PREFEITURA MUNICIPAL DE RECIFE – PE
SECRETARIA DE ASSUNTOS JURÍDICOS
1 Av. Cais do Apolo, 925, 3º andar, Bairro do Recife, Recife / PE
CEP: 50030-903
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA 1ª VARA DA FA-ZENDA PÚBLICA DE RECIFE - PE
O Município de Recife, pessoa jurídica de direito
público interno, com sede no Cais do Apolo, 925, 3º andar,
Bairro do Recife, Recife, PE, CEP: 50030-903, vem
respeitosamente perante Vossa Excelência, por seus
procuradores signatários, apresentar:
Contestação de MANDADO DE SEGURANÇA
aforado por Raquel Lyra Lopes, já qualificada no feito em
epígrafe, pelos seguintes fatos e fundamentos jurídicos:
I. BREVE RELATO DA LIDE
A impetrante Raquel Lyra Lopes aforou mandado de segu-
rança contra o Secretário de Saúde do Recife com pedido de an-
tecipação de tutela, alegando que sofre de uma espécie rarís-
sima de anemia que, se não tratada, pode levar o paciente à
morte e necessita usar o remédio Lunaris, não fornecido pelo
SUS, cujo tratamento totaliza R$ 900.000,00 (novecentos mil
reais) por ano.
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II. DA PRELIMINAR
Embora se reconheça que a jurisprudência entende que o
direito à saúde deve ser prestado pelos entes federados de
forma solidária, não se pode entender que os municípios tenham
a obrigação de fornecer medicamentos para todo e qualquer pa-
ciente, sob pena de falência total do Sistema Único de Saúde,
que já sofre com as conhecidas dificuldades no atendimento,
conforme é notório. Além de que o medicamento não é registrado
pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância e Sanitária).
III. DO MÉRITO
O conflito que se põe em questão neste caso concreto
ocorre entre o direito individual da requerente e o direito
coletivo de uma população. É correto que a Constituição
Federal do Brasil estabeleça que o direito à saúde seja
indisponível e pertencente a todo cidadão, no entanto, há que
se perguntar, até onde tal direito pode ir? Princípios
constitucionais podem ser tratados como absolutos?
De acordo com Habermas, os cidadãos devem reconhecer
reciprocamente seus direitos de forma a regular legitimamente
o seu viver em sociedade através do direito positivo. Essa
formulação já indicaria, segundo o autor, que o sistema de
direitos em seu todo é percorrido pela tensão entre validade e
facticidade que caracteriza a ambivalência da validade
jurídica. Habermas ainda dirá de forma sucinta e perfeitamente
aplicável a este caso:
[...] o conceito de direito subjetivo exerce papel
central na compreensão moderna do Direito. Corresponde
ao conceito de liberdade subjetiva: são os direitos
subjetivos que fixam os limites no interior dos quais um
sujeito encontra-se autorizado a livremente manifestar
sua vontade. Sem dúvida, definem as mesmas liberdades
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para todos os indivíduos ou sujeitos jurídicos
compreendidos como titulares de direitos subjetivos. No
art. 4º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão,
de 1789, podemos ler: “A liberdade consiste em se poder
fazer tudo o que não prejudique o outro”. Assim, o
exercício dos Direitos Naturais de um ser humano
encontra apenas os limites que asseguram aos outros
membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos
(HABERMAS, 1992, p. )
Nesse excerto é possível perceber os limites do direito
à saúde para que a sociedade possa conviver harmonicamente. A
decisão favorável em relação a requerente prejudicaria o gozo
de tal direito aos demais cidadãos. Não é correto tratar
princípios constitucionais de forma absoluta e individualista
em detrimento de milhares recifenses. É certo que ao ver de
alguns 0,5% do orçamento da saúde municipal pode parecer um
número ínfimo, no entanto, para a realidade de uma população
que ultrapassa a cifra dos milhões tal quantia é catastrófica.
Deve se agregar a isso também o fato de que, no espaço
amostral dessa população, se a justiça concedesse o referido
medicamente a 200 pessoas, com a mesma doença da requerente, o
orçamento se esgotaria; o resto da população não poderia mais
contar com o direito à saúde e nessa perspectiva é que podemos
perceber a real gravidade da decisão aqui discutida. Estamos
falando de uma sociedade e não de um indivíduo apenas.
Cabe ainda ressaltar que, ao conceder tal pedido, o
judiciário abriria margem para que mais recifenses com doenças
raras entrassem na justiça e por um princípio de equidade tais
pedidos teriam que ser igualmente concedidos, o que levaria ao
caos o orçamento municipal da saúde.
A isso devemos somar a total insegurança em relação ao
tratamento da doença da requerente. Ou seja, realmente devemos
sacrificar uma parte significativa do orçamento, que poderia
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sanar inúmeras doenças de tratamento mais acessível e atingir
maior parcela da população municipal, investindo em um
tratamento incerto que pode não gerar resultados? Essa
discussão acerca do tratamento de tal doença deveria ser
discutida no âmbito judiciário?
Toda essa discussão deve ser tratada de forma a se
buscar uma decisão que consiga um equilíbrio entre o coletivo
e o individual, não ocorrendo o privilégio de alguns em
detrimento de milhares de outros indivíduos. Neste embate, nos
envolvemos igualmente com o conflito entre direito e justiça.
No sentido de que não há dúvidas que a requerente tenha
direito à saúde, no entanto, devemos nos perguntar se seria
justo para com os outros habitantes de Recife conceder tal
pedido e deixá-los a mercê de um orçamento deficitário e uma
saúde pública precária. Agindo assim, estaríamos priorizando
doenças raras, frequentemente sem cura, que acometem uma
parcela minoritária da população e colocando enfermidades
recorrentes com tratamento e cura eficaz em segundo plano.
Resumindo, estaríamos trocando o certo pelo duvidoso, o
coletivo pelo individual.
Habermas, citando Michelman, afirma:
“[...] Um direito, além do mais, não é nem uma arma nem
o show de um homem só. É uma relação e uma prática
social, e em ambos esses aspectos essenciais é uma
expressão de associatividade. Os direitos subjetivos são
proposições públicas, que envolvem tanto obrigações para
com os outros quanto titularidade contra eles. Pelo
menos aparentemente são, indubitavelmente, uma forma de
cooperação social, mais, ainda assim, e, em última
análise, de cooperação”. Os direitos subjetivos, ao
nível conceitual, não se referem de modo imediato a
indivíduos atomísticos e desunidos que se postem
possessivamente um contra o outro. [...] (HABERMAS,
1992).
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Nessa perspectiva, há que se notar o notório aspecto
social do direito à saúde. Não permitindo uma atomização do
indivíduo, um apartamento total do mesmo em relação ao
coletivo. Há que se ressaltar a função social do Direito, os
seus valores de justiça e de equidade. Pois, como conclui
Habermas:
[...] A tensão entre facticidade e validade construída
no interior do próprio Direito é dissolvida se a
dominação juridicamente constituída, de per se, puder
ser retratada como a manutenção de um sistema de egoísmo
preferido por todos os participantes. (HABERMAS, 1992).
Assim, não podemos individualizar o Direito, que foi
pensado e projetado, também e principalmente, para a
coletividade. Ou essa individualização levaria ao próprio
rompimento e afastamento do Direito de seus preceitos
fundamentais. Como explica o referido autor, os fundamentos
que legitimam o Direito devem se harmonizar com os princípios
morais da justiça tanto quanto com os princípios éticos,
assumindo aos indivíduos responsabilidades, e, acrescento aqui,
direitos, no nível individual e no coletivo.
Afirma Habermas: “Uma vez abalados os fundamentos
sagrados dessa tessitura de Direito, moralidade e eticidade
instalam-se os processos de diferenciação.” (idem).
Tal processo de diferenciação cabe da seguinte
perspectiva: como explicar a toda uma população que irá
ocorrer uma priorização do orçamento de doenças raras em
detrimento das demais enfermidades que acometem a parcela
majoritária do coletivo? E o direito à saúde dos demais
indivíduos? Eis que se esse Tribunal decidir-se favorável a
requerente, a referida diferenciação será consequência
imediata, ou seja, os demais pedidos deverão ser concedidos,
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baseados na jurisprudência e em argumentações falhas que
tratam princípios constitucionais de formar absolutista e a
simples prescrição do medicamento como solução para o caso.
Caso esse, como abordado, mais complexo do que aparenta
não podendo ser baseado apenas na perspectiva individualista,
mas, ressalto, na coletividade. Ademais, a criação do Direito
não pode ser tratada de forma absoluta e imutável, mas através
da tensão entre a validade e facticidade, em uma constante
construção e desconstrução interpretativa se adaptando de
acordo com a temporalidade.
Uma medida adequada para tomada de decisão no caso con-
creto é a proporcionalidade. Visto que, segundo Alexy, por e-
xemplo, o princípio da proporcionalidade entra em jogo quando
dois ou mais direitos fundamentais estão em conflito ou quando
um direito fundamental limita o outro, como no caso exposto.
Não obstante, quanto mais grave for a ingerência em certo di-
reito fundamental, maiores serão as justificativas para se a-
plicar tal interferência.
Ainda, para Alexy, esse princípio respeita três concep-
ções, as quais são a adequação, a necessidade e a proporciona-
lidade em strictu sensu. A adequação nada mais é que a confor-
midade entre a conduta de certa finalidade e a possível condi-
ção desejada, ou seja, a tomada de decisão pelo Poder Público
precisa ser apta a alcançar o objetivo almejado; a necessidade
é o uso da maneira menos custosa, contudo eficaz, para que se
obtenha a finalidade esperada; por último, a proporcionalidade
em strictu sensu pretende ponderar a execução de um direito
com a redução de outro oposto.
Contudo, a ponderação apenas é possível no caso concre-
to, pois não se podem mensurar, em âmbito abstrato, os prová-
veis conflitos de interesse, isso porque a antinomia de prin-
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cípios não pode ser resolvida quanto à exclusão de um direito
ou de subjugá-lo eternamente a outro. Por conseguinte, ponde-
rar é a busca pela melhor decisão quando no discurso dois
princípios de igual valor estão em conflito.
Portanto, mediante os acontecimentos do caso concreto,
um princípio pode ser mais adequado e relevante em relação a
outro. Assim, por consequência, quando uma situação diferente
se configure pode haver mudança quanto à aplicação de princí-
pios. Quanto a isso, Alexy desenvolve o raciocínio de que os
princípios constitucionais não conferem uma hierarquia sólida,
pois possuem igual peso e importância, mas uma hierarquia mó-
vel e com isso podem ser relativizados.
Entretanto, o que pode ser questionado é como se pode
escolher uma norma mais adequada frente a tantas normas exis-
tentes, porém tal questionamento é facilmente refutado ao de-
monstrar a compatibilidade entre qual norma pode ser mais bem
abordada em relação a todas as outras em situação especial.
Gunther, nesse sentido, por exemplo, propõe a existên-
cia de dois discursos distintos: o de fundamentação e o de a-
plicação. Com isso, as razões para a explicação do discurso de
fundamentação não se confunde com o esclarecimento do discurso
de aplicação, visto que a justificação de validade é algo ge-
ral e abstrato, já a elucidação de aplicação de uma norma está
estritamente ligada ao caso concreto.
Por exemplo, a Constituição Federal, em seu artigo 196,
afirma que a saúde é um direito de todos e dever do Estado, no
entanto, essa colocação é feita em um plano geral e abstrato.
Além de não fazer referência ao modelo de aplicação, pois o
discurso de aplicação se refere à adequação de normas válidas
a um caso concreto, nos termos do Princípio da Adequabilidade,
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sempre pressupondo diversas concepções paradigmáticas seleti-
vas, a serem discursivamente problematizadas.
Segundo Habermas:
“O discurso de aplicação não se refere à validade de uma
norma, mas à adequabilidade de sua referência a uma
situação. Já que cada norma registra somente aspectos
específicos de um caso individual, situado no mundo da
vida, o discurso de aplicação deve determinar quais são
as descrições de fatos relevantes para a interpretação
da situação em um caso controverso, bem como determinar
qual dentre as normas prima fácies é a adequada, uma vez
que todas as características significativas da situação
tenham sido registradas de forma tão complexa quanto
possível”. (HABERMAS, Jurgen. Direito e democracia:
entre facticidade e validade, 2003).
Nesse contexto cabe o que Habermas apresenta como a
tensão entre validade e a facticidade. Dado também que o
Direito não pode pressupor todos os fatos futuros, como, por
exemplo, no caso do texto constitucional, geral e abstrato, em
que se alude à saúde ser um direito de todos e dever do Estado,
não se nota o caráter ambíguo que o texto pode assumir, visto
que a requerente Raquel Lyra Lopes faz um pedido de amparo ao
tratamento médico por ser dever do Estado o seu direito à
saúde, contudo, a saúde também é um direito de todos, o que
seria prejudicado caso o pedido de Raquel Lyra Lopes fosse
aceito, visto que ambas as demandas não podem ser aludidas
pela verba do município. Ou seja, a validade consiste em uma
busca pelo ideal, as diretrizes de comportamentos, como no
texto constitucional, a qual entra em tensão com a facticidade,
o que de fato ocorre.
Gunther assegura que, para o estabelecimento de normas
válidas, o interesse geral deve ser resvalado, o qual requer a
consideração de cada membro da sociedade, portanto a norma é
considerada válida mediante o respaldo de todos os cidadãos
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conforme a finalidade que a mesma se destina.
No entanto, para que o interesse de todos seja levado
em consideração na decisão de uma norma deveriam existir
condições ideais de discurso. E essas condições seriam a base
para a validade da norma. Além de consistirem em regras de
consistência semântica para cada forma de argumentação, para a
organização do discurso e para a participação livre e igual de
todos os destinatários.
Como pretende Habermas, em sua obra Pensamento Pós-
Metafísico sobre o agir comunicativo:
“Uma vez que o agir comunicativo depende do uso da
linguagem dirigida ao entendimento, ele deve preencher
condições mais rigorosas. Os atores participantes tentam
definir cooperativamente os seus planos de ação, levando
em conta uns aos outros, no horizonte de um mundo de
vida compartilhado e na base de interpretações comuns de
situação. Além disso, eles estão dispostos a atingir
esses objetivos mediatos da definição da situação e da
escolha dos fins assumindo o papel de falantes e de
ouvintes, que ouvem e falam através de processos de
entendimento. O entendimento através da linguagem
funciona da seguinte maneira: os participantes da
interação unem-se através da validade pretendida de suas
ações de fala ou tomam em consideração os dissensos
constatados. Através das ações de fala são levantadas
pretensões de validade criticáveis, as quais apontam
para um reconhecimento intersubjetivo. A oferta contida
num ato de fala adquire força obrigatória quando o
falante garante, através de sua pretensão de validez,
que está em condições de resgatar essas pretensões, caso
seja exigido, empregando o tipo correto de argumentos. O
agir comunicativo distingue-se, pois, do estratégico,
uma vez que a coordenação bem sucedida da ação não está
apoiada na racionalidade teleológica dos planos
individuais de ação, mas na força racionalmente
motivadora de atos de entendimento, portanto, numa
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racionalidade que se manifesta nas condições requeridas
para um acordo obtido comunicativamente”. (HABERMAS, p.
72).
Assim, não se pode levar apenas em consideração o agir
estratégico da requerente Raquel Lyra Lopes, já que ela visa
uma finalidade para o seu interesse particular. O seu pedido
não leva em consideração a necessidade de tantos outros
atendimentos ofertados pela saúde pública para pessoas em
situação de saúde tão frágil quanto à dela, ou mesmo casos
graves que o município deve responder. A sua demanda não
representa, pois, a consideração dos dissensos constatados, ou
seja, o agir comunicativo, que estaria representado pelo
acordo alcançado pela fala dos vários participantes envolvidos
não está representado, mas apenas uma questão pontual marca o
discurso.
Mediante o que foi demonstrado, o julgamento
extraordinário deve se fundamentar no conjunto das diversas
razões pertinentes, para que exista uma interpretação completa
do caso. Ao juiz, então, cabe adequar as várias interpretações
possíveis. O juiz não pode apenas descrever o aspecto fático,
mas precisa relacioná-lo com as normas existentes, o que leva
a uma reconstrução interpretativa do Direito.
Para Dworkin, por exemplo, os casos práticos utilizam o
processo hermenêutico reconstrutivo, abordado na figura do
juiz Hércules. Ainda, a interpretação necessita de uma busca
pela melhor solução possível, aquela em que o passado esteja
inserido, por exemplo, a norma constitucional, mas também o
presente esteja delimitado na escolha do juiz, o que Dworkin
fala de romance em cadeia.
Gadamer ao tratar da interpretação menciona que essa
além de consistir em uma atribuição de sentidos vinculada a
uma tradição a qual o intérprete faz parte, também, passa a
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significar de outra maneira o ato da interpretação. Assim, o
processo de reconstrução hermenêutica do presente nos
demonstra o passado, ou seja, a hermenêutica revela que não há
como compreender o passado com a exclusão daquilo que é
disposto no presente.
Portanto, o texto normativo precisa ser lido com o
aparecimento do Dasein, revelando o passado como permanente no
presente e no futuro, assim o Direito não pode garantir um
direito individual em detrimento do direito de uma comunidade,
simplesmente pelo fato de a Constituição Brasileira conter em
lei o direito de todos à saúde. Ora, o processo hermenêutico
reinterpreta o presente e não se vincula aos argumentos de
autoridade e aos preconceitos, mas sim a um respaldo pela
comunidade.
Além de essa oposição entre o direito individual e
coletivo ter resposta no próprio ordenamento, visto que um
direito fundamental não pode conter uma prática ilícita, ou
seja, não é permitido se utilizar o direito à saúde para fazer
uso de um remédio que não é reconhecido pela ANVISA, de certa
forma, ilegal no Brasil.
Cinge-se a controvérsia em determinar se o direito à
saúde é absoluto em termos subjetivos, ou se a sua aplicação
prática encontra barreiras quanto a sua aplicabilidade e
efetividade perante toda a sociedade.
Como bem abordado pelos nobres colegas, trataremos do
Princípio do acesso universal e igualitário às ações e
serviços de saúde. Esse princípio foi incluído no âmbito da
seguridade, com status de direito fundamental.
Os artigos, 6°, caput e 196 da Constituição Federal
fazem referência expressa de que a saúde é direito de todos e
dever do Estado, in verbis:
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“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a
alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança,
a previdência social, a proteção à maternidade e à
infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição.
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que
visem à redução do risco de doença e de outros agravos e
ao acesso universal e igualitário às ações e serviços
para sua promoção, proteção e recuperação.”
Esse é, contudo, um direito público subjetivo, que pode
ser exigido do Estado, que tem o dever de prestá-lo. Segundo
Sérgio Pinto Martins, não existe referência alguma quanto à
reserva do financeiramente possível, mesmo sabendo que ela re-
presenta incontornável condição de viabilidade de concretiza-
ção, como tantas outras promessas constitucionais de igual na-
tureza. Nesse aspecto, deve-se analisar o tema com a devida
cautela.
Nas palavras de José Afonso da Silva:
“O direito igual à vida de todos os seres humanos signi-
fica também que em casos de doenças, cada um deve rece-
ber tratamento condigno de acordo com o estudo atual da
ciência médica independentemente de sua situação econô-
mica, sob pena de não ter muito valor sua consignação em
normas constitucionais.”
Contudo, ao verificarmos a viabilidade no que tange a
questão orçamentária, observamos que a colocação em prática
dessas medidas utópicas, quais sejam, que todos tivessem di-
reito à saúde, independentemente das consequências a que a ob-
tenção de recursos estariam submetidas, a situação deveria to-
mar outro rumo, no sentido de viabilizar o sistema de saúde
como um todo.
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No caso em tela, o medicamento referido é estrangeiro,
de altíssimo custo e não conta com o aval da ANVISA, no que
tange à comprovação da sua eficácia.
No que pese a situação da paciente, nós nos solidariza-
mos com a sua condição precária de saúde, contudo, ao defen-
dermos a questão do ponto de vista do Município do Recife,
tem-se que pensar num quadro mais amplo de modo a viabilizar
que o orçamento da saúde não entre em colapso. Ao ser deferi-
da a compra desse remédio, haverá serio comprometimento dos
recursos alocados para a saúde no Estado.
A princípio, a cifra de 0,5% do orçamento pode parecer
pequena, mas ao transformarmos esses números em produtos des-
tinados aos hospitais e a quantidades de pessoas que serão a-
fetadas com essa redução, a situação merece profunda reflexão.
O CNJ realizou um estudo, depois de verificar o alto
número de ações na justiça visando o deferimento da compra de
remédios não fornecidos pelo SUS.
Foi realizado o Fórum Nacional do Judiciário para
monitoramento e Resolução das Demandas de Assistência à Saúde.
O objetivo desse Fórum foi o de consolidar os dados
estatísticos para que estes possam subsidiar a adoção de
políticas públicas no campo da saúde.
Ao observarmos a jurisprudência, constatamos que
existem grande conflitos, é muito simples para o juiz, deferir
os pedidos que são submetidos ao judiciário, agindo como o
próprio Pilatos, lavando as mãos e atribuindo às Secretarias
de Saúde, ao difícil tarefa de viabilizar a receita necessária
para a compra dos medicamentos sem deixar de atender os demais
cidadãos que também gozam dos mesmos direitos à saúde.
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Veja-se a seguinte ementa:
EMENTA: MEDICAMENTO. NÃO COMERCIALIZADO NO BRASIL. NÃO
APROVADO PELA ANVISA. GARANTIA DE FORNECIMENTO. NÃO
IMPUGNAÇÃO. MULTA POR DESCUMPRIMENTO. SOPESADA CONFORME
O CASO. AQUISIÇÃO INTERNACIONAL.
Imprescindível considerar o fato da inexistência do
medicamento em território nacional, suficiente para o
tratamento do agravado, eis que não aprovado pela
ANVISA. Ou seja, a aquisição deve observar as condições
orçamentárias e normas de compra, merecendo ser
temperado o valor da multa. A União não pode ser
exorbitantemente penalizada por cumprir as normas de
compra internacional de medicamente sem eficácia
comprovada pela ANVISA.Fixo a multa em R$ 50,00, nos
termos do pedido. Ademais, afasto o bloqueio na conta da
União, eis que de nada adianta garantir verba para
compra de medicamento inexistente. Mantida, assim, a
condenação ao fornecimento. AG 41448 RS
2009.04.00.041448-0
O CNJ busca, dessa forma, propor medidas e normas que
possam aperfeiçoar procedimentos e prevenir conflitos
judiciais nessa área.
Existe uma divisão nesses dados entre saúde privada e
saúde pública, visando ainda a obtenção de informações
referentes a questões de consumo e contratuais, ou apenas
obtenção de serviços hospitalares.
Outro dado importante, agora diretamente ligado ao
nosso questionamento, foi a verificação da grande demanda por
medicamentos de eficácia não comprovada, cuja comercialização
não foi aprovada pela ANVISA (Agencia Nacional de Vigilância
Sanitária). A divulgação dessas informações é de suma
importância, uma vez que a orientação do CNJ é no sentido de
que a obtenção desses medicamentos não deve ser deferida pelo
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Poder Judiciário.
Os nobres juízes estão numa situação delicada, onde
encontram de um lado um doente necessitando de determinado
medicamento e de outro, os argumentos das instituições que
lidam com esses problemas diariamente.
Ademais, este é apenas um caso, nobres juízes, quem
garante a quantidade exata de demandas a que o Município de
Recife terá que cumprir ao longo do ano?
O direito à saúde, garantido pelo Estado, deve
considerar os princípios da razoabilidade e proporcionalidade
para que não se libere remédios antes de o paciente submeter-
se aos medicamentos, de eficácia comprovada, oferecidos pelo
SUS Sistema Único de Saúde. Esse é o entendimento do Tribunal
de Justiça, que acolheu tese da AGE Advocacia-Geral do Estado
em Apelação (nº 1.0142.07.016973-5/001) na aplicação de
direitos fundamentais conflitantes, no caso o direito a saúde
da autora e o direito da população em ter o orçamento
direcionado a aplicação originariamente prevista, não podemos
agir de forma a garantir um em detrimento do outro.
Deve-se garantir a saúde da autora, contudo de forma
razoável e dentro do limite do possível, de forma a não ceifar
os tantos outros habitantes da região, que submetem-se ao
sistema de saúde público. Muitos procedimentos simples estarão
comprometidos, com a redução das verbas destinadas a saúde.
Em tal processo, foi pedido o fornecimento de Exelon,
produto recentemente lançado no mercado, em detrimento dos
dois medicamentos oferecidos pela SES - Secretaria de Estado
de Saúde. Conforme demonstrado pela nota técnica da SES, além
de o medicamento ser de alto custo, de acordo com a Anvisa o
remédio não se mostra adequado para o tratamento de Mal de
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Alzheimer.
Na defesa do Estado os procuradores Luiz Francisco de
Oliveira e Cristiane de Oliveira Elian também argumentaram que
direito fundamental à saúde não é absoluto e está eticamente
subordinado ao princípio da reserva da possibilidade social,
pois todo tratamento deve ser atendido na medida das
possibilidades financeiras de quem o custeia.
Outro fato estarrecedor levantando a dúvida dos
verdadeiros motivos por trás dessa grande demanda por produtos
estrangeiros de alto custo: interesse econômico da indústria
farmacêutica.
Cogita-se que alguns médicos inescrupulosos estariam
recebendo propina de indústrias farmacêuticas estrangeiras,
para aproveitar-se do recente posicionamento do Poder
Judiciário, no sentido de que seria muito fácil “tirar
dinheiro” dos governos por meio da aplicação de golpes como
esse. A prática está se tornando um verdadeiro trem da
alegria. Sem considerar o rombo nos caixas dos estados e os
prejuízos causados a população em geral.
Muitas vezes, a prescrição de um remédio nacional de
mesma eficácia é tida como impossível, ou inexistente, com
vista a obrigar o pedido do fornecimento de remédio
estrangeiro, de alto custo e com efeitos indeterminados.
Ao analisar o fato isoladamente, conforme já aventado,
pode parecer que os valores envolvidos face ao orçamento da
saúde sejam ínfimos, contudo temos que lembrar que o direito à
saúde, nessa linha de pensamento, é direito de todos, e o
número de demandas judiciais vem crescendo exponencialmente.
A discussão envolvendo a questão da efetividade dos
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direitos sociais, especialmente aquelas afetas ao direito à
saúde, tem atingido grandes proporções entre os estudiosos do
Direito.
No mesmo sentido, doutrinadores como Luiz Roberto
Barroso têm tratado do assunto com algumas reservas,
defendendo, em suma, que o Poder Judiciário, por exemplo, em
relação ao fornecimento de medicamentos, somente deve
determinar o fornecimento daqueles constantes das listas
elaboradas pelo Poder Público; a inclusão de novos
medicamentos nas referidas listas somente deve ser procedida
excepcionalmente e, mesmo assim, levando-se em conta as
competentes avaliações técnicas, de ordens médica,
administrativa e orçamentária, observadas as competências dos
Poderes Legislativo e Executivo, devendo o Judiciário, ainda,
atentar-se para o fornecimento apenas de medicamentos de
eficácia comprovada, excluídos, portanto, aqueles ainda em
fase experimental e os alternativos, sempre optando por
substâncias disponíveis no Brasil, fornecidas por agentes
situados em território nacional, e privilegiando os de menor
custo, como os genéricos.
Essas considerações, para Luiz Roberto Barroso, tem
como base a proliferação de decisões extravagantes ou
emocionais, que condenam a Administração ao custeio de
tratamentos irrazoáveis, ou porque desconstituídos de
essencialidade, ou porque são medicamentos de eficácia
duvidosa.
Estamos vivenciando uma verdadeira usurpação de
Poderes. O Poder Judiciário está se infiltrando na esfera do
Poder Legislativo e Executivo, à medida que decide a aplicação
do orçamento da saúde, comprometendo as políticas públicas
previamente determinadas.
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Obviamente em situações onde haja omissão do poder
público, existe a justificação da intervenção do Judiciário,
contudo no caso dos autos, trata-se de situação diversa, onde
o deferimento do medicamento de que teoricamente necessita a
paciente será de irreparável prejuízo aos cofres públicos.
Sendo assim, não há razão para que prevaleça o
argumento de que para garantir a vida ou a saúde de um único
indivíduo, sejam comprometidas as políticas de acesso á saúde
de uma coletividade.
A problemática abordada no caso exposto do tratamento
de alto custo da doença rara de Raquel Lyra Lopes reveste-se
de tensões hermenêuticas relevantes ao estudo do Direito. O
plano concreto apresentado perpassa pela normatividade
estruturante do ordenamento jurídico brasileiro, bem como um
de seus princípios constitucionais mais caros, o direito
subjetivo coletivo à saúde da sociedade.
Dentro dessa perspectiva, a teoria utilitarista
encontra-se bem adaptada. Pois convertido em princípio
metodológico das ciências sociais, o utilitarismo propõe
critérios de decisão formal caracterizado pela atenção aos
aspectos práticos da filosofia. Dessa forma, Jeremy Bentham,
consagrado como o pai dessa doutrina, concebe que “a maior
felicidade possível para o maior número de pessoas”, ou seja,
é preciso estabelecer uma ordem de valores, de acordo com o
critério da utilidade, se constrói uma hierarquia de
prioridades que irá atingir o maior número de pessoas.
O filósofo John Stuart Mill perpetuou sua doutrina pelo
século XIX. Ligado a Hume e ao empirismo do século XIX.
Aprofundou-se e analisou teorias clássicas do setor econômico.
O conceito de maior felicidade para Mill diferencia-se um
pouco de seu precursor porque se baseia em uma felicidade
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coletiva, isto é, está ligada entre as pessoas que convivem
entre si. É um valor moral coletivo, que não existe por si só,
ou na independência. Ele desenvolve assim um particular valor
de igualdade, isto é, “cada qual vale por um, ninguém por mais
de um”.
Dessa forma, o utilitarismo reconhece a
interdependência dos indivíduos entre si que compõem uma
sociedade como um todo. Esses indivíduos são iguais, no
sentido que ninguém possui maior importância frente ao outro
na sua convivência social. Assim, com o critério do
utilitarismo conforme essa igualdade particular desenvolvida
por Mill desenvolve-se a busca de felicidade pelo maior número
de pessoas. Já que se trata de um direito coletivo e não
individual. É uma doutrina que visa não apenas um agente
particular, mas o conjunto social em questão naquela ação e
situação. O ato justo é, então, aquele que atinge o bem-estar
para o maior número de pessoas.
O utilitarismo foca-se não no propósito da ação ou da
natureza a que se destina, mas a avaliação dá-se pelos
resultados dessa ação. De modo, que ao determinar que o
tratamento de alto custo seja fornecido a Raquel, quais as
consequências desse ato, não somente para a ela, mas
principalmente para o conjunto de pessoas que também dependem
do financiamento público de saúde do Município de Recife, e
consequentemente para o país. Ou seja, analisar a qualidade da
ação pelos resultados dela no conjunto da sociedade e não
somente de um particular.
O pragmatismo encontra-se em meio aos princípios
quantitativos do empirismo, como a densidade e o alcance, isto
é, o número de pessoas afetadas. Em vista disso, percebe- se
como se dá a hierarquização das prioridades para a otimização
do resultado. O utilitarismo caracteriza-se então por uma
utilidade social e não privada, sob a perspectiva de um social
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construído coletivamente. Configura-se como uma medida de
minorar as contradições do sistema, atingindo beneficamente o
maior número que se pode beneficiar.
Sendo de tal maneira importante o utilitarismo se
embasa no século XXI com as teorias de Richard Posner, jurista
norte-americano de grande notoriedade. Ele desenvolveu um
movimento chamado de Law and Economics. Esse movimento segue
as bases utilitaristas iniciadas ainda por Bentham,
aprofundadas por Mill, e lhe dá um novo aspecto concentrado no
princípio da eficiência.
Para Posner, o direito se caracteriza como uma forma de
se conseguir fins sociais que lhe é inerente. Estes fins se
alcançam com maior facilidade através da eficiência econômica.
Para se pensar a normatividade do ordenamento jurídico, deve-
se pensar o contexto econômico e seus conceitos para conseguir
efetivar o que o direito prescreve. O direito efetivamente
funciona se tiver maximizado a riqueza da sociedade a qual
está inserido.
O movimento de direito e economia foca na importância
da eficiência como instrumento para o ordenamento jurídico
conseguir alcançar os fins que suas normas prescrevem. Para
conseguir uma decisão jurídica que se execute em seu potencial
de alcance máximo é necessário uma eficiência alocativa. Isto
é, uma decisão do Estado por priorizar alocações de recursos
onde serão melhor aproveitados por um maior número de cidadãos.
Desse ínterim se retira a lógica das políticas públicas em
saúde. Percebe-se atingir a maior densidade da população,
chegando o mais próximo possível dos fins sociais aos quais os
preceitos normativos do direito prescrevem para o maior número
de pessoas. Hierarquizam-se prioridades para políticas
públicas exatamente para assegurar que mais pessoas tenham
acesso ao gozo do direito à saúde na praticidade da realidade
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social do país.
Nesse sentido é possível visualizar o significado de a
saúde ser um direito subjetivo coletivo da sociedade. O
indivíduo enquanto parte integrante de um coletivo social, de
um todo, iguala-se em importância aos outros. Coletivo se
constrói então sob uma base de interdependência construída por
todos e cada um em contraposição a um interesse individual e
que só beneficiará a uma pessoa. Subjetivo como passível de se
acionar o aparelho estatal do Estado para a proteção desse
direito. E sociedade tomando-se em conta a ação e situação ao
qual o conjunto de pessoas está inserido, ou seja, se perceber
a importância dessa ação frente todos os pernambucanos, e
brasileiros.
O pedido de Raquel Lyra Lopes se contrapõe então ao
direito da saúde entendido como um direto subjetivo coletivo
da sociedade. Fornecer pelo Município de Recife esse
tratamento de alto custo a ela, longe de analisar seus
propósitos da ação, deve-se focar ao estabelecimento das
consequências. É um pedido de um particular de interesse
individual frente a uma coletividade de todo o estado-membro
da Nação. Como o Estado brasileiro por ser um Estado
Democrático Social e de Direito, preza pelo critério de
utilidade dentre os contornos constitucionais. Deve-se atentar
ao caráter democrático necessário, que não se realizaria
privando todas as outras em detrimento de apenas um particular.
Nessa linha de raciocínio, observa-se que o direito a
saúde configura-se de fato em um direito constitucional, mas
sua efetivação é feita por meio da interdependência com os
outros indivíduos que compõem o Estado brasileiro. A saúde é
um direito coletivo e não individual. Feito por escolhas do
Estado em maximar sua ação e seus recursos, a fim de atingir
uma função social básica. Dentro da política jurídico-estatal,
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é necessário fazer escolhas, priorizar valores, e hierarquizar
os destinos dos recursos para que sejam melhor aproveitados
pelo maior número de cidadãos brasileiros.
Assim que entende o ordenamento jurídico brasileiro com
o disposto no “Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do
Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas
[...]”. Por conseguinte, a saúde é um direito de todos,
entendido como um direito coletivo. Não o direito de um
particular em tensão com a coletividade. E sua forma de
efetivação na realidade social brasileira é condicionando por
valores, políticas públicas e econômicas. Isto é, a
hierarquização de prioridades para alocar os recursos a um
determinado fim que alcance o maior número de pessoas.
Políticas públicas se focam sobre um grupo de pessoas e não
somente a um sujeito.
Em vista disso, entende-se que, como o direito à saúde
é um direito subjetivo coletivo da sociedade brasileira, o
pedido de Raquel Lyra Lopes para o tratamento de alto custo
pelo Município de Recife é improcedente.
Dispõe a Constituição Federal de 1988, no Capítulo II,
art. 6º, que “são direitos sociais a educação, a saúde [...]”
(BRASIL, 1988). Ademais, segue a Carta Magna, no art. 196,
estabelecendo:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que
visem à redução do risco de doença e de outros agravos e
ao acesso universal e igualitário às ações e serviços
para sua promoção, proteção e recuperação. (BRASIL, 1988)
Em análise dos aspectos mais importantes para o caso
concreto em tela tem-se: (1) A saúde; (2) direito de todos; (3)
dever do Estado; (4) garantido mediante políticas sociais e
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econômicas.
A saúde: preliminarmente, indaga-se: O que é saúde?
A Organização Mundial de Saúde (OMS) (1948 apud SEGRE e
FERRAZ, 1997, p. 539) define que “saúde não apenas a ausência
de doença, mas como a situação de perfeito bem-estar físico,
mental e social”.
Rebatendo tal conceito, Segre e Ferraz (1997) afirmam
que o conceito dado pela OMS é inatingível e demasiadamente
positivista. Eles argumentam que, partindo de uma visão
antipositivista e mais humana das atividades dos profissionais
de saúde, poder-se-ia “contribuir para um contato mais
sintônico, mais empático e, consequentemente, mais ético,
entre eles e a população assistida”; sugerindo que saúde seria
“um estado de razoável harmonia entre o sujeito e a sua
própria realidade” (grifo nosso) (SEGRE; FERRAZ, 1997, p. 542).
Scliar (2008 p. 30), em seu estudo – História do
Conceito de Saúde – afirma que “saúde não representa a mesma
coisa para todas as pessoas”, o que aguarda semelhança com o
que é defendido por aqueles autores. Ademais, o autor ressalta
o subjetivismo da conceituação do termo saúde quando esclarece
que este “dependerá da época, do lugar, da classe social, dos
valores individuais, das concepções cientificas, religiosas,
filosóficas”, indo de encontro ao positivismo da OMS (SCLIAR,
1998, p. 30).
Direito de todos: a parte impetrante alega que a
garantia expressa no art. 196 [direito à saúde], da
Constituição Federal de 1988, trata-se de um direito subjetivo.
Tal afirmação, além de ignorar o dispositivo constitucional
taxado no art. 6º, demonstra irresponsabilidade social
restando nítido o viés individualista e antidemocrático.
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Não obstante o art. 6º, da Carta Máxima, taxar que o
direito à saúde é um direito social, corrobora com isso o fato
de tal direito ser destinatário da Seguridade Social
juntamente com a previdência social e a assistência social,
consoante art. 194 indigitado:
“Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto
integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e
da sociedade, destinadas a assegurar os direitos
relativos à saúde, à previdência e à assistência social.”
Num exercício mental, suponha-se que a alegação do
impetrante prospere e que de fato seja verdadeira. Como
demonstrado acima na tentativa de conceituar o termo saúde,
percebe-se que tal definição é totalmente dependente da
temporariedade e ligada à autonomia do ser, não sendo estática
nem definível externamente. Sendo assim, caso atribua-se à
garantia constitucional social expressa caráter subjetivo,
certamente se instalará o caos jurídico. Uma vez que cada
cidadão, valendo-se do seu direito subjetivo de saúde, poderia
acionar o Poder Judiciário com o intuito de compelir o Poder
Executivo a fornecer o que ele [cidadão] julga autonomamente
ser necessário para viver com saúde e qualidade de vida.
Neste contexto, poder-se-ia trazer à baila a teoria
utilitarista que, segundo seguidores do precursor Jeremy
Bentham (1748-1832), como John Stuart Mill (1806-1873), é
definida como:
“... uma teoria teleológica e consequencialista. Defende
que o fim de nossas ações é a felicidade e que o correto
é definido em função das melhores consequências, que são
definidas em função da maximização imparcial da
felicidade dos afetados por nossas ações. Maximizar
imparcialmente a felicidade significa promover a maior
soma de felicidade possível para todos aqueles que
sofrem de alguma maneira as consequências do que fazemos,
independente de serem pessoas por quem temos afetos ou
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laços consanguíneos. Entre salvar um parente próximo de
um incêndio e salvar quatro estranhos, dado que salvar
quatro estranhos maximiza a felicidade, o padrão moral
utilitarista defende que o certo é salvar os quatro
estranhos ao invés de um parente próximo” (grifo nosso)
(GONTIJO, 2010).
Dever do Estado: o art. 1º da CF88 afirma que o Brasil
é um Estado Democrático de Direito. A doutrina também atribui
ao Brasil características de Estado Social, que tem como um de
seus fundamentos a dignidade da pessoa humana, o que o obriga
garantir vários direitos, dentre eles, o da saúde.
Nesse aspecto doutrinário, o Estado assume nova postura:
a de agente do desenvolvimento e da justiça social. Sendo
assim, um Estado que pretende ser social, depende das
características do Estado de Direito para atingir seus
objetivos.
Como já abordado acima, embora o Estado tenha o dever
de garantir direitos ao cidadão é inviável que o faça
individualmente, devendo promover escolhas alocativas de forma
a amparar o maior número de cidadãos. Políticas distributivas
invariavelmente, pelo caráter limitado dos recursos, não
amparam todos os cidadãos.
Corrobora com tal conclusão Canotilho (2004 apud Gilmar
Mendes, 2008): "havemos de convir que a problemática jurídica
dos direitos sociais se encontra hoje numa posição
desconfortável", ou ainda:
“a inexistência de suportes financeiros suficientes para
a satisfação de todas as necessidades sociais, enfatiza-
se que a formulação das políticas sociais e econômicas
voltadas à implementação dos direitos sociais implicaria,
invariavelmente, escolhas alocativas. Tais escolhas
seguiriam critérios de justiça distributiva (o quanto
disponibilizar e a quem atender), configurando-se como
típicas opções políticas, as quais pressupõem ‘escolhas
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trágicas’ pautadas por critérios de macrojustiça.”
(MENDES, 2008)
Nesse ínterim, toma-se como fundamento a Teoria da
Reserva do Possível, que na célebre lição de Andreas Krell
apud Sarlet (2003) afirma que “o direito à prestação positiva
encontrava-se dependente da reserva do possível, firmando
posicionamento de que o cidadão só poderia exigir do Estado
aquilo que razoavelmente se pudesse esperar”.
Dessa maneira, tal teoria encontra respaldo na
razoabilidade da pretensão frente as necessidade da sociedade.
O Ministro Gilmar Mendes, em seu voto na Suspensão de
Tutela Antecipada n.º 175, reconhece que:
“a garantia judicial da prestação individual de saúde,
prima facie, estaria condicionada ao não comprometimento
do funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS), o que,
por certo, deve ser sempre demonstrado e fundamentado de
forma clara e concreta, caso a caso.” (Brasil, 2010)
Passa-se, portanto, à análise orçamentária detalhada do
Município do Recife das cifras repassadas nos últimos anos 3
(três) anos pela Lei Orçamentária Anual (LOA) à Secretaria
Municipal de Saúde do Recife – SMSRec (Tabela 1).
Tabela 1 – Total destinado à SMSRec.
Fonte: http://www.recife.pe.gov.br/sefin/loa/
Verifica-se que anualmente a Prefeitura do Município do
Recife tem implementado o orçamento na Pasta Saúde, com
acréscimos superiores a 10% com relação ao ano anterior, com a
finalidade de fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS),
mitigar as mazelas que atingem o município e atender da melhor
LOA 2013 LOA 2012 LOA 2011 LOA 2010 MÉDIA
R$ 337.000.000,00 R$ 310.500.000,00 R$ 251.000.000,00 R$ 215.500.000,00 R$ 278.500.000,00
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forma o cidadão recifense.
Considera-se que no censo realizado em 2010 pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
contabilizou-se em Recife 1.537.704 habitantes. Desse modo, ao
correlacionar o total de verba destina à SMSRec anualmente
pelo nº de habitantes, tem-se que cada cidadão recifense
recebeu de serviços de saúde a média anual de R$ 181,11 (cento
e oitenta e um reais e onze centavos), conforme explicita a
Tabela 2.
Tabela 2 – Correlação: Total destinado à SMSRec (R$) x Nº de habitantes do Recife.
Numa breve análise, constata-se que o valor anual do
tratamento ora solicitado (R$ 900.000,00) corresponde ao
acesso à saúde de 4969 (quatro mil novecentos e sessenta e
nove) cidadãos recifenses que contribuem para a Seguridade
Social da mesma forma que a impetrante.
A situação torna-se ainda mais insustentável se
detalhar a destinação do orçamento por áreas consideradas
imprescindíveis para atender as demandas de saúde de uma
população, como: (a) o Controle Ambiental – intervenção no
ambiente, a fim de diminuir/eliminar pragas transmissoras de
doenças (roedores, insetos, aracnídeos, aedes aegypti); (b) a
Rede Básica – é uma porta de entrada do usuário no sistema,
onde o atendimento primário é realizado desde curativos
simples ao encaminhamento, pela rede referenciada, de
intervenções de média e alta complexidade e; (c) a Rede
Especializada – é o atendimento ambulatorial e hospitalar de
média e alta complexidade, os quais o SUS é referência.
Verifica-se a Tabela 3.
2013 2012 2011 2010 MÉDIA
R$ 219,16 R$ 201,92 R$ 163,23 R$ 140,14 R$ 181,11
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Tabela 3 – Total anual destinado às áreas de saúde dentro da SMSRec.
Constata-se que o valor anual do tratamento corresponde,
em média, a 9,03% da cifra empenhada no Controle Ambiental, a
1,45% da verba destinada à Rede Básica e a 0,72% do gasto com
a Rede Especializada (Tabela 4). Caso se trace um paralelo do
valor anual que é, em média, empenhado a cada cidadão
municipal tem-se as seguintes cifras: no Controle Ambiental
R$ 6,48 (seis reais e quarenta e oito centavos), na Rede
Básica R$ 40,39 (quarenta reais e trinta e nove centavos) e na
Rede Especializada R$ 81,35 (oitenta e um reais e trinta em
cinco centavos) (Tabela 5).
Tabela 4 – Percentual anual destinado às áreas de saúde dentro da SMSRec.
2013 2012 2011 2010 MÉDIA
Controle Ambiental R$ 7,97 R$ 7,87 R$ 5,85 R$ 4,23 R$ 6,48
Rede Básica R$ 58,85 R$ 38,30 R$ 11,71 R$ 52,71 R$ 40,39
Rede Especializada R$ 91,04 R$ 95,34 R$ 95,60 R$ 43,40 R$ 81,35
2013 2012 2011 2010 MÉDIA
Controle Ambiental 7,35% 7,44% 10,00% 13,85% 9,03%
Rede Básica 0,99% 1,53% 5,00% 1,11% 1,45%
Rede Especializada 0,64% 0,61% 0,61% 1,35% 0,72%
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Tabela 5 – Valor anual destinado às áreas x habitantes recifenses.
Aprofundando a análise distributiva do orçamento
destinado à Secretaria de Saúde, conclui-se que a população
terá um alarmante impacto caso o tratamento pleiteado seja
concedido, instalando-se o caos no Recife. Nota-se que 138914
(cento e trinta e oito mil novecentos e quatorze) habitantes
seriam postos em situação de risco pela ausência de Controle
Ambiental; que 22281 (vinte e duas mil duzentas e oitenta e
uma) pessoas ficariam amontoadas em filas de hospitais em
busca de acesso à Rede Básica e, por fim, que 11064 (onze mil
e sessenta e quatro) indivíduos em estado crítico e
necessitando de tratamento/atendimento de média e alta
complexidade seriam lançados à sorte sem acesso à Rede
Especializada (Tabela 6).
Tabela 6 – Nº de habitantes desamparados caso conceda-se o tratamento.
Não obstante ao apresentado acima, tem-se que o valor
de R$ 900.000,00 (novecentos mil reais) solicitado para
tratamento da requerente equivaleria à aquisição de 6 (seis)
ambulâncias totalmente equipadas com Unidade de Terapia
Intensiva – UTI, para atendimento de toda população do Recife
(Foto 1).
LOA 2013 LOA 2012 LOA 2011 LOA 2010 MÉDIA
Controle Ambiental R$ 12.25 mi R$ 12.10 mi R$ 9 mi R$ 6.50 mi R$ 9.96 mi
Rede Básica R$ 90.50 mi R$ 58.90 mi R$ 18 mi R$ 81.05 mi R$ 62.11 mi
Rede Especializada R$ 140 mi R$ 146.60 mi R$ 147 mi R$ 66.74 mi R$ 125.08 mi
2013 2012 2011 2010 MÉDIA
Controle Ambiental 112974 114375 153770 212913 138914
Rede Básica 15292 23496 76885 17075 22281
Rede Especializada 9885 9440 9415 20736 11064
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Foto 1 – Ambulância Uti Sprinter 415 Cdi - R$ 150.000,00.
Ademais, na licitação Concorrencial nº 008/2008 –
Secretaria de Saúde, para reforma e ampliação do Centro de
Saúde Dr. Luiz Wilson, que atende no Distrito de Saúde II,
custou ao erário municipal R$ 638.928,84 (seiscentos e trinta
e oito mil e novecentos e vinte e oito reais e oitenta e
quatro centavos), ou seja, 70% do valor do tratamento
solicitado, com o agravante deque tal reforma beneficiou
imediatamente os habitantes dos seguintes bairros: Arruda,
Campina do Barreto, Encruzilhada, Hipódromo, Peixinhos, Ponto
de Parada, Rosarinho, Torreão, Água Fria, Alto Santa Terezinha,
Bomba do Hemetério, Cajueiro, Fundão, Porto da Madeira,
Beberibe, Dois Unidos, Linha do Tiro.
Deve-se levar em consideração, nesse conflito concreto,
o princípio da Reserva do Possível, uma vez que seria
demasiadamente desarrazoada a alocação financeira desta monta
para atendimento de uma única pessoa, levando em consideração
que bastariam 374 (trezentos e setenta e quatro) pacientes com
demandas idênticas, para corroer a totalidade do orçamento
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previsto em 2013 à SMSRec. Ou ainda, atendendo ao pleito,
estar-se-ia limitando o Controle Ambiental em 10 meses e 28
dias por ano, aumentando consideravelmente o risco de
antropozoonoses.
Por fim, embora o desejo das autoridades municipais
seja atender plenamente as demandas dos cidadãos, restou
evidenciado que a Prefeitura do Recife não pode arcar com os
custos do tratamento pleiteado sem desmantelar o SUS, em
função da limitação orçamentária acima exposta. Retoma-se,
portanto, o voto do Excelentíssimo Ministro da Suprema Corte,
Gilmar Mendes, que asseverou que “a garantia judicial da
prestação individual de saúde, prima facie, estaria
condicionada ao não comprometimento do funcionamento do
Sistema Único de Saúde (SUS)” corroborando totalmente com a
posição ora defendida.
Garantido mediante políticas sociais e econômicas:
Carlos Ari Sundfeld sustenta, em sua obra Fundamentos de
Direito Público, que “a Separação dos Poderes estatais é
elemento lógico essencial do Estado de Direito” tal qual nosso
Estado pátrio. A Carta Magna explicita em seu art. 2º que “são
Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o
Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.
A separação dos poderes funciona como um sistema de
freios e contrapesos (checksand balances), onde cada poder é
autônomo e deve exercer determinada função, porém, este poder
deve ser controlado pelos outros poderes, sendo então
independentes e harmônicos entre si.
Sundfeld oferece brilhante lição a respeito:
“Os Poderes exercem suas funções com independência em
relação aos demais. Cada um tem suas autoridades, que
não devem respeito hierárquico às autoridades do outro
Poder. [...]
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A cada função corresponde uma espécie de ato (de norma)
estatal: a lei (função legislativa), o ato
administrativo (função administrativa) e a sentença
(função jurisdicional). A lei se submete à Constituição.
O ato administrativo e a sentença são inferiores à lei.
A sentença pode anular o ato administrativo ilegal.
(grifo nosso) (SUNDFELD, 2013)”
É notório que cabe precipuamente ao Poder Legislativo
a função de legislar, editando normas gerais e abstratas, para
regular os demais atos estatais. Ao Poder Executivo, cabe a
função de administrar, isto é, aplicação da lei anteriormente
aplicada, cobrar tributos, gerir o orçamento, ordenar a vida
privada mediante políticas públicas. E, por fim, ao Poder
Judiciário cabe a função jurisdicional julgando, sob
provocação, os conflitos entre indivíduos ou entre indivíduos
e Estado.
Passa-se novamente à análise do caso concreto ora
discutido.
A impetrante acionou o judiciário para que este
impusesse ao executivo, na pessoa do Secretário Municipal de
Saúde do Recife, a oferta de medicamento não registrado na
Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA.
Está-se diante de um exemplo do denominado problema da
“judicialização do direito à saúde”, o qual o Ministro Gilmar
Mendes esclarece:
[...] que envolve não a penas os operadores do direito,
mas também os gestores públicos, os profissionais da
área de saúde e a sociedade civil como um todo. Se, por
um lado, a atuação do Poder Judiciário é fundamental
para o exercício efetivo da cidadania, por outro, as
decisões judiciais têm significado um forte ponto de
tensão entre os elaboradores e os executores das
políticas públicas, que se veem compelidos a garantir
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prestações de direitos sociais das mais diversas, muitas
vezes contrastantes com a política estabelecida pelos
governos para a área de saúde e além das possibilidades
orçamentárias. (grifo nosso) (BRASIL, 2010)
Observe-se que o art. 196 é taxativo ao afirmar que o
direito a saúde será “garantido mediante políticas sociais e
econômicas”. Ora, é flagrantemente nítido que tal ação está na
esfera de atuação do Poder Executivo.
Ademais, consolidando tal vertente constitucional o §
2º, art. 195 é claro ao estabelecer que:
“§ 2º - A proposta de orçamento da seguridade social
será elaborada de forma integrada pelos órgãos
responsáveis pela saúde [...] assegurada a cada área a
gestão de seus recursos.” (grifo nosso) (BRASIL, 1988)
Ressalta-se que o município do Recife tem cumprido
fielmente suas atribuições constitucionais e legais, propondo
e implementando políticas de saúde, gerindo seus recursos como
responsabilidade e eficiência, atendendo as demandas
prioritárias da Saúde em ações conjuntas com outras Pastas.
Nota-se, ainda, que planejamento e execução orçamentária estão
aprovados pelo Poder Legislativo municipal por meio da Lei
Orçamentária Anual e a destinação das cifras orçamentárias é
realizada como base em estudos epidemiológicos, levado a cabo
pelos servidores municipais, conforme o princípio elencado no
art. 7º, VII, da Lei nº 8.080/1990:
“Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os
serviços privados contratados ou conveniados que
integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são
desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas
no art. 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda
aos seguintes princípios:
VII - utilização da epidemiologia para o estabelecimento
de prioridades, a alocação de recursos e a orientação
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programática.” (BRASIL, 1990).
Depreende-se do sistema de freios de contrapesos que a
função do Poder Judiciário em relação ao Poder Executivo é
expurgar do ordenamento jurídico atos administrativos ilegais
e expedir sentenças que obriguem o gestor a cumprir suas
atribuições previstas em lei para satisfação do interesse
público, caso se detecte violação de direito por omissão da
Administração.
Como demonstrado acima, o município do Recife tem agido
dentro dos ditames legais, não se encontrando qualquer ato
ilegal no planejamento, implementação e execução das políticas
públicas de saúde, afastando assim qualquer intervenção do
Poder Judiciário no sentido de combater ilegalidades.
Não há omissão também: a Lei nº 8.080/1990 que “Dispõe
sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da
saúde, a organização e o funcionamento dos serviços
correspondentes e dá outras providências”, ou seja,
regulamenta o SUS, em seu art. 19-T veda expressamente em
todas as esferas de gestão do SUS:
Art. 19-T. São vedados, em todas as esferas de gestão
do SUS:
I - o pagamento, o ressarcimento ou o reembolso de medi-
camento, produto e procedimento clínico ou cirúrgico ex-
perimental, ou de uso não autorizado pela Agência Nacio-
nal de Vigilância Sanitária - ANVISA;
II - a dispensação, o pagamento, o ressarcimento ou o
reembolso de medicamento e produto, nacional ou importa-
do, sem registro na Anvisa. (grifo nosso) (BRASIL, 1990)
Em complementação, alerta-se que há instituído pelo
Decreto nº 7.508/2011, que regulamenta a Lei nº 8.080/1990, em
seu art. 25, Relação Nacional de Medicamentos Essenciais –
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RENAME que “compreende a seleção e a padronização de
medicamentos indicados para atendimento de doenças ou de
agravos no âmbito do SUS”.
Segue o Decreto no art. 29 reafirmando que:
“Art. 29. A RENAME e a relação específica complementar
estadual, distrital ou municipal de medicamentos somente
poderão conter produtos com registro na Agência Nacional
de Vigilância Sanitária - ANVISA.” (BRASIL, 2011)
Ora, poder-se-ia falar em omissão do gestor municipal?
Como poderia haver omissão, se há vedação legal expressa em
sentido contrário? Mesmo que o Secretário de Saúde munido da
mais pura benevolência resolvesse fornecer o medicamento
pleiteado, estaria aqui, como hoje, sentado no banco dos réus
enfrentando como parte autora o Ministério Público.
Desse modo, não há sustentação para que os magistrados
desse Tribunal atuem dentro de suas atribuições, uma vez que
não há comprovado nos autos que a Secretaria de Saúde agiu
ilegalmente e, muito menos, que houve qualquer tipo de omissão.
Caso deferida a solicitação, este Tribunal estaria
usurpando as funções do Poder Executivo, além de atuar em
total ilegalidade ignorando de forma sorrateira as produções
do Poder Legislativo. Afrontando veementemente o primado de
separação dos poderes, primado este essencial para existência
de um Estado de Direito.
Cumpre apontar que, nesta contestação, não se faz
defensável qualquer postura que vá de encontro ao direito à
saúde e à vida, muito pelo contrário, ambos compreendidos
enquanto direitos fundamentais. Há de se realizar, porém, um
cotejo entre a universalidade das leis e as possibilidades
orçamentárias no gerir do erário. Fica a pergunta: saúde para
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quem?
Nesse sentido, postula Derrida que a interferência do
direito se faz por meio de atos de violência que buscam
incluir, mas geram exclusão. Haveria, pois, formas de exclusão
legítimas operadas pelo próprio Estado. O Município Recife,
como explicitado nesta contestação, sob nenhuma circunstância,
adota postura omissa ou insensível aos direitos supracitados.
É necessário que haja, contudo, um juízo de adequação e
de proporcionalidade. Este douto Juízo pretende priorizar o
todo ou a parte? O individual ou o coletivo? O acesso de
Raquel Lyra Lopes a um medicamento exacerbadamente oneroso e
não regulamentado pela agência reguladora brasileira (ANVISA)
ou a promoção de um Sistema Único de Saúde que contemple
controle ambiental, manutenção da rede básica e da rede
especializada de saúde voltados à prevenção e tratamento de
mais doenças e pessoas? O Município do Recife apresenta nestes
autos suas possibilidades orçamentárias e fomenta a
necessidade de adotar-se uma noção comunitarista de justiça na
análise no caso concreto – já que o todo é superior à parte,
tendo a comunidade supremacia perante o indivíduo, conforme
insere em debate Aristóteles:
“[...] o Estado está na ordem da natureza e antes do
indivíduo; porque, se cada indivíduo isolado não se
basta a si mesmo, assim também se dará com as partes em
relação ao todo. Ora, aquele que não pode viver em
sociedade, ou que de nada precisa por bastar-se a si
próprio, não faz parte do Estado; é um bruto ou um deus.
A natureza compele assim todos os homens a se
associarem.” (grifo nosso) (ARISTÓTELES, 1997 §11, p.15)
Decorre daí a ideia desenvolvida por Aristóteles de que
o local propício à atualização do homem seria a pólis. Tendo
em vista que, é na experiência política, que o homem vai de
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existência potencial a existência atual. A pólis, enquanto
comunidade natural, seria uma espécie de tecido social que
direciona os homens uns aos outros. É nela que o indivíduo vem
a viver e a existir, permitindo o bem viver em decorrência de
ocorrer, na pólis, a atualização, feita pelo próprio homem, da
sua natureza política. Nesse sentido, pontua Michael J. Sandel,
em “Justiça: o que é fazer a coisa certa”, que:
“Se uma sociedade justa requer um forte sentimento de
comunidade, ela precisa encontrar uma forma de incutir
nos cidadãos uma preocupação com o todo, uma dedicação
ao bem comum [...] precisa encontrar meios de se afastar
das noções da boa vida puramente egoístas e cultivar a
virtude cívica.” (grifo nosso) (SANDEL, 2012, p. 325)
No comunitarismo, há de haver a primazia do “bem” sobre
o “justo”. Aristóteles aponta que o bem seria o aspecto
central da ética e que, se através das virtudes tornamo-nos
virtuosos, é possível traçar o seguinte paralelo: é praticando
atos justos, que os próprios homens serão justos. O local
dessa prática seria a própria comunidade política. A ideia de
justo para Aristóteles, sabiamente, reside na
proporcionalidade – como se evidencia no seguinte trecho de
Ética a Nicômaco:
“O justo nesta acepção é, portanto, o proporcional,
e o injusto é o que viola a proporcionalidade”.
(ARISTÓTELES, 1992, 1331b).
Imbuído de forte influência aristotélica, Hegel
desenvolve um caráter comunitarista em sua teoria,
apresentando-nos, no cerne desta, uma concepção de Estado
bastante elucidativa ao caso em questão. O Estado faria do
indivíduo um cidadão, à medida que, dialeticamente, devolve os
indivíduos à unidade, retirando-os da dispersão de interesses
privados presentes na sociedade civil, superando o
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individualismo e o liberalismo. Concomitantemente, imprimiria
o Estado, de forma dialética, a liberdade do indivíduo e sua
singularidade, garantindo, através da lei, a realização de
cada indivíduo. Tem-se, em Princípios da Filosofia do Direito,
que:
“O Estado como realidade em ato da vontade substancial,
realidade que esta adquire na consciência particular de
si universalizada, é o racional em si e para si: esta
unidade substancial é um fim próprio absoluto, imóvel,
nele a liberdade obtém o seu valor supremo.” (grifo
nosso) (HEGEL, §258, Princípios da Filosofia do Direito)
Hegel não concebe uma separação entre indivíduo e
Estado. Vai ao encontro da ideia aristotélica da polis
enquanto espaço de realização da liberdade. Para ele, a
dimensão humana é pública e a unidade do ético e do político
reside na positividade do direito, de tal forma que, garantido
pelo Estado, o Direito representa a racionalidade capaz de
situar a vida comunitária como saída da vontade livre. Para
Hegel,
“A verdadeira liberdade, enquanto eticidade, é não ter
a vontade, e sim conteúdo subjetivo, isto é, egoísta, e
sim conteúdo universal”. (HEGEL, 1976, p.263)
O autor desenvolve um conceito de liberdade que é
compreendido na relação com a totalidade. No entanto, embora a
liberdade do indivíduo venha a ser limitada pelo Estado, este,
por sua vez, realia aquele de forma ética, demonstrando que só
se concebe a liberdade do indivíduo no “social”.
Dessa forma, toda e qualquer pretensão de análise que
atomize o caso individual em detrimento da coletividade e
relegue ao Estado, por simples apresentação de prescrição
médica sem indícios de eficácia medicamentosa e/ou
apresentação clara do quadro clínico em questão, a imposição
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da prestação medicamentosa é descabida. Tampouco poderia o
Estado, ao realizar a devolução do individuo à unidade e
garantir, simultaneamente, a realização de cada indivíduo,
furtar-se ao que consta no DECRETO Nº 7508, DE 28 DE JUNHO DE
2011, em seu art. 28 o seguinte:
“Art. 28. O acesso universal e igualitário à assistência
farmacêutica pressupõe, cumulativamente:
I - estar o usuário assistido por ações e serviços de
saúde do SUS;
II - ter o medicamento sido prescrito por profissional
de saúde, no exercício regular de suas funções no SUS;
III - estar a prescrição em conformidade com a RENAME e
os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas ou com
a relação específica complementar estadual, distrital ou
municipal de medicamentos; e
IV - ter a dispensação ocorrido em unidades indicadas
pela direção do SUS.”
A parte impetrante alega ter direito ao acesso
universal e igualitário à assistência farmacêutica, no entanto,
o fármaco solicitado de nome Lunaris não só não consta no
RENAME, como também não consta na lista de medicamentos
excepcionais – tal lista engloba doenças que acometem menor
número de pacientes, como mal de Parkinson, Alzheimer e
hepatites B e C, para os quais também há fornecimento gratuito
de medicamentos. Para além disso, diferentemente do ocorrido
em caso citado no sítio Conjur, em 9 de setembro de 2009,
intitulado “Pacientes têm direito a remédios não listados pelo
governo”, em que determinado medicamento não constava em
listas oficiais, mas não possuía restrições expressas ao uso e
comercialização, vide transcrição abaixo:
“Apesar de o Lioresal 10 mg não constar de nenhuma das
listas oficiais, destacou o juiz da 4ª Vara Federal, é
descabida a negativa de fornecimento, pois não foram a-
pontadas restrições quanto ao seu uso ou comercializa-
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ção, além de o remédio estar registrado na Vigilância
Sanitária e no Ministério da Saúde.”
(http://www.conjur.com.br/2005-set-
09/pacientes_direito_remedios_fora_lista_oficial)
O medicamento requerido por Raquel Lyra Lopes tampouco
é registrado na Agência Nacional de Vigilância Sanitária, tor-
nando o pedido de todo improcedente em função de lei que proí-
be a compra.
Não pretende a Secretaria de Saúde do Recife sob nenhu-
ma hipótese rescindir compromissos firmados internacionalmente
pelo Estado brasileiro acerca de conquistas em relação ao di-
reito à saúde. Enquanto signatários do Pacto Internacional so-
bre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e da então Decla-
ração de Alma-Ata, países da América Latina e da América Cen-
tral reconheceram o direito de toda pessoa de desfrutar o mais
elevado nível de saúde, destacando o acesso da população a me-
dicamentos. O reconhecimento desse direito nas constituições
federais acarretou o enfrentamento de uma série de ações judi-
ciais contra os governos, requerendo fornecimento de medica-
mentos não previstos na lista de medicamentos essenciais dos
respectivos sistemas públicos de saúde.
É necessário pontuar que são muitas e bastante onerosas
ao Erário ações como a de Raquel Lyra Lopes, que são impetra-
das anualmente no Brasil.
“O número de ações judiciais contra os governos
locaispode chegar perto de sete mil ao ano no Brasil,
representando gastos anuais de até R$ 60,4
milhões.3,4,11,21 A concessão de medicamentos é
considerada uma forma de judicialização da política de
saúde”
À luz das pertinentes ponderações lançadas por Stephen
Holmes e Cass Sunstein, autores que reconhecem que todas as
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dimensões de direitos fundamentais têm custos públicos, tem-se
que é necessário operar escolhas alocativas e, a partir das
finanças públicas,
“levar a sério os direitos significa levar a sério a es-
cassez”. (HOLMES, Stephen; SUNSTEIN, Cass. The Cost of
Rights: Why Libert Depends on Taxes. W.W. Norton
&Company: Nova Iorque, 19).
Gustavo Amaral, em Direito, Escassez e Escolha, aponta,
ainda, que, sendo responsável por promover a justiça no caso
concreto, o Poder Judiciário, não raro, não possui condições
para analisar determinada pretensão em relação à prestação de
direito social, inviabilizando a análise de consequências glo-
bais de destinação de recursos públicos em benefício da parte,
com invariável prejuízo para o todo.
Corrobora com essa ideia o então comunitarista Walzer
ao identificar que:
“A justiça é relativa aos significados sociais. Desta
forma, a relatividade da justiça de desprende da
clássica definição não relativa: dar a cada qual o seu
devido, como minha proposta: distribuir os bens por
razões “internas”. Trata-se de definições formais que
requerem um complemento histórico, como me empenhei em
mostrar. Não podemos dizer que isso deve ser dado a tal
ou qual pessoa até que saibamos como estas pessoas se
relacionam entre si por meio das coisas que fazem e
distribuem; o adjetivo justo não determina a vida
essencial das sociedades que descreve, somente a
modifica. Há um número infinito de vidas possíveis,
configuradas por um número infinito de culturas,
religiões, visões políticas, condições geográficas, etc.,
possíveis. Uma determinada sociedade é justa se sua vida
essencial é vivida de certa maneira fiel às noções
compartilhadas de seus membros.” (grifo nosso) (WALZER,
1997, p.322, tradução nossa)
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Recorrendo-se a uma análise luhmanniana simplificada, é
possível avaliar pormenorizadamente a relação entre acesso a
medicamentos, direito, política e economia. Tendo a
comunicação por base, a teoria social de Luhmann defende que
esta é o elemento social responsável por produzir e reproduzir
a sociedade. Imbuídos de caráter autopoiético, os sistemas
sociais estabeleceriam ora fechamentos operacionais entre si,
ora espécies de acoplamentos estruturais – por meio dos quais
podem selecionar estímulos externos advindos do ambiente, sem
que se arrisque a própria identidade do sistema dito.
Em trabalho realizado acerca de decisões judiciais
sobre o acesso aos medicamentos em Pernambuco, concluem Artur
Stamford e Maísa Cavalcanti, conforme publicado na Revista de
Saúde Pública, que:
“O sistema do direito recusou a comunicação proveniente
do sistema político sobre os recursos financeiros
limitados do orçamento da saúde (ideias centrais 1 e 2).
À luz da teoria dos sistemas sociais autopoiéticos,
observou-se a seletividade do sistema do direito, que
operou com o código binário exclusivo legal/ilegal, em
relação ao seu entorno. Não se constatou a abertura
cognitiva desse sistema social no processo de
comunicaçãosobre os recursos financeiros limitados para
realização do direito à saúde. Essa abertura cognitiva é
importante porque interfere na realização do direito à
saúde, especialmente no acesso aos medicamentos(grifo
nosso) (STAMFORD, Artur; CAVALCANTI, Maísa, 2012)
Deve-se, pois, superar a pretensão totalizante da
esfera do Direito que, nas decisões judiciais de casos
similares, ocorre. Isto é, sob pena de tornarem-se decisões
teoréticas sem o mínimo de conexão com a realidade
orçamentária de um município e mesmo com a concepção de bem
comum desenvolvida pela comunidade, é preciso que se leve em
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conta as pressões dos outros sistemas, como o econômico, por
exemplo.
Fica a indagação, senhores Juízes: estariam dispostos a
atentar-se única e exclusivamente à prescrição médica da parte
impetrante, abdicando da sua posição de julgadores em função
de um médico/a?
Segue citação de parágrafo:
"Senhor Presidente, o debate é bastante criativo e a
dificuldade é imensa. Na linha desse raciocínio, quem
estará julgando é o médico que prescreveu a medicação .
Estamos em mandado de segurança e, no caso concreto, o
impetrante é o advogado. Não estamos sabendo se ele tem
condições ou não de suportar o ônus das três medicações.
Não sabemos se esta medicação é a mais indicada e, mesmo
assim, estamos a conceder a ordem.
Não posso concordar com isso, Excelências, porque senão,
todas as vezes em que vier uma prescrição, já estará
decidido qual é o caminho da jurisdição: conceder.
Estaria abdicando da minha posição de julgador.
Então, acompanho a Relatora, colocando esses aspectos
para reflexão, porque se a simples prescrição significa
o acolhimento da jurisdição para fazer cumprir, não
temos mais o que julgar, porque nem sequer estamos
examinando dentro de um cotejo de experts, de pessoas
técnicas da área, o que é e o que não é; estamos
simplesmente dizendo “alguém prescreveu, então
concedemos”.
Não vejo situação que possa ser concebida em mandado de
segurança, e esse esforço de tentar dar uma
interpretação mais consentânea aos ditames
constitucionais, com a criação de grupos de apoio para o
magistrado poder se localizar nesse clima, haja vista o
magistrado não ser médico e nem conhecer a situação de
saúde pela qual o impetrante passa.
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Conceder sempre, no meu entendimento, data máxima venia,
seria não julgar. Acompanho a eminente Relatora."
A Secretaria de Saúde do Recife, enfim, sugere a
necessidade de se ater – conforme nos apresenta o estudo de
Artur Stamford e Maísa Cavalcanti –, gradativamente, a que
deve:
“o sistema do direito utilize o “ganho terapêutico” do
fármaco como critério de decisão, em substituição ao
critério da prescrição médica, para garantir benefícios
comprovados cientificamente ao tratamento dos cidadãos e
mitigar a judicialização da política de saúde.”
IV. DO REQUERIMENTO
Diante dos questionamentos apresentados, que possibili-
tam a abertura hermenêutica, além de conceitos afetos a ques-
tão e tendo em vista fatos concretos, como alto valor do medi-
camento e consequente impacto ao orçamento municipal, afetando
a saúde de uma parcela imensamente maior da população, requer-
se o recebimento da presente Contestação e seja julgado impro-
cedente o pedido apresentado no Mandado de Segurança.
Nestes Termos, Pede Deferimento.
Recife-PE, 20 de novembro de 2013.
Advogados da Prefeitura
Ingrid Gomes Martins Thalita Najara da Silva Santos
OAB 12/0120691 OAB 12/0136546
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Francisco de Assis de Sousa Silva Rodrigo José Viana Ottoni
OAB 12/0117991 OAB 12/0041481
Maria Letícia de Araújo Madeira Cantuário Pedro Paulo Menezes de Macêdo
OAB 12/0128276 OAB 10/0019307
Letícia Bettina Granados Goulart GeisaToller Correia Romão
OAB 12/0124980 OAB 10/005961-9
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REFERÊNCIAS
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BRASIL. Congresso Nacional. Decreto nº 7.508, de 28 de junho
de 2011. Regulamenta a Lei no 8.080, de 19 de setembro de
1990, para dispor sobre a organização do Sistema Único de
Saúde - SUS, o planejamento da saúde, a assistência à saúde e
a articulação interfederativa, e dá outras providências.
Brasília, 2011.
BRASIL. Congresso Nacional. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de
1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e
recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos
serviços correspondentes e dá outras providências. Brasília,
1990.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno. Saúde
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