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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC - SP
MARCELO DE PAOLA MARIN
O HORIZONTE POLÍTICO DE GUICCIARDINI: ENTRE
MAQUIAVEL E GIANNOTTI
DOUTORADO EM FILOSOFIA
SÃO PAULO
2017
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Marcelo de Paola Marin
O Horizonte Político de Guicciardini: entre Maquiavel e Giannotti
Tese apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do título
de Doutor em Filosofia, sob a orientação do
Prof.º Dr.º Antônio José Romera Valverde.
SÃO PAULO
2017
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Banca Examinadora
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Aos amigos e familiares que em algum
momento da minha trajetória pessoal
foram generosos e solidários.
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AGRADECIMENTOS
Ao professor Doutor Antônio José Romera Valverde, que me orientou nesta
dissertação de Mestrado. Devo-lhe mais do que a originalidade do tema e as preciosas
observações que me permitiram a finalização deste trabalho. A ele expresso a minha profunda
gratidão.
Ao professor Mestre Frederico Moreira Guimarães, por sua paciência e ajuda na
revisão de alguns trechos deste trabalho.
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RESUMO
Partindo da vida, trajetória política, influências e obra de Francesco Guicciardini, esta tese
visa apresentar este pensador em seu tempo, bem como a importância de sua obra para a
Filosofia Política. Ao longo da tese, serão analisados os componentes políticos da obra de
Guicciardini, conceitos e práticas, assim como intersecções com as obras de pensadores de
sua contemporaneidade que tinham como objeto de estudo a política florentina. Sobretudo,
esta tese busca conhecer a análise guicciardiniana e seus elementos conceituais, que
contribuíram para a compreensão do fato político e seus mecanismos sociais e institucionais.
Com base na obra de Francesco Guicciardini, a presente tese pretende explicitar o modo como
a política deve ser exercida no contexto republicano, tendo como modelo as reflexões que
pensadores políticos escreveram sobre a república florentina nos séculos XV e XVI, o
exercício da cidadania e a preservação do bem comum. Debruçando-se, em especial, no
pensamento de Francesco Guicciardini, leitor atento das obras políticas de seu tempo e da
antiguidade clássica, que produziu uma obra privilegiada, pois analisa o seu período como
intelectual e “homem de práxis política”, portanto, sua a obra possibilita o aprofundamento do
ideário político de Maquiavel, o qual recebe tratamento crítico de alguém que, de maneira
privilegiada, acompanhou e discutiu essas ideias com o próprio Maquiavel. De maneira
original, a obra política de Guicciardini passa a ter grande relevância para a Filosofia Política
contemporânea, pois compartilha de temas comuns à obra do secretário florentino,
propiciando um estudo qualificado sobretudo da temática republicana dentro do Humanismo
Cívico florentino.
Palavras-chaves: Humanismo Cívico, Renascimento, Republicanismo, Equilíbrio político,
Cidadania.
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ABSTRACT
This thesis aims at presenting Francesco Guicciardini and the importance of his works to the
Political Philosophy, starting from the thinker´s life, political path, influence and works.
Throughout the thesis, we will analyze the political components of Guicciardini´s works,
concepts and practice as well as their intersections with the works of other contemporary
thinkers, who had the Florentine Policy as their object of study. Above all, the objective of
this thesis is to learn about the Guicciardini’s analysis and its conceptual elements, which
contributed to the understanding of the political fact and its social and institutional
mechanisms. Based on the works of Francesco Guicciardini, the present thesis aims at
revealing the way politics must be performed in the republican context, by recognizing, as
role models, the political thinkers' reflections on the Florentine Republic in the fifteenth and
sixteenth centuries, the citizenship exercise and the preservation of common good. We
particularly focus on the thoughts of Francesco Guicciardini, an attentive reader of both the
political works of his time and of the classical antiquity, who analyzes the time when he lived
as an intellectual and a "man of political praxis". His works enable a better understanding of
Machiavel´s political thought, as Guicciardini had the privilege to follow Machiavel and share
ideas with him. In an original manner, the political work of Guicciardini becomes extremely
relevant to the Contemporary Political Philosophy, once it talks about issues which are also
found in the Florentine Secretary´s works. This enables a qualified study of the
Republicanism within the Florentine Civic Humanism.
Keywords: Civic Humanism, Renaissance, Republicanism, Political Balance, Citizenship.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 10
CAPÍTULO 1 - O HUMANISMO CÍVICO E A REPÚBLICA FLORENTINA ........... 19
1.1 - Origem e formação de Francesco Guicciardini .................................................. 28
1.2 - O olhar de Francesco Guicciardini e influências ................................................ 35
1.3 - Guicciardini e Savonarola ................................................................................... 39
CAPÍTULO 2 - A OBRA E A TRAJETÓRIA DE FRANCESCO GUICCIARDINI .... 44
2.1 - O diplomata a serviço da República de Firenze .................................................. 45
2.2 - O diplomata a serviço do papado e seus escritos políticos ................................. 48
2.3 - O retorno a Firenze e a mudança dos tempos ..................................................... 57
CAPÍTULO 3 - GUICCIARDINI E OS PENSADORES POLÍTICOS DE SEU
TEMPO................................................................................................................................... 62
3.1 - Maquiavel e Guicciardini .................................................................................... 62
3.2 - Donato Giannotti.................................................................................................. 78
CAPÍTULO 4 - O PENSAMENTO E HORIZONTE POLÍTICO DE
GUICCIARDINI.................................................................................................................... 97
4.1 - O corpo político .................................................................................................. 97
4.2 - Categorias políticas no pensamento de Guicciardini ........................................ 100
4.2.1 - Discrezione ......................................................................................... 101
4.2.2 - Prudenza ............................................................................................. 104
4.2.3 - Ragione .............................................................................................. 106
9
4.2.4 - Esperienza .......................................................................................... 108
4.2.5 - Esperanza ........................................................................................... 111
4.2.6 – Fortuna ............................................................................................... 113
4.3 - A liberdade no horizonte político de Guicciardini ........................................... 115
4.4 - A corrupção e a ética política em Francesco Guicciardini ............................... 119
4.5 – A visão republicana de Guicciardini ................................................................ 124
4.6 - O ideário político de Francesco Guicciardini ................................................... 129
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 133
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 138
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INTRODUÇÃO
A presente tese tem por objetivo analisar e compreender o pensamento político de
Francesco Guicciardini à luz de seu tempo. Baseando-se na grande obra do autor, como a
Storie Fiorentine, Discorso de Logrogno, o Dialogo del Reggimento di Firenze, as
Considerazioni intorno ai Discorsi de Machiavelli supra la prima deca de Tito Lívio,
Autodifesa di un politico, Ricordi, Cose Fiorentine, e, Storia d’Italia. Respeitando a
orientação de Bignotto, houve a necessidade de ampliar a leitura e consulta a esta bibliografia
de Guicciardini. A pesquisa contextualizará o autor e sua obra, com o cotejamento com a obra
de Nicolau Maquiavel e Donato Giannotti. A originalidade do autor destaca sua preocupação
com o Estado, sobretudo com temas recorrentes na temática republicana como a liberdade
Política, a igualdade, o Bem Comum e a participação dos cidadãos nos negócios da cidade.
Esta tese aborda a obra de Francesco Guicciardini contextualizada no Humanismo Cívico,
presente no Renascimento Florentino. Guicciardini é mostrado a partir de sua tradição
familiar, formação e inserção política como pensador, diplomata e governador dos Estados
Pontifícios.
Dentre as grandes influências que o autor recebeu, se destacam, além das influências
familiares, as ideias de Nicolau Maquiavel e do frade dominicano Girolamo Savonarola, que
influenciaram o autor, marcando sua obra escrita, mas também sua vida pública, no exercício
de suas atividades profissionais como diplomata e governador.
O Primeiro Capítulo, se inicia com o Humanismo Cívico no contexto renascentista. A
diferença entre Humanismo e Humanismo Cívico, existe a partir do caráter político e
republicano deste último, e o primeiro a partir da ressignificação da herança greco-romana no
contexto renascentista italiano, com destaque para a literatura, arquitetura e artes. Desde o
século XIII, esse Humanismo de matriz classicista tem marcado as obras literárias italianas,
com destaque especial para a Divina Comédia de Dante Alighieri, obra que consagrou o autor
e a própria literatura italiana até os dias atuais. O dinamismo econômico do norte da Itália,
propiciou a formação de governos republicanos que partilhavam o poder com os cidadãos
através sobretudo de ligas profissionais, conhecidas como guildas. O aparecimento de grandes
financistas e comerciantes possibilitou a criação de uma burocracia qualificada para o
controle e administração dos valores transacionados entre os estados italianos e estrangeiros,
as disputas jurídicas foram contempladas com leis específicas para disciplinar as ações entre
os cidadãos e seus pares, e também entre os mesmos e seus governos, criando, de maneira
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exemplar, corpos administrativos estáveis à serviço dos estados constituídos. Uma parte deste
capital gerado pelos financistas e comerciantes foi investido em arte, seja ela pintura,
arquitetura, literatura e escultura, pode-se afirmar, sem exagero, que o referido período deixou
obras de grande valor artístico cultural, como por exemplo obras sacras de Michelangelo e
contemporâneos, denotando grande qualidade e perenidade estética. Uma das famílias mais
destacadas no mecenato foi a família Medici, de grande tradição florentina nas finanças e na
política, durante este período houve grande investimento nas artes em geral. A pesquisa dos
clássicos gregos e romanos, inseriu modelos arquitetônicos, matemáticos, jurídicos e
literários, pois as novas camadas emergentes e a própria sociedade valorizava as artes com
apoio direto a artistas e intelectuais, patrocinados por ricos mecenas. As cidades concentraram
a construção de palácios residenciais particulares, prédios públicos, igrejas e monumentos,
revivendo de maneira inequívoca o esplendor idealizado e inspirado na rica tradição greco-
romana.
Neste cenário renascentista cosmopolita, Guicciardini construiu sua trajetória política
a partir de missões diplomáticas a serviço de Firenze e do Papado mediceu. Este autor
manteve, durante toda a sua vida, intensa atividade intelectual e ocupou cargos executivos de
grande relevância tanto no governo de Firenze quanto nos estados pontifícios, por força de
suas qualidades intelectuais e políticas, destacou-se como homem de virtù, honrando portanto
a tradição política de sua família e de sua pátria, Firenze. Neste capítulo o autor é retratado
como alguém que se dedicou aos estudos muito jovem, preparando-se para o exercício da
carreira jurídica, mas com grande tendência para a carreira política, quando jovem pensou em
ser padre, mas foi demovido energicamente por seu pai Piero Guicciardini, que bradando as
palavras do frei dominicano Savonarola, praguejou contra as intenções do filho. Após mudar
de ideia, dedicou-se aos estudos jurídicos passando a exercer a advocacia em Firenze. Muito
jovem, casou-se com a filha de Alamano Salviatti, líder dos Ottimati, grupo político
aristocrata de Firenze, conhecido por servir a vários governos de Firenze em cargos de
importância.
A obra de Guicciardini é marcada por rigorosa pesquisa em documentos, dados
numéricos e objetividade, seguindo o caminho aberto por contemporâneos como Pontano,
Sanudo, Calco e Maquiavel. Partindo da vera storia, rompeu com a mesma e, portanto, com a
tradição humanista que propugnava a imitação dos clássicos gregos e romanos. Segundo
Bignotto além desta última característica o autor não escrevia para ser lido, pois não usava
recursos literários para persuadir o leitor, sabe-se, porém, que apenas os Ricordi e a Storia
d´Italia, foram escritos para serem lidos configurando, portanto, a exceção à regra.
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O autor teve acesso a obras gregas e romanas, traduzidas segundo a tradição humanista
de seu tempo, e a obras de pensadores humanistas renascentistas contemporâneos, sempre
preocupado com a realidade política da península itálica e de sua Firenze natal, sua obra é
marcada pela defesa da política como a práxis destinada a preservação do bem comum, com
destaque para a prudenza como a virtù na chave maquiaveliana, em que apenas os mais bem
preparados devem exercê-la, ou seja, preferencialmente a classe política dos Ottimati. Pode-se
identificar um movimento dialético do seu pensar que, de maneira constante, empenha-se na
análise “caso a caso”, distanciando-se da generalização enquanto princípio de sua análise
política.
Em sua obra a influência de Savonarola é nítida, a sombra do frade dominicano está
presente em seus Ricordi e nas Storie Fiorentine, os valores morais rígidos, a cobrança por
atitudes claras e o rigor com a aplicação das leis. Ao descrever o governo de Savonarola em
Firenze, é rigoroso, escreve sobre o aparato legal que embasou o seu governo, suas alianças
políticas, suas disputas com o papado e sua execução. A objetividade do autor deixa de lado a
superficialidade fala do dominicano de Ferrara, enfrenta o político Savonarola, não justifica
seus atos mas os contextualiza e analisa o aparato legal que embasou seu mandato. Trata-se de
um estudo rigoroso, com a reprodução de trechos de sermões, indicando a correlação de
forças entre os grupos florentinos, o papado e as forças imperiais estrangeiras. O Savonarola
de Guicciardini é um político arguto preocupado com a implantação do Reino de Deus na
Terra, tendo Firenze como cidade escolhida, este messianismo é retratado pelo autor, sem
paixão ou entusiasmo, mas com objetividade, aponta as escolhas políticas equivocadas e suas
consequências. Cabe lembrar que o pai de Guicciardini fez parte da cúpula do governo de
Savonarola e por isso o autor teve informações privilegiadas sobre o frade dominicano.
Guicciardini destaca o Consiglio Grande como a instituição que abriu espaço para a
participação política mais ampla em Firenze, portanto, Savonarola com esta mudança
possibilitou a criação de um “Governo largo”, ao contrário do modelo veneziano que tinha
um “Governo stretto”.
No Segundo Capítulo, a vida de Guicciardini é apresentada de maneira cronológica,
destacando sua trajetória política e sua obra escrita, o autor acumulou teve grande atuação
política e escreveu sua obra concomitantemente, foi um homem do seu tempo que se ocupou
com intensas e múltiplas atividades políticas, sem desistir de construir uma obra política
profunda, marcada por sua preocupação cívica e patriótica.
Guicciardini representou os interesses de Firenze como embaixador em Lucca, no ano
de 1509, e neste mesmo ano terminou as Storie fiorentine defendendo um detalhado programa
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de reformas institucionais que já havia sido proposto pelos “Ottimati” em 1502. Continuou a
carreira como diplomata assumindo o cargo de embaixador de Firenze na Espanha, na cidade
de Madri em outubro de 1511. Entre 1512 e 1513 ainda no exterior escreveu as seguintes
obras: o Diario del viaggio in Spagna, Relazione di Spagna, Del modo di ordenare Il governo
popolare (Discorso di Logrogno), Sulle condizioni dell’Italia dopo la giornata di Ravenna e
Sulle mutazioni seguite in Italia dopo la giornata di Ravena. O Discorso di Logrogno traça
um modelo comparativo entre Veneza e Firenze, avalia o sistema político de ambas as
repúblicas confrontando o “Governo largo” florentino com o “Governo stretto” veneziano.
Ao voltar a Firenze em 1513, encontrou os Medici no poder, e ao inspirar os novos ares
políticos escreveu a obra Del Governo di Firenze dopo la restaurazione de Medici nel 1512,
exaltando a importância do conhecimento de governar. Em 1514 foi nomeado um dos homens
dos “Otto de Balia” e no ano seguinte passou a integrar a Signoria florentina ficando portanto,
a serviço da família Medici.
Em 1516, foi nomeado advogado consistorial a serviço do papa Leão X (Giovanni de
Medici) que ficou no poder entre 1513 e 1521, ainda em 1516 foi nomeado governador de
Modena e, depois, de Reggio (1517), acumulando o cargo de general do exército pontifício na
guerra contra a França em 1521. Depois de defender Parma do ataque dos franceses em 1521,
escreveu Relazione della difesa di Parma, e com a morte de Leão X em 1521 permaneceu
como governador de Parma, a pedido da família Medici até 19 de dezembro de 1522. Ao
voltar para Firenze começou a escrever uma das suas obras mais memoráveis, O Dialogo del
Reggimento di Firenze dividida em dois livros, no primeiro discute a situação geral de Firenze
e no segundo, critica o modelo constitucional florentino. O autor reproduz um cenário
semelhante ao dos clássicos gregos, seguindo o modelo platônico, os quatro protagonistas do
diálogo são: Bernardo del Nero, Paolantonio Soderini, Piero Capponi e Piero Guicciardini, pai
de Francesco Guicciardini. Cada um dos interlocutores assumiu uma posição política precisa,
representando interesses políticos específicos. Quando de seu retorno a Firenze a proximidade
com Maquiavel se estreitou com a troca de correspondência e visitas mútuas, estendendo-se
de 1521 até a morte do secretário florentino em 1527.
Em novembro de 1523, Giulio dei Medici foi sagrado papa com o nome de Clemente
VII, e Guicciardini foi nomeado presidente da Romagna, ficando no cargo até o início de
1526. Como homem de confiança de Clemente VII, esteve em campo com as tropas do rei da
França em Pavia (fevereiro de 1525), e depois da derrota de seus aliados franceses e as
duríssimas condições impostas por Carlos V através do tratado de Madri (janeiro de 1526), os
italianos passaram a temer o grande poder do imperador. Guicciardini, que nesse ínterim
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havia sido transferido para Roma como conselheiro do papa, tem um papel relevante na
formação da Liga Santa de Cognac em 26 de maio de 1526, com a França, Papado, Firenze,
Genova e Milão. O diplomata foi nomeado “lugar tenente da Santidade do Papa Clemente na
guerra contra César” e o duque de Urbino (Giovanni Maria della Rovere), foi destacado como
general de campo. Os esforços de ambos não foram suficientes para conter o “Saque de
Roma”, ocorrido em 6 de maio de 1527 pelas tropas de Carlos V, o imperador do Sacro
Império Romano-Germânico, e como o próprio nome diz, foi um grande saque onde a
população civil foi vilipendiada em todos os sentidos, configurando atos violentos de grandes
proporções.
Ao retornar a Firenze, encontra um governo hostil, que havia ordenado a expulsão dos
Medici em 16 de maio de 1527, retira-se para sua casa de campo, e neste auto-recolhimento
escreve “Consolatoria, Acusatoria e Defensoria” (1528). Estima-se que neste mesmo período
trabalhou em sua obra Cose Fiorentine, produzindo um texto maduro e experiencial, tratou
das questões políticas já abordadas vinte anos antes, na obra Storie Fiorentine, mas que ainda
eram recorrentes em 1529; reforça sua crítica a tirania e defende a tese do bom governo ou
governo moderado, que deveria ter homens sábios e prudentes (savi e prudenti) em cargos do
governo. Lendo esta obra cuidadosamente, são encontradas alusões diretas ao governo
florentino dos Ottimati (1393-1420) e críticas à disputa de poder entre o Papado e os Estados
Italianos. Dois anos depois do saque de Roma, portanto em 1529, Clemente VII recebeu
permissão para sair do Castelo de Sant’Angelo e refugiou-se em Orvieto, Guicciardini esteve
presente nas negociações com as tropas vitoriosas e conseguiu um bom acordo para que a
família Médici pudesse voltar para Firenze. A partir de outubro de 1529, esta cidade foi
cercada pelo exército imperial, e com base nos acordos firmados em junho, entre Clemente
VII e Carlos V, o retorno dos Medici à cidade foi assegurado, Guicciardini entrou em Firenze
e foi nomeado para um dos cargos dos Otto di Pratica, e junto com o comissário Baccio
Valori, comandou pessoalmente intensa repressão contra os Arrabiati e seus simpatizantes.
Depois de tal missão Guicciardini foi para Lucca e, depois para Roma, onde permaneceu em
contato com o papa Clemente VII, revisando as Considerazioni intorno ai Discorsi di
Machiavelli e finalizando os Ricordi.
Em 1532, Guicciardini participou ativamente das negociações entre Carlos V e
Clemente VII, propondo em vão retirar Roma da velha aliança com a França, em Firenze, o
panorama político era preocupante, o jovem Alessandro, filho natural de Lorenzo di Piero,
que se intitulava “Duque da la República” era o chefe absoluto da cidade. Com a morte de
Clemente VII, em 1534, Guicciardini deixa o governo de Bologna (em 24 de novembro), e
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retorna a Firenze, onde se retira para a “Vila de Santa Margherita a Montici”, e retoma seu
trabalho como escritor. Neste período o jovem duque foi assassinado por outro membro da
própria família Medici, e Guicciardini se dispôs a apaziguar as forças políticas e conseguir um
acordo de paz entre os florentinos, bem ao estilo de sua veia diplomática, de maneira
“harmoniosa e preventiva”. O novo duque concordou em respeitar as leis e subordinar-se ao
“Conselho dos Oito”, cuja composição contaria com a preciosa presença do próprio
diplomata, Cosimo, o novo duque não cumpriu o acordo e instaurou um ducado de caráter
nitidamente monarquista e hereditário, criou uma dinastia de nobres, rompeu com os Ottimati
e extinguiu a Signoria e o Consiglio Grande. Guicciardini se recolhe e prossegue trabalhando
em sua última obra, a Storia d’Italia iniciada em 1535. Esta obra foi escrita para ser
publicada, pois as demais com exceção dos Ricordi, não deveriam ser publicadas por vontade
expressa do próprio autor. Nesta obra, Guicciardini faz críticas às posições dos políticos,
sobretudo florentinos, afirmando que não foram capazes de projetar uma Itália unida, cita
recorrentemente a teoria do equilíbrio entre as forças políticas, coloca o homem como sujeito
e criador da sua própria história, os governantes e suas ações, são analisados em seus
contextos e em sua singulares correlações. Após 1540, ano de sua morte apenas duas de suas
obras foram publicadas ainda no século XVI: a Storia d´Italia e os Ricordi, as demais obras
só serão publicadas entre 1860 e 1870, e ainda hoje sua obra política é pouco traduzida, pouco
conhecida e pouco estudada nos círculos acadêmicos dedicados ao estudo da Política.
O Terceiro Capítulo trata da influência dos principais pensadores políticos da Firenze
renascentista no pensamento de Guicciardini, a saber, Nicolau Maquiavel e Donato Giannotti.
Maquiavel e Guicciardini foram contemporâneos, sendo Guicciardini catorze anos
mais jovem que Maquiavel. As ideias do secretário florentino difundiram-se por cartas e
manuscritos que circulavam em Firenze, não houve um debate clássico entre estes dois
pensadores e nem uma relação “mestre – discípulo” no sentido estrito. Em sua obra “Storie
Fiorentine”, Guicciardini constrói cuidadosa análise política, usando como tema central a
república de Firenze, utlizando como fontes: documentos familiares, o Decennale Primo de
Maquiavel e os sermões de Savonarola.
Quando o diplomata escreveu o Discorso di Logrogno, sua grande preocupação era
pensar o Estado a partir das instituições existentes no governo popular de Soderini, herdadas
do governo de Savonarola (1494-1498). O ideal republicano de Maquiavel estava em Roma e
o ideal republicano de Guicciardini estava em Veneza, tanto nos Discorsi sopra la prima
Deca di Tito Livio do primeiro quanto nos Considerazioni intorno ai Discorsi del Machiavelli
sulla prima Deca di Tito Livio.
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A relação pessoal entre Guicciardini e Maquiavel estreitou-se após 1521, denotando
camaradagem, amizade e intimidade, continuou suas relações com Vettori (Francesco) e com
Guicciardini até 1527 (ano de sua morte), foram os anos em que Maquiavel escreveu muito a
esses seus dois amigos, dentre os ideais comuns a estes dois homens, há o patriotismo e a
política. Guicciardini, contesta a aplicabilidade de precedentes da antiguidade romana e a
construção de referenciais teóricos generalizantes de Maquiavel, essas divergências aparecem
no Dialogo del Reggimento di Firenze e nas Considerazioni intorno ai Discorsi del
Machiavelli sulla prima Deca di Tito Livio, Guicciardini construiu nestas obras contrapontos
ao pensamento de Maquiavel contido nos Discorsi sopra la prima Deca di Tito Livio. Quando
as discórdias civis aparecem como fonte de liberdade da República Romana; Maquiavel
entende que estes conflitos propiciaram a criação de novas instituições e o fortalecimento da
república romana, mas Guicciardini se contrapõe dizendo que o que assegurou o equilíbrio
republicano romano foram as instituições fortes e o amor à pátria. Guicciardini contra-
argumenta dizendo que as sedições devem ser evitadas e que não podem ser elogiadas, pois
seria o mesmo que fazer elogio das doenças.
Se Guicciardini foi o primeiro leitor de Maquiavel, pode-se afirmar que Giannotti foi o
seu principal discípulo, tendo frequentado os Orti Oricellari aprendeu com Maquiavel a
política de seu tempo. Giannotti era 23 anos mais jovem que Maquiavel e 9 anos mais jovem
que Guicciardini, o mais novo dos três pensadores, construiu sua obra a partir das reflexões
recorrentes entre os humanistas cívicos, desconstrói o “mito de Veneza” e, através do estudo
da política veneziana, propõe mudanças políticas em Firenze.
Giannotti nasceu em Firenze, em 27 de novembro de 1492, e morreu em 27 de
dezembro de 1573. Suas obras foram Discorso sopra il fermare il governo di Firenze (1528-
1529), De la Republica de’ Viniziani (1531), Il Vecchio amoroso e o Discorso sulle cose
d’Italia a papa Paolo III (1535), Della Repubblica Fiorentina (1531-1538) e Discorso
intorno alla forma de la Repubblica di Firenze (1540).
Em De la Republica de’ Viniziani, escrito em 1531, única obra impressa durante sua
vida (1540), apresentou exemplos dos antigos que fossem edificantes aos florentinos,
construiu um cenário situado na casa de Pietro Bembo, no qual o nobre florentino Giovanni
Borgherini e o patrício veneziano Trifone Gabriello discutem a República de Veneza, todos
esses diálogos ocorrem no cenáculo da casa de Bembo. Giannotti partiu de referenciais
concretos e contemporâneos, muito caros aos humanistas cívicos de sua época: a República de
Veneza, suas instituições e a dinâmica de sua política republicana, o argumento contido na
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obra é protagonizado por Trifone Gabriello, que defende um novo projeto político-
constitucional.
Giannotti, em sua obra Della repubblica Fiorentina, estuda a divisão política da elite
florentina, analisa o governo florentino de 1494 a 1512, faz uma autocrítica do governo
florentino popular no qual Giannotti participou ativamente, de 1527 à 1530. Ao apresentar os
governos de Soderini e Capponi, mostra as responsabilidades da velha elite, busca um
ordenamento jurídico que evitasse as sedições em Firenze e preocupa-se em garantir a
existência de instâncias executivas, judiciárias e legislativas; propõe um governo misto que
inclua proporcionalmente os diferentes grupos políticos, criando instrumentos para que todos
os homens qualificados possam participar da política.
Para Giannotti, os venezianos formavam uma aristocracia cívica, que construiu
cuidadosamente o “mito de Veneza” ao longo de duzentos anos (entre 1297 e 1520), contando
com historiadores contratados pelo governo para escrever obras que exaltassem as virtudes da
república veneziana. Ao conhecer e pesquisar a República de Veneza, Giannotti desmitifica a
visão de respeitados pensadores como Guicciardini que construiu sua obra o Dialogo del
Reggimento di Firenze, a qual faz apologia do seu aparato legal e de suas instituições
políticas. A convergência entre Giannotti e Guicciardini só aparece quando os dois autores
negam que os conflitos foram a base do crescimento das instituições romanas, e de maneira
convergente, mostram os aspectos negativos dos conflitos para a República florentina. Tanto
Guicciardini quanto Giannotti, entendiam que o equilíbrio dos poderes deve passar por
projetos constitucionais eficazes. Guicciardini, preocupava-se com os uominni di qualità (I
Grandi) e Giannotti preocupava-se com o popolo, sendo o objetivo final das reflexões de
ambos o equilíbrio constitucional.
Os três autores concentraram seus esforços para compreender a política nos novos
tempos que rompiam com o humanismo tradicional e pensavam o humanismo cívico de
caráter republicano como o caminho necessário para a política florentina.
O Quarto Capítulo aborda as reflexões políticas de Guicciardini acerca da república de
Firenze, o corpo político estudado pelo autor, sempre em comparação com a república de
Veneza (conforme o capítulo três indicara, o “mito veneziano”, pela definição de Giannotti),
considerada na época o modelo de república a ser copiada por sua estabilidade e prosperidade,
conforme era divulgado por toda a Itália. Em sua análise, o autor utiliza diversas categorias
políticas, através de releituras de termos herdados do pensamento clássico em seu projeto
filosófico maior, e que serão empregadas por este autor para análise do fato político e sua
interpretação. Tendo como escopo o modelo de governo republicano e, em uma crítica direta
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à obra de Maquiavel, defende que esta forma de governo deverá ser preservada, sobretudo
pela solidez das suas instituições, demonstrando que a sua manutenção, em seu tempo, ainda é
o melhor caminho para a preservação da liberdade cidadã e a constituição do bem comum.
Porém, depreende-se na dinâmica guicciardiniana uma prática política repleta de manobras,
em que o real prevalece sobre o ideal, criando um conjunto de ações que visa bem administrar
a república e, por que não, a própria dinâmica política. Este capítulo apresenta a dinâmica da
obra deste autor, que percorre desde a república de Firenze até a situação política de toda a
península itálica, demonstrando que Guicciardini, tanto em sua obra como em sua atuação
política, preocupa-se com a preservação da república, como o melhor caminho para a
preservação da liberdade cidadã.
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CAPÍTULO 1 - O HUMANISMO CÍVICO E A REPÚBLICA FLORENTINA
Ao estudar a Firenze dos séculos, XV e XVI é fundante que se pesquise o Humanismo
Cívico, termo cunhado por Hans Baron no final da década de 1920, e divulgado em seu livro
The Crisis of the Early Italian Renaissance, publicado em 1955. Deve-se distinguir o
“Humanismo” do “Humanismo Cívico”. O primeiro refere-se à reformulação dos métodos de
ensino e de seu conteúdo (studia humanitatis), da expressão artística e dos valores que
orientam a ação do homem no mundo; esta nova roupagem da cultura antiga é desenvolvida
no humanismo renascentista como uma forma de classicismo, com a descoberta e
revalorização de textos antigos, buscando uma leitura fiel do texto e das ideias. Neste
contexto, surge o humanismo cívico, que é “um fenômeno muito mais restrito, concernente à
reformulação de um novo ideário político, que tem sua sede, se seguirmos Baron, em
Firenze.”1
O pensamento político italiano, dito renascentista é produto das transformações
políticas dos séculos anteriores. Este movimento de ideias não está ligado a um mundo
acadêmico, mas à prática política exercida pelos chanceleres das principais repúblicas e
Estados Pontifícios, da península itálica. A novidade ideológica se deve ao dinamismo destas
sociedades que se organizavam com expressiva representação, sobretudo, de delegados eleitos
pelas guildas, qual sejam: guildas superiores (Grandi) e guildas menores (Popolo). As guildas
eram compostas por associações de artesãos que se faziam representar nos governos locais
elegendo delegados dentre os seus membros, sempre selecionados dentre aqueles que
tivessem mais de trinta anos.
A matriz republicana a que nos referimos é o Humanismo Cívico do Renascimento
italiano, que trouxe à luz em seu tempo diversas reflexões realizadas pelos pensadores
políticos desde a antiguidade. Sobre esta matriz escreve Bignotto:
Aos humanistas italianos devemos um impulso inicial de constituição de um
pensamento que colocou na pauta das discussões políticas modernas temas
que haviam sido deixados de lado desde a Antiguidade, tais como a
liberdade política, a igualdade, o bem comum e a participação dos cidadãos
nos negócios da cidade.2
1 ADVERSE, Helton. A Matriz Italiana. In: BIGNOTTO, Newton. (Org.). Matrizes do Republicanismo. Belo
Horizonte: UFMG, 2013, p. 113. 2 BIGNOTTO, Newton. “Apresentação”. In: ______. (Org.). Matrizes do Republicanismo. Belo Horizonte:
UFMG, 2013, p. 11.
20
Partindo de pensadores contemporâneos, há críticas contundentes vindas de James
Hankins, que reduz os pensadores florentinos a retóricos profissionais afirmando que o
Humanismo Cívico é uma mera ideologia de classe à serviço da oligarquia florentina, críticas
essas contidas em Civic Humanism and Florentine Politics, de J. M. Najemy e, Renaissance
Civic Humanism, Reappraisals and Reflection, de J. Hankins3.
O entendimento dos autores citados acima se confronta diretamente com a tese de
Baron, que entende que o contexto político do Renascimento não pode e não deve ser
presentificado, ao considerar as facções e as guildas da época, o renascimento se revela em
sua singularidade, portanto, a ótica contemporânea de classes não deve ser usada nesta
temática, sob o risco de criar paradigmas que não existiam na época e criar uma investigação
falaha que desconsidera os elementos do humanismo cívico florentino propriamente ditos, e
que, por conseguinte, não podem ser exatamente mensurados ou comparados com referenciais
sociais contemporâneos. Estes regimes dependiam de forças políticas que estavam se
estruturando, à custa de conflitos internos e alianças frágeis, entre grupos sociais, facções
(guelfos e gibelinos) e guildas. Pode-se verificar que associações de classe já citadas como
guildas tinham conotações de grupos mais poderosos, conforme a correlação de forças da
época, cita-se a “Guilda dos Pedreiros”, chamada Maçonaria, que no contexto florentino era
bem organizada, abrindo extensa participação em vários setores da vida pública renascentista.
Havia associações de artesãos, como pintores e escultores, que detinham prestígio e poder
político sem, todavia, deter grande poder econômico. Quando Hans Baron cria o termo
Humanismo Cívico, sabe-se que foi pioneiro e, de maneira direta, vinculou tal expressão ao
Republicanismo, oriundo da matriz italiana. Portanto: “não é o individualismo o elemento de
continuidade entre o Renascimento e a Modernidade, mas o Republicanismo.”4
O Humanismo Cívico Florentino surgiu em ambiente de transformações e dinamismo,
nesta república que concentrou entrepostos comerciais e casas bancárias. Neste período houve
grande mecenato, que patrocinou as artes e, de maneira próxima à pintura e à escultura, houve
a produção literária com incursões pela história, poesia e filosofia. Como expoente referencial
para a cultura florentina, deve-se destacar obra de Dante Alighieri (Firenze 1265 – Ravena
1321). Com sua obra A Divina Comédia, pode-se avaliar a qualidade literária que haveria de
habitar os círculos humanistas, neste contexto, houve o aparecimento de juristas que eram
empregados pelos governos locais para a administração e burocracia administrativa dessas
3 ADVERSE, Helton. A Matriz Italiana. In: BIGNOTTO, Newton. (Org.). Matrizes do Republicanismo. Belo
Horizonte: UFMG, 2013, p. 113. 4 Ibidem, p. 52-53.
21
repúblicas. Durante os governos da família Médici, principalmente Cosimo (1389-1464) e
Lorenzo (1449-1492), conhecido como “O Magnífico”, Asor Rosa destaca o papel do
mecenato da família Médici, com o termo fiorentinità5. Firenze foi o centro da literatura, da
arte e da ciência, e principalmente do Humanismo. Sob a proteção da República Florentina
viveram inúmeros autores: Pietro, Paolo Vergerio, Poggio Bracciolini, Traversari, Francesco
Filelfo, Pier C. Decembrio, Ermolao Barbaro, Polisiano, Pontano, Giacopo Sannazzado, Leon
Batista Alberti e muitos outros. As bases filosóficas do primeiro Humanismo do
Renascimento foram desenhadas por Petrarca, Coluccio Salutati e Leonardo Bruni, que se
apoiaram nas obras de Cícero, no Quatrocento e Cinquecento houve a tradução, leitura e
interpretação dos clássicos gregos, sobretudo Aristóteles, e, depois, as obras de Platão,
possibilitando o acesso dessas obras em latim e no idioma local.
O ambiente de Firenze em meados do século XV era cosmopolita, e os ricos
comerciantes patrocinavam poetas, pintores, escultores e filósofos, neste ambiente, Leonardo
Bruni de Arezzo pôde concluir a tradução latina da Política de Aristóteles e compor a Politeia
dos florentinos6. Durante o governo de Cosimo de Medici (1429-1464), Bruni escreveu que
Firenze aproximava-se da república equilibrada proposta por Aristóteles7. A República
Florentina alcançou grande vigor cosmopolita literário, artístico e político durante o governo
de Cosimo de Medici, Pocock resume este período florentino com as seguintes palavras:
“Cosimo governa a cidade mas, diferente de uma república, sua pessoa não é imortal e,
portanto, não pode mobilizar em torno dele a virtude e a razão em todo o corpo político”8. O
ideal republicano em Firenze robusteceu-se sob a liderança política de Cosimo de Medici, seu
mecenato e suas virtudes, mas as instituições florentinas não estavam sólidas o suficiente para
superar as sedições internas após sua morte e, muito menos, superar as maquinações das
facções florentinas em suas volúveis alianças na luta pelo poder9. No final do século XV o
“mito republicano florentino” sob os Médici era reconhecido e respeitado, e, paralelamente,
havia o “’mito de Veneza’, uma república aristotélica e polibiana, estável por encontrar-se em
um equilíbrio perfeito.”10
5 ROSA, Alberto Asor. Storia europea della Letteratura Italiana: I Le origini e il Rinascimento. Torino: Piccola
Biblioteca Einaudi, 2009, p. 373. 6 POCOCK, J. G. A. The Machiavellian Moment. Princeton/London: Princeton University Press, 1975, p. 89. 7 Ibidem, p. 90. 8 Cosimo rules the city; but unlike the republic, he is not immortal and so cannot mobilize in his person the
virtue and reason of all the body politic. Ibidem, p. 97. 9 MARTINES, Lauro. Fogo na cidade. Tradução de Rodrigo Peixoto. Rio de Janeiro: Record, 2011, p. 178-179. 10 Myth of Venice as na Aristotelian and later a Polybian polity, perfectly stable because it was a perfect balance.
POCOCK, op. cit., p. 99-100.
22
Segundo Burke em sua obra O Renascimento Italiano, a Itália, nos séculos XV e XVI
era uma das áreas mais urbanizadas da Europa, “cerca de quarenta cidades italianas tinham
população de dez mil habitantes ou mais. Dessas, cerca de dezenove tinham população de 25
mil ou mais.”11 Cabe destacar que no resto do continente “de Lisboa a Moscou, não havia
provavelmente mais do que vinte cidades desse tamanho.”12 Ainda segundo Burke, não se
deve concluir que todo morador da cidade era burguês. Firenze constituía-se de classes
trabalhadoras (Popolo minuto13), como os cardadores de lã (os Ciompi) e outros servidores
braçais, como trabalhadores de tecelagens. Ainda segundo este autor, aqueles que não se
encaixavam na nobreza, no clero e na atividade rural, eram comerciantes, profissionais
liberais, artesãos, burocratas e donos de estabelecimentos. É pouco preciso definir a burguesia
nesse momento de Firenze, porém, esses grupos possuíam dentro de sua ideologia, traços da
individualidade burguesa que se projetava para diante do modelo feudal fechado. Esta
transição mostra a variação de status e de aceitação desses novos estratos sociais e
profissionais que vinham se consolidando, é sem dúvida uma sociedade em transformação,
que sinaliza a modernidade. Estas camadas intermediárias produziram conhecimento e arte,
sem maiores rodeios, tivemos o aparecimento do pensamento humanista com características
cívicas, pois pensava a cidade e os seus habitantes, reconhecendo e criando modelos legais e
instituições políticas que buscavam o equilíbrio jurídico – social.
O projeto humanista de Firenze, foi encabeçado pelo chanceler Petrarca (1304-1374),
que “trouxe a luz do Quatrocento o filósofo Cícero”14 refletiu muito mais do que a visão
comum do resgate dos valores da cultura clássica, visou a formação de um ser humano livre
do ponto de vista político e cultural. “A cultura italiana do 400 ao 500 via, por meio de tantas
oscilações e tantos contrastes, a convergência de uma formação humana plena, realizada
através da Studia Humanitatis, e de uma livre e eficaz expansão no mundo.”15
O estudo dos clássicos gregos e romanos nutriu grupos letrados que traduziam e liam
textos literários, históricos, filosóficos e jurídicos de grandes autores da Antiguidade. A
filosofia e a política de matriz greco-romana inspiraram os humanistas cívicos em suas obras
11 BURKE, Peter. O Renascimento Italiano: Cultura e sociedade na Itália. Tradução de José Rubens Siqueira.
São Paulo: Nova Alexandria, 2010, p. 263. 12 Ibidem, loc. cit. 13 Ibidem, loc. cit. 14 VALVERDE, Antonio José Romera. O problema da liberdade no primeiro livro dos Discorsi de Maquiavel.
Série Relatório de Pesquisa, nº 8. Escola de Administração de Empresas de São Paulo, Núcleo de Pesquisas e
Publicações – Fundação Getúlio Vargas, 1999, p. 3. 15 La cultura italiana dal ‘400 al ‘500 vide, por in mezzo a tante oscillazioni e a tanti contrasti, la convergenza di
uma piena formazione umana, compiuta attraverso gli studia humanitatis, e di una libera a fattiva espansione nel
mondo. GARIN, Eugenio. L’umanesimo italiano. Bari: Laterza, 1988/1964, p. 252.
23
que exigiam respostas para os novos tempos em que os feudos não mais respondiam às
exigências do sistema dito burguês, que procurava caminhos para a sua consolidação e
ampliação no norte da Itália, de tal modo que a organização política de repúblicas como
Veneza e Firenze não prescindiam de construções legais que garantissem direitos como
liberdade e cidadania. Portanto, as construções burguesas dos novos tempos exigiam
concepções políticas que atendessem a modelos institucionais adequados para a construção
política das cidades-estado do norte da Itália.
Durante o governo de Cosimo, Marsílio Ficino (1433-1499), fundou a Academia
Platônica (1462), contribuindo com a tradução das obras conhecidas de Platão, concluindo
este trabalho em 1469 e imprimindo-o em 1484. Na sua formação inicial se observa a
presença das influências aristotélicas e epicuristas, próprias da época, e perceptíveis em suas
primeiras obras. Ao estudar Platão, efetuou uma curiosa conversão teórica para o pensamento
platônico, cuja filosofia considerava muito mais próxima do cristianismo, consubstanciada na
crença da imortalidade da alma, ao contrário do materialismo expresso no pensamento de
Aristóteles e Epicuro. Ficino compreendia o platonismo como uma filosofia que se encaixava
completamente em sua visão de cristianismo, associando conceitos da escritura, como o Amor
na carta de Pedro, com conceitos platônicos, neste caso, o Amor da beleza absoluta, que é
Deus, a beleza e o bem absolutos. Ficino, assume o dualismo de Platão que ao definir o ser
humano a partir de sua alma, ou, o ser humano é a sua alma. Em 1473, Ficino foi ordenado
sacerdote e desfrutou de grande prestígio, alcançando o prestigioso título de cônego da
catedral de Firenze. Ao redigir a Theologia Platonica, Ficino escreveu extenso trabalho
fundamentado na filosofia deste pensador, construiu uma Filosofia Aristotélico-Platônica
adequada ao cristianismo, que marcou a formação acadêmica da época, sendo extremamente
benvinda pelos católicos romanos. Citando Kristeller: “A alma é o maior de todos os milagres
da natureza, porque combina todas as coisas, é o centro de todas as coisas, e possui as forças
de tudo. Por isso se pode chamar com razão de centro da natureza, o meio termo de todas as
coisas, o laço e a conjuntura do universo.”16
Giovanni Pico della Mirandola (1463-1494) conheceu Ficino e estudou avidamente
suas obras, defendendo a convergência entre as teologias cristã, judaica e muçulmana. Teve
estreita proximidade com os Médici, com a Academia Platônica (de Ficino) e com
Savonarola. Uma de suas obras Oratio de hominis dignitate (oração ou discurso sobre a
dignidade do homem), chamada por muitos de “o manifesto do renascimento italiano”,
16 KRISTELLER, P. O. The Philosophy of Marsilio Ficino, apud, SANTIDRIÁN, Pedro R. Humanismo y
Renacimiento. Madrid: Historia Alianza Editorial, 2007, p. 61.
24
continha um extenso trabalho de harmonização entre o pensamento de Platão e Aristóteles.
Esta obra é o melhor que Pico nos deixou, em suma, “o homem como centro de sua reflexão”.
Seu ponto de partida é a superioridade e a singularidade do homem sobre as demais criaturas.
Em uma das teses contidas na Oratio, Mirandola afirmava que o homem tem um só
condicionamento: a liberdade. A condição humana consiste em ser alguém e não algo, em que
o homem possa ocupar quaisquer posições na hierarquia universal segundo sua livre opção17.
Em seu manifesto detalhado na Oratio, verifica-se a síntese do que viria a ser o
Renascimento segundo Pico. Na busca de referenciais da antiguidade, há o aparecimento de
temas como “A ciência moral”, cuja finalidade é o domínio das paixões; “A Filosofia
Natural”, que levará o homem a um novo estágio da natureza; e, por fim, a “Teologia”, que o
aproximará de Deus. Pico busca conciliar diferentes manifestações do pensamento humano,
desenvolvendo um complexo modelo que reúne reflexões vindas do pitagorismo, do
platonismo, do cristianismo, do islamismo, da cabala e da magia, conforme podemos ler em
Santidrián:
A paz é uma paz religiosa conduzida somente pela Teologia, uma paz anunciada
pelos pitagóricos e agora contida na mensagem cristã. Mas ainda esta paz se acha em
todas as manifestações do pensamento: desde os pitagóricos à Platão e Aristóteles,
desde os neoplatônicos aos escolásticos, desde os averroístas até a cabala e a magia.
Se impõe, pois, “o retorno ao princípio: o retorno Deus e a si mesmo”.18
Os humanistas buscavam o ideal da elegância literária e consideravam as obras dos
autores gregos e romanos como um meio excelente para conseguir um estilo perfeito em prosa
e verso, além da preocupação estética, o conteúdo destas obras, formou gerações que a partir
da consciência intelectual e investigação do passado não esqueceu as exigências do presente.
Segundo J. R. Hale, o humanismo florentino se distinguiu por seu:
Caráter laico, urbano e civil. É obra de cidadãos e funcionários da república. Esse
humanismo desenvolve a recuperação da antiguidade em estreita relação com o
mundo da cidade, e com os valores e opções políticas da aristocracia econômica que
governa a cidade. Seus interesses, além dos literários, filológicos e éticos, se
estendem à história, à política e à economia. Seu ideal – marca uma concepção
otimista do homem – é o cidadão capaz de juntar a vida ativa (economia política) e a
vida contemplativa (o estudo), expressão do homem integral cujo modelo encontra
Bruni em Cícero.19
17 GALLARDO, Luis Fernández. El humanismo renacentista: de Petrarca a Erasmo. Madrid: Arco Libros, 2000,
p. 40. 18 SANTIDRIÁN, Pedro R. Humanismo y Renacimiento. Madrid: Historia Alianza Editorial, 2007, p. 129. 19 HALE, J. R. Enciclopedia Del Renacimiento italiano, apud, SANTIDRIÁN, op. cit., p. 18.
25
Neste período, houve uma revolução técnica, a partir de 1455, com o advento da
impressão tipográfica, alargaram-se as possibilidades de impressão de livros, o que era feito,
até então, com monges copistas e, poucos anos antes, com livreiros e seus copistas
remunerados, passa-se a imprimir livros, aumentando a oferta, embora ainda fosse um artigo
de luxo para a época20.
O Renascimento florentino teve cores próprias e singulares, retratado com propriedade
por Bignotto: “A crise dos valores clássicos, a oscilação do poder entre os Médici, a
aristocracia, os defensores da república popular e a invasão da Itália criaram condições para
uma renovação do pensamento político.”21
Autores como Pocock22 e Gilbert23 tratam com destaque o período de transição entre
Savonarola e Piero Soderini, após a fuga dos Médici, em 1494. Com o fim do governo da
família Medici, em 1494, Firenze foi governada por Savonarola, frei dominicano que criou
um modelo republicano estruturado em três instituições: o Consiglio Grande, a Signoria e o
Gonfaloneiro24, inspirado no modelo político veneziano, tal regime passou a ser chamado de
“Governo Largo”, comparação feita com Veneza, que tinha um “Governo Stretto”, em que os
assentos do conselho eram reservados para um determinado número de famílias venezianas.
Na Firenze de 1494, os Ottimati desconfiavam do Conselho Grande, sobretudo alegando que
era composto pelo Popolo, e não acreditavam no trabalho executivo da Signoria, alegando
que os mandatos de curta duração (seis meses) eram insuficientes para um bom trabalho
executivo, além deste conselho ser escolhido por um misto de sorteio e eleição, sem dúvida
nenhuma os Ottimati entendiam que apenas eles deveriam ocupar os assentos da Signoria. As
famílias tradicionais representadas pelos Ottimati haviam sustentado e apoiado o governo dos
Médici entre 1434 e 1494, portanto entendiam que o modelo veneziano não estava sendo bem
aplicado na Firenze da época. Em realidade, os Ottimati não apoiaram Piero de Médici para o
governo de Firenze pois o consideravam inapto para o exercício do poder, portanto, não
houve rompimento com a família Medici, mas sim uma interrupção conjuntural. Entre 1494 e
1498, o frei dominicano Girolamo de Savonarola foi o líder máximo da República Florentina,
apoiado por vários Ottimati, que entenderam que o seu governo era a melhor alternativa para
o momento político que Firenze atravessava. O governo de Savonarola (1494-1498) foi muito
20 HALE, J. R. Enciclopedia Del Renacimiento italiano, apud, SANTIDRIÁN, op. cit., p. 372. 21 BIGNOTTO, Newton. Republicanismo e realismo: um perfil de Francesco Guiccidiarni. Belo Horizonte:
UFMG, 2006, p. 100. 22 POCOCK, op. cit., 117-120. 23 GILBERT, Felix. Machiavelli e Guiccciardini. Traduzione di Franco Salvatorelli. Torino: Piccola Biblioteca
Einaudi, 1970, p. 68-73. 24 Ibidem, p. 103.
26
bem organizado institucionalmente, mas seu discurso milenarista e messiânico abalou a
estabilidade republicana e encurtou sua vida de maneira trágica, com sua execução em 1498.
O período que se sucedeu (1498-1502) foi marcado pela negociação entre as forças políticas,
que construíram alianças, visando viabilizar um governo, que se constituiu republicano e
popular, liderado por Piero Soderini, que ficou no poder até 1512. Cabe lembrar que, a partir
de 1502, Soderini foi empossado como gonfaloneiro vitalício e que todas as instituições
savonarolianas permaneceram ativas em seu governo.
O centro dos debates políticos de Firenze era a casa de Bernardo Rucellai que, além de
ter excelente acesso às forças políticas florentinas, tinha grande trânsito entre as famílias mais
influentes, pois sua esposa era irmã de Lorenzo de Medici25, o que o tornava poderoso no
cenário florentino. Este mecenas recebia em sua casa desde jovens poetas até políticos
influentes, estimulava debates sobre política e filosofia, este espaço era chamado de “Orti
Oricellari”, seu auge ocorreu entre 1500 e 1502, abrindo original espaço de discussão e
reunião para a época. Segundo Pocock26, havia três eixos de discussão: o culto à memória de
Lorenzo de Medici (o Magnífico), como o líder que havia governado Firenze entre as famílias
aristocráticas; a valorização de Veneza, buscando instituir um “Governo Stretto” para
Firenze; e a investigação sistemática da história romana, visando encontrar as lições corretas
para ordenar o governo e os assuntos do presente.
Segundo Gilbert27, os debates do Orti Oricellari deram origem ao pensamento político
moderno, as reformas de Firenze haviam se fundamentado no retorno de modelos de ordem
existentes em um passado remoto e mítico da cidade, mas o grupo que se reunia na casa de
Rucellai argumentava que havia a necessidade de se conhecer preceitos confiáveis, buscando
a construção de teorias que discutissem a república florentina. As bases eminentemente
retóricas e nostálgicas adotadas no Quatrocento, caíram por terra, obrigando os pensadores
deste grupo a adotar novas técnicas de argumentação e a inovar na investigação da história
para encontrar diferentes princípios de governo. A crítica de Rucellai e seus amigos
aristocratas à Constituição Florentina de 1494 intensificou tanto o estudo comparativo das
instituições florentinas, venezianas e romanas, como a reelaboração das categorias
aristotélicas de cidadania e uma tentativa de determinar os componentes da sociedade política,
delimitando funções e virtudes apropriadas a cada uma.
25 MARTINES, Lauro. Fogo na cidade. Tradução de Rodrigo Peixoto. Rio de Janeiro: Record, 2011, p. 52. 26 POCOCK, op. cit., p. 120. 27 GILBERT, op. cit., p. 213.
27
O significado da ascensão burguesa para o homem do final do Quatrocento e início do
Cinquecento, incluiu o novo, espalhando-se por toda a Europa. As mudanças no cenário
religioso intensificaram-se com a Reforma Protestante (1517) e com a Contrarreforma
Católica (1545), Guicciardini, em seus Ricordi e na Storia d’Italia analisou as teses de Lutero
e discorreu sobre seus desdobramentos políticos para a Igreja Católica no continente europeu.
As boas novas atingiram os governos mistos de cidades como Veneza e Firenze, nas quais
floresciam instituições políticas singulares, que incluíam conselhos de representantes e
mecanismos eleitorais definidos por constituições próprias. Estas experiências republicanas
marcaram diretamente a Europa pós-Cinquecento e influenciaram significativamente o mundo
ocidental, portanto deve-se reconhecer a importância da herança política dos humanistas
cívicos florentinos, que a partir da matriz italiana republicana influenciaram as ideias políticas
que transformaram as instituições políticas modernas e contemporâneas. O Estado moderno
adotou constituições que têm como tripé o interesse estatal, a preservação do bem comum e a
participação cidadã, pode-se identificar tais mudanças políticas nas monarquias parlamentares
e repúblicas ocidentais que floresceram nos séculos posteriores ao século XVI. No início
deste século, surgiram três pensadores: Nicolau Maquiavel (1469-1527), Francesco
Guicciardini (1483-1540) e Donato Giannotti (1492-1573), todos desempenharam funções no
governo de Firenze e escreveram obras de cunho político na boa tradição do humanismo
cívico florentino. O republicanismo é a grande contribuição deste peculiar humanismo
florentino para o Estado moderno ocidental, embora não tenha havido a correlação de forças
necessária para tal implantação na península itálica, esta herança muito influenciou os estados
da Europa do Norte e as novas nações do Novo Mundo. Em Firenze, após 1540, a República
não resistiu e sucumbiu aos “novos tempos”, pois seus capitalistas deixaram de investir no
comércio e bancos, passando a investir em terras, como pode ser lido no texto de Peter Burke:
E no entanto essa tendência foi deslocada até certo ponto por outra, que os
historiadores descrevem como “refeudalização” (no sentido marxista, amplo, do
termo “feudal”) ou, como faz Braudel, como a “bancarrota da burguesia”. Alguns
ricos comerciantes (infelizmente é impossível dizer quantos em uma determinada
década) mudaram seus investimentos do comércio para a terra. Essa tendência é
mais notável nas duas cidades de que mais nos ocupamos neste estudo, Firenze e
Veneza, onde os patrícios, colocados durante muito tempo entre a burguesia e a
nobreza, optaram por mudar seu modo de vida pelo último. Em Firenze, o
movimento foi gradual, quase imperceptível em qualquer geração, embora óbvio o
bastante se compararmos o patriciado de 1600 com o seu equivalente de 1400, ou do
mais bem documentado ano de 1427. Em Veneza, o movimento foi mais súbito. Foi
depois do ano de 1570, ou por volta disso, que os patrícios começaram a mudar seus
28
investimentos do comércio para as propriedades do continente, da vizinha Pádua
para a distante Friuli.28
1.1 - Origem e formação de Francesco Guicciardini
Francesco Tommaso Guicciardini nasceu em Firenze, em seis de março de 1483.
Terceiro filho entre 13 irmãos e irmãs29, em uma rica família da aristocracia local, dona de
propriedades na Toscana e empórios comerciais em Antuérpia, Lion, Londres e Nápoles,
comercializando produtos vindos da Ásia, muito populares no Renascimento e que
promoveram em parte a riqueza italiana da época.
Seu avô paterno, Jacopo era amigo íntimo de Lorenzo, o Magnífico, seu pai era Piero
Guicciardini di Jacopo (1454-1513), “que também era homem reservado, atraído mais pelos
estudos que pelas honras públicas”30 e sua mãe Simona Buongianni Gianfigliazzi. Foi
batizado por Marsilio Ficino, primeiro filósofo neoplatônico da época, pois o apadrinhamento
batismal, era uma prática que embora fosse religiosa, era uma conduta de profundo cunho
social, que entrelaçava as famílias influentes da sociedade, em geral fora do círculo íntimo
familiar, gerando laços de compadrio. Após o casamento de Guicciardini, lê-se na obra
Ricordanze, uma série de batizados no qual o diplomata apadrinhou crianças de famílias
influentes.
A tradição de sua família era antiga e gloriosa, “Guicciardini foi o gonfaloneiro de
justiça em 1302, apenas dez anos depois da instituição desta suprema dignidade.”31 Seus
antepassados participaram da política florentina ininterruptamente desde o século XIV
ocupando cargos como gonfaloneiros de justiça, senadores e clérigos de destaque.
“Consolidando, geração após geração, uma considerável fortuna econômica.”32 Ao escrever o
livro Memorie di Famiglia, Guicciardini registra com orgulho os nomes de seus antepassados,
com seus respectivos cargos na republica florentina, demonstrando que a sua família sempre
esteve ligada à política florentina, de maneira precisa, ocupando altos cargos nos últimos
trezentos anos de Firenze.
28 BURKE, op. cit., p. 285-286. 29 QUATELA, Antonio. Invito alla lettura di Guicciardini. Milano: Grupo Ugo Mursia Editore, 1991, p. 190. 30 Che pure fu uomo schivo, attrato più dagli studi che dagli onori pubblici. VAROTTI, Carlo. Francesco
Guicciardini. Napoli: Liguori Editore, 2009, p. 5. 31 I Guicciardini ebbero il gonfalonierato di giustizia nel 1302, appena dieci anni dopo la istituzione di questa
suprema dignitá. RIDOLFI, Roberto. Vita di Francesco Guicciardini. Roma: Angelo Belardetti Editore, 1959, p.
5. 32 Consolidando generazione dopo generazione, uma discreta fortuna economica. QUATELA, op. cit., p. 20.
29
Estudou humanidades, latim, toscano, grego e ábaco, sob a direção de um dos
preceptores da família, messer Giovanni della Castellina. Segundo Roberto Ridolfi “Aprendeu
latim dos seis aos doze anos de idade, sem ter que sair de casa, sob a orientação do messer
Giovanni della Castellina.”33 Em sua adolescência recebeu o apelido de Alcebíades34, devido
a sua índole “inquieta e ambiciosa.”35
Piero Guicciardini, seu pai, foi nomeado por Piero de’ Medici embaixador em Milão,
“voltando a Firenze no ano seguinte, em setembro de 1492, tinha ótimas relações com Piero
de Medici, tendo sido nomeado embaixador em Milão, legação esta de grande importância
devido as condições do difícil momento.”36 Ao retornar a Firenze foi nomeado um dos
magistrados do Dieci di Balia, já sob o governo do frade dominicano Girolamo Savonarola.
Em 1498, Francesco Guicciardini iniciou seus estudos jurídicos precocemente, sempre
orientado por seu pai, primeiro com os ilustres professores Iacopo Modesti Ormannozzo e
Francesco Pepi37 e, depois, com os também ilustres Giovan Vettorio Soderini e Filippo
Decio38. Em março de 1501 foi para Ferrara estudar Direito Canônico, transferindo-se em
novembro do ano seguinte para Padova, pois segundo o jovem Francesco, os estudos em
Ferrara não eram de boa qualidade. Segundo Quatela, esta decisão já “indicava a seriedade,
competência e rigor profissional”39 do jovem advogado.
Em 1504, resolveu entrar na carreira eclesiástica trilhando o caminho de seu tio, o
cardeal Rinieri Guicciardini, mas seu pai o demoveu da ideia com grande energia, usando as
seguintes palavras de Savonarola: “Não faça do seu filho um padre!; e, em seguida: Ó clérigo,
clérigo, ... digo-vos que chegará o tempo, e logo, que se dirá: Bendita a casa que não tenha
clérigo”40. Nesta passagem o pai de Guicciardini mostra claramente seu alinhamento com as
ideias de Savonarola, e o próprio diplomata acreditava que o clero católico estava corrompido
33 Imparò il latino daí sei ai dodici anni, senza avere a uscir di casa, sotto la guida di um Ser Giovanni della
Castellina. RIDOLFI, op. cit., p. 10. 34 Ibidem, p. 11. 35 inquieta e ambiziosa. Ibidem, p. 6. 36 ltornato l'anno seguente, che fu el settembre 1492, a Firenze, ed essendo in ottime condizioni con Piero de'
Medici, fu mandato imbasciadore a Milano, legazione che era ordinariamente di momento assai per le
condizioni” GUICCIARDINI, Francesco. Memorie di Famiglia, p. 26. Disponível em:
<http://www.liberliber.it/mediateca/libri/g/guicciardini/memorie_di_famiglia/pdf/memori_p.pdf >. Acesso em:
30 dez. 2016. 37 GUICCIARDINI, Francesco. “Ricordanze”. In: Opere. La Letteratura Italiana: Storia e Testi. v. 30. A cura di
Vittorio de Caprariis. Milano; Napoli: Riccardo Ricciardi Editore, s/d., p. 5. 38 Ibidem, p. 6. 39 Se estesso, serietà, competenza e rigore professionale. QUATELA, op. cit., p. 21. 40 Non fare il tuo figliuolo prete!”; e poi: “O cherica, cherica, ... io ti dico che verrà tempo, e presto, che si dirá:
beata quella casa che non há cherica rasa” “terza predica Sopra i Salmi” e “undecima Sopra Amos.
SAVONAROLA, Girolamo. “terza predica Sopra i Salmi” e “undecima Sopra Amos”, apud, RIDOLFI, op. cit.,
p. 15.
30
por interesses particulares, sua crítica é clara nos Ricordi41, quando o mesmo entende que a
Reforma Luterana foi necessária e benéfica para a época.
Em 30 de outubro de 1505 retornou a Firenze e, em 15 de novembro doutorou-se em
Direito Civil no capítulo de São Lorenzo no colégio do Estúdio Pisano, contrariando o
costume da época de se doutorar in utroque, isto é, em duas áreas: direito civil e canônico. Tal
motivação, segundo o próprio autor, teria sido “para deixar de pagar doze ducados e meio”42,
embora tal informação entre em contradição com a fornecida pelo próprio autor em
Ricordanze, quando este se apresenta como “Doutor em Direito Civil e Canônico”43. Iniciou
sua carreira como advogado atendendo famílias de grande prestígio de Firenze, “apesar da sua
tenra idade, contava com uma boa reputação profissional.”44 Entende-se que as relações
familiares e de compadrio faziam parte do entendimento de sociedade presente na construção
dos laços de poder entre os florentinos da época, conforme podemos ler no Ricordi 87:
Podes obter muito mais benefícios dos parentes e dos amigos dos quais nem tu nem
eles percebem, que os que conhecidamente procedem deles: porque raras vezes
acontecem coisas em que deves servir-te da ajuda deles, em comparação dos
benefícios que quotidianamente podes obter se contares com o auxílio deles.45
Neste período termina o seu primeiro livro, Storie Fiorentine, escrito entre 1508 e
1509. Nesta obra narra a história de Firenze entre 1378 e 1509, terminando este livro antes
dos seus vinte e seis anos de idade, analisou as causas dos fatos, pesquisando em documentos
familiares e ouvindo depoimentos de contemporâneos. Destaca o tumulto dos Ciompi46,
quando o popolo foi manipulado pelos Otto della Guerra, critica tal manipulação e se coloca
contra insurreições populares. Ao narrar as mudanças ocorridas em Firenze após as invasões
francesas, pormenoriza o apogeu e queda dos governos da família Medici, sempre analisando
as causas e as consequências dos atos políticos. Convém lembrar que enaltece neste livro um
período próspero, no qual os Ottimati governaram, entre 1393 e 1420, exaltando a figura de
41 GUICCIARDINI, Francesco. Opere. La Letteratura Italiana: Storia e Testi. v. 30. A cura di Vittorio de
Caprariis. Milano; Napoli: Riccardo Ricciardi Editore, s/d., § 28. 42 per fuggire spesa di dodici ducati e mezzo. GUICCIARDINI, Francesco, apud, RIDOLFI, op. cit., p. 16. 43Dottore di legge civile e canoniche GUICCIARDINI, Francesco. Ricordanze. In: Opere. La Letteratura
Italiana: Storia e Testi. v. 30. A cura di Vittorio de Caprariis. Milano; Napoli: Riccardo Ricciardi Editore, s/d., p.
5. 44Malgrado la giovane etá, uma certa reputazione professionale. QUATELA, op. cit., p. 23. 45 Molti piú sono e' benefici che tu cavi da' parenti e dagli amici, de' quali né tu né loro si accorgono, che quelli
che si cognosce procedere da loro; perché rade volte accaggiono cose nelle quali t'abbia a servire dello aiuto loro,
a comparazione di quelle che quotidianamente ti arreca el credersi che tu possa valerti a tua posta di loro.
GUICCIARDINI, Francesco. Ricordi, p. 37, § 87. 46 Cardadores de lã.
31
Maso degli Albizzi, que segundo Guicciardini, personificou o governo dos homens sábios e
de bem (“uomini da bene e savi”).
Critica duramente a prática política dos Medici em exilar seus oponentes políticos para
facilitar a governabilidade sem oposição. Pode-se exemplificar o que ocorreu com os
envolvidos na Conspiração Pazzi de 1478, que envolveu a família rival dos Medici, os Pazzi,
que disputavam o espaço político na cidade. Giuliano e Lorenzo de Medici estavam na igreja
e um dos amigos Pazzi enfiou uma faca no peito de Giuliano que caiu morto e Lorenzo,
levemente ferido, se defendeu com o auxílio de amigos. Enquanto tudo isso ocorria, o
arcebispo de Pisa, Francesco Salviati, que apoiava a conspiração dos Pazzi, tentou tomar
Firenze com seus homens. O arcebispo e dois conspiradores foram enforcados e pendurados
de cabeça para baixo na janela do Palazzo. Segundo Guicciardini47, nesta noite foram
executadas e penduradas, aproximadamente, cinquenta pessoas. Conta-se que um dos últimos
assassinos (Bernardo Mandini) estava no Oriente e, após ser expulso de Constantinopla (por
influência dos Medici), foi capturado e levado para Firenze, onde foi enforcado e colocado de
cabeça para baixo com a roupa de turco, balançando no Palácio do Capitão, vizinho ao
Palazzo.
Na sua obra Storie Fiorentine48, Guicciardini detalhou as mudanças institucionais
propostas por Savonarola e as lutas internas pelo poder, tanto pelos aliados do frade quanto
por seus inimigos. A originalidade do autor reside no fato de que descreve as forças e os
nomes de todos os envolvidos nas tramas políticas e nas tensões existentes, inclusive no
período savonaroliano. Ao narrar o discurso apocalíptico de Savonarola, que comparava
Firenze a Jerusalém, Guicciardini não executa nenhum juízo de valor, detalha a trama em
torno da queda do dominicano e as forças que se organizaram para prendê-lo, julgá-lo e
executá-lo. Nesta obra a particularização caso a caso49, demonstra o método do autor que, ao
buscar a objetividade, distancia-se dos procedimentos retóricos dos humanistas e também de
sua veia partidária Ottimati. A maneira como ele trata Savonarola e seu governo florentino,
nesta obra, são muito mais importantes do que a exposição da posição política do próprio
Guicciardini. Ao escrever sobre o governo de Savonarola, Guicciardini descreveu, no capítulo
XII, as reformas efetuadas pelo religioso na constituição de Firenze, ao narrar esta passagem,
o diplomata florentino destacou que Savonarola negociou ampla aliança com as forças
políticas florentinas. O religioso chamou os “gonfaloneiros, os Doze, os Vinte, os Dez e os
47 GUICCIARDINI, Francesco. Storie Fiorentine, p. 188. 48 Ibidem, p. 129-165. 49 FOURNEL, Jean-Louis; ZANCARINI, Jean-Claude. La politique de l’expérience: Savonarole, Guicciardini et
le républicanisme florentin. Torino: Edizione dell’Orso, 2002, p. 191-192.
32
Oito”50, estes homens representavam as instituições florentinas que operavam a máquina
governamental de Firenze. Foram recebidos por Savonarola que solicitou que cada grupo
redigisse um projeto de Constituição para Firenze51, em sua obra Storie Fiorentine,
Guicciardini detalhou a participação dos grupos envolvidos, escreveu sobre a autoridade de
Savonarola e a escolha do projeto constitucional elaborado pelo “Gabinete de Guerra dos
Dez”. Savonarola respeitou todos os ritos legais para a aprovação da nova Constituição, e a
partir deste texto legal, passou a governar Firenze com instituições recém aprovadas como o
Consiglio Grande e a Signoria. Com a nova Constituição aprovada, Savonarola expediu um
decreto “cancelando todas as obrigações dos cidadãos originadas antes da expulsão de Piero,
para que se promova a paz e a concórdia entre os cidadãos.”52 Observa-se nesta passagem que
Savonarola usou as ferramentais legais para governar, assegurando garantias constitucionais
para que todos aqueles que voltassem a morar em Firenze pudessem contar com a segurança e
a garantia do Estado, por intermédio de instituições como a Signoria e as Magistraturas da
cidade. Guicciardini afirma que tudo o que foi reformado por Savonarola parecia que tinha
um toque sobrenatural; o autor foi criterioso e rigoroso do ponto de vista histórico, narrando
de maneira objetiva a dinâmica política que envolveu Savonarola e o arcabouço jurídico-
institucional construído pelo frade dominicano. Guicciardini não se envolveu e não se deixou
levar pelas posições propriamente ligadas às simpatias ocasionais de seu grupo social ou de
sua família, não hesitando em criticar os Medici e denunciar os equívocos políticos de seus
governos. A objetividade e o realismo sobre a situação política de Firenze em 1494, foram
definidos da seguinte maneira por Guicciardini na obra Storie Fiorentine:
Em Firenze a situação estava muito inquieta e desorganizada, e o governo de Piero
(Medici) muito debilitado; o povo, vendo que havia sido deixado de lado em uma
guerra feroz e impossível de deter, sem nenhuma obrigação ou necessidade, e
ademais, para ajudar os aragoneses, que todos odiavam, e contra os franceses, que
eram muito queridos na cidade, se criticava publicamente a Piero, sobretudo porque
50 Segundo MARTINES, Lauro. Fogo na cidade. Tradução de Rodrigo Peixoto. Rio de Janeiro: Record, 2011, p.
17:
Gonfaloneiros. Conselheiros da Signoria, eles falavam pelos 16 distritos (gonfaloni) da cidade.
Doze. Os Doze bons homens. Conselheiros da Signoria, representavam as quatro divisões administrativas da
cidade, três homens para cada uma das divisões.
Os Dez. O gabinete de Guerra dos Dez. Controlavam os assuntos militares e referentes a guerra, incluindo as
relações externas em tempos de guerra ou ameaça.
Os Oito. Conselho de política, que trabalhava com espiões e assuntos secretos. 51 GUICCIARDINI, F. Storie Fiorentine. Opere. La Letteratura Italiana: Storia e Testi. A cura di Emanuella
Lugnani Scarano. Milano; Napoli: Riccardo Ricciardi Editore, s/d., p. 136. 52 Ebbono queste provisione da molti uomini di autorità repugnanzia grande, e finalmente, doppo contradichione
di piú dí, si messono a partito in consiglio e largamente si ottennono, parendo che ogni cosa introdotta da lui
avessi maggiore forza che umana. Ibidem, p 137.
33
se sabia que se tratava de uma decisão pessoal contra a vontade dos principais
membros do governo.53
Nesta citação, pode-se conhecer a situação política de Firenze, seu governante e os
sentimentos dos florentinos em relação às forças políticas estrangeiras, Guicciardini construiu
uma narrativa particularizada, tornando possível entender as causas e os efeitos da práxis
política em Firenze.
Segundo Caprariis, Storie Fiorentine foi “O mais apaixonado livro de crítica política
que Guicciardini escreveu.”54 Pode-se inferir com pouca dúvida que o jovem advogado além
do conhecimento acumulado, pesquisou em fontes primárias extenso material documental
para escrever esta obra. Pode-se dizer que Guicciardini alimentava ambição política, no
sentido mais lato da palavra, e que esta obra já denotava grande preocupação com a política
de sua época. Em 1508, Guicciardini escreveu uma breve biografia familiar, com o título
“Memorie di famiglia”, sendo recorrente no Quatrocento as pessoas da aristocracia
escreverem breves biografias familiares55. Segundo Fido, Guicciardini escreveu Ricordanze,
esta obra caracteriza-se por um estilo íntimo pois fala de sua vida pessoal e de sua carreira
como advogado. Escreveu sobre o sogro Alamano Salviati, demonstrando carinho e
admiração pelo homem político, líder dos Ottimati, descreveu inclusive as condições de seu
casamento com a filha de Salviati e as causas da oposição de seu pai a esta união, a
preocupação paterna era justificada pela posição política de Salviatti, que fazia oposição a
Soderini, o gonfaloneiro vitalício de Firenze. Deste modo, Piero Guicciardini, achava muito
arriscado para um jovem com um futuro promissor aliar-se a uma força política de oposição,
os “Ottimati”, grupo este liderado por Alamanno Salviatti.
Ao casar-se com Maria Salviatti em 1508, a quarta filha de Alamanno di Averardo
Salviatti, a família Guicciardini recebeu como dote algo próximo a 2100 florins largos,
considerada uma grande soma em dinheiro para a época. O pai de Guicciardini, acreditava
que esta quantia não era tão expressiva quanto o valor de seu filho. Seu casamento foi
concluído em quatro de janeiro de 1507, mas só foi publicado em vinte e dois de maio de
1508, sendo celebrado apenas em dois de novembro do mesmo ano, segundo Ridolfi:
53A Firenze erano le cose condizionate e disposte male, e lo stato di Piero molto indebolito; ed el popolo
vedendosi tirata adosso una guerra potentissima e da non potere reggere, sanza bisogno e necessità alcuna, anzi
per favorire e' ragonesi che erano universalmente in odio, contro a' franzesi amati assaí nella città, sparlava
publicamente di Piero, massime sapendo essere state deliberazione sua contro la volontà de' primi cittadini dello
stato. GUICCIARDINI, F. Storie Fiorentine. Opere. La Letteratura Italiana: Storia e Testi. A cura di Emanuella
Lugnani Scarano. Milano; Napoli: Riccardo Ricciardi Editore, s/d., p. 119. 54 Il piu apassionato livro di critica política che Il Guicciardini abbia scritto. FIDO, Franco. Machiavelli,
Guicciardini e storici minori del primo Cinquecento. Padova: Piccin Nuova Libraria, 1994, p. 52. 55 Ibidem, p. 52.
34
“secretamente para fugir dos rumores.”56 Ao se casar com uma Salviatti, o jovem advogado
fez uma opção, “havia feito uma escolha para o lado dos homens de menor número, de
maiores condições e de maior grau. Também este matrimônio, como esta escolha, será para
ele indissolúvel.”57 Deste modo, Guicciardini selou seu futuro político com os Ottimati,
segundo Ridolfi pode-se deduzir que o jovem advogado planejou com certo esmero e cálculo
sua ligação familiar com a família Salviatti. Ao completar trinta anos, Guicciardini poderia
alcançar cargos políticos importantes segundo as leis de Firenze, “Esperava, como foi dito seu
tempo, e não era uma metáfora: esperava cumprir trinta anos de idade pois, a partir desta
idade estaria habilitado para ocupar cargos da república e em suas legações”58. Guicciardini e
sua esposa tiveram 8 filhas, conhece-se apenas os nomes de sete delas, sua primeira filha
Simona Romola nasceu em 28 de dezembro de 1509 e morreu em janeiro de 1512, a segunda
filha Simona Margherita nasceu em 14 de abril de 1512, a terceira filha Lucrezia Santa
Romola nasceu em 30 de outubro de 1514. Em 15 de janeiro de 1517 nasceram suas duas
outras filhas gêmeas, Laudomina Romola e Lisabetta Romola, esta última morreu poucos dias
depois de seu nascimento; em 28 de abril de 1520 nasceram mais duas filhas gêmeas:
Lisabetta Margherita e Maddalena Piera, que morreu pouco depois. Guicciardini casou suas
filhas com pessoas da alta elite florentina, seguindo uma tradição da época e de suas alianças
sociais; Simona Margherita se casou em 1528 com Piero Capponi, primogênito do
gonfaloneiro de justiça de Firenze; Laudomina Romola, se casou em 1533 com Pandolfo
Pucci, filho de Roberto Pucci; e Lisabetta Margherita se casou em 1539 com outro aristocrata
florentino, o jovem Alessandro Capponi. Como não teve filhos homens, foi interrompida a
linhagem masculina de progênie. Conforme Emanuele Cutinelli-Rèndina “pode-se entender
que o fim de sua descendência masculina criou um tipo de mutilação que talvez tenha
refletido em sua psiquê e, de certo modo, em seus escritos.”59
Guicciardini nunca se esqueceu do sogro e eterno padrinho político, sendo possível
compreender sua afeição e gratidão por Salviatti, quando este morreu em 24 de março de
1510:
Há muitos anos não morria um cidadão que causasse tanta comoção pública, e
merecidamente, pois, nele, duas coisas eram verdadeiras: uma é que, em Firenze
56 Segretamente per fuggire baie e rumori. RIDOLFI, op. cit., p. 30. 57 Aveva scelto la parte degli uomini di minor numero, di maggiore condizione, di maggior senno. Anche questo
matrimonio, come l’altro, sara per lui indissolubile. Ibidem, p. 31. 58 Ibidem, p. 31-32. 59 Fino a quella discendenza maschile che non ebbe e che rimase come uma sorta di mutilazione forse mai
davvero lenita nella sua psiche e, in certo modo, in uma parte dei suoi scritti. CUTINELLI-RÈNDINA,
Emanuele. Guicciardini. Roma: Salerno Editrice, 2009, p. 15.
35
talvez existissem homens que o superassem em algumas de suas qualidades, mas
no conjunto de suas virtudes, não havia cidadão que se equiparasse a ele.60
Em tempo, os diversos cargos para os quais Guicciardini foi nomeado durante a sua
vida deveram-se, além de sua tradição familiar, também ao apoio dos seus pares Ottimati.
1.2 - O olhar de Guicciardini e suas influências
A visão humanista frente aos problemas do método histórico61 compreendia dois tipos
de discursos históricos, a vera storia, ancorada nos clássicos antigos, marcada pela imitação e
invenção com destacado tom moralista fundamentado na pedagogia da boa conduta, este tipo
de escrito era respeitado e tido como detentor de dimensão e caráter universal, o outro
discurso é a crônica ou literatura, era tida como leitura de segunda categoria, sendo de
dimensão e caráter particular.
A tradição florentina pertencia a este humanismo, portanto, a imitação do estilo de
escrita dos clássicos da antiguidade era a grande referência metodológica, conforme se pode
ler em Bignotto:
O princípio metodológico fundamental era o da imitação. Tomando como modelo obras de
historiadores como Tito Lívio e as considerações de Cícero no De oratore, os historiadores
procuravam por em prática as regras que podiam ser apreendidas através do exame dos
esquemas seguidos pelos clássicos.62
A observação de Gilbert é esclarecedora pois os humanistas inventavam discursos
como os antigos: “os humanistas pouco se preocupavam com a realidade posta em seus
discursos: convencionava-se que os discursos das obras históricas clássicas fossem inventados
pelos autores e assim se sentiam no direito de recorrer a esta mesma prerrogativa.”63 Os
60 E molti anni innanzi non era morto cittadino com tanto dolore publico, e meritamente, perché in lui due cose
erano verissime: l’uma che se bene a Firenze erano forse degli uomini che lo eccedessino in qualcuna delle
buone parte che aveva, nondimeno congiunto ogni cosa, non vi era cittadino che lo equiparassi.
GUICCIARDINI, Francesco. “Ricordanze”. In: Opere. La Letteratura Italiana: Storia e Testi. v. 30. A cura di
Vittorio de Caprariis. Milano; Napoli: Riccardo Ricciardi Editore, s/d., p. 18. 61 BIGNOTTO, Newton. Republicanismo e realismo: um perfil de Francesco Guiccidiarni. Belo Horizonte:
UFMG, 2006, p. 29. 62 Ibidem, p. 30. 63 gli umanisti poco si curavano che nella realtà questi discorsi fossero stati pronunciati o meno: convinti che i
discorsi delle opere storiche classiche fossero stati inventati daí loro autori, si sentivano in diritto di ricorrere alla
stessa prerogativa. GILBERT, Felix. Machiavelli e Guiccciardini. Traduzione di Franco Salvatorelli. Torino:
Piccola Biblioteca Einaudi, 1970, p. 181.
36
historiadores humanistas se preocupavam em primeiro lugar com o papel ético da história, e
com a sua função “pedagógica”64, “Com isso o uso de exemplos se tornou muito complexo,
pois, não bastava a simples descrição dos acontecimentos. O historiador deveria ser capaz de
extrair lições, que ultrapassassem as fronteiras temporais e geográficas do acontecido."65
A obra de Guicciardini é inovadora frente aos humanistas de sua época, trabalha com
método66, pesquisa documentos e faz análises objetivas. Segundo Bignotto “A força de
Guicciardini está no fato de que soube conservar a ligação entre história e política no núcleo
de suas preocupações, sem transformar seus escritos em ensinamentos morais.”67
Guicciardini foi original, ousando como o napolitano Giovanni Pontano (1426-1503),
o veneziano Marin Sanudo (1466-1536), o milanês Tristano Calco (1455-1515), e o próprio
Nicolau Maquiavel (1469-1527). Estes autores romperam com a tradição imitativa e inventiva
dos humanistas, pois seus escritos tinham registros analíticos.
O veneziano Sanudo escreveu sobre a História de Veneza, consultando documentos
existentes nos arquivos da cidade, de caráter analítico e crítico. Não foi bem recebido em
Veneza, que patrocinava escritores “oficiais”, que escreviam a soldo do doge obras que
glorificavam e enalteciam Veneza, alimentando e reforçando o Mito de Veneza. Hoje
sabemos que o trabalho mais confiável do período é a obra de Sanudo, conforme as palavras
de Gilbert: “É triste ver que Sanudo não pode saber que quatro séculos e meio mais tarde,
seus trabalhos, que haviam sido conservados ciosamente, passaram a ser uma das grandes
fontes de informações sobre a vida no Renascimento.”68
Giovanni Pontano foi um notável pensador do sul da Itália, que pertenceu a uma
tradicional família napolitana, fundou a Academia Pontaniana69, dedicada a estudos
filosóficos e históricos. Bernardo Rucellai conheceu Pontano em uma missão governamental a
Nápoles, interessou-se por seu trabalho, participou de reuniões na academia local e convidou
Pontano para passar uma temporada em Firenze, este intelectual partilhou sua diferente
maneira de estudar a história, recorrendo a pesquisas rigorosas e a documentos oficias.
64 BIGNOTTO, Newton. Republicanismo e realismo: um perfil de Francesco Guiccidiarni. Belo Horizonte:
UFMG, 2006, p. 31. 65 Ibidem, p. 33. 66 FOURNEL, Jean-Louis; ZANCARINI, Jean-Claude. La politique de l’expérience: Savonarole, Guicciardini et
le républicanisme florentin. Torino: Edizione dell’Orso, 2002, p. 192. 67 Ibidem, p. 34. 68 È triste che il Sanudo non abbia potuto sapere che quattro secoli e mezzo piú tardi i suoi annli si conservano
gelosamente come uma delle grandi fonti d’informazione sulla vita del Rinascimento. GILBERT, op. cit., p.
193. 69 Ibidem, p. 175.
37
Reproduz-se aqui o trecho no qual Gilbert escreve sobre a importância do trabalho de
Pontano:
Não foi por acaso que Rucellai se interessou por Pontano sobre o modo de escrever
a história. Pois o napolitano era um dos poucos humanistas que, como mostra os seu
dialogo Actius, se interessava seriamente, sistematicamente, com o argumento. A
sua postura sobre a natureza da história é colocada nas cartas, dedicatórias, discursos
e lições, É importante lembrar que a carta de Rucellai se refere a discussão de
Pontano e seus próprios amigos, representando um dos poucos compêndios dos
critérios históriográficos comumente aceitos pelos humanistas.70
O milanês Tristano Calco, destacou-se por defender a vera storia em bases
documentais claras, deixando de lado as narrativas moralistas e inventivas, sobre seu papel
escolhemos uma das afirmações de Bignotto: “Foi na esteira dessa preocupação com as bases
objetivas da vera storia que escritores como Tristano Calco em pleno século XV se
interessaram pelo uso de arquivos estatais como base e fundamento para a narrativa da
história das cidades.”71
De acordo com Bignotto, Guicciardini não tinha a ambição de convencer seus leitores
nem copiar as obras da antiguidade clássica, portanto, não utilizou a persuasão como recurso
literário, e suas obras não foram lidas nem discutidas no passado, exceto a Storia d’Italia e os
Ricordi. De tal maneira que, os demais livros inéditos de sua obra só foram publicados no
final do século XIX sendo muito difícil estabelecer conexões com as demais obras do período,
portanto toda a pesquisa sobre a obra guicciardiniana “é fruto de uma condição de análise que
apenas recentemente se construiu.”72 A obra de Guicciardini não foi estudada suficientemente
para ser alvo de debates acadêmicos frequentes, como foi a obra de Maquiavel, justamente
por sua limitada circulação desde sua concepção, porém a qualidade e profundidade de sua
obra pode ser compreendida, na seguinte afirmação de Bignotto:
Guicciardini intuiu que história e política deveriam ser pensadas juntas. Ainda
afirma que Guicciardini soube conservar a ligação entre História e Política no núcleo
de suas preocupações, sem transformar seus escritos em ensinamentos morais. Dessa
70 Non a caso Rucellai si revolgeva al Pontano per averne consiglio sul modo di scrivere la storia, giacché il
napoletano era uno dei pochi umanisti che, come mostra il suo dialogo Actius, si interessavano seriamente e
sistematicamente all’argomento.I giudizi sulla natura della storia sono per lo piú sparsi in lettere, dediche,
discorsi e lezioni; sicché la lettera in cui rucellai riferisce la discussione del Pontano e dei suoi amici rappresenta
uno dei pochi compendi dei criteri storiografici comunemente accettati dagli umanisti. GILBERT, op. cit., p.
176-177. 71 BIGNOTTO, Newton. Republicanismo e realismo: um perfil de Francesco Guiccidiarni. Belo Horizonte:
UFMG, 2006, p. 32. 72 Ibidem, p. 29.
38
forma, percorreu um caminho pela historiografia de seu tempo que o distinguiria
para sempre da maior parte de seus contemporâneos.73
O Discorso de Logrogno e o Dialogo del Regimento di Firenze, são as obras mais
estudadas contemporaneamente, e por muitos autores consideradas únicas para o estudo do
pensamento político de Guicciardini, Bignotto tem uma posição crítica em relação a esta
conduta, pois defende o estudo das demais obras de Guicciardini, argumentando que o estudo
sobre a obra deste autor deve ser ampliado e não ficar limitado a apenas a dois livros,
conforme o mesmo Bignotto diz: “essa tomada de posição nos distancia de boa parte da crítica
mais recente, que preferiu investigar os aspectos mencionados recorrendo apenas aos textos
voltados para a questão republicana.”74
Em Guicciardini o método analítico recorrente é o “Distinguere caso da caso”75,
distanciando-se das generalizações e particularizando a análise do fato político, como o
próprio Guicciardini diz no Ricordi 6:
É um grande erro falar das coisas do mundo indistinta e absolutamente e, por assim
dizer, por hábito; porque quase todas têm distinções e exceções pela variedade das
circunstâncias, as quais não se podem estabelecer com uma mesma medida: e estas
distinções e exceções não se encontram escritas nos livros, mas é preciso que a
discrição as ensine.76
A partir da análise guicciardiniana há uma mudança, pois “o olho é fundamental
porque é a ferramenta ideal para a experiência do mundo.”77 Sua particularização
metodológica implica em um cuidadoso olhar, uma observação rigorosa que nada mais é do
que a criteriosa análise a partir do real fato político. Conforme se pode ler no Ricordi 76:
“Tudo aquilo que foi no passado e é no presente será ainda no futuro; mas os nomes e as
73 BIGNOTTO, op. cit., p. 34. 74 Ibidem, p. 17. 75 FOURNEL; ZANCARINI, op. cit., p. 191. 76 È grande errore parlare delle cose del mondo indistintamente e assolutamente, e per dire cosí, per regola;
perché quasi tutte hanno distinzione ed eccezione per la varietá delle circunstanzie, in le quali non si possono
fermare con una medesima misura; e queste distinzione ed eccezione non si truovano scritte in su' libri, ma
bisogna le insegni la discrezione. GUICCIARDINI, Francesco. Opere. La Letteratura Italiana: Storia e Testi. v.
30. A cura di Vittorio de Caprariis. Milano; Napoli: Riccardo Ricciardi Editore, s/d., p. 26, §6. 77 BIGNOTTO, Newton. Republicanismo e realismo: um perfil de Francesco Guiccidiarni. Belo Horizonte:
UFMG, 2006, p. 54.
39
aparências das coisas mudam de tal maneira que quem não tem bom olho não as reconhece,
nem sabe regular-se ou julgar por meio daquela observação.78”
1.3 - Guicciardini e Savonarola
Em 1490, Savonarola era uma figura de grande importância, com carisma e liderança,
era chamado para conduzir assuntos diplomáticos de interesse do rei da França, e muitos
homens de vulto do governo florentino buscavam seus conselhos, enquanto outros, dentre os
quais os aristocratas da velha escola e nobres políticos, odiavam-no. Mas ele era uma força na
engrenagem da política externa da cidade e na remodelação de seus valores morais79.
Com a queda da família Medici, em novembro de 1494, houve um vazio de lideranças,
e o processo sucessório se desenvolvia com grandes debates públicos sobre o destino da
cidade. Neste cenário, destacou-se o frei Savonarola como principal agente do republicanismo
na cidade e inimigo implacável da ditadura.80 Para os cidadãos florentinos que participavam
dos debates políticos Savonarola era o personagem adequado para aquele momento político:
era destemido e não se calava diante da omissão dos florentinos que se calaram nos últimos
sessenta anos sob o governo dos Medici.
No início do século XVI, com uma população de quase quarenta mil pessoas, Firenze
reunia setenta casas bancárias internacionais – muito mais que qualquer outra localidade
europeia81.
Um dos preceitos mais repetidos é que homens de vida pública deveriam servir ao bem
comum, nunca aos seus interesses particulares82. Denunciava os abusos do clero e os
divulgava de forma massiva em folhetins que reproduziam seus sermões, tratados, cartas e
seus escritos em geral. De novembro de 1494 até a sua execução, ele divulgou suas ideias
largamente pela “nova mídia impressa”. Somente Lutero, em 1520, explorou os recursos da
imprensa tão bem como Savonarola83. No início de 1490, Savonarola organizou grupos de
crianças nas quatro regiões administrativas de Firenze84, como uma cruzada, que circulava
78 Tutto quello che è stato per el passato ed è al presente, sará ancora in futuro; ma si mutano e' nomi e le
superficie delle cose in modo, che chi non ha buono occhio non le ricognosce, né sa pigliare regola, o fare
giudicio per mezzo di quella osservazione. GUICCIARDINI, Francesco. Ricordi, p. 35, § 76. 79 MARTINES, Lauro. Fogo na cidade. Tradução de Rodrigo Peixoto. Rio de Janeiro: Record, 2011, p. 21. 80 Ibidem, p. 40. 81 Ibidem, p. 41. 82 Ibidem, p. 90. 83 Ibidem, p. 113. 84 Ibidem, p. 139.
40
pela cidade como milícias cristãs, reforçando a opção fundamentalista de Savonarola. Estes
grupos carregavam bandeiras, e conclamavam as pessoas à confissão e a comunhão, pois
chegou o tempo de Firenze converter-se em uma Nova Jerusalém. O discurso prosseguia com
condenações ao jogo, blasfêmia, sodomia, paganismo e luxúria.
Em 1496, esses grupos de crianças e jovens passaram a se organizar e investir em
áreas públicas, reunindo livros, imagens e objetos pagãos. Organizavam fogueiras, que
queimavam estes objetos e conclamavam os florentinos à conversão. Os meninos de
Savonarola eram aliciados entre os estratos médios e altos da sociedade florentina.
Savonarola, em seu período no governo de Firenze, passava a sensação que esta cidade
havia se transformado no centro do Cristianismo, a Nova Jerusalém, em suas pregações,
Savonarola afirmava que Firenze era o centro da criação, portanto, os florentinos, eram os
“escolhidos de Deus.”85
Savonarola influenciou o pensamento de Guicciardini de diversas maneiras86, tais
como a “aceitação do mistério divino, a angústia espiritual e a crítica aos costumes do
clero.”87 Entende-se que o texto guicciardiniano apresenta uma síntese entre a análise concreta
e imanente, sem desprezar temas estóico-cristãos; pode-se identificar a estreita proximidade
do pensamento de Savonarola com o pensamento de Guicciardini, conforme o Ricordi 92.
Não digas: “Deus ajudou tal pessoa porque ela era boa, e uma outra se deu mal
porque era ruim”, porque muitas vezes se verifica o oposto. Nem por isso devemos
dizer que falte a justiça de Deus, sendo os seus conselhos tão profundos que
merecidamente são chamados de abyssus multa (muitas coisas são um abismo de
mistério).88
Asor Rosa cotejou sentenças da Antiguidade e encontrou textos guicciardinianos com
conteúdo aristotélico-tomista, comprovando a influência do pensamento savonaroliano. Em
oposição ao platonismo dualista reinante no Renascimento, como se pode ler na sentença
abaixo de nosso autor: “Como bem disse o filósofo: de futuris contingentibus non est
85 MARTINES, Lauro. Fogo na cidade. Tradução de Rodrigo Peixoto. Rio de Janeiro: Record, 2011, p. 174. 86 CAPRARIIS, Vittorio de. Francesco Guicciardini. Dalla Politica alla Storia. Napoli: Società Editrice Il
Mulino, 1993, p. 118 87 FOURNEL; ZANCARINI, op. cit., p. 117. 88 Non dire: Dio ha aiutato el tale perché era buono: el tale è capitato male perché era cattivo; perché spesso si
vede el contrario. Né per questo dobbiamo dire che manchi la giustizia di Dio, essendo e' consigli suoi sí
profondi che meritamente sono detti abyssus multa. GUICCIARDINI, Francesco. Opere. La Letteratura Italiana:
Storia e Testi. v. 30. A cura di Vittorio de Caprariis. Milano; Napoli: Riccardo Ricciardi Editore, s/d., p. 37, §
92.
41
determinata veritas. Andem por aí o quanto quiserem, que quanto mais andarem mais acharão
esta sentença muito verdadeira.”89
Entende-se que o estoicismo presente em Savonarola90 aparece em Guicciardini,
conforme pode ser lido na citação abaixo:
São várias as naturezas dos homens: alguns esperam cem vezes mais do que
realmente podem ter, outros temem tanto que nunca esperam se não têm em mãos.
Eu me aproximo mais dos segundos que dos primeiros: e quem é desta natureza
engana-se menos, mas vive com mais tormento.91
Guicciardini ao analisar a situação de Firenze após a fuga de Piero de Medici,
considerou importante ler a última mensagem de Savonarola, contida na citação abaixo,
extraída do Ricordi 136:
“Verifica-se que algumas vezes os loucos fazem coisas maiores que os sábios. Isto
se dá porque o sábio, onde não é necessitado, remete-se muito à razão e pouco à
fortuna, e o louco muito à fortuna às vezes tem fins incríveis”. Os sábios de Firenze
teriam cedido à presente tempestade, os loucos, querendo opor-se contra todas as
razões, fizeram até agora o que não poderia acreditar que a nossa cidade pudesse de
algum modo fazer. É isso que diz o provérbio: Audaces fortuna iuvat.92
Savonarola, em seu discurso de 28 de fevereiro de 1498, utiliza-se das sentenças da
Sagrada Escritura para afirmar o seguinte: “Queremos nos tornar loucos pelo amor de Cristo,
porque a verdadeira sabedoria de Deus é a loucura do mundo”. Pode-se encontrar novamente
referências a estas palavras nas reflexões de Guicciardini, em especial no Ricordi 125:
89 Com relação aos acontecimentos futuros não existe verdade determinada. GUICCIARDINI, Francesco. Opere.
La Letteratura Italiana: Storia e Testi. v. 30. A cura di Vittorio de Caprariis. Milano; Napoli: Riccardo Ricciardi
Editore, s/d., p. 77, § 58. 90 FOURNEL, Jean-Louis; ZANCARINI, Jean-Claude. La politique de l’expérience: Savonarole, Guicciardini et
le républicanisme florentin. Torino: Edizione dell’Orso, 2002, p. 117. 91Sono varie le nature degli uomini: certi sperano tanto, che mettono per certo quello che non hanno; altri temono
tanto, che mai sperano se non hanno in mano. Io mi accosto piú a questi secondi che a' primi e chi è di questa
natura si inganna manco, ma vive con piú tormento. GUICCIARDINI, Francesco. Opere. La Letteratura Italiana:
Storia e Testi. v. 30. A cura di Vittorio de Caprariis. Milano; Napoli: Riccardo Ricciardi Editore, s/d., p. 33, §
61. 92Accade che qualche volta e' pazzi fanno maggiore cose che e' savi; procede perché el savio dove non è
necessitato si rimette assai alla ragione e poco alla fortuna; el pazzo assai alla fortuna e poco alla ragione; e le
cose portate dalla fortuna hanno tal volta fini incredibili. E' savi di Firenze arebbono creduto alla tempesta
presente; e' pazzi avendo contro a ogni ragione voluto opporsi, hanno fatto insino a ora quello che non si sarebbe
creduto che la cittá nostra potessi in modo alcuno fare; e questo è che dice el proverbio: Audaces fortuna iuvat. A
sorte ajuda os audazes. Ibidem, p. 42, § 136.
42
Os filósofos, teólogos e todos os outros que perscrutam as coisas sobre a natureza ou
que não se vêem dizem mil loucuras: porque, com efeito, os homens estão às escuras
nessas coisas, e esta indagação serviu e serve mais para exercitar as mentes que para
encontrar a verdade.93
Na citação anterior, há clara referência a reforma da Igreja, muito recorrente nos
discursos de Savonarola, o diplomata não deixa de lado as prédicas do frade, citando-as
frequentemente e demonstrando como elas transitaram do terreno religioso para a política.
Piero Guicciardini, pai de Francesco Guicciardini, não foi mero simpatizante de Savonarola,
mas sim um influente homem de governo, sendo um dos Dieci di Balia. Para Bignotto,
“parece fora de dúvida que ele (Savonarola) influenciou a juventude de nosso autor, o que se
torna ainda mais fácil de explicar se lembrarmos que seu pai, que tanta importância teve em
sua vida, foi um discreto admirador do pregador.”94 Guicciardini formou-se sob a
preocupação moral e institucional presente nos discursos do frade dominicano, como se pode
ler na citação abaixo de Bignotto:
Com sua morte desapareceu o traço dominante do milenarismo, mas não o
vocabulário que se forjou na crise provocada na invasão da Itália por forças
estrangeiras. Dentre os temas essenciais que permaneceram no centro dos debates
destaca-se o da necessidade de se instituir um conselho com maior número de
representantes da sociedade para promover a estabilidade das instituições.95
Tanto Savonarola quanto Guicciardini acreditavam na inclinação natural do homem ao
bem, conforme podemos ler no texto abaixo, retirado dos Ricordi 134, de Guicciardini:
Todos os homens são por natureza mais inclinados ao bem que ao mal, e desde que
outro aspecto não os conduza a direção contrária, não há ninguém que não faça
voluntariamente mais o bem que o mal; mas a natureza dos homens é tão frágil e tão
freqüentes no mundo as ocasiões que convidam ao mal que os homens deixam-se
facilmente desviar do bem. E por isso os sábios legisladores encontraram os prêmios
e as penas: outra coisa não fizeram que manter os homens firmes na inclinação
natural deles.96
93 E' filosofi ed e' teologi e tutti gli altri che scrivono le cose sopra natura o che non si veggono, dicono mille
pazzie; perché in effetto gli uomini sono al bujo delle cose, e questa indagazione ha servito e serve piú a
esercitare gli ingegni che a trovare la veritá. Ibidem, p. 41, § 125. 94 BIGNOTTO, Newton. Republicanismo e realismo: um perfil de Francesco Guiccidiarni. Belo Horizonte:
UFMG, 2006, p. 74. 95 Ibidem, p. 78. 96 Gli uomini tutti per natura sono inclinati piú al bene che al male; né è alcuno el quale, dove altro rispetto non
lo tiri in contrario, non facessi piú volentieri bene che male; ma è tanto fragile la natura degli uomini, e sí spesse
nel mondo le occasione che invitano al male, che gli uomini si lasciano facilmente deviare dal bene. E però e'
savi legislatori trovorono e' premi e le pene; che non fu altro che con la speranza e col timore volere tenere fermi
gli uomini nella inclinazione loro naturale. GUICCIARDINI, Francesco. Ricordi, p. 42, § 134.
43
No sermão de Savonarola97 sobre o capítulo seis do livro do Êxodo, de 2 de março de
1498, lê-se o seguinte: “deseja o bem de qualquer maneira e não faça o que não possa fazer...
isso é natural do apetite do homem.”98 Guicciardini utiliza expressão idêntica à de Savonarola,
conforme se pode observar no Ricordi 135: “Se encontrarem alguém que por natureza seja
inclinado a fazer voluntariamente mais o mal que o bem digam com segurança que não é
homem, mas animal ou monstro, já que lhe falta a inclinação que é natural de todos os
homens.”99
97 FOURNEL; ZANCARINI, op. cit., p. 122. 98 Appetisce el bene ad ogni modo e non può fare Che non gli piaccia... questo é appetito naturale dello uomo.
FOURNEL; ZANCARINI, op. cit., p. 122. 99 Se alcuno si truova che per natura sia inclinato a fare piú volentieri male che bene, dite sicuramente che non è
uomo, ma bestia o mostro, poi che manca di quella inclinazione che è naturale a tutti gli uomini.
GUICCIARDINI, Francesco. Opere. La Letteratura Italiana: Storia e Testi. v. 30. A cura di Vittorio de Caprariis.
Milano; Napoli: Riccardo Ricciardi Editore, s/d., p. 42, § 135.
44
CAPÍTULO 2 - A OBRA E A TRAJETÓRIA DE FRANCESCO GUICCIARDINI
Guicciardini tem sua obra estreitamente ligada à sua trajetória e experiência política,
reflete sobre muitos dos problemas que lhe eram impostos pela prática, como a manutenção
da república, a liberdade cívica, a importância da solidez das instituições e a participação dos
cidadãos. Como exemplo, temos as Storie Fiorentine, sua primeira obra, escrita em um
período anterior à sua atividade política e diplomática e que abarca a história de Firenze entre
os séculos XIII e XIV. Nota-se que o autor, ainda um jovem advogado, privilegia não toda a
história florentina, mas faz um período específico no qual analisa a construção da República
de Firenze em bases humanistas, e que demonstra o olhar político do jovem autor, preocupado
com o equilíbrio institucional e a manutenção da paz na cidade, buscando caminhos para
evitar o estabelecimento das tiranias e autoritarismos, e portanto, configurando um olhar
político sobre o humanismo cívico florentino.
Durante a sua estada na Espanha como diplomata à serviço de Firenze, escreveu várias
obras com descrições históricas e geográficas, com acentuada reflexão política. Deve-se
destacar o Discorso di Logrogno no qual defende a manutenção do Consiglio Grande, base da
república de Soderini, “parcialmente savonaroliano” era um poderoso órgão legislativo de
cerca de três mil e quinhentos homens, o Conselho Grande, que permaneceu até 1512.100 Este
autor tem grande preocupação com a qualidade dos membros do governo, a atuação política
na defesa do bem comum e da liberdade cívica. Entre 1521 e 1531, Guicciardini escreveu
duas obras umbilicalmente ligadas ao pensamento maquiaveliano contido nos Discorsi sopra
la prima Deca de Tito Livio: Dialogo del Reggimento di Firenze e Considerazioni intorno ai
Discorsi del Machiavelli sulla prima Deca di Tito Livio. Na primeira obra, Guicciardini
discute as espécies de governo, a defesa da liberdade e a participação política em um cenário
em que quatro debatedores florentinos, representando segmentos ou facções daquela
república, questionam-se mutualmente em um clima clássico como os diálogos de Platão,
levantam teses e as submetem ao contraditório, tendo como pano de fundo ideológico as
ideias de Maquiavel contidas nos Discorsi; no segundo livro, Guicciardini muda a forma de
escrever, coteja capítulos específicos dos Discorsi e trabalha o contraditório, capítulo por
capítulo, construindo e divergindo das teses maquiavelianas, e que com objetividade, polidez
e argumentação fundamentada, defende ou ataca ideias do pensador Maquiavel.
100 MARTINES, Lauro. Abril Sangrento: Florença e o complô contra os Médici. Fernanda Abreu. Rio de Janeiro:
Imago, 2003, p. 318.
45
Após 1532, Guicciardini escreveu Cose Fiorentine e Storia d’Italia, sua derradeira
obra, nas Cose Fiorentine, revisita as instituições florentinas e propõe mudanças para que a
paz e a república sejam mantidas. É um texto mais reflexivo, que denota o estofo de um
político experimentado na vivência política da época. Na segunda obra, Guicciardini faz um
relato histórico, com características épicas, rompendo com a “vera storia” que tratava fatos
históricos com molduras imitativas dos clássicos greco-romanos. Esta obra foi elaborada para
ser lida e publicada, e é conhecida mais por seu grande valor histórico, pela objetividade e
rigor da pesquisa, carregada de profundidade filosófica não reconhecida na época, destacando
a Prudenza e a Discrezione, como categorias políticas fundantes para a filosofia política. A
obra aparece perpassada pela Fortuna, a deusa do imponderável, da conjunção de fatos que
levam a consequências nem sempre controláveis ou previsíveis. Durante sua vida,
Guicciardini escreveu máximas que compõem uma obra chamada Ricordi, em realidade, são
orientações políticas com fundamentação experiencial e sustentadas pela tradição de
exemplos que devem ser observados nas condutas sociais.
2.1 - O diplomata a serviço da República de Firenze.
Após ter sido nomeado embaixador em Lucca, no ano de 1509, Guicciardini foi
destacado para representar os interesses de Firenze nesta cidade, este foi seu primeiro cargo
de importância. Segundo Ridolfi “a uva ainda não estava madura, mas os parentes e os
seguidores do sogro agiam para preparar-lhe o terreno.”101 Deve-se entender que
Guicciardini foi nomeado com a intenção de prepará-lo para cargos mais importantes, e como
o próprio Ridolfi diz, ainda não estava maduro, mas o terreno já estava sendo preparado para
seu futuro. Neste mesmo ano Guicciardini havia escrito as Storie fiorentine defendendo um
detalhado programa de reformas institucionais proposto pelos “Ottimati” em 1502, tal obra
previa a preservação do Consiglio Grande (com limitação de poderes), um gonfaloneiro
vitalício e um Senado que seria o centro da vida política, concentrando as decisões políticas
da república.
Foi nomeado embaixador de Firenze na Espanha, na corte de Fernando, o Católico, em
dezessete de outubro de 1511 e, ao partir, em 29 de janeiro de 1512, sob o governo de Piero
Soderini, secretariado por Nicolau Maquiavel. Apesar de servir ao governo popular
101 l’uva non era ancora matura, ma i parenti e i partigiani del suocero facevano por preparargli Il terreno.
RIDOLFI, Roberto. Vita di Francesco Guicciardini. Roma: Angelo Belardetti Editore, 1959, p. 32.
46
democrático, continuou ligado à aristocracia florentina, especificamente ao grupo dos
Ottimati, neste período em que serviu no exterior escreveu o Diario del viaggio in Spagna,
Relazione di Spagna, Del modo di ordenare Il governo popolare (Discorso di Logrogno),
Sulle condizioni dell’Italia dopo la giornata di Ravenna e Sulle mutazioni seguite in Italia
dopo la giornata di Ravena, todos escritos entre 1512 e 1513. A primeira obra narra a sua
viagem até Madri, descrevendo os lugares que atravessou, destacando as cidades catalãs de
Barcelona e Saragoza, descreve também a geografia e a economia das áreas de sua passagem,
discorrendo sobre um cenário muito diferente de sua Firenze natal. Na segunda, Relazione di
Spagna, escreveu sobre a História da Espanha, sobre a corte espanhola, sobre os hábitos do
povo, sobre o poder local e sobre as forças militares do Estado espanhol; descreveu
particularmente o governo de Fernando, o Católico e o culto à rainha Isabel, falecida em
1504. Nestas obras, detalha os lugares e situações, confirmando seu estilo analítico, onde o
“Particolare” é o traço dominante de sua análise política.
O Discorso di Logrogno marca seu pragmatismo político, pois defende a manutenção
do Consiglio Grande, participação popular, direito ao voto e revezamento dos membros do
Consiglio Grande, preocupa-se com os valores que nortearão a república e a segurança das
instituições, mostra o exemplo de Veneza que, tinha como característica política positiva a
estabilidade, governada há mais de duzentos anos por doges vitalícios. Ao mesmo tempo em
que defende o Consiglio Grande, não deixa de destacar a necessidade da presença de homens
sábios e experimentados em níveis mais altos da magistratura, que ele chamaria de lugares
“piu stretti” onde se exige como atributo, a responsabilidade dos “uomini de bene” que, sem
rodeios, deverão ser os Ottimati. Aceitando a participação do popolo, o diplomata porém, não
abre mão da presença do grupo social com o qual se identifica em sua prática política, no
Discorso di Logrogno, nome que provém da localidade espanhola em que o discurso foi
escrito em 1512, a constituição esboçada no Dialogo já está perfeitamente construída, nos
mínimos detalhes, expressando os anseios políticos dos “Ottimati”, que apresentam um
modelo constitucional que viabilizaria uma república, no qual este grupo governaria segundo
seus ideais.
Guicciardini retornou a Firenze em 1513, quando os Medici tinham voltado ao poder,
apoiados pelas tropas hispano-pontifícias, em sua volta, por pouco não presenciou a morte de
seu pai, em 21 de dezembro do mesmo ano. Segundo Ridolfi, o diplomata voltou como
47
advogado, e alcançou surpreendente sucesso, “com maior procura dos clientes devido à sua
reputação conquistada como embaixador no exterior.”102
Na obra Del Governo di Firenze dopo la restaurazione de Medici nel 1512,
Guicciardini exalta a importância do conhecimento de governar, buscando enaltecer a família
Médici no exercício do governo. Nesta obra, constata-se a influência Maquiavel, pois o
capítulo VII d’O Príncipe é o texto que se lê neste ensaio, Guicciardini faz um balanço das
mudanças políticas ocorridas na república de Firenze e defende a participação política,
sobretudo quando aborda a importância do Consiglio Grande implantado por Savonarola, traz
um histórico sobre a liberdade em Firenze e sobre o exercício do poder sob os Medici,
"porque do bom governo resulta a saúde e a conservação de muitos homens, do contrário,
ruína e extermínio da cidade, pois, na vida dos homens coisa alguma é mais preciosa e
singular que esta congregação e consórcio civil.”103 Guicciardini não se furta a dizer quais
deveriam ser os caminhos e, a exemplo de outros autores da época como Maquiavel, propõe
duas soluções para o encaminhamento político:
Então, se os Médici possuem tantos inimigos que são implacáveis e que em toda
situação sempre se insurgem, são forçados a fazer duas coisas: uma é combatê-los
e enfraquecê-los, para que lhes possam ofender menos; a outra é opor a eles um
grande número de amigos que precisam lhes ser partidários, tornando-os robustos
e potentes, fortalecendo-os e os enriquecendo.104
Em 1514 foi nomeado integrante dos “Otto de Balia”, no ano seguinte, passou a
compor a Signoria florentina, ficando portanto, a serviço da família Medici, em sua vida
pública esteve a serviço da República de Firenze (tanto no governo popular de Piero Soderini
quanto nos vários governos dos Medici), e a serviço dos papas florentinos pertencentes
família Médici (Leão X e Clemente VII).
Em seu retorno a Firenze após ter servido na Espanha, Guicciardini esperava participar
de uma república Ottimati e, sem dúvida nenhuma, pode-se encontrar no Discorso di
Logrogno, o programa político desta república. Porém, a conjuntura política alcançou-o de
102 Com maggior concorso di clienti per la maggior reputazione acquistata nell’ ambasceria oltremontana com
maggior concorso di clienti per la maggior reputazione acquistata nell’ ambasceria oltremontana. RIDOLFI, op.
cit., p. 75. 103 perché del buono governo ne seguita la salute e conservazione di infiniti uomini, e del contrario ne resulta la
ruína ed esterminio delle cittá, di che nella vita delli uomini nessuna cosa è più preziosa e singulare che questa
congregazione e conzorcio civile. GUICCIARDINI, F. Del governo di Firenze dopo la restaurazione del Medici
nel 1512. In: ______ La Libertà Moderata: tre discorsi (a cura di Gennaro Maria Barbuto). Torino: La Rosa,
2000, p. 44. 104Se adunque é Medici hanno tanti inimici che sono implacabili e che sempre a ogni occasione si solleveranno,
sono forzati a fare dua cose: la uma, batterli e dimagrarli acció che li possino offendere meno, la altra, oppore
loro uno numero forte di amici è quali bisogna farsi partigiani e farli gagliardi e potenti collo ingrassarli ed
errichirli. Ibidem, p. 48.
48
maneira diversa de suas presumidas intenções, o jovem advogado voltou para Firenze como
homem respeitado pela tradição e pelo “grado”, isto é, reunindo as condições necessárias
para assumir postos de importância na República de Firenze, independente do grupo político
que estivesse no poder. Ao retornar, passou a servir aos Médici em cargos de destaque na
política florentina, como pode ser lido abaixo: “Como membro da aristocracia, ele esperava
ver seu grupo encontrar uma posição privilegiada na distribuição do poder. Mas foi da família
Medici que ele recebeu o impulso para se integrar na vida pública italiana.”105
2.2 - O diplomata a serviço do papado e seus escritos políticos
Em 1516, foi nomeado advogado consistorial a serviço do papa Leão X (Giovani de
Medici) que ficou no poder de 1513 a 1521. Ainda neste ano foi nomeado governador de
Modena e, depois, de Reggio (1517), ocupando o cargo de general do exército pontifício na
guerra contra a França (1521). Depois de defender Parma do ataque dos franceses, escreveu
Relazione della difesa di Parma. Com a morte de Leão X, em 1521, Guicciardini voltou para
Firenze, onde começou a escrever a obra Dialogo del Reggimento di Firenze, neste mesmo
ano submeteu-a a duas revisões e deu-lhe um breve proêmio que, reescrito três vezes do início
ao fim, pode muito bem representar um dos trechos mais atormentados da obra deste autor. É
de um desses proêmios (o segundo) que se consegue datar a obra, em um trecho que será
suprimido na redação definitiva, Guicciardini diz ter começado a escrever o Dialogo quando
era “comissário geral” do exército imperial e papal “na guerra contra os franceses” e de haver
terminado “agora que fui preposto ao governo de todas as cidades da Romagna por Clemente
VII”. Em 12 de julho de 1521 chegou a notícia da sua nomeação ao cargo de comissário geral
das tropas enviadas pelo papa Leão X e pelo imperador Carlos V, que haviam se aliado
poucos meses antes contra Francesco I. Quanto ao cargo de presidente da Romagna (ou seja,
governador de toda a região, representando o papa), Guicciardini o ocupa por quase dez
meses, até janeiro de 1526.
Ao longo de sua trajetória como diplomata e preposto papal como se pode constatar no
parágrafo anterior, Guicciardini não descuida de seus escritos e guarnece sua obra com temas
de sua contemporaneidade como O Dialogo del Reggimento di Firenze que se divide em dois
livros, no primeiro discute a situação geral de Firenze e no segundo, critica o modelo
105 BIGNOTTO, Newton. Republicanismo e realismo: um perfil de Francesco Guiccidiarni. Belo Horizonte:
UFMG, 2006, p. 113.
49
constitucional florentino, já inserido anteriormente no Discorso di Logrogno. Guicciardini
reproduz um cenário semelhante aos clássicos gregos, os quatro protagonistas do diálogo são:
Bernardo del Nero, Paolantonio Soderini, Piero Capponi e Piero Guicciardini, pai de
Francesco Guicciardini. Os três interlocutores Soderini, Capponi e Guicciardini são jovens
“Ottimati”, hóspedes de Bernardo del Nero, que pedem ao velho político um parecer sobre a
“Mutazione” que ocorrera a pouco. Ao colocar neste debate personagens históricos reais que
viveram no ano de 1494, ano em que houve a “Mutazione dello Stato”, ano do banimento de
Piero de Médici de Firenze, o filho e herdeiro do Magnífico, depois de exatos sessenta anos
de sua família começar a governar Firenze. Neste mesmo ano Carlos VIII caiu, dando início a
um período de quarenta anos de conflitos quase ininterruptos, que transformaram a Península
Itálica em um teatro de guerra para os exércitos dos países da Europa central, assim nasceu
uma república que, entre tumultos e dificuldades, durará até 1512, quando os Medici
retornaram à cidade com as forças das armadas espanholas e aboliram as principais reformas
introduzidas em 1494; a primeira, entre todas, foi o Consiglio Grande, a grande assembleia
dos florentinos que gozavam de plenos direitos políticos, cujo caráter moderadamente
democrático o havia transformado na instituição mais amada (e certamente mais
característica) da república. Voltar a 1494 significa, para Guicciardini, ir às raízes da recente
história político-constitucional florentina, buscando, naquele momento decisivo, a origem dos
erros, das miopias e das surdas incompreensões que impediram os florentinos de realizar uma
constituição equilibrada, capaz de garantir eficiência e bom governo, através do consenso
entre os principais componentes sociais e políticos da cidade.
Na obra Dialogo del Reggimento di Firenze cada um dos interlocutores assumiu uma
posição política precisa, com posições diferentes, embora todos os jovens fossem “Ottimati”,
eles levam à cena um mundo concreto de experiências, ideais e teorias, trazendo ao debate
temas fundamentais da política florentina daqueles anos. A Bernardo del Nero, Guicciardini
atribui um papel proeminente, a de um velho funcionário dos Medici e fiel colaborador de
Lorenzo, o Magnífico, mas que não pertencia à classe dirigente e, por isso, apesar de ser
honesto e capaz, por ter trabalhado para os Medici, foi perseguido e executado sem direito à
defesa durante o governo de Savonarola. Na obra Dialogo del Reggimento di Firenze
Bernardo del Nero aparece como alguém que foi obrigado a retirar-se da vida pública,
vivendo em uma propriedade às portas da cidade; outro personagem é Paolantonio Soderini,
homem de discurso entusiasta, vinculado à República popular (1502-1513), é um convicto
defensor de Savonarola, cujo papel, foi de grande importância na Firenze conturbada, é
membro de uma poderosa e nobre família da cidade e é favorável à instituição do Consiglio
50
Grande. O terceiro interlocutor é Piero Capponi, pertence a uma das mais nobres e poderosas
famílias florentinas, Capponi foi um dos principais opositores de Piero de Médici, expoente
da ala mais conservadora do partido dos “Ottimati”, aspira claramente por uma república
aristocrática, como houve no Trecento e no Quatrocento de Firenze106. E, finalmente, seu pai,
Piero Guicciardini, que é colocado no texto como testemunha e moderador do diálogo,
segundo Varotti: “Assim, um Guicciardini que parece abandonar o antigo ceticismo para
cortejar o sonho de uma humanidade mais elevada, disposta a dar o melhor de si por
‘ordens' constitucionais calibradas segundo perfeitas simetrias.”107 Entende-se que
Guicciardini tem clareza de que a República de Firenze não será a mesma do governo popular
ou da república equilibrada administrada pelos Ottimati e, através do Dialogo del Reggimento
di Firenze o diplomata discute, de maneira sutil, o seu dissabor com os rumos da república
florentina e, porque não, com o retrocesso de uma Itália que se encaminha para a monarquia
com seus cortesãos, desmobilizando e desconstruindo um projeto republicano iniciado pelos
humanistas cívicos. Bernardo del Nero (um dos interlocutores), foi condenado à morte
ilegalmente durante o regime de Savonarola, deste modo, uma figura histórica falecida é
convidada a opinar e discutir sobre as formas de governo na Firenze Renascentista108. No
debate, Soderini pergunta sobre uma forma má de governo, uma forma boa de governo e uma
outra melhor forma de governo. De novo109, contestando Soderini, Bernardo retoma a questão
de Savonarola: “não é graças ao ensinamento dos filósofos, em particular de Marsílio Ficino,
que sabemos que das três formas de governo, o governo de um é melhor que o de poucos, ou
o de muitos.”110 Guicciardini faz com que seu pai, Piero, responda, pois havia sido aluno de
Ficino. Soderini desculpa-se, dizendo que, como todos sabem, é lugar comum na teoria
política reconhecer que cada forma de governo tem uma variante boa e outra má e que quando
as três formas de governo são boas, o governo de um homem só é a melhor opção. A pergunta
que emerge do diálogo é: Como um governo “deve constituir-se? Por eleição ou por livre
vontade dos governados, de acordo com as propensões naturais dos homens ou em razão da
força, facção ou usurpação, segundo o apetite do elemento dominante.”111
Piero argumenta a favor da sucessão eletiva e da hereditária, e trata de situar no
mesmo plano a aquisição injusta de poder e seu exercício injusto. Assinala que “o governo de
106 CUTINELLI-RÈNDINA, Emanuele. Guicciardini. Roma: Salerno Editrice, 2009, p. 94-95. 107 VAROTTI, Carlo. Francesco Guicciardini. Napoli: Liguori Editore, 2009, p. 66. 108 POCOCK, J. G. A. The Machiavellian Moment. Princeton/London: Princeton University Press, 1975, p. 185. 109 Ibidem, loc. cit. 110 Ibidem, loc. cit. 111 Ibidem, p. 186.
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um é melhor quando é bom, mas é o pior quando é mau”, repetindo um velho ditado do frei
Savonarola. Além disso, é mais fácil para um homem impor sua vontade ao povo, e terá
também mais possibilidades também de ter um mal resultado. Se alguém instaurar um novo
governo e considerar a possibilidade da monarquia, terá que avaliar se as vantagens do bem
conseguirão equilibrar os previsíveis riscos do mal.
Esta obra trata de grandes questões, a partir do argumento principal do primeiro livro
trabalha de maneira expositiva as diferenças entre o regime dos Medici e a república de cunho
popular. No segundo livro discute as propostas constitucionais cuidadosamente marcadas pela
discussão da primeira jornada: esta última fez emergir os mais importantes conceitos
políticos. Guicciardini alcança, portanto, as precisas propostas políticas após um tortuoso
caminho, no qual a análise histórica constitui um eixo importante. A preocupação que domina
a primeira parte da obra é, de fato, superar alguns obstáculos que poderiam impedir uma séria
reflexão: por isso, em seus confrontos, recusa a abstrata teoria dos “filósofos”, que gostaria de
reduzir a uma simples fórmula, válida em absoluto, a busca pela melhor forma de governo.
Em uma analogia com o método indutivo de Bacon, o conhecimento é resultante de
dois momentos distintos: a pars destruens, ou momento negativo; e, a pars construens, ou
momento positivo. Após o intelecto libertar-se dos preconceitos originários através da pars
destruens, torna-se apto a buscar novos conhecimentos, ascendendo das coisas particulares
aos princípios gerais, através da pars construens. Assim, esta obra (o concreto esquema
constitucional proposto por Guicciardini), de fato é limitada somente ao segundo livro (na
verdade, não o ocupa por inteiro). Guicciardini alcança-a apenas depois de uma rigorosa
análise histórica que esclareceu, em qualquer aspecto, o recente e o antigo passado político
florentino.
Portanto, pode-se entender que o discurso de Bernardo, desde as primeiras páginas da
obra, define de modo rigoroso, um critério crível de valorização das formas de governo. Ele
buscará tal critério nos “efeitos”, ou seja, nos êxitos concretos, como se administra a justiça,
como se defende o território, como se incrementam as finanças do estado, realizados por um
determinado regime. É sobre esta base que Guicciardini define a boa ou a má qualidade de um
sistema de governo, então o discurso sobre o “governo” deve passar através da reconstrução
histórica das experiências constitucionais florentinas precedentes.
Em novembro de 1523, Giulio de Médici foi sagrado papa com o nome de Clemente
VII, Guicciardini foi nomeado presidente da Romagna em 25 de dezembro do mesmo ano.
Depois da inesperada derrota do rei da França em Pavia (fevereiro de 1525) e as duríssimas
condições impostas por Carlos V através do Tratado de Madri (janeiro de 1526), na Itália,
52
muitos passaram a temer o grande poder do imperador. Guicciardini, que nesse ínterim havia
sido transferido para Roma como conselheiro do papa, tem um papel relevante na formação
da Liga de Cognac, com os estados aliados da França.
Nesta época, a proximidade pessoal entre Maquiavel e Guicciardini aparece de
maneira clara quando o secretário florentino lhe escreve uma carta datada de 17 de maio de
1526, com o seguinte conteúdo:
Sabeis quantas ocasiões são perdidas: não perdei essa, nem confiai mais no que
permanece, remetendo-as à fortuna e ao tempo, pois o tempo não traz sempre as
mesmas coisas, nem a fortuna é sempre a mesma. Eu até diria mais coisas, se falasse
a um homem que não compreende mistérios e não conhece o mundo. Liberate
diuturna cura Italiam, extirpate has immanes belluas, quae hominis, preter faciem et
vocem, nihil habent.112
Maquiavel, no final da sua vida, entendeu que Guicciardini deveria enfrentar Carlos V
e os germânicos (todos Habsburgos) com a finalidade de estabelecer um eixo político próprio
para os Italianos. Tal enfrentamento se mostrou infrutífero pela realidade e mudança dos
tempos, em que o eixo político-econômico europeu sairia da Europa do sul e migraria para os
Estados Germânicos, Inglaterra e Península Ibérica, posto que, as grandes casas bancárias do
norte da Itália haviam feito grandes empréstimos aos nobres franceses, que não honraram
esses pagamentos, e com o declínio dessas grandes casas bancárias, somou-se a
refeudalização italiana, na qual, capitais remanescentes foram investidos em terras, criando
latifúndios com importância regional, mas sem importância política nacional ou internacional,
portanto, sem poder de unificação política entre os Estados Italianos.
Deve-se entender que o “Saque de Roma”, ocorrido em 6 de maio de 1527, foi uma
invasão militar realizada em Roma, então capital do Estados Pontifícios, pelas tropas de
Carlos V, o imperador do Sacro Império Romano-Germânico. O conflito ocorreu entre Carlos
V e a Liga de Cognac (1526-1529) uma aliança composta por França, Milão, Veneza, Firenze
e o Papado.
As disputas entre Francisco I e Carlos V já ocorriam desde o início da década de 1520,
datando aproximadamente da derrota do primeiro perante o segundo na eleição para Sacro
Imperador Romano. Nesse sentido, a derrota dos franceses nos primeiros conflitos preocupou
112 Voi sapete quante occasioni si sono perdute: non perdete questa, né confidate più nello starvi, rimettendovi
alla fortuna et al tempo, perchè con il tempo non vengono sempre quelle medesime cose, né la fortuna è sempre
quella medesima. Io direi più oltre, se io parlassi con huomo che non intendesse i segreti o non conoscesse il
mondo. Liberate diuturna cura Italiam, extirpate has immanes belluas, quae hominis, preter faciem et vocem,
nihil habent. GUICCIARDINI, Francesco. “Lettere”. In: SASSO, Gennaro. Per Francesco Guicciardini: quatro
studi. Istituto Storico Italiano per il Medio Evo. Roma: nella sede dell’Istituto Palazzo Borromini, 1984, p. 125.
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o papado e a República de Veneza, que já procuravam afastar Carlos V dos assuntos italianos.
Pouco depois de retornar à França, após a esmagadora vitória imperial em Pavia, Francisco I
renunciou ao seu tratado de paz com Carlos V e juntou-se ao Papado, Firenze, Milão e a
Inglaterra, criando a aliança anti-Habsburgo, chamada Liga de Cognac.
O Papa Clemente VII havia dado seu apoio ao Reino de França em uma tentativa de
alterar o equilíbrio de poder na região e libertar o papado de dependência crescente do Sacro
Império Romano-Germânico (e da dinastia de Habsburgo). O exército do imperador deste
império havia derrotado o exército francês na Itália, mas os fundos do império e os espólios
de guerra não foram suficientes para pagar os soldados, devido também a esta situação os
soldados da tropa imperial se amotinaram e forçaram seu comandante, Carlos III de Bourbon,
condestável da França, a conduzi-los em direção a Roma. Havia cerca de 6.000 espanhóis sob
o comando do duque, aproximadamente 14.000 lansquenetes sob comando de Georg von
Frundsberg, um corpo de infantaria italiano liderada por Fabrizio Maramaldo, além dos
poderosos cardeais italianos, Pompeio Colonna e Luigi Gonzaga, e também alguns homens de
cavalaria sob o comando de Ferdinando Gonzaga e Philibert, Príncipe de Orange.
Apesar de Lutero ser pessoalmente contra o conflito, alguns militares que se
consideravam seguidores do movimento protestante de Lutero enxergavam por motivos
religiosos, a capital papal como um alvo, objetivo último compartilhado com os demais
soldados que marcharam a Roma com o intuito de saquear e pilhar a cidade, que além de
muito rica, era aparentemente um alvo fácil.
O duque Carlos III, deixou Arezzo em 20 de abril 1527, aproveitando o caos em
Veneza e em Firenze, suas tropas, em grande parte indisciplinadas, saquearam Acquapendente
e San Lorenzo alle Grotte, ocuparam Viterbo e Ronciglione, atingindo as muralhas de Roma
no dia 5 de maio. O Papa Clemente VII conseguiu escapar por uma passagem secreta: o
célebre passetto, construído por Alexandre VI (1492–1503), que liga o Palácio Apostólico ao
Castelo de Sant'Angelo às margens do Tibre, ficando em seguro refúgio na fortaleza até 6 de
junho, quando se rendeu e concordou com o pagamento de 400.000 ducados por sua
libertação, além de ceder os territórios de Parma, Placenza, Modena e Civitavecchia ao
imperador. Estima-se que 6.000 romanos tenham morrido no saque de Roma, com o total real
provavelmente atingindo o dobro deste número, fragilizado politicamente pela invasão, o papa
teve que ceder às vontades de Carlos V até sua morte, incluindo negar os pedidos do rei inglês
Henrique VIII para que ele anulasse seu primeiro matrimônio. Apesar da vitória, Carlos V
perdeu o controle sobre as tropas, que inclusive permaneceram em Roma até o fim dos
mantimentos e o começo de uma epidemia de peste em fevereiro do ano seguinte.
54
Como uma das várias consequências do avanço de Carlos V, a Signoria florentina da
família Médici caiu, fazendo ruir a política anti-imperial que Guicciardini havia elaborado
junto ao papa. Deve-se ressaltar que o mesmo Guicciardini foi nomeado “lugar-tenente
general” das tropas pontifícias em junho de 1526, e ao enfrentar as tropas espanholas e
alemãs, foi derrotado, com a invasão e saque de Roma em 6 de maio de 1527. Ao retornar a
Firenze, encontrou um governo hostil, que havia expulsado os Medici em 16 de maio do
mesmo ano, retira-se para a casa “Di finocchieto nel Mugello”, preservando-se de possíveis
inimigos políticos e da peste que assolava a Europa, neste auto-recolhimento escreve
“Consolatoria, Acusatoria e Defensoria” (1528) transfere-se, em menos de onze meses, para
“Santa Margherita a Montici” próxima a Firenze, aproveitando este período de “Ozio con
dignità” para rever suas máximas dos Ricordi. Dois anos depois do saque de Roma, portanto
em 1529, Clemente VII recebeu permissão para sair do Castelo de Sant’Angelo e refugiou-se
em Orvieto, Guicciardini esteve presente nas negociações com as tropas vitoriosas e
conseguiu um bom acordo para que a família Médici pudesse voltar a Firenze, tal documento
foi firmado na cidade de Barcelona, em junho de 1529. Dois meses depois, a paz de Cambray,
entre Carlos V e Francisco I, selou definitivamente a intenção dos franceses de dominar a
Itália.
Com este tratado os Estados italianos haviam concordado com a hegemonia espanhola,
exceto Firenze, onde o partido dos Arrabiati, que se opunha à restauração do governo dos
Medici, ocupava o poder. Seu líder moderado, Nicolo Capponi, foi destituído e substituído
por Francesco Carducci, que comandou a resistência com o apoio do príncipe de Orange, este
governo sustentou-se de outubro de 1529 até agosto de 1530. Simultaneamente Guicciardini
foi condenado por alta traição e teve seus bens de confiscados; nestas circunstâncias, fugiu
para Lucca e, depois, para Roma, onde, foi acolhido pela cúpula da Igreja Católica. A partir
de outubro de 1529, Firenze foi cercada pelo exército imperial, e com base nos acordos
firmados em junho, entre Clemente VII e Carlos V, este último imperador assegurou o retorno
dos Medici à cidade, portanto, com a queda dos Arrabiati em 1530, Guicciardini retornou
com total apoio dos Medici, tendo sido nomeado para um dos cargos dos Otto di Pratica, e
junto com o comissário Baccio Valori, comandou pessoalmente intensa repressão contra os
Arrabiati e seus simpatizantes.
O saque de 1527 marcou o fim da Renascimento Italiano, atingiu o prestígio papal e
liberou o imperador Carlos V de agir contra a Reforma Protestante na Alemanha, bem como o
levou a não mais reprimir os príncipes germânicos revoltosos, aliados de Lutero. Pode-se
inferir que, o eixo político da Europa tenha se deslocado da Itália para os Estados Germânicos
55
e a Inglaterra. Apesar da Contrarreforma e do fortalecimento católico com o expansionismo
espanhol e português, o poder político temporal de Roma foi destroçado, e nunca mais seria o
mesmo, sobretudo se levarmos em conta o desmembramento das igrejas da Alemanha e
Inglaterra.
Em janeiro de 1531, Guicciardini aceitou o cargo pontifício de Presidente della
Romagna, área pertencente ao Estado Pontifício, acumulando este cargo com a presidenza
dell’Esarcato di Ravenna113.Neste período escreveu Cose Fiorentine, portanto na sua fase
“madura”, vinte anos depois da obra Storie Fiorentine (1508-1509). Fez uma releitura da
antiga Firenze, baseando-se em seus sentimentos pessoais e em suas experiências políticas
como embaixador e político executivo, em suas participações na Signoria e em órgãos como o
Otto de Balia, por exemplo. Nesta obra, traz problemas já existentes vinte anos antes, na obra
Storie Fiorentine, mas que ainda eram recorrentes em 1529, reforça sua crítica contra a tirania
e defende a tese do bom governo ou governo moderado, que deveria ter homens sábios e
prudentes (savi e prudenti) em cargos do governo. Lendo esta obra cuidadosamente, encontra-
se alusões diretas ao governo florentino dos Ottimati (1393-1420). Aborda a questão da
Igreja, com a disputa de poder entre esta e os Estados Italianos, são encontrados ainda temas
contidos no capítulo XI do Príncipe de Maquiavel e também nas reflexões de Savonarola,
como podem ser lidos no Ricordi 31:
Os que excluem o quanto podem o poder da fortuna, atribuindo tudo à prudência e à
virtude, precisam ao menos confessar que é muito importante aparecer ou nascer em
época em que se tenha apreço pelas virtudes ou qualidades que nos fazem alcançar a
estima dos demais: veja-se o exemplo de Fábio Máximo que, por ser de natureza
prudente, teve tanta reputação, encontrando-se numa espécie de guerra em que o
ímpeto era pernicioso, e a cautela útil; numa outra época poderia ter sido o contrário.
Por isso a sua fortuna foi ter vivido numa época que precisava da qualidade que ele
possuía; sendo assim, quem pudesse variar a sua natureza segundo as condições da
época, o que é dificílimo e talvez impossível, seria muito menos dominado pela
fortuna.114
113 RIDOLFI, Roberto. Vita di Francesco Guicciardini. Roma: Angelo Belardetti Editore, 1959, p. 191. 114 Coloro ancora, che attribuendo el tutto alla prudenza e virtú, escludono quanto possono la potestá della
fortuna, bisogna almanco confessino che importa assai abattersi o nascere in tempo che le virtú o qualitá per le
quali tu ti stimi siano in prezzo: come si può porre lo esemplo di Fabio Massimo, al quale lo essere di natura
cunctabundo dette tanta riputazione, perché si riscontrò in una spezie di guerra, nella quale la caldezza era
perniziosa, la tarditá utile; in uno altro tempo sarebbe potuto essere el contrario. Però la fortuna sua consisté in
questo, che e' tempi suoi avessino bisogno di quella qualitá che era in lui; ma chi potessi variare la natura sua
secondo le condizione de' tempi, il che è difficillimo e forse impossibile, sarebbe tanto manco dominato dalla
fortuna. GUICCIARDINI, Francesco. Opere. La Letteratura Italiana: Storia e Testi. v. 30. A cura di Vittorio de
Caprariis. Milano; Napoli: Riccardo Ricciardi Editore, s/d., p. 30 § 31.
56
Guicciardini, a serviço do papado, foi conselheiro político, governador de estados
papais e general derrotado em campanhas militares como Pavia e Roma. Portanto, após 1531,
de maneira madura e moderada analisa a política italiana e florentina dos últimos quatro
decênios, criticando sobretudo o regime florentino e propondo um programa político115.
Guicciardini diz que os Estados devem mais às suas leis do que a força de suas armas ou a
fatalidade das coisas, apesar das graves críticas que faz à desunião da Península Itálica, este
autor não propôs uma política que conduzisse a península italiana à unificação, esta obra foi
interrompida em 1531 e segundo Caprariis o equilíbrio político e o mito da paz na Itália serão
retomados na Storia d’Italia. Enfim, segundo Ridolfi, Le cose fiorentine é uma obra que
representa a passagem entre o primeiro ensaio juvenil (Storie fiorentine) e a sua obra escrita
da maturidade, mostrando uma mudança de concepção, de método e de estilo116, conforme
Ridolfi: “Nesses dez anos o seu pensamento tinha amadurecido, sua arte estava ainda mais
temperada, desilusões, amores, tristezas, o haviam deixado mais disposto para escrever, com a
pacata angústia de uma representação antiga, aquela tragédia da Itália.”117
Sobre a obra Considerazioni intorno ai Discorsi del Machiavelli sulla prima Deca di
Tito Livio, segundo Berardi, Guicciardini pôde ler o livro de Maquiavel, os Discorsi sopra la
prima deca di Tito Livio, na casa do cardeal Gaddi, em Roma. Ainda segundo Fido118 e outros
estudiosos, dizem que há indícios evidentes de que Guicciardini já conhecia a obra entre 1521
e 1527, Sasso afirma que o diplomata florentino discutiu com Maquiavel os temas desta obra,
pois há extensas referências a temas maquiavelianos no Dialogo del Reggimento di Firenze119.
A originalidade de sua obra fundamenta-se no fato de que ele escreve a primeira crítica ao
pensamento maquiaveliano, abordando sobretudo, as discórdias civis, constrói elaboradas
críticas às diversas teses, aprofundou a leitura e construiu contrapontos consistentes a obra de
Maquiavel, como por exemplo, o conteúdo do quarto capítulo do primeiro livro dos Discorsi
de Maquiavel , no qual afirma “que a desunião da plebe e do Senado romano fez a República
115 GUICCIARDINI, Francesco. Cose Fiorentine, p. 24; CAPRARIIS, Vittorio de. Francesco Guicciardini.
Dalla Politica alla Storia. Napoli: Società Editrice Il Mulino, 1993, p. 106. 116 RIDOLFI, Roberto. Studi Guicciardiniani. Firenze: Leo S. Olschki Editore, 1978, p. 32. 117 In quei dieci anni il suo pensiero s’era maturato ancora, la sua arte ancor più temprata; delusioni, amarezze,
tristezze lo avevano meglio disposto a scrivere, con la pacata angoscia di una rappresentazione antica, quella
tragedia d’Italia. RIDOLFI, Roberto. Vita di Francesco Guicciardini. Roma: Angelo Belardetti Editore, 1959, p.
399. 118 FIDO, Franco. Machiavelli, Guicciardini e storici minori del primo Cinquecento. Padova: Piccin Nuova
Libraria, 1994, p. 48. 119 SASSO, Gennaro. Per Francesco Guicciardini: quatro studi. Istituto Storico Italiano per il Medio Evo.
Roma: nella sede dell’Istituto Palazzo Borromini, 1984, p. 105.
57
livre e poderosa".120 Com vigorosa crítica Guicciardini contrapõe-se dizendo que: "louvar a
desunião é como louvar um doente ou louvar a doença pela bondade do remédio que lhe foi
aplicado.”121 Nesta obra, Guicciardini se mostra como primeiro discípulo e o primeiro crítico
do realismo político maquiaveliano inserido neste modelo de filosofia política.
2.3 - O retorno a Firenze e a mudança dos tempos
Em 1532, Guicciardini participou ativamente das negociações entre Carlos V e
Clemente VII, propondo em vão retirar Roma da velha aliança com a França. Ao retornar a
Firenze, encontra um novo panorama político, a Signoria havia sido extinta e o governo era
exercido por um conselho de quatro membros, escolhido a partir de um senado de quarenta e
oito pessoas, tendo como capo o jovem Alessandro, filho natural de Lorenzo di Piero, que se
intitulava “Duque da la República” desde seis de julho de 1531, sendo na realidade o chefe
absoluto da cidade. O estado de ânimo de Guicciardini estava muito abalado, pois entendia
que a ordem institucional estava sendo ignorada e um governo de medíocres estava em curso
com a sua participação, conforme se pode ler no Ricordi 38:
É difícil para a casa dos Medici, muito poderosa e com dois papados, conservar o
Estado de Firenze, muito mais do que foi para Cosimo, cidadão civil, porque, além
do excessivo poder que possuía, concorreu para isso a condição dos tempos, pois
Cosimo teve de combater o Estado com a força de poucos, sem afligir o geral, que
não conhecia a liberdade; aliás, em cada questão entre os poderosos e em cada
mudança os homens medíocres e os mais baixos melhoravam de condição. Mas
hoje, tendo sido experimentado o Grão-Conselho, não se pensa mais em tirar ou
manter a usurpação do governo de quatro, seis, dez ou vinte cidadãos, mas de todo o
povo, que aspira tanto àquela liberdade que não se pode esperar que a esqueça com
todas as gentilezas, com todos os bons governos e exaltação do público que os
Medici ou outros poderosos costumam usar.122
120 Che la disunione della plebe e del senato romano fece libera e potente quella republica. GUICCIARDINI,
Francesco. “Considerazioni sui Discorsi del Machiavelli”. In: Opere. La Letteratura Italiana: Storia e Testi. v.
30. A cura di Vittorio de Caprariis. Milano; Napoli: Riccardo Ricciardi Editore, s/d., p. 616. 121 Che la disunione della plebe e del senato romano fece libera e potente quella republica; Laudare la disunione
è come laudare in uno infermo la infermita, per la bontà del remédio che gli è stato applicato. GUICCIARDINI,
Francesco. “Considerazioni sui Discorsi del Machiavelli”. In: Opere. La Letteratura Italiana: Storia e Testi. v.
30. A cura di Vittorio de Caprariis. Milano; Napoli: Riccardo Ricciardi Editore, s/d., p. 616. 122 È difficile alla casa de' Medici potentissima e con dua papati conservare lo stato di Firenze molto piú che non
fu a Cosimo privato cittadino; perché, oltre alla potenzia che fu in lui eccessiva, vi concorse la condizione de'
tempi, avendo Cosimo avuto a combattere lo stato con la potenzia di pochi, sanza displicenzia dello universale,
el quale non cognosceva la libertá; anzi in ogni quistione tra potenti, e in ogni mutazione, gli uomini mediocri e
piú bassi acquistavano condizione. Ma oggi essendo stato gustato el Consiglio Grande, non si ragiona piú di tôrre
o tenere usurpato el governo a quattro, sei, dieci o venti cittadini, ma al popolo tutto; el quale ha tanto lo obietto
a quella libertá, che non si può sperare di fargliene dimenticare con tutte le dolcezze, con tutti e' buoni governi e
esaltazione del publico che e' Medici o altri potenti usino. GUICCIARDINI, Francesco. Opere. La Letteratura
58
Embora trabalhando no governo de Firenze, sob o comando do “Duque de la
Republica”, Guicciardini se sentia insatisfeito e desgostoso pela excepcionalidade das
medidas ditadas pelo governante que transgredia o aparato legal republicano123, conforme
escreveu em maio de 1532 à Bartolomeo Lanfredini124, onde descreve seu descontentamento
com a falta de estabilidade política vivida em Firenze:
Outros, que não possuem mais qualidades, duvidaram e duvidam que este não
tenha sido um motivo para tomar, de novo, outra autoridade que não tenha
necessidade de controle dos cidadãos. Houve outros que, embora amassem este
Estado (ou seja, o regime dos Médici) e desejassem participar dele e estar a seu
serviço, sempre desejavam ter um pouco de espaço, por onde esperavam poder
escapar, caso as coisas mudassem e, ainda que fosse débil a esperança, quem teve
este sonho abandonou, de mau grado, todo o restante que possuía.125
Com a morte de Clemente VII, em 1534, Guicciardini deixa o governo de Bologna
(em 24 de novembro), retornando para Firenze, onde se retira para a “Vila de Santa
Margherita a Montici”, e retoma seu trabalho como escritor, na sua cidade natal, Guicciardini
passa a exercer o papel de “Eminenza grigia”, entendido como “Eminência parda”126. Em seis
de janeiro de 1537, o Duque Alessandro foi assassinado por Francesco, primo de Lorenzo di
Piero (seu pai). Após o assassinato de Alessandro, Firenze se dividiu em dois grupos
políticos, o Conselho dos quarenta e oito e os mediceus moderados, que propuseram o retorno
dos exilados (expulsos pelo duque) e a restauração parcial das instituições republicanas
anteriores ao ducado; a outra força política, vinculada ao absolutismo mediceu, composta por
Roberto Acciaiuoli, Matteo Strozzi e Francesco Vettori, apoiados por Guicciardini. Este
último grupo negociou a sucessão da família Medici, sendo escolhido Cosimo de’ Medici,
filho de Giovanni Bande Nere, a transição ocorreu de maneira consensual entre os grupos,
bem ao estilo de Guicciardini (de maneira harmoniosa e preventiva). O novo duque
concordou em respeitar as leis e subordinar-se ao “Conselho dos Oito”, cuja composição,
dentre outros, contaria com a preciosa presença do experimentado diplomata florentino.
Italiana: Storia e Testi. v. 30. A cura di Vittorio de Caprariis. Milano; Napoli: Riccardo Ricciardi Editore, s/d., p.
31, § 38. 123 CUTINELLI-RÈNDINA, Emanuele. Guicciardini. Roma: Salerno Editrice, 2009, p. 62. 124 Ibidem, p. 64. 125 Altri, et questi sono di piú qualità, hanno dubitato et dubitano che questo non sai stato um principio per
pigliare poi di nuovo un’altra autorità che non habbia bisogno di ministerio di cittadini. Ci sono stati delli altri
che, benché amino questo Stato (cioè Il regime mediceo) et desiderino parteciparvi et essere adoprati,
nondimanco vorrebbono sempre havere um poço di riservo o di spiraglio, donde potessino sperare di potere
uscire se le cose si mutassino, et benché la fussi debole speranza, purê, chi è di questa fantasia, abbandona
malvolentieri ogni relliquia che n’habbia. Ibidem, p. 64. 126 Ibidem, p. 69.
59
Segundo Cutinelli-Rèndina127, Cosimo assumiu o poder libertou-se da tutela de Guicciardini e
dos outros Ottimati, unilateralmente estabeleceu uma aliança com a Monarquia espanhola,
cedendo importantes posições florentinas como as fortalezas de Firenze, Pisa e Livorno, em
troca de reconhecimento político e proteção militar da parte dos espanhóis. Cosimo instalou
um ducado de caráter nitidamente monarquista e hereditário, criando uma dinastia de nobres,
ao romper com os Ottimati, abriu mão da autonomia florentina, alijando do poder as forças
políticas que nos últimos duzentos anos sustentaram as ações políticas, econômicas e culturais
do modelo republicano florentino, portanto esta nova safra de duques mediceus destruiu
instituições como as magistraturas, a Signoria e o Consiglio Grande.
Gilbert bem define a importância da Storia d’Italia, destacando-a como um marco
para a construção de outras obras posteriores de cunho filosófico e historiográfico: “A Storia
d’Italia de Guicciardini é a última grande obra histórica conduzida segundo o esquema
clássico, mas é também a primeira grande obra da historiografia moderna.”128
A Storia d’Italia não foi iniciada em 1537, mas em 1535, não começando com o
Primeiro Livro, mas com o décimo sexto que, segundo Ridolfi, foi reescrito três vezes e ocupa
três quartos da sua obra em relação aos últimos trinta anos. Guicciardini escreve essa obra
após a batalha de Pavia, e ainda segundo Ridolfi, a ideia era escrever algo menor, sem uma
abrangência tão grande.129
Segundo Caprariis, Guicciardini destacou a atuação de Lorenzo e o seu governo,
justificou a teoria do equilíbrio político florentino e, já numa fase madura de sua vida,
continuou enaltecendo o mito da paz na Itália130. Ainda de acordo com este autor131,
Guicciardini faz críticas às posições dos políticos, sobretudo dos seus conterrâneos
florentinos, mostrando que, embora tenham trabalhado pela paz, eles não foram capazes de
projetar uma Itália unida. Caprariis diz que o homem aparece como força operante da história
e a Itália como o cenário de visão de Guicciardini. Do segundo livro em diante, Guicciardini
adota um discurso “quasi apocalitico”132, ao estudar a crise italiana, tem uma visão aguda da
realidade, sem escrever literatura, supera deste modo a vera storia. Guicciardini insiste em
citar, recorrentemente, o equilíbrio entre as forças, problematizando situações ocorridas na
condução da política italiana, colocando o homem como sujeito e criador da sua própria
127 Ibidem, p. 70. 128 La Storia d’Italia di Guicciardini è l’ultima grande opera storica condotta secondo lo schema classico, ma è
anche la prima grande opera della storiografia moderna. GILBERT, Felix. Machiavelli e Guiccciardini.
Traduzione di Franco Salvatorelli. Torino: Piccola Biblioteca Einaudi, 1970, p. 225. 129 RIDOLFI, Roberto. Vita di Francesco Guicciardini. Roma: Angelo Belardetti Editore, 1959, p. 406. 130 CAPRARIIS, op. cit., p. 111. 131 Ibidem, p. 118. 132 Ibidem, p. 119.
60
história, demonstra o caráter realista de sua análise e cria, de maneira clara, um conceito de
equilíbrio entre as forças, a “isostasia política”. Deve-se ressaltar que Guicciardini tinha
consciência de que seu ideal republicano estava cada vez mais distante, pois não houve
avanços na manutenção e abertura de instituições participativas, ao contrário, após 1530,
Firenze suprimiu as instituições republicanas, os Medici aderiram a títulos de nobreza e
desmontaram o que havia de mais precioso para os florentinos, a Signoria. Pocock bem
resume o estado de ânimo dos Ottimati e até o próprio estado de Guicciardini, “Os Ottimati
admiravam os Médici a medida em que eram chamados a colaborar com eles e no entanto os
odiavam por serem tratados como inferiores”133.
Deve-se entender que Firenze teve reformas contínuas em suas instituições, mas os
atores políticos não souberam e não puderam preservar a liberdade cidadã, o “vivere civile”.
Resume-se abaixo a situação política florentina:
De 1494 a 1537, o governo florentino foi reformado ao menos cinco vezes: em
dezembro de 1494, em agosto de 1502, com a instauração do gonfaloneiro vitalício,
em setembro de 1512, com o retorno dos Médici e a supressão dos conselhos criados
por Savonarola, em maio de 1527, com o restabelecimento do Grande Conselho e a
instituição de um gonfaloneiro por um período de um ano, em agosto de 1530 com o
retorno definitivo dos Médici ao poder, que resultou em abril de 1532, no
desaparecimento de um símbolo das instituições comunais: a Signoria.134
Confirma-se que as instituições florentinas republicanas foram esvaziadas após 1530,
e que em toda sua obra Guicciardini não busca um salvador da pátria ou um homem
diferenciado, muito menos um mártir ou um herói, mas propõe a práxis política exercida por
homens que têm suas responsabilidades individuais em suas decisões, uma real psicologia
individual voltada para o Bem Comum, o “vivere civile”.
Para Caprariis, Guicciardini exprime sua grande preocupação com os homens de
governo e os motivos de que determinam suas escolhas políticas135. Com a Storia d’Italia,
Guicciardini se diferencia dos autores de sua época, e mesmo das influências greco-romanas,
pois, ao tratar dos governantes, não trata suas ações isoladamente, mas as contextualiza e
133 POCOCK, J. G. A. The Machiavellian Moment. Princeton/London: Princeton University Press, 1975, p. 212. 134 FOURNEL, Jean-Louis; ZANCARINI, Jean-Claude. La politique de l’expérience: Savonarole, Guicciardini
et le républicanisme florentin. Torino: Edizione dell’Orso, 2002, p. 131-132. 135 CAPRARIIS, op. cit., p. 122.
61
estabelece correlações. Segundo Sasso136, este livro merece ser mais lido e mais estudado,
apesar de ter sido o primeiro a ser publicado após a morte de Guicciardini137.
Roberto Ridolfi, nos Studi Guicciardiniani138, explica a trajetória da obra Storia di
Italia, indicando que esta obra foi impressa em 1579, na cidade de Londres, traduzida por
Geffray Fenton, esta obra foi dedicada à rainha Elizabeth. Alcançou grande repercussão na
corte inglesa, com duas tiragens com importantes para a época (1599 e 1618,
respectivamente). No século XVI, foram feitas duas edições em latim, três em francês, uma
em alemão, uma em holandês e outra em espanhol. Além desta obra, apenas os Ricordi foram
publicados pouco tempo após a morte de Guicciardini, deve-se entender portanto, que houve
grande intervalo entre essas duas publicações e as outras obras de Guicciardini, que só foram
publicadas entre 1857 e 1867 por Giuseppe Canestrini.
Entende-se, pelos fatos que se seguiram, como o assédio das potências estrangeiras
sobre a Península Itálica e a configuração de alianças que criaram nova nobreza local, o
reinvestimento no modelo latifundista e à acomodação dos Estados Pontifícios na sua
estrutura de poder monárquico-feudal. Observa-se que, após 1540, com a Contrarreforma,
houve uma reação para fortalecer o poder papal através da criação da Santa Inquisição e de
seus Tribunais que na Europa católica e porções da América, criando um ambiente de medo e
perseguição, embora agressivos e sangrentos, insuficientes para dominar o mundo moderno.
136 SASSO, Gennaro. Per Francesco Guicciardini: quatro studi. Istituto Storico Italiano per il Medio Evo.
Roma: nella sede dell’Istituto Palazzo Borromini, 1984, p. 158. 137 Ibidem, p. 158. 138 RIDOLFI, Roberto. Itinerario storiografico del Guicciardini. In: ______. Studi Guicciardiniani. Firenze: Leo
S. Olschki Editore, 1978, p. 15.
62
CAPÍTULO 3 - GUICCIARDINI E OS PENSADORES POLÍTICOS DE SEU TEMPO
3.1 - Maquiavel e Guicciardini
Maquiavel e Guicciardini foram contemporâneos, sendo Guicciardini catorze anos
mais jovem que Maquiavel. O jovem Guicciardini foi influenciado pelas ideias de Maquiavel
que circulavam nos meios políticos de Firenze. Segundo Sasso139, os escritos de Guicciardini
apresentavam ideias comuns aos humanistas cívicos florentinos com destaque para as ideias
políticas de Maquiavel. No período pós-Savonarola Bernardo Rucellai patrocinou em sua casa
debates político-filosóficos, inspirados na Grécia antiga e contribuindo para a construção do
Humanismo Clássico, este espaço passou a ser conhecido como Orti Oricellari, no qual se
reuniam intelectuais, políticos e jovens da elite local, ávidos por mudanças e conhecimento.
Entende-se que Guicciardini tinha como uma de suas fontes de consulta os escritos de
Maquiavel, embora o jovem diplomata não frequentasse as reuniões promovidas por Bernardo
Rucellai, mantinha-se informado por cartas e textos que circulavam em Firenze, portanto, não
houve um debate clássico entre estes dois pensadores. Segundo Bignotto, esta relação deu-se
muito mais da parte de Guicciardini para com a obra de Maquiavel, do que o contrário:
[...] Guicciardini não publicava seus escritos e nesse sentido não podia ser julgado
por seus contemporâneos. De nosso ponto de vista, isso implica em dizer que não
podemos nos servir da recepção imediata da obra para guiar nossa interpretação. O
segundo elemento é o fato de que o pensador se dedicou a fazer com os escritos de
seu amigo aquilo que não podia ser feito com os seus. Nesse sentido, podemos saber
com certeza quais eram suas ideias a respeito de temas centrais nos debates políticos
florentinos, em particular entre aqueles que como Maquiavel defendiam uma forma
de república popular.140
Pode-se inferir que O Príncipe, de Maquiavel, em seus capítulos VI e VII, foi usado
por Guicciardini em seu ensaio Del modo di assicurare lo Stato alla casa de’ Medici141. Há
uma carta datada de 29 de julho de 1517 em que seu sobrinho Nicolo confirma tal fato142.
Constata-se que Guicciardini teve acesso aos escritos de Maquiavel e que fez uso de suas
ideias para construir suas reflexões políticas, com referencial teórico provido do frescor
139 SASSO, op. cit., p. 24. 140 BIGNOTTO, Newton. Republicanismo e realismo: um perfil de Francesco Guiccidiarni. Belo Horizonte:
UFMG, 2006, p. 163. 141 SASSO, op. cit., p. 45. 142 Ibidem, p. 95.
63
reflexivo inerente a proximidade com a obra política de Maquiavel, pois seus escritos e
traduções circulavam entre os intelectuais de seu tempo, tanto nos Orti Rucellai, quanto em
outros ambientes, reforça-se portanto tal influência a partir da citação abaixo de Valverde:
A novidade maquiaveliana acerca da natureza e da condição humanas, sob horizonte
naturalista materialista, quiçá de fundo epicurista – Maquiavel traduzira o De Rerum
Natura, de Lucrecio, por volta de 1497 – despe o homem de trajes incômodos,
apertados ou folgados em demasia, fora de moda e de época, sob arroubos
desproporcionais.143
Sasso, em sua obra Per Fracesco Guicciardini: quattro studi, escreve sobre a grande
influência de Maquiavel na obra de Guicciardini, quando as ações de Salviati são descritas nas
Storie Fiorentine, reconhece-se no capítulo XXIII que o poema Decennale Primo de
Maquiavel, influenciou diretamente o texto de Guicciardini neste capítulo144. Enquanto o
secretário florentino apresenta a luta pelo poder, Guicciardini introduz como ponto central a
questão da reforma do Estado de forma diferenciada dos Decennale, abrindo uma outra chave
política fundamentada na obra de Maquiavel (Decennale Primo). Segundo Sasso, nesta
passagem há uma “análise breve, mas admirável: desenvolvida com segurança, profundidade
e destaque crítico, surpreende quando se pensa que quem a realiza é um jovem que tinha
pouco mais de vinte e cinco anos de idade.”145 É correto, portanto, afirmar que a Storie
Fiorentine de Guicciardini aprofunda a análise política de seu tempo, conjugando fontes
familiares, textos de Maquiavel e os sermões de Savonarola. Nas palavras de Sasso:
Em poucos outros escritores há a mesma força que em Francesco Guicciardini: sua
percepção das múltiplas dimensões se constituem e se exprimem na capacidade de
decompor-se, de ponderar, de avaliar, com minúcia analítica para recompor, por fim,
surpreendente e mesmo transparente, a articulada unidade que as une.146
143 VALVERDE, Antonio José Romera. "Maquiavel: a natureza humana e o reino deste mundo" In:
SGANZERLA, Anor; VALVERDE, Antonio José Romera; FALABRETTI, Ericson. (Orgs.). A Natureza
Humana em Movimento: ensaios de antropologia filosófica. São Paulo: Paulus, 2012, p. 51-61. 144 SASSO, op. cit., p. 56-58. 145Analisi breve, ma mirabile: svolta com uma sicurezza, uma penetrazione e um distacco critico che non
possono non sorprendere quando si pensi che ad eseguirla era in realtà n giovane che da poco aveva passato il
venticinquesimo anno d’etá. Ibidem, p. 61. 146 In pochi altri scrittori com altrettanta forza che in Francesco Guicciardini la percezione delle molteplici
dimensioni onde le “cose” sono costituite si esprime nella capacita di scomporle, di soppersarle, di valutarle,
com minuzia analítica, per ricomporle da ultimo, rese come trasparenti a se stesse, nell’articolata unità che le
avvince. Ibidem, p. 70.
64
A relação pessoal entre Guicciardini e Maquiavel estreitou-se após 1521, há cartas que
atestam a proximidade entre os dois pensadores, denotando camaradagem, amizade e
intimidade. Conforme Bignotto confirma:
Embora os textos de Maquiavel fossem conhecidos por Guicciardini, os dois só
tiveram contato estreito nos últimos anos de vida de Maquiavel, quando Guicciardini
estava no auge de sua carreira, servindo como governador de Modena a serviço dos
Estados Pontifícios e, ao mesmo tempo, trabalhando a serviço dos Medici em
Firenze. Foi quando Maquiavel, de 1521 à 1527, também trabalhando para os
Medici em Firenze, passou a conviver com Guicciardini, seja pessoalmente, seja
através de cartas, até a sua morte.147
Meses antes de morrer, Maquiavel escreveu a Francesco Vettori uma carta, na qual
fala sobre a ocupação da Itália por forças estrangeiras, datada de 16 de abril de 1527, faz uma
declaração de fidelidade a Firenze e a Guicciardini, demonstrando portanto a proximidade
existente entre os dois florentinos:
Eu amo Messer Francesco Guicciardini, amo minha pátria mais que minha alma, e
digo isto pela minha experiência que me dá meus 60 anos (tinha em realidade 58
anos), não acredito que tenha vivido situações mais difíceis do que estas, em que a
paz é necessária e a guerra não se pode abandonar, e ter entre as mãos um príncipe
(o papa Clemente VII) que com trabalho pode atender apenas a paz ou apenas a
guerra. A vós me encomendo. Aos 16 dias de abril de 1527.148
Bignotto diz que o “leitor ideal” da obra maquiaveliana149 é Guicciardini por ter
estudado temas relativos a liberdade e as discórdias civis à época do Cinquecento. Este autor,
que por vezes será apresentado como um maquiaveliano “mais conseqüente, um realista mais
coerente, no limite do cinismo”150, com suas Considerazioni intorno ai Discorsi del
Machiavelli sulla prima Deca di Tito Livio construiu um contraponto teórico ao pensamento
de Maquiavel, sobretudo quando trata das discórdias civis como fonte de liberdade da
147 BIGNOTTO, Newton. Republicanismo e realismo: um perfil de Francesco Guiccidiarni. Belo Horizonte:
UFMG, 2006, p. 163. 148 Yo amo a messer Francisco Guicciardini, amo a mi patria más que a mi alma, y os digo esto por la
experiencia que me han dado sesenta años, que no creo que jamás se hayan fatigado artículos más difíciles que
estos, en que la paz es necesaria y la guerra no se puede abandonar, y tener entre manos a un príncipe que con
trabajos puede atender a la paz sola o a la guerra sola. A vos me encomiendo. A los 16 días de abril de 1527.
MAQUIAVEL, Nicolau. Epistolario 1512-1427. 2. ed. Traducción, edición y notas de Stella Mastrangelo.
México: Fondo de Cultura Económica, 2013, p. 430. 149 BIGNOTTO, Newton. Nota Metodológica: Guicciardini leitor de Maquiavel. Discurso, n. 29, p. 111-131,
1998, p. 116. 150 BERARDI, Gian Franco. “Introduzione”. In: Francesco Guicciardini: Antimachiavelli. Roma: Riuniti, 1984,
p. 9.
65
República Romana. Guicciardini foi um leitor privilegiado d’O Príncipe e fez críticas a
Maquiavel dos Discorsi, conforme pode ser lido em Berardi:
O interesse crítico que impulsiona Guicciardini, em todo o seu complexo e
minucioso esforço analítico, tem um objeto posterior mais denso, direto e preciso. É
o programa político maquiaveliano que ele quer colocar em dúvida, é a idéia
fundamental de seu amigo-inimigo, assim como tinha sido expressa no Príncipe, nos
Discorsi e na Arte della guerra.151
A preocupação com a política florentina era a tônica dos escritos e pensamentos de
ambos, que viveram sob o governo de Piero Soderini, cujo secretário de governo foi
Maquiavel e Guicciardini embaixador da mesma Firenze republicana junto ao reino de
Espanha. Quando o diplomata escreveu o Discorso di Logrogno, sua grande preocupação era
pensar um Estado a partir das novas instituições existentes no governo popular de Soderini152,
instituições estas herdadas do governo do frei Girolamo Savonarola (1494-1498). Um dos
assuntos que mereceu atenção foi a criação de exércitos particulares dos Estados, abrindo mão
dos serviços de mercenários contratados para a defesa153, preocupação comum nos escritos de
ambos pensadores, que estudavam o equilíbrio e a segurança dos estados. O diplomata já
colocava em pauta a questão das milícias cidadãs em seu capítulo XXVI da Storie Fiorentine
em que narra o episódio no qual Maquiavel propõe a criação das milícias e justifica a sua
criação para a Firenze de sua época.
Nesta época começaram a organizar as milícias cidadãs, coisa que já existia
antigamente em nosso Estado, pois neste tempo as guerras não se faziam com
mercenários e estrangeiros, mas sim com nossos cidadãos e nossos súditos; então
este sistema foi abandonado por duzentos anos, mas antes de 1494 pensou-se em
restabelecê-lo, e depois de 1494, dentre tantas dificuldades, muitos haviam sugerido
a conveniência de restabelecê-lo, mas nunca foram apresentados projetos a serem
discutidos, e nem sequer foram esboçadas linhas gerais. Em certo momento
Maquiavel trouxe este assunto, apresentou ao gonfaloneiro e vendo-o interessado
começou a descrever os detalhes de sua organização; portanto para que esta
instituição fosse aceita e pudesse ser mantida seria necessário proceder-se a
aprovação pelo Consiglio Grande.154
151 “Lo interesse critico che spinge il Guicciardini, tutto il suo complesso e minuzioso sforzo analitico, hanno un
ulteriore e più corposo oggetto, diretto e preciso. È il programma político machiavelliano che egli vuol mettere in
forse, sono le idee-forza del suo amico-nemico, cosí come erano state espresse nel Principe, nei Discorsi e
nell’Arte della guerra...” BERARDI, op. cit., p. 12. 152 Ibidem, p. 29. 153 Ibidem, p. 33. 154 Ne' medesimi tempi si cominciò a dare principio alla ordinanza de' battaglioni, la quale cosa era state
anticamente nel contado nostro, che si facevano le guerre non con soldati mercennari e forestieri, ma con
cittadini e sudditi nostri; di poi era stata intermessa da circa dugento anni in qua, nondimeno si era, innanzi al 94,
qualche volta pensato di rinnovarla; e doppo el 94, in queste nostre avversità molti avevano qualche volta detto
che e' sarebbe bene tornare allo antico costume, pure non si era mai messo in consulta, né datovi ne designatovi
66
A obra de Guicciardini está intimamente ligada aos eventos por ele vividos e por seus
contemporâneos florentinos, na tentativa de compreender o fracasso dos dirigentes italianos
frente às questões políticas de seu tempo. Ao incluir o estudo dos Discorsi em sua obra,
construiu uma análise original frente ao discurso político maquiaveliano, nas Considerazioni
intorno ai Discorsi del Machiavelli sulla prima Deca di Tito Livio é um dos principais
marcos para a compreensão do pensamento político de Guicciardini. Contextualiza a política
da República de Firenze e da Península Itálica de sua época, construindo uma obra
fundamentada na particularização analítica, trabalhando arduamente referenciais reais e
objetivos de sua época, revelando sua linha analítica que o separa de seu amigo e mestre
Maquiavel.
Após a morte de Lorenzo de Médici, o Cardeal Giulio de Giuliano dei Medici, passou
a ser o gonfaloneiro local, este Medici tinha apreço especial, por Michelangelo e Maquiavel,
pois ao assumir o poder, chamou o ex-secretário florentino e pediu que este atuasse como
conselheiro informal do seu governo, Maquiavel volta a escrever (sobretudo cartas) sobre as
suas concepções de governo e de república, onde a ética e a conduta patriótica eram os temas
preferidos. Continuou suas relações com Vettori (Francesco) e com Guicciardini, de 1519 a
1527 (ano de sua morte), foram os anos em que Maquiavel escreveu muito a seus dois
amigos, aprofunda o amor à pátria e expressa na obra “A Arte da Guerra”, a necessidade da
organização militar em defesa da nação. Conforme diz Bignotto em seu artigo Nota
metodológica: Guicciardini leitor de Maquiavel, na passagem abaixo:
De fato, Guicciardini frequentou em Firenze círculos muito próximos aos de
Maquiavel. Os dois foram ligados por laços de amizade ao longo de toda a vida do
Secretário Florentino – como nos atestam as inúmeras cartas trocadas pelos dois.
Além do mais, em sua extensa obra, Guicciardini cita com freqüência a obra de seu
amigo, que demonstra conhecer muito bem.155
Dentre os ideais comuns destes dois homens, além do patriotismo, o grande eixo que
sustenta a obra de ambos é a política. Guicciardini, contestava a aplicabilidade de precedentes
da antiguidade romana e a construção de referenciais teóricos generalizantes de
Maquiavel. Essas divergências apareceram no Diálogo del Regimento di Firenze e nas
principio alcuno. Volsevi di poi l'animo el Machiavello e persuasolo al gonfaloniere, veduto che gli era capace,
cominciò a distinguergli particularmente e' modi; ma perché gli era necessario per riputazione e conservazione di
una tanta cosa, che se ne facessi provisione in consiglio. GUICCIARDINI, Francesco. Storie Fiorentine. Opere.
La Letteratura Italiana: Storia e Testi. A cura di Emanuella Lugnani Scarano. Milano; Napoli: Riccardo Ricciardi
Editore, s/d., p. 131-132. 155 BIGNOTTO, Newton. Nota Metodológica: Guicciardini leitor de Maquiavel. Discurso, n. 29, p. 111-131,
1998, p. 119.
67
Considerazioni intorno ai Discorsi del Machiavelli sulla prima Deca di Tito Livio, este
último escrito provavelmente entre 1530 e 1531. Embora Guicciardini já tivesse questionado
as ideias de Maquiavel, contidas nos Considerazioni intorno ai Discorsi del Machiavelli sulla
prima Deca di Tito Livio, na obra Dialogo del Reggimento di Firenze, especificamente no
segundo livro, o autor coloca as ideias de Maquiavel nos discursos políticos proferidos por
seu pai, Piero Guicciardini.
Não são encontradas nas páginas de Guicciardini aquelas audácias de pensamento que
permitem a Maquiavel a abertura de novos horizontes, fazendo reverberar os esplendores de
uma intuição genial que cria um novo olhar sobre a história e a política, e é isto que se
encontra em outro ponto fundamental do confronto Maquiavel versus Guicciardini, nos
primeiros capítulos dos Discorsi. Maquiavel delineia uma visão dinâmica do corpo social,
lugar em que os “humores” e os “apetites” dos cidadãos – os seus interesses concretos,
necessariamente diversos – muitas vezes mostram-se em aberto conflito, à constituição (as
“ordens”), ele atribui a tarefa de não reprimir tal conflito, mas institucionalizá-lo, dando-lhe
voz legal, evitando que os “humores” explodam com violência nas formas letais da guerra
civil, do sobrepujamento autoritário de uma parte sobre toda a coletividade. Tal concepção do
corpo social concretizava-se no modelo da Roma republicana, que havia conseguido controlar
suas contrastantes forças internas e, assim, lançado as premissas de sua excepcional ventura
histórica. A visão de Maquiavel de uma política interna em contínuo movimento, composta
por dinâmicas e por equilíbrios que são continuamente construídos e recompostos, é por si só
uma concepção de análise dialética profunda e vanguardista. E se, com efeito, Maquiavel
enfatiza que em determinadas condições deve-se recorrer ao poder de um único homem a fim
de restaurar no Estado a virtù que se perdeu (em especial quando a corrupção política já
corroeu a estrutura de uma dada sociedade), o fato é que, nos Discorsi, Maquiavel afirmará
enfaticamente que sua preferência pessoal estará sempre voltada para a liberdade política,
quer dizer, para a forma republicana. É o que Skinner demonstra quando compara O Príncipe
e os Discorsi:
No Príncipe, o valor básico à volta do qual Maquiavel organiza seu aconselhamento
é o da segurança: opina-se que o príncipe tenha como prioridade ‘o conservar seu
estado’, e só depois disso considere as metas da honra, glória e fama. Inversamente,
nos Discorsi, o valor fundamental é o da liberdade: é esse ideal, e não o da mera
segurança, que Maquiavel agora deseja que coloquemos acima de todas as demais
considerações, inclusive as ditadas pela moralidade convencional.156
156 SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno. Tradução de Renato Janine Ribeiro
(capítulos 1 a 11), Laura Teixeira Motta (capítulo12 em diante). São Paulo: Cia das Letras, 2003, p. 176-177.
Aliás, no registro que lhe é peculiar, também Michel Foucault não deixará de afirmar o tema da “segurança do
68
Se o “valor da liberdade” se faz agora supremo, acima inclusive da “moralidade
cotidiana”, isto ocorre porque Maquiavel não ignorou os valores, mas viu-os ativos, “ruidosos
como um canteiro de obras”, na feliz expressão de Merleau-Ponty157. Afinal, em meio às
tarefas da época que lhe coube viver – a Itália por fazer, os bárbaros por expulsar –, tratava-
se, para Maquiavel, de restabelecer uma forma de racionalidade política suficientemente
aberta para favorecer uma leitura produtiva da história contemporânea; uma leitura que, com
efeito, pudesse fazer face aos desafios de um mundo com o qual a razão humanista parecia
incapaz de lidar.
Os dois ideais são republicanos enquanto o de Maquiavel estava em Roma, o ideal de
Guicciardini estava em Veneza, tanto nos Discorsi sopra la prima Deca di Tito Livio do
primeiro quanto nos Considerazioni intorno ai Discorsi del Machiavelli sulla prima Deca di
Tito Livio, do segundo, pode-se encontrar tal reflexão que demonstra a diferença dos modelos
políticos reais que foram referências para estes dois autores:
Como sabemos, a reflexão que ele conduz em relação à história de Roma e aos
significados que seriam possíveis de serem extraídos da teoria política é tal que não
somente não consente nada a si mesma, ou quase nada, da admiração que havia
acompanhado o genial esforço construtivo de Maquiavel, mas ainda rejeita, um a
um, os resultados “paradoxais” e inovadores que, por seu mérito, foram alcançados.
O ideal de Maquiavel se encontra em Roma, - a república que, irresistivelmente (e
esse constituí um grave problema interno à construção política), transformou-se em
“império”. O ideal de Guicciardini se encontra em Veneza, a república aristocrática
que, considerada mais a fundo e sem muitos escrúpulos, em suas estruturas e no
sábio equilíbrio das ordens fundamentais se revela, por sua vez, uma perfeita “forma
popular”.158
principado” como o nódulo central de articulação das análises maquiavelianas n’O Príncipe: “O Príncipe /.../ é
caracterizado por um princípio: o príncipe está em relação de singularidade, de exterioridade, de transcendência
em relação ao seu principado; recebe o seu principado por herança, por aquisição, por conquista, mas não faz
parte dele, lhe é exterior; ... Corolário deste princípio: na medida em que é uma relação de exterioridade, ela [a
ligação] é frágil e estará sempre ameaçada, exteriormente pelos inimigos do príncipe que querem conquistar ou
reconquistar seu principado e internamente, pois não há razão a priori, imediata, para que os súditos aceitem o
governo do príncipe.” FOUCAULT, Michel. “A governamentalidade”. In: ______. Microfísica do Poder.
Organização, introdução e revisão técnica de Roberto Machado. Rio de Janeiro: Graal, 1979, p. 279. 157 MERLEAU-PONTY, Maurice. “Nota sobre Maquiavel”. In: ______. Signos. Tradução de Maria Ermantina
Galvão Gomes Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1991, p. 246. 158 Come che sai di cio, la riflessione che egli condusse intorno alla storia di Roma e ai significati che si sarebbe
potuto, e dovuto ricavarne per la teoria politica, è tale che non solo non consente a sé stessa niente, o quase
niente, dell’ammirazione che aveva accompagnato il geniale sforzo costruttivo di Machiavelli, ma anche
respinge via, ad uno ad uno, i risultati, cosi “paradossali” e innovatori, che, per suo mérito, erano stati
conseguiti. L’ideale di Machiavelli è Roma, - la repubblica che, irresistibilmente (e questo è um grave problema
interno alla costruzione politica), diventa “impero”. L’ideale del Guicciardini è Venezia, la repubblica
aristocrática che, considerata più a fondo, e com maggiore spregiudicatezza, nelle sue strutture e nel sapiente
equilibrio degli ordini fondamentali, si revela, al suo sguardo, come uma perfetta “forma popolare”. Ibidem, p.
103.
69
Segundo Emanuele Cutinelli-Rèndina, no Dialogo del Reggimento di Firenze,
Guicciardini coloca as ideias de Nicolau Maquiavel presentes no Discorsi sopra la prima
deca di Tito Livio159 nos lábios de seu pai, Piero Guicciardini. Segundo Maquiavel, as lutas
entre os patrícios e a plebe, entre os cônsules e os tribunos, propiciaram o aparecimento de
novas instituições, com leis de caráter popular que levaram a expansão das conquistas
romanas. No livro Dialogo del Reggimento di Firenze, Piero Guicciardini fala dos tumultos
romanos, ou seja, dos conflitos; passagem em que este debatedor questiona a tese dos
conflitos de Maquiavel, contrapondo-se à ideia de que os conflitos teriam sido a causa dos
avanços das instituições romanas:
Vós elogiastes as armas dos romanos como eles são merecedores de fato, e culpou o
governo por influências adquiridas que ainda podem ser consideradas na opinião de
muitos; bem, eu ouvi alguém argumentar contrariamente, e a razão pela qual eles
estão ligados a estes fundamentos ninguém nega, nem pode negar que sua milícia
fosse boa, é preciso confessar que a cidade estava bem ordenada, caso contrário não
teria sido possível a boa disciplina militar. Demonstra-se ainda porque não só nas
forças armadas, mas em todas as outras coisas louváveis que a cidade tinha, havia
inúmeros exemplos de grandes virtudes, que não faria sentido se a educação não
fosse boa, nem a educação pode ser boa, onde as leis não são boas e nem bem
observadas e, quando isso ocorre não pode ser dito que o Governo é ruim. Portanto
na sequência desses tumultos entre os patrícios e a plebe, entre os cônsules e os
tribunos, houve mais alarme sem grandes efeitos e estas confusões não
desordenaram as coisas substanciais da República.160
Guicciardini discorreu de maneira ácida contra as teses de Maquiavel, manobrando
suas ideias através de seu próprio pai no Dialogo del Reggimento di Firenze, como mostram
os autores Jean-Louis Fournel e Jean-Claude Zancarini, que reforçam esta posição:
Na leitura do Dialogo, o leitor familiarizado com Maquiavel pode aproveitar o
debate que se instaura entre as posições dos dois homens; há momentos em que os
pontos de vista se identificam de forma impressionante e há análises que divergem
totalmente. Comparando este texto com os Discorsi de Maquiavel, poucas dúvidas
159 CUTINELLI-RÈNDINA, Emanuele. Guicciardini. Roma: Salerno Editrice, 2009, p. 103. 160 Voi avete laudato le arme de' Romani come meritamente sono laudate da ognuno, e biasimato molto il
Governo di drento che ancora è secondo la opinione di molti; pure io ho udito disputare qualcuno in contrario, e
le ragione che loro allegano sono che ponendo quello fondamento che nessuno nega nè può negare, che la milizia
sua fussi buona, bisogna confessare che la città avessi buoni ordini, altrimenti non sarebbe stato possibile che
avessi buona disciplina militare. Dimostrasi ancora perchè non solo nella milizia ma in tutte le altre cose
laudabili ebbe quella città infiniti esempli di grandissima virtù, i quali non sarebbono stati se la educazione non
vi fussi stata buona, nè la educazione può essere buona dove le legge non sono buone e bene osservate, e dove
sia questo, non si può dire che l'ordine del Governo sia cattivo. Dunche ne seguita che quegli tumulti tra i padri e
la plebe, tra i consuli ed i tribuni, erano più spaventosi in dimostrazione che in effetti, e quella confusione che ne
nasceva non disordinava le cose sustanziali della republica. GUICCIARDINI, Francesco. Dialogo del
reggimento di Firenze. A cura di Gian Mario Anselmi e Carlo Varotti. Torino: Universale Bollati Boringhieri,
1994, p. 449-450.
70
subsistem sobre o fato de que Guicciardini conhecia o conteúdo dos Discorsi desde
1521, por leitura direta ou segundo discussões. As evidências são numerosas: a
menor delas é Francesco ter exposto a seu pai, Piero Guicciardini, as teses de
Maquiavel sobre o governo romano! Além disso, fundamenta-se nesta hipótese uma
das razões pela qual Guicciardini começou o Dialogo durante o segundo semestre de
1521: justamente, nesse período, havia o debate intelectual e os laços de amizade
que se instauraram entre os dois florentinos.161
Pode-se afirmar que Guicciardini, como primeiro comentador da obra de Maquiavel,
foi um crítico e, ao mesmo tempo, discípulo do secretário florentino, porém, não no sentido
estrito da relação mestre – discípulo, mas no sentido lato em que sua obra está intimamente
ligada a Maquiavel. Com o estudo cuidadoso da obra de Guicciardini, pensadores italianos do
quilate de Sasso têm “descoberto” a força do pensamento político do diplomata florentino, seu
trajeto intelectual e influências, sobretudo a partir da obra de Maquiavel. Desta maneira,
Sasso apresenta passagens coincidentes entre Guicciardini e ideias que foram retiradas da
obra de Maquiavel:
Toda a trama conceitual do primeiro livro dos Discorsi está presente no segundo
livro do Dialogo del Reggimento di Firenze; e a constatação que surpreende, na
verdade embora não tenha sido elaborada primeiro, é muito importante, ainda mais
quando podemos pensar que Guicciardini não deve ter conhecido, em 1529, a obra
de Maquiavel, comentada depois nas Considerazioni. Seria impossível que,
finalmente presentes nas comparações não superficiais depois de anos e anos de
conhecimento sobre essa parte intrínseca da obra, entre os dois homens não se
acendesse uma faísca de interesse profundo, envolvente, além das coisas do
sentimento, sendo também esse algo importante em suas histórias, do pensamento e
da teoria.162
161 A la lecture du Dialogo, le lecteur familier de l’oevre de Machiavel ne peut qu’être saisi par le débat qui
s’instaure entre lês positions dês deux hommes; on passe de moments ou lês identités dês points de vue sont
frappantes à dês analyses qui divergent du tout au tout. A comparer ce texte avec lês Discorsi de Machiavel, il
subsiste peu de doutes sur le fait que Guicciardini connaissait le contenu dês Discorsi dês 1521, par lecture
directe ou à la suíte de discussions. Les traces sont nombreuses, la moindre n’ètant pás que Francesco fasse
exposer à son père, Piero Guicciardini, lês thèses de Machiavel sur le gouvernement romain On est Fondé
d’ailleurs à faire l’hypothèse qu’une dês raisons pour lesquelles Guicciardii commença ce Dialogo durant le
second semestre de l’na 1521 est justement le débat intellectuel et les liens d’amitié qui s’instaurent à ce
moment-là entre les deux Florentins. FOURNEL, Jean-Louis; ZANCARINI, Jean-Claude. La politique de
l’expérience: Savonarole, Guicciardini et le républicanisme florentin. Torino: Edizione dell’Orso, 2002, p. 143. 162 L’intera trama concettuale del primo libro dei Discorsi è presente nel secondo libro del Dialogo del
reggimento di Firenze; e la constatazione, che sorprende, per la verità, non sai stata fatta prima, è tanto più
importante in quanto ora possiamo essere certi che il Guicciardini non dovette attendere il 1529 per leggere
quest’opera machiavelliana, che egli poi commentò nelle Considerazioni. Era del resto impossibile che, entrati
finalmente in rapporti non superficiali dopo anni e anni di conoscenza non sul serio intrínseca, fra i due uomini
non s’accendesse la scintilla di um interesse profondo, coinvolgente, oltre che le cose del sentimento, anche
quelle, cosi importanti nelle loro storie, del pensiero e della teoria. SASSO, Gennaro. Per Francesco
Guicciardini: quatro studi. Istituto Storico Italiano per il Medio Evo. Roma: nella sede dell’Istituto Palazzo
Borromini, 1984, p. 119.
71
A influência do pensamento de Maquiavel na obra de Guicciardini é recorrente, e a
proximidade entre os dois era maior do que se supunha, pois, no Dialogo del Reggimento di
Firenze (1521), Guicciardini já respondia às teses de Maquiavel presentes nos Discorsi sopra
la prima Deca di Tito Livio, sabe-se que em maio de 1521, o diplomata florentino estreitou
sua amizade com Maquiavel, quando enviado a Carpi com um encargo modesto a serviço dos
florentinos, área então sob jurisdição de Guicciardini. Há indicativos de que nesta ocasião,
tenha lido pela primeira vez os Discorsi sopra la prima Deca di Tito Livio, pois esta obra é
citada na carta que envia a Maquiavel em 18 de maio do mesmo ano, é importante lembrar
que este livro foi escrito bem antes da sua publicação oficial em 1531 e das Considerazioni
intorno ai Discorsi del Machiavelli sulla prima Deca di Tito Livio, de Guicciardini (nunca
publicado e finalizado, provavelmente, entre 1529 e 1530). Pode-se corroborar tal tese em
Pocock:
É difícil pretender que Guicciardini não conhecia o Discorsi de Maquiavel quando
concluiu a redação de seu Dialogo. Os argumentos que põe na boca de seu pai e que
Bernardo refuta, são essencialmente os de Maquiavel, fora o inconsciente de onde
provinha. E a este respeito, é importante captar claramente o que Guicciardini
pretendia refutar: primeiro, que a luta entre as ordens era uma conseqüência
necessária de armar o povo. Segundo, que os tribunos eram um meio instrumental de
que se servia a república para evitar essa luta. Terceiro, que a proeza militar romana
é um argumento que ocorre em favor da presença do elemento popular no
governo.163
A obra Dialogo del Reggimento di Firenze insere reflexões que, num primeiro
momento para os neófitos, parecem descoladas do contraponto que Guicciardini faz no seu
livro Considerazioni intorno ai Discorsi del Machiavelli sulla prima Deca di Tito Livio ao
Discorsi sopra la prima Deca di Tito Livio de Maquiavel. Caracterizada por reflexões
políticas calcadas nos diálogos gregos, sobressaindo a crítica ao pensamento maquiaveliano.
Enquanto Maquiavel defende que o conflito na Roma antiga propiciou a criação de novas
instituições e o fortalecimento da república romana, Guicciardini contrapõe-se dizendo que o
que assegurou o equilíbrio republicano romano foram as instituições fortes e o amor à pátria,
163 It is very difficult to believe that Guicciardini was unacquainted with Machiavelli’s Discorsi when he
completed the Dialogo; but the arguments which he puts in the mouth of his father, and hás Bernardo refute, are
essentially those of Machiavelli whether he knew this or not. It is important to grasp clearly Just what he aimed
to refute: first, that the struggle between the orders was the necessary consequence of arming the people; second,
that the tribunate was the means of containing this struggle; third, that Roman military prowess forms na
argument in favor of the popular element in government. POCOCK, J. G. A. The Machiavellian Moment.
Princeton/London: Princeton University Press, 1975, p. 246.
72
conforme se pode ler nos comentários de Pocock sobre as palavras de Bernardo del Nero em
seu livro:
No que concerne à virtù militar romana, não pode ser considerada como prova de
como as ordini e as leggi que floresceram eram boas, elas haviam sido sua causa. As
causas do êxito militar romano, diz Bernardo, eram os costumi, o amor à glória e à
pátria. E para explicá-las alude a razões históricas mais que institucionais. A cidade
era pobre e estava rodeada de inimigos. Quando os inimigos foram vencidos e
incorporados ao império que desfrutou de riqueza e luxo, apareceu a corrupção e
floresceram vícios enormes sob as melhores leis.164
No Dialogo del Reggimento di Firenze, Guicciardini trabalha com categorias
maquiavelianas, demonstrando conhecimento do pensamento deste autor. Neste livro (Livro II
do Dialogo del Reggimento di Firenze), tanto Caprariis, quanto Benedetto Croce não
valorizaram estes escritos165, pois buscavam uma análise histórica, portanto descuidaram da
análise filosófica presente neste livro como um contraponto à reflexão maquiaveliana. Nesta
obra, Guicciardini destaca a virtù pessoal que será trabalhada junto ao exército dos cidadãos,
exaltando o efeito positivo do exército cidadão que eliminará a debilidade do governo
popular. Ao defender o exército cidadão, Guicciardini confirma a sua convergência com
Maquiavel, de maneira objetiva relaciona as armas com a virtude cívica, sem contudo dar um
caráter popular ao exército cidadão, portanto, nesta passagem, é possível constatar a tradição
política aristotélica fundamentada na ciência da virtude.
Reconhece-se no segundo livro do Dialogo del Reggimento di Firenze a concepção da
virtù defendida por Soderini, a meritocracia que requer certa dose de democracia, pois, nosso
pensador antevê uma república equilibrada a partir da liberdade, protegida pela prudência dos
Ottimati166. Nesta chave de interpretação reconhece-se, no pensamento de Guicciardini, o
ideal republicano de Veneza, visto que ele se afasta da visão idealizada de república romana
proposta por Maquiavel nos Discorsi sopra la prima Deca di Tito Livio. Nesta obra,
Guicciardini aborda o funcionamento das instituições e seu equilíbrio, inspirado no Doge
veneziano, que, na “sua” República Florentina corresponderia ao Gonfaloneiro vitalício. A
164 As for Roman military virtù, this is not to be taken as proving that the ordini and leggi under which it
flourished were good because the cause of it. The causes of Roman military success, says Bernardo, were
costumi – Love of glory, Love of the pátria; and he explains these by reference to historical rather than
institutional causes. The city was poor and surrounded by enemies; when these were defeated and incorporated
in na empire which brounght wealth and luxury with it, corruption ensued and inordinate vices flourished under
the best of laws. POCOCK, op. cit., p. 247. 165 Ibidem, p. 242. 166 Ibidem, p. 253.
73
política veneziana aparece na segunda parte do Dialogo del Reggimento di Firenze, explicada
por Sasso:
A conexão em que o tema veneziano reaparece, na realidade revela totalmente o
conteúdo do pensamento político de Guicciardini; pois os outros motivos aos quais o
exemplo constitucional da república de San Marco é então referido, são constituídos
pela renovação negativa, enquanto tal e também em relação à questão dos “exércitos
particulares”; daí, a dura crítica que o autor dirige a alguns aspectos essenciais da
história de Roma; àqueles aspectos, se prestarmos atenção, Maquiavel teria
cultivado as próprias razões de sua grandeza. Então, como se torna evidente, ambos
os temas são de fonte manifestamente maquiaveliana, e os objetivos que se
conectam, transformam o tema veneziano em algo de aspecto “inteiro”, conferindo
sua tonalidade específica. E essa, por sua vez, culmina no forte acento posto sobre a
excelência da constituição de Veneza e, por outro lado, na precisa vontade de
delinear, em Firenze, um modelo teórico pontualmente oposto àquele que emerge
dos Discorsi.167
Na obra Considerazioni intorno ai discorsi del Machiavelli sulla prima Deca di Tito
Livio Guicciardini enfrenta Maquiavel, e é incisivo ao indicar as diferenças substanciais entre
o pensamento de Maquiavel e a sua própria concepção política:
Com a redação de suas Considerazioni, Guicciardini tem ocasião de experimentar
concretamente o próprio método, que consiste em apontar para a importância de
cada caso particular – trata-se antes de explicitar as diferenças que podem existir
entre duas situações do que de explicitar os pontos comuns entre elas.168
É sob este pano de fundo que os temas da “liberdade” e das “discórdias civis” serão
reinterpretados no interior da leitura que Guicciardini fará dos Discorsi sopra la prima Deca
di Tito Livio, obra na qual o diplomata construiu contrapontos aos capítulos que Maquiavel
escreveu, sobretudo, aos dezesseis primeiros capítulos do primeiro livro que formam o núcleo
teórico da liberdade. Nesta obra, Maquiavel trabalha a questão das sedições e mostra o seu
caráter positivo na configuração das novas instituições romanas, e Guicciardini contrapõe-se
167 La connessione in cui il tema veneziano ora riappare svela in realtà intero il continente del pensiero politico
del Guicciardini; perché gli altri motivi ai quali l’esempio costituzionale della repubblica di San Marco è ora
riferito sono costituiti dalla ripresa, negativa questa volta, e anche aspramente negativa, della questione delle
“armi proprie”, e quindi dalla dura critica che lo scrittore rivolge ad alcuni aspetti essenziali della storia di Roma;
a quegli aspetti, si badi, Nei quali, per contro, Machiavelli aveva colto le ragioni stesse della sua grandezza.
Poiché, come è evidente, entrambi questi temi sono di estrazione schiettamente machiavelliana, l’obiettivo
connettersi che com essi fa il tema veneziano conferisce all’”intero”, che cosi ne risulta, la sua tonalità specifica.
E questa, a sua volta, culmina nel forte accento posto sull’eccellenza della costituzione di Venezia e, per um altro
verso, nella precisa volontà di delineare, per Firenze, um modello teorico puntualmente opposto a quello che
emerge dai Discorsi. SASSO, op. cit., p. 95. 168 MARIN, Marcelo de Paola. Maquiavel e Guicciardini: liberdade cívica e discóridas civis. Dissertação
(Mestrado em Filosofia) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), São Paulo, 2007, p. 67.
74
quando diz que “entende que o conflito deixa de se configurar como tal, pois é apaziguado
devido à sua institucionalização.”169
A assertiva que se faz constante na obra de Maquiavel é a comparação entre a Roma
republicana e a República Florentina de sua época. Guicciardini é um crítico mordaz deste
modelo comparativo, e não perde a oportunidade de se contrapor, com certa dose de bom
humor crítico, através de um dos seus aforismos contidos no Ricordi 110:
Como se enganam os que a cada palavra alegam os romanos! Seria preciso ter uma
cidade como era a deles, e depois governar-se segundo aquele exemplo, o qual, para
quem tem qualidades desproporcionais, é tão desproporcional quanto querer que um
asno corra como um cavalo.170
A densidade da visão política de Maquiavel é revelada pela leitura crítica de
Guicciardini em Considerazioni intorno ai discorsi del Machiavelli sulla prima Deca di Tito
Livio, em que se opõe, com argumentos bem fundamentados, à teoria política de Maquiavel.
Pode-se ler em seus argumentos que as ideias são colocadas com elegância, firmeza e
precisão, próprias do diplomata que sabe manobrar suas palavras ao enfrentar as ideias
políticas de Maquiavel. Como bem disse Bignotto, “Guicciardini lê Maquiavel com olhos de
quem conhece o autor e que sabe de suas qualidades.”171 Nas Considerazioni intorno ai
discorsi del Machiavelli sulla prima Deca di Tito Livio, a particularização guicciardiniana
estuda passagem por passagem, linha por linha; ora concordando, ora discordando, indo e
vindo com manobras dignas de um elegante espadachim. Pode-se entender que Guicciardini
respeitava Maquiavel e o reverenciava como grande pensador, mas o diplomata, enfrenta
Maquiavel em seu próprio campo, e como já havia feito no Dialogo del Reggimento di
Firenze, recoloca as ideias do secretário a partir das Considerazioni intorno ai discorsi del
Machiavelli sulla prima Deca di Tito Livio e objetivamente vai comentando e desconstruindo
os argumentos políticos de Maquiavel.
Pode-se inferir que o pensamento político de Guicciardini contido em sua obra
Considerazioni intorno ai discorsi del Machiavelli sulla prima Deca di Tito Livio,
corresponde a um texto maduro e criterioso, operado por fina análise política, manejando as
169 MARIN, op. cit., p. 47. 170 Quanto si ingannono coloro che a ogni parola allegano e' romani! Bisognerebbe avere una cittá condizionata
come era loro, e poi governarsi secondo quello esemplo; el quale a chi ha le qualitá disproporzionate è tanto
disproporzionato, quanto sarebbe volere che uno asino facessi el corso di uno cavallo. GUICCIARDINI,
Francesco. Opere. La Letteratura Italiana: Storia e Testi. v. 30. A cura di Vittorio de Caprariis. Milano; Napoli:
Riccardo Ricciardi Editore, s/d., p. 39, § 110. 171 BIGNOTTO, Newton. Nota Metodológica: Guicciardini leitor de Maquiavel. Discurso, n. 29, p. 111-131,
1998, p. 120.
75
categorias políticas próprias do seu pensamento. A obra contém discursos firmes contra a
teoria maquiaveliana, mas elegantes e polidos, e segundo se pode ler nas palavras de Bignotto,
tal recurso estilístico deve ter uma razão: “Não podemos deixar de suspeitar que elas sejam
fruto de um mal-entendido da parte de Guicciardini, ou da vontade deliberada de minimizar as
divergências de fundo entre os dois pensamentos.”172
Portanto, a análise de Guicciardini desvela o pensamento e o mundo político de
Maquiavel, e à medida que o diplomata constrói seus comentários políticos, ele mesmo faz
emergir o seu pensamento, com argumentos que aparentemente buscam contrapor-se ao
pensamento maquiaveliano, capítulo a capítulo, sobretudo naqueles dezesseis primeiros
contidos no Livro I da Considerazioni intorno ai discorsi del Machiavelli sulla prima Deca di
Tito Livio. Como exemplo se destaca um trecho do capítulo IV no qual Guicciardini contra-
argumenta com firmeza os aspectos positivos das sedições na Roma Antiga propugnados por
Maquiavel, e diz que as sedições poderiam ser evitadas e que elas não podem ser elogiadas,
pois seria o mesmo que fazer elogio das doenças, conforme se pode ler abaixo:
Não foi, portanto, a desunião entre plebe e senado que fez Roma livre e poderosa,
porque melhor teria sido que não tivesse havido ocasião de desunião. Nem foram
úteis estas sedições, ainda que bem menos danosas do que em muitas outras cidades,
e (ao contrário) muito mais útil à sua grandeza foi os patrícios cederem logo à
vontade da plebe, do que se eles tivessem começado a pensar um modo de não
precisar da plebe. Mas louvar a desunião é louvar, em um doente, a doença, por
causa da boa qualidade do remédio que lhe foi ministrado. Esta desordem existiu
desde as origens de Roma, porque nestas [já] havia a distinção entre patrícios e
plebeus. Mas sob os reis, ela não causava dano, porque, estando a autoridade no rei,
não podia o senado, por si só, oprimir a plebe. E se o senado não pensava no bem
público, os reis o faziam, embora, às vezes, mais ambiciosamente do que o devido,
como se lê a respeito de Sérvio Túlio173.
Grande parte da obra de Guicciardini só foi conhecida e estudada a partir da segunda
metade do século XIX, de tal modo que sua obra é duplamente qualificada para a filosofia
política, pois não sofreu intervenções por mais de 300 anos e por último, pôde conservar a
análise política da obra de Maquiavel sem os preconceitos criados nos últimos 500 anos, seja
por gente que leu Maquiavel e não entendeu, seja por gente que não leu Maquiavel e não
gostou, sem mesmo o ter lido. O desafio apresentado é ao mesmo tempo conhecer o
172 BIGNOTTO, op. cit., p. 122. 173 Refere-se aqui, provavelmente, ao fato que, para rebater os boatos espalhados por Tarquínio, que acusava o
sogro de reinar sem o consentimento do povo, Sérvio Túlio “assegurou-se, antes de tudo, o apoio da plebe,
dividindo as terras tomadas aos inimigos entre todos. Depois ousou perguntar ao povo se este queria e ordenava
que ele reinasse, e foi assim proclamado rei com um consentimento que ninguém antes dele tinha obtido.”
(Lívio, I, 46).
76
pensamento político de Maquiavel e entendê-lo a luz de seu primeiro comentador, porém “a
posse do pleno domínio da época e das possibilidades expressivas da mesma não evitou a
Guicciardini o equívoco em relação a proposições que são essenciais na obra de
Maquiavel.”174
No Capítulo VI do Livro Considerazioni intorno ai discorsi del Machiavelli sulla
prima Deca di Tito Livio, cujo título, bem explicativo, é “Seria possível a Roma ordenar um
estado que eliminasse as inimizades entre o povo e o senado”, Guicciardini entende que, se os
romanos queriam utilizar a plebe na guerra, era necessário contentá-los de alguma maneira.
Mas os patrícios não queriam nem admiti-los no governo e nem renunciar às injustiças,
cometidas em especial na cobrança de impostos. Se desde o início não tivesse havido as
distinções entre nobres e plebeus, ou, se ao menos as honrarias tivessem sido distribuídas de
modo mais equitativo, muitas sublevações teriam sido evitadas em Roma. Aliás, as sedições
cessaram à época dos Gracos, na qual um governo comum foi instituído. No entanto, como a
cidade estava corrompida, uma nova forma de embate não tardou a surgir – agora não mais
entre os nobres e os plebeus, mas entre o “baixo povo” e os “mais ricos” e poderosos. Para
Guicciardini, a experiência demonstra que a plebe não se atém necessariamente às honrarias,
se contentaria quando se fossem tomadas medidas contra os abusos nos impostos e contra o
domínio desproporcional do estado por parte dos patrícios – de modo que estes nem
precisariam dividir seu governo com aqueles, bastaria apenas contemplá-los na esfera
tributária. Por fim, o autor afirma que seria possível a Roma ordenar um governo de maneira
tal que não houvesse sedições entre o senado e a plebe. Portanto Guicciardini se coloca contra
a glorificação das sedições e insiste argumentativamente que os conflitos poderiam ter sido
evitados:
Mas a bem dizer, se no início da liberdade não tivesse havido, como se disse no
quarto Discurso, a distinção entre patrícios e plebeus, ou, como depois por
necessidade se fez, tivesse sido as honras (os cargos) compartilhadas desde o início,
não teria havido entre eles (patrícios e plebeus) aqueles tumultos e revoltas, que
cessaram logo que o governo foi compartilhado. (...) Digo ainda que se os patrícios,
sem compartilhar inteiramente o governo com a plebe, tivessem sabido impor
limites às injustiças (que cometiam), e tivessem aberto o caminho, em momentos
estabelecidos, para que os principais plebeus pudessem tornar-se patrícios, talvez
não tivesse havido aqueles tumultos. Porque se viu pela experiência que nas leis
propostas por Públio Séxtio a plebe contentava-se em pagar os débitos e os bens
ocupados, e não se preocupava com as honras.175
174 BIGNOTTO, Newton. Nota Metodológica: Guicciardini leitor de Maquiavel. Discurso, n. 29, p. 111-131,
1998, p. 127. 175 Ma dico bene, che se nel principio della libertá non fussi stata, come è detto nel quarto Discorso, la
distinzione tra patrizi e la plebe; o come si fece poi per necessitá, si fussi da principio communicati gli onori, che
77
A partir do Capítulo VI de Maquiavel, dos Discorsi sopra la prima deca di Tito Livio,
verifica-se que seu argumento defende que a causa da consolidação de Roma como grande
império foram os tumultos. Desta maneira, discorre sobre a Roma e a Esparta do passado e a
Veneza de sua época, defendendo sua posição, argumenta que Esparta pôde se preservar por
muito tempo como Estado, pois tinha uma população pequena e também porque não permitia
a entrada de forasteiros em seus domínios. Comparando com a Veneza de sua época, destaca
que esta república ampliou seus domínios devido a habilidade de seus governantes, pois
chegaram a dominar boa parte da Itália, porém, em 1509, por não possuírem forças militares,
perderam seus domínios em uma só batalha, a de Cambray. Partindo deste episódio, Sasso
apresenta com precisão as diferenças entre Maquiavel e Guicciardini:
A polêmica atinge aqui, primeiramente, a concepção de Maquiavel, e, enquanto tal,
aquilo que Guicciardini aparentava ter retirado do abstrato, do sentido em potencial
dos modelos, da comparação e por fim, da imitação da qual o antigo secretário era
induzido a não saber aguardar o tempo e a ocasião.176
Acompanhando o argumento construído por Maquiavel, em que Roma permitiu a
incorporação de estrangeiros em sua sociedade e deu poder à plebe, demonstrando que o
Estado Romano incorporou a plebe e os estrangeiros, e desta maneira pôde ter em seus
domínios sedições, conflitos e tumultos que fortaleceram o Estado Romano. Maquiavel
coloca com clareza sua posição no capítulo seis dos Discorsi sopra la prima deca di Tito
Livio:
[...] vemos que para os legisladores de Roma seria necessário fazer uma das duas
coisas para querer que Roma se tranquilizasse como as repúblicas citadas: ou não
usar a população na guerra, como os venezianos; ou não abrir o caminho para
'estranhos, como os espartanos. E eles fizeram as duas; dando espaço para plebe, e
infinitas possibilidades de tumultos. Mas tratando-se do Estado romano para ser
mais tranquilo, seguiu com esta desvantagem, ele foi ainda mais fraco, e porque ao
non sarebbono stati tra loro quelli tumulti e sedizioni, e' quali cessorono subito che el governo fu communicato,
insino al tempo de' Gracchi; ne' quali essendo giá corrotta la cittá, nacquono le sedizione per nuovi omori e
cagione, che non furono piú della plebe contro a' patrizi, ma della gente bassa contro a' piú ricchi e piú potenti;
nel quale numero si includevano molte famiglie plebee nobilitate giá per gli onori. Dico ancora che se e' patrizi,
sanza communicare interamente el governo alla plebe, avessino saputo porre qualche buono ordine alle ingiurie,
ed avessino aperta la via per la quale a certi tempi e' plebei principali potessino essere stati fatti patrizi, che forse
non sarebbono stati quelli tumulti; perché si vedde per esperienzia che nelle legge proposte da Publio Sestio, la
plebe si contentava di provedere a' debiti ed a' beni occupati, e degli onori non si curava. GUICCIARDINI,
Francesco. “Considerazioni intorno ai Discorsi del Machiavelli di Francesco Guicciardini”. In: VIVANTI,
Corrado (a cura) – Discorsi sopra la prima deca di Tito Livio seguiti ale Considerazioni intorno ai Discorsi del
Machiavelli di Francesco Guicciardini. Torino: Giulio Einaudi, 2000, p. 8-9. 176 SASSO, op. cit., p. 99.
78
interromper esta trajetória, pôde crescer: pois, tentando eliminar as causas dos
tumultos, Roma encontrou as causas de sua expansão. E em todas as coisas humanas
você vê isto, ao analisar bem: nunca se pode acabar com um problema, sem que
outro não surja. [...] Portanto, se você puder ter um povo numeroso e armado as
pessoas serão capazes de fazer um grande império, se o fizer com qualidade que
você não poderá manipulá-lo como quiser: se você o mantiver pequeno ou
desarmado, para ser capaz de manipulá-lo, se ampliar seu domínio, não poderá
mantê-lo, portanto será tão vil que será presa fácil ao conquistador. E apesar de tudo,
em nossas deliberações deve-se considerar o menos inconveniente, e tirar o melhor
partido que puder: porque todas as coisas, algo perfeito nunca se encontra. Roma
poderia, portanto, à semelhança de Esparta, ter um príncipe vitalício, ter um pequeno
Senado; mas não conseguiu, como Esparta, não aumentar o número de cidadãos,
querendo fazer um grande império: o que fez o rei vitalício e o pequeno número de
Senado, como a união, seria pouco benéfico para Roma.177
Entende-se neste capítulo a clara importância, tanto de Maquiavel quanto de
Guicciardini para a política, pois ambos qualificam a discussão política em defesa da
Republica e do Estado, cujo escopo é o Bem Comum. Portanto, faz-se necessário, dentro de
uma perspectiva analítica, conhecer e valorizar a obra destes autores, que criaram bases
teóricas objetivas para o estudo da Filosofia política de maneira realista e propositiva.
3.2 - Donato Giannotti
O período correspondente ao que hoje chamamos Renascimento italiano plasmou-se a
partir de grandes disputas políticas no norte da Itália. Ao contrário do que podemos pensar
não houve grandes batalhas entre potências, mas a ordenação dos poderes entre pequenos
reinos e repúblicas, açodados por interesses de grandes impérios estrangeiros. Desde o século
XIII, tanto Firenze quanto Veneza experimentaram modelos singulares, resultado de
conjunções próprias em que uma nova classe econômica e social emergia, estruturada no
177 [...] si vede come a' legislatori di Roma era necessario fare una delle due cose a volere che Roma stesse quieta
come le sopradette republiche: o non adoperare la plebe in guerra, come i Viniziani; o non aprire la via a'
forestieri, come gli Spartani. E loro feciono l'una e l'altra; il che dette alla plebe forze ed augumento, ed infinite
occasioni di tumultuare. Ma venendo lo stato romano a essere più quieto, ne seguiva questo inconveniente,
ch'egli era anche più debile, perché e' gli si troncava la via di potere venire a quella grandezza dove ei pervenne:
in modo che, volendo Roma levare le cagioni de' tumulti, levava ancora le cagioni dello ampliare. [...] Per tanto,
se tu vuoi fare uno popolo numeroso ed armato per poter fare un grande imperio, lo fai di qualità che tu non lo
puoi poi maneggiare a tuo modo: se tu lo mantieni o piccolo o disarmato per poter maneggiarlo, se tu acquisti
dominio, non lo puoi tenere, o ei diventa sì vile che tu sei preda di qualunque ti assalta. E però, in ogni nostra
diliberazione si debbe considerare dove sono meno inconvenienti, e pigliare quello per migliore partito: perché
tutto netto, tutto sanza sospetto non si truova mai. Poteva dunque Roma, a similitudine di Sparta, fare un principe
a vita, fare uno Senato piccolo; ma non poteva, come lei, non crescere il numero de' cittadini suoi, volendo fare
un grande imperio: il che faceva che il Re a vita ed il piccolo numero del Senato, quanto alla unione, gli sarebbe
giovato poço. MAQUIAVEL, Nicolau. Discorsi sopra la prima deca di Tito Lívio, Dell’arte della guerra e altre
opere. Volume primo, tomo primo e tomo secondo. A cura di Rinaldo Rinaldi. Torino: UTET Libreria, 2006, p.
12.
79
comércio de produtos vindos do oriente e na administração de casas bancárias internacionais.
Este alicerce do capital burguês comercial ensejou o aparecimento de leis que regulassem o
mercado e as instituições de seus pequenos países. Houve a necessidade de profissionais que
pudessem operar o Direito civil e o Direito canônico, visto que esta nova classe, além de se
organizar para lucrar e para governar, também apropriou-se de cargos eclesiásticos para
legitimar sua classe e seu poder. Ao longo desses anos, pode-se observar a criação de perfis
sociais que viviam em torno destes novos capitalistas, oferecendo serviços qualificados. A
república de Firenze, de maneira particular, foi palco de inúmeras mudanças de fundo político
que, junto com sua irmã do leste, a república de Veneza, marcou os séculos XV e XVI no
cenário geopolítico europeu. Como resultado deste mundo cosmopolita e inovador, pode-se
afirmar com grande precisão, que o norte da Itália foi o berço de pensadores originais, críticos
e engenhosos, que pensaram a política através das ações humanas, suas interações e
mecanismo de conquista e manutenção do poder.
Dentro deste cenário de original reflexão política, é possível compreender o
aparecimento de pensadores da importância de Nicolau Maquiavel, Francesco Guicciardini e
Donato Giannotti, cuja relevância se explica pelo fato de terem adotado uma abordagem
realista para a análise e interpretação dos fenômenos políticos de seu tempo, rompendo com a
tradição vigente e, ao mesmo tempo, criando uma nova tradição de estudos políticos, não mais
fundamentados na visão clássica, tão em voga na época em que viveram, mas utilizando os
clássicos dentro de seus projetos maiores de análise dos problemas políticos e das instituições.
Deve-se lembrar que grandes pensadores da política do período renascentista tinham
biografias que denotavam as suas origens e suas opções políticas.
Portanto, a observação de Antonio Tafuro deve ser levada em conta quando faz um
resumo, dito social, destes pensadores178. Nesta perspectiva, cabe destacar que o pai de
Francesco Guicciardini, Piero Guicciardini era um aristocrata habituado a ocupar cargos
políticos. O pai de Nicolau Maquiavel, Bernardo Maquiavel, era formado em Direito. O pai
de Donato Giannotti era ourives. Tanto Maquiavel quanto Giannotti eram cultos, mas de
origem popolare e, segundo as regras da época, poderiam aspirar no máximo a chancelaria.
Por outro lado, Francesco Guicciardini, além de culto, era de origem aristocrática e, pelo
curso da tradição da época, estava fadado a ocupar cargos de relevância política. Os três
autores viveram na mesma época e tiveram estreito contato entre si. É possível encontrar nas
obras de Francesco Guicciardini e Donato Giannotti grande influência do pensamento
178 TAFURO, Antonio. Donato Giannotti: dalla Repubblica di Venezia alla repubblica di Firenze. Napoli:
Libreria Dante & Descartes, 2007, p. 11.
80
maquiaveliano, com críticas sólidas e precisas conceituações sobre a ação política. Neste
caminho pode-se destacar a visão política dos três autores quanto ao modelo veneziano de
república, no qual Giannotti desconstrói o mito veneziano e, em certo sentido, enfrenta os
outros dois pensadores de seu tempo. Em outra abordagem, pode-se completar que, a partir de
seu conhecimento do governo veneziano, Giannotti defendia a harmonia e a paz, mesmo que
não acreditasse na Serenissima Repubblica, ou seja, o mito de Veneza. Conforme se pode ler
no texto abaixo:
A estranheza aumenta à medida que se aprofunda a reflexão de Giannotti, pois
serve-se do detalhado conhecimento dos procedimentos venezianos para construir
um modelo de governo florentino popular que, por sua vez se fundamenta na milícia
cidadã, conceito este distante daquela città disarmata na qual acreditavam
Guicciardini e Maquiavel. [...] Giannotti não vê na sereníssima república um modelo
a ser imitado, senão a fonte que alimenta conceitos constitucionais necessários para
enfrentar as difíceis circunstâncias da república popolare Fiorentina.179
Entende-se que Donato Giannotti discordou da “teoria dos conflitos” presente nos
Discorsi sopra la prima deca di Tito Livio de Maquiavel e que, neste particular, concordou
com o pensamento guicciardiniano. Ambos pensadores distanciaram-se da “teoria dos
conflitos” de Maquiavel e construíram obras que rebatiam este modelo fundamentado na
Roma republicana. As razões pelas quais estes dois autores divergiram de Maquiavel, podem
ser prospectadas na obra de Guicciardini, nas Storie Fiorentine, quando destaca o distúrbio
dos Ciompi (1378) como algo muito mais maléfico do que benéfico para o corpo político
florentino. Em Giannotti, pode-se inferir que o conflito presente no governo florentino de
1527 a 1530 não gerou novas instituições e nem equilíbrio, senão seu próprio exílio,
condenações e execuções. Portanto, o equilíbrio preconizado, tanto por Guicciardini quanto
por Giannotti, não seria estabelecido a partir dos conflitos, mas pela solidez das instituições.
Os três autores concentraram seus esforços para compreender a política nos novos tempos que
rompia com o modelo feudal, e não se viam representados por monarquias clássicas. De
maneira inequívoca, os ideais políticos dos humanistas cívicos buscavam a construção de
instituições políticas funcionais, que fossem efetivas e trouxessem benefícios para todos, ao
179And the oddity grows as we look deeper, for Giannotti proves to have employed his detailed knowledge of
Venetian procedures to construct a modelo f Florentine government which was both markedly popular and
founded upon a citizen militia; both concepts very far removed from the aristocratic città disarmata discerned by
Machiavelli and Guicciardini. [...] He does not set up the sereníssima republica as a model to be imitated, but
treats it as a source of conceptual and constitutional machinery which can be adapted for use in the very difficult
circumstances of Florentine popolare politcs. POCOCK, J. G. A. The Machiavellian Moment. Princeton/London:
Princeton University Press, 1975, p. 272.
81
mesmo tempo em que se consolidava o poder burguês liberal, com novas problematizações
como a cidadania, a liberdade e a participação política. Sem rodeios, deve-se entender que a
república, surge como alternativa política para os novos tempos. Os caminhos que a filosofia
política dos humanistas cívicos abre para a análise política contemporânea pode ser creditado
a três pensadores:
Giannotti encontra a análise político aristotélica suficientemente complicada e
plausível para dar-lhe confiança na qual possa servir-se para compreender a forma
na qual as coisas vão se suceder no tempo e, por esta razão, seu pensamento não se
concentra na expectativa apocalíptica, como no caso de Savonarola, ou a
innovazione e occasione, como queria Maquiavel. Em seu ragionamento o tempo
não ocupa o primeiro plano. O trabalho conclui como fazem o Príncipe e o Dialogo
del Regimento di Firenze, com que agora podemos compreender, uma parte quase
convencional situada no final do livro sobre os problemas da atualidade (livro 3,
capítulo 8), como Maquiavel e Guicciardini, Giannotti comenta sobre as ocasiões e
pessoas que podem fundar uma república de forma segura. Mas seu pensamento está
dirigido para a realidade florentina e o fato de que escrevia como exilado na época
da tirania, deixando, como ele mesmo reconhece, pouco a dizer.180
Donato Giannotti era 23 anos mais jovem que Maquiavel e 9 anos mais jovem que
Guicciardini. Nasceu em Firenze, em 27 de novembro de 1492, e morreu em 27 de dezembro
de 1573. De origem modesta, “onesti e laboriosi popolani”181, foi próximo de Iacopo Nardi,
Filippo de‘ Nerli e Nicolau Maquiavel, de quem foi discípulo. Frequentou assiduamente os
Orti Oricellari, leu os escritos de Maquiavel com quem debateu suas ideias.
A mente de Giannotti era independente, cheia de força e de originalidade, mas
carecia da criatividade imprevisível do gênio que encontramos em Maquiavel, e por
esta razão, deve admitir-se que reflete as grandezas e as limitações que
caracterizaram o pensamento político humanista.182
180 Giannotti found Aristotelian political analysis complex and plausible enough to give him confidence that he
understood something of the way things happened in time, and for this reason his thought is not focused on
apocalyptic expectation, like Savonarola’s, oro n innovazione and occasione like Machiavelli’s. Time is not in
the foreground. The work concludes – as do Il Principe and the Dialogo del Reggimento di Firenze – with what
we can now see as na almost conventional section on the problems of actualization. Like Machiavelli and
Guicciardini, Giannotti, reviews the occasions on which, and the personalities by whom, republics may be
securely founded; but his thought is directed toward Florentine actuality, and the fact that he writes as na exile in
time of tyranny leaves him, as he recognizes, very little to say. POCOCK, op. cit., p. 318. 181 BISACCIA, Giuseppe. La Repubblica Fiorentina di Donato Giannotti. Firenze: Leo S. Olschki Editore,
1978, p. 14. 182Giannotti’s mind was independent, forceful, and original, but lacked the unpredictable creativity of genius
which we find in Machiavelli; and for this reason it may be taken as displaying in some detail the bent and the
limitations of humanist political thought. POCOCK, op. cit., p. 315-316.
82
Frequentou a Academia Sacra Florentina (entre 1515 e 1519), mantida pela família
Medici, com estreitas relações com o papa Leão X183. Lecionou retórica, poética e literatura
grega na Universidade de Pisa, entre 1520 e 1525. Em 1527, acompanhou o florentino
Alessandro de’ Pazzi em sua missão como embaixador em Veneza.
Veneza, na tratadística política renascentista era a única república capaz de ser
comparada a Roma, e mais, o Mito Veneziano, não era medido pela sua vastidão, tamanho ou
domínios, mas pela condição de vida de seu povo. Esta república assegurou a paz, a concórdia
social, a justiça, o bem estar econômico, a assistência aos mais pobres e uma estrutura
educacional elementar, foi uma república que, segundo Giannotti, era bem ordenada e
dividida, como se pode ler abaixo nas palavras de Silvano:
A mistura, que foi criada em Veneza significa que as “ordens” da cidade são de tal
forma coordenadas o Governo da República parece governado por três instituições
fundamentais: Conselho Maior, o Senado, e o Doge, os quais, representam o
governo de muitos, de poucos, e de um. Existe, e isso deve ser enfatizado
fortemente, na concepção do governo misto veneziano, nenhuma alusão a uma
"mistura” que de alguma forma significa a contaminação da classe da elite.184
A obra de Giannotti, Repubblica de’ Veneziani, percorre os bastidores do poder da
elite veneziana, aborda o Consiglio Grande, explica a criação do Dogado duzentos e oitenta
anos após a fundação de Veneza, mostra a expansão marítimo-comercial de Veneza, em
detrimento da sua precária expansão em terra firme. O autor segue os passos de Maquiavel e
pesquisa a fundação de Veneza sem, todavia, dar importância substancial a origem da cidade,
mostra que foi fundada por cidadãos de Padova que fugiam dos bárbaros no século V d. C.,
fundando Veneza oficialmente no dia vinte e cinco de março de 413. Nesta obra, Giannotti
tem o cuidado de identificar a aristocracia veneziana, sua formação e trajetória. Pesquisa as
instituições venezianas e usa Trifone Gabriello como porta-voz dos venezianos. Em seu
diálogo com Borgherini, o florentino presente ao debate, são encaminhadas duas perguntas
para Trifone, uma sobre o poder militar veneziano e outra sobre o número de aristocratas que
poderiam ser admitidos no Consiglio Grande. Portanto, ao longo desta obra, em forma de
diálogo entre o veneziano Trifone e o florentino Borgherini, discorre-se sobre o complexo
183 BISACCIA, op. cit., loc. cit. 184 La ‘mistione’ che si è realizzata a Venezia significa che gli ‘ordini’ della città sono in tal modo coordinati che
il governo della repubblica appare regolato da tre istituzioni fondamentali, il maggior consiglio, il senato e il
dogado, le quali, a loro volta, stanno per il governo di molti, di pochi e di uno. Non c’è, e questo va sottolineato
energicamente, nella concezione del governo misto veneziano alcuna allusione a una ‘mistione’ che in qualche
maniera significhi una contaminazione del ceto dei gentiluomini. SILVANO, Giovanni. La Republica de’
Viniziani: ricerche sul repubblicanesimo veneziano in età moderna. Firenze: Lero S. Olschki, 1993, p. 167.
83
aparato jurídico de Veneza e suas detalhadas instâncias governativas. Tratam da efetividade
republicana de Veneza, da força do Doge mas, encaminham a discussão para o sistema fiscal
e jurídico da República. Neste livro, Giannotti questiona o exército mercenário veneziano,
sempre pela boca de Borgherini, deste modo, torna-se compreensível a influência do
pensamento maquiaveliano sobre o autor, que questiona um exército formado por
estrangeiros. A voz veneziana, encarnada por Trifone, argumenta que a logística veneziana é
tão vasta e organizada que sustenta a paz armada da Sereníssima Repubblica. O estudo
giannottiano abre uma perspectiva histórica alternativa, que responde parcialmente as
questões originadas pelo fim da guerra com a Liga de Cambrai, buscando uma compreensão
histórica e filosófica mais profunda, que visa conhecer as contradições venezianas:
Além disso, o trabalho de Giannotti em Veneza não deve ser interpretado como
parte dessa vasta literatura especialmente florentina em que Veneza aparece como
um modelo político a ser imitado. A obra giannottiana, de fato, não "implementa" os
temas característicos do mito, porque é ela própria uma sistematização importante
dessas questões. [...]. É, de fato, o estudo analítico e atento, de um modelo político e
de sua relevância ''política” no interior da história e cultura veneziana, para entender
em que medida e de que forma, em Veneza foi construída a mais eficaz crítica do
modelo político que constituído da república romana.185
Giannotti construiu a obra pensando em alternativas para Firenze, ao acompanhar o
embaixador florentino a Veneza, pôde estudar esta república in loco, visto que, seu
conterrâneo Guicciardini defendia abertamente o regime veneziano frente à tirania. Giannotti
esteve em Veneza poucos meses antes da Segunda República Popular de Veneza de 1527, ele
estava ligado aos Otimatti moderados liderados por Capponi. Sua grande preocupação
política, ao estudar Veneza, concentra-se na divisão do poder e na liberdade dos cidadãos,
temas caros ao debate humanista florentino. Giannotti constatou que o exercício da cidadania
plena em Veneza estava restrito às tradicionais famílias do século XIII. Curiosamente, esta
obra tem um sabor experimental, pois Giannotti, meses depois de ter visitado Veneza e ter
começado a escrever esta obra, foi eleito, em 23 de setembro de 1527, secretário do Consiglio
dei Dieci, mesmo cargo ocupado por seu concidadão Maquiavel, quando da Primeira
República Popular de Firenze. Em realidade, o estágio veneziano de Giannotti começou em
185 Inoltre, l’opera di Giannotti su Venezia non deve essere interpretata come parte di quell’ampia letteratura
specialmente fiorentina nella quale Venezia compare come modello politico da imitare. L’opera giannottiana,
infatti, non ‘recepisce’ i temi caratteristici del mito, perché è essa stessa una importante sistematizzazione di quei
temi. [...]. Si tratta, infatti, dello studio, analitico e attento, di un modello politico e della sua rilevanza ‘politica’
all’interno della storia e cultura veneziana, per comprendere fino a che punto e in che forme a Venezia si sia
costruita la più efficace critica del modello politico costituito dalla repubblica romana. SILVANO, op. cit., p. 34-
35.
84
quatorze de fevereiro de 1527, acompanhando Alessandro dei Pazzi, embaixador florentino
pró Medici. Nesses meses, conheceu o funcionamento da burocracia estatal veneziana e,
recolheu farto material para a elaboração de sua obra, ao retornar a Firenze ocupou cargos de
grande importância no governo de Capponi. Quando aparece o personagem Borgherini,
colocado nesta obra, era o genro do gonfaloneiro Capponi, portanto, esta obra, de maneira
criativa, coloca elementos políticos contemporâneos e reais do período. Cabe lembrar que em
seis de novembro de 1528, Giannotti submeteu ao governo florentino o documento Discorso
di Armare la Città di Firenze, pode-se inferir a proximidade com a obra maquiaveliana L’arte
da Guerra. Propunha o recrutamento de todos os cidadãos entre dezoito e cinquenta anos
completos, exceto os pobres e os camponeses. Tal documento gerou uma legislação própria
chamada de Milícia Cidadã, de maneira corajosa, Giannotti coloca em prática sua ideia de que
não se deve temer os cidadãos armados pois, na Firenze do século XV havia grande
resistência à formação de exércitos próprios, preferindo-se a contratação de tropas
mercenárias. No contexto político florentino Capponi antevia a reconciliação entre Carlos V e
o papa Clemente VII, alertou Giannotti sobre tal possibilidade, indicando que neste novo
cenário político, Firenze ficaria isolada. Faz-se mister lembrar que Capponi era um Otimatti e
que contava com uma boa rede de informante em Roma, dentre os quais um dos negociadores
papais, seu conterrâneo, Francesco Guicciardini. De maneira rápida e até mesmo
surpreendente, em outubro de 1528 o papa Clemente VII voltou a Roma e selou um acordo de
paz com o imperador Carlos V, simultaneamente, Capponi deixou o cargo de gonfaloneiro e
foi substituído por Francesco Carducci, autêntico representante dos Arrabbiati, assumiu o
poder em dezoito de abril de 1529, explodiram conflitos entre os Otimatti moderados e os
extremistas Arrabbiati, a República Popular Florentina foi encerrada em doze de agosto do
ano seguinte, sendo governada pelos homens de confiança da família Medici, dentre os quais,
Francesco Guicciardini, um Otimatti histórico da confiança da família Medici.
O pensamento de Maquiavel e Giannotti apresentam elementos republicanos, porém
com perspectivas políticas diferentes. Maquiavel defende uma república liberal, sobretudo
depois das mortes de Giulio e Giovanni dei Medici, sugerindo uma magistratura aberta,
formada por sessenta e cinco cidadãos florentinos que contassem com mais de quarenta e
cinco anos completos, dentre estes, seria eleito o Gonfaloneiro de Justiça, e os sessenta quatro
restantes seriam divididos em dois grupos, metade governaria por um ano com o Gonfaloneiro
e a outra metade governaria com o mesmo Gonfaloneiro no ano seguinte, porém todos
comporiam a Signoria. Giannotti, por sua vez, propõe uma Signoria nos moldes de Veneza:
um Doge, seis conselheiros e três líderes que comandariam um grupo de quarenta cavalheiros,
85
propondo algo menos numeroso, mas factível. Um dos contemporâneos destes dois autores
citados, Guicciardini, tinha um entendimento diferente. Defendia que o Estado deveria ser
governado com a participação dos cidadãos, escolhidos segundo seus méritos, investidos de
responsabilidades sem tendências tirânicas e distantes da licenciosidade popular. Tais
propostas aparecem em suas duas obras: Discorso di Logrogno e Dialogo del Reggimento di
Firenze, confirmando sua crítica ao modelo da Signoria tradicional. Reforça sua preocupação
com a qualidade dos atores políticos e os perigos da privatização do poder em benefício
particular. Quando Guicciardini defende a reforma política florentina, aproxima-se de
Maquiavel e Giannotti, porém, na prática, distancia-se de Maquiavel e aproxima-se de
Giannotti, que estava envolvido com questões políticas vinculadas aos Otimatti moderados.
Enfim, Guicciardini preocupa-se com o equilíbrio institucional sem o conteúdo classista de
Giannotti. Deve-se lembrar que os três autores têm um grande objetivo em comum: promover
a política com uomini di qualità, Maquiavel defendendo uma adequação das tradicionais
instituições florentinas, enquanto que Guicciardini e Giannotti alinham-se nitidamente aos
Otimatti, com a valorização do Senado.
Em De la Republica de’ Viniziani, escrito em 1531, única obra impressa durante sua
vida (1540), apresentou exemplos dos antigos que considera edificantes aos florentinos, os
diálogos ocorrem na casa de Pietro Bembo, onde o nobre florentino Giovanni Borgherini e o
patrício veneziano Trifone Gabriello discutem a República de Veneza. Giannotti partiu de
referenciais concretos e contemporâneos, muito caros aos humanistas cívicos de sua época: a
República de Veneza, suas instituições e a dinâmica de sua política republicana. Dedicou esta
obra a Francesco Nasi, republicano florentino que participou ativamente da República Popular
de Firenze em 1527. Giannotti foi ousado, pois rompeu com o exemplarismo maquiaveliano
que usava os exemplos de Esparta e Roma, usou como referência o republicanismo veneziano,
construído sobre bases muito peculiares. Pesquisou as instituições venezianas e experimentou
o cotidiano institucional desta república, ao distanciar-se das teses maquiavelianas e da
tradição veneziana, Giannotti criou uma obra fundamentada metodologicamente na autonomia
e no empirismo. Ao não utilizar elementos guicciardinianos de idealização do mito veneziano,
não corroborou a naturalização do poder das elites dirigentes de Veneza e Firenze, o
argumento da obra é protagonizado por Trifone Gabriello, que defende um novo projeto
político-constitucional. Segundo Pocock, Giannotti não vê em Veneza um modelo a ser
imitado e sim, um sistema a ser estudado por sua utilidade conceitual e institucional, para
fazer frente aos desafios políticos de sua Firenze, portanto, a concepção de Giannotti era mais
instrumental que ideal. O autor era conhecedor da lei de 1297, que havia limitado a
86
composição do Consiglio aos descendentes da aristocracia veneziana, portanto, em sua obra
Repubblica de Veneziani, Giannotti mostra as causas da preservação e estabilidade política de
Veneza, questionando sua virtù cívica, fundamentada em quatro instituições, a saber:
“Consiglio Grande, Consiglio de Pregati, Collegio e o Doge”186. Esta abordagem de
Giannotti não se prende a uma crítica sistemática do modelo veneziano, porém, ao levar
adiante sua proposta de participação cidadã encontra, no próprio sistema republicano do
Estado, caminhos para viabilizar a participação dos cidadãos, propondo o direito de
participação a todos aqueles que pagam impostos, como se pode ler no texto:
Quando escrevia sobre política florentina, Giannotti, defendia o vivere popolare, isto
é, desejava estender o direito de pertencer ao Consiglio Grande a todos aqueles que
pagavam impostos e não exclusivamente aos que haviam recebido por herança uma
qualificação para ocupar magistraturas.187
Nesta obra, o autor pesquisa a formação da república lagunar, a constituição do
Consiglio Grande, e a qualidade democrática de suas instituições. Ao estudar o Consiglio
Grande veneziano “descobre” que foi criado em 1172 e “fechado” em 1297 para atender os
interesses das famílias tradicionais de Veneza, pois só seus descendentes poderiam votar e ser
eleitos por sucessores familiares que o constituíam até esta última data. O protagonista da
obra, Trifone Gabriello descreve o bom acolhimento a todos os mercadores estrangeiros que
chegavam nesta cidade sem contudo, terem acesso a participação política no Consiglio
Grande. Esta obra evidencia as contradições internas existentes na república, que eram
omitidas pelo próprio Estado veneziano com o discurso da “Serenissima repubblica” uma
indefectível propaganda oficial que reproduzia o mito da república estável. Pode-se confirmar
o poder veneziano através das palavras de Silvano: “Giannotti está ciente de que em Veneza o
poder político e religioso se manifestava e também operava à maneira de um ritual muito
refinado, tendia a enfatizar a sacralidade do poder e, portanto, induzia a obediência.”188
Em um dos diálogos desta obra, Borgherini, que não é cidadão veneziano, avalia os
mecanismos das ações dos diversos órgãos do Estado, elencando de maneira precisa os
setores da atividade estatal e sua efetividade, desvelando a importância da política fiscal
186 SILVANO, op. cit., p. 277. 187 When he wrote about Florentine politics, Giannotti as we shall see advocated a vivere popolare; he wished to
extend membership in the Consiglio Grande to all Who paid taxes, not merely to those whose ancestry qualified
them to hold magistracies. POCOCK, op. cit., p. 278. 188 Giannotti é ben consapevole che a Venezia il potere politico e religioso si manifestava e operava anche nei
modi di un rituale molto raffinato, teso a sottolineare la sacralità del potere e, quindi, a indurre obbedienza.
SILVANO, Giovanni. La Republica de’ Viniziani: ricerche sul repubblicanesimo veneziano in età moderna.
Firenze: Lero S. Olschki, 1993, p. 65-66.
87
veneziana e o modelo de república concebido com uma milícia mercenária, que em sua
análise provocou grande decadência, se levarmos em conta o republicanismo do tipo romano.
Nestas linhas, o mesmo Borgherini destaca as manobras do corpo diplomático veneziano, que
evitavam os conflitos e a combatiam a ideia de um estado militarizado. Ao descrever o
modelo veneziano, o autor desvela as instituições venezianas e desconstrói o mito da
“Sereníssima repubblica”, mito este replicado sem crítica alguma por seus contemporâneos
florentinos. Todavia, esta não é uma obra iconoclasta; é, porém, uma obra de caráter
filosófico em que a ação política é estudada a partir de suas práticas institucionais.
Em La Republica de’ Viniziani trata de exemplos florentinos e venezianos do passado
que poderiam ser úteis para a política florentina. Esta obra tem grande originalidade, pois trata
Veneza como um exemplo a ser estudado e não como um exemplo a ser seguido, conforme se
pode ler na citação abaixo:
A consequência foi que um autor como Giannotti, pelo menos nesta fase inicial de
sua produção, foi capaz de estudar o estado veneziano sem ceder à ideologia e sem
falar sobre a natureza do Sereníssimo governo, com a única intenção de analisá-lo e
representá-lo como um exemplo (não necessariamente como um modelo) de
liberdade efetivamente realizada.189
Durante a Segunda República Popular de Firenze, Giannotti ocupou o cargo de
secretário dos Dieci, entre setembro de 1527 e agosto de 1530, período em que Nicollo
Capponi era o gonfaloneiro. Giannotti foi um dos homens de Capponi e, neste período,
familiarizou-se com os problemas jurídicos florentinos e seus desdobramentos, por
coincidência ocupou cargo semelhante ao seu mestre Nicolau Maquiavel e, quando do retorno
dos Medici, pagou por seus ideais republicanos. Suas obras foram Discorso sopra il fermare il
governo di Firenze (1528-1529), Della Repubblica Fiorentina (1531-1538) e Discorso
intorno alla forma de la Repubblica di Firenze (1540). A relevância do autor na política
florentina foi destacada por Ridolfi com riqueza de detalhes sobre a participação de Giannotti,
na queda da última república florentina (12 de agosto de 1530), no texto abaixo, lê-se o
desfecho da Segunda República:
189 La conseguenza fu che un autore come Giannotti, almeno in questa prima fase della sua produzione, poté
studiare lo stato veneziano senza indulgere all’ideologia e senza pronunciarsi apertamente sulla natura del
Serenissimo governo, col solo intento di esaminarlo e di rappresentarlo come un esempio (non necessariamente
un modello) di libertà effettivamente realizzata. TAFURO, Antonio. Donato Giannotti: dalla Repubblica di
Venezia alla repubblica di Firenze. Napoli: Libreria Dante & Descartes, 2007, p. 39.
88
Entre os confinados, na lista dolorosa e sem fim, houve a flor intelectual da virtude:
o historiador Iacopo Nardi, o jurista Salvestro Aldobrandini, Donato Giannotti, o
teórico dos governos venezianos e florentinos, que tinha mantido com honra da
Secretaria dos Dez, na época de Maquiavel.190
Giannotti foi confinado em sua propriedade rural por três anos em Comeano, depois,
mais dois anos em Bibbiena e, novamente até março de 1536, em Comeano. Durante este
período forçado de exílio político (1531-1536), compôs a comédia Il Vecchio amoroso e o
Discorso sulle cose d’Italia a papa Paolo III (1535)191. Pode-se depreender no texto abaixo a
importância do pensamento de Giannotti para a política florentina:
Giannotti parece possuir uma qualidade excepcional, que parece faltar na maioria
dos homens de seu tempo, e, de modo particular, em Maquiavel: ou seja, a
capacidade de saber como aceitar as pessoas pelo que elas são e o que elas são
capazes de dar em seguida, concentrando-se fortemente em seus pontos fortes.192
Giannotti, em seu tratado Della repubblica Fiorentina, estuda a divisão política da
elite florentina e analisa o que não funcionou nos dois governos republicanos de Firenze. Ao
apresentar os governos de Soderini e Capponi, mostra as responsabilidades da velha elite, em
busca de um ordenamento jurídico que evitasse as sedições em Firenze, Giannotti preocupa-se
com o poder privado sobrepondo-se e até substituindo o poder público, portanto, nesta obra,
sua grande preocupação é a construção de um aparato institucional que garanta a existência de
instâncias executivas, judiciárias e legislativas, propõe um governo misto que inclua
proporcionalmente os diferentes grupos políticos, criando um equilíbrio para que todos os
homens qualificados possam participar da política. Esta obra não teve a ressonância das obras
de Maquiavel, mas tem um caráter realista e propositivo, preocupando-se com o cidadão e seu
protagonismo político, segundo Bisaccia: “A participação política que ajuda os homens a
amadurecer e ser, portanto, mais capaz de superar o estreito círculo de sua própria
190 Tra i confinati, in lista dolorosa e infinita, c’era il fiore dell’ingegno e della virtù: lo storico Iacopo Nardi, il
giurista Salvestro Aldobrandini, Donato Giannotti, il teorico dei governi veneziano e fiorentino che aveva tenuto
con onore la Segreteria dei Dieci, un tempo del Machiavelli. RIDOLFI, Roberto. Vita di Francesco Guicciardini.
Roma: Angelo Belardetti Editore, 1959, p. 332. 191 BISACCIA, Giuseppe. La Repubblica Fiorentina di Donato Giannotti. Firenze: Leo S. Olschki Editore,
1978, p. 21. 192 Il Giannotti sembra invece possedere uma qualità eccezionale, che sembra far difetto alla maggior parte degli
uomini del suo tempo, ed in particolar modo al Machiavelli: la capacità cioè di sapere accettare gli uomini per
quello che sono e per quello che sono in grado di dare, puntando poi decisamente ui loro punti di forza. Ibidem,
p. 22.
89
pequenez.”193 Esta obra analisa o regime republicano que governou Firenze de 1494 à 1512,
analisa a renovação republicana em Firenze e faz uma autocrítica do governo florentino
popular, ao qual Giannotti pertenceu (1527- 1530).
Ao seguir a advertência de Maquiavel, que só se pode reordenar o Estado com a
reconstrução da sua elite política, retoma o discurso maquiaveliano de uma república bem
ordenada em que um príncipe absoluto, caudatário do prestígio de sua origem, deverá também
possuir a virtù, consubstanciada em sua determinação194. Esta obra foi iniciada em janeiro de
1532, e só terminada em março de 1538; no primeiro capítulo esclarece os motivos que o
levaram a escrever a obra, objetivando pesquisar e descrever as formas de governo, sempre
buscando a sua aplicabilidade ao cenário florentino; no segundo capítulo defende que nenhum
governo poderá permanecer longamente, exceto se for benéfico aos seus cidadãos195. Ainda
segundo Bisaccia196, Giannotti destaca que na Firenze do século XVI, entre os Grandi e a
Plebe, havia o Popolo. O autor entende que falta a esta classe a consciência de um objetivo
comum, não obstante, os popolani vinham de um jogo de mudanças de interesses entre os
Grandi. É original, no pensamento de Giannotti, esta classificação social e sua insistência em
descrever seu papel na sociedade florentina, conforme pode-se ler abaixo:
Em Veneza – como observaram diversos escritores – havia uma sistematização
adequada entre os desejos das três classes de cidadãos, classificados de acordo com
afiliações e aspirações: aqueles que desejavam a paz social e a oportunidade de
exercer livremente seu trabalho; aqueles que desejavam participar do poder e
honrarias; aqueles que queriam tomar as rédeas do Estado e governar.197
Aprofundando o pensamento de Giannotti, pode-se destacar que uma das estruturas de
seu projeto político é a divisão do poder estatal, surge nesta obra mais uma contribuição
original, que se consolidará somente 200 anos depois, a saber, os poderes: Executivo,
Legislativo e Judiciário. Esta proposta giannnottiana foi retomada por vários autores
posteriores, e é o modelo adotado nas democracias contemporâneas ocidentais. A
fundamentação teórica desta proposta prende-se ao fato de que com esta condução da prática
193 La partecipazione politica aiuta infatti gli uomini a maturarsi e ad essere quindi più capaci di superare
l’angusto cerchio delle proprie meschinità. BISACCIA, op. cit., p. 128. 194 BISACCIA, op. cit., p. 23. 195 GIANNOTTI, Donato. La Repubblica Fiorentina e la Veneziana di Donato Diannotti. Fac-símile, 1840, p.
53-54. 196 BISACCIA, op. cit., p. 23. 197 A Venezia – pensavano diversi scrittori – si era data adeguata sistemazione ai desideri di tre diverse classi di
citadini, cosi classificabili in base alle appartenenze e alle aspirazioni: coloro che desideravano la pace sociale e
la possibilità di svolgere liberamente il proprio lavoro; coloro che volevano partecipare al potere e agli onori;
coloro che ambivano prendere le redini dello Stato e governare. TAFURO, op. cit., p.39.
90
política evitaria que poucos o avaliassem e que poucos o aprovassem, referindo-se a este
projeto político, diz Riklin:
Não menos importante na doutrina da Giannotti, o direito de sufrágio reconhecido
aos contribuintes do Tesouro do Estado. Um modelo de "constituição mista" deduz
Riklin da análise da República florentina. O aspecto mais inovador desta, assim
como os Discorsi de 1527 e 1552, é o princípio da separação de poderes. Giannotti
distingue quatro funções do Estado (o eleitoral, o legislativo, a política internacional
e o jurisdicional) e três fases de decisão (consulta, deliberação e execução) [...] As
fórmulas famosas da teoria da separação dos poderes não se encontram
primeiramente em John Milton (1649) e John Locke (1690), mas sim em Giannotti
no século XVI.198
De caráter nitidamente reformista, tanto a obra de Giannotti quanto Guicciardini,
preveem mudanças constitucionais que garantam, sobretudo, o bem comum. Enquanto
Giannotti preocupa-se com o Popolo, Guicciardini, destaca os homens de virtù, que de
maneira estrita seriam os Ottimati, estrato social muito próximo dos Grandi. Os dois autores
trabalham no mesmo diapasão pois propõem reformas constitucionais necessárias para o bom
governo da república de Firenze, como pode-se ler no seguinte texto de Bisaccia.
Notamos, por exemplo, que entre Guicciardini e Giannotti, em seus projetos
constitucionais, propõem a redistribuição de responsabilidades: um, no entanto,
inclinando-se mais sobre os homens de qualidade (I Grandi), e outro mais sobre o
Popolo e, particularmente, em um sistema orgânico e articulado de equilíbrio de
poderes. Nem um nem outro pode, no entanto, trocar os dados evidentes de uma
certa realidade florentina determinada: a necessidade de garantir a todo custo a
liberdade do Grande Conselho; conter a ambição desenfreada dos Grandi, que foi
parcialmente satisfeita e, em parte contida; e, finalmente, a competência quase
exclusiva, nos negócios do Estado, dos Grandi, cujo conselho é necessário valer-
se.199
É nos escritos de Guicciardini, que se consegue verificar melhor essa transformação
do conceito de liberdade. Mesmo entendida no sentido tradicional do direito do
198 No menos importante en la doctrina de Giannotti, el derecho de sufragio reconocido a los contribuyentes del
erario. Un modelo de “Constitución mixta” deduce Riklin del análisis de La República Florentina. El más
innovador aspecto de ella, así como de los Discorsi de 1527 y 1552, es el principio de la división de los poderes.
Giannotti distingue cuatro funciones estatales (la electoral, la legislativa, la política internacional y la
jurisdiccional) y tres fases decisorias (consultiva, deliberación y ejecución)/.../Las famosas fórmulas de la teoría
de la separación de los poderes no se encuentran primero en John Milton (1649) y John Locke (1690) sino ya en
el siglo XVI en Giannotti”. PIEDRAHITA, Carlos Restrepo. “Presentación: Tras la Huellas de Donato
Giannotti”. In: GIANNOTTI, Donato. La República de Florencia. Traducción y estudio preliminar de Antonio
Hermosa Andújar. Madrid: Boletín Oficial del Estado Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 1997, p.
XXI. 199 Notiamo, ad esempio, che sia il Guicciardini che il Giannotti, nei loro progetti costituzionali, propongono la
ridistribuzione delle competenze: l’uno poggiandosi però maggiormente sugli uomini di qualità (i Grandi), l’altro
maggiormente sul Popolo e, particolarmente, su um sistema orgânico ed articolato di equilibrio dei poteri. Né
l’uno né l’altro può però cambiare i dati evidenti di uma certa realtà Fiorentina: la necessita di garantire a tutti i
costi la libertà del Consiglio Grande; l’ambizione sfrenata dei Grandi, che va in parte soddisfatta ed in parte
frenata; ed infine la competenza quase esclusiva, negli affari di Stato, dei Grandi, del cui consiglio è quindi
necessário valersi. BISACCIA, op. cit., p. 35.
91
cidadão de participar na vida pública, nas Storie Fiorentine, de 1508-1509, este
passa a significar, no Dialogo del Reggimento di Firenze, de 1521-1526, a garantia
da proteção das leis.200
Giannotti não deixa de salientar que a palavra liberdade foi muitas vezes utilizada para
fins demagógicos, especialmente durante a última república Florentina, em que houve grande
manipulação deste termo com objetivo puramente partidário, conforme atestam Maquiavel,
Guicciardini e Nerli.201 Giannoti, ao escrever a obra Della Repubblica Fiorentina, fez uma
rigorosa pesquisa sobre as instituições e as respectivas práticas republicanas. Ao observar
certas injustiças, deparou-se com a extrapolação de poder por parte dos magistrados
florentinos, Giannotti alerta para a exorbitância do poder dos magistrados, conforme se pode
observar na citação de Bisaccia:
Giannotti, remetendo-se aos ideais municipais do conceito de cidade, concebido
como uma "congregação de homens livres, ordenada no bem viver comum dos
habitantes, substancialmente permanece fiel à fórmula do vivere civile livre as quais
os cidadãos obedecem somente as leis e os magistrados – estes, por sua vez ligados
aos mesmos ideais – e eles também têm o direito de participar na vida da República
elegendo os magistrados que aprovarão as leis no Consiglio Grande [...] Desde
então, as coisas foram ordenadas e reguladas desta forma nas duas administrações
republicanas anteriores (1494-1512, 1527-1530), o republicano Giannotti conclui
que, apesar da aparência, não havia verdadeira Libertà, porque não havia limite
algum sobre a autoridade dos magistrados.202
Pode-se afirmar que Giannotti foi influenciado por Maquiavel, todavia, divergiu das
teses de seu mestre, de maneira incisiva, Giannotti discorda da teoria dos conflitos, descrita
diretamente no célebre livro Discorsi sopra la prima deca di Tito Livio, de Maquiavel. Neste
particular, Francesco Guicciardini, partilhou das mesmas teses de Giannotti ao afastar-se do
caráter positivo das discórdias civis romanas, defendidas por Maquiavel.
200 È negli scritti del Guicciardini che si riesce meglio a cogliere questa trasformazione del concetto di libertà.
Ancora intesa nel senso tradizionale di diritto del cittadino di partecipare alla vita pubblica, nelle Storie
Fiorentine, del 1508-1509, essa passa poi a significare, nel Dialogo del reggimento di Firenze, del 1521-1526,
protezione garantita delle leggi. BISACCIA, op. cit., p. 68. 201 Il Giannotti non manca inoltre di rilevare che il nome di libertà era stato talvolta usato a fini demagogici,
specialmente durante l’ultima repubblica Fiorentina. Di questa strumentalizzazione della parola a puro scopo
politico ce ne sono parimenti testimoni il Maquiavelli, Il Guicciardini e il Nerli. BISACCIA, op. cit., p. 71. 202 Il Giannotti, riallaciandosi invece agli ideali comunali del concetto di città, intesa quale “congregazione
d’uomini liberti, ordinata al bem vivere comune degli abitanti” resta fedele sostaqnzialmente alla formula di um
viver civile libero, in cui i cittadini obbediscano soltanto alle leggi e ai magistrati – questi a loro volta vincolati
da quelle – ed abbiano inoltre il diritto di partecipare alla vita della repubblica con l’eleggerne i magistrati e
approvarne le leggi in Consiglio. [...]. Non essendo state dunque le cose ordinate e regolate a questo modo nelle
due precedenti amministrazione, repubblicane (1494-1512, 1527-1530), il Giannotti ne conclude che, nonostante
le apparenzo, non vi era stata vera libertà, appuno perché non era stato posto freno alcuno all’autorità dei
magistrati. BISACCIA, op. cit., p. 69.
92
O juízo de Giannotti sobre a República Romana coincide somente em parte com o
de Maquiavel. Se compreendermos as razões, levando-se em conta que ambos têm
objetivos diferentes: Maquiavel está interessado, como já foi dito, na estabilidade
institucional, mas também, em geral, nos mecanismos sociais e, em seguida, na
interação entre o Estado e a sociedade; Giannotti, por sua vez, está absorvido na
improrrogável necessidade de buscar a tranqüilidade e a estabilidade em uma
Firenze que, depois 1530, está mais agitada do que nunca. Podemos, portanto, dizer
que o critério da estabilidade institucional é aquele no qual Giannotti se baseia para
seu próprio julgamento sobre a Roma Republicana. O conceito de duração é
subordinado ao de estabilidade [...]. Porém, em última analise, Giannotti, embora
reconhecendo que a República Romana se tornaria grande, com duração de mais de
trezentos anos, se os plebeus não tivessem reagido a insultos, e assim impedido o
advento da tirania, acredita que se tornaria ainda maior, se tivessem sido eliminadas
as causas de toda discórdia civil dando mais autoridade ao povo que ao Senado.203
Segundo Pocock204, Giannotti é um dos herdeiros intelectuais de Maquiavel e é,
segundo o mesmo Pocock, o último pensador importante da tradição republicana florentina.
Para Giannotti, os venezianos formavam uma aristocracia cívica, que construiu
cuidadosamente o “mito de Veneza” ao longo de duzentos anos, entre 1297 e 1520, contando
com historiadores contratados pelo governo para escrever obras que exaltavam as virtudes da
república veneziana. Ao conhecer e pesquisar a práxis política na República de Veneza,
Giannotti desmitifica a visão de respeitados pensadores como Guicciardini que construiu sua
obra o Dialogo del Reggimento di Firenze fazendo apologia da vida política veneziana, suas
leis e suas instituições. Deve-se atentar para o fato de que a própria constituição florentina de
1494 foi inspirada no modelo veneziano, sob os auspícios de Savonarola, e que o exemplo
veneziano era largamente reverenciado como paradigma a ser copiado por idealistas
republicanos. Pode-se verificar tal contradição nas palavras de Pocock:
Giannotti não concorda com a opinião de Guicciardini de que Firenze era tão
aristocrática como Veneza e Veneza tão democrática como Firenze, porque entende
que em ambos casos existia um corpo de cidadãos limitado (nem todos os habitantes
eram considerados cidadãos) e os termos “aristocrático e democrático” fazem
sentido, unicamente, para os detentores de poder de um corpo limitado.205
203 Il giudizio del Giannotti sulla Roma repubblicana coincide solo in parte com quello del Machiavelli. Se ne
comprenderanno le ragioni, se si terrà conto che diversi sono gli obiettivi a cui ciascuno di loro mira: il
Machiavelli s’interessa, come si è detto, alla stabilità istituzionale, ma anche, in genere, ai meccanismi sociali e
quindi all’interazione tra Stato e società; il Giannotti è invece tutto preso dall’improrogabile necessita di
apportare quiete e stabilità ad uma Firenze che dopo il 1530 è più snervata che mai. Si può quindi dire che il
critério di stabilità istituzionale sai quello poi sul quale il Giannotti basa anche il próprio giudizio sulla Roma
repubblicana. Il concetto di durata è invece subordinato a quello di stabilità.
Il ultima analisi però, il Giannotti, pur riconoscendo che la Roma repubblicana non sarebbe divenuta grande e
durata per oltre trecento anni, se i plebei non avessero reagito alle offese, ed impedito cosi l’avvento della
tirannide, ritiene che essa sarebbe divenuta anche più grande, se fossero state eliminate le cause di ogni civile
discórdia col conferire maggiore autorità al Popolo che al Senato. BISACCIA, op. cit., p. 84-85. 204 POCOCK, op. cit., p. 272. 205 Giannotti does not adopt Guicciardini’s view that Florence is as aristocratic as Venice and Venice as
democratic as Florence, since in either case there is a finite citizen body and the terms “aristocratic” and
93
Quando Giannotti estuda Veneza, destaca os pobres, chamados de popolari, a “classe
média”, chamada de cittadini e a elite, composta pelos gentiluomini. Segundo Pocock206,
Giannotti questiona o mito veneziano ao constatar que havia escassez de documentos
históricos, tanto privados quanto públicos, e que Veneza não guardava de forma documental,
nenhuma grave crise política em seus anais, nem possuía legisladores que marcaram época.
Ao deparar-se com a república de Veneza do mundo real, descobre que os conselhos e suas
decisões, eram operadas por um intrincado mecanismo de votações secretas que resultavam na
mecanização da virtù. O próprio Guicciardini se colocava frontalmente contra o voto secreto,
e defendia que o voto aberto evitaria traições e manipulações, consequentemente tinha
reservas quanto ao sistema decisório veneziano que em todas as instâncias era concebido pelo
escrutínio secreto. Firenze e Veneza aparecem como regimes do popolo e da libertà na ótica
de pensadores como Giannotti e Guicciardini, pois em ambas repúblicas havia a divisão do
poder através das magistraturas e do Consiglio grande. Guicciardini preocupava-se com a
virtù dos componentes do Consiglio e suas qualidades no exercício do poder sempre
idealizadas e exigidas quando o mesmo autor idealizava a conduta dos Ottimati. Giannotti por
sua vez, defendia a efetiva participação das camadas mais baixas da sociedade, que formaria
uma verdadeira república, para justificar tal posição, dizia que estas camadas deveriam ser
incluídas, pois também pagavam impostos. Portanto, o fino contraste entre a virtù de
Giannotti, marcadamente maquiaveliana, e a prudenza guicciardiniana mostram as duas faces
da ação política: a primeira, carregada de ação e vitalidade, mas generalista; a segunda,
metódica, equilibrada e criteriosa, marcada pela particularização e contextualização.
Depreende-se que Giannotti é objetivo e criativo com a virtù maquiaveliana, marcada pela
audácia e dinamismo, mas carecendo de um projeto. Em Guicciardini, a virtù prudencial
objetiva a ação política de maneira prática e real, e dadas as condições particulares o autor
engendra manobras políticas para cada situação específica.
Não é possível encontrar uma expressão mais clara do rechaço de Guicciardini ao
entrar no mundo da virtù que tanto fascinava Maquiavel. A virtù como audácia,
como a dinâmica e, talvez, como o poder criativo de um príncipe ou de um povo em
armas, buscava dominar a fortuna mais que eliminá-la. Maquiavel descobre esta
característica no genial inovador e na equação cidadão-guerreiro. Mas, Guicciardini
identifica a virtù com a prudenza (inclusive substituindo), isto é, com o poder do
timoneiro ou do médico para observar os acontecimentos e acomodar-se a eles, mais
“democratic” have meaning only in relation to the distribution of Power within that body. POCOCK, op. cit., p.
278. 206 POCOCK, op. cit., p. 280.
94
que com a capacidade de plasmá-los ou de determiná-los; e está defendendo uma
conduta política estruturada na manobra, não na ação.207
Na sua obra, La Repubblica Fiorentina, Giannotti discute a liberdade institucional, seu
contexto florentino e as alternativas às instituições existentes. No Capítulo Oito do Terceiro
Livro desta obra, Giannotti avalia as instituições florentinas e sugere mudanças na
periodicidade dos mandatos dos magistrados, critica duramente certas ancestralidades
contidas na legislação e, preocupa-se com a virtù desses políticos, propondo mudanças na lei
que privilegiem a escolha dos que reúnam as melhores qualidades para o exercício do cargo.
Cada um mantém suas características diferentes, aquelas que Giannotti chama de
virtù e não humor, ou (como podia ser feito) fantasia; [...] Giannotti analisou o termo
virtù de uma forma que possibilita a substituição de um modelo mecânico por outro
pseudo-orgânico através de analogias políticas. Portanto, com este modelo analítico,
a metáfora do cozinheiro de Guicciardini que dava forma à massa, desapareceu.208
Buscando a proteção do Estado frente às sedições e ao assédio da família Medici,
Giannotti tece críticas à lentidão das instituições florentinas e reconhece a necessidade do
equilíbrio entre estas, mas propõe mudanças que melhorem sua operacionalidade. O autor não
cria um novo modelo, mas tem propostas reformistas para as instituições florentinas,
conforme se pode ler abaixo:
Não obstante, nossa intenção é ajustar-nos às ordens do passado, por isso afirmo
que, desejando criar senhores no modelo antigo, devemos prover ao menos que esta
magistratura seja ocupada por pessoas qualificadas. É mister, pois, derrubar esta lei
em virtude da qual aquele cujo pai, ou quando ao menos o avô, não pertenceu a uma
das três principais magistraturas perderia, segundo dizemos, as vantagens. Esta lei
quase força os homens a por o cargo nas mãos de qualquer um, desconsiderando um
merecimento ou não; com efeito, acreditam que ainda quando se cometa danos
contra quem não tenha ganho a votação por não ser merecedor de tal dignidade, sim
se comete injustiça contra seus descendentes, os quais, ao não serem descendentes
dos membros das três principais magistraturas, poderia perder as vantagens. Se trata
de algo nocivo para a república porque, ao criar um cargo, se deve atender as
qualificações pressupostas, não o que se pretenderá. Ou seja, é preciso derrubar esta
207 There could be no clearer statement of Guicciardini’s refusal to enter into that world of virtù, that so
fascinated Machiavelli. Virtù as audacity, the dynamic and perhabs creative Power of a Prince or a people in
arms, sought to dominate fortune rather than eliminate it; Machiavelli found this characteristic in the innovator
of genius and in the equation of citizen and warrior. But Guicciardini is identifying (if not replacing) virtù with
prudence, the steersman’s or doctor’s power to observe events and accommodate oneself to them, rather than
seeking to shape or determine them; his is a polities of maneuver rather than of action. POCOCK, op. cit., p. 238. 208 Each retains his distinctive characteristic, which Giannotti is now calling virtù, not umore or (as He might
have done) fantasia; [...] Giannotti has analyzed the term virtù in such a way as to bring about the substitution of
a mechanistic for a pseudo-organic model in political analogy; Guicciardini’s cook, stirring a mound of pasta,
has disappeared. POCOCK, op. cit., p. 307-308.
95
lei para acabar com o preconceito das mentes dos homens. Ademais, o cargo em
questão deve ser obtido pela maioria dos votos mais um, como dizemos, em relação
a todos.209
A convergência entre Giannotti e Guicciardini aumenta quando os dois autores
afirmam que as teses de Maquiavel sobre Roma eram equivocadas210, sobretudo quando a
teoria dos conflitos é defendida por Maquiavel de maneira positiva. Os dois autores negam
que os conflitos foram a base do crescimento das instituições romanas, e de maneira
convergente, mostram os aspectos negativos dos conflitos para a República florentina. Pode-
se inferir que os dois autores não compreenderam a amplitude da teoria dos conflitos que
Maquiavel defende e que, a riqueza do argumento maquiaveliano ao inspirar-se na república
romana, abriu a discussão sobre a importância dos conflitos no corpo político da sociedade
humana até os nossos dias.
Tanto Giannotti quanto Guicciardini não vislumbraram o caráter inovador de
Maquiavel quando este diz que a política tem sua área de ação em terrenos repletos de tensões
sociais, pois a ação política na prática deve considerar interesses de setores diversos e que, de
fato, o agir político pertence ao jogo político dos conflitos, onde as tensões não são negadas e
nem manipuladas, pois as sedições e as discórdias não são nem exceções nem regras, são fatos
políticos que devem ser admitidos, pesquisados e trabalhados, segundo a visão maquiaveliana.
Tal afirmação é corroborada por Pocock:
Mais adiante Giannotti diz que Políbio estava equivocado, atribuindo à República
Romana a condição de governo misto. [...] O repúdio a Políbio inclui uma
importante consequência adicional: Giannotti repudia também as teses de Maquiavel
sobre Roma. Giannotti havia refutado já, implicitamente, o argumento de Maquiavel
de que o Estado Popular armado deve ser um Estado organizado para expansão
territorial, agora negará que a desordem civil romana seja sintoma de saúde, que
determinou a instauração dos tribunatos em Roma.211
209 Ma perchè noi ci vogliamo accomodare a’modi passati, perciò dico che veleado creare i Signori, secondochè
s’usava, almeno si provvegga che tal magistrato venga in persone qualificate. Bisogna adunque levar via quella
legge, per la quale chi non há avuto il padre, o almeno lo avolo de’ter maggiori, perde, siccome noi diciamo, il
benefizio. Questa legge constringe quase gli uomini a dare il magistrato a ciascuno, senza considerare, se egli lo
merita o non merita, parendogli che sebbene non è fatto torto ad alcuno, se non è vinto, quando va a pertito, per
non essere uomo che Meriti quella dignità, si faccia ingiuria ai descendenti suoi, i quali per non avere avuto il
padre o l’avolo de’ter maggiori, potrebbono perdere il benefizio, la qual cosa è disutile alla repubblica. Perchè
nella creazione de’magistrati si debbe considerare le qualità di quelli che sono, non di quelli che hanno a essere.
È adunque da spegnere la sopraddetta legge, per levare tal rispetto delle menti degli uomini. Oltre a questo
debbesi eleggere tal magistrato per le più fave nere, vinto il partito per la metà ed uma più, siccome noi di sopra
dicemmo degli altri magistrati. GIANNOTTI, Donato. La Repubblica Fiorentina e la Veneziana di Donato
Diannotti. Fac-símile, 1840, p. 123. 210 POCOCK, op. cit., p. 310. 211 If further follows that Polybius was wrong in seeing the Roman republic as the modelo f mixed government.
[...] The repudiation of Polybius carries to a further stage Giannotti’s repudiation of Machiavelli on the subject of
96
Giannotti entende a cidadania como o motor que move a ação política do cidadão no
corpo da república, e preocupa-se com a participação de todos aqueles que pagam impostos.
Portanto, dirige suas preocupações para a participação política dos estratos médios e baixos da
república florentina, de modo a garantir tal protagonismo dos cidadãos a fim de criar uma
práxis republicana verdadeira. Guicciardini se preocupa com a república, entendendo que o
ator político, deve ser moldada pela virtù e exercida com prudenza, esta idealização aparece
recorrentemente na obra do autor, e sempre está atrelada ao seu grupo florentino, os Ottimati.
A concepção de cidadania desses dois autores é bem diferente, segundo Pocock:
O conceito de cidadania de Guicciardini se mantém sempre nos limites do conceito
de uma virtù, que apesar do realismo que percorre todo o seu pensamento, não
consegue superar nem a linguagem e nem os pressupostos aristotélicos, enquanto
que, em Giannotti, o princípio da natureza do homem é ser cidadão, princípio
tipicamente aristotélico, sendo proclamado de maneira explícita, seu autor se detém
quando está próximo de admitir sua proximidade com as teses savonarolianas.212
Segundo Giuseppe Bisaccia213, tanto Guicciardini quanto Giannotti, entendiam que o
equilíbrio dos poderes passava por projetos constitucionais eficazes. Guicciardini,
preocupava-se com os uominni di qualità (I Grandi) e Giannotti preocupava-se com o popolo,
sendo o objetivo final das reflexões de ambos o equilíbrio constitucional. Ainda segundo
Bisaccia, há uma diferença substancial entre os dois pensadores, pois, enquanto Guicciardini
se preocupava com a liderança de pochi, Giannotti acreditava na convergência de valores
cidadãos e na educabilidade do próprio cidadão.
Apesar de muitas divergências, ambos convergiam quanto à consolidação da
República através de instrumentos jurídicos que garantissem o bem comum e a conservação
do Estado em uma sociedade burguesa, liberal e laica.
Rome. He hás already implicitly rejected Machiavelli’s contention that the armed popular state must be one
organized for expansion; He now rejects his contention that Roman civil strife was a sign of health because it led
to the institution of the tribunate. POCOCK, op. cit., p. 308. 212Guicciardini’s concepto f citizenship remains a concept of virtù, loaded in the midst of its realism with
Aristotelian language and assmptions, and in Giannotti the principle that man’s nature is that of a citizen is
explicitly stated, explicitly Aristotelian, and stops short only of becoming Savonarolan. Ibidem, p. 318. 213 BISACCIA, op. cit., p. 35.
97
CAPÍTULO 4 - O PENSAMENTO E HORIZONTE POLÍTICO DE GUICCIARDINI
4.1 - O corpo político
Guicciardini se refere à decadência política, econômica e moral do Estado Florentino
através da metáfora de um “corpo doente” que precisa ser tratado e curado. Conforme se lê
em Barbuto214 a preocupação de Guicciardini em encontrar soluções para a cura das doenças
do corpo político, observa que remédios muito fortes e radicais podem não ser eficazes,
porque a res publica tem seus próprios hábitos, que são como uma segunda natureza do
Estado, segundo o autor, um corpo político muito debilitado não resistirá a uma terapia
forte215. Há neste particular importante exclusão guicciardiniana, uma clara dissensão com
Maquiavel, o apelo a uma revolutio das ordens civis, uma restauração que leve ao modelo
original (forma primigenia) na tentativa de recuperar a saúde e o frescor originais, na
concepção guicciardiniana da história política institucional. Este encaminhamento se
configura como uma parábola e não como um ciclo, “os únicos remédios que você pode fazer
para um corpo até agora cansado e enfraquecido são aqueles para conter o declínio, para adiar
o fim, nenhuma ilusão de um retorno à origem.”216 Desta maneira, a conduta da cura
combaterá a fraqueza, o cansaço e a fadiga, impedindo a decadência do Estado, mas sem a
ilusão de uma recuperação total para o Estado original, pois sequelas podem persistir após um
rigoroso e necessário tratamento. A política de Firenze é a grande inquietação do autor, que se
preocupa com a destruição e com a ruína da cidade, sendo ela ameaçada por “guerras súbitas e
violentíssimas.”217 Entenda-se aí também um processo de decadência moral e cívica.
Na obra de Guicciardini a metáfora entre o político e o médico é recorrente, sabe-se
que essa comparação foi feita por autores clássicos, como Platão, Aristóteles, os estóicos e,
também, por pensadores que viveram no Renascimento como Savonarola, Maquiavel e
Erasmo de Roterdam218. Guicciardini compara o político ao timoneiro de um navio, conforme
214 BARBUTO, Gennaro Maria. La Libertà Moderata (Introduzione). In: BARBUTO, Gennaro Maria. La
Politica dopo la Tempesta. Ordine e Crisi nel Pensiero di Francesco Guicciardini. Napoli: Liguori Editore, 2000,
p. XVII. 215 Ibidem, p. XVII. 216 gli unici rimedi che si possono apportare a um corpo ormai affaticato e indebolito sono quelli di arginarne la
decadenza, di posticiparne la fine, senza illusione di um ritorno all’origine. Ibidem, p. XVII. 217 GUICCIARDINI, F. Storie Fiorentine. Opere. La Letteratura Italiana: Storia e Testi. A cura di Emanuella
Lugnani Scarano. Milano; Napoli: Riccardo Ricciardi Editore, s/d., p. 93. 218 BARBUTO, op. cit., p. XVIII.
98
se pode ler na citação, da Storie Fiorentine: “Sulla metafora del politico, come medico e come
timoniere, rimando, quali meri esempi senza alcuna pretesa di esaustività.”219
Outra metáfora que aparece na obra de Guicciardini é a do “fabricante de massas”
(pastaio)220, também utilizada por Platão mas numa alusão negativa, em que o médico é o
terapeuta da Pólis, administrando a justiça corretamente, contrapondo-se ao cozinheiro
adulador que corrompe o gosto dos cidadãos. A metáfora de Guicciardini, em relação ao
“fabricante de massas” tem um sentido diferente, mostra alguém preocupado com os detalhes,
com todas as particularidades, aquele que desenvolve “um método próprio”: examinando
tudo, computando tudo, levando em consideração todas as variáveis, conforme se pode ler
abaixo:
Que uma ou duas leis particulares possam dar fruto, mas seria necessário fazer um
acúmulo de todas as coisas e então reduzir toda esta massa em uma matéria para,
depois, reformá-la e dar-lhe nova distinção, para uso de quem faz coisas para
comer: pois, se a primeira tentativa não resulta bem, ajunta tudo e o reduz em uma
nova forma.221
Assim como o fabricante de massas é cuidadoso e prudente, assim deve ser o político
em sua conduta222. A figura do “fabricante de massas” é a de um especialista que deverá dosar
os ingredientes para a fabricação de uma boa massa. Em outra metáfora compara o político
ao médico, o autor entende que a análise médica compreende uma anamnese do doente,
investigando a complexidade de sua doença e propondo bom tratamento para a sua cura.
Nessas metáforas, Guicciardini não reduz a conduta a uma mera fórmula, mas ressalta a
análise detalhada do fato político. Deve-se entender que, depois do diagnóstico, vem o
tratamento, que deve ser bem administrado para que o corpo político seja recuperado e possa
continuar a trabalhar. Conforme se pode ler no Ricordi 21.
Totalmente o contrário deve proceder um governo popular, porque sendo
comumente amado em Firenze, e não sendo também uma máquina regida por certas
finalidades encaminhadas por um ou por poucos, mas trabalhando todos os dias para
a multidão e ignorando os que querem modificar o seu procedimento, precisa,
219 GUICCIARDINI, Francesco. Storie Fiorentine, apud, BARBUTO, op. cit., p. XVIII. 220 GUICCIARDINI, Francesco. Discorso di Logrogno, apud, BARBUTO, op. cit., p. 4. 221 Che uma legge o dua particulare possino fare frutto, ma saria necessário fare uno cumulo di ogni cosa e
ridurre tutta questa massa in uma matéria, e di poi riformarla e ridistinguerla tutta a uso di chi fa cose da
mangiare: che se la prima bozza non viene bene, fa uno monte di tutto e riducela in uma forma nuova.
GUICCIARDINI, Francesco. Discorso di Logrogno. apud. BARBUTO, op. cit., p. 4. 222 GUICCIARDINI, Francesco. Del governo di Firenze dopo la restaurazione del Medici nel 1512. In: ______
La Libertà Moderata: tre discorsi (a cura di Gennaro Maria Barbuto). Torino: La Rosa, 2000, p. 43.
99
querendo manter-se, conservar-se grato à toda a população, fugir o quanto puder das
discórdias dos cidadãos, os quais não sabendo ou não podendo pisá-lo, abrem
caminho para as mudanças de governo, e encaminhar efetivamente tudo com justiça
e equidade: do que deriva a segurança de todos, seguindo-se em grande parte a
satisfação geral, e o pressuposto de que se deve conservar o governo popular com
infinitos amigos, e não com poucos partidários, os quais ele não é capaz de reger;
porque continuar a concebê-lo com mais força não é possível se o regimento popular
não for transformado em uma outra espécie: e isto não conserva a liberdade, mas a
destrói.223
Na metáfora guicciardiniana do Estado como um corpo, é recorrente a expressão
umori, muito presente na medicina hipocrática e nos escritos de Maquiavel, os quais
representam os contrastes entre o povo e a elite. Guicciardini trabalha os humores dentro do
estado com categorias muito específicas: a natureza, a qualidade, as condições e as
inclinações.224 Ainda com relação à metáfora do corpo político, o autor diz que tal como um
corpo humano, o estado é uma máquina mundana. A prosperidade da cidade não se inscreve
em uma ordem natural, sendo a sua construção um processo artesanal e próprio como um
conjunto de mecanismos articulados, com uma trajetória própria, sem uma realidade pré-
determinada, mas verificada em suas circunstâncias mundanas, conforme o Ricordi 160.
É certamente muito significativo o fato de que, sabendo que devemos morrer,
vivemos como se estivéssemos certos de sempre viver. Não creio que isso ocorra
porque é o que está diante de nossos olhos que nos movimenta, e não as coisas
afastadas e não vistas. A morte está próxima e pode-se dizer pela experiência
cotidiana, que nos aparece a toda a hora. Creio que isso ocorra porque a natureza
quis que vivêssemos de acordo com o curso ou a ordem desta máquina mundana, a
qual não quis parecer morta e sem sentido, dando-nos a propriedade de não pensar
na morte, pois se nela pensássemos o mundo seria cheio de ignávia e de torpor.225
223 Per el contrario totalmente bisogna che proceda uno governo populare; perché essendo communemente amato
in Firenze, né essendo una machina che si regga con fine certo indirizzato da uno o da pochi, ma faccendo ogni
dí per la moltitudine e ignoranzia di quelli che vi intervengono variazione nel procedere, ha bisogno volendo
mantenersi di conservarsi grato allo universale, fuggire quanto può le discordie de' cittadini; le quali non potendo
o non sapendo lui calpestare, aprono la via alla mutazione de' governi; e in effetto camminare tutto con giustizia
e equalitá; donde nascendo la sicurtá di tutti, ne séguita in gran parte la satisfazione universale, ed el fondamento
di conservare el governo populare, non con pochi partigiani, e' quali lui non è capace di reggere, ma con infiniti
amici; perché continuare a tenerlo a uso di stato non è possibile, se da reggimento populare non si trasmuta in
un'altra spezie; e questo non conserva la libertá, ma la distrugge. GUICCIARDINI, Francesco. Opere. La
Letteratura Italiana: Storia e Testi. v. 30. A cura di Vittorio de Caprariis. Milano; Napoli: Riccardo Ricciardi
Editore, s/d.,, p. 28-29, §21 224 GUICCIARDINI, F. Dialogo del regimento de Firenze. In: Opere. La Letteratura Italiana: Storia e Testi. v.
30. A cura di Vittorio de Caprariis. Milano; Napoli: Riccardo Ricciardi Editore, s/d., p. 146-147. 225 È certo gran cosa che tutti sappiamo avere a morire, tutti viviamo come se fussimo certi avere sempre a
vivere; non credo sia la ragione di questo perché ci muova piú quello che è innanzi agli occhi e che apparisce al
senso, che le cose piú lontane e che non si veggono; perché la morte è propinqua, e si può dire che per la
esperienzia quotidiana ci apparisca a ogni ora; credo proceda perché la natura ha voluto che noi viviamo secondo
che ricerca el corso o vero ordine di questa machina mondana, la quale non volendo resti come morta e sanza
senso, ci ha dato proprietá di non pensare alla morte, alla quale se pensassimo sarebbe pieno el mondo di ignavia
e di torpore. GUICCIARDINI, Francesco. Opere. La Letteratura Italiana: Storia e Testi. v. 30. A cura di Vittorio
de Caprariis. Milano; Napoli: Riccardo Ricciardi Editore, s/d., p. 46 § 160.
100
Portanto, a máquina mundana a que se refere Guicciardini não possui leis absolutas, e
a práxis política não é a garantia de uma rede epistemológica constante. Assim, a ação política
é um adaptar-se contínuo que exige sabedoria e tirocínio para escolhas inovadoras, pois o
autor trabalha com a realidade clara, simples e objetiva: o Estado depende da política, que
deve entender o funcionamento de uma bottega226, que é um pequeno estabelecimento
comercial que vende um pouco de tudo, podendo ser chamado de “venda, armazém ou
bodega”. A política é um exercício cotidiano que se aprende no exercício do poder,
confrontando-se com a variedade de casos e escutando os conselhos dos mestres. Segundo
Barbuto227, Guicciardini cria uma “racionalidade não geométrica” nutrida pela Esperienza e
Prudenza pondo a prova os humores e os apetites dos homens.
Disso resulta uma racionalidade não geométrica, mas nutrida de experiência e
prudência, posta à prova através dos humores e apetites mutáveis dos homens.
Experiência e razão, ou seja, sabedoria: tal é o resultado de um bom estágio
desenvolvido na bottega de arte do Estado, de onde os governantes deviam ser
selecionados, na ótica de Guicciardini.228
4.2 - Categorias políticas no pensamento de Guicciardini
Francesco Guicciardini com raro ineditismo se caracteriza por sua visão independente,
configurada em uma proposta laica e republicana: “Três coisas desejo ver antes da minha
morte: uma vida em república bem ordenada em nossa cidade, a Itália livre de todos os
bárbaros e o mundo livre da tirania destes padres criminosos.”229 Portanto, é equivocado
querer dizer que o autor foi um mero continuador do humanismo. Guicciardini rompe com a
tradição humanista ao abdicar da repetição do passado, que buscava reinterpretar sempre os
eventos através das categorias clássicas e obras literárias imitativas.
226 GUICCIARDINI, Francesco. Dialogo del reggimento di Firenze. A cura di Gian Mario Anselmi e Carlo
Varotti. Torino: Universale Bollati Boringhieri, 1994. Livro I, p. 75-77-92. 227 BARBUTO, op. cit., p. XXII. 228 Ne risulta una razionalità non geométrica, ma nutrita di esperienza e prudenza, che si cimenta con gli umori e
gli appetiti mutevoli degli uomini. Esperienza e ragione, ossia saggezza: tale è Il conseguimento di un buon
tirocínio svolto alla “bottega” dell’arte dello stato, dal quale dovevano essere selezionati, nell’ottica
guicciardiniana, i governanti. BARBUTO, op. cit., p. XXII. 229 Tre cose desidero vedere innanzi alla mia morte, ma dubito, ancora che io vivessi molto, non ne vedere
alcuna: uno vivere di republica bene ordinato nella città nostra, Italia liberata da tutti e barbari e liberato el
mondo dalla tirannide di questi scelerati preti. GUICCIARDINI, Francesco. Ricordi. In: Opere. La Letteratura
Italiana: Storia e Testi. v. 30. A cura di Vittorio de Caprariis. Milano; Napoli: Riccardo Ricciardi Editore, s/d., p.
800, § 14.
101
Em sua obra são encontradas categorias políticas como Discrezione, Prudenza,
Ragione, Esperienza, Esperanza e Fortuna. Ao abordar a virtù necessária para o exercício da
política, fez uso de muitas dessas categorias inspiradas nas qualidades que ele preconizava
para os Ottimati, a elite florentina, estes cidadãos de qualità, são aqueles que devem dirigir os
negócios públicos e salvaguardar a liberdade. Entende-se que estas categorias contribuíram
muito para a construção do pensamento político de Guicciardini, superando a sua vinculação
aos Ottimati.
Nesta perspectiva, a obra política de Guicciardini, estabelece as qualidades políticas
que deveriam ser encontradas nos Ottimati, são virtudes que qualificam os homens de
governo e que, em Guicciardini aparecem como indispensáveis para a prática política voltada
para o Bem Comum.
4.2.1 - Discrezione
A Discrezione como categoria surge no Dialogo do Regimento de Firenze como a
qualità do ator político que deve ter a capacidade de discernir, através da virtude: “Toda regra
possui exceções que nas coisas do mundo são mais ensinadas através da Discrezione230, que
podem variar bastante, ou que se encontram escritas em livros: necessita que sejam distintas
do juízo de quem considera as circunstâncias dos casos.”231
De caráter prático, esta categoria indica que o político florentino deve saber escutar e
dialogar com todas as forças políticas, construindo a análise do particular, avessa às
generalizações, tendo como resultado uma análise política provida de elementos concretos e
contextualizados. Entende-se que a Discrezione guicciardiniana embasa a análise política
deste autor, em que o distinguir, o aprofundar, o escutar e o contextualizar, constituem uma
análise cuidadosa, singular e particularizada do fato político. Optou-se pela tradução da
Discrezione como discernimento, pois esta é a palavra que melhor expõe o sentido da
categoria Discrezione empregada por Guicciardini. Compreende-se que a sua importância
para a política apoia-se no discernimento presente em sua construção analítica, que será
230 Optamos por manter o termo discrezione no original, conforme utilizado por Guicciardini. Apesar de uma
possível tradução ser distinção ou discrição, optamos por discernimento que, acredita-se, está muito mais
próximo do sentido original utilizado pelo autor. 231 Ogni regola ha delle eccezioni, Le quali nelle cose del mondo insegnano più con la discrezione che possino
distinguersi abbastanza, o che si truovino scritte in su’ libri: bisogna siano distinte dal giudicio di chi considera
Le circunstanzie de’ casi. GUICCIARDINI, F. Dialogo Del Regimento de Firenze. In: Opere. La Letteratura
Italiana: Storia e Testi. v. 30. A cura di Vittorio de Caprariis. Milano; Napoli: Riccardo Ricciardi Editore, s/d., p.
367.
102
utilizada para estudar o fato político, demonstrado na importância dada a categoria
Discrezione no Ricordi 186
Não se pode, com efeito, proceder sempre com uma regra indistinta e fixa. Se muitas
vezes é inútil o desabafo quando se fala, etiam com os amigos – falo de coisas que
merecem ser mantidas secretas –, por outro lado, fazer que os amigos percebam que
tu tens reservas para com eles é o caminho para que façam o mesmo contigo: o que
faz alguém confiar em ti é o pressuposto que tu confias nele; e assim, não dizendo
aos outros, perdes a faculdade de saber deles. Por isso, nesta e em muitas outras
coisas, é preciso proceder distinguindo a qualidade das pessoas, dos casos e dos
tempos, e para isso é necessário a Discrezione: se a natureza não te deu essa
qualidade, raramente se aprende o suficiente com a experiência; com os livros
nunca.232
A Discrezione é o arcabouço da análise política de nosso autor, entende-se que este
caminho analítico não descarta a experiência e a teoria, conforme se pode observar nesta
última citação. Portanto Guicciardini define a Discrezione como a categoria que enseja a
análise política criteriosa e fundamentada.
O discurso tradicional do Humanismo repetia as teorias dos autores clássicos de
maneira generalista, sem uma chave crítica. O pensamento político do autor repele a tradição
imitativa, e acende a chama da causalidade com sua Discrezione, sem contudo facilitar a vida
do leitor, pois se sabe que o autor não escrevia para ser lido233, de tal maneira que sem
subterfúgios, o diplomata buscava a efetividade da ação política, que para ele deve ser
praticada por homens providos de “virtù”, que sem rodeios, devem conhecer e praticá-la
através da Discrezione. Em sua obra nega a generalização e diz como o fato político deve ser
estudado, conforme se pode ler no Ricordi 6:
É um grande erro falar das coisas do mundo indistinta e absolutamente e, por assim
dizer, por hábito; porque quase todas têm distinções e exceções pela variedade das
circunstâncias, as quais não se podem estabelecer com uma mesma medida: e estas
232 GUICCIARDINI, Francesco. Ricordi. In: Opere. La Letteratura Italiana: Storia e Testi. v. 30. A cura di
Vittorio de Caprariis. Milano; Napoli: Riccardo Ricciardi Editore, s/d., p. 131, § 186. 186. Non si può in effetto
procedere sempre con una regola indistinta e ferma. Se è molte volte inutile lo allargarsi nel parlare, etiam cogli
amici, dico di cose che meritino essere tenute segrete, da altro canto el fare che gli amici si accorghino che tu stai
riservato con loro è la via a fare che anche loro faccino el medesimo teco; perché nessuna cosa fa altrui
confidarsi di te, che el presupporsi che tu ti confidi di lui, e cosí, non dicendo a altri, ti togli la facultá di sapere
da altri. Però ed in questo ed in molte altre cose bisogna procedere distinguendo la qualitá delle persone, de' casi
e de' tempi, ed a questo è necessaria la discrezione, la quale se la natura non t'ha data, rade volte si impara tanto
che basti con la esperienzia; co' libri non mai. 233 SASSO, Gennaro. Per Francesco Guicciardini: quatro studi. Istituto Storico Italiano per il Medio Evo.
Roma: nella sede dell’Istituto Palazzo Borromini, 1984, p. 47.
103
distinções e exceções não se encontram escritas nos livros, mas é preciso que a
Discrezione as ensine.234
A particularização caso a caso é o eixo analítico encontrado em sua obra que pode ser
encontrado no Dialogo del Reggimento di Firenze, no qual as ideias políticas de Guicciardini
emergem nas palavras de Bernardo del Nero que, ao ser questionado discorre sobre como
deve ser encaminhada a questão política, destacando a Discrezione como categoria a ser
usada:
BERNARDO. Por ora, não entremos nesta questão; a verdade está em tudo o que eu
disse, mas cada regra possui exceções que, nas coisas do mundo, são ensinadas com
tal Discrezione que podem ser distintas o bastante; ou que são encontradas escritas
em livros: necessita que sejam distintas do juízo de quem considera as circunstâncias
dos casos. Se bem que, vez ou outra, por vários motivos particulares, a neutralidade
é boa, ainda que esteja fora dos termos do que eu disse, entretanto, universalmente,
não é boa, e quem julgou e a considera acima da razão, está fundamentando sua
conclusão, facilmente, conforme os casos ocorrem, e sabe distinguir e resolver bem
(a questão). Por todas essas razões, e por muitas outras que me tomariam muito
tempo dizer, será o Governo do povo muito falho em ações para conservar e
argumentar sobre o Domínio que não era aquele dos Medici.235
Através das palavras de Bernardo del Nero, Guicciardini mostra sua concepção de
análise política, especificando a abrangência do seu pensamento na consideração dos vários
aspectos que podem levar ao entendimento do fato político. De acordo com o Ricordi 6 e pela
fala de Bernardo, cabe ao ator político analisar e interpretar as exceções dentro das “regras” e
do agir político. Estas exceções devem ser detectadas através do olhar cuidadoso do ator
político, entende-se portanto que a Discrezione é a atitude que o político deve ter da leitura
dos acontecimentos que o cerca e de agir orientado através da interpretação de sua realidade.
234 È grande errore parlare delle cose del mondo indistintamente e assolutamente, e per dire cosí, per regola;
perché quasi tutte hanno distinzione ed eccezione per la varietá delle circunstanzie, in le quali non si possono
fermare con una medesima misura; e queste distinzione ed eccezione non si truovano scritte in su' libri, ma
bisogna le insegni la discrezione. Ibidem, p. 26 § 6. 235 Non entriamo per ora in questo; la verità è quanto io ho detto, ma ogni regola ha delle eccezioni, le quali nelle
cose del mondo si insegnano più con la discrezione che possino distinguersi abastanza, o che si truovino scritte
in su' libri: bisogna siano distinte dal judicio di chi considera le circunstanzie de' casi. Se bene qualche volta per
varie cagioni particulari la neutralità è buona ancora fuora de' termini che io ho detto, nondimanco
universalmente non è buona, e chi ha judicio e considera in su che ragione è fondata questa conclusione,
facilmente, quando i casi vengano, gli sa distinguere e risolvere bene. Per tutte queste ragioni e per molte altre
che sarebbe troppo lungo a dire, sarà il Governo del popolo molto manco atto a conservare ed augumentare il
Dominio che non era quello de' Medici. GUICCIARDINI, Francesco. Dialogo del reggimento di Firenze. A cura
di Gian Mario Anselmi e Carlo Varotti. Torino: Universale Bollati Boringhieri, 1994, p. 367.
104
4.2.2 - Prudenza
A Prudenza como categoria está presente na obra de Francesco Guicciardini
compreendendo qualidades encontradas nas obras dos pensadores clássicos, tal como se pode
observar em Aristóteles, que compreende a Prudenza como uma virtude moral que se move
no domínio do contingente236, e que é explicada por Aubenque: “É exatamente por isso que a
prudenza se distingue o mais claramente da sabedoria, a qual, por ser ciência, diz respeito ao
necessário, e por ser a mais alta das ciências refere-se às realidades as mais imutáveis,
ignorando o mundo do devir.”237
A Prudenza em Guicciardini enquanto categoria insere-se na prática política de forma
dinâmica delimitando a ação nos vários contextos em que o fato político está inserido, dando
ao ator político elementos para o seu exercício, portanto a Prudenza não tem como escopo a
espera ou o cuidado omisso, mas sim o equilíbrio e a sensatez analítica. Próxima de
Aristóteles está a posição de Guicciardini, conforme se pode ler no Ricordi 96:
Diz um antigo provérbio que todos os sábios são tímidos, porque conhecem todos os
perigos e por isso temem muito. Creio que este provérbio seja falso, porque não
pode ser chamado de sábio quem considerar um perigo mais do que merece ser
considerado; chamarei de sábio o que conhecer o peso do perigo e o temer quanto se
deve. Por isso pode-se antes chamar de sábio um animoso que um tímido; e
pressupondo que ambos tenham muita visão, a diferença de um para outro está no
fato de que o tímido leva em conta todos os perigos possíveis, e pressupõe sempre o
pior dos piores; o animoso, que também os conhece todos, considerando os que
podem ser evitados pela habilidade dos homens e o que o acaso não faz acontecer,
não se deixa confundir por todos, mas entra nos empreendimentos com o
fundamento e com a esperança de que nem tudo o que pode ser deve ser.238
236 AUBENQUE, Pierre. A Prudência em Aristóteles. 2. ed. Tradução de Marisa Lopes. São Paulo: Dircurso
editorial; Paulus, 2008, p. 109. 237 Ibidem. 238 È antico proverbio, che tutti e' savi sono timidi, perché cognoscono tutti e' pericoli, e però temono assai. Io
credo che questo proverbio sia falso, perché non può piú essere chiamato savio chi stima uno pericolo piú che
non merita essere stimato; savio chiamerò quello che cognosce quanto pesi el pericolo e lo teme appunto quanto
si debbe. Però piú presto si può chiamare savio uno animoso che uno timido; e presupposto che tutt'a dua
vegghino assai, la discordia dall'uno all'altro nasce perché el timido mette a entrata tutti e' pericoli che cognosce
che possono essere, e presuppone sempre el peggio de' peggi; l'animoso che ancora lui cognosce tutti,
considerando quanti se ne possino schifare dalla industria degli uomini, quanti ne fa smarrire el caso per sé
stesso, non si lascia confondere da tutti, ma entra nelle imprese con fondamento e con speranza, che non tutto
quello che può essere abbia a essere. GUICCIARDINI, Francesco. Ricordi. In: Opere. La Letteratura Italiana:
Storia e Testi. v. 30. A cura di Vittorio de Caprariis. Milano; Napoli: Riccardo Ricciardi Editore, s/d., p. 37-38, §
96.
105
De acordo com Palumbo, este texto bem ilustra o significado da categoria Prudenza
em Guicciardini, associada aqui à animosidade239, em que o autor se contrapõe ao clássico
provérbio que diz que “todos os sábios são tímidos”, demonstrando que a timidez não poderia
ser considerada uma forma de sabedoria, mas sim de animosidade, que seria o agir com
cautela, considerando o que deve ser “evitado pela habilidade dos homens”, interpretação esta
confirmada por Bignotto na seguinte passagem: “Ao lado da virtù ligada à excelência nas
ações públicas, aparece a ideia de Prudenza, associada a uma elite capaz de entender o
funcionamento das coisas humanas e com isso governar o Estado”.240 Palumbo define a
Prudenza em Guicciardini, como uma categoria que abriga várias práticas, dentre estas:
“indústria, arte e estratagemas: são os predicados formais necessários à virtù da Prudenza. É
uma virtude móvel, versátil, que se preenche de conteúdos e soluções sempre inéditas.”241
Acompanhando o estudo sobre a importância e o significado da Prudenza em Pocock,
Bignotto entende que o significado desta categoria é análogo à virtù de Maquiavel: “com
efeito, o intérprete (Pocock) observa que Guicciardini tem a tendência a substituir a virtù pela
prudência.”242 Bignotto observa que a importância dada a esta categoria por Guicciardini é
significativa, sendo necessária, para a sua compreensão mais abrangente, a leitura das muitas
obras deste autor. Em sua obra Republicanismo e Realismo, Bignotto amplia o leque da
tradição dos estudos guicciardinianos ao defender que, para uma compreensão mais ampla do
pensamento deste autor, os estudos devem também levar em conta as contribuições contidas
em obras pouco valorizadas por esta tradição como os Ricordi e as Considerazioni intorno ai
Discorsi del Machiavelli sulla prima Deca di Tito Livio, dentre outras em que a Prudenza
como categoria aparece em inúmeras reflexões que se debruçam sobre elementos diversos da
vida política, conforme Bignotto: “O aparecimento da prudência é, a nosso ver, a pedra de
toque para a abertura de um campo de problemas, que não se esgota nos textos de natureza
política e que não pode ser inteiramente explorado se nos limitamos aos dois diálogos
citados.”243
Com a consistência de uma avaliação e condução equilibrada da ação política,
Guicciardini destaca no Dialogo del Reggimento di Firenze a atitude prudencial consequente,
239 PALUMBO, Matteo. “La prudenza nella Storia d’Italia”. In: PALUMBO, Matteo. Francesco Guicciardini:
materiali per lo sutdio della letteratura italiana. Napoli: Liguori Editore, 1988, p. 264. 240 BIGNOTTO, Newton. Republicanismo e realismo: um perfil de Francesco Guiccidiarni. Belo Horizonte:
UFMG, 2006, p. 20. 241 Industria, arte, stratagemi: sono i predicati formali di cui há bisogno la virtù della prudenza. È uma virtù
móbile, duttile, che si riempie di contenuti e di soluzioni sempre inedite. PALUMBO, Matteo. “La prudenza
nella Storia d’Italia”, In. La Storia d’Italia di Guicciardini e la sua fortunaIi, Ibidem, p. 274. 242 BIGNOTTO, op. cit., p. 21. 243 Ibidem.
106
que para ser levada a cabo com efetividade deve acontecer no momento certo e na hora certa.
A Prudenza como categoria política enseja a avaliação e a ação política, com esta afirmação a
efetividade da ação política deve ser reflexiva e planejada segundo seu texto:
Pois, as mesmas empresas que, feitas fora do tempo, se mostram muito difíceis ou
impossíveis, tornam-se facílimas quando acompanhadas pelo tempo e ocasião
corretos e, quem as tenta fora do tempo certo, não somente fracassam, mas correm o
perigo de estragar tudo, até o tempo em que seria possível ter sucesso; esta é uma
das razões pelas quais os pacientes se tornam sábios. E, ao reordenar as coisas, caso
haja uma ocasião, recordei-vos que não é possível administrá-las totalmente sob uma
impressão de se estar bem. Ao menos, que vos bastais uma administração tolerável
para que se mantenha viva a cidade; de resto, e o mais rápido possível, comportai-
vos e esperai o tempo certo o melhor que puderem, mesmo que desejais novidades:
porque nada poderá acontecer senão o pior. Agora, mais que nunca, é meu tempo de
dizer-vos isso logo, pois não me ocorre dizer outra coisa e já disse mais do que eu
mesmo não acreditava a princípio.244
A Prudenza enquanto categoria política é a capacidade de “aguardar pelo tempo e
ocasião corretos”, possibilita uma melhor compreensão dos problemas políticos a serem
trabalhados, impedindo assim ações intempestivas e os perigos de uma análise superficial dos
acontecimentos e desafios a serem empreendidos pelo ator político. O caráter analítico da
Prudenza abrange uma das bases da particularização defendida por Guicciardini, de maneira
própria, conhecendo e reconhecendo o campo social, propõe uma ação política planejada,
criteriosa e adequada para que a administração do Estado possa preservar a cidadania, a
liberdade e o bem comum enquanto fim.
4.2.3 - Ragione
A Ragione como categoria, não deve ser confundida com a “razão” do século XVII,
que foi adotada por filósofos posteriores, com significação bem distinta, mas deve ser
compreendida conforme a época em que a obra de Guicciardini foi escrita, cuja abrangência
244 Perchè le medesime imprese che fatte fuora di tempo sono difficillime o impossibili, diventono facillime
quando sono accompagnate dal tempo e dalla occasione, ed a chi le tenta fuora del tempo suo non solo non gli
riescono ma è pericolo che lo averle tentate non le guasti per a quello tempo che facilmente sarebbono riuscite, e
questa è una delle ragione che i pazienti sono tenuti savi. E nel riordinare le cose se la occasione verrà,
ricordatevi che se non potrete condurle totalmente a quello segno che starebbe bene, che vi basti che almanco si
conduchino in grado tollerabile e che si mantenga viva la città; e del resto più presto andate comportando e
temporeggiatevi il meglio che potete, che desideriate novità, perchè non vi potrà venire cosa che non sia peggio.
Ma oramai è tempo che io dia luogo a voi, perchè non mi occorre dire altro ed ho detto assai più che io non
credetti da principio. GUICCIARDINI, Francesco. Dialogo del reggimento di Firenze. A cura di Gian Mario
Anselmi e Carlo Varotti. Torino: Universale Bollati Boringhieri, 1994, p. 447.
107
se limitará àquela utilizada no século XV e concretamente usada por nosso autor, sendo
explicada da seguinte maneira por Bignotto:
Nesse particular, não se deve confundir o uso da noção ragione no início do século
XV na Itália com aquele do século XVII. Se de fato a razão é um fator de equilíbrio
no pensamento de nosso autor, ela não é vista como uma faculdade do espírito capaz
de descobrir as leis da natureza ou sua linguagem. Sua operação se dá ao lado de
outras características do ser humano e, sobretudo, em um mundo permeável tanto
aos desígnios da providência divina quanto aos poderes da fortuna. Assim, mesmo
quando dominava o pensamento de Guicciardini, a ragione estava mais próxima da
prudência do que da razão calculadora dos pensadores posteriores.245
A categoria Ragione refere-se ao bom senso, ao juízo natural e a Prudenza contidas no
confronto de opiniões dos sábios, sendo uma singular contingência sem princípios gerais ou
consequências generalizantes, categoria garante o equilíbrio preconizado por Guicciardini,
entendido como necessário ao bom governo. Portanto, a importância do equilíbrio político
deve estar presente entre as instituições da república e ser protagonizado por homens de virtù,
que ocupam cargos nas instituições políticas. O diplomata recorre a estas categorias,
preocupando-se com a qualidade dos atores políticos, os quais são responsáveis pela práxis
política, daí a importância da Prudenza e Ragione, categorias muito caras ao diplomata. Note-
se que estas categorias merecem destaque em Guicciardini, conforme o texto abaixo:
Porque em Piero Soderini, juízes, havia muitas facetas, muitas excelências e virtudes
que o fizeram digno de tamanho reconhecimento: prudência, inteligência, excelente
eloquência, grande experiência, retidão e integridade o quanto fosse possível
desejar; uma modéstia tal que não prejudicou os outros, assim como não permitiu
que os seus o ofendessem; diligência singular em conservar o dinheiro público; tanto
amor pela liberdade e ao povo quanto a si mesmo.246
Apesar de não citar diretamente o termo Ragione, Guicciardini destaca o “bom senso”
de Piero Soderini, político conhecido por ter governado a República de Firenze durante o
Renascimento. O termo “bom senso” é análogo à categoria Ragione, forma como esta era
compreendida por Guicciardini, como umas das muitas qualidades atribuídas a Piero Soderini.
245 BIGNOTTO, Newton. Republicanismo e realismo: um perfil de Francesco Guiccidiarni. Belo Horizonte:
UFMG, 2006, p. 66. 246 Perché in Piero Soderini, giudici, furono molte parte, molte eccellente virtù che lo feciono degno di tanto
grado: prudenzia, ingegno, eloquenzia eccellente esperienzia grande, nettezza ed integrità quanto si potessi
desiderare; modestia grandissima così in non ingiuriare altri, come in non permettere che e' suoi l'ingiuriassino;
diligenzia singulare in conservare e' danari publici; tanto amore alla libertà ed al popolo quanto a se stesso.
GUICCIARDINI, Francesco. “Consolatoria”. In: Opere. La Letteratura Italiana: Storia e Testi. v. 30. A cura di
Vittorio de Caprariis. Milano; Napoli: Riccardo Ricciardi Editore, s/d., p. 550.
108
Na obra Audodifesa di un politico, o autor elogiou a vida e a carreira de Soderini e a
importância dada a Ragione como fundamental para a boa prática política. O caminho da
moderação e portanto a Ragione é a prerrogativa dos sábios para barrar a ambição dos
incompetentes, conforme se pode ler no Ricordi 217:
Não se preocupem tanto em não fazer inimigos ou desagradar aos outros se para isso
tiverem de deixar de fazer o que se deve; porque quando faz o seu dever o homem já
adquire reputação, e a utilidade que esta traz é muito maior que o prejuízo causado
por um inimigo. Só quem já morreu não faz algo que possa ofender outras pessoas.
Mas é preciso ter a mesma virtude tanto em saber fazer bem aos agrados, quanto em
perceber também quando se deve tratar com desagrado, isto é, fazê-lo com Ragione,
com tempo, com modéstia e por motivos e modos honrados.247
Guicciardini defende o bom agir político que combate a demagogia e a tirania,
portanto a Ragione aparece como uma das categorias políticas necessárias para que a ação
política seja desenvolvida de forma equilibrada e com “bom senso”.
4.2.4 - Esperienza
A Esperienza acumulada é o estofo necessário e imprescindível para o exercício da
Prudenza pois, na análise política guicciardiniana, não existe a reflexão por ela mesma,
portanto esta categoria proporciona a materialidade do objeto político a ser trabalhado na
prática política real. De acordo com Barbuto248, no Discorso de Logrogno, livro I,
Guicciardini se preocupa com a experiência e a razão “si vede per esperienza e lo mostra
anche la ragione”. Em seu livro La libertà moderata, destaca estas duas expressões como
importantes para a compreensão do pensamento de Guicciardini, como se pode ler no Ricordi
152
247 Non vi guardate tanto di farvi inimici o di fare dispiacere a altri, che per questo lasciate di fare quello che vi si
appartiene; perché el fare l'uomo el debito suo gli dá riputazione, e questa giova piú, che non nuoce el farsi
qualche inimico. Bisogna o essere morto in questo mondo, o fare talvolta cose che offendono altri; ma la
medesima virtú che è di sapere collocare bene e' piaceri, si truova in sapere cognoscere quando s'hanno a fare e'
dispiaceri; cioè fargli con ragione, con tempo, con modestia e per cagione e con modi onorevoli.
GUICCIARDINI, Francesco. Ricordi. In: Opere. La Letteratura Italiana: Storia e Testi. v. 30. A cura di Vittorio
de Caprariis. Milano; Napoli: Riccardo Ricciardi Editore, s/d., p. 53-54, § 217. 248 BARBUTO, Gennaro Maria. La Libertà Moderata (Introduzione). In: BARBUTO, Gennaro Maria. La
Politica dopo la Tempesta. Ordine e Crisi nel Pensiero di Francesco Guicciardini. Napoli: Liguori Editore, 2000,
p. XXXV.
109
Sejam muitos circunspectos antes de entrar em empresas ou negócios novos, porque
depois do início é preciso prosseguir necessariamente. E por isso muitas vezes
acontece que os homens põem-se a caminhar por dificuldades que, se pudessem
prever a oitava parte delas, teriam fugido para mil milhas de distância, mas assim
que embarcam não podem mais retirar-se quando bem entendem. Isto ocorre
máxime nas desavenças, nas parcialidades, nas guerras: nessas coisas e em todas as
outras, antes que comecem, não há consideração ou diligência tão exata que seja
supérflua.249
Confirmando a importância da Esperienza no pensamento político de Guicciardini,
depreende-se que sua associação com a Prudenza é encontrada em outros textos do autor,
como na obra Autodifesa di um politico destacada abaixo:
A tal experiência, dita assim das sábias repúblicas, estava em nós, se não tivéssemos
aquele vigor e generosidade de alma que nossos avós e bisavós; se fossemos
ciumentos dessa nossa esposa; como por infinito respeito deveríamos ter, como por
tanta experiência que deveria ter nos ensinado, não teríamos um caso tão ruim, tão
atroz, tão vituperoso, tão cheio de péssimos exemplos, com tantas cerimônias, com
tanta maturidade.250
Deve-se levar em conta a Esperienza, que reúne práticas políticas acumuladas ao
longo da vida, partindo assim da própria trajetória do diplomata que se preparou para o
exercício da política. Deve-se entender que a prática política concede ao ator elementos de
avaliação que fazem com que a sua análise percorra um trajeto prático e exequível. Em
diversos textos de Guicciardini esta categoria aparece associada a Prudenza que o autor indica
como qualidade e virtù fundante, conforme o Ricordi 10:
Que ninguém confie tanto na Prudenza natural ao ponto de persuadir-se de que esta
basta sem a experiência como acessório, porque todos os que lidaram com negócios,
ainda que prudentíssimos, puderam verificar que com a experiência se chega a fazer
muitas coisas, o que não é possível apenas com o talento natural.251
249 Abbiate grandissima circumspezione innanzi entriate in imprese o faccende nuove, perché doppo el principio
bisogna andare per necessitá; e però interviene spesso che gli uomini si conducono a camminare per difficultá,
che se prima n'avessino immaginato la ottava parte, se ne sarebbono alienati mille miglia; ma come sono
imbarcati, non è in potestá loro ritirarsi. Accade questo massime nelle inimicizie, nelle parzialitá, nelle guerre;
nelle quali cose e in tutte l'altre, innanzi si piglino, non è considerazione o diligenzia sí esatta che sia superflua.
GUICCIARDINI, Francesco. Ricordi. In: Opere. La Letteratura Italiana: Storia e Testi. v. 30. A cura di Vittorio
de Caprariis. Milano; Napoli: Riccardo Ricciardi Editore, s/d., p. 45 § 152. 250 La quale prudenzia di così savie republiche se fussi in noi, o se noi avessimo quello vigore e generosità di
animo che ebbono già gli avoli e bisavoli nostri; se fussimo gelosi di questa nostra sposa, come per infiniti
rispetti doverremo essere, come pure tante esperienzie ci doverrebbono avere oramai insegnato, non si
procederebbe in uno caso sì brutto, sì atroce, sì vituperoso, pieno di sì pessimi esempli, con tante cerimonie, con
tanta maturità. GUICCIARDINI, Francesco. Autodifesa di un politico. Roma: Editori Laterza, 1993, p. 176. 251 Non si confidi alcuno tanto nella prudenzia naturale che si persuada quella piú bastare sanza l'accidentale
della esperienzia; perché ognuno che ha maneggiato faccende, benché prudentissimo, ha potuto cognoscere che
con la esperienzia si aggiugne a molte cose, alle quali è impossibile che el naturale solo possa aggiugnere.
110
A importância da Esperienza enquanto categoria é confirmada pelo autor ao valorizar
a prática política. Guicciardini estabelece o caráter realista de sua análise, contrapondo-se a
modelos teóricos usados pelos humanistas; sem abrir concessões a referenciais teóricos
estáticos, o diplomata diz que a prática deve ser muito observada, e em sua análise tem
relevante papel para a construção da ação política, como se pode ler no Ricordi 35:
Como é diferente a prática da teoria! Quantos são os que compreendem bem as
coisas e não se lembram ou não sabem pô-las em ação! E para quem assim age, esta
inteligência é inútil, porque é como ter um tesouro numa arca com a obrigação de
nunca poder tirá-lo para fora.252
A Esperienza é recorrente nos sermões de Savonarola “la esperienzia é a maestra delle
arti”253, portanto seu uso não é exclusividade de Guicciardini, e seu uso era muito difundido
na época. Esta categoria se insere no pensamento político de Guicciardini corroborando o
caráter realista de sua análise. A Esperienza é encontrada no Dialogo del Reggimento di
Firenze, em que Bernardo Del Nero diz: “Estou contente de ter tal discussão convosco, mais
por aprender convosco do que para ensinar-vos, pois o pouco que compreendo destas coisas, o
sei apenas pela Esperienza, que não falta a nenhum de vós: com mais anos já estou mais afeito
as coisas do estado.”254
O autor não despreza a Esperienza, mas a valoriza, conjugando-a com as demais
categorias políticas como a Prudenza e a Ragione. De maneira empírica, têm-se um elemento
que se distancia do “Humanismo” pois, confronta suas ideias com o real, ou seja, a
Esperienza, pois a política enquanto teoria só pode ser aplicada se houver materialidade e que
será confrontada com os elementos reais da ação política.
GUICCIARDINI, Francesco. Ricordi. In: Opere. La Letteratura Italiana: Storia e Testi. v. 30. A cura di Vittorio
de Caprariis. Milano; Napoli: Riccardo Ricciardi Editore, s/d., p. 27, § 10. 252 Quanto è diversa la pratica dalla teorica! quanti sono che intendono le cose bene, che o non si ricordano o non
sanno metterle in atto! Ed a chi fa cosí, questa intelligenzia è inutile; perché è come avere uno tesoro in una arca
con obbligo di non potere mai trarlo fuora. GUICCIARDINI, Francesco. Ricordi. In: Opere. La Letteratura
Italiana: Storia e Testi. v. 30. A cura di Vittorio de Caprariis. Milano; Napoli: Riccardo Ricciardi Editore, s/d., p.
31 § 35. 253 A experiência é a mestra das artes. SAVONAROLA, G. Prediche sopra Aggeo com Il Trattato circa Il
reggimento e governo della città di Firenze. apud. BARBUTO, op. cit., p. XXIV. 254 Io sono contento avere con voi questo ragionamento, non meno per imparare che per insegnarvi, perché
quello poco che io intento di queste cose, Io so solo per esperienzia, della quale nessuno di voi manca, avento già
piú e piú anni sono, atteso alle cose dello stato. GUICCIARDINI, Francesco. Dialogo del reggimento di Firenze.
A cura di Gian Mario Anselmi e Carlo Varotti. Torino: Universale Bollati Boringhieri, 1994, p. 307.
111
4.2.5 - Esperanza
A Esperanza enquanto categoria, diferencia-se das demais categorias políticas
preconizadas por Guicciardini, como a Discrezione, Prudenza, Ragione e Esperienza, que são
fundantes para a análise e consequente ação política por este defendidas. Sua importância
reside no fato de ser uma categoria recorrente no sentimento do povo, pois, segundo
Guicciardini, os homens preferem a esperança ao medo, conforme se pode ler abaixo, em
Bignotto:
Segundo nosso autor dois sentimentos opostos comparecem no momento em que
agimos: o medo e a esperança. O problema surge do fato de que preferimos sempre
seguir a esperança, mesmo quando deveríamos temer pelas consequências de nossos
atos [...]. Guicciardini não pretende afirmar a maldade natural dos homens mas sim
sua fragilidade.255
A Esperanza no Ricordi 62, é descrita criticamente por Guicciardini, que a associa a
atitudes políticas que não levam em conta os riscos inerentes ao jogo político, preocupa-se
com a ação política idealizada e fundamentada na Esperanza, portanto, não é uma categoria
qualificativa do ator político, apesar de admitir que a Esperanza é uma categoria real da ação
política, e critica duramente as consequências que esta ação gera para o corpo político do
Estado:
Comumente os povos e todos os homens inexperientes deixam-se atrair mais pela
esperança de adquirir algo que quando se lhes mostra o perigo de perder: e, no
entanto, deveria ser o contrário, porque é mais natural desejar conservar que ganhar.
A razão dessa falácia é que normalmente nos homens a esperança tem mais poder
que o temor: por isso facilmente não temem o que deveriam temer e esperam o que
não deveriam esperar.256
A Esperanza é colocada como a categoria presente nas aspirações do popolo, na
expectativa legítima de se viver dias melhores e na aspiração coletiva por um bom governo e
dias melhores. A Esperanza em um governo que contemple a todos pertence a um imaginário
255 BIGNOTTO, Newton. Republicanismo e realismo: um perfil de Francesco Guiccidiarni. Belo Horizonte:
UFMG, 2006, p. 58. 256 E' popoli communemente e tutti gli uomini si lasciano piú tirare quando è proposta loro la speranza dello
acquistare, che quando si mostra loro el pericolo di perdere; e nondimeno doverrebbe essere el contrario, perché
è piú naturale lo appetito del conservare che del guadagnare. La ragione di questa fallacia è, che negli uomini
può ordinariamente molto piú la speranza che el timore; però facilmente non temono di quello che dovrebbero
temere, e sperano quello che non doverebbono sperare. Ibidem, p. 34 § 62.
112
encontrado em vários episódios da vida política, com efeitos diversos do que se esperava,
todavia, o diplomata destaca de maneira objetiva que esta categoria é encontrada
recorrentemente nas expectativas políticas dos cidadãos, que a escolhem de maneira
emocional e pouco reflexiva, gerando mudanças políticas nem sempre equilibradas e
adequadas, conforme o Ricordi 78:
Quando se tenta fazer as coisas no seu devido tempo, é fácil obter êxito, aliás, elas
acontecem naturalmente; quando se tenta antes do tempo, não só não se obtém êxito
no momento desejado, como também muitas vezes se perde a oportunidade de
acontecerem no momento justo: por isso não corram furiosos para as coisas, não as
precipitem, esperem a sua maturidade, a sua estação.257
O refinamento analítico de Guicciardini não pode ser desconsiderado quando a análise
política defendida por ele leva em conta tantas variáveis, que ensejam múltiplas atitudes e
ações. O autor deixa claro que a Esperanza não respeita o tempo correto da ação política, pois
pode acelerar procedimentos que não são adequados para o momento, esta categoria política
não deve ser levada em consideração quando o Estado passa por momentos difíceis, portanto,
esta é uma categoria analítica que deve ser criteriosamente estudada em todas as suas
projeções e desdobramentos pois, enquanto humanos, prefere-se a esperança ao medo, e por
impulso, as consequências não são necessariamente positivas para aqueles que optarem pela
Esperanza, conforme o Ricordi 79:
Seria um provérbio perigoso, se não fosse bem compreendido, o que diz: o sábio
deve gozar o benefício do tempo; porque quando chega o que se deseja, quem perde
a oportunidade não a reencontra à sua disposição: e em muitas coisas também é
necessária a rapidez em resolver e fazer; mas quando se está em circunstâncias
difíceis ou que são nocivas, deve-se ganhar tempo o máximo que se puder, porque
frequentemente isto ilumina ou libera. Usando assim este provérbio, é sempre
salutar, caso contrário pode ser muitas vezes pernicioso.258
A Esperanza, como categoria definida por Guicciardini, reúne elementos que levam à
negação de todas as categorias, pois trabalha com a aspiração abstrata carregada de
257 Le cose medesime che tentate in tempo sono facili a riuscire anzi caggiono quasi per loro medesime, tentate
innanzi al tempo, non solo non riescono allora, ma ti tolgono ancora spesso quella facilitá che avevano di riuscire
al tempo suo; però non correte furiosi alle cose, non le precipitate, aspettate la sua maturitá, la sua stagione.
Ibidem, p. 36 § 78. 258 Sarebbe periculoso proverbio, se non fussi bene inteso, quello che si dice: el savio debbe godere el beneficio
del tempo; perché quando ti viene quello che tu desideri, chi perde la occasione non la ritruova a sua posta, e
anche in molte cose è necessaria la celeritá del risolversi e del fare; ma quando sei in partiti difficili, o in cose
che ti sono moleste, allunga e aspetta tempo quanto puoi, perché quello spesso ti illumina o ti libera. Usando cosí
questo proverbio, è sempre salutifero; ma inteso altrimenti, sarebbe pernizioso. Ibidem, p. 36 § 78.
113
emocionalismo e irracionalidade. Em sua obra o autor lembra que opções políticas foram
feitas desprezando a Discrezione, a Prudenza, a Ragione e a Esperienza, em nome de uma
mudança a ser trazida pela Esperanza, e que os demagogos e tiranos se arvoram no Popolo
para disseminar a Esperanza política que é perigosa, pois não leva em conta os riscos e as
variáveis próprias da ação política.
4.2.6 - Fortuna
A categoria Fortuna aparece recorrentemente na obra Storia d’Italia, visto que este
livro é um levantamento histórico extenso, em que a variabilidade aparece sob o trabalho
historiográfico, porém, não significa aqui que o autor tenha abdicado das demais categorias.
Gilbert esclarece que esta obra se diferencia das demais, pois foi escrita com um objetivo de
se tornar uma referência após a sua morte, portanto, para a posteridade:
Mas a História se diferencia de todos os seus escritos, porque é a única obra que
Guicciardini não compõe para si, mas para o público. Mas quando prepara esta sua
última e máxima empreitada literária, a sua carreira política já estava acabada.
Estava consciente que aquela, segundo ele, constituiria a glória suprema que um
homem poderia aspirar, a glória que o conforma ao fugaz mundo político; mas
ambicionava também a imortalidade de passar para a história na esperança de que
sua obra literária lhe desse a fama que a política lhe negou.259
A deusa Fortuna aparece, sobretudo, nesta obra escrita para ser publicada, neste
trabalho de cunho épico, destaca a Fortuna como um conjunto de processos em que as
vicissitudes acontecem e criam um tecido composto por situações complexas e não
generalizantes. Esta categoria adquire um caráter particular ao tratar das singularidades
históricas sem, contudo, justificar a causalidade dos fatos atribuindo ao acaso ou ao fatalismo.
Conforme as palavras de Varotti:
Lido à luz de uma concepção moral geral, que se perguntar sobre o significado da
ação humana, a história da Itália parece, portanto, um vasto reservatório de
exemplos que confirmam uma verdade essencial: o vazio das aspirações humanas,
259 Ma la Storia d’Italia si diferenzia da tutti i suoi scritti, perché è la única opera che Guicciardini compose non
per sé, ma per il pubblico. Quando si accinse a questa sua ultima e massima impresa letteraria, la sua carriera
politica era finita. Era cônscio che quella che, secondo lui, costituiva la gloria suprema cui um uomo potesse
aspirare, la gloriadi chi plasmail mondo politico, gli era sfuggita; ma ambiva ancora all’immortalità, e si diede
alla storia nella speranza che l’opera letteraria gli desse la fama negatagli dalla politica. GILBERT, Felix.
Machiavelli e Guiccciardini. Traduzione di Franco Salvatorelli. Torino: Piccola Biblioteca Einaudi, 1970, p. 231.
114
onde a pretensão de controlar o destino, submetendo a realidade a fim de um projeto
ordenado. A obra-prima que termina a trajetória da obra guicciardiniana confirma
que o pessimismo subjacente presente na última redação dos Ricordi, parece
radicalizar o ceticismo de Messer Francesco, sua natural desconfiança sobre a
condição humana.260
Ao fazer a sua opção pessoal pela política, Guicciardini desenvolveu um trabalho
teórico de análise não publicado em vida e só conhecido aproximadamente trezentos anos
após sua morte. Apenas duas obras suas foram publicadas poucos anos após sua morte: os
Ricordi, obra que reúne aforismos, com reflexões sobre aspectos particulares e políticos; e a
Storia d’Italia, propositalmente escrita para ser publicada e, menos de quarenta anos após a
sua morte, foi traduzida para o inglês e muito lida no Reino Unido. Nesta última obra recorre
à Fortuna como categoria analítica vinculada ao modelo histórico à qual esta obra foi
concebida e escrita. Portanto, a Fortuna, enquanto componente analítico, marca a sua obra
final, conforme se pode ler no Ricordi 30:
Quem considerar bem, não pode negar o grande poder que tem a fortuna nas coisas
humanas, porque se verifica que estas recebem a toda a hora impulsos de acidentes
fortuitos, e que não está em poder dos homens nem prevê-los nem evitá-los: e ainda
que o tino e a solicitude dos homens possam moderar muitas coisas, a boa fortuna
deve sempre acompanhar essas qualidades.261
A Fortuna, enquanto categoria política, pode ser entendida no pensamento
guicciardiniano como a negação da generalização. Estando presente na política, deve ser
levada em conta como um conjunto de elementos que podem contribuir para o ato político
sem, contudo, carregar o fardo das demais categorias como Discrezione, Ragione, Prudenza,
Esperienza e Esperanza. A Fortuna abriga a oportunidade e o oportunismo do ator político,
nem sempre qualificados ou quantificados, pois pertencem ao mundo factual, em que no
campo real não existe qualquer previsibilidade do ato político e suas consequências. De
maneira singular, Guicciardini abre a perspectiva do imponderável na ação política, em que a
260 Letta alla luce di um disegno morale complessivo, che si interroghi sul senso dell’agire umano, la Storia
d’Italia appare dunque um vastíssimo serbatoio di esempi che confermano uma verità essenziale: la vacuità delle
aspirazioni umane, laddove pretendano di controllare il destino, di sottoporre la realtà a um ordine progettuale. Il
capolavoro che conclude il percorso della scrittura guicciardiniana conferma quel pessimismo di fondo che,
nell’ultima redazione dei Ricordi, sembra radicalizzare lo scetticismo di messer Francesco, la sua naturale
sfiducia sulla condizione umana. VAROTTI, Carlo. Francesco Guicciardini. Napoli: Liguori Editore, 2009, p.
184. 261 Chi considera bene non può negare che nelle cose umane la fortuna ha grandissima potestá, perché si vede
che a ogn'ora ricevono grandissimi moti da accidenti fortuiti, e che non è in potestá degli uomini né a prevedergli
né a schifargli; e benché lo accorgimento e sollecitudine degli uomini possa moderare molte cose, nondimeno
sola non basta, ma gli bisogna ancora la buona fortuna. VAROTTI, op. cit., p. 30 § 30.
115
ação real perpassará as varias categorias teóricas e se alojará na dinâmica política em sentido
dialético e dinâmico. Dialético, pois precisa lidar com o conflito e com as negações;
dinâmico, pois nunca é constante, devendo sempre estar preparado para compreender e
enfrentar as vicissitudes do presente.
4.3 - A liberdade no horizonte político de Guicciardini
A liberdade em Guicciardini refere-se ao vivere civile, da República de Firenze,
compreendida como um pequeno Estado cercado por potências estrangeiras e assediado pelo
poder papal. Pensa-se a liberdade de caráter popular e individual, mas na concepção
guicciardiniana, o povo, as facções e os partidos são efêmeros, mas o Estado, enquanto espaço
coletivo e livre, permanece. Conforme se lê em Caprariis:
A liberdade era nos tempos de Guicciardini uma noção altamente política; de fato,
pode-se dizer, não era um conceito político, mas uma realidade apresentada e não
subordinada a conceitos teóricos: Guicciardini tenta fazer uma transposição em
termos institucionais. No Dialogo, de fato, a construção do Estado se apresenta
como a construção das instituições, dos seus órgãos, porque o governo não pode
existir fora das boas ordens.262
Sua visão sobre o poder popular soaria pouco correta contemporaneamente, mas não
se pode negligenciar sua visão sobre o poder popular nos Ricordi: “Quem disse um povo disse
realmente um animal, louco, cheio de mil erros, de mil confusões, sem capacidade de juízo e
de escolha, sem estabilidade.”263 A concepção de Guicciardini sobre o povo está ligada a
instabilidade e a demagogia que podem propiciar o colapso do Estado.
Mesmo pertencendo aos Ottimati, Guicciardini não defende o modelo florentino de
uma república aristocrática e restrita ao número das tradicionais famílias que compartilhavam
entre si o poder e governo da cidade: quando Bernardo Del Nero, no livro Dialogo, faz a
comparação entre o Gonfaloneiro vitalício e um negociante (fattore), cuja loja seria a cidade,
262 La libertà era ai tempi del Guicciardini uma nozione squisitamente politica, anzi, si potrebbe dire, era non um
concetto politico ma piuttosto uma realtà non mai sottoposta all’elaborazione concettuale: il Guicciardini tenta di
darne uma trasposizione in termini istituzionali. Nel Dialogo, appunto, la costruzione dello stato si pone come
costruzione delle istituzioni, degli organi di Esso, perchè il governo non riesce fuori dei buoni ordini.
CAPRARIIS, Vittorio de. Francesco Guicciardini. Dalla Politica alla Storia. Napoli: Società Editrice Il Mulino,
1993, p. 84. 263 Chi disse uno popolo disse veramente uno animale, pazzo, pieno di Mille errori, di Mille confusione, sanza
gusto, sanza deletto, sanza stabilità. GUICCIARDINI, Francesco. Ricordi. In: Opere. La Letteratura Italiana:
Storia e Testi. v. 30. A cura di Vittorio de Caprariis. Milano; Napoli: Riccardo Ricciardi Editore, s/d., C 140.
116
indica que deve haver profissionalismo na administração da cidade, ou seja, a política deve
ser profissionalizada, conforme se pode verificar no Discorso de Logrogno264. Guicciardini
escreveu sobre como a política necessita de homens bem qualificados para o debate público,
em que a reputação viria não apenas da nobreza ou dos antepassados, e sim das virtudes e das
boas ações.265 Assim, um grupo profissional, a serviço do Estado, deveria assumir o fardo por
possuir a virtù e ter, as qualidades próprias para o exercício da política. Através de Bernardo
Del Nero, na obra Dialogo del Reggimento de Firenze, o autor propõe a criação do Consiglio
Grande, do Gonfaloneiro vitalício e do Senado, reproduzindo o modelo veneziano, que era
mitificado na época e exagerado em sua propaganda por toda a península itálica. O mito de
Veneza construiu-se por trezentos anos, e intelectuais a serviço do Doge enalteciam a
república veneziana com livros patrocinados por seu Estado, como bem expõe Martins:
“falamos em mitos do ponto de vista histórico, por ser essa uma construção idealizada do
regime político e da cidade que não condiz com o que de fato ocorria.”266
Guicciardini diz que a liberdade cidadã de Firenze deve ser produto do equilíbrio das
instituições, da autonomia da cidade e do progresso de seus membros. Entende-se que a
concepção de cidadania proposta por Guicciardini desprende-se da servidão medieval e da
subserviência cortesã dos reinos europeus, moldando um cidadão livre e independente
inserido no modelo republicano, de acordo com Quatela, Guicciardini: “Mundo sem ilusões e
com desencantada melancolia, pois vê, ao distanciar-se, a causa dos egoísmos humanos e
casualidade dos eventos, a possibilidade de dirigir a história, a política e homem a partir de
um projeto racional, bem ordenado e positivo.”267
Nos contextos específicos da Península Itálica e da República Florentina, Guicciardini
se opõe claramente à divisão entre guelfos e gibelinos, disputa existente desde o século XIII,
na Itália da época. Segundo Bignotto, em sua obra Republicanismo e Realismo, as “vendette”
entre esses grupos eram responsáveis pelos conflitos no interior dos Estados italianos. Bruni,
em sua obra La città divisa, destaca o problema das divisões partidárias quando da análise da
Península Itálica do Cinquecento, em que o ideal do Bem Comum perde relevância efetiva
(mas não teórica) no confronto entre as forças em campo: “As facções são danosas, mas não
264 GUICCIARDINI, F. Discorso de Logrogno. In: Opere. La Letteratura Italiana: Storia e Testi. A cura di
Emanuella Lugnani Scarano. Milano; Napoli: Riccardo Ricciardi Editore, s/d, p. 282. 265 Ibidem, p. 286. 266 MARTINS, José Antônio. Renascimento Italiano. In: ADVERSE, Helton (Org.). Filosofia Política no
Renascimento Italiano. São Paulo: Annablume; Belo Horizonte: UFMG, 2013, p. 67. 267 Un mondo che egli guarda senza illusioni e con disincatata malinconia, poiché vede allontanarsi, a causa degli
egoismo umani e della casualità degli eventi, la possibilità di dirigere la storia, la politica e l’uomo stesso verso
un progetto razionale, ben ordinato e positivo. QUATELA, Antonio. Invito alla lettura di Guicciardini. Milano:
Grupo Ugo Mursia Editore, 1991, p. 126.
117
levar em conta seus efeitos sobre a solidez das formações políticas italianas, estas últimas
condenadas à derrota, por causa da desunião entre os Estados e de sua debilidade.”268
Portanto, a debilidade dos pequenos Estados italianos tinha como causa as discórdias
internas crônicas, que impediam que as coisas públicas e a liberdade, por conseguinte, fossem
bem exercidas. Segundo Bruni269, estes males atingiam os países da cristandade da época pois
estavam em contínuo conflito entre si, sendo incapazes de unirem-se para combater a
expansão turca. Por sugestão de Leão X, pensou-se em fazer uma cruzada moderna, mas tal
fato não foi realizado, pois a Península Itálica estava desunida e prevaleciam interesses
particulares em que a negligência da coisa pública era notória. A propósito deste aspecto,
Guicciardini não se deixa iludir por ilações retóricas, busca condições reais para a consecução
do seu projeto, sendo frequentemente impedido pelas condições objetivas de seu tempo.
Segundo Cadoni, o Discorso de Logrogno indica a esperança da união da Itália, a
aspiração à liberdade, à soberania popular do Consiglio Grande e à administração mais
eficiente270. Ao aprofundar-se neste tema, Cadoni ressalta que, mesmo o aristocrático
Guicciardini, sobrepõe seus interesses a um bem maior que é a liberdade republicana. Sem
meias palavras, pode-se observar tal posição nos Ricordi 46: “Nos meus governos, nunca
gostei da crueldade e das penas excessivas, e creio também que não sejam necessárias,
porque, fora certos casos exemplares, para manter o terror basta punir os delitos a 15 tostões
por lira; siga-se, contudo, a regra de punir a todos.”271
Segundo Varotti, Guicciardini propõe a imparcialidade na aplicação das leis e esta
passagem dos Ricordi é clara, na qual pode-se entender que o autor diz que a construção
constitucional deve sobrepor-se à carência da ética pública.272 Pode-se inferir, que o autor
busca fortalecer o Estado de maneira republicana e equilibrada, a fim de protegê-lo daqueles
que o queiram usar benefício privado.
Guicciardini, embora ligado aos Ottimati, não tinha uma postura conformista, mas sim
propositiva e analítica, conforme se lê em Bignotto:
268 Le parti sono dannose, ma anche senza tener conto dei loro effetti sulla solidità delle formazioni politiche
italiane, queste ultime sono condannate alla sconfitta, a causa della disunione tra gli stati e della loro debolezza.
BRUNI, Francesco. La città divisa: Le parti e il bene comune da Dante a Guicciardini. Bologna: Società editrice
il Mulino, 2003, p. 486. 269 BRUNI, op. cit., p. 57. 270 CADONI, Giorgio. Un Governo Immaginato: l’universo politico di Francesco Guicciardini. Roma: Jouvence,
1999, p. 27. 271 Non mi piacque mai ne’ miei governi La crueltà e Le pene eccessiave, e anche non sono necesarie, perché da
certi casi esemplari in fuora, basta, a mantenere el terrore, el punire e’ delitti a 15 soldi per lira: pure che si piagli
regola di punirgli tutti. GUICCIARDINI, Francesco. Ricordi. In: Opere. La Letteratura Italiana: Storia e Testi. v.
30. A cura di Vittorio de Caprariis. Milano; Napoli: Riccardo Ricciardi Editore, s/d, C 46, p. 73. 272 VAROTTI, op. cit., p. 64.
118
Firenze não estava destinada à liberdade como uma coisa natural, mas a tinha
inscrito em seu corpo através de sua história e por isso poderia perdê-la como tantas
cidades no passado. No momento em que escreve o que importa é saber que a
discussão sobre as instituições de Firenze passa pela consideração de sua natureza
livre.273
Neste particular, entende-se que a natureza livre da República Florentina está
estruturada pelo equilíbrio institucional e por uma dinâmica política própria, construída em
bases republicanas limitadas, porém reais, que garantiram a soberania deste Estado.
Na obra Dialogo del Reggimento di Firenze, Bernardo del Nero é o personagem ideal
para a conceituação da liberdade guicciardiniana. Embora Pocock tenha visto neste
comentário uma concepção moderna de liberdade274, Bignotto adverte que esta deve ser
compreendida em seu sentido político e não a partir de uma perspectiva da condição humana,
como se poder ler na citação abaixo:
Ao alertar o leitor de que está falando sobre a liberdade em seu sentido político e
não sobre a condição dos indivíduos, ele nada mais faz do que dar sentido às
proposições seguintes, que discutem a relação entre a natureza dos homens e a
liberdade. Dizer que não se trata de liberdade das “pessoas”, de sua condição, mas
do mundo político, evita o equívoco de uma discussão com a filosofia platônica e
seus herdeiros do Renascimento, que, a exemplo de Pico della Mirandola, insistia na
liberdade natural dos homens e em seu potencial para criar novos mundos para
viver.275
O sentido político da liberdade florentina fundamenta-se na soberania da própria
República, a qual é tributária de uma ação política conservadora, na mais clara concepção de
preservação da estrutura do Estado que mantém o bem comum, sem confundir com
concepções metafísicas ou contemporâneas da liberdade individual. A reflexão de Bignotto
ainda destaca o fato de Guicciardini ir além de seus contemporâneos ao não abraçar o
neoplatonismo vigente em sua época e suas perspectivas dualistas de ser humano e mundo. O
mundo político, conforme compreendido e refletido pelo autor, é o mundo real, com suas
limitações e contradições, bem como a visão de ser humano do autor que, ao evitar se basear
em modelos que compreendiam o homem a partir de uma perspectiva ideal, reflete a liberdade
como a política a compreende, isto é, a da vida humana em sociedade.
273 BIGNOTTO, Newton. Republicanismo e realismo: um perfil de Francesco Guiccidiarni. Belo Horizonte:
UFMG, 2006, p. 97. 274 POCOCK, J. G. A. The Machiavellian Moment. Princeton/London: Princeton University Press, 1975, p. 250. 275 BIGNOTTO, op. cit., p. 149.
119
Acompanhando o horizonte político de Guicciardini, Focher aborda o segundo livro do
Dialogo, dizendo que a liberdade aparece como fundamento do ordenamento constitucional
popular e da igualdade como condição substancial de paridade, na qual os cidadãos se
desprendem dos preconceitos e privilégios de origem feudal. A liberdade e o ordenamento
político de Guicciardini foram muito discutidos nos anos posteriores à sua morte (1540),
confirmando seu ineditismo e originalidade quando propõe ações políticas objetivas e formais
para a preservação da liberdade.276
4.4 - A corrupção política em Francesco Guicciardini
Sobre a questão do privado ou, como queria Guicciardini, do Particolare, existe uma
questão clássica, citada por muitos autores de sua época e, que em Guicciardini, pode ser
encontrada nos Ricordi 28, que bem ilustra a visão que este autor defendia sobre a separação
entre o privado e o público:
Não sei de ninguém que repugne mais do que eu a ambição, a avareza e a languidez
dos padres: seja porque cada um destes vícios é em si odioso, seja porque cada um e
todos juntos são pouco convenientes a quem faz profissão de vida dependente de
Deus, e ainda porque são vícios tão contrários que não podem estar juntos a não ser
em um sujeito estranho. No entanto, o fato de ter colaborado com vários pontífices
levou-me a amar, no meu próprio interesse, a grandeza deles; e se não fosse esse
respeito, teria amado Martinho Lutero como a mim mesmo: não para libertar-me das
leis induzidas pela religião cristã da maneira que é interpretada e compreendida
comumente, mas para ver esta caterva de celerados reduzida aos devidos termos, isto
é, a ficar sem vícios ou sem autoridade.277
A ideia de não prevaricar administrando o bem comum emerge da inovadora
concepção de Guicciardini, que ao destacar o Particolare, diferencia a questão do bem
público e do bem privado, esta concepção política entende que a virtù deve ser a principal
característica a ser perseguida pelo homem de Estado. De acordo com Varotti: “conciliar a
276 FOCHER, Ferruccio. Libertà e Teoria dell’Ordine Politico: Machiavelli, Guicciardini e altri studi. Milano:
Franco Angeli, 2000, p. 69. 277 Io non so a chi dispiaccia più che a me la ambizione, la avarizia e la mollizie de’ preti: si perché ognuno di
questi vizi in sé è odioso, si perché ciascuno e tutti insieme si convengono poço a chi fa professione di vita
dependente da Dio, e ancora perché sono vizi sì contrari che non possono stare insieme se non in uno subietto
molto strano. Nondimeno el grado che ho avuto com più pontefici, m’há necessitato a amare per el particulare
mio la grandezza loro; e se non fussi questo rispetto, arei amato Martino Luther quanto me medesimo: non per
liberarmi dalle legge indotte dalla religione Cristiana nel modo che è interpretata e intesa communemente, ma
per vedere ridurre questa caterva di scelerati a’ termini debiti, cioè a restare o sanza vizi o sanza autorità.
GUICCIARDINI, Francesco. Ricordi. In: Opere. La Letteratura Italiana: Storia e Testi. v. 30. A cura di Vittorio
de Caprariis. Milano; Napoli: Riccardo Ricciardi Editore, s/d, § 28, p. 62.
120
excelência do indivíduo e suas altas aspirações de poder e prestígio com o respeito pelas
regras da comunidade”.278 Guicciardini, defende a impessoalidade na aplicação das leis,
sustentando deste modo uma ética pública que supra a carência de condutas públicas
corrompidas por interesses particulares, pois o bem público deve ser o principal eixo de
preocupação do homem público, conforme se pode ler nos Ricordi 134:
Todos os homens são por natureza mais inclinados ao bem que ao mal, e desde que
outro aspecto não os conduza a direção contrária, não há ninguém que não faça
voluntariamente mais o bem que o mal; mas a natureza dos homens é tão frágil e tão
frequentes no mundo as ocasiões que convidam ao mal que os homens deixam-se
facilmente desviar do bem. E por isso os sábios legisladores encontraram os prêmios
e as penas: outra coisa não fizeram que manter os homens firmes na inclinação
natural deles.279
No Discorso di Logrogno há grande preocupação ética com a efetividade da ação
política nas coisas do Estado, sem desvios, o autor entra no terreno prático e reafirma que as
coisas públicas devem bem geridas, visando o bem comum. Demonstra ainda uma atitude
política ética que tenha efetividade e que, embora de caráter reformista, propõe uma ação
política a partir de problemas reais citados, conforme a seguinte citação:
é uma presunção querer intrometer-se em todas as coisas públicas de qualquer
importância; os ânimos dos homens efeminados e enervados estão voltados para
uma vida delicada e, no respeito as nossas faculdades, suntuosas; pouco amor pela
glória e honra verdadeira, muito pelas riquezas e dinheiro. Estes motivos me
fazem esperar mal de nós, mas não me desesperar, porque acredito que seja
possível sanar-lhe uma grande parte: se a cura é muito difícil, não é, entretanto,
impossível.280
278 conciliare l’eccelenza del singolo e l’altezza delle sue aspirazioni di potere e prestigio com Il rispetto delle
regole della comunitá. VAROTTI, op. cit., p. 62. 279 Gli uomini tutti per natura sono inclinati più al bene che al male, ne è alcuno el quale, dove altro rispetto non
lo tiri in contrario, non facessi più volentieri bene che male; ma è tanto fragile la natura degli uomini e sì spesse
nel mondo le occasione che invitano al male, che gli uomini si lasciano facilmente deviare dal bene. E però e’
savi legislatori trovorono e’ premi e le pene: che non fu altro che com la speranza e col timore volere tenere
fermi gli uomini nella inclinazione loro naturale. GUICCIARDINI, Francesco. Ricordi. In: Opere. La Letteratura
Italiana: Storia e Testi. v. 30. A cura di Vittorio de Caprariis. Milano; Napoli: Riccardo Ricciardi Editore, s/d, §
134, p. 106. 280 E una presunzione di volersi ingerire in tutte le cose publiche di qualunque importanza; gli animi degli uomini
effeminati e enervati e vòlti a uno vivere delicato e, rispetto alle facultà nostre, suntuoso; poco amore della gloria
e onore vero, assai alle ricchezze e danari. Queste ragione mi fanno male sperare di noi ma non desperare, perché
io crederrei che se ne potessi sanare uma gran parte e che se bene la cura è molto difficile, non sai però
impossibile. GUICCIARDINI, Francesco. Discorso de Logrogno. In: Opere. La Letteratura Italiana: Storia e
Testi. A cura di Emanuella Lugnani Scarano. Milano; Napoli: Riccardo Ricciardi Editore, s/d, p. 250.
121
A postura ética anticorrupção guicciardiniana emerge de maneira clara, e neste
particular não há concessões ou exceções. As considerações contidas no Discorso di
Logrogno lembram as pregações de Savonarola e reforçam a tese da influência do frade
dominicano no pensamento de Guicciardini:
Ajuntar uma coisa provada muitas vezes, mas mal observada, para limitar e
moderar o quanto possível os ornamentos e a suntuosidade de uma vestimenta, que
tornam aparente a diferença entre o pobre e o rico, é a causa de inflamar, nos
homens, o desejo pelas riquezas. Assim, não bastam, para maior parte, os modos
ordinários para enriquecer: se lançam a muitos ganhos vergonhosos e ilícitos que
são incompatíveis com uma instituição da república onde se intenta fomentar as
riquezas; são danosas naquelas (repúblicas) onde se pretende manter a cidade rica,
pois a empobrecem muito e lhe arrancam infinitas somas para nações externas.281
Ao abordar a aspiração individual que se sobrepõe ao interesse coletivo, Guicciardini
diz que o interesse material e o poder corrompem o ser humano e se deve observar esta
condição, que sustenta a ideia de que o ser humano tem inclinação natural para o bem, mas
em face da observação real e prática do ato político, assinala o jogo do poder e seus interesses
como fonte de corrupção:
Pode parecer uma palavra maligna ou desconfiada, mas Deus queira que não seja
verdadeira: há mais malvados que bons, máxime onde há em jogo interesses de bens
ou de poder político. Por isso, fora aqueles que por experiência ou relações
digníssimas de fé conhecemos bem, não se pode errar em negociar com todos de
olhos bem abertos. É muito hábil agir de maneira que não fiquemos com fama de
desconfiados, mas é substancial não confiar se não vemos como podemos fazer
isso.282
Guicciardini diagnostica a corrupção e seus tentáculos, discutindo, em sua obra a
preocupação com o bem comum e com o equilíbrio institucional, admitindo remédios
281 Aggiugnere’ci uma cosa tentata spessissime volte ma male osservata, di limitare e moderare quanto fussi
possibile li ornamenti e suntuosità del vetire, le quali fanno apparire la differenza dal povero al ricco, sono causa
di infiammare li uomini al desiderio delle ricchezze, e non bastanto alla più parte e’ modi ordinari dello
arricchire, si gettano a mille guadagni vituperosi e illeciti; sono incompatibili com uma instituzione di republica
dove si disegni torre fomento alle ricchezze; sono dannose in quelle dove si intende mantenere la città ricca,
perché la impoveriscono assai e ne traggono a nazione esterne infiniti danari. GUICCIARDINI, Francesco.
Discorso de Logrogno. In: Opere. La Letteratura Italiana: Storia e Testi. A cura di Emanuella Lugnani Scarano.
Milano; Napoli: Riccardo Ricciardi Editore, s/d, p. 295. 282 Parrá forse parola maligna o sospettosa, ma Dio volessi non fussi vera: sono piú e' cattivi uomini che e'
buoni, massime dove va interesse di roba o di stato; però da quelli in fuora, e' quali per esperienzia o relazione
degnissime di fede cognoscete buoni, non si può errare a negociare con tutti cogli occhi bene aperti; è bene
destrezza farlo in modo che non vi vendichiate nome di sfiduciati, ma sustanziale è non vi fidate, se non vedete
poterlo fare. GUICCIARDINI, Francesco. Ricordi. In: Opere. La Letteratura Italiana: Storia e Testi. v. 30. A
cura di Vittorio de Caprariis. Milano; Napoli: Riccardo Ricciardi Editore, s/d, p. 139, § 201.
122
amargos e, de maneira singular, diz que a única forma de extirpar a corrupção é a punição.
Recorrendo à exemplaridade das punições narradas nos clássicos gregos, usa o exemplo do
lendário legislador espartano Licurgo que, de maneira direta, extirpava a corrupção, alusão
esta recorrente no Humanismo Cívico como uma amostra radical e clara de enérgicas
punições aos corruptos.283 Quando Guicciardini, nesta mesma direção pensa sobre o futuro de
Firenze, no início do Discorso di Logrogno, explica que a fragilidade do ser humano pode
levá-lo a corromper-se e criar sedições dentro das próprias instituições, podendo ser a causa
da perda da liberdade e, portanto, o fim da soberania do Estado e seus cidadãos: “a forma do
principado moderado das leis e dos conselhos, buscando salvar a civilidade, as instituições
pátrias e a independência do Estado.”284 Reforça-se aqui, a filosofia política guicciardiniana,
baseada em sua heurística, característica de sua abordagem, insistindo que a atividade e a ação
política são as formas de realçar a virtù do homem em sociedade. As instituições, para
Guicciardini, não deveriam existir fora das forças políticas concretamente operantes em uma
determinada situação. Esta visão é corroborada por Battaglia em sua obra Francesco
Guicciardini tra scienza etica e politica, na qual confirma que o ser humano é o centro da
história e o seu eterno criador285. Do ponto de vista filosófico, Guicciardini prioriza a política,
em que o interesse do Estado aparece de forma real e objetiva, quebrando quaisquer ilações
metafísicas: “Nem o temor à Deus nem o respeito à estima dos homens podem mais que o
interesse do Estado.”286 Ao distanciar-se do horizonte religioso, entenda-se o poder pontifício,
distancia-se de sua inclinação pessoal, eminentemente Ottimati. Avança, portanto, quando
propõe um Estado Moderno bem regulado institucionalmente, em que a liberdade e o bem
comum sejam preservados, não por variáveis conjunturais, mas por condições estruturais
concretas. Como pano de fundo, bem delineado no Discorso di Logrogno, fica a questão do
fortalecimento do Estado, que deverá consolidar-se institucionalmente, interna e
externamente, afirmando sua soberania nas relações externas. Guicciardini destaca no Ricordi
28 a importância do Estado laico, portanto independente da Igreja, pois início do
Cinquecento, a Península Itálica estava desunida e pulverizada em pequenos Estados,
283 GUICCIARDINI, Francesco. Discorso de Logrogno. In: Opere. La Letteratura Italiana: Storia e Testi. A cura
di Emanuella Lugnani Scarano. Milano; Napoli: Riccardo Ricciardi Editore, s/d, p. 294. 284 la forma del principato moderato dalle leggi e daí consigli, mirando a salvare la civiltà, le patrie istituzioni e
l’indipendenza dello Stato. GUICCIARDINI, F. Opere ineditedi Francesco Guicciardini, vol 1, p. XIV. apud
BATTAGLIA, Martino Michele. Francesco Guicciardini: tra scienza etica e politica. Consenza: Pellegrini,
2013, p. 35. 285Ibidem, p. 81. 286 Né Il timore di Dio né Il rispetto della estimazione degli uomini potette più che lo interesse dello Stato
GUICCIARDINI, Francesco. Storia d’Italia, p. 513. Disponível em:
<http://www.liberliber.it/mediateca/libri/g/guicciardini/storia_d_italia/pdf/storia_p.pdf>. Acesso em: 31 dez.
2016.
123
dominada por forças estrangeiras e pelo poder papal com seus estados pontifícios. Varotti
esclarece que o universo ético criado por Francesco Guicciardini287, defende a ética cidadã da
honra e da glória, não endereçada ao exercício do poder, mas como uma forma de obter
prestígio e admiração entre os seus concidadãos abdicando das aspirações individuais em prol
do bem comum. Pode-se citar o Ricordi 32, que bem explicita esta visão, pois a maneira como
Guicciardini enfrenta esta questão combate a corrupção e a desagregação social:
A ambição não é condenável, nem se deve vituperar o ambicioso que tem apetite de
alcançar a glória com meios honestos e honrados: são estes, aliás, que realizam
coisas grandes e excelsas, e quem não possui este desejo é um espírito frio e
inclinado mais ao ócio que aos afazeres. A ambição perniciosa e detestável é a que
tem como único fim a grandeza, como tem comumente os príncipes, os quais,
quando fazem dela um ídolo, passam por cima da consciência, da honra, da
humanidade e de todas as coisas para conseguirem o que os conduz a ela.288
Guicciardini entende que quando a aspiração individual, se sobrepõe ao interesse
coletivo, enseja a corrupção, o autor entende que o bem comum deve ser a preocupação
central do ator político, diz ainda que a única forma de extirpar a corrupção é a faca de
Licurgo: “Deve ser cortado à faca de Licurgo, a qual extirpou, nos Lacedemônios, todas as
riquezas e suntuosidades.”289 A preocupação do diplomata com a corrupção é recorrente e
dela emerge um tipo ideal que não se corrompe, aquele que tem em seu íntimo a honesta
ambição, o Ottimati, nas palavras do autor: “Portanto, é bom estimular a honesta ambição nos
espíritos elevados, e dar a eles ocasiões de operar coisas gloriosas e mostrar que, apesar desta
posição cômoda e de alto grau, não se pode estar acima de uma cidade livre.”290
Embora o autor diga que a honesta ambição é lícita, sabe-se que de maneira nada sutil
Guicciardini cobra dos Ottimati uma ambição moderada, temperada com Prudenza. Segundo
Bignotto “em momento algum Guicciardini afirma que não se encontra esse desejo de poder
287 VAROTTI, op. cit., p. 42. 288 La ambizione non è dannabile, né da vituperare quello ambizioso che ha appetito d'avere gloria co' mezzi
onesti e onorevoli; anzi sono questi tali che operano cose grande ed eccelse, e chi manca di questo desiderio, è
spirito freddo e inclinato piú allo ozio che alle faccende. Quella è ambizione perniziosa e detestabile che ha per
unico fine la grandezza, come hanno communemente e' principi; e' quali quando la propongono per idolo, per
conseguire ciò che gli conduce a quella, fanno uno piano della conscienzia, dell'onore, della umanitá e di ogni
altra cosa. GUICCIARDINI, Francesco. Ricordi. In: Opere. La Letteratura Italiana: Storia e Testi. v. 30. A cura
di Vittorio de Caprariis. Milano; Napoli: Riccardo Ricciardi Editore, s/d, p. 65, § 32. 289 Bisognerebbe a tagliarla el coltello di Licurgo, el quale estirpò in uno dì la Lacedemone tutte le ricchezze e
suntuosità. GUICCIARDINI, Francesco. Discorso de Logrogno. In: Opere. La Letteratura Italiana: Storia e
Testi. A cura di Emanuella Lugnani Scarano. Milano; Napoli: Riccardo Ricciardi Editore, s/d, p. 294. 290 È adunche bene per eccitare questa onesta ambizione nelli spiriti grandi e dare loro occasione di operare cose
gloriose, mostrare questo luogo e questa commodità di potere venire a uno grado che non può essere maggiore in
una città libera. Ibidem, p. 274.
124
em homens do povo, ou que todos os membros da aristocracia eram capazes de agir com
honesta ambição na cidade.”291 Assim, o autor, que embora sendo de origem aristocrática, não
se ilude com a generalização da qualità, retomando o problema do apetite particular, presente
em cada um dos humanos: “Entre os extremos de um e de muitos, há o gonfaloneiro e o
Consiglio Grande, que deve pensar, de maneira equilibrada, que o conselho deve reunir-se,
mas sempre tendo o controle da cidade e, moderadamente, organizar tudo o que é necessário
em importância.”292
Nesta passagem, Guicciardini enfrenta a realidade política na qual não cria
expectativas fundamentadas nas boas condutas dos governantes, sejam eles Ottimati ou não,
mas ampara-se nas instituições cidadãs, presentes na república florentina. Ao distanciar-se das
idealizações, não cria expectativas sobre uma elite honesta e qualificada, embora espere que
ela exista e exerça seu papel cidadão, contudo na referida passagem, destaca a importância do
equilíbrio entre o Gonfaloneiro e o Consiglio Grande, que deve existir para garantir a
liberdade republicana.
4.5 - A visão republicana de Guicciardini
Na obra de Guicciardini, há extenso trabalho de pesquisa em documentos, portanto,
reconhece-se em sua obra grande rigor e detalhamento factual, originalíssimo frente a seus
contemporâneos. É considerado, com razão, um excelente historiador e observador de seu
tempo, viveu a república de Firenze em sua original efervescência política e grande poder
econômico, presenciou o processo de internacionalização e internalização das mudanças
políticas, econômicas e sociais de sua época. No que concerne à Itália do Quatrocento e do
Cinquecento, soube analisar a singularidade dos Estados italianos. No ambiente florentino, foi
influenciado por Maquiavel, que havia escrito os Discorsi sopra la Prima Deca di Tito Livio,
em que discorre sobre a política na Roma republicana. Guicciardini por sua vez escreveu as
Considerazioni ai Discorsi sopra la Prima Deca di Tito Livio del Machiavelli, em que faz um
contraponto rigoroso às teses contidas na obra maquiaveliana.
291 BIGNOTTO, Newton. Republicanismo e realismo: um perfil de Francesco Guiccidiarni. Belo Horizonte:
UFMG, 2006, p. 110. 292 Ordinati li estremi di uno e di molti, cioè del gonfaloniere e del consiglio grande, succede pensare al mezzo e
a quel consiglio che li abbi a coniungere, abbi a essere el timone della città e moderatore di ogni cosa che
occorra di importanza. GUICCIARDINI, Francesco. Discorso de Logrogno. In: Opere. La Letteratura Italiana:
Storia e Testi. A cura di Emanuella Lugnani Scarano. Milano; Napoli: Riccardo Ricciardi Editore, s/d, p. 276.
125
O Estado em Guicciardini deve possibilitar a participação dos cidadãos em suas
demandas, buscando uma estruturação institucional para atender as necessidades dos seus
habitantes, busca as bases de um Estado dito moderno, que se conservará através das
instituições e propiciará liberdade e justiça, para que os cidadãos não sejam tratados
arbitrariamente. A burocracia assegurará o bom funcionamento do Estado preservará a
cidadania e criará condições para o seu desenvolvimento através do corpo das leis da cidade.
A materialidade da cidadania será construída sob as demandas dos novos tempos, como
mostra Bignotto:
Desde Salutati, a ideia de que somente o cidadão ativo é capaz de erigir uma
república livre se transformou num dos pontos fortes do pensamento humanista,
sendo repetido por quase todos os que se debruçaram sobre o tema ao longo do
século. O problema sempre foi, no entanto, o de definir as modalidades dessa
participação e, sobretudo, quem seria chamado a participar ativamente na construção
dos destinos da cidade.293
Entende-se que Guicciardini expôs sua concepção republicana no Discorso di
Logrogno e, tanto Bignotto, em Republicanismo e Realismo, quanto Pocock em The
Machiavellian Moment, reconhecem que a república está presente no pensamento
guicciardiniano. Portanto, o equilíbrio proposto por Guicciardini em sua análise política é
republicano, conforme se pode ler em Bignotto:
Recorrendo à significação romana de respublica, ele aponta para o fato de que o
tirano e os que querem impor sua vontade à cidade possuem a mesma raiz. Nos dois
casos, é a particularidade da vontade que os opõe à liberdade da cidade e não seu
conteúdo, ou o valor de suas reivindicações. O ponto mais importante, no entanto,
na definição oferecida é o de propor como eixo para a compreensão da liberdade a
oposição entre o governo de leis e o governo das vontades particulares.294
A visão moderada de Guicciardini se remete a um projeto de Estado, constituído por
instituições nitidamente republicanas. Em sua obra Dialogo del Reggimento di Firenze, ao
discutir o modelo político entre os quatro interlocutores deste livro, explora a tese do bom
governo e destaca suas preocupações com a anarquia, com a tirania e com o poder da família
Medici em Firenze. Cita e respeita os clássicos gregos e romanos, mas constrói um modelo
próprio, segundo seu mundo real, em que a isostasia política garante a harmonia institucional.
A sutileza e a variedade das interpretações entre seus interlocutores, que sustentam posições
293 BIGNOTTO, op. cit., p. 80. 294 BIGNOTTO, op. cit., p. 98.
126
políticas contrastantes, indica que nenhuma cidade alcançará a liberdade plena se não
conseguir um governo estável e que busque o bem comum. Ao citar os governos já
experimentados do tipo popular, aristocrático ou oligárquico dos Medici, coloca como fatores
intrínsecos a este equilíbrio a unità e a concorde, para a consecução de um regime
“partidário” do bem comum, buscando o interesse público e trazendo a ideia tradicional de
uma centralidade real e prática. Ao alimentar o diálogo entre os quatro debatedores,
Guicciardini faz continuamente uma análise crítica dos modelos de governo, buscando um
regime adequado para a situação política concreta da república florentina. No Dialogo del
Reggimento di Firenze, Guicciardini reproduz os debates da Grécia antiga, diferindo em
conteúdo, quando aborda o Estado florentino. Questiona as instituições, seus objetivos, seus
protagonistas e a dinâmica entre estas partes, que de maneira clara, tem como temas fundantes
o bem comum e a estabilidade do Estado. A dinâmica que Guicciardini constrói ao
exemplificar, criticar e conceituar as formas de governo, perpassa uma linha ideológica na
qual as forças políticas se constroem ao longo do tempo histórico real, na defesa do bem
comum e do fortalecimento do Estado, enquanto guardião da liberdade e segurança dos seus
cidadãos. Possibilita o aprofundamento do político, sem generalizações, em que a
particularização e o estudo, caso a caso, mostram a inovadora reflexão deste filósofo do
Cinquecento. Durante o Risorgimento295, vários autores rotularam sua obra como anacrônica e
aristocrática, mas contemporaneamente reconhece-se que a obra de Guicciardini possui um
conteúdo político de grande complexidade e singularidade, que trata a ação política através da
análise rigorosa e particularizada, considerando inclusive questões estruturais e conjunturais
próprias da variabilidade e diversidade do fato político.
Guicciardini prefere o governo misto ao governo popular, um principado temperado
dos conselhos, dentro de um contexto político complexo e singular, sempre preferindo um
sistema baseado nas leis e em instituições fortes. Usando o exemplo de Veneza, em que a
autoridade do Doge era moderada e limitada pelo Grande Conselho e pelo Colégio, sem o
qual o Doge296 não podia tomar atitudes executivas, Guicciardini faz críticas às estruturas de
governo da Antiguidade como a Monarquia, a Aristocracia e a Democracia, sempre expondo a
síntese de todas as três formas, e defendendo que o governo ideal é o misto, considerando os
aspectos positivos dos três:
295 CIUFFOLETTI, Zeffiro (a cura de). Dal Rinascimento al Risorgimento: grandezza e decadenza nella Storia
d’Italia di Francesco Guicciardini. Firenze: Polistampa, 2011, p. 34. 296 Era um magistrado executivo eleito na antiga república de Veneza.
127
No governo do povo é bom, que enquanto dure não haja tirania; pode ler mais do
que os homens; e o fim de todas as deliberações é resguardar os bens universais. O
ruim é que o povo por sua ignorância não é capaz de deliberar sobre coisas
importantes, e corre perigo a república que remete as coisas à consulta popular.297
Na concepção guicciardiniana, se houvesse um governo dos Ottimati, haveria mais
segurança institucional para que a república não caísse nas mãos de um tirano, pois, sendo
composta por homens mais qualificados, poderiam governar com maior prudência do que o
governo de um príncipe, por exemplo. A ideia central é a preservação da liberdade, evitando a
discriminação entre os cidadãos, consequentemente sustenta a necessidade de um governo
misto e temperado, que possibilitaria a existência de uma autêntica república, conforme se
pode ler na passagem abaixo:
Necessita-se ainda que a república seja ordenada de modo que as acusações sejam
submetidas a diversos juízos, que contemplem as diferentes ordens e humores da
cidade, que os homens que assumam a preposição dos julgamentos sejam misturados
de modo a que não se apropriem dos maus hábitos advertindo que não se pode
restringir o julgamento a poucas pessoas, são homens bem escolhidos e que sejam
equilibrados e distantes do extremismo.298
O autor inspirou-se em Aristóteles, em sua obra A Política299, já discutia os tipos de
governo, e em Políbio, em que a ideia do governo misto aparece na obra Historiae300, em que
declara que a razão do governo misto ser superior a todos os outros que existem é que nenhum
órgão pode negar a sua competência e a sua lisura. Guicciardini tem como escopo criar um
governo real, efetivo e legal para a República de Firenze, propõe a criação do Senado ou
297 Nel governo del popolo è di buono, che mentre dura non vi è tirannide; possono più le legge che gli uomini; e
el fine di tutte le deliberazione è riguardare al bene universale. Di male vi è, che Il popolo per la ignoranza sua
non è capace di deliberate le cose importante, e però presto periclita uma republica che rimette le cose a consulta
del popolo. GUICCIARDINI, Francesco. “Considerazioni intorno ai Discorsi del Machiavelli di Francesco
Guicciardini”. In: VIVANTI, Corrado (a cura) – Discorsi sopra la prima deca di Tito Livio seguiti ale
Considerazioni intorno ai Discorsi del Machiavelli di Francesco Guicciardini. Torino: Giulio Einaudi, 2000, p.
341. 298 Bisogna adunche che la republica sia ordinata in modo o che le accusazione abbino diversi giudici, secondo
che sono diversi gli ordini e gli omori della città, o que gli uomini preposti a’ giudicii siano mescolati in modo
che sia uno temperamento da appropriarsi a ogni spezie di mali, avvertendo che col non lo ristrignere in poco
numero, siano uomini piú scelti che si possa, e che si accostino piú alla mediocrità che a alcuno degli estremi.
GUICCIARDINI, Francesco. “Considerazioni intorno ai Discorsi del Machiavelli di Francesco Guicciardini”. In:
VIVANTI, Corrado (a cura) – Discorsi sopra la prima deca di Tito Livio seguiti ale Considerazioni intorno ai
Discorsi del Machiavelli di Francesco Guicciardini. Torino: Giulio Einaudi, 2000, p. 349. 299 Obra escrita por Aristóteles no século IV a. C., tratando sobre o governo da polis e de um estudo sobre as
diversas formas de governo existentes na época, classificadas pelo autor em três tipos: governo de um, de alguns
e de todos. 300 As Histórias. Obra escrita por Políbio nos séculos III e II a.C em vários volumes, contando a expansão
romana pelo Mediterrâneo, com destaque para as Guerras Púnicas. Foi redescoberta na Europa no século XV.
128
Conselho do meio (entre o gonfaloneiro e o Consiglio Grande), instituição que mediará as
disputas entre a Signoria e os outros órgãos.
Segundo Caprariis301, o modelo republicano de Guicciardini propõe um equilíbrio
dinâmico das forças políticas, em que o autor, em nome do realismo político, pode refutar a
teoria aristotélica das três formas de governo e as suas degenerações, refutando também a
teoria que o Renascimento atribuía a Políbio, chamada “teoria da circularidade”. Quando
Guicciardini destaca o corpo legal e a boa ordem, retoma a sua preocupação com a liberdade,
em que esta deverá prevalecer dentro das leis e da ordenação pública para preservar a
sociedade do apetite particular, vinculado a interesses individuais que venham a prejudicar a
boa ordem e, portanto, a coisa pública.302
O pensamento de Guicciardini foi influenciado pela teoria das formas de governo de
Aristóteles, que carrega uma reflexão sobre a prática política, ou seja, os sistemas de governo
viáveis em sua República Florentina. Francesco Guicciardini preocupa-se com o governo do
Consiglio Grande, criado durante o governo de Savonarola, que passou a ser um dos pilares
de sustentação do equilíbrio da Firenze de sua época, uma instituição nova que o levará a
mudar e adaptar sua concepção aristotélica. Em sua obra Storie Fiorentine, pode-se destacar o
capítulo IX, no qual descreve o governo de Lorenzo, o Magnífico, detalha as benesses e o
estado de vida harmonioso, com os Ottimati apaziguando as facções guelfas e gibelinas,
proporcionando um governo bom para o povo, mas, todavia, enérgico no combate às sedições.
O autor reforça a tese do equilíbrio entre as forças sociais, manobrando as suas concepções
conforme suas novas experiências políticas:
A transformação, na realidade, explica-se pelo menos em parte, onde se realiza a
reunião de reflexos do pensamento subjacente que, naquele tempo, Guicciardini
estava engajado em conduzir em torno da história da aristocracia florentina: uma
reflexão áspera e amarga, rica em intuições agudas e em dolorosa consciência
autocrítica, que, com efeito, é tão importante reunir e colocar em relevo quanto
esclarecer que somente com essa análise o jovem escritor pôde escavar a própria
história dos seus e de sua parte política, fazendo, na realidade, algo de muito sério,
delicado e vital. Deixando cair os antigos ídolos, positivos e negativos, da classe
aristocrata, recuperando da parte contrária a ideia dos “exércitos particulares”;
aceitando o Consiglio Grande e o gonfaloneiro vitalício.303
301 CAPRARIIS, Vittorio de. Francesco Guicciardini. Dalla Politica alla Storia. Napoli: Società Editrice Il
Mulino, 1993, p. 85. 302 CAPRARIIS, op. cit., p. 86. 303 SASSO, Gennaro. Per Francesco Guicciardini: quatro studi. Istituto Storico Italiano per il Medio Evo.
Roma: nella sede dell’Istituto Palazzo Borromini, 1984, p. 81.
129
No Dialogo del Regimento di Firenze, através de Bernardo del Nero, cita Marsilio
Ficino e questiona as espécies de governo, dizendo que os filósofos têm falado muito sobre o
assunto e que “se um lugar tem considerado que o governo único é melhor do que o de
muitos, e outros lugares que é pior, considera-se que ambos são bons e que um e outro se
permitem serem livres ou cativos”.304 Pode-se entender que no Dialogo del Reggimento di
Firenze o autor expõe, através dos seus debatedores, as diferentes formas de governo e mostra
suas contradições, entende-se, pelo discurso de Bernardo del Nero, a necessidade de se levar
em conta as particularidades e as situações reais de suas práticas. Segundo Sasso, Guicciardini
organiza suas ideias da seguinte maneira:
Com uma calma admirável no intuito de esclarecer as suas articulações [...] pode-se
talvez colher um traço tendencioso de sua análise, que oscila entre a consideração
abstrata do esquema constitucional contraposto, na sua firmeza à insídia da
inconstante realidade e à extrema minuciosidade das observações empíricas e,
devido tal razão, rende traços cada vez mais concretos que o privam de sua autêntica
transparência racional.305
A política, em Guicciardini, é a ação qualificada que leva em consideração todos os
elementos, com pouca previsibilidade ou dogmatismo, mas encerra princípios que conduzem
à preservação da cidadania, da liberdade e da organização. Posto isso, o caminho republicano
é a estratégia política que contempla cenários voláteis e concretos com os quais o político se
defrontará, ao mesmo tempo que o racionalismo presente na obra do autor transparece como
referencial, ele mesmo abdica desta prática em prol das considerações específicas que
emergem no cotidiano político do Estado.
4.6 - O ideário político de Francesco Guicciardini
Para Guicciardini, a política foi a razão do seu viver, onde ocupou cargos relevantes na
República Florentina e nos Estados pontifícios sob o comando dos papas da família Medici. O
apego ao poder, acompanhado pela glória do reconhecimento público marcou a trajetória de
Guicciardini, mais como ator político do que como autor de destaque em vida. Embora frio e
calculista como político, sua obra apresenta um homem dotado de inteligência superior, que
busca incessantemente pensar a república e a liberdade cívica. Ao preocupar-se com a
304 Ibidem, p. 89. 305 SASSO, op. cit., p. 114.
130
qualificação da classe dirigente, que deverá ser capaz de cumprir tarefas delicadas e difíceis,
propõe uma rigorosa organização constitucional que preserve desde o sistema eletivo até a
criação das leis. Defende que o Senado seja o lugar da aristocracia, que possui inteligência e
capacidade para conquistar a confiança do “universal”, isto é, a massa de cidadãos privados
das competências e dos dons necessários para governar. Ao escrever sobre a aristocracia de
Firenze se depara com a corrupção política, colocando em prática, em sua análise, o ceticismo
sobre os homens e seus limites mas, ao mesmo tempo, alimenta a esperança de uma república
perfeita, muito distante da sua Firenze real. Portanto, o autor acredita que a classe dirigente
deva ser submetida a duras regras de mérito que se constituam através de um único estímulo
constante para oferecer o melhor de si: o civismo, como elemento fundante para estimular a
qualitá. Tudo deve ser feito de modo que as qualidades dos cidadãos fiquem em máxima
evidência, que os méritos sejam exaltados. O amor a Firenze, marcado pela glória e pelo
sentimento patriótico, na defesa de um modelo Republicano Florentino, muito embora em sua
obra enalteça Veneza, modelo tão caro aos “Ottimati” e ao próprio Guicciardini.
A visão republicana do autor pressupõe a existência de instituições, com seu pleno
funcionamento e equilíbrio, permitindo que as forças políticas se articulem, defendam seus
interesses, dentro da legalidade, mas que, possibilitem a abertura para a participação de todos
os grupos políticos envolvidos na ação ou no exercício da política. Sua posição é republicana,
abomina o autoritarismo e a tirania, mas carrega uma identificação de classe ligada aos
Ottimati. Pode-se antever um republicano liberal em pleno renascimento, preocupado com o
equilíbrio e com a preservação da cidadania republicana, o civismo e o patriotismo estão
presentes no pensamento político desse autor que, de maneira contextualizada, se opõe a
regimes de força. Em uma análise contemporânea, é muito difícil presentificar esses dois
elementos, mas devem ser vistos como temas constituintes do Estado moderno
contemporâneo que, em uma escala maior foram cultivados nas repúblicas e monarquias
parlamentares pós século XVIII.
Outra chave importantíssima na obra de Guicciardini, é a sua análise política
particularizada, em que revela as bases de sua metodologia. Em sua obra há um rico e vasto
confronto com as teses expostas por Maquiavel, desde suas Storie Fiorentine, passando pelo
Dialogo del Reggimento di Firenze, e de maneira explícita nas Considerazioni intorno ai
Discorsi del Machiavelli. Maquiavel é presença constante com suas intuições geniais sobre o
papel das discórdias civis, sobre a exemplaridade do modelo romano e suas regras imanentes
que valem no mundo da política, portanto, as críticas que Guicciardini dirige ao seu
concidadão estão presentes, sobretudo, nestas duas últimas obras citadas, nas quais aborda
131
temas recorrentes da Firenze de seu tempo, com debate político rico e fecundo, podendo
emergir questões aparentemente técnicas como o número de participantes da Signoria, as
instâncias do Consiglio Grande ou as atribuições dos Conselhos, mas que de fato, estavam
repletas de implicações complexas, conforme se pode ler em Bignotto: “A força do pensador e
diplomata Guicciardini reside no fato de que ele foi capaz de percorrer os caminhos sinuosos
dos embates de sua época, sem apressar uma conclusão que deveria ser produto de um esforço
de exposição de fatos.”306
A robusta teorização que serve de base a estas propostas concretas e os grandes temas
da política encontram eco na obra de Guicciardini: como a fonte da autoridade, a definição do
conceito de tirania, a impessoalidade das leis, o problema das relações de poder das
magistraturas e tantos outros; a riqueza dos temas e motivos de uma obra na qual Guicciardini
verdadeiramente reuniu anos de reflexões sobre o Estado, são destacadas e cotejadas trilhando
uma interessante chave de compreensão a partir de Bignotto:
Desde muito cedo Guicciardini mobilizou em seu discurso dois elementos
essenciais: a necessidade de se recorrer à experiência, para se compreender o
domínio da ação, e a vontade de definir um conjunto de valores que pudesse ser
compatível com os dados da observação direta do mundo.307
O seu “governo ideal” é fruto de uma isostasia constitucional plena, na qual as partes
se ordenam e se sustentam reciprocamente, como a República de Veneza. Embora
Guicciardini saiba bem que, em cada cidade, existem facções que não podem ser eliminadas,
pois representam forças políticas antagônicas, o autor entende que a formação da classe
dirigente e as instituições garantirão o consenso governativo entre os diversos grupos
políticos.
Guicciardini se conserva no ideal clássico da omonoia ou concordia ordinum, segundo
a qual somente em presença da absoluta concórdia e humanidade das partes sociais é possível
estabelecer a boa política na cidade. Além de cobrar a aristocracia Ottimati, recorre à
Prudenza e à expectativa de uma perfeita edificação do “governo” como fruto da ação política
que garanta seu funcionamento. Embora sua obra busque estudar caso a caso e destacar as
particularidades da política, quando propõe um perfeito equilíbrio, o autor está idealizando a
sua visão política. A grande contradição guicciardiniana deve-se ao fato de que o autor
306 BIGNOTTO, Newton. Republicanismo e realismo: um perfil de Francesco Guiccidiarni. Belo Horizonte:
UFMG, 2006, p. 41. 307 Ibidem, p. 18.
132
persegue, em toda a sua obra, o equilíbrio institucional, que se configurando a grande utopia
política do autor.
133
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através da análise do itinerário da formação intelectual de Guicciardini, sua trajetória
política e influências, a tese procura mostrar como a temática da liberdade republicana está
presente na obra do Autor, que se preocupou não apenas em defender a liberdade cívica como
valor político fundamental, mas sobretudo criou reflexões republicanas capazes de abrigar seu
ideário. Levando em consideração sua classe social, na qual se formou e representou,
Guicciardini exerceu cargos importantes na vida pública e deixou uma obra política bastante
original, pois em seu contexto florentino, estabeleceu singular estudo da obra de Maquiavel,
que leu, comentou e criticou em vista de seu horizonte político. Ao discordar do secretário
florentino, demonstra profundo conhecimento da prática política, defendendo o equilíbrio
institucional, que deve resguardar os direitos dos cidadãos frente às vicissitudes e os
contratempos decorrentes da instabilidade humana. Esta solidez deve ocorrer como
consequência da participação política dos homens de reconhecida virtù, conceito fonte de
Maquiavel, que representa o conjunto de qualidades que um político deve ter na análise
guicciardiniana.
Como princípios teóricos, devem guiar os homens de “reconhecida virtù”, a
Discrezione, a Prudenza, a Ragione e a Esperienza, distinguidas como “Categorias”. Além
destas, deve-se incluir a Esperanza e a Fortuna, que, embora não sejam “Categorias”
qualificativas como as anteriores, são categorias encontradas nas aspirações populares e na
“dialética” política. Essas categorias pertencem ao arcabouço das qualidades exigidas por
Guicciardini para o exercício da política. De maneira clara, o autor dirige estas
recomendações aos Ottimati. Os (estratos) burgueses não tinham um projeto político
homogêneo e definido, pois sempre reuniram grande pluralidade de atividades e interesses308,
a partir do século XIV os humanistas cívicos passaram a pensar e a escrever sobre a boa
ordem e o bem comum necessários para a nova configuração política e econômica das cidades
italianas. Notadamente, Guicciardini tem grande preocupação com a política, que em sua
concepção, a qualidade do ator político deve ser destacada e caracterizada para que a práxis
política ocorra segundo os interesses do Bem comum e não segundo interesses particulares.
As outras “categorias”, a Esperanza e a Fortuna, pertencem a chave analítica criada
por Guicciardini para compreender a volatilidade popular em relação às soluções políticas no
308 BARON, Hans. En Busca del Humanismo Cívico Florentino: ensayos sobre el cambio del pensamiento
medieval al moderno. Traducción de Miguel Abelardo Camacho Ocampo. Mexico: Fundo de Cultura
Económica, 1993, p. 16-18.
134
primeiro caso e, no segundo, o imponderável, e as conexões derivadas de injunções sociais e
históricas não previsíveis sem, contudo, recorrer à metafísica. Quando a Esperanza é
descolada das categorias qualificativas, ela exibe uma ferramenta analítica que pode espelhar
as mudanças esperadas pelo povo. A originalidade de Guicciardini explicita uma nova
variável para o entendimento da política, envolvendo a emoção e a instabilidade. No segundo
caso, a deusa Fortuna, muito citada na sua última obra, Storia d’Italia, pode ser cotejada com
a visão do seu contemporâneo Maquiavel:
A Fortuna varia porque ela modifica os tempos, e este homem não muda a sua
conduta309 – frase que poderia se traduzir no seguinte: não há ciência política senão
sob o crivo de uma reflexão que enfrenta a contingência própria à realidade humana.
Donde a importância das discórdias – e é preciso que não se confunda “desordem”
com “discórdias civis”: enquanto que a primeira indica a corrupção do corpo
político, a segunda indica a sua boa saúde, expressa em seu dinamismo (elemento
próprio ao solo da atividade política).310
Diferentemente das concepções recorrentes em seu tempo, para Guicciardini, a política
não deve ser exercida por uma única pessoa, mas preferencialmente pelo grupo dos Ottimati,
do qual fez parte. Este grupo ocupou, desde o início do século XIII, os principais postos
políticos da República Florentina e, assim, garantiu a sua permanência no poder tendo como
consequência o equilíbrio institucional e objetivo político fundante do republicanismo de
Guicciardini.
Ao contrário de Maquiavel, as reflexões de Guicciardini sustentam a análise política
“do caso a caso”, tendo a república como antídoto contra as tiranias, que colocam em risco a
liberdade cidadã. Ao referenciar sua obra nos clássicos gregos e na própria política da
República Florentina, o autor tem clareza do que não quer, ou seja, um governo tirânico no
qual as instituições sejam caladas e a participação política seja tolhida. Ao defender a tal
modelo de análise política, que não se fundamenta em generalizações e que explicita a
precariedade do equilíbrio político, o autor evita cair na imitação dos clássicos ou na criação
de teorias generalizantes.
Em sua análise política, tem grande importância a solidez das instituições
republicanas, que devem ser responsáveis, em grande parte, pela manutenção da liberdade.
309 La Fortuna varia perché ella varia i tempi et elli non varia i modi. MACHIAVELLI, Niccoló. Discorsi sopra
la prima deca di Tito Lívio, Dell’arte della guerra e altre opere. Volume primo, tomo primo e tomo secondo. A
cura di Rinaldo Rinaldi. Torino: UTET Libreria, 2006, p. 1026. 310 MARIN, Marcelo de Paola. Maquiavel e Guicciardini: liberdade cívica e discóridas civis. Dissertação
(Mestrado em Filosofia) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), São Paulo, 2007, p. 62.
135
Diferentemente de Maquiavel, que compreende que a força de uma república e das suas
instituições está na forma como consegue lidar com o conflito entre os interesses dos grupos
políticos antagônicos, no caso a plebe e os patrícios romanos; Guicciardini inverte a lógica da
leitura maquiaveliana, expondo que a estabilidade da República Romana, deveu-se à solidez
de suas instituições, no caso romano, graças à tradição e à força. Ao diferenciar-se de seus
contemporâneos, busca exemplos políticos próximos, não se prendendo a ideais greco-
romanos, mas na república de Veneza, reconhecida como possuidora de um sistema político
estável e duradouro. Para este autor, não se deve basear-se inteiramente na República
Romana, pois esta servia apenas aos “romanos”, assim como Veneza com sua peculiar
tradição política não deve ser vista como um exemplo absoluto, mas estudada e “imitada”
com bom senso em suas virtudes políticas. A tese guicciardiniana preserva o corpo político no
qual o coletivo deve estar acima dos interesses individuais, pois, o Estado provido de
impessoalidade e equilíbrio é capaz de prover e de garantir a estabilidade política para todos.
Em Guicciardini há uma visão positiva da política, pois só através desta é possível o exercício
da liberdade e a preservação do bem comum. Tendo como horizonte político a república como
melhor regime político para a liberdade cidadã, que se dá através das suas instituições,
encontra-se uma chave republicana na obra de Guicciardini. Tanto nas Considerazioni, quanto
no Dialogo del Reggimento di Firenze e nos Ricordi, suas ideias buscam contemplar os atores
políticos que representam forças diversas, e que deverão se alinhar e se aliar para conseguir
um governo estável, pois só a estabilidade pode garantir a defesa dos cidadãos frente às
arbitrariedades e injustiças. Como alerta máximo, pode-se entender que o autor tinha
preocupação com a diferenciação entre o bem público e o bem privado, especificamente o
Particolare, defendendo que o homem público deve ter clara distinção entre esses dois bens
para que sua conduta pública não seja corrompida por seus interesses particulares.
O Estado moderno adotou constituições que têm como tripé o interesse estatal, a
preservação do bem comum e a participação cidadã. Pode-se identificar tais mudanças
políticas nas monarquias parlamentares e repúblicas ocidentais que floresceram nos séculos
posteriores ao século XVI. O republicanismo é a grande contribuição deste peculiar
humanismo florentino para o Estado moderno ocidental, embora não tenha havido a
correlação de forças necessária para tal implantação na península itálica, esta herança muito
influenciou os estados da Europa do Norte e as novas nações do Novo Mundo. Em Firenze,
após 1540, a República não resistiu e sucumbiu aos “novos tempos”.
Guicciardini, foi o criador do conceito de equilíbrio entre as forças, a “isostasia
política”. Este modelo propiciou o fortalecimento da burguesia comercial e financista do
136
norte italiano, porém, este pensador tinha consciência de que seu ideal republicano estava
cada vez mais distante, pois não houve avanços florentinos na manutenção e abertura de
instituições participativas, já que após 1530, Firenze suprimiu muitas instituições
republicanas, os Medici aderiram a títulos de nobreza e desmontaram o que havia de mais
precioso para os florentinos, a Signoria.
Apesar de passar despercebido por trezentos anos, sua obra, hoje, reaparece e ganha
singular destaque no Estudo do renascimento e da Filosofia Política de Nicolau Maquiavel,
que pode, em nossos dias, ser melhor estudado e compreendido através da obra de seu
contemporâneo Guicciardini. Portanto, ao se estudar a filosofia política dos humanistas
cívicos, deve-se ler a obra desses dois pensadores e o respectivo cotejamento, conforme
Bignotto, que diz que o “leitor ideal” da obra maquiaveliana311 é Guicciardini por ter estudado
temas relativos à liberdade e às discórdias civis à época do Cinquecento, aprofundando a
temática política contida nos Discorsi de Maquiavel, derivando duas obras como
Considerazioni e Dialogo del Reggimento di Firenze, como obras políticas nas quais o ideário
republicano de Maquiavel é estudado e apresentado com exemplos, conceitos e perspectivas
de transformação política. A chave política de Guicciardini abre para o nosso tempo a exata
contextualização dos elementos e concepções maquiavelianas no tocante à Filosofia Política,
embora essas duas obras só tenham vindo à tona após 1860, impressões após o Risorgimento
Italiano. Apenas após a Segunda Guerra Mundial, estruturaram-se trabalhos acadêmicos que
confrontaram essas três obras e deram relevo ao trabalho de Guicciardini, sobretudo por abrir
a chave republicana da obra de Maquiavel. Para muitos estudiosos da Filosofia Política, ainda
persiste a ideia de reduzir o pensamento maquiaveliano à obra O Príncipe, que representa a
preservação do poder, mas não apresenta toda a complexidade da obra de Maquiavel.
Portanto, o grande trabalho acadêmico da obra de Guicciardini surgirá com autores como
Sasso e Gaeta, na Universidade de Roma; Rubinstein, na Universidade de Londres; Jodogne,
da Universidade de Bruxelas; Nencioni, da Escola Normal de Pisa; e, finalizando, Cochrane,
da Universidade de Chicago. Após os anos 60, pensadores como Pocock, Bruni, Cutinelli-
Rèndina e Gilbert, deram destaque para a análise guicciardiniana na Filosofia Política
europeia, mostrando o caráter conceitual e experiencial da obra deste autor.
A obra de Guicciardini está intimamente ligada aos eventos por ele vividos e por seus
contemporâneos florentinos. Na tentativa de compreender o fracasso dos dirigentes italianos
frente às questões políticas de seu tempo, os humanistas cívicos foram muito além de suas
311 BIGNOTTO, Newton. Nota Metodológica: Guicciardini leitor de Maquiavel. Discurso, n. 29, p. 111-131,
1998, p. 116.
137
repúblicas italianas, criaram as bases das repúblicas modernas com temas que nos são até hoje
desafiadores, como a liberdade, as discórdias civis e a participação política. Embora a
temática política contemporânea liberal ou marxista pouco sintonizadas com as preocupações
renascentistas, deve-se ressaltar que o amor à pátria fez parte de toda a reflexão
guicciardiniana e que o humanismo cívico criou, como já foi dito, condições para que as
gerações futuras pudessem discutir a cidadania em contextos muito diferentes da própria
Renascença.
Recorrendo à metáfora guicciardiniana do Estado como um corpo, é recorrente a
expressão umori, muito presente na medicina hipocrática e nos escritos de Maquiavel, os
quais representam os contrastes entre o povo e a elite. Guicciardini trabalha os humores
dentro do estado com categorias muito específicas. Aqui se encontra a chave dos dois
pensadores florentinos: o corpo político e suas transformações, as discórdias civis e suas
consequências. Segundo Maquiavel, novas instituições surgirão desses conflitos, mas o
diplomata florentino defende que as discórdias sejam evitadas para que o tecido social não
sofra com o impacto dessas lutas intestinas.
Portanto, o estudo das reflexões políticas de Guicciardini não só contribuíram para
uma melhor compreensão da tradição republicana renascentista e do humanismo cívico, como
contribuíram também para a compreensão da obra de Maquiavel, possibilitando superar uma
visão aparentemente absolutista deste autor, para uma visão da defesa do republicanismo e da
liberdade cidadã, bem como uma visão positiva das Discóridas Civis, um dos pontos
fundamentais de confronto com o pensamento guicciardiniano. Retomando a abordagem de
Bignotto, que como conhecedor da obra de Guicciardini, se superou na obra Republicanismo e
Realismo, deve-se compreender que a liberdade republicana ocidental deriva da tradição
greco-romana, porém sua instrumentalização, aparato legal e emergência histórica surge nas
grandes transformações ocorridas durante o Renascimento Europeu. Autores como Maquiavel
e Guicciardini, com duas posições, duas abordagens, mas uma só ideia: a República como
guardiã das aspirações políticas humanas, deixaram obras com concepções políticas tão claras
e objetivas que, a discussão da temática política que se faz necessária nas sociedades
humanas, apresenta a qualidade da perenidade, ou seja, paradigmas políticos contemporâneos
devem observar a problemática republicana e a participação política como movimentos
necessários para a cidadania e a preservação da liberdade em nossos dias.
138
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