No Facebook à procura de dadoras de óvulosPOR 609 EUROS, AS UNIVERSITÁRIAS SAO AS PRINCIPAIS FORNECEDORASNAS CLÍNICAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA. MAS NÃO CHEGA
Sêsolidário e ajuda
os casais que o ne-cessitam', lê-senum dos anúncios
que nas últimas se-manas encheram o espaçodestinado à publicidade no Fa -
cebook. A janela, que pisca os
olhos aos utilizadores da rede
social em tons de rosa e azul--bebé, remete automatica-mente para o site da IVI, clínica
especializada em reproduçãomedicamente assistida, onde
se esclarece a intenção doanúncio: procuram-se dado-res de material genético. Ou
seja, esperma e óvulos. Nos
jornais de distribuição gratui-ta, também não faltam anún-cios à procura de dadoras de
ovócitos. O acto vive do espíri -
to benemérito mas não só: no
caso feminino, cada doaçãopode render 600 euros.
DalVl,uma das íodínicas pri-vadas a operarem em Portugalna área da procriação medica-mente assistida, o médico Sér-
gio Soares justifica a campanhano Facebook com a "carência"de dadores em relação à procura,mesmo em tempos de crise.
"Vivendo o dia-a-dia desta
questão, não notamos tal efeito.
Se assim fosse, possivelmentenão teríamos de estar a fazer a
campanha" justifica.A média de idades dos dadores
seleccionados pela IVI é de 30anos para os homens e 26 anos
para as mulheres. Mas o médico
não descarta o apelo monetário
que a busca pode exercer sobre o
seu público-alvo: "É lógico as-sumir que e relação do universo
de dadores com os diferentes as -
pectos da motivação para o acto
não é homogénea e, portanto,difícil de definir de modo sim-
plista. Também não nos cabe a
nós realizar uma profunda in-
vestigação sobre essa questão"
afiança Sérgio Soares.
Mas, mesmo sem grandes in-vestigações, oprofessor AlbertoBarras (que criou em 1985 opri-meiro 'banco de esperma' do
País, na Faculdade de Medicinado Porto) deparou- se recente-mente com um caso de pura so -lidariedade na sua clínica noPorto. "Houve uma jovem que,durante o processo de doação,
perguntou se era possível doar o
cheque a que tinha direito à fa-
mília receptora" lembra o espe-cialista em genética . C aso único
na sua memória. "É legítimoque a pessoa, apesar da vocaçãosolidária do seu acto, seja com-pensada pelos transtornos cau-sados "defende.
Com tempos de crise, admiraé que faltem dadores, já que as
colheitas são pagas a 42 euros
para os homens e 626 euros paraas mulheres (preços de com-pensação estabelecidos peloMinistério da Saúde, ou seja, 1,5
vezes o valor do indexante dos
apoios sociais para as dadoras e
um décimo do valor do inde-xante para os dadores).
Uma gota de água, quandocomparado com os preços dos
tratamentos, que podem che-
gar aos seis mil euros. No en-tanto, de acordo com os espe-cialistas, o maior argumentoapresentado tem sido mesmo"a vontade de ajudar"
Pelo menos é disso que fala a
experiência de Isabel Sousa Pe -
reira, directora do primeiro ban-co público de gâmetas, instalado
na Maternidade Júlio Dinis, noCentro Hospitalar no Porto, emfuncionamento desde 2011.
"E legítimo quea pessoa sejarecompensadapelostranstornoscausados"
"Também hásolidariedade.Uma dadoraquis doara recompensaà receptora"Prof. Alberto Barroscatedrático deGenética Médica
"Há carênciade dadores, ounão teríamosfeito estacampanha"Sérgio Soaresespecialista emMed. Reprodutiva
"Muitos dadores de material ge -
nético são também dadores de
sangue e de medula, queremosacreditar que a sua principalmotivação se ja a boa vontade ."
O único banco público de gâ-metas português iniciou o re-crutamento e a selecção de da -
dores e dadoras em Maio de
2011, e começam agora a estar
disponíveis as primeiras dádi-
vas para uma lista de espera de
casais inférteis.
Aprocura não é muito expres-siva e , por isso, há falta de mate -rial genético, a fazer engrossardirectamente uma lista de ca-sais inférteis em espera.
O diferencial na compensaçãoatribuída a homens e mulheres
justifica-se "pelas despesasefectuadas ou pelos prejuízos
resultantes da dádiva" além de
que "o processo de doação de
ovócitos é mais invasivo do queo de espermatozóides"
Os riscos decorrem directa-mente do processo de estimula-
ção ovárica a que as dadorassão submetidas. Este é geral-mente bem tolerado e só excep -
cionalmcnte comporta algumrisco, como a síndrome da^
"Poder ajudara engravidar"é o argumentode uma jovemde 28 anosque tambéme dadora demedula óssea
? hiper-estimulação dos ová-rios (resposta exagerada ao tra-tamento), infecção, o hemope-ritoneu ou a torção dos ovários.Também não é recomendável
manter relações sexuais, pelorisco de gestação múltipla, du-rante o período de estimulação.
Por tudo isto, cada dadora só
pode fazer três doações ao lon-
go da vida, independentemen-te de daí ter ou não resultado
uma gravidez , e nunca pode fa -zê -Io com intervalos inferioresa seis meses.
Apesar dos inconvenientes,muitas das dadoras colocam asolidariedade no topo das mo-tivações que as fizeram dar o
passo, tal como escreveu D. F.
M. C, de 28 anos, que actual-
mente estáafazerum mestrado
em Ciências Farmacêuticas etrabalha numa loja em part--time, num questionário quelhe foi fornecido no Centro de
Genética da Reprodução Pro-fessor Alberto Barros a pedidodo Correio da Manhã: "Poder
ajudar uma mulher a engravi-dar." Diz- se "orgulhosa" da sua
decisão, que a faz sentir-se "umser humano melhor" Também
já doou medula óssea.
A opinião é partilhada por L . S.
P., 26 anos, trabalhadora-estu-dante: "Ajudar outros casais queinfelizmente não puderam reali -
zar o sonho de serem pais."Só isso lhe traz uma alegria
imensa, partilhada também porI. S.A.C., de 22 anos (mestranda
em Ecologia, Ambiente e Terri-tório), a única que refere que a
compensação monetária aufe-rida teve também algum peso nasua decisão.
O perfil ê típico. A maior partedas dadoras que recorrem ao
Centro de Genética da Repro-dução Professor Alberto Barros
são "jovens, estudantes uni-versitárias, solteiras e sem fi-lhos" Às vezes, mas "mais rara-
mente, aparecem algumas es-
trangeiras, de passagem porPortugal no âmbito do progra-ma Erasmus"
Numa viagem por bloques e
fóruns, dadoras e receptores' encontram - se
' no mundo vir -
Minutos0 processo completode doação de óvulos
não dura mais do queum ciclo menstrual.
A transferência é feita
em minutos.
600 eurosÉ quanto pode valer
para as mulheres uma
doação de óvulos.
0 esperma é pagoa 42 euros.
tua] e anónimo da internet .
'Irakaya', nome de 'guerra'on-line, escreve as suas ra-zões: "Não sei quando é quevou precisar da ajuda dos ou-tros (sangue, medula, ór-gãos . . . ) e penso sempre que , se
não ajudar enquanto posso,
que legitimidade terei eu umdia para aceitar ajuda ? Em to -dos os casos é dar vida, espe-rança e possibilidade de con-cretizar sonhos. Não sou me-lhor que ninguém (....), não
posso ajudar o mundo, mas se
conseguir ajudar uma pessoajá fico feliz." Do 'lado de lá',
chovem 'posts' com respostasde mulheres inférteis queapoiam e agradecem a decisãode 'Irakaya!
Ter ou não material genéticode qualidade para procriar é
uma roleta russa que há quatroanos e meio saiu a Cátia J., 36
anos, administrativa, já comduas inseminações artificiaisfalhadas no currículo e os papéis
para a adopção a caminho dos
serviços competentes. Apesardisso, não desistiu do sonho de
gerar, que depende em boa par -te da existência de dadoras .Está
em lista de espera para receberóvulos doados, já que as inse-
minações falhadas mostraram
que os seus não tinham quali-dade. A ideia não lhe faz confu -
são.bempelo contrário: "Mãeepai é quem cria. E gerá-lo já é sermãe dele. Por quem doa, sinto
uma admiração imensa: é umaltruísmo muito grande."
Ser dadora é simples e rápido.
Começa com uma entrevista
para conhecer o médico e os
procedimentos.
Depois de uma ecografia, ras-treio genético, pesquisa de mar -cadores biológicos e uma ava-liação psicológica, é programa-do o início do tratamento de es -timulação ovárica. Apartir des -se momento, a dadora tem de
fazer uma série de visitas à clíni -
ca ou ao hospital num curto pe -ríodo de tempo, a fim de ser
monitorizada. Por esta altura,ambas as mulheres estão acti-vas no processo: "Ao mesmo
tempo que é estimulada a res-
posta ovárica da dadora, faz-sea preparação intra- uterina da
receptora." A maioria das recep-toras, acrescentaoprofessor Al-berto Barros, sofre de insufi-ciência ovárica prematura ou
produz óvulos de má qualidade,dois problemas que aumentam
exponencialmente com a idadeda primeira gravidez.
A punção folicular, ou seja,
quando tudo termina com a
transferência dos óvulos,ocorre numa sala de procedi-mentos sob anestesia local ou
sedação. O procedimento de-mora entre 10 e 20 minutos e,ao fim de duas a três horas, a
dadora tem alta médica.A dadora nunca poderá co-
nhecer o filho que ajudou a gerar(faz parte do acordo que assina),mas sai com a certeza de queajudou alguém e a conta bancá-ria mais recheada. O
Alimentos prejudicam a fertilidadeEm Portugal, existem vá-rios bancos de espermamas não de óvulos, devido
ao facto de no nosso paísnão ser possível congelá--los. "A boa prática exige
que haja um banco de es-
perma, pois há um perío-do de quarentena de seis
meses que tem de ser res-
peitado. O mesmo não se
aplica aos óvulos, pois
para efeitos da procriaçãomedicamente assistida
têm de ser colhidos fres-
cos e inseminados no
mesmo dia. Significa isto
que, por melhor que seja o
processo de congelação
de óvulos, o ovócito frescoé aquele que permite me-lhores resultados", explicaAlberto Barros. Os proble-mas relacionados com a
produção insuficiente de
óvulos e de espermatozói-des é cada vez mais umacausa maior da infertilida-de. 0 avanço da idade re-
produtora - sublinha - é o
principal responsável,mas há outros factores ex-
ternos, que passam "pelatoxicidade nos tempos de
hoje e por elementos hor-
monais que entram na ca-deia alimentar de forma
quase criminosa".
ALBERTO BARROS, ESPECIALISTA
EM GENÉTICA DA REPRODUÇÃO
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