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Por que os milionários brasileiros não doam suas fortunas a universidades?Nos Estados Unidos, ricos ajudam museus e instituições de ensino superior. No Brasil, a burocracia atrapalha quemquer fazer o bem

FERNANDO SCHÜLER07/06/2015 - 10h01 - Atualizado 26/05/2016 15h44

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GENEROSIDADE O milionário Stephen Schwarzman (à esq.) com Peter Salovey, diretor de Yale. Ele doou US$ 150milhões à universidade (Foto: Divulgação)

Stephen Schwarzman costumava fazer suas refeições no Commons, quandoestudante em Yale, em meados dos anos 1960. Sujeito tímido, vindo de escolapública, sentia-se bem naquele edifício de estilo neoclássico, situado no coraçãoda universidade. Formado em 1969, Schwarzman percorreu passo a passo o sonhoamericano. Nos anos 1980, criou o grupo Blackstone, hoje um dos maiores fundosde investimento dos Estados Unidos. Consta como o 122º sujeito mais rico doplaneta, na lista da Forbes. No último dia 11 de maio, anunciou uma doação deUS$ 150 milhões para a conversão do velho Commons em um moderno centro deartes.O centro levará o nome de Schwarzman. Há quem veja nisso um simples desejode “imortalidade através do dinheiro”, como li em uma crítica. Pouco importa.Talvez alguém tenha pensado o mesmo quando Lenand Stanford criou auniversidade que levaria seu nome, na década de 1880, na Califórnia. Ou quando

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universidade que levaria seu nome, na década de 1880, na Califórnia. Ou quandoresolveram dar o nome de Solomon Guggenheim, logo após sua morte, ao museuprojetado por Frank Lloyd Wright, no coração de Manhattan. Quem sabe teriasido melhor, para os Estados Unidos, imitar o exemplo brasileiro. Por aqui, poucagente tenta perpetuar o próprio nome, doando para universidades e museus.Talvez por isso lê-se, por estes dias, o anúncio de fechamento da Casa Daros,primoroso espaço de artes, no Rio de Janeiro, por falta de recursos.  

DUAS REALIDADES O Guggenheim, em Nova York (Foto: Sean Pavone Photo/Getty Images)

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Casa Daros, no Rio de Janeiro. Um museu prospera. O outro vai fechar as portas (Foto: MonicaImbuzeiro/Ag. O Globo)

A tradição da filantropia americana vem de longe. É possível pensar que AndrewCarnegie seja seu maior ícone e, de certo modo, definidor conceitual. Imigrantepobre, Carnegie fez fortuna na siderurgia americana, na segunda metade doséculo XIX. Em 1901, aos 66 anos, vendeu suas indústrias ao banqueiro J.P.Morgan e tornou-se o maior filantropo americano. Uma de suas tantas proezas,não certamente a maior, foi construir mais de 3 mil bibliotecas, nos EstadosUnidos. Em 1889, escreveu o artigo “The Gospel of Weath”, defendendo que os ricosdeveriam viver com comedimento e tirar da cabeça a ideia de legar sua fortunaaos filhos. Melhor seria doar o dinheiro para alguma causa, ou várias delas, a suaescolha, ainda em vida. O Estado poderia dar um empurrãozinho, aumentando oimposto sobre a herança, mas deveria evitar a tributação das grandes fortunas. Omelhor resultado, para todos, seria obtido se os próprios ricos distribuíssem suariqueza, com cuidado e responsabilidade. Recentemente, foi o argumento usadopor Bill Gates, o maior filantropo de nossa era, em oposição a Thomas Piketty esua obsessão em tributar os mais ricos.

Gates não fala da boca para fora, nem é uma voz isolada. Em 2009, ele lançou,

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Gates não fala da boca para fora, nem é uma voz isolada. Em 2009, ele lançou,junto com Warren Buffett, o mais impressionante movimento de incentivo àfilantropia já visto: The Giving Pledge. A campanha tem, até o momento, 128signatários. Para participar, basta ser um bilionário e assinar uma cartaprometendo doar, em vida, mais da metade de sua fortuna a projetoshumanitários. Para boa parte dessas pessoas, doar 50% é pouco. Larry Elisson,criador da Oracle, comprometeu-se em doar 95% de sua fortuna, hoje avaliadaem US$ 56 bilhões. Buffett foi além: vai doar 99%. Como bem observou o filósofoalemão Peter Sloterdijk, parece que, ao contrário do que acreditávamos no séculoXX, não são os pobres, mas os ricos que mudarão o mundo. Sloterdijt, por óbvio,não conhece bem o Brasil.

Nos Estados Unidos, o valor das doações individuais à filantropia chega a US$ 330bilhões por ano. No Brasil, os números são imprecisos, mas estima-se que omontante não passa de US$ 6 bilhões por ano. Apenas 3% do financiamento anossas ONGs vem de doações individuais, contra mais de 70%, no casoamericano. Há, segundo a tradicional lista da revista Forbes, 54 bilionários noBrasil. Nenhum aderiu, até o momento, ao movimento da Giving Pledge. Constaque Jorge Paulo Lemann, o número 1 da lista, foi convidado. Não duvido que diadesses anuncie sua adesão. Seria um exemplo para o país.

Explicações não faltam para essa disparidade. Há quem goste de debitar ofenômeno na conta de nossa “formação cultural”. Por essa tese, estaríamosatados a nossas raízes ibéricas, sempre esperando pelos favores do Estado,indispostos a buscar formas de cooperação entre os cidadãos para construirescolas, museus e bibliotecas ou simplesmente para consertar os brinquedos eplantar flores na praça do bairro.

É possível que haja alguma verdade nisso. O rei Dom João III, lá por volta de 1530,dividiu o país em capitanias hereditárias e as dividiu entre fidalgos e amigos dacorte portuguesa. Fazer o quê? Enquanto isso, os peregrinos do Mayflowerdesembarcaram nas costas da Nova Inglaterra, movidos pela fé e pelo amor aotrabalho, para construir um novo país. Uma bela história, sem dúvida. Muitoparecida com a de meus antepassados alemães, que desembarcaram em 1824 nasmargens do Rio dos Sinos, no Rio Grande do Sul. Há muitas histórias, há muitostipos de formação cultural, no Brasil, assim como nos Estados Unidos. Não édifícil escolher uma delas para justificar qualquer coisa.

De minha parte, desconfio da tese do caráter cultural. Ela é abstrata demais,

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De minha parte, desconfio da tese do caráter cultural. Ela é abstrata demais,difícil de mensurar e, pior, tende a levar à acomodação. Prefiro concentrar o focona variável sobre a qual – ao menos em boa medida – temos controle. E essavariável é institucional. Minha tese é: o modelo institucional e de incentivos queadotamos simplesmente não favorece o desenvolvimento da filantropia. Eleincentiva que as pessoas esperem que o Estado resolva seus problemas. E é o queelas fazem, em geral.

Vamos a um exemplo: nossos sistemas de incentivo fiscal a doações. Nos EstadosUnidos, se alguém quiser doar algum recurso para o MoMA (o Museu de ArteModerna, em Nova York), poderá abater até 30% de seu rendimento tributável.Para algumas instituições, esse percentual sobe a 50%. No Brasil, seu abatimentoé limitado a 6% do Imposto de Renda, se o contribuinte fizer a declaraçãocompleta.

O pior, no entanto, acontece do outro lado do balcão. Para receber a doação, omuseu brasileiro deverá ter um projeto previamente aprovado pelo Ministérioda Cultura, em Brasília. Serão meses em uma via crucis, listandominuciosamente o gasto futuro com o projeto, e depois mais alguns meses para aprestação de contas detalhada do que foi gasto com sua execução. Ficoimaginando o que o MoMA faria se, para receber doações, tivesse de enviarpreviamente um projeto para ser analisado em Washington, linha a linha, porum grupo de funcionários públicos. Os Estados Unidos nem sequer têm umMinistério da Cultura. As doações e os incentivos são diretos, sem burocracia. Porisso, funciona.

Vamos a outro exemplo: os americanos adotam como principal estratégia definanciamento de suas instituições – sejam museus, universidades ou orquestrassinfônicas – os chamados “fundos de endowment”. A ideia é bem simples: umapoupança de longuíssimo prazo, destinada a crescer, ano a ano, da qual ainstituição retira parte dos rendimentos para seu custeio. Simplesmentenenhuma grande instituição universitária ou cultural americana vive sem seuendowment. Há 75 universidades com fundos de mais de US$ 1 bilhão. O maiorde todos, de Harvard, tem US$ 36 bilhões em caixa.

Pois bem, vamos imaginar que um milionário acordasse, dia desses, decidido adoar uma boa quantia para algum endowment no Brasil. Ele gosta de artesvisuais e quer doar a um museu. Em primeiro lugar, ele não teria nenhum

incentivo fiscal para fazer isso. O Ministério da Cultura simplesmente proíbe que

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incentivo fiscal para fazer isso. O Ministério da Cultura simplesmente proíbe queum museu brasileiro apresente um projeto para receber doações paraendowments. Em segundo lugar, não haveria nenhum endowment para serapoiado. Nos Estados Unidos, ele encontraria milhares, e bastaria escolheralgum, na internet. Em Pindorama, nenhum. As leis não favorecem, osincentivos inexistem, as instituições não estão organizadas para receber asdoações. E a culpa segue por conta de nossa “formação cultural”.

Outra razão diz respeito ao modelo de gestão de nossas instituições. O Brasilteima, em pleno século XXI, a manter uma malha obsoleta de universidadesestatais. Elas consomem perto de 30% dos recursos do Ministério da Educação,mas nenhuma se encontra entre as 200 melhores do mundo, no últimolevantamento da revista Times Higher Education. Enquanto isso, os EstadosUnidos dispõem de 48 das 100 melhores universidades globais. Princeton, Yale,Columbia, MIT seguem, em regra, o mesmo padrão: instituições privadas, semfins lucrativos, com largos endowments, cobrando mensalidades e oferecendoum amplo sistema de bolsas por mérito (em âmbito global), e ancoradas em umarede de alumni e parcerias públicas e privadas. Não é diferente do que ocorre commuseus e instituições culturais.

O ponto é que o Brasil pode mudar. Há exemplos de líderes empresariais quefazem sua parte. Há o caso exemplar do banqueiro Walter Moreira Salles,fundador do Instituto Unibanco, voltado à educação, e do Instituto MoreiraSalles, voltado à cultura. Há a Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, há o MuseuIberê Camargo, criado por Jorge Gerdau, e há a Fundação Roberto Marinho, àfrente do maior projeto cultural do Brasil, nos dias de hoje, que é o Museu doAmanhã, no Rio de Janeiro. Há uma imensa generosidade e espírito público, nopaís, ainda bloqueados pelo anacronismo dos modelos de gestão pública queadotamos. Instituições, mais do que a história. Incentivos, mais do que umasuposta genética cultural. Essa deve ser nossa aposta. 

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