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  • Possibilidades da atuao do/a psiclogo/a em contextos sociais

    Mariana Carvalho

    Apresentao:

    Traaremos nosso percurso a partir do dilema a respeito do reconhecimento da

    Psicologia Social como campo de ao, apresentando um texto como base para nosso

    trabalho nos fruns de discusso. Logo depois iremos falar sobre os pontos que facilitam

    e os pontos de dificultam a insero e o trabalho do interventor no campo psicossocial,

    enveredando, logo em seguida, nas questes ticas envolvidas neste processo.

    5.1 O reconhecimento da Psicologia Social como campo de ao

    Como vimos at agora, a formao da psicologia social contou com a contribuio

    de diversas outras disciplinas, em especial, com a sociologia e a psicologia. Para

    entendermos ento, este campo, vamos considerar cada uma destas reas

    separadamente.

    A sociologia o estudo cientfico da sociedade humana. Tem como objetivo

    compreender e explicar as permanncias e as transformaes que ocorrem nas

    sociedades humanas, tratando de assuntos, tais como, as instituies sociais (famlia,

    poltica e religio); a estratificao da sociedade em classes, raa, etnia e papel de

    gneros; os processos sociais bsicos e a estrutura das unidades sociais. Desse modo, a

    sociologia nos ajuda a entender as questes que envolvem nosso cotidiano, sejam elas

    de carter pessoal, grupal, ou, ainda, relativas sociedade qual pertencemos ou a

    todas as sociedades.

    Diferente da sociologia, a psicologia o estudo cientfico do indivduo e do seu

    comportamento que embora possa ser de carter social, no precisa necessariamente

    ser. A psicologia trata de assuntos como a aprendizagem humana, a percepo, a

    memria, a inteligncia, a emoo, a motivao e a aprendizagem. (MICHENER,

    DELAMATER, MYERS, 2005, p. 6).

    A psicologia social aborda as relaes entre os membros de um grupo social, portanto,

    se encontra na fronteira entre a psicologia e a sociologia, constituindo uma ponte sobre

    a lacuna entre as duas disciplinas.

    Psiclogos e socilogos contribuem para o conhecimento nesta rea.

  • Os psiclogos sociais que trabalham na tradio sociolgica confiam

    primordialmente nos levantamentos amostrais e nas tcnicas de observao para coletar

    dados. Esses investigadores esto muito interessados nas relaes entre os indivduos e

    os grupos a que eles pertencem. Eles enfatizam processos como a socializao, a

    conformidade e o desvio, a interao social, a auto-apresentao, a liderana, o

    recrutamento para associaes, a cooperao e a competio. Os psiclogos sociais que

    trabalham na tradio psicolgica confiam muito na metodologia experimental de

    laboratrio; sua preocupao primordial com o modo como o comportamento dos

    indivduos e os seus estados internos so afetados pelos estmulos sociais (geralmente

    outras pessoas). Eles enfatizam assuntos como o eu, a percepo e a atribuio das

    pessoas, as atitudes e a mudana de atitudes, as diferenas de personalidade no

    comportamento social e o fornecimento de modelos, o altrusmo, e a atrao interpessoal.

    (MICHENER, DELAMATER, MYERS, 2005, p. 6).

    A discusso que se faz a partir dessas consideraes sobre o reconhecimento da

    psicologia social como campo de ao. Ao de quem? Dos psiclogos? Dos Socilogos?

    De ambos?

    As respostas a estas questes so vocs que vo dar. Para isto, deixaremos um

    texto a respeito para a reflexo.

    PSICOLOGIA SOCIAL: UMA ESPECIALIDADE DA PSICOLOGIA?Cornelis Johannes van Stralen

    Universidade Federal de Minas Gerais

    Em junho de 2003, o Conselho Federal de Psicologia-CFP editou a Resoluo N

    5/2003 que reconhece a Psicologia Social como especialidade da Psicologia. Esse

    reconhecimento causa estranheza, pois a Psicologia Social, como espao de interseo

    entre a Psicologia e a Sociologia, no se restringe ao campo da Psicologia. Como tal, a

    sua prtica profissional no coincide com a prtica profissional da Psicologia e, portanto,

    no dever estar sujeita ao reguladora do CFP.

    O reconhecimento da Psicologia Social como especialidade da Psicologia

    aparentemente resultado dos esforos do CFP para ampliar o campo profissional da

  • psicologia. Trata-se de uma ao legtima num contexto marcado pelo grande

    crescimento do nmero de psiclogos em face de uma definio muito restrita do campo

    profissional pela lei que regulamenta a profisso do psiclogo (Lei 4.119 de 27/8/1962).

    Esta lei define, no seu artigo 13:

    "Ao portador do diploma de psiclogo conferido o direito de ensinar Psicologia

    nos vrios cursos de que trata esta lei, observadas as exigncias legais especficas, e a

    exercer a profisso de Psiclogo.

    1 - Constitui funo privativa do Psiclogo a utilizao de mtodos e tcnicas

    psicolgicas com os seguintes objetivos:

    a) diagnstico psicolgico;

    b) orientao e seleo profissional;

    c) orientao psicopedaggica;

    2 - da competncia do Psiclogo a colaborao em assuntos psicolgicos ligados a

    outras cincias (Brasil, 1962).

    H de se observar que, ao instituir em 2000 o ttulo de especialista em Psicologia

    (Resoluo CFP N 14/00 de 20/12/2000), o CFP se restringiu a especialidades que

    grosso modo j se enquadravam no campo profissional da psicologia: Psicologia Escolar /

    Educacional, Psicologia Organizacional e do Trabalho, Psicologia do Trnsito, Psicologia

    Jurdica, Psicologia do Esporte, Psicologia Hospitalar, Psicologia Clnica, Psicopedagogia,

    e Psicomotricidade. Entretanto, ao reconhecer a Psicologia Social como especialidade da

    Psicologia, o CFP foi estendendo sua competncia reguladora para um campo

    interdisciplinar, ou seja, para alm dos limites da psicologia.

    A atual diretoria da Associao Brasileira de Psicologia Social - ABRAPSO vem

    questionando essa tomada de posio do CFP. Entretanto, a despeito da falta de

    legalidade, a resoluo no deixa de possuir certa legitimidade, considerando:

    1. a demanda de vrios psiclogos, inscritos nos Conselhos de Psicologia, pela

    regulamentao de suas atividades no campo social como especialidade; e

    2. a tendncia de considerar a Psicologia Social um ramo da Psicologia.

    Para esclarecer a contradio entre o posicionamento da atual diretoria da

    ABRAPSO e a aparente legitimidade da resoluo, torna-se necessrio discutir o status

    da Psicologia Social como disciplina cientfica e como campo profissional.

    A PSICOLOGIA SOCIAL COMO DISCIPLINA CIENTFICA

    Atualmente, h bastante consenso de que a Psicologia Social como disciplina

    cientfica possui uma especificidade, no pelo seu objeto de estudo, mas antes de tudo

  • por suas abordagens tericas que articulam aspectos estruturais e aspectos subjetivos e

    integram explicaes psicolgicas e sociolgicas. Como tal, a Psicologia Social

    apresenta-se como um campo de interseo entre a Psicologia e a sociologia, no qual

    encontramos teorias procedentes tanto da Psicologia como da sociologia. Esta

    especificidade da Psicologia Social causa uma tenso interna disciplina, entre o que se

    convencionou chamar Psicologia Social psicolgica e Psicologia Social sociolgica.

    Num primeiro momento, a Psicologia Social sociolgica estava mais em evidncia,

    o que se expressou, entre outros, no maior nmero de manuais de Psicologia Social

    escritos ou organizados por socilogos (ALVARO & GARRIDO, 2003:7). Esta tendncia

    se foi invertendo, levando a uma situao em que a maioria dos psiclogos sociais se

    forma em cursos de Psicologia e na qual a Psicologia Social psicolgica se tornou

    hegemnica em detrimento das contribuies de autores, tais como Simmel, Goffman,

    Mead, Schutz, Elias, Giddens, Bourdieu, etc. Atualmente, h uma tendncia contrria

    hegemonia da Psicologia Social psicolgica que se esfora para reincorporar

    contribuies da Sociologia e se pauta por um compromisso tico-poltico voltado para

    questes sociais. Apesar disso, a identificao da Psicologia Social como um ramo da

    Psicologia no apenas continua forte, mas entre ns est crescendo.

    Alvaro e Garrido sugerem que, de certa maneira, o prprio rtulo de Psicologia

    Social tem contribudo para esta identificao (2003:6). Entretanto, parece-nos que a

    retrao da Psicologia Social para dentro do campo da Psicologia tem sido influenciada

    por uma srie de outros fatores. Aqui podemos apontar a retrao de abordagens

    estruturalistas nas cincias sociais e a crescente preocupao, por parte de socilogos,

    cientistas polticos e outros cientistas sociais, com a dimenso subjetiva de fenmenos

    sociais e polticos. Se isso tem ampliado a produo de conhecimentos psicossociais no

    campo das Cincias Humanas e Cincias Sociais Aplicadas, de outro lado tem levado

    diminuio do nmero de disciplinas da Psicologia Social ofertadas nos diversos cursos

    da rea das Cincias Humanas e Cincias Sociais Aplicadas e reduo da visibilidade

    da Psicologia Social como campo de interseo entre a Psicologia e a Sociologia,

    favorecendo a identificao da Psicologia Social com a Psicologia. Esta situao tem

    como conseqncia o fato de que o nmero de psiclogos sociais com formao em

    sociologia tem cado drasticamente. A ao reguladora do CFP tambm contribui para

    este fenmeno, entre outros fatores por dificultar a contratao, pelas universidades, de

    psiclogos sociais sem formao em psicologia, ao estipular que o supervisor de estgios

    de alunos de Psicologia dever ser psiclogo inscrito no Conselho de Psicologia.

  • Fator agravante para a formao de psiclogos sociais ainda a situao marginal

    da Psicologia Social dentro dos cursos da Psicologia. A maioria dos cursos continua

    sendo marcada por uma estrutura curricular tradicional em que nos primeiros perodos

    predomina o ensino de processos psicolgicos bsicos com grande presena da

    psicologia experimental e nos ltimos perodos o ensino de prticas da psicologia clnica.

    Neste contexto, a Psicologia Social em geral aparece apenas como uma disciplina bsica

    que permite compreender os aspectos sociais do comportamento psicolgico. Esta

    situao apenas parcialmente corrigida pelos programas de ps-graduao em

    Psicologia Social ou por outros programas com uma rea de concentrao em Psicologia

    Social, pois notrio que parte dos alunos que procuram estes programas, est mais

    interessada em aprofundar o estudo de aspectos sociais de determinados fenmenos do

    que em uma formao para psiclogo social.

    A PSICOLOGIA SOCIAL COMO CAMPO PROFISSIONAL

    Diante de profisses, tais como a de clrigos, de mdicos e de especialistas em

    direito, a profisso de psiclogos recente. Enquanto estes antecedem a sociedade

    capitalista, a de psiclogos surgiu no bojo do processo da diviso de trabalho que marca

    as sociedades modernas (veja DURKHEIM, 1984). H de ressaltar que a exigncia de

    novas competncias e habilidades no trabalho ou a fragmentao cada vez maior do

    processo de produo no condio suficiente para a emergncia de novas profisses.

    Em contraste com as ocupaes, para as profisses o domnio de conhecimentos

    complexos, organizados e sistematizados e de difcil acesso para no-profissionais

    funciona como base tcnica da autoridade profissional.

    Profisses se caracterizam por uma assimetria de competncias: o cliente tem que

    confiar no saber do profissional e o profissional, por sua vez, tem que respeitar o cliente.

    Esta relao garantida por formas institucionais: formao padronizada, conselhos

    profissionais, credenciamentos, cdigos de tica, etc. O elemento constitutivo de uma

    profisso , antes de tudo, a aplicao de conhecimentos relativamente abstratos a

    problemas particulares. Nesta perspectiva, o fenmeno central da vida profissional , de

    acordo com Abbott (1988), o vnculo entre a profisso e suas tarefas. Este vnculo

    constitui uma jurisdio que se fundamenta em conhecimentos e ancorada por

    instituies sociais formais e informais. A jurisdio no algo estvel, mas, ao longo do

    tempo, ocorre a incorporao de novas tarefas e perda de outras, num contexto de

    desenvolvimento cientfico e tecnolgico, de mudana social e de lutas pelo poder entre

    profissionais. Neste processo, as relaes entre as profisses e dentro delas modificam

  • pelo surgimento de novos conhecimentos, pela aplicao de conhecimentos em novos

    problemas e pela crescente complexidade das tarefas. Emergem novas jurisdies que

    se materializam em especialidades, novas profisses ou em fuses e divises de

    profisses existentes.

    Profisses tais como psiclogo ou socilogo carecem ainda de consolidao. No

    h vnculos fortes entre a profisso e determinadas tarefas, pois tanto a Psicologia como

    a Sociologia so marcadas por uma diversidade de abordagens tericas e padecem de

    um sistema de conhecimentos sistematizados e universalizados. Entretanto, a Psicologia

    procura avanar no processo de profissionalizao, organizando treinamentos especficos

    para reas de aplicao, regulamentando especialidades e produzindo conhecimentos

    mais exclusivos para determinadas tarefas. Este processo vem sendo marcado por

    algumas tendncias:

    1. a jurisdio definida pela lei que regulamenta a profisso de psiclogo mais restrita

    do que o sistema de conhecimentos tericos e prticos, o que mobiliza a profisso pela

    incorporao de novas tarefas na sua jurisdio (polticas expansionistas);

    2. a psicoterapia disputada com a medicina (psiquiatria) foi gradualmente incorporada na

    jurisdio da psicologia, o que foi favorecido por dois fatores: o fato de que a psiquiatria

    ignora, muitas vezes, problemas menores de sade mental que so, sim, abordados por

    psiclogos e o grande nmero de psiclogos versus o nmero reduzido de psiquiatras.

    Esta rea, entretanto, chega a ser rea disputada por outras profisses e agentes sociais

    (servio social, prticas alternativas, etc.);

    3. o processo de especializao avana mais pela diferenciao da clientela (Psicologia

    Hospitalar, Psicologia do Esporte, Psicologia Escolar, etc.), do que pela diferenciao de

    conhecimentos, ainda que a instituio do ttulo de especialista tenha sido justificada

    pelos "avanos da Cincia Psicolgica, os quais tm propiciado a emergncia de reas

    de conhecimento especfico para a atuao do profissional de Psicologia" (Resoluo

    CFP, N14/00); e

    4. o processo de especializao vem sendo marcado por uma hierarquizao de tarefas,

    em que a Psicologia Clnica ganha maior status na base de conhecimentos mais

    exclusivos que articulam saberes tericos e prticos. Isso no apenas favorece a

    reproduo da estrutura tradicional de cursos de Psicologia, mas tambm diminui o status

    social de outras prticas da Psicologia.

    Para a Psicologia Social, o estabelecimento de um vnculo entre profisso e

    tarefas, baseado no domnio de um sistema de conhecimentos especficos, tem sido difcil

    por ela representar uma interseo entre a sociologia e a psicologia. Nesta situao,

  • prevalece a tendncia de o psiclogo social se manter includo na categoria profissional

    relativamente mais forte: a da psicologia. Timidamente, tm sido feitos alguns esforos

    para criar especialidades de acordo com o contexto de trabalho ou com a clientela,

    psiclogos sociais se denominando analistas institucionais, especialistas em dinmica de

    grupo, psicodramatistas, psiclogos de trabalho, etc., mas estes esforos em geral no se

    consolidaram.

    A situao modificou-se com o surgimento de novas tarefas, principalmente em

    programas sociais e educacionais, nos quais tanto psiclogos (sociais) como outros

    profissionais (assistentes sociais, socilogos, pedagogos, etc) tm-se inseridos. Estas

    tarefas compartilhadas com outras profisses tendem a promover uma perda de

    trocabilidade de psiclogos profissionais entre si e uma presso pela especializao, ao

    lado da competio com os outros profissionais.

    A presso por especializao no tem levado a um afastamento de psiclogos

    sociais dos profissionais da psicologia. Esta separao implicaria a unio com os outros

    profissionais que atuam nos programas sociais e educacionais, realizando as mesmas

    tarefas. Entretanto, o fato de estas outras profisses serem ainda menos consolidadas do

    que a psicologia, faz com que prevalea a tendncia de no se abandonar o guarda-

    chuva protetor da Psicologia e que surja a demanda de especializao dentro da

    profisso de psiclogo, seja como Psicologia Social, seja como Psicologia Comunitria.

    De acordo com o CFP, esta demanda j estava presente quando foi institudo o ttulo

    profissional de Especialista em Psicologia e quando foram definidas as diversas

    especialidades (Resoluo CPF N 14/00).

    Um eventual reconhecimento da Psicologia Comunitria como especialidade em

    Psicologia no se concretizou, devido forte resistncia de setores vinculados a esta

    rea. Esta resistncia, entretanto, no se verificou no caso do reconhecimento da

    Psicologia Social como especialidade da Psicologia, tendo em vista a ambigidade com

    que a ABRAPSO tratou esta questo. Esta ambigidade est relacionada com os

    objetivos da entidade que no distinguem claramente a Psicologia Social de uma

    Psicologia Socialmente comprometida.

    Quando a ABRAPSO foi criada em 1980, pretendia constituir-se, ao mesmo tempo:

    [...] uma entidade que congregue no somente psiclogos de diferentes reas, mas

    tambm outros cientistas sociais que estejam interessados no desenvolvimento da

    Psicologia Social no Brasil"e "uma associao que se proponha a incentivar o

  • desenvolvimento da Psicologia voltada para a nossa prpria realidade social (ABRAPSO,

    1980).

    Esta ambiguidade reproduz-se no atual Estatuto da ABRAPSO, no qual se formulam as

    seguintes finalidades:

    1. garantir e desenvolver as relaes entre pessoas dedicadas ao estudo, ensino,

    investigao e aplicao da Psicologia em uma perspectiva social no Brasil;

    2. propiciar a difuso e o intercmbio de informaes sobre o desenvolvimento do

    conhecimento e prtica da Psicologia Social;

    3. organizar conferncias e cursos e promover a publicao de trabalhos de interesse

    para o desenvolvimento da Psicologia Social;

    4. promover a integrao da Psicologia com outras reas do conhecimento que atuem em

    uma perspectiva social crtica; e

    5. incentivar e apoiar institucionalmente o desenvolvimento de aes no campo social e

    comunitria".

    A natureza ambgua da ABRAPSO tem sido estratgica em termos polticos, pois

    ajuda a promover a idia de que o compromisso social e poltico que tem caracterizado a

    Psicologia Social no Brasil, a partir dos anos 70, deve ser compartilhado pela Psicologia.

    Entretanto, ela dificulta o debate sobre a especificidade da Psicologia Social e faz com

    que, no raras vezes, a Psicologia Social seja confundida com uma psicologia crtica ou

    politicamente engajada. Nesta perspectiva significativo que, ao se opor ao

    reconhecimento da Psicologia Social como especialidade da Psicologia, a ento diretoria

    da ABRAPSO no fez referncia especificidade da Psicologia Social, como atesta carta

    dirigida ao CFP:

    A proposta de uma Especialidade em Psicologia Social no coerente com a

    finalidade e a composio desta Associao, e, ainda, vem de encontro aos auspcios da

    luta pela compreenso de que todo a Psicologia social, pois "Esta afirmao no

    significa reduzir as reas especficas da Psicologia Psicologia Social, mas sim cada

    uma assumir dentro de sua especialidade a natureza histrico-social do ser

    humano"(Lane, Silvia T.M. A Psicologia Social e uma nova concepo do homem para a

    Psicologia. In: Lane, Silvia T.M. e Codo, W (org.) Psicologia Social: o homem em

    movimento. So Paulo: Brasiliense, 1984, p. 19). A posio desta direo de no

    legitimar uma ao que venha depor ao contrrio desta luta e, tambm, no contribuir

    para a formao de uma especialidade em Psicologia Social, correndo o risco de delimitar

    o compromisso tico-scio-poltico que se quer para a prtica de qualquer profissional

  • como um fazer tcnico somente dos profissionais especialistas nesta rea

    (ABRAPSO,2002).

    Se para ABRAPSO a especificidade da Psicologia Social no constitua

    argumento, esta sim orientava a resoluo do CFP. Tomando como referncia o avano

    da Psicologia e a consolidao da rea profissional da Psicologia Social, esta define a

    ecialidade de Psicologia Social, da seguinte forma:

    A especialidade de Psicologia Social fica instituda com a seguinte definio: I -

    Atua fundamentada na compreenso da dimenso subjetiva dos fenmenos sociais e

    coletivos, sob diferentes enfoques tericos e metodolgicos, com o objetivo de

    problematizar e propor aes no mbito social. O psiclogo, nesse campo, desenvolve

    atividades em diferentes espaos institucionais e comunitrios, no mbito da Sade,

    Educao, trabalho, lazer, meio ambiente, comunicao social, justia, segurana e

    assistncia social. Seu trabalho envolve proposies de polticas e aes relacionadas

    comunidade em geral e aos movimentos sociais de grupos tnico-raciais, religiosos, de

    gnero, geracionais, de orientao sexual, de classes sociais e de outros segmentos

    socioculturais, com vistas realizao de projetos da rea social e/ou definio de

    polticas pblicas. Realiza estudo, pesquisa e superviso sobre temas pertinentes

    relao do indivduo com a sociedade, com o intuito de promover a problematizao e a

    construo de proposies que qualifiquem o trabalho e a formao no campo da

    Psicologia Social (Resoluo CFP N 05/2003, art. 3).

    Entretanto, no se distingue aqui claramente uma jurisdio nova, pois tratam-se

    de tarefas compartilhadas com outras profissionais sem vnculo com uma base de

    conhecimentos especializados, fazendo-se apenas referncia ao avano da Psicologia

    (Resoluo CFP N 5/2003).

    IMPLICAES DA RESOLUO 5/2003

    A resoluo que institui a Psicologia Social como especialidade da Psicologia no

    foi apenas resultado da procura de reconhecimento profissional por parte de psiclogos

    que atuam em programas sociais e educacionais ao lado de outros profissionais. A

    idealizao desta resoluo foi favorecida tambm pelo significado poltico da Psicologia

    Social, pois foi esta que, no campo da Psicologia, empenhou-se para construir uma

    Psicologia voltada para problemas brasileiras e propiciou, numa conjuntura de oposio

    ao Estado autoritrio-burocrtico e de transio para um regime democrtico, a

    formulao de uma Psicologia crtica. Entretanto, ela ignora a especificidade da

    Psicologia Social como disciplina que integra concepes psicolgicas e sociolgicas e

  • que disso deriva sua capacidade de vincular teoria e prxis e de se tornar um instrumento

    de transformao social. Esta resoluo tende a tornar a Psicologia Social meramente

    parte do corpus da psicologia, roubando-lhe a sua prpria alma. Tende tambm a reforar

    a tendncia de a Psicologia Social se tornar apenas uma disciplina bsica nos cursos de

    Psicologia que, ao abordar aspectos sociais do comportamento, transforma-se num

    captulo da Psicologia Geral em vez de contribuir para a compreenso do funcionamento

    da sociedade e da cultura. Acaba, assim, de promover uma Psicologia Social psicolgica

    em detrimento de uma Psicologia Social sociolgica.

    por estes motivos que a ABRAPSO atual procura promover um debate sobre

    esta questo no intuito de repensar a resoluo e de promover condies para

    reconhecer a presena da Psicologia Social no campo das Cincias Humanas e Sociais

    como uma cincia que aborda fenmenos bsicos do funcionamento da sociedade e

    cultura e possui uma intencionalidade voltada para a transformao social. A Psicologia

    Social tem uma relao estreita com a Psicologia, mas no coincide com ela.

    Fonte: Psicol. Soc. vol.17 no.1 Porto Alegre Jan/Apr. 2005

    5.2 Pontos Facilitadores e Dificultadores dentro dos contextos sociais

    A psicologia tem sido impulsionada cada vez mais por novos contextos e,

    consequentemente, tem vivido as transformaes de um mundo ps-moderno. Neste

    sentido, emerge um importante movimento na direo do compromisso social, culminando

    com a orientao de nossos rgos representativos num esforo para fortalecer os

    vnculos profissionais com as necessidades sociais (LIMA, CERVENY, 2012).

    A insero do psiclogo junto rede pblica de atendimento populao, por

    exemplo, foi uma das formas de inaugurao desta nova demanda para esse profissional,

    que se viu ento no encontro com diversas realidades sociais.

    As especificidades da problematizao neste novo contexto exigem do profissional

    a criao de novas metodologias adequadas s demandas especficas que emergiro.

    Tomemos, pois, o contexto da Psicologia Social Comunitria, abordada em nosso

    primeiro mdulo.

    A comunidade se constitui em um grupo social com certo grau de organizao, que

    compartilha o mesmo espao fsico e psicolgico, alm de possveis objetivos em comum,

    compondo um espao privilegiado para a prxis da psicologia social. , portanto, lugar

    privilegiado de construo do saber psicolgico comunitrio e da operacionalizao de

    tcnicas psicolgicas que sejam eficazes na compreenso da construo desse saber ou

  • sua reconstruo, como resultado da relao da psicologia com a demanda dos sujeitos

    no espao comunitrio. (GOMES, 1999, p. 3).

    O psiclogo inserido na comunidade tem a possibilidade de investigar como aquele

    contexto especfico pode interferir na construo dos processos subjetivos dos sujeitos ali

    envolvidos e encontrar e encontrar a melhor maneira de intervir diante desta contexto,

    alm de poder buscar a tomada de conscincia do grupo da sua problemtica contextual

    e contribuir, por exemplo, para o processo de auto-gesto grupal. (ARENDT, 1997).

    Para que um bom trabalho seja realizado de fato numa realidade social, porm,

    necessrio conhecer o contexto em que essa realidade se desenvolve, levando em conta

    as questes psicossociais, sobretudo do ponto de vista macrossocial. Muitas vezes, os

    psiclogos fazem uma delimitao de sua atuao em um nvel microssocial esquecendo

    seu papel de compreender o sujeito integralmente em todas as suas relaes.

    Neste momento, outra dificuldade que se apresenta referente entrada do

    psiclogo na Comunidade. De um lado existe o psiclogo com suas (pr)concepes e,

    de outro, a Comunidade com caractersticas e modo de funcionamento prprios, ambos

    apresentando modos de aes diferentes, manifestados atravs das vises de mundo

    que, muitas vezes, no so conciliveis.

    Gomes (1999) aponta ainda outras dificuldades advindas do campo terico da

    psicologia social comunitria:

    Comunitarismo: preocupao exacerbada desta Psicologia com os

    problemas comunitrios em detrimento da considerao pelos problemas de natureza

    terica e metodolgica suscitada por esta abordagem;

    Academicismo: preocupao apenas com o desenvolvimento de teorias e

    tcnicas cientificamente relevantes, sem considerar a relevncia social destes achados;

    Idealismo: resultado da viso reformista de alguns psiclogos comunitrios

    que reduzem todos os problemas sociais a fatores polticos, sem considerar a

    necessidade do conjunto da sociedade humana e, s vezes, as necessidades de

    mudana da prpria psicologia;

    Assistencialismo: identificao da Psicologia com obras caritativas e

    assistncias, que servem apenas para alimentar a dependncia da comunidade.

    Dessa maneira, podemos concluir que, apesar de ser um campo frtil e propcio

    para as intervenes psicossociais, as comunidades tambm impem certas

    dificuldades, alm de trazer de refletir para o interventor as dificuldades criadas por ele

    prprio quando se trata de intervir em um contexto social.

  • 5.3 A tica na Interveno Psicossocial

    O homem em suas relaes por si prprio um sujeito tico. O tempo todo

    escutamos falas que se referem tica, mas, na verdade, ser que j paramos para

    pensar qual o real significado desta palavra? difcil termos uma resposta na ponta da

    lngua para esta questo, porm, ao mesmo tempo, percebemos que todos ns, de um

    modo ou de outro, possumos nossas conveces ticas (GUARESCHI, 2008).

    Na verdade, existem vrias definies a respeito do tema. Ela no pode ser

    considerada como algo pronto ou algo acabado. Ao contrrio, ela est sempre se

    renovando.

    Segundo Faraco e Jaeger (2010), para compreendermos a real dimenso da tica,

    fundamental conhecermos outros termos relacionados a ela, tais como a moral. Esta

    definida por Agosto como um conjunto de normas que orientam, disciplinam, normatizam

    os costumes e as atitudes do indivduo ou de um grupo...trata do lcito e ilcito

    comportamental (1995, p. 29).

    A tica, portanto, passa por essa moral, bem como pela cultura, pela tradio,

    pelos costumes e pelos valores, em geral. um valor que nos faz ter certo tipo de

    comportamento de acordo com determinadas normas e tradies. a partir, portanto, das

    nossas condutas e comportamentos que podemos visualizar em que tica estamos nos

    fundamentando. Toda nossa postura implica uma dimenso tica. E nossa tica vai se

    diferenciar de acordo com nossa relao diante do outro. (GUARESCHI, 2008).

    Partindo agora para a interveno social, Faraco e Jaeger (2010) apresentam a

    definio de Kelly a este respeito afirmando ser uma srie de influncias que podero ser

    planejadas ou no na vida de uma comunidade, como o objetivo de promover bem-estar,

    reduzindo sua desorganizao social e pessoal, num processo de interferncia e

    influncia, que busca sempre uma mudana.

    Quando se fala em tica na Interveno Social, portanto, fala-se em uma prtica

    realizvel capaz de orientar de forma eficaz o comportamento tico do interventor frente

    s diversas circunstncias apresentadas, como a resoluo de problemas e conflitos. O

    profissional deve estar sempre atento s suas atitudes, devendo se posicionar de maneira

    a obedecer sempre aos princpios ticos quanto suas responsabilidades e ao contexto

    em que est inserido. Em relao comunidade a qual destinada a interveno social,

  • necessrio refletir sobre algumas questes fundamentais como a inteno e os

    benefcios, a implicao poltica e as responsabilidades.

    Na interveno psicossocial ocorrida dentro do campo da Psicologia Social

    Comunitria, concordamos com Freitas (2008) em dizer que tratam-se de prticas de

    interveno ou atuao psicolgica/psicossocial com caractersticas distintas:

    a. Dirigem-se aos mais diversos segmentos da populao (como bairros; cortios;

    favelas; mangues; alagados; diferentes grupos populares, civis, religiosos; diversos

    movimentos populares; segmentos ou setores de entidades civis, profissionais,

    comunitrias; comisses e/ou fruns em educao, sade, direitos humanos; entre

    outros);

    b. Localizam o objeto de investigao e/ou ao dentro de um enquadre terico

    diversificado (indo do individual, passando pelo familiar, por pequenos grupos, at

    organizaes e movimentos comunitrios e/ou populares de dimenses maiores);

    c. Selecionam algum tema como central e prioritrio em suas proposies

    (provenientes da rea da sade, educao, trabalho; relaes comunitrias e

    organizativas; direitos humanos, violncia e cidadania; formao profissional; qualidade

    de vida; relaes de excluso e incluso social; emprego, desemprego e falta de

    perspectiva de vida, entre outros),

    d. Empregam aportes terico-metodolgicos diferentes e, em algumas ocasies,

    antagnicos entre si;

    e. Estabelecem um tipo de relao de conhecimento entre o profissional e a

    comunidade que imprime rumos para o trabalho desenvolvido (o foco da deciso recai em

    um dos plos da relao ou na sntese de ambos).

    Diante de tantas especificidades no trabalho do psiclogo na comunidade,

    essencial que o psiclogo esteja

    Referncias Bibliogrficas:

    atento s dimenses ticas de seu trabalho. Em momento algum, possvel que

    deixe de pensar nas consequncias de suas atitudes, devendo sempre orient-las para

    o benefcio da comunidade.

  • ARENDT, R. J. J.. Psicologia Comunitria: teoria e metodologia. Psicologia Reflexo e Crtica, 10 (1), 1997.

    FARACO, C. B.; JAEGER, M. A. A tica na interveno psicossocial. In: Introduo Psicologia Comunitria: bases tericas e metodolgicas. Porto Alegre: Saulina, 2010.

    FREITAS, M. F. Q. Prxis e tica na psicologia social comunitria: possibilidades de transformao social na vida cotidiana. In: ticas e Paradigmas na Psicologia Social. Rio de Janeiro: ABRAPSO, 2008.

    GOMES, A. M. A. Psicologia comunitria: uma abordagem conceitual. Psicologia: Teoria e Prtica, 1 (2): 71-79, 1999.

    GUARESCHI, N. M. F. Identidade, subjetividade, alteridade e tica. In: ticas e Paradigmas na Psicologia Social. Rio de Janeiro: ABRAPSO, 2008.

    LIMA, M. J.; CERVENY, M. O. A competncia social do psiclogo: estudo com profissionais que atuam em instituies. Psicologia Cincia e Profisso, 32 (2): 284-303, 2012.

    MICHENER, H. A.; DELAMATER, J. D.; MYERS, D. J. Psicologia Social. So Paulo: Pioneira, 2005.

    VAN STRALEN, C. J. Psicologia Social: uma especialidade da psicologia? Psicologia & Sociedade 17 (1): 17-28, 2005.

    Fonte: Psicol. Soc.vol.17no.1Porto AlegreJan/Apr.20055.2 Pontos Facilitadores e Dificultadores dentro dos contextos sociais