Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 1474
PRIMEIRAS NOTAS SOBRE OS PROCESSOS DE ESCOLARIZAÇÃO EM DUQUE DE CAXIAS. SEU LEGADO, NOSSA HERANÇA1
Márcia Spadetti Tuão da Costa2
Renata Spadetti Tuão3
Ao analisarmos a configuração da escolarização em nosso território, conseguimos ver
os percursos marcados pela precariedade, pelas difíceis condições materiais, pelo empenho
por ter condições de ensinar e aprender, pelo fazer máximo com o que se tem e a profunda
crença na escola. Reafirmamos, então, o já questionado pelo Sindicato Estadual dos
Profissionais da Educação do Rio de Janeiro - Núcleo Duque de Caxias (SEPE/DC) na
Coleção João Baptista Bastos - vol.14: “Uma escola pobre, para crianças pobres?”
Debruçamo-nos sobre os trajetos de criação das escolas municipais e de instauração do
ensino sistemático e graduado na cidade, num intervalo de tempo entre o fim do século XIX e
a década de 1970 do século XX, tendo como marcos nacionais a proclamação da república e a
ditadura militar, e, como marcos locais, a emancipação e a construção de Duque de Caxias
como espaço urbano.
A pesquisa aqui apresentada pretende tornar visíveis e tornar legíveis algumas marcas
do processo de escolarização vivido em Duque de Caxias, num trabalho de composição que
possibilite compreendê-lo como produção social, ou seja, no qual se produzem sujeitos,
tempos e espaços, sendo uma construção suscetível a constantes reelaborações.
Numa tentativa de tornar visível, no sentido de retirar do esquecimento, dos cantos ou
fundos empoeirados de gaveta, as histórias, imagens, relatos, experiências que fizeram de
espaços improvisados, escolas; de crianças, alunos; e de jovens mulheres, professoras. E
tornar legível, na tentativa de apreender, nos documentos e nos relatos dos recordadores, as
1 A presente pesquisa foi realizada pelas componentes do Centro de Pesquisa, Memória e História da Educação da Cidade de Duque de Caxias e Baixada Fluminense. Instituição que foi criada no âmbito da Secretaria Municipal de Educação de Duque de Caxias em 2005, a partir da reivindicação dos profissionais da educação da rede municipal em data-base. É um espaço de pesquisa, memória e história, pioneiro no município, que se propõe a oportunizar a produção e a divulgação de pesquisas acerca da educação. Busca, ainda, contribuir com a formação docente, o arquivamento e o tratamento de documentos sobre a educação do município e da Baixada Fluminense e, igualmente, com a educação patrimonial.
2 Mestre em Educação pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro, [email protected]. 3 Mestranda em Educação pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, [email protected]. 4 Coleção João Baptista Bastos, vol. I. Programa Sucesso escolar: uma escola pobre, para crianças pobres?
Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação do Rio de Janeiro/ Núcleo Duque de Caxias. Gestão 2003 – 2006: Duque de Caxias, RJ, Publicação do autor.
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tramas, as relações de poder e as disputas políticas, as implicações sociais e econômicas,
pelas quais as crianças e os profissionais da Educação em Duque de Caxias foram afetados.
Que marcos elencamos como importantes? Que sujeitos protagonizaram esse processo? Que
legado foi produzido? Que herança nos foi destinada?
Entre o Rural e o Urbano: a Constituição do Município de Duque de Caxias
Duque de Caxias encontra-se dividida, atualmente, em quatro distritos e está situada na
região periférica do Estado do Rio de Janeiro. Com 41 bairros e uma população estimada em
855.046 habitantes5, a cidade que se emancipou de Nova Iguaçu, no ano de 1943, configurou-
se como um espaço industrial, em sua maior parte urbana, que vem se destacando,
economicamente, tanto no estado do Rio de Janeiro quanto no Brasil.
No entanto, as contradições sociais, marcas de uma sociedade capitalista, não estão
desassociadas da constituição de Duque de Caxias enquanto município. Estão presentes
desde sua formação - quando ainda era uma pequena vila rural - até os dias atuais - quando
consagrada como grande centro urbano.
A presente pesquisa passa pela história de Duque de Caxias no período compreendido
entre o final do século XIX até os anos de 1970 do século XX. Diferentes temporalidades que
nos permitem pensar as transformações que ocorreram no cenário político-administrativo,
como destacam Braz e Almeida (2010):
Em 1891 [...] a sede de Vila de Iguassu deslocou-se para o povoado de Maxambomba. Ainda em 1891, a reordenação jurídica republicana transformou as vilas em municípios e as freguesias em distritos. Nesse mesmo ano, a Vila de Estrela perdeu sua autonomia administrativa tendo seu território dividido entre Magé e Iguassu, que por sua vez passou a ser composto pelos distritos de Santo Antonio de Jacutinga, Marapicu (Queimados), Piedade de Iguassu, Merity (atuais São João de Meriti e Duque de Caxias), Santana das Palmeiras (Tinguá) e Pilar, este último formado pelos atuais distritos de Xerém e Imbariê, desanexados da extinta Vila de Estrela. Em 1916, agora denominado Nova Iguaçu, o município encontrava-se dividido nos distritos de Nova Iguaçu (1º), Marapicu (2º), Cava (3º), Arraial de Pavuna e São João de Meriti (4º), Santa Branca (5º), Xerém (6º) e São Mateus (7º). [...] em 1931, foi criado o oitavo distrito, denominado Caxias, tendo como sede o povoado de Merity, formado por terras desanexadas do distrito de Xerém, como Pilar, e pelo povoado de São João de Meriti (ALMEIDA; BRAZ, 2010, p. 32).
Somente em 1943, o distrito de Caxias foi emancipado (SOUZA, 2014) com bases no
projeto de reforma administrativa proposto pelo Estado Novo que tinha como eixo central a
5 Censo de 2010, estimativa 2010. Disponível em http://www.ibge.gov.br/home/estatística/população/ censo 2010. Acesso em 10.04.2016.
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consolidação do nacionalismo. Dessa forma, a constituição dos municípios era entendida
como um braço da “nação” e não como uma esfera política com autonomia de atuação.
Caxias foi sendo povoada de forma acelerada, cada vez mais loteamentos de terra eram
criados a partir do retalhamento das grandes fazendas da região e vendidos a migrantes
vindos do interior do país e/ou a pessoas pobres, oriundas do município do Rio de Janeiro,
que foram deslocadas do espaço central, da grande metrópole, para os morros, subúrbios
e/ou lugares periféricos como a Baixada Fluminense.
Com péssimas condições sanitárias, moradias rudimentares, pouquíssimos
estabelecimentos comerciais e a disputa por terras tornando a violência um traço
característico do território, a população tentava sobreviver diante de uma rotina não muito
favorável. A estas mulheres, homens e crianças era reservado a realização de intervenções
tanto em sua moradia como no entorno para que pudessem sobreviver diante da imensa
carência e ausência do poder público.
A expansão urbana em Duque de Caxias esteve ligada aos interesses dos grandes
proprietários de terra e à elite comercial. Nos anos de 1933 e 1937, respectivamente,
fundaram a União Popular Caxiense e a Associação Comercial que tinham como principal
objetivo “garantir privilégios e concessões para o segmento social aos quais pertenciam e para
atender às ambições políticas de seus representantes.” (ALMEIDA; BRAZ, 2010, p.35)
De um lado, uma elite com posses de terra localizadas, estrategicamente, no entorno da
estação ferroviária de Merity, que controlava o poder político e via naquele espaço a
possibilidade de ampliar seu poder. Do outro lado, a grande massa que compunha a
população local, ocupando os espaços mais afastados do centro comercial, composta pela
classe trabalhadora que vendia sua força de trabalho em troca de baixíssimos salários e vivia
em condições subumanas. Marlucia de Souza (2014) nos aponta essa contradição presente
até a década de 1930, onde as frações da classe hegemônica local se dividiam entre grandes
proprietários fundiários não residentes, comerciantes locais, aventureiros e/ou apadrinhados
pelo poder local. Já os setores populares eram formados por pequenos produtores agrícolas e
trabalhadores dos grandes centros urbanos.
As estações ferroviárias de Meriti, a instalação de energia elétrica no entorno da estação
ferroviária, a construção da estrada Rio-Petrópolis e a constituição da cidade como um local
de passagem das pessoas que seguiam em direção a Petrópolis propiciaram o crescimento do
comércio e a construção de hotéis que serviam a esses viajantes. Agregado a isso, segundo a
autora (2014), a prostituição, mais um problema social do município, ficava evidente na
cidade. O aumento da população intensificou, também, a disputa por terras vazias e o
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desmatamento da região, aumentando a violência, a impunidade e a degradação ambiental
oriunda da intensa atividade carvoeira no território.
Com a política centralizadora e os projetos que se diziam modernizantes propostos pelo
governo de Getúlio Vargas, nos idos de 1930, o então 8º distrito de Nova Iguaçu teve seu
espaço remodelado de forma rápida, a fim de atender aos interesses ligados ao
desenvolvimento industrial pensado por Vargas para o país. Caxias passou a ser área de
transbordo6 da população do Rio de Janeiro, já que o número de habitantes do Distrito
Federal crescia em ritmo acelerado com o aumento da atividade industrial na região e a falta
de moradias populares que atendessem a esse contingente. Foi preciso, também, restabelecer
os processos agrícolas em Caxias para que os produtos oriundos dessa prática pudessem
continuar promovendo o abastecimento da cidade do Rio de Janeiro.
Em 1933, foi criada a Comissão de Saneamento da Baixada Fluminense com o intuito
de reduzir as áreas pantanosas presentes na formação geográfica da cidade, prover a
instalação de bicas centrais que fornecessem água encanada para a região, além de controlar
o grande número de infectados por doenças provenientes da falta de saneamento. Souza
(2014) esclarece que todas essas medidas contribuíram para a criação de condições mínimas
de vida na cidade e, que estas, não se estendiam para a população como um todo, além de
servir para integração da Baixada Fluminense ao projeto nacional de colonização e
modernização instituído pelo governo Vargas que “deixou marcas em Duque de Caxias e foi
efetivado por meio da forte intervenção do poder público, expresso na instalação do Núcleo
Agrícola de São Bento, da Fábrica Nacional de Motores e da Cidade dos Meninos.” (SOUZA,
2014, p. 76).
Souza (2014) descreve, ainda, que com a criação dos Núcleos coloniais, o Estado
impedia que a população migrante se apropriasse das terras públicas vazias da região,
centralizando o poder nessas áreas e assegurando à capital o abastecimento dos alimentos
oriundos da prática agrícola. Sendo assim, a Cidade dos Meninos teve como premissa oficial
preparar os meninos desvalidos para o trabalho agrícola numa espécie de internato para
esses que viviam nas ruas, tanto no centro do Rio de Janeiro quanto em Duque de Caxias.
Sobre a instalação da Fábrica Nacional de Motores (FNM), Souza (2014) afirma que esta
colocou em prática o projeto industrial para Caxias, transformando um lugar dotado de
vegetação nativa em um espaço para efetivação de práticas fabris. De sua construção até sua
efetivação, no que atualmente é o 4º distrito de Duque de Caxias, a mão-de-obra utilizada era
6 Termo utilizado pela autora Marlúcia Santos de Souza vide em SOUZA, Marlucia Santos de. Escavando o passado da cidade: História Política de Duque de Caxias. Duque de Caxias: APP-CLIO, 2014.
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proveniente de menores, fugitivos de outros estados, presidiários das cadeias do centro de
Duque de Caxias e trabalhadores rurais vindos de diversos locais.
Todas essas ações convergiram para colocar em prática um projeto de cidade pensado
pelo governo federal que, somado ao enorme crescimento da população e das indústrias, nas
décadas seguintes, e a grande movimentação de pessoas no interior da mesma, conferiu a
Duque de Caxias mais um título - cidade dormitório - que durante muitos anos foi a imagem
difundida do local. Essas condições também lhe conferiram uma posição acima de sua antiga
progenitora - Nova Iguaçu - no ranking de arrecadamento de impostos do estado.
Os anos que se seguem após a deposição de Getúlio Vargas do poder não trouxeram
diferenças à situação social de Duque de Caxias, marcada, então, pelo aumento substancial de
sua população, aliada a uma política coronelista urbana que mantinha os serviços de
tratamento de esgoto e oferecimento de água potável apenas para os mais abastados
socialmente (SOUZA, 2014). Promoveu-se com isso o agravamento de doenças como a
malária e o cólera na classe popular. Na tentativa de controlar a doença, instalou-se na
cidade, no ano de 1950, de maneira criminosa, uma fábrica de HCH (Hexacloro Ciclo-
Hexano, também conhecido com BHC) que gerou resíduos perigosos e contaminou a
população do entorno com produtos cancerígenos, segundo o Ministério da Saúde. Ampliou-
se a rede elétrica para além do entorno das estações ferroviárias, mas não se ofereceu um
serviço de qualidade. Apesar da taxa populacional crescente, a infraestrutura urbana era de
abandono e as relações clientelistas ganhavam destaque. Como outros marcos da
industrialização no município, temos, ainda, a inauguração da Companhia União Manufatura
de Tecidos, em 1949, e da Refinaria Duque de Caxias (REDUC), em 1961. Esta última,
juntamente com o Pólo Petroquímico, causando danos ambientais e à população até os dias
atuais.
Durante o golpe militar, Duque de Caxias foi transformada em área de segurança
nacional, em 1971. A partir de então, os prefeitos passaram a ser indicados pelo governo do
Estado e aprovados pelo Presidente, ratificando o poder militar de controle sobre o território
por um longo período. Além da violência causada pela repressão, a cidade sofreu com fraudes
que favoreceram o desvio de verbas públicas para os setores privados e o superfaturamento
de setores como os da saúde e da educação, além de ter sido “agraciada” com a instalação do
Aterro Metropolitano do Jardim Gramacho à revelia da população local. A privatização de
empresas públicas e a garantia de monopólio fizeram parte, também, dessa conjuntura.
Esses fatos nos fornecem um panorama histórico e político da constituição de Duque de
Caxias e nos permitem entender de que maneira a imagem segregada imposta à cidade se
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perpetuou ao longo dos anos, servindo sempre aos interesses dos grupos hegemônicos que
precarizam as condições de trabalho e subalternizam a população pobre, delegando aos seus
o lugar da subserviência e do abandono. É nessa configuração que a escolarização municipal
em Duque de Caxias iniciou seu processo de instituição, ocupando os mesmos espaços de
ausências, de abandono e se utilizando das mesmas relações clientelistas presentes no bojo
da sua constituição.
No Tempo da Instrução Pública: Registros da Precariedade das Escolas
A obrigatoriedade da Instrução Pública foi um meio de escolarizar a população, no
entanto, essa obrigatoriedade não correspondia à totalidade de sujeitos da sociedade naquele
período. Não era acompanhada por uma vontade de instrução, ir à escola deveria ser imposto
ou um hábito a ser criado, como afirmam Schueler et al. (2015):
Os professores primários e propagadores da instrução pública afirmavam, constantemente, que a maioria das crianças matriculadas, provenientes de famílias pobres, se retirava antes dos exames finais, pois, desde cedo, eram destinadas ao trabalho doméstico ou à aprendizagem de ofícios (SCHUELER et al, 2015, p. 159).
Os relatórios provinciais que segundo Lima (2012) eram um meio utilizado pelos
Inspetores para registrar as vistorias às escolas, no tocante ao seu funcionamento e a
descrição dos prédios escolares, diziam respeito às condições da instrução pública número de
escolas ou casas escolares, professores, mobília, frequência e definição da população a ser
escolarizada, continham, ainda, a frequência, a desistência, o aproveitamento dos alunos,
entre outros temas que compunham a pauta da formação e da expansão da instrução pública
no território. Seus autores eram geralmente o presidente da província, os inspetores ou
diretores da instrução - inicialmente diretores gerais, depois distritais e das circunscrições
escolares. Amália Dias (2014) nos esclarece que:
Desde o século XIX, a produção de um saber acerca da população, por meio das estatísticas, pelo recolhimento de informações de ordem econômica, social e demográfica, tornou-se uma prática adotada pelos governos para substanciar as estratégias de ação política (Vidal, 2008). Procurava-se pelo desenvolvimento de uma ciência moderna, organizar e classificar uma realidade que se pressupunha ser entendida de modo objetivo pelos recenseamentos e estatísticas (DIAS, 2014, p.121).
Cabe ainda ressaltar que o orçamento público destinado para essas escolas era baixo, a
quantidade de professores efetivos e adjuntos não se encontrava em número suficiente, assim
como os materiais e as condições de trabalho nas escolas não iam de encontro às
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necessidades do serviço oferecido pelas escolas urbanas e suburbanas (SCHUELER et al,
2015, p.162).
Souza afirma sobre o contexto local da época, que o território de Duque de Caxias
esteve subordinado a um processo de “subalternização maior dos grupos de poder local às
deliberações determinadas pelo poder central” (SOUZA, 2014, p.85), que em momentos
alternados beneficiava diferentes interesses de proprietários com medidas econômicas a
partir dos deslocamentos impostos a partir do século XVII. A autora afirma ainda que:
A transformação da cidade do Rio de Janeiro em sede do Governo-Geral, posteriormente, do Governo Imperial e Republicano, tornou ainda mais imbricada a economia local com a regional e central. Nos séculos XVI, XVII e meados do XVIII, a cidade do Rio de Janeiro precisava do Recôncavo para obter os alimentos, combustível e tijolos. Na segunda metade do século XVIII, dependia dela para armazenar e transbordar a produção mineira (SOUZA, 2014, p. 84).
Ao mesmo tempo, na província fluminense em 1883, apesar da obrigatoriedade
sinalizada no Relatório de 18977, registrava-se apenas 18.394 alunos, o que correspondia a
1,8% da população escolar matriculada nas escolas. Em Iguassú8 havia apenas 61 escolas
funcionando, de 76 escolas inscritas. A região do Iguassú possuía uma população escolar de
4.170 crianças, sendo matriculadas 676 e frequentando escolas apenas 452.
Ainda segundo o Relatório de 1897, em 16 de dezembro de 1876, para que a
obrigatoriedade do ensino fosse instituída seria necessária a criação de escolas. Uma escola
para cada sexo por quinhentos habitantes livres, sendo que a frequência não deveria ser
menor do que vinte alunos por escola. A população escolar compreendia as crianças entre
sete e treze anos, podendo ser estendida a quinze anos para o cumprimento das matérias.
Caso a lei não fosse cumprida, havia a aplicação de multa.
Schueler (2009) afirma que esteve presente nos documentos expedidos pelo Executivo
do Estado do Rio de Janeiro, no decorrer da Primeira República, a necessidade de expansão
da escola primária graduada, “reformando a cultura escolar e as culturas locais”. Havia, no
começo desse período, a evidência de “diagnósticos sobre a situação lastimável da instrução
na região fluminense” (SCHUELER, 2009, p. 163). Dias (2014) reitera que para garantir a
ampliação da oferta de ensino primário o serviço de estatística deveria ser preciso, a fim de
tornar efetiva a lei que garantia esse movimento de expansão. Dessa forma, “por depender
do funcionamento do novo serviço de inspeção, a obrigatoriedade do ensino só entraria em
vigor em 1926” (DIAS, 2014, p. 121)
7 APERJ, Relatório do Inspetor Geral de Ensino da 9º Circunscrição Escolar, 31 de maio de 1897. 8 Iguassú pertencia à 9ª Circunscrição Escolar junto com Ithaguahy, Pirahy e S. João Marcos.
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O processo de institucionalização da escola primária veio ao encontro da ideia de
criação dos Grupos Escolares. Nacionalmente, foram criados em 1893, primeiramente em
São Paulo, para agrupar as Escolas Isoladas9, segundo a proximidade entre elas. Segundo
Saviani (2006), os grupos escolares representavam um novo modelo de organização escolar,
no início da República, possuindo as principais características da escola graduada. Sendo um
fenômeno tipicamente urbano, onde: se previa a necessidade de diferentes professores e a
divisão do trabalho docente; os alunos passavam a ser classificados por nível de
conhecimento; a constituição de classes seguia o critério da homogeneidade; havia o ensino
simultâneo, a gradação curricular e do tempo para a aprendizagem; e a construção de um
edifício escolar com diferentes salas. Considerado um marco de modernização na educação, o
modelo dos grupos escolares foi implementado ainda no Rio de Janeiro em 1897 e no Paraná
em 1903. A expansão da formação escolar que conhecemos, apesar de possuir como uma
composição ideal os grupos escolares, aconteceu mesmo em sua constituição mais pobre,
sendo mais promulgados seus ideais e lógicas que sua materialidade, principalmente para as
classes populares.
Em Duque de Caxias, notamos a incidência desse modelo de escola, entre as décadas de
1950 e 1960, compondo o que mais tarde seria definido como rede estadual de ensino.
Embora os Grupos Escolares tenham sido apresentados como marcas da modernidade, o
processo de ampliação das escolas no município, décadas mais tarde, além de ter sido
assumido pela sociedade civil local, na maioria das vezes, não registrou as marcas que
caracterizavam essas escolas como resultado de um projeto de modernização e urbanização.
As escolas que, posteriormente viriam a compor a rede municipal de ensino, surgiram
em espaços improvisados, coabitando com as atividades religiosas, com a moradia das
professoras e com as atividades sociais e econômicas. Encontramos registros de espaços
escolares com o seguinte formato: uma professora para uma ou duas turmas; o ensino era
majoritariamente o primário incompleto; o tempo escolar era restrito; a organização se dava
em três turnos (7h às 10h30min; 10h30min às 14h e 14h às 17h30min). O espaço destinado a
essas escolas muitas vezes era de apenas 40 metros quadrados e nem sempre havia sanitários
ou água, como afirma Lustosa (1958) sobre a Escola Municipal Barão do Rio Branco:
9 Entendemos por Escolas Isoladas, o definido por Ghiraldelli (2008), como uma classe de quarenta alunos regida por um professor que deveria ser pago pelo Município. As Escolas Reunidas se situavam numa posição intermediária entre a Escola Isolada e o Grupo Escolar, porque, embora surgissem do agrupamento ou da reunião das Classes, adotassem o método simultâneo e o ensino graduado, não possuíam, principalmente, a mesma estrutura física ou arquitetônica dos Grupos Escolares.
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Um salão com 36 m2 dividido em dois, com inconveniente para o aproveitamento dos alunos. Não têm água, nem muros em torno do imóvel [...]. Não têm fôrro, não têm luz. Falta material em geral. Em tempo de chuva não há aula, porque a água invade o estabelecimento. Janelas quebradas, um aparelho sanitário em estado de abandono (Lustosa, 1958, p. 165).
Os salários das professoras eram pagos pelas igrejas e particulares que mantinham as
escolas. Os prédios escolares eram muitas vezes emprestados pelas pessoas ou instituições
responsáveis. “Passar a funcionar pela prefeitura” era fruto de busca e negociações com o
poder local, sendo a assunção da escola pelo Estado uma benesse desses vereadores. Estes
eram responsáveis pela nomeação das diretoras das unidades escolares e nomeação das
professoras, como afirma o documento não identificado que encontramos no Acervo do
Instituto Histórico Vereador Thomé Siqueira Barreto/CMDC:
[...] vereador Antônio Maximiano de Oliveira10, usando a palavra, quando eleito 1o secretário, na Antiga Câmara Municipal em 1959. Natural de Barbacena, Minas Gerais, apoiava a política do governador [...]. Aqui chegando, ingressou no Partido do Sr. Ademar de Barros11. Vereador entre 1955 a 1963. Criou também a Escola Santa Cruz, indicada por êle, para dirigir a escola, foi convocada a professôra Maria Miége Gregório no governo Francisco Corrêa em 1956. Tôdas as professôras, admitidas em 1957, foram indicadas pelo Sr. Antônio Maximiano de Oliveira (Manuscrito, Acervo do Instituto Histórico Vereador Thomé Siqueira Barreto/CMDC, 1959).
As relações nem sempre eram tranquilas entre a municipalidade e os sujeitos
“benfeitores” da educação, como revela o conflito vivido pelas professoras na Escola Thiago
Apóstolo:
A Escola Municipal Thiago Apóstolo funcionava em um prédio cedido pelo Centro Espírita com o mesmo nome, situado à Av. Duque de Caxias número 491. Foi fundada no ano 1951 pelos senhores Antanas Alexandravícius, Valentino Morais (Presidente), e o Sr. Manoel Correia Duarte, o qual enviou um ofício ao Prefeito, Exmo. Sr, Gastão Reis, pedindo duas professoras, pois haviam matriculado sessenta (60) alunos na 1a série. As primeiras professoras foram Aida Assis e Wanda Ferreira da Luz. [...] A escola funcionava normalmente com um total de noventa (90) alunos, até que houve um desentendimento entre o Presidente do Centro e as professoras, sendo o Prefeito naquela época o Sr. Francisco Corrêa, que aborrecido com a situação retirou as professoras, ficando o Centro Espírita somente com as professoras particulares (Relatório da Escola Municipal Thiago Apóstolo, Acervo Instituto Histórico Vereador Thomé Siqueira Barreto/CMDC, s/d).
Embora a Escola Thiago Apóstolo em alguns documentos apareça como Escola
Municipal Thiago Apóstolo, a mesma não era uma escola mantida pelo poder municipal,
10 Vereador da Câmara Municipal de Duque de Caxias, conhecido como “Mineiro”. Fundou outras escolas, como a Escola Municipal Minas Gerais, localizada no Parque Fluminense, em Duque de Caxias.
11 Em 1960, foi candidato a Presidência da República e foi derrotado. Concorreu juntamente com Jânio Quadros e General Henrique Teixeira Lott. (SOUZA, p. 177).
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apenas recebia professoras subvencionadas. Para entendermos esse processo, recorremos
aos registros de Lustosa (1958), onde identificamos referências às escolas particulares que
recebiam professoras vinculadas à Prefeitura Municipal de Duque de Caxias, cedidas a essas
escolas que eram “escolas particulares subvencionadas ou auxiliadas pela Prefeitura, bem
como professoras servindo nas mesmas”.
Apesar dessa relação incluir as escolas privadas e com verbas públicas, cabe os
seguintes esclarecimentos sobre o sistema vigente na década de 1940, a partir da pesquisa de
Rizzini & Barros (2013) que afirmam:
O sistema de escolarização era centralizado na esfera estadual, alegando-se, como justificativa, a escassez de recursos dos municípios para efetivá-lo. Contudo, foi realizado um convênio com as municipalidades, o qual assegurava a ação estadual na implementação, na fiscalização e no financiamento do ensino primário no estado do Rio, prevendo a participação financeira das cidades para o desenvolvimento e a manutenção das escolas primárias (RIZZINI; BARROS, 2013, p. 119).
A despeito do progressivo reconhecimento simbólico e material do espaço escolar como
um lugar próprio, destinado às funções de educar, o que se encontrava em Duque de Caxias,
na rede municipal, até meados do século XX, eram lugares marcados pelo improviso. Dentre
as dezenas de escolas em semelhante situação, utilizamos como exemplo a Escola Centenário.
Funcionando num bar, ficou conhecida, até a emancipação, em 1943, como a Escola do
Buraco.
O homem, sem cultura, mas, com grande senso de patriotismo e amor pelo seu próximo, era Manoel Antunes. Filho de pais ignorantes, fora criado sem saber ler e tão pouco a escrever, pois nunca frequentara escola alguma, e, não querendo que seus filhos, parentes e amigos, pudessem receber ali, os ensinamentos que lhe faltavam. Dono de terrenos e casas, não foi difícil realizar o seu ideal. Convidou uma môça que desempenhasse o papel de professora, arranjou uma mesa, uma cadeira e alguns bancos, pois alunos já havia (filhos e vizinhos) e o botequim se transforma em escola (Relatório da Escola Municipal Centenário, Acervo do Instituto Histórico Vereador Thomé Siqueira Barreto/CMDC, s/d).
Mesmo em tempos dos Grupos Escolares, que contavam com uma arquitetura própria
visando à separação entre a escola e a rua, essa realidade não era a que tínhamos em Duque
de Caxias. Em muitas escolas, ainda na segunda metade do século XX, as salas de aula saíam
diretamente na rua e os prédios escolares eram adaptados, fruto de empréstimos, cessões e
comodatos. Tal realidade deu-se, por exemplo, com a atual Escola Municipal Coronel Eliseu.
Como o descrito no Relatório da Escola:
Terminada a construção no fim de 1967, surgiu a idéia, pelo presidente do Clube Olé ceder o prédio à prefeitura municipal de Duque de Caxias, a fim de
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funcionar uma escola, já que o bairro não possuía nenhuma instituição escolar. Foi então que o presidente do Clube Virgílio Louzada por intermédio do Vereador Oliveira, dirigiu-se à prefeitura e assinou o comodato, cedendo o clube ao funcionamento da escola (Relatório da Escola Parque Comercial. Acervo do Instituto Histórico Vereador Thomé Siqueira Barreto/CMDC, década de 1950).
À arquitetura do improviso faltava não apenas a separação entre o dentro e o fora da
escola, como também, a demarcação dos espaços escolares. A Escola Municipal Todos os
Santos possuía uma arquitetura característica desse período em que a criação dos prédios
escolares misturava o fora e o dentro, com ausência de pátios e outros espaços além das salas
de aula. O prédio, alugado pela Prefeitura Municipal de Duque de Caxias, foi um salão
dividido por uma cortina de pano, resultando em duas salas de aula:
Uma equipe muito interessada pelo local solicitou ao prefeito Adolfo David a construção de uma escola no bairro Engenho do Pôrto, que depois de muito sacrifício da equipe liderada por Antônio Monteiro Lopes, Maria Cândida Reis e Antônio Ferreira. Finalmente, conseguira que fosse construída e depois inaugurada no dia primeiro de outubro de 1962 pelo prefeito Adolfo David (Relatório da Escola Municipal Todos os Santos. Acervo do Instituto Histórico Thomé Siqueira Barros/CMDC, s/d).
A Escola Municipal Joaquim da Silva Peçanha teve como espaço um armazém
adaptado. Foi fundada em setembro de 1948, porém efetivou seu funcionamento no ano
seguinte. A Escola passou por diversos endereços, sendo instalada, inclusive, no antigo
Armazém do bairro, que segundo os documentos da escola, datava da época do Império. No
dia 23 de agosto de 1990, foi reinaugurada, no prédio onde se encontra atualmente. Outra
marca da negação ao espaço escolar se constituía pela junção de duas ou mais escolas num
mesmo prédio, como encontramos em reportagens nos jornais locais:
A escola Regina Sampaio no 1 localizada no bairro Periquito, está ameaçada de fechamento, devido às péssimas condições em que funciona. Conforme já divulgamos, a escola de igual nome foi fechada êste ano na localidade de Jaqueira, no Jardim Olavo Bilac, mercê da falta de responsabilidade da prefeitura, que criminosamente não procurou os meios necessários para a escola subsistir. Duas Escolas Num só Barraco. Segundo declarou na ocasião, a Inspetora de Ensino, os alunos prejudicados com o fechamento da Escola da Jaqueira foram matriculados na escola do Periquito. Entretanto, não vemos tanta possibilidade de que possam as crianças atravessar o morro íngreme que separa um bairro do outro, principalmente as de idade mais tenra. De qualquer forma, o barraco em que a Escola Regina Sampaio está funcionando não comporta nem meia escola, quanto mais duas, ainda que sejam da Prefeitura de Duque de Caxias. Em dois cômodos angustiados, com bancos servindo a três alunos, espremem-se 270 crianças nos três turnos. Para acomodar a uma outra classe, um professor empresta-lhe a sala, também muito reduzida. (Tópico, Duque de Caxias, 28/06/1958)
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Em 1958, José Lustosa fez um levantamento das escolas municipais de Duque de
Caxias. O autor encontrou 29 escolas, quase a totalidade, em prédios adaptados alugados ou
cedidos, sendo muito poucas funcionando em prédios próprios. Em levantamento realizado
pelo CEPEMHEd, listamos a situação predial das escolas municipais de Duque de Caxias na
década de 1950.
QUADRO 1 SITUAÇÃO PREDIAL DAS ESCOLAS MUNICIPAIS DE DUQUE DE CAXIAS
DÉCADA DE 1950
Fonte: Centro de Pesquisa, Memória e História da Educação da Cidade de Duque de Caxias e Baixada Fluminense, 2016.
ESCOLAS MUNICIPAIS SITUAÇÃO PREDIAL
E. M. Miguel Couto Prédio próprio, em boas condições.
E. M. Joaquim da Silva Peçanha Prédio adaptado e alugado.
Ginásio M. Expedicionário Aquino de Araújo Prédio próprio, em boas condições.
E. M. Visconde de Gericinó Apenas uma sala.
E. M. Regina Tescaro Sampaio Prédio adaptado e alugado.
E. M. José Peixoto Prédio adaptado e alugado.
E. M. Manoel Feliz de Medeiros Prédio adaptado e alugado.
E. M. Centenário Prédio adaptado e cedido.
E. M. Salgado Filho Prédio adaptado.
E. M. Monteiro Lobato Salão adaptado e cedido.
E. M. Dr. Manhães Apenas uma sala.
E. M. Coronel Eliseu (atual E. M. Hilda do Carmo) Prédio adaptado e alugado.
E. M. Haidea Rêgo da Mota Prédio adaptado próprio.
E. M. Gastão Reis Prédio adaptado e cedido.
Grupo Escolar Municipal Alberto Torres (anexo ao Ginásio M. Expedicionário Aquino de Araújo)
Prédio próprio.
E. M. Vila Leopoldina V (atual E. M. Ana Nery) Prédio adaptado e alugado.
E. M. Evangelina Porto da Mota Prédio adaptado.
E. M. Barão do Rio Branco Prédio adaptado e alugado.
E. M. Darcy Vargas Prédio adaptado e cedido.
E. M. Dr. Getúlio Vargas Prédio em boas condições.
E. M. Dona Alice Corrêa Prédio adaptado.
E. M. Francisco Corrêa Prédio adaptado.
E. M. Manoel Reis Prédio adaptado e cedido.
E. M. Saldanha (atual E. M. Aila Saldanha) Prédio adaptado e cedido.
E. M. Madalena Caramuru Prédio em bom estado.
E. M. Tiradentes (atual E. M. Sete de Setembro) Prédio cedido e adaptado.
E. M. José Vieira Prédio adaptado.
E. M.Thiago Apóstolo Prédio cedido.
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Muitas das escolas incorporadas pela rede pública municipal tiveram percursos
semelhantes: foram criadas por pessoas não ligadas ao poder público, na tentativa de suprir a
falta de escolas para seus filhos e vizinhos; funcionaram em espaços improvisados e/ou
inadequados, em prédios alugados ou em comodato. Várias foram extintas por diferentes
razões. Outras constam como extintas, porém apenas mudaram de nome. Tiveram, ainda,
suas memórias apagadas. Em grande parte dos registros oficiais não constam a história
pregressa ao encampamento dessas escolas pelo poder público. Todo o esforço de instituição
de espaços educativos e protagonismo de pessoas comuns silenciados pela memória oficial. O
desejo de instrução e a busca por dar a seus filhos e filhas um destino diferente é negado
como luta, como forma de enfrentamento geracional do capitalismo. A escola não foi uma
benesse ou um presente; antes, uma luta contínua para o acesso a uma vida melhor, embora
nem sempre o aumento da escolarização corresponda a um aumento de renda para as
famílias.
No ano de 2016, encontramos na rede municipal 176 escolas. Um significativo número
ainda retrata o quadro de precariedade: prédios alugados, em comodato, adaptados. Muitos
em condições inadequadas de funcionamento. O passado de negações permanece presente,
demandando de crianças, famílias e professores um enfrentamento e uma resistência ainda
maior para garantir, mesmo que precariamente, o que hoje a sociedade entende como direito
à Educação.
A Título de Conclusão
A presente pesquisa se configura como um passo inicial para o registro dos processos
de escolarização do município de Duque de Caxias, no sentido de pontuar os marcos e
processos que deram origem à escola pública no município. Buscamos registrar as trajetórias
constituintes do atual estado de precariedade e carência material em que vivem muitas de
nossas escolas. A pobre escola para os pobres foi o projeto de escolarização para a
subalternidade que se construiu historicamente para as crianças e para as professoras nas
periferias. Aliada ao “fazer sem condições” está a política clientelista e a influência dos
políticos locais, que através das práticas de nomeações e aumento de ofertas de vagas
representa uma forma de capitalizar prestígio e votos junto ao inevitável processo de
escolarização dos espaços de grande concentração populacional como Duque de Caxias.
Nossa proposta foi acolher a provisoriedade dos traços que se reconfiguram a partir dos
novos achados, pois a dispersão das fontes é tamanha. Também, se constitui numa opção
política por saber que nossas narrativas pretendem “escovar a história a contrapelo”, como
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nos ensina Benjamim, pelo tanto que nos foi silenciado, subalternizado e destinado ao
esquecimento. O trabalho com a história e a memória da educação, nessa perspectiva, traz à
tona um outro olhar sobre as práticas educativas escolares e as relações cotidianas
estabelecidas dentro e fora da escola.
As ideias que movem o fazer do CEPEMHEd entendem a escola como Patrimônio
histórico-educativo e Lugar de Memória12. Um território dotado de significados, marcado
pela presença do homem e, portanto, os diversos usos que essa vivência humana faz desse
espaço, o qualifica como um lugar de memória, de história que narra não apenas as
edificações, os objetos histórico-educativos, as relações interpessoais, mas, igualmente, os
movimentos de luta contra o silenciamento daqueles que nele transitam. Cabe lembrar,
ainda, que uma das lutas presentes desde a institucionalização do CEPEMHEd, pela Lei
2.223 de 2008, é a efetivação do Arquivo Público Municipal instituído no mesmo dispositivo
legal, o que representa uma possibilidade de preservar esse patrimônio disperso entre
espaços particulares, diferentes instituições e fadado ao esquecimento.
Numa trajetória política clientelista, ainda presente no cenário atual, o trabalho de
rememoração das relações e disputas presentes no percurso da educação local se faz
essencial. Em 2016, permanecemos na luta enquanto profissionais da educação de Duque de
Caxias, pelo direito a uma educação de qualidade e contra a precariedade presentes no
cenário educacional local. Continuamos militando para que não tenhamos mais prédios
escolares oriundos de bares, igrejas, casas improvisadas. Que todas as escolas tenham seus
prédios próprios, que possam ter estrutura para receber as crianças e oferecer uma educação
pública verdadeiramente de qualidade. Olhar o passado e ver o presente numa perspectiva de
registrarmos outros caminhos, outros percursos para a escolarização na cidade.
Fontes
Legislação
DUQUE DE CAXIAS, Lei no601, de julho de 1984. Acervo SAGP/SME, digitalizado por CEPEMHEd. DUQUE DE CAXIAS, Lei no 2223, de 07 de novembro de 2008. Acervo CEPEMHEd.
12 Segundo Pierre Nora (1993).
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Relatório de Província
RIO DE JANEIRO (PROVÍNCIA). Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Sebastião Eurico Gonçalves de Lacerda Secretário do Interior e Justiça pelo A.M. Alberto de Oliveira. Diretor da Instrução Pública. Niterói: Typografia do Jornal do Commercio, 1897.
Relatórios Escolares
Relatório Escolar. Acervo do Instituto Histórico Vereador Thomé Siqueira Barreto/CMDC, Década de 1950. Relatório da Escola Municipal Thiago Apóstolo. Acervo Instituto Histórico Vereador Thomé Siqueira Barreto/CMDC, S/D. Relatório da Escola Municipal Centenário. Acervo do Instituto Histórico Vereador Thomé Siqueira Barreto/CMDC, S/D. Relatório da Escola Municipal Todos os Santos. Acervo do Instituto Histórico Thomé Siqueira Barros/CMDC, S/D.
Jornais
AMEAÇADA DE FECHAR. A (OUTRA) ESCOLA REGINA SAMPAIO. O Tópico. Duque de Caxias, Ano I, no 428, Junho de 1958.
Manuscritos
Instituto Histórico Vereador Thomé Siqueira Barreto/CMDC. Coleção da Educação, Pastas 1-4, 1959.
Referências
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RIZZINI, Irma; BARROS, Raquel Souza de. Articulações entre a política e a educação no processo de expansão da escolarização primária no interior fluminense (1937-1954). Revista Brasileira da História da Educação, v. 13, n 2, p. 101-132, 2013. SAVIANI, Demerval. O legado educacional do século XIX. Autores Associados: Campinas, 2006. SCHUELER, Alessandra Frota Martinez; MAGALDI, Ana Maria Bandeira de Mello. Educação Escolar na Primeira República: memória, história e perspectivas de pesquisa. Tempo. Revista do Departamento de História da UFF, v.13, p.43-66, 2009. SCHUELER, Alessandra; RIZZINI, Irma; MARQUES, Jucinato de Sequeira. Felismina e Libertina vão à escola: notas sobre a escolarização nas freguesias de Santa Rita e Santana - Rio de Janeiro, 1888-1906. Revista História da Educação, v. 19, n 46, p. 145-165, 2015. SOUZA, Marlucia Santos de. Escavando o Passado da Cidade: História política da Cidade de Duque de Caxias. Duque de Caxias: APPH-CLIO, 2014.