Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 1971
POLÍTICAS PARA A EDUCAÇÃO NÃO-ESCOLAR: O CONSELHO FEDERAL DE CULTURA
E O PROJETO FILME HISTÓRICO (1977)
Rodrigo de Almeida Ferreira1
O trabalho apresentado enfatiza a relação entre políticas públicas voltadas às produções
cinematográficas e a educação para o conhecimento histórico2. Trata-se de uma temática
recorrentemente abordada na chave do “cinema educativo”, todavia, ainda incipiente na
perspectiva da História da Educação, sobremaneira pelo ângulo da educação não-escolar.
Lançado em 1977, o Projeto Filme Histórico (PFH) da Embrafilme3, é a referência para
análises de política pública e a elaboração de possíveis visões de história e cultura nacionais,
por meio da produção fílmica. Essa reflexão se faz em consonância com as orientações do
Ministério da Educação (MEC) e do Conselho Federal de Cultura (CFC)4.
No primeiro momento apresenta-se o Conselho Federal de Cultura e suas elaborações
sobre cultura, história e cinema. Em seguida, o Projeto Filme Histórico da Embrafilme é
analisado na articulação com as proposições dos conselheiros de cultura, de modo a
vislumbrar a ampla educação de visões da história do Brasil por meio do cinema.
A pesquisa foi desenvolvida, portanto, pela análise das diretrizes do PFH, cuja
documentação consultada encontra-se na Cinemateca Brasileira (SP), depositária de parte do
material da Embrafilme. Embora o fundo não esteja plenamente organizado, nem totalmente
disponível ao público, é possível consultar documentos, ainda que parcialmente. E as
manifestações do CFC expressas nas revistas e os boletins do órgão5.
1 Doutor em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professor Adjunto Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense. E-Mail: <[email protected]>.
2 Derivado da pesquisa Embrafilme e o “projeto filme histórico” (1977): cinema como educação não-escolar, desenvolvida durante Pós-Doutorado em História, realizado na Universidade de São Paulo, supervisionado pelo profº. dr. Marcos Napolitano, 2015.
3 A Embrafilme, órgão governamental para incentivo à produção de filmes nacionais e sua circulação no mercado interno e externo, foi uma empresa de capital misto. Apesar da maioria das ações ser controlada pelo governo, cerca de 10% estavam nas mãos de profissionais de cinema, permitindo-lhes assento deliberativo. Para atender às demandas do setor, o governo ditatorial procurou nomear pessoas ligadas ao cinema para cargos diretivos, tensionando constantemente a política da Embrafilme. Para a Embrafilme; cf.: AMANCIO, 2000; GATTI, 2007.
4 Para Conselho Federal de Cultura, cf.: CALABRE, 2006; CALABRE, 1996; MAIA, 2012. 5 Fontes localizadas nos arquivos do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (RJ), da Fundação Casa Rui
Barbosa (RJ) e na Biblioteca Universitária da Universidade Federal Fluminense do campus do Gragoatá (Niterói/RJ).
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Conselho Federal de Cultura
O projeto Filme Histórico da Embrafilme é um significativo exemplo de ação de
fomento para analisar a relação entre políticas governamentais voltadas ao estimulo da
produção fílmica que também atendesse ao uso educativo. Para tanto, requer o entendimento
das diretrizes traçadas para essas ações, logo, a compreensão das agências envolvidas. No
caso da produção cinematográfica com temática histórica, é pertinente considerar nesse
delineamento o papel do Conselho Federal de Cultura em seu diálogo com as políticas
governamentais.
A ideia de um conselho voltado às questões culturais e, por conseguinte, ao ideal de
valores histórico-culturais construtores de uma cidadania, na matriz do exercício do poder
politico, remonta à década de 1930. É conhecida a importância dada pelo governo varguista
às questões ligadas à nacionalidade, elaboradas na interface com a cultura e o patrimônio.
Ação potencializada com o Estado Novo, quando foi criado o Conselho Nacional de Cultura
(CNC), em 1938.
Refletindo a centralização administrativa, o CNC era composto por sete conselheiros
sob a presidência do ditador Vargas. Com o objetivo de promover o desenvolvimento cultural,
suas atribuições eram amplas, versando sobre a divulgação das artes, do intercâmbio
cultural, da conservação do patrimônio cultural, da propaganda de causas patrióticas, até a
recreação individual e coletiva6. Contudo, o amplo escopo de atribuições esbarrava também
na atuação burocrática, demasiadamente voltada à avaliação de atividades culturais e
liberação de verbas.
No governo João Goulart, a ideia de um conselho cultural foi reativada, em 1961.
Diferentemente da ditadura estadonovista, a estrutura do CNC de Jango teve um caráter
mais representativo das áreas culturais e do plano executivo. Seu conselho deliberativo era
formado por dez membros7. As comissões eram compostas por nomes ligados ao campo, com
atuação direta tanto no espaço de produção artístico-cultural, profissional, como acadêmica.
O conhecimento de causa certamente favorecia maior legitimidade nas demandas e
proposições discutidas internamente nas comissões. O funcionamento democrático destas,
com a eleição de um presidente que as representavam no Conselho Deliberativo, ratificavam
6 Cf.: Art. 3º - Decreto Lei n. 526 – de 1 de julho de 1938. Disponível em: <http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaTextoIntegral.action?id=74475&norma=100871> Acesso em: 15 ago. 2015.
7 Um representante dos Ministérios: da Fazenda; da Educação; das Relações Exteriores. Havia também um representante da Universidade do Brasil. A esses se somavam um presidente eleito de cada uma das seis Comissões do CNC: Literatura, Teatro, Cinema, Música e Dança, Artes Plásticas, Filosofia e Ciências Sociais.
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a ideia de aconselhamento colegiado, facilitando o encaminhamento das classes artísticas e
culturais junto ao governo (DUARTE; DUARTE, 2014).
A aproximação do governo com representantes das classes artística e estudantil, que
reivindicavam a proposta de uma arte politicamente engajada, sinaliza o papel do CNC para a
administração janguista. A efervescência do contexto político é perceptível na pluralidade na
composição das comissões. Entre os intelectuais e artistas do Conselho, é possível encontrar
nomes mais afinados à plataforma do governo, alguns ligados ao comunismo, como Oscar
Niemeyer e Jorge Amado. Mas, também, havia quem usava sua influência para combater os
planos do presidente e a temida “esquerdização” ou “comunização” do país, como Gilberto
Freyre e Djacir Menezes.
A polarização política se acentuou dramaticamente e o golpe civil-militar destituiu
Jango do poder. Junto com a interrupção da democracia, o Conselho Nacional de Cultura
também foi extinto. Não obstante, a potencialidade da cultura e da história para a proposição
ideológica levou os militares golpistas a refundarem esse espaço, com um novo nome e nova
estrutura.
Em 1966, foi criado o Conselho Federal de Cultura8. O literato e teatrólogo maranhense
Josué Montello, destacada referência para a criação do órgão – tendo sido seu primeiro
presidente –, defendia que o CFC tivesse um caráter mais prático, executivo, menos
acadêmico. Entre as funções do novo Conselho, previam-se:
Formular a política cultural nacional; articular-se com os órgãos estaduais e municipais; estimular a criação de Conselhos Estaduais de Cultura; reconhecer instituições culturais; manter atualizado o registro das instituições culturais; conceder auxílios e subvenções; promover campanhas nacionais e realizar intercâmbios internacionais (CALABRE, 2006, p.1).
A criação de conselhos estaduais e regionais de cultura foi uma meta do CFC
rapidamente alcançada com êxito. Para Calabre (2006), a estratégia para atender esse
objetivo foi condicionar a existência dessas casas de cultura para o estabelecimento de
parcerias e convênios a projetos.
A configuração do CFC refletia o momento autoritário implantado com a ditadura
militar. De fato, a pluralidade e perspectiva colegiada vivenciada no período de Jango não
teve espaço no novo CFC. O órgão era centralizado, mais burocratizado e seus integrantes,
alguns remanescentes do Conselho destituído, eram recrutados de espaços mais tradicionais,
como a Academia Brasileira de Letras, Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e até
8Decreto-Lei n° 74, de 21 de novembro de 1996. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1965-1988/Del0074.htm> Acesso em: 15 ago. 2015.
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vinculado ao campo intelectual católico. A composição foi assim determinada: “Art.1 – O
Conselho Federal de Cultura será constituído por vinte e quatro membros nomeados pelo
Presidente da República, por seis anos, dentre personalidades eminentes da cultura brasileira
e reconhecida idoneidade”9. A nomeação pelo presidente estava condicionada a idoneidade
do Conselheiro, que no contexto da ditadura significava alinhamento ideológico ao governo.
A maior influência do CFC junto ao governo perdurou até meados da década de 1970.
Constata-se um importante desgaste político em função de um dos objetivos primordiais do
CFC: a formulação de uma política cultural. Não pela falta de esforços dos conselheiros, que
apresentaram ao presidente-ditador general Médici um anteprojeto de lei para o Plano
Nacional de Cultura. O PNC, contudo, nunca foi aprovado. O parecer presidencial contrário
alegava que não era da alçada dos conselheiros elaborar planos que estivessem condicionados
à existência de verbas.
Esse estranhamento entre o Executivo, o MEC e o CFC quanto às funções deste,
explicitam as limitações do órgão, pois não tinha dotação orçamentária própria que lhe
permitisse extensa autonomia de atuação, quiçá numa perspectiva de plano com abrangência
nacional. Na prática, o CFC operou como espaço normativo e consultivo, sendo os pareceres
dos conselheiros relevantes para a legitimação de entidades a reivindicar distribuição de
verbas na área cultural.
Isso, não significa, entretanto, desconsiderar o papel do Conselho para a elaboração de
políticas públicas voltadas à cultura. Em 1973, diante da inviabilidade do CFC em redigir um
Plano Nacional, o ministro da Educação, Jarbas Passarinho, determinou que os conselheiros
estabelecessem, então, um novo documento: Diretrizes para a Política Nacional de Cultura.
As diretrizes reiteravam alguns elementos do PNC, sobremaneira na perspectiva da relação
entre cultura como elemento da segurança nacional, construtora das relações entre
identidade e cidadania.
O novo documento serviu de base para a criação do Ministério da Cultura, naquela
altura reivindicada pelo próprio CFC como mais eficaz para gerir as questões culturais
exigidas em país com dimensões continentais10. De fato, a criação deste ministério, bem como
de outras agências estatais voltadas ao campo artístico e cultural – como o Conselho Nacional
9 Decreto-Lei n° 74, de 21 de novembro de 1996. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1965-1988/Del0074.htm> Acesso em: 15 ago.2015.
10 Em 1973, na solenidade de encerramento de seu mandato, Arthur Reis discursou para os conselheiros que lhe sucederiam - Raymundo Moniz de Aragão e Manuel Diegues – e ao Ministro da Educação, ressaltando que as limitações orçamentárias e legais do Conselho Federal de Cultura tornavam-no ineficaz para estabelecer políticas culturais, o que só seria sanado mediante um Ministério da Cultura; cf.: MAIA, 2012, p.13.
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de Cinema (CONCINE)11 e a Fundação Nacional de Arte (FUNARTE)12 –, restringiu ainda
mais a ação do Conselho Federal de Cultura. Não obstante, deve-se salientar que o CFC
perdurou, coexistiu ao Ministério da Cultura e as colocações de seus conselheiros ainda
possuíam peso, como será visto adiante.
É oportuno observar que muitos conselheiros participavam ativamente da vida
intelectual na interface com a construção das identidades brasileira, desde a década de 1930.
Não é de se estranhar que as publicações consultadas do CFC retomam princípios
estruturantes do movimento modernista daquele período. Argumentos de valorização da
cultura popular, folclórica, o regionalismo, a patrimonialização e o viés arquitetônico, o
debate entre aculturação versus miscigenação, a dimensão do civismo e tradição, são
recorrentes nas publicações do órgão.
Modernismo e conservadorismo. Em sintonia fina com o projeto de estado ditatorial,
eis a tônica do Conselho Federal de Cultura. As atas de reuniões, os artigos de opinião, as
deliberações e pareceres, publicados tanto na Revista do CFC quanto em seu Boletim,
reiteram esses parâmetros. Parâmetros que, serão importantes delineadores da concepção de
incentivo da produção de um cinema com temática histórica pela Embrafilme; mesmo com a
perda de espaço político do CFC dentro da estrutura do poder Executivo.
Publicações do Conselho Federal de Cultura
Alguns números da Revista Cultura, no intervalo temporal de 1948 a 1954, foram
localizados. Embora não seja possível associar esta revista ao CNC de herança varguista, seus
números indicam grande semelhança estrutural com as futuras publicações do CFC –
sobremaneira com a Revista Brasileira de Cultura. Isto coloca a hipótese de uma linha
editorial dos Conselhos de Cultura (Nacional/Federal) como espaço de atuação intelectual
delineadora de imaginários sociais da identidade histórica brasileira.
A estrutura da Cultura, organizada em seções que remetem as comissões/câmaras do
CNC/CFC, é um considerável indício desta ligação. O sumário dos exemplares está dividido
em: Pensamento – subdividido nas comunicações: Arte, Ciência, História e Literatura –;
Documentário; Resenha; Bibliografia; Vária. Destaca-se, ainda, que entre os autores que
contribuíram na Cultura, alguns são intelectuais que mais tarde integraram o CNC de Jango
11 O Concine foi criado pelo Decreto Federal nº. 77.299, de 16 de março de 1976; Disponível em: <http://www.ancine.gov.br/legislacao/decretos/decreto-n-77299-de-16-de-mar-o-de-1976>. Acesso em: 15 de mar. 2012.
12 A Funarte foi criada pela Lei nº 6.312, de 16 de dezembro de 1975; Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1970-1979/lei-6312-16-dezembro-1975-366419-publicacaooriginal-1-pl.html> Acesso em: 15 ago. 2015.
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e o CFC no período militar, por exemplo: Sérgio Buarque de Holanda, Otto Maria Carpeux,
Arthur Cézar Reis, Gilberto Freyre, Manuel Diegues, Octávio de Faria, Josué Montello. Outra
coincidência é a responsabilidade pela edição da Cultura pelo Ministério da Educação e
Saúde. Depois de desmembrado o ministério, a edição da Revista Cultura, Revista Brasileira
de Cultura e do Boletim do CFC permaneceu na pasta da Educação (MEC).
Conforme indicado, inicialmente chamada Revista Cultura, essa publicação mensal foi
iniciada em 1967 e perdurou até 1971, quando foi substituída pelo Boletim do Conselho
Federal de Cultura (Boletim CFC), que passou a ser veiculado trimestralmente. Sobressai
nessas publicações o relatório das atividades ordinárias do órgão, como a transcrição de atas
das reuniões e pareceres – embora houvesse espaço para manifestação autoral dos
conselheiros sobre determinados temas que não estavam diretamente relacionados às
demandas consultivas do Conselho. Além da organização do seu sumário e apresentação dos
conteúdos, a semelhança entre essas publicações está na própria identidade visual dos
periódicos.
Todavia, destaca-se outra publicação do MEC como veículo de comunicação do CFC: a
Revista Brasileira de Cultura. Em setembro de 1969, mês do seu primeiro número, era
anunciada como a publicação trimestral do Conselho Federal de Cultura. Na Apresentação,
valorizava o suporte revista por ser um veículo periódico mais barato e acessível que o livro. E
destacava sua importância na história do Brasil como “instrumentos efetivos de ilustração.
Divulgaram, ensinaram, formaram opinião, comandaram iniciativas, serviram à coletividade
como forças de opinião e de incentivo cultural”13. De fato, é assinalado o papel dos periódicos
na conformação do entendimento do que é o Brasil e o brasileiro, desde o processo de
independência.
Ao explicar a substituição da antiga publicação, o editorial reconhece, ainda, o bom
papel realizado pela Cultura em sua missão divulgadora das atividades do Conselho. E
sinaliza as razões da mudança:
A REVISTA BRASILEIRA DE CULTURA (sic) que ora inicia sua vida, prosseguindo na orientação, agora mais avançada e mais aprofundada, do que a primitiva "Cultura" efetivou com tanta dignidade e tanto êxito, pretende atender a outro ângulo da competência do Conselho. E, através de suas páginas, abertas à inteligência dos brasileiros, juntamente com as coleções que o Conselho criou e começam a ser lançadas, imagina ser um novo instrumento de promoção do que, no campo da Cultura, estamos criando, visando não apenas à atualidade que vivemos, mas ao futuro potente que o Brasil alcançará pela decisão, pela energia e pelo vigor dos
13 Revista Brasileira de Cultura. Ministério da Educação e Cultura/CFC, Rio de Janeiro, ano I, n.1, jul/set. 1969.
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brasileiros, no seu propósito de aceitar o desafio que pretensos organismos
estrangeiros fantasiaram com relação ao Brasil no ano 2.00014.
A abertura de páginas à inteligência brasileira visava tornar a dinâmica da revista
menos burocratizada, tal qual um órgão de comunicação interna do CFC, como a Cultura se
estabeleceu – e posteriormente mantida pelo Boletim do CFC. O sumário da nova revista está
mais próximo da mencionada Cultura dos anos 1940-50, com espaço para artigos cujos
temas eram caros aos conselheiros, alimentando reflexões e debates sobre que identidades e
aspectos históricos valorizar.
A linha editorial da Revista Brasileira de Cultura sinaliza a preocupação não somente
com o momento presente, mas enfatiza a expectativa de futuro a partir dos parâmetros dos
conselheiros. Legitimava-se essa “inteligência” como autoridade responsável no
delineamento de um imaginário a ser valorado como identidade brasileira e que funcionaria
de base para a construção da sociedade até o início do novo milênio. Enfrentar o futuro
calcado no passado comum e representativo do povo brasileiro, eis o viés nas entrelinhas das
intenções do Conselho Federal de Cultura e corroborado pelas manifestações dos seus
conselheiros nesses impressos editados pelo MEC.
Apesar da assertividade do editorial da Revista Brasileira de Cultura em substituir a
antiga Cultura, ambas as revistas coexistiram até 1971, quando esta deixou de circular –
sendo substituída pelo Boletim do CFC. Muito embora propusesse pensar a cultura nacional e
o Brasil para o segundo milênio, a existência da Revista Brasileira de Cultura se extinguiu
em 1974. O Boletim do CFC permaneceu, então, como único veículo de comunicação, porém,
mantendo o viés mais burocrático. Não foi possível levantar as causas da interrupção de uma
publicação mais aberta e propositiva de debates, porém deve-se considerar o gradativo
enfraquecimento do CFC em sua relação com o MEC e o poder Executivo, a criação dos novos
órgãos ligados à arte e à cultura, e a mudança da presidência da república.
Independentemente do título da publicação, a perspectiva dos textos publicados foi o
fato a ser destacado e de maior interesse para a presente pesquisa. Os elementos de
valorização da identidade nacional por meio de aspectos da tradição, da cultura popular,
vultos e personalidades locais e nacionais, episódios correntes na história factual, geralmente
ligada ao poder político e econômico, por exemplo, sobressaem como valores para a
construção da cidadania. Em síntese, na expressão do Conselho, estão os alicerces culturais
que dignificam a identidade brasileira e, por conseguinte, seu conhecimento distingue o
14 Idem.
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brasileiro culto do rude. Como projeto de país, na perspectiva dos imaginários sociais, o
entendimento dessas raízes balizaria a adequação do Brasil à contemporaneidade. Reitera-se,
portanto, a permanência de uma importante corrente modernista entre a intelectualidade
brasileira, atuante desde a década de 1930.
O fato de autores expressarem essa perspectiva de pensamento e, posteriormente,
integrarem o Conselho Federal de Cultura, onde reiterarão esses ideais nas publicações do
CFC, ratificam o argumento da sua influência na elaboração de políticas culturais. Em
específico, isso será constatado na elaboração do projeto de filmes com temática histórica.
Visões de Brasil dos Conselheiros e aproximações com o cinema
A perspectiva de um ideal de Brasil, calcada em princípios modernistas, que valoriza a
miscigenação cultural e as tradições como elementos essenciais para a modernização,
sobressaem na visão dos conselheiros. Eles estão, de fato, preocupados com sobrevivência da
cultura local e a conformação de uma identidade nacional que não renunciasse esses
aspectos.
Nomes clássicos na literatura, pintores, arquitetos, músicos, enfim, autores de
produções culturais que se tornaram icônicas no país são frequentemente reverenciados
pelos conselheiros. As homenagens nas páginas das publicações, por ocasião do falecimento
ou centenário desses bastiões da brasilidade, inclusive dos conselheiros que morreram nesse
período, são reveladoras do valor e de tipo de cultura no horizonte. Não se trata somente de
uma perspectiva erudita, visto que entre os elementos das obras, por muitas vezes, figuram
aspectos voltados às tradições e cultura popular. Todavia, esse reconhecimento pelos pares é,
geralmente, associado a uma espécie de alta cultura, que por inferência diz respeito a que
visão de país interessava a um futuro moderno e seguro.
As funções dos conselheiros, exemplificadas pelos pareceres e atas de reuniões são
outro indício do que era valorizado. Como órgão consultivo e deliberativo, as preocupações
gravitavam em torno da criação de centros regionais de cultura e criação de fundações
culturais, conforme regimento do CFC. Nesse esforço, destaca-se a importância da
identificação de elementos da memória e cultura local, sua preservação e difusão como
determinantes para contar com o apoio do Conselho.
A autoridade do Conselho Federal de Cultura era considerada pelo governo. Não
apenas pelos nomes que o compunham, mas pela colaboração junto ao plano governamental
de país que se estabelecia na ditadura militar, que passava pelas reformas da educação
básica, do ensino superior e da educação. A sintonia entre o MEC com os conselheiros é
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notória. A perspectiva da contribuição educacional que o CFC poderia oferecer ao país estava,
justamente, em favorecer condições de identificação e preservação de expressões culturais e
ajudar a divulgá-las. Desse modo, acreditavam, contribuíam para a construção de uma
expressão de nacionalidade, uma identidade com lastro histórico-cultural que viabilizava
uma educação moral e cívica15.
O CFC se preocupava com a cultura interiorana, as manifestações que corriam risco de
desaparecimento por não estarem devidamente registradas, cabendo-lhe orientar os órgãos
regionais na tarefa de zelar pelas memórias identitárias do país. Todavia, isto não o
qualificava como antiquado. Pelo contrário, era moderno preservar as tradições. Era
contemporâneo e estava em estreito diálogo com as novas formas de suporte e linguagem. A
tecnologia era uma aliada para esse efeito.
O cinema, que há pouco tempo havia sido contemplado pelo governo com o Instituto
Nacional de Cinema (INC), estava no horizonte dos conselheiros. Como não havia uma
câmara específica para a produção cinematográfica, como houvera no governo CNC de Jango.
Os temas da sétima arte estavam diluídos, sobretudo, nas Câmaras de Artes e a de Ciências
Humanas, onde Octávio de Farias, Manuel Diegues Júnior e Arthur Reis eram os mais
entusiastas.
Dedutivamente, uma forma imediata de como o cinema entrou nas pautas do CFC era o
reconhecimento e manifestação de apoio às produções e exibições em mostras e festivais.
Como os elogios ao “Capitu”, adaptação de Dom Casmurro, de Machado de Assis, por Paulo
Sarraceni. Em determinado momento de sua manifestação, Octávio de Farias destacava que o
filme foi “realizado em termos de verdadeiro cinema. (...) Na limitação de recursos que
condicionaram sua produção, logrou uma reconstituição histórica correta e, em certos pontos
mesmo, brilhante, digna da obra que procurou traduzir para o cinema”16.
“Reconstituição histórica correta”. Nas entrelinhas, o conselheiro sinaliza os
parâmetros a serem contemplados como um filme digno de receber o aval do CFC como
contributivo ao processo educacional e edificador da identidade nacional.
Como anteriormente indicado, a preocupação com a linguagem cinematográfica como
expressão cultural e, também, difusora do conhecimento histórico, estava presente. Foi
15 Destaca-se o discurso Educação Moral e Cívica proferido pelo Ministro da Marinha Almirante Adalberto Barros Nunes, por ocasião do encerramento do curso intensivo de férias para aperfeiçoamento de professores em Educação Moral e Cívica, promovido pelo MEC, transcrito pelo CFC. Cultura. Ministério da Educação e Cultura/CFC, Rio de Janeiro, ano III, n.33, abr.1970 p.23-26.
16 Cultura. Ministério da Educação e Cultura/CFC, Rio de Janeiro, ano II, n.15, set. 1968, p.46.
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registrada em atas a preocupação do CFC em conhecer cineclubes e filmotecas em atividades
no Brasil, tanto aqueles vinculados às instituições culturais como aqueles da esfera privada.
A interface cinema-memória-preservação foi uma tônica entre os conselheiros. Nesse
campo, ideias para estimular o registro e a preservação de práticas culturais, sobremaneira
populares e interioranas, foram recorrentemente debatidas. Desde o primeiro ano do
Conselho, o filme documentário se destacava, sendo sugerido que se fizessem filmes para
documentar sobre todos os aspectos culturais, artísticos, sociais e estéticos da vida brasileira.
Segundo o Presidente do Conselho, em 1967, Josué Montello, a assistência do CFC era
perfeitamente viável e desejável, pois era o espaço do conhecimento para sustentar a seleção
do que registrar. Caberia ao Instituto Nacional de Cinema a parte exequível da empreitada.
Nesse registro, percebe-se consciência do alcance do CFC como referência intelectual,
enquanto a parte de execução, técnica e financeira, cabia ao INC.
Diálogos entre o Projeto Filme Histórico e o Conselho Federal de Cultura
Em 1966, pouco tempo depois do golpe de Estado, o governo militar reformulou sua
atuação no campo cinematográfico associado à educação. O INCE foi extinto, sendo
substituído pelo Instituto Nacional de Cinema. O novo órgão surgia com função ampliada,
pois cuidaria da produção cinematográfica em geral. Embora menos direcionado do que o
INCE, a preocupação com o potencial educacional do filme permaneceu no regimento do
INC17.
A Embrafilme, por sua vez, foi criada para assessorar o INC, sobretudo para estimular o
mercado cinematográfico nacional e sua distribuição interna e externa. O novo órgão, porém,
gradativamente, tornou-se central na política de estímulo e distribuição da produção
cinematográfica nacional, levando o governo militar a extinguir o INC – cujas atribuições
foram oficialmente incorporadas pela Embrafilme18, em 1975. O Estatuto Social da
Embrafilme, em seu artigo 5º, inciso II, mantinha a preocupação com o filme educativo.
Ademais, a relação entre cinema e educação parece ter sido redimensionada, já que roteiros
com temáticas consideradas importantes para a compreensão política e histórica eram
avaliados como projetos relevantes.
17 O artigo 42º do Regulamento do INC incorporava o INCE, normatizando especificamente o setor voltado para o cinema educativo (Decreto nº 60.220, de 15 de fevereiro de 1967, art.17. Disponível em:
<http://www.ancine.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=225&sid=69> Acesso em: 13 ago. 2015. 18 Lei nº 6.281, de 9 de dezembro de 1975. Disponível em:
<http://www.soleis.adv.br/cinemapoliticanacional.htm> Acesso em: 15 dez. 2015.
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Apesar de criada pelo e vinculada ao governo, que tinha cerca de 90% das ações, um
grupo de pessoas ligadas ao cinema exercia o trabalho administrativo na Embrafilme. Para
Roberto Farias, diretor da estatal entre 1974-79, a empresa contribuiu para o
desenvolvimento da indústria nacional do cinema devido à atuação dos próprios cineastas,
cuja participação nas reuniões forçava o governo a ouvir as reivindicações da categoria19.
A propósito, o vínculo governamental não fez da Embrafilme – especialmente os
cineastas que estavam em sua administração ou aqueles que recorriam à Empresa em busca
de apoio para suas produções – uma associação imediata aos princípios da ditadura militar.
Aliás, mesmo o Conselho Federal de Cultura, cujo perfil de seus integrantes era mais
sintonizado à política autoritária, também apresentou discordâncias ao governo. Um
exemplo desse posicionamento ocorreu ainda no primeiro ano do CFC (1967), quando a
revista Cultura de dezembro informava (ata 57) que Manuel Diegues Júnior solicitava a
divulgação, na revista do CFC, dos documentos sobre a censura produzidos pelos
participantes do III Festival de Cinema de Brasília. No mesmo exemplar, era informado que o
CFC debateu sobre a censura e solicitou ao Ministro da Educação para que este encaminhasse
ao titular da Justiça uma modificação completa dos atuais critérios de censura de filmes,
principalmente quanto ao cinema brasileiro20. Ainda que as bases encaminhadas não sejam
pormenorizadas no informe, fica claro o posicionamento descontente dos conselheiros com a
prática repressiva à livre expressão cinematográfica.
De volta à relação entre cinema e educação, mesmo que a ênfase educativa não se
equipare à prática do INCE, um dos critérios de apoio estabelecido pela Embrafilme à
produção cinematográfica era incentivar filmes que abordassem a cultura e a história do
Brasil. A potencialidade educativa dos filmes ultrapassa, portanto, sua produção para uso
pedagógico, sendo inerente mesmo nas produções comerciais, afinal “o cinema é o campo no
qual a estética, o lazer, a ideologia e os valores sociais mais amplos são sintetizados numa
mesma obra de arte” (NAPOLITANO, 2008, p.11).
O Projeto Filme Histórico (1977) estava vinculado ao MEC, que incorporou o CFC para
ajudar na sua elaboração. O principal objetivo era a “produção de dez filmes baseados em
acontecimentos ou personagens da nossa História, com lançamento previsto entre setembro
e dezembro de 1978”21. A linha de financiamento para produção com caráter histórico
19 SELIGMAN, 2006. p.6. 20 Cultura. Ministério da Educação e Cultura/CFC, Rio de Janeiro, ano I, n.6, dez. 1967, p.157; 165. 21 Roteiros e Pesquisas para Filmes Históricos. 15 de abril de 1977. Fundo: Ancine/Embrafilme, série 110.1/00297,
Cinemateca Brasileira/SP.
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contaria, ainda, com a possibilidade inédita de estender o financiamento à produção de séries
televisivas.
O programa revela o interesse do governo em promover a construção de um imaginário
social sobre o passado brasileiro, direcionando a configuração de uma identidade nacional.
Era dessa forma que a Embrafilme anunciava aos cineastas a novidade, conforme telegrama
anteriormente mencionado: “O Ministério da Educação e Cultura resolveu estimular, através
da Empresa Brasileira de Filmes S.A. – EMBRAFILME, um programa de produção de filmes
históricos, concedidos dentro de uma perspectiva da afirmação da nossa identidade
nacional”22.
A presença do Conselho Federal de Cultura como consultor funcionava como um lastro
à proposição, que atingia a cultura, a arte, o mercado cinematográfico e a educação. São
elucidativas, nesse sentido, as ponderações de Arthur Cesar Ferreira Reis, relator da
Comissão da Câmara de Ciências Humanas. Ao emitir parecer recomendando temáticas de
interesse para o projeto Filme Histórico, o relator parabenizava a iniciativa da Embrafilme
por trabalhar pela reversão de um cenário no qual o Brasil, como produtor cinematográfico,
subutilizava seu patrimônio histórico, sendo que
o cinema é um dos instrumentos de divulgação cultural em termos de massa. Em toda parte, vem sendo usado com sucesso para a formação da consciência cívica das nações. Não é apenas um produto visando ao lazer, à distração, à alegria popular. Tem e deve aumentar seu potencial artístico e ao
mesmo tempo educativo e cultural23.
Projetos com esse intuito costumam levantar suspeitas quanto ao interesse político e
ideológico governamental, sobretudo quando propostos durante regimes ditatoriais
(BERNARDET, 1982, p.57). Contudo, mesmo em contexto de difícil equilíbrio, existe a
possibilidade da resistência e subversões às orientações governamentais, como exemplificado
pelo questionamento pelo CFC aos critérios da censura ou a própria conduta de Roberto
Farias que provocou constrangimentos e tensionamento entre o órgão e o governo ao lançar
Pra Frente Brasil24.
22 Ofício nº 127/77, emitido pela Diretoria Geral, em 04 de maio de 1977. Fundo: Ancine/Embrafilme, série 110.1/00297, Cinemateca Brasileira/SP.
23 Parecer nº 2.406/77, emitido pelo Conselho Federal de Cultura/Câmara de Ciências Humanas, em 14 de setembro de 1977. Fundo: Ancine/Embrafilme, série 110.1/00297, Cinemateca Brasileira/SP.
24 Logo após deixar a presidência da Embrafilme, o diretor Roberto Farias fez um pré-lançamento à imprensa de Pra Frente Brasil (1981), que denunciava de modo contundente a tortura do regime militar, inclusive a Operação Bandeirante – a OBAN, que envolvia empresários como financiadores das milícias de torturadores. O filme foi censurado: “Jornal do Brasil de 06.04.1982 informa: a "Divisão de Censura da Polícia Federal interditou-o ontem, por considerar que incita contra o regime, a ordem, as autoridades e seus agentes"”;
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São conhecidas as dificuldades para a produção cinematográfica, em especial aos filmes
com temáticas históricas, haja vista o elevado custo orçamentário para sua realização. Editais
dessa natureza, então, se tornam uma possibilidade de diretores e profissionais de cinema de
realizarem projetos. Nesse aspecto, o lançamento dessa linha de financiamento pela
Embrafilme alcançou seu objetivo.
A Embrafilme justificava sua participação no projeto devido aos elevados custos e
complexidade para se produzir filmes com temáticas históricas. Além da verba destinada às
proposições, dispunha-se a mediar alocações de patrocínio complementar em empresas
públicas e privadas. Para tanto, precaveu-se por meio de um edital que exigia um detalhado
projeto a fim de verificar a viabilidade de realização.
O primeiro obstáculo à realização de um programa como este é a dificuldade de investimento em roteiro e pesquisas para produções ainda não asseguradas. Logo a etapa inicial é contratar com produtores/diretores – e a partir da sugestão de temas devidamente aprovados para (sic) Empresa – projetos de filmes que permitam pelo seu grau de acabamento uma avaliação precisa de qualidade e custos. Estes projetos compreenderão roteiro detalhado com ações e diálogos, pesquisas de costumes, figurinos etc,
devendo ser completados dentro de um prazo máximo de quatro meses25.
Contava-se, portanto, com verba a ser rateada entre os projetos, que deveriam obedecer
aos critérios estabelecidos pela empresa, como roteiros construídos a partir de detalhadas
pesquisas históricas, pautando, assim, a cenografia, figurinos, desenho e outros aspectos da
produção26. Caso aprovada essa etapa de pré-produção, as verbas destinadas às produções
fílmicas de “temas históricos” era aproximadamente cinco vezes maior daquelas destinadas
aos filmes que não se enquadravam nessa rubrica27.
O edital não trazia maiores informações se determinadas temáticas seriam
privilegiadas, embora internamente esse movimento acontecesse. O programa filmes
históricos foi submetido ao Conselho Federal de Cultura para apreciação da Câmara de
Ciências Humanas – sendo encaminhado, também, aos conselheiros das Câmaras de Letras e
a do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. O principal objetivo era refinar parâmetros
temáticos a serem estimulados e observados nas propostas de filmes históricos. A Câmara de
<http://bases.cinemateca.gov.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/#>. Apesar de proibido, tornou-se conhecido pela estratégia de ser exibido previamente à imprensa, antes de ser avaliado pela censura.
25 Roteiros e Pesquisas para Filmes Históricos. 15 de abril de 1977. Fundo: Ancine/Embrafilme, série 110.1/00297, Cinemateca Brasileira/SP.
26 Roteiros e Pesquisas para Filmes Históricos. 15 de abril de 1977. Fundo: Ancine/Embrafilme, série 110.1/00297, Cinemateca Brasileira/SP.
27 “No início dos anos 70, por exemplo, a produção comum de um longa-metragem, vinculada à Embrafilme, tinha como teto de financiamento 270 mil cruzeiros. No caso de ser um filme de caráter histórico, a verba poderia chegar até Cr$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil cruzeiros) e, ainda por cima, metade desta soma era considerada como subvenção” (SELIGMAN, 2006, p.9).
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Ciências Humanas, por meio da relatoria de Arthur Reis, sugeriu uma série de temas, que
foram acatados pelas outras câmaras supracitadas, como categorias desejáveis para o projeto
Filmes Históricos:
Emboabas, mascates, inconfidência baiana, inconfidência mineira, revolução nordestina de 1817, campanha da abolição, Santos Dumont e a conquista do ar, Ruy e suas campanhas cívicas, o bandeirismo paulista, Orellana e o descobrimento da Amazônia, a campanha da implantação da República, expulsão dos holandeses, nordestinos e a nova conquista da Amazônia, o engenho de açúcar, o ciclo da mineração, o Aleijadinho e a arte barroca, Hipólito da Costa e o Correio Brasileiro, a incorporação do Rio Grande, a expansão nordestina e o ciclo do gado, a formação da fronteira oeste, a Cabanagem, a Revolução Farroupilha, os pronunciamentos liberais de 1842,
Oswaldo Cruz e o saneamento do Rio de Janeiro, o ciclo do café28.
Pouco tempo depois, dois temas foram acrescentados, ambos ligados ao jornalista e
escritor Euclides da Cunha e sua experiência como cronista em distintas regiões do país:
Euclides no nordeste e Euclides na Amazônia; completando, assim, o que os conselheiros
denominavam “capítulo da formação histórica brasileira”29.
A recomendação do CFC traz temas inscritos na educação escolar de História, com
alguns menos frequentes nos livros didáticos. Em todo o caso, sobressaem na relação muitos
episódios históricos relacionados às revoltas e revoluções - como emboabas, inconfidência
mineira, revoltas provinciais – cuja dramaticidade e narrativas consolidadas os qualificavam
como interessantes ao filme de gênero histórico.
Mesmo quando relacionadas ao período colonial, as temáticas permitem ser
trabalhadas ideologicamente como inferências de contribuição para a formação da
nacionalidade, algo bastante valorizado na década de 1970. O ideal de “Brasil Grande”,
conforme propagandeado pelo governo ditatorial, reaparece em temas voltados à formação
territorial, tanto no processo histórico quanto aos movimentos de expansão de fronteiras,
ocupação e desenvolvimento de regiões afastadas, como a Amazônia.
Por fim, a ação empreendedora de indivíduos que superam barreiras e entram para a
história como inventores, políticos e/ou artistas, atestaria o valor do brasileiro. Roteiros para
filmes com temática histórica a partir da biografia é uma prática recorrente na
cinematografia mundial. Observa-se que, a biografia ou cinebiografia traz riscos para a
divulgação e educação do conhecimento histórico. Principalmente, por ser uma abordagem
28 Adendo ao Parecer nº 2.406/77, Conselho Federal de Cultura. Fundo: Ancine/Embrafilme, série 110.1/00297, Cinemateca Brasileira/SP.
29 Assinam como relatores das Câmaras de Artes e a do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Octávio de Farias e Afonso Arinos, respectivamente, acompanhando a sugestão de Arthur Reis, integrante da Câmara de Ciências Humanas; conforme Adendo ao Parecer nº 2.406/77, em 09 de novembro de 1977. Fundo: Ancine/Embrafilme, série 110.1/00297, Cinemateca Brasileira/SP.
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que frequentemente se estabelece na personalização da História. Embora questionada entre
os historiadores, essa fórmula assinala a manutenção desse tipo de abordagem sobre o
passado. A individualização reflete uma análise do processo histórico heroificado,
diminuindo, dessa forma, a margem para críticas aos problemas sociais e econômicos
nacionais. Quer dizer, a película construída nesse eixo incorre em não explorar
historicamente o contexto do personagem-título, cuja representação tende a supervalorizar o
indivíduo e a ocultar os conflitos inerentes à sociedade.
Os indicativos de temas pelo CFC para produção de filmes históricos podem ser
classificados conforme uma periodização, na qual os temas inscritos obedecem três grandes
marcos políticos: Colônia: 48%, Império 26% e República 26%. Podem, ainda, ultrapassar o
recorte temporal, se agrupados em torno de eixos comuns. Por essa perspectiva, destacam-se:
temas ligados à formação territorial; temas que abordam revoltas populares ocorridas no
Brasil monárquico; temas referentes às atividades econômicas; temas que destacam o
indivíduo e um tema voltado para a escravidão/abolição.
Enquanto a direção da Embrafilme e o Conselho Federal de Cultura estabeleciam os
parâmetros do que julgavam relevantes temas da história, cultura e identidades brasileiras a
serem filmados; projetos fílmicos eram inscritos no programa por diretores, roteiristas e
produtores de cinema. No final do mês de junho, de 1977, o Departamento de Análises de
Projetos da Embrafilme (DAPRO) havia recebido 74 (setenta e quatro) inscrições na linha
Filmes Históricos30. Portanto, a resposta do meio cinematográfico ao programa foi
entusiasta. Aliás, bem mais do que esperava a Embrafilme, que trabalhava com cerca de dez
títulos a serem contemplados.
Mas, será que os projetos inscritos correspondiam aos eixos pensados pelo CFC e
direção da Embrafilme? Os títulos propostos indicam alguns parâmetros para se
compreender a linha interpretativa de história inerente ao programa da Embrafilme, bem
como entre os produtores que apresentaram as propostas31. Ressalva-se que, apesar do
elevado número de propostas, apenas 19 foram aprovadas, mas apenas duas foram
produzidas. O mapeamento das temáticas é apresentado no gráfico 1.
30 Memorando nº 64/77, emitido pelo Departamento de Projetos à Diretoria Geral da Embrafilme, em 6 de julho de 1977. Fundo: Ancine/Embrafilme, série 110.1/00297, Cinemateca Brasileira/SP.
31 Idem.
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GRÁFICO 1 CATEGORIAS TEMÁTICAS DOS PROJETOS APRESENTADOS
AO PROGRAMA FILME HISTÓRICO DA EMBRAFILME
Fonte – Memorando nº 64/77 – DAPRO à Diretoria Geral/Embrafilme. Fundo – Ancine/Embrafilme, série 110.1/00297, Cinemateca Brasileira/SP.
Observa-se a ampla preferência por cinebiografias. A adaptação de livros também se
revelou uma prática corrente, o que permite inferir a circulação da temática histórica no
universo literário para a narrativa cinematográfica. Uma prática relevante para se pensar a
história pública, haja vista que, muitas vezes, a literatura registra memórias históricas que
ainda não fazem parte da preocupação acadêmica. Por vezes, a adaptação da história pelo
cinema ocorre sem a existência de publicação no campo historiográfico sobre o tema. Nesses
casos, um caminho para o embasamento histórico é o cineasta recorrer aos trabalhos dos
historiadores para contextualizar seu roteiro, valendo-se de publicações que colaborem no
entendimento do tempo histórico no qual o filme será ambientado.
Outra conclusão diz respeito aos recortes temporais dos títulos fílmicos, sendo
preponderantes temas que se desenrolam no período Colonial (43%), seguido de Império
(28%) e República (18%); contando temporalidade indeterminada 11%. Quando se considera
como referência a organização socioeconômica, e não mais o marco político, constata-se 71%
dos temas ligados à sociedade escravocrata. A curta história republicana – sequer secular em
1977 – deve influencia essa preferência temporal. Contudo, temas associado ao passado
longínquo exercem maior apelo histórico no imaginário canônico. Nesse ponto, os elementos
de um roteiro que se desenvolve no período da escravidão e da monarquia trazem elementos
dramáticos e plasticamente mais afinados à expectativa do público para os filmes de época.
8%
4% 10% 10%
4%
12%
23% 24%
5%
Arte
Cientista/inventor
Escravismo
Guerra
Indígena
Mulher
Revolta
Território
Indeterminado
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Em todo o caso, a listagem de projetos inscritos indica que os cineastas/ diretores/
produtores seguiram outros caminhos além dos imaginados pelo CFC. As temáticas
propostas, em sua maioria divergiam dos recortes propostos, ainda que, por vezes, o contexto
histórico pudesse ser tangenciado às idealizações dos conselheiros. Todavia, como as
categorias mencionadas não constavam do edital, este não poderia ser um critério de
desclassificação dos projetos. A recepção do campo cinematográfico indica um pensamento
próprio em relação ao filme com temática histórica e seu potencial educativo, sem, contudo,
implicar em atrito com o CFC.
Considerações
A análise realizada pelo entrecruzamento dessas fontes favoreceu o reconhecimento de
visões de Brasil, decorrentes das elaborações do CFC e perceptíveis como diretrizes do
Projeto Filme Histórico da Embrafilme. Identificá-las permitiu dimensionar a reverberação
de uma perspectiva mais ampla de construção de narrativa histórica mobilizando o cinema a
fim de atingir um público para além do escolar.
Nesse sentido, o trabalho desenvolvido contribui para as investigações na interface
cinema-história-educação ao analisar a concepção do projeto filme histórico da Embrafilme e
os parâmetros que orientaram a seleção de propostas. Esse processo delineia práticas de
educação não-escolar por meio do filme. Práticas que vão ao encontro de uma ideia de
narrativa histórica brasileira construída na valorização de determinados aspectos históricos e
culturais do país. Idealização priorizada por parte ditadura militar, reiterada ou refutada, na
totalidade ou em partes, por intelectuais, cineastas e produtores de cinema. Um processo que
não implica, necessariamente, concordância ou harmonia, havendo espaços para
discordâncias e resistências, haja vista as tensões inerentes aos projetos de sociedade.
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