Você consegue imaginar como é a relação dos
presos evangélicos entre si? No que difere da relação entre os presos não
evangélicos? Verificamos que as respostas permeiam questões diferentes: harmonia
“Os que realmente são evangélicos é harmônica, são alegres E desconfiança entre
os próprios membros da religião. “Eles vivem bem, mas eles são curiosos, vivem
observando cada um”.
Para esses entrevistados, os presos evangélicos ocupam o tempo com
leituras da bíblia e orações, “Eles vão buscar a bíblia, se alimentam mais e mais”.
Enquanto o não evangélico não tem muito com que preencher o tempo. “ Preso não
evangélico não se ocupa muito!”.
Na indagação: Porque existem evangélicos que solicitam ficar em uma
vivência com presos da mesma religião? Existem vantagens? Verificamos que as
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opiniões percorrem interesses diferentes entre eles esse local se apresenta como
refugio “Existe muitas coisas que não pode drogas e armas”. Fortalecimento da
religião. “O beneficio é a paz, a palavra de Deus. Não somos incomodados!”.
Para os entrevistados a separação dos evangélicos com a massa
carcerária apresenta- se como uma das condições para permanência de alguns
conversos nessa religião, pois tendo um espaço só para eles, o número de
atividades religiosas é maior e podem impor normas e regras de conduta da religião.
Esses sujeitos colocaram que quanto mais se dispuserem as práticas religiosas, mas
livres estão das influencias maléficas do sistema prisional.
É importante destacar que para alguns entrevistados essa separação de
vivência traz benefícios para a direção da Unidade funcionando como uma “aliada”
“É melhor, a direção não vai ter trabalho, não tem brigas”.
Para um entrevistado, percebemos em sua fala a presença da dominação
e controle “Porque vamos ter um controle na vivência. Colocamos nossas regras”.
Para não evangélicos em relação à indagação: O que pensa em relação
ao fato de alguns presos evangélicos solicitarem ir para uma vivência só de
evangélicos? Sabe se existe alguma vantagem? Nas respostas obtivemos opiniões
diferentes. Alguns veem essa ação como normal, porque os que estão buscando a
religião tentam deixar o crime e as drogas e pra isso precisam desse isolamento do
restante da massa carcerária. “Porque em outro lugar ele não consegue se
recuperar. Na vivência evangélica não tem drogas”. Mais uma vez, surge a questão
do refugio “Só assim o que quer seguir não tem tentação!”.
Para alguns entrevistados a divisão das vivências traz mais benefícios
para a direção da Unidade, mostrando-se mais uma vez como aliada. Segundo os
entrevistados, quando existe em uma Unidade uma vivência só para evangélicos,
ela é sempre bem vista pela direção do Presídio. As formas de tratamento com os
sujeitos que lá estão são diferenciadas “As vistorias são diferentes”. A vivência
passa a ser vista como exemplo. É um local sempre visitado, as vistorias se dão de
forma diferente das outras vivências. “É sempre uma vivência visitada. Autoridades
entram”.
Houve também entrevistados que se mostraram contrários a existência de
vivências evangélicas. “Não acho certo! Quem é fiel a Deus e quer colocar no
caminho certo tem que ficar entre os incrédulos para resgatar as ovelhas”.
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Na pergunta, Como se dá a relação dos presos evangélicos com a
direção da Unidade prisional? Nas respostas foi recorrente a forma de tratamento
diferenciado. “Eles olham diferentes! Normalmente os primeiros benefícios vão para
essa rua. Porque não tiram tranca34, tem bom comportamento”.
Para um entrevistado essa relação de proximidade e trocas de benefícios
não é característica de toda direção Penitenciária, às vezes quando a direção tem
uma religião contraria a evangélica ela “pega no pé”. Mas na maioria dos casos os
evangélicos tem um tratamento diferenciado “O evangélico é mais confiável, muitos
entram na rua dos evangélicos sem escolta”.
Já para os não evangélicos, Como se dá a relação dos presos não
evangélicos com a direção? Foi constante nos depoimentos dos entrevistados
responderem a pergunta nos trazendo à relação da direção da Unidade com os
evangélicos. “Quando é evangélico mesmo, a direção pode ser mais flexível e
maleável, porque são menos propensos a atos ilícitos”. Outra questão colocada foi
à facilidade de acesso a alguns serviços “Facilidade para falar com os profissionais,
a direção facilita algumas questões materiais”.
Um dos entrevistados nos colocou que “Os que não são evangélicos dão
muito trabalho”. Para este a religião evangélica se mostra como uma aliada da
direção da Unidade para ajudar na ressocialização dos sujeitos reclusos.
Destarte, na fala desse sujeito se apresenta a ligação da ressocialização
com as questões boa conduta, ou seja, como a religião impõe regras e normas a
serem seguidas, e o indivíduo aprendendo a lidar com isso, ele poderá levar essas
questões para a vida pós prisão e consequentemente se adaptará mais facilmente
as regras impostas pela sociedade.
Sobre o questionamento: Você vê contribuição da religião evangélica no
processo de reinserção a sociedade? Para não evangélicos, a resposta se
apresentou como importante, associaram a religião a influência de possíveis
mudanças dos valores internos por parte desses sujeitos. “Sim. Em termo de
formação, mudança de caráter”.
34
Não tiram trança quer dizer que o preso não vai para o isolamento, ou seja, não ficam de castigo.
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Para os evangélicos estes trouxeram a religião como importante
“Contribui para a reinserção demais. Muitos saem da droga, família passa a visitá-
los”. As respostas também perpassaram pela questão da influência na mudança de
valores “É boa! Porque muitos quando se convertem vão mudar o ser. Deixa o
pensamento mal, pensa coisas boas e vive para a família”.
Nas falas foi recorrente a questão da transformação do indivíduo através
da religião, e consequentemente associaram que essa transformação do sujeito
poderá contribuir para a reinserção social. Através desta o preso passa a adequar-
se as normas impostas e projetam planos para a vida.
Ao perguntarmos aos não evangélicos. Você vê a religião evangélica
como positiva ou negativa? Por quê? As respostas percorreram a positividade,
associando a esperança de vida. “Positiva! Ela faz acreditar que vai ter a melhora,
que vai conseguir”.
Quanto ao questionamento: O protestantismo tem mudado sua vida? As
respostas nos trouxeram questões de esperança e restabelecimento de laços
familiares. “Tem me dado paz, força. Quando acho que não tenho mais força, eu
encontro”. “Família, olhar de esperança!”.
Outra vez se faz presente à mudança de valores e comportamento.
“Mudou tudo, era do mundo!”. “Tinha muita maldade no coração, hoje não consigo
mais ter”. Apresentam ainda como livramento da morte “Se não fosse evangélico já
teria morrido, era muito ignorante e grosseiro!”.
A religião aqui se apresentou como um elemento que ajuda o indivíduo
viver nesse ambiente cheio de tensões e conflitos, fazendo com que ele se sinta
mais forte diante as situações difíceis que lhes são apresentadas.
Quando indagamos. Em algum momento pensou na conversão
evangélica? O que motivou? Os entrevistados se mostraram bem seguros em suas
respostas, alguns afirmaram que não. Outros por questões diversas em algum
momento já pensaram na conversão “Certa vez sim, alguns acontecimentos da
Igreja Católica e por influência de amigo”.
Sobre O que é ser evangélico? Alguns relacionaram a salvação pós-
morte. “ É coisa boa! Quando morrer vai para o céu, não vai ficar vagando”. O
prestigio também se fez presente entre as resposta “É respeitado aonde chega!”.
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Percebeu-se aqui através da colocação de Bourdieu (2001) onde ele diz
que a religião não tem apenas função religiosa, mas também social, com isso
podemos ver claramente o enaltecimento do status social quando o entrevistado
coloca que são respeitados.
Para alguns dos entrevistados, a definição se relacionou as questões
bíblicas “É guardar os mandamentos de Jesus Cristo”. “É ser seguidor de Cristo,
fazer o que tá na bíblia”.
Em relação à pergunta: Quando preso anteriormente em algum momento
pensou na conversão evangélica? O que motivou? Dentre os entrevistados, os que
já foram presos mais de uma vez colocaram “Na prisão não. Na rua já” outro se
colocou de forma incisiva “Em momento nenhum”.
Quando se perguntou aos evangélicos: Quando preso anteriormente qual
sua religião? Ao sair permaneceu nela? As respostas permearam caminhos
diferentes. Um dos entrevistados permaneceu na religião evangélica, frequentava a
igreja, mas continuava fazendo coisas erradas, outro colocou que, “Sempre
evangélico”, teve ainda, um que expos que “A hipocrisia me enfraqueceu” e o último
relacionou o afastamento da religião a conflitos familiares “Passou por tribulações,
fui para o mundo”.
No que concerne a seguinte pergunta: Em relação à descontinuidade/
interrupção da conversão evangélica na prisão é comum? Já ocorreu com você?
Quantas vezes? Em que situação? Para os entrevistados essa questão se apresenta
em alguns momentos, principalmente quando surgem as situações de dificuldades,
no entanto, para muitos só se concretiza quando não é praticante. “Se tiver fé,
continuará na religião”.
Aqui o afastamento/ descontinuidade a religião se volta aos mesmos
motivos pelos quais muitos dos sujeitos atribuíram a conversão, ou seja, as
questões de conflitos.
Na indagação: Como é a aceitação de um preso evangélico ao deixar a
vivência dos ‘irmãos? e voltar para uma vivência “normal”? Como ele é visto? As
respostas percorreram na sua maioria o caminho da desconfiança. Alguns entendem
que de fato aquele preso não conseguiu seguir as doutrinas da vivência evangélica.
Em alguns casos ele fica visto como o “irmão caô”, principalmente se for um preso
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que foi para a religião apenas por questões de dividas de drogas. Esse não
consegue ser aceito novamente “vai ficar vagando”.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando se analisa os estudos de Foucault (2010) se pode perceber que
no final do século XVII e XVIII, os suplícios deixaram de existir na Europa, e as
novas formas de punição passaram ser a prisão, o banimento, os trabalhos forçados
e outros. Nesse período estava se instaurando na Europa o processo de
industrialização. Assim surge na época a ideia de ressocializar o sujeito criminoso,
contudo perceber- se que existia por trás desse objetivo, outro interesse, a utilização
da mão de obra do indivíduo para a contribuição da expansão do capitalismo.
É possível perceber, através de tudo que foi estudado para a construção
desse trabalho, que as prisões desde seu surgimento pode ser caracterizada como
um local que tem como sentido principal a exclusão.
Durante um longo tempo tomou espaço as lutas em relação ao sentido e
as práticas das prisões com isso às questões que dizem respeito às formas de
tratamento com os presos passaram a ser denunciadas e até mesmo revistas. A
partir dai surge novos objetivos para a prisão; corrigir, regenerar ou ressocializar o
sujeito.
Por volta do século XVIII, surgem nos Estados Unidos dois modelos de
prisões o da Pensilvânia e Auburn passando a serem os modelos para as prisões da
época. Ao primeiro sistema prisional fica a característica do isolamento dos
indivíduos, resaltamos que neste já existia a presença da prática religiosa, mas
como imposição aos sujeitos. Acreditavam ser a religião um pilar para a educação, e
que a leitura da bíblia poderia despertar no indivíduo uma reflexão. Já no segundo
sistema o trabalho e a vigilância constante aos reclusos eram tidos como o meio
regenerador. Como o trabalho aqui era visto como a principal função pode-se dizer
que além de qualquer forma de “recuperação” do sujeito esse sistema também era
uma forma de exploração econômica da mão de obra dos presos.
No Brasil a instituição prisão não surgiu de forma diferente do contexto
mais amplo. A história da prisão no país esta inserida no contexto de formação
social, onde se tinha um caráter autoritário e excludente, pois mesmo com a
independência do país, ainda existiu por certo período a monarquia e a escravidão.
Fazendo assim com que maior parte dos sujeitos reclusos fosse os pobres, negros,
analfabetos, sem tetos, sem emprego. Buscava-se naquela época fazer uma
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“limpeza social”, ou seja, tirar da vista da sociedade aqueles de classe social inferior
à burguesia.
Chegando ao Ceará, o cenário é o mesmo compartilhado por outros
estados. A capital cearense durante um período teve uma imagem negativa,
passando a ser conhecida pela criminalidade que expandia desde o interior do
Estado. Diante desse fato foi necessária a construção de uma Cadeia Pública na
Capital cearense. Não diferente de outras realidades os investimentos nessa área
era escasso, surgindo a partir daí uma série de problemas; superlotação, má
condição de higiene, infestação de doenças, falta de segurança e outros.
As temáticas relativas à prisão são na maioria das vezes explosivas e
tensas. Cresce de forma disparada o número de reclusos, onde de um lado
podemos dizer que temos como maior causa é o “surto” disparado da violência. Por
outro lado se tem um Sistema de Políticas Públicas prematuro para o contexto social
e econômico ao qual vivemos. Sabe-se que grande parcela da massa carcerária
quando adolescentes já cometeram delitos, alguns passaram por Centros
Educacionais, e mesmo diante da realidade de uma instituição fechada, muitos
destes voltam a reincidir, chegando na maioria das vezes à maioridade a ingressar
no Sistema Prisional.
Atualmente as prisões apresentam no seu interior uma sequência de
conflitos violentos, e podemos colocar aqui que esses conflitos têm raízes desde as
décadas passadas, onde desde então esses ambientes foram caracterizados pelas
más condições na estrutura física, falta de condições de higiene, maus tratos físicos
e psicológicos, ineficácia/ inexistência dos serviços de saúde, assistência jurídica e
social e a presença da corrupção dentre outros. Situações essas que desencadeia a
revolta nos sujeitos reclusos, onde muitas vezes podemos ver como consequência
as rebeliões, ou em outros casos, esses indivíduos buscam estratégias de
sobrevivência aliando-se a grupos que consideram influentes dentro do sistema
prisional, ou até mesmo em decorrência das relações serem movidas por tensões e
conflitos, muitos reativam vínculos antes perdidos, com o objetivo de amenizar os
momentos de reclusão.
A PFHVA é uma Unidade Prisional relativamente nova no Estado do
Ceará, mesmo diante desse fato, já passou por alguns processos de mudança na
sua direção, onde se percebe que houve uma quebra na construção de benfeitorias
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no intuito de garantir os direitos dos sujeitos reclusos, pois cada gestão tem planos e
projetos diferenciados, o que impede o andamento de ações que estavam em
processo de desenvolvimento. Atualmente a PFHVA tem firmado e buscado
parcerias com algumas empresas que já desenvolvem projetos dentro das unidades
prisionais.
No quesito escolar, mesmo que por motivos estruturais e do corpo que
compõe o ambiente escolar, essa Unidade tem desrespeitado a LEP, tendo em vista
que a escola não se encontra em funcionamento. Quanto à assistência social,
jurídica e de saúde, a instituição vem buscado desenvolver um bom trabalho,
mesmo com um número de profissionais pequeno para o total da população
carcerária desta Unidade.
A maior parte dos trabalhos que tratam a temática prisional é realizada
pelo âmbito jurídico, sob a perspectiva de analisar o cumprimento ou não da
legislação. Esse trabalho se constitui de forma diferente, onde se analisou os fatos a
partir do discurso sociológico, não estando aqui para dizer se o fenômeno é certo ou
errado, mas sim como ele tem repercutido na vida do sujeito recluso.
Em relação ao ponto principal desse estudo, a religião evangélica, houve
através da fala dos sujeitos entrevistados uma queixa recorrente, a falta de apoio e
de um local adequado para as práticas evangélicas dentro da Unidade. A partir
daqui percebemos que nesse momento a direção dessa Unidade não vê a religião
como funcional dentro da prisão. Nessa realidade estudada desmistificou-se o que
muito se fala em relação aos evangélicos reclusos que eles são aliados da
administração da Unidade.
Outro ponto que podemos destacar aqui é o fato do fortalecimento
evangélico que esta diretamente ligada à direção da Unidade, pois se não houver
incentivo e apoio aos evangélicos, muito provavelmente esses fieis retomarão a vida
incrédula, pois muitos colocam que o isolamento em relação aos não crentes
funciona como um dos fatores necessários para manter a religião.
A conversão evangélica para muitos dos entrevistados se apresentou
como um elemento de transformação moralizador, adequado para a recuperação do
preso. Porque em alguns casos desperta no sujeito plano de futuro, mudanças de
valores e reativa vínculos familiares. Os indivíduos passam a ter uma postura
diferenciada, são menos agressivos e de melhor dialogo.
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Para outro grupo de entrevistados, a conversão se apresentou como
oportunismo. Mesmo nesta Unidade não dispondo de uma vivência evangélica,
muitos trouxeram experiências anteriores. E para estes muitos dos que se
convertiam tinham apenas o interesse em obter benefícios matérias. Outrora surgiu
nos discursos outro motivo, o da representação simbólica, onde o individuo busca
adequar-se as normas, construir nova imagem de si, para dispor de uma prestigio
social mais valorizado diante da massa carcerária e, é sobre essa questão que paira
as desconfianças em relação aos evangélicos.
Portanto é justamente em meio a essa assertiva que é construída a
imagem do preso evangélico em uma unidade prisional, sob o olhar da desconfiança
e do descrédito. Onde as ações são a todo tempo observadas tanto pelos crentes
quanto pelos não crentes estando sempre a mercê de criticas.
Destarte, entendemos que se torna difícil analisar a função da religião em
uma Unidade onde as relações são envolvidas de tensão e conflitos, e qualquer
ação é vista com desconfiança ou descrédito. Não muito diferente da sociedade
mais ampla, na prisão as regras e normas também são estabelecidas por grupos, e
sua manutenção se dá pelas relações sociais daí estabelecidas. Com isso
percebemos que em se tratando de indivíduos evangélicos, onde a desconfiança
paira constantemente sobre esses sujeitos, essa manutenção precisa se dá
diariamente através das ações.
Destacamos também que em alguns momentos a conversão evangélica
dentro da prisão funciona como um elemento integrante das relações sociais com a
sociedade mais ampla, pois em alguns momentos, principalmente para os internos
que não tem visitas, a integração grupo religioso externo é a única forma de ter
contato com o “mundo por trás dos murros”.
Assim sendo independente das razões individuais da conversão
evangélica, é fato notório o descrédito para com esses sujeitos. Dessa forma,
conclui-se que ao sujeito definir-se diante da população carcerária o seu papel de
evangélico ele ocupará uma posição que sobre o mesmo recai uma série de normas
e regras a serem seguidas, e o papel de evangélico vai ser posto em prova todo
tempo, onde o converto vai buscar a todo instante no decorrer de suas ações
reafirmarem esse papel de crente.
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SITES CONSULTADOS
http://www.webartigos.com
http://www.colegioweb.com.br
http://www.abrapso.org.br
http://portal.mj.gov.br