POEMAS EM LIBRAS SOBRE NATAL – UMA INVESTIGAÇÃO SOBRE
POESIA SURDA
Carolina Hessel Silveira
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
Discutindo literatura e cultura surda
Os estudos sobre cultura surda são bastante recentes e também as pesquisas sobre a
literatura surda, que é um elemento importante desta cultura. Estes estudos são realizados
dentro dos Estudos Surdos, que se aproximam dos Estudos Culturais. Conforme Rosa e Klein
(2011, p. 93), “os Estudos Surdos surgiram a partir da necessidade de outros olhares sobre a
surdez e os surdos.” Os autores também mostram que é muito importante para o ser surdo
compartilhar com outros surdos a língua de sinais, a história cultural surda, a arte surda, entre
outros elementos. Os Estudos Culturais sempre se interessaram pelas culturas, sem fazer
diferenças de valor entre elas, e os Estudos Surdos se interessam especialmente pela Cultura
surda. Para definir cultura surda, podemos citar Wrigley (1996, p. 45), que diz que o traço
significante que define a cultura dos surdos é o uso de uma língua de sinais, que é uma língua
natural dentro dos corpos surdos. É importante entender que se trata de uma cultura que é
construída pelos surdos, e não é uma cultura traduzida da cultura dos ouvintes. Os surdos
usam suas línguas de sinais, utilizam predominantemente a percepção visual, têm seus
costumes, hábitos, ideias, convivem entre si e comemoram suas datas como eventos
importantes para eles.
Strobel (2009), autora surda, estudou muitos aspectos da cultura surda e ela nos
lembra que, dentro dessa cultura, existem artefatos culturais diferentes, que são específicos
do povo surdo, como a língua de sinais; a literatura surda e artes visuais específicas da
comunidade. Quando se fala em literatura e artes visuais, é importante compreender que, na
cultura surda, as produções linguísticas, literárias, artísticas, científicas são todas visuais.
Assim como a literatura é importante para muitos grupos, como é o caso da literatura
indígena, literatura negra, a literatura surda é um dos elementos relevantes da cultura surda.
Para defini-la, podemos utilizar a conceituação de Karnopp (2010, p. 161):
A expressão “literatura surda” é utilizada no presente texto para histórias que têm a
língua de sinais, a identidade e a cultura surda presentes na narrativa. Literatura
surda é a produção de textos literários em sinais, que traduz a experiência visual, que
entende a surdez como presença de algo e não como falta, que possibilita outras
representações de surdos e que considera as pessoas surdas como um grupo
linguístico e cultural diferente.
Também existe uma relação muito grande entre a literatura surda e a história do povo
surdo. Strobel (2009, p. 61) afirma que a literatura surda “traduz a memória das vivências
surdas através das várias gerações dos povos surdos”. Isso também acontece porque, muito
antes de se fazer gravações de histórias surdas em vídeo, já aconteciam encontros de surdos
nas associações, nas festas, nos eventos, etc. Nesses encontros, havia muitas trocas de
histórias, de piadas e de outras produções. Mesmo não havendo registro filmado, essas
produções já faziam parte da literatura surda, que, conforme Karnopp (2010, p. 171), abrange
“histórias produzidas em língua de sinais pelas pessoas surdas, pelas histórias de vida que são
frequentemente relatadas, pelos contos, lendas, fábulas, piadas, poemas sinalizados, anedotas,
jogos de linguagem e muito mais”.
Assim, percebe-se que a Literatura Surda é a literatura que os surdos produzem que
não é registrada com a língua escrita, mas se expressa através da língua de sinais. De acordo
com Rosa e Klein (2011, p. 95), “A literatura surda, quando produzida por um surdo, torna-se
diferente das produzidas por pessoas ouvintes. Isso se dá porque o surdo é aquele que
vivencia as experiências surdas, sua cultura e a Libras.” Os autores ainda afirmam que até
mesmo ouvintes com fluência em Libras e que participem da comunidade surda têm
experiências diferentes das experiências que os surdos têm. Então, a literatura surda não é
uma tradução da Literatura Brasileira ou de qualquer outra literatura nacional. Mas também é
claro que a literatura surda também pode incorporar alguns temas e assuntos que aparecem na
literatura dos ouvintes.
Como se registra a literatura surda ? Este é um caso diferente da literatura escrita de
ouvintes. Podemos citar a opinião de Wilcox (2005, p. 96), que escreve sobre esse assunto e,
se referindo à ASL (American Sign Language, que é a língua de sinais americana) afirma que:
... a maioria das línguas no mundo não são escritas. Isso certamente não significa
que nessas línguas não exista trabalho literário. Muitos dos “clássicos” da literatura
– a Bíblia, os dramas gregos – originalmente não eram escritos. Embora a ASL seja
ainda uma língua não escrita, ela possui uma longa e rica história de literatura
popular. Grande parte dessa literatura tem sido gravada em filme ou fitas de vídeo.
Muitas criações da tecnologia nas últimas décadas facilitaram o registro, a divulgação
e o conhecimento da literatura surda. Podemos lembrar como exemplo o surgimento e a
popularização da internet, nos últimos vinte anos, com a criação de sites de fácil acesso para
postagem e visualização de vídeos. Também ficou muito fácil a gravação de vídeos com
celulares, smartfones e outros artefatos, por qualquer pessoa. Isto tudo tornou mais fácil o
acesso à literatura surda, tanto para os surdos que querem conhecer estes artefatos quanto para
os que querem estudar esta literatura, que é uma literatura visual.
Dentro do campo dos Estudos Culturais e dos Estudos Surdos, que se interessam sobre
as relações entre culturas, representações e identidades, vamos, neste artigo, fazer um breve
estudo de um gênero da literatura surda no Brasil: poemas em Libras (Língua Brasileira de
Sinais). Alguns poemas serão analisados como exemplos desse artefato cultural.
Alguns aspectos dos Poemas em Libras
Dentro da literatura surda, encontram-se os poemas em língua de sinais e, no caso
brasileiro, os poemas em Libras, que utilizam os recursos expressivos de LIBRAS. Alguns
autores dizem que poemas em línguas de sinais são uma forma de arte recente, que teria
começado aproximadamente na década de 1970 nos Estados Unidos. Para Rachel Sutton-
Spence (2008, p. 340), “nos anos 70, surgiram algumas mudanças relacionadas à consideração
da poesia em línguas de sinais não apenas como concebível, mas, também, como uma
realidade” e isso permitiu um espaço para as performances de poetas das línguas de sinais,
inicialmente nos Estados Unidos e depois em outros países. Entretanto, encontrei um registro
mais antigo de vídeo de poema no site Gallaudet, de uma performance em 1913, com a
poetisa americana Mary Williamson Erd1, do poema "Death of Minnehaha" (“morte de
Minnehaha”), que talvez seja inspirada no poema épico americano do autor Henry Wadsworth
Longfellow, em ASL . O poema fala de uma lenda índia e a temática é muito popular nos
Estados Unidos. .
.
1 http://videocatalog.gallaudet.edu/?video=18920
Vê-se, assim, um poema antigo, numa apresentação de 1913, que mostra que, com
mais de 100 anos, a poesia surda não é recente. Só que atualmente existem pesquisas que
mostram produções poéticas; também a facilidade de divulgação começou há pouco tempo,
com as novas tecnologias, como já falamos. O acesso dos surdos a estes poemas faz com que
eles se reconheçam e alguns procurem se expressar de forma poética.
Fazer poemas em línguas de sinais e não em língua escrita (ou falada) é um avanço no
conceito de literatura. A estudiosa Sutton-Spence (2008, p. 340) afirma que, antes de esta
produção existir, “Pessoas surdas e ouvintes achavam que a poesia deveria ser escrita apenas
em inglês, devido ao status dessa língua”. Isso pode ser transferido para o Brasil, onde a
literatura era entendida somente como a “arte da palavra”.
Sobre a poesia surda no Brasil, podemos fazer um resumo da situação da seguinte
forma: nas décadas de 1980 e 1990, alguns poucos sujeitos surdos faziam alguns poemas
escritos. Depois começou a haver modificações, com os surdos apresentando poemas em
Libras, mas que eram traduções de poemas escritos. Apenas posteriormente surgiu a poesia
em Libras- este fato era alguma coisa nova para a comunidade surda brasileira; hoje, entre os
surdos, os poemas em Libras têm mais receptividade, mas há alguns surdos que continuam
usando poesia escrita (em Língua Portuguesa) ou poesia traduzida (da Língua Portuguesa para
Libras). O início da produção dos poemas no Brasil foi com o famoso ator surdo Nelson
Pimenta, com registro em DVD em Língua de Sinais. Também aconteceram apresentações de
poemas nos eventos, tanto de Nelson Pimenta como da poeta paranaense Rosani Suzin, no
final da década 90. Mas, na verdade, conforme Morgado (2011b, p. 167), “existem muitos
poetas surdos no mundo. Os considerados profissionais são os que tiveram formação em
poesia da língua gestual, normalmente na Inglaterra ou nos Estados Unidos da América”.
Mesmo os poetas surdos que não tiveram formação (estudo) nestes dois paíes também têm
importância no panorama da poesia surda.
Para podermos fazer nossa análise dos poemas, neste trabalho, precisamos ver o que
são as características das poesias em línguas de sinais. Assim como nos poemas em línguas
verbais (escritas), é a linguagem que merece atenção nos poemas em línguas de sinais. De
acordo com Quadros e Sutton-Spence (2006, p. 112), a “poesia em língua de sinais, assim
como a poesia em qualquer língua, usa uma forma intensificada de linguagem [“sinal arte”]
para efeito estético”. Morgado (2011a, p. 62) faz um paralelo entre recursos da linguagem
verbal (rima, ritmo, verso, estrofes) e os recursos dos poemas em línguas gestuais. Morgado
apresenta os recursos que são usados em poemas de línguas de sinais. São eles:
- escolha e modificação de gestos. Os poetas surdos trabalham com os gestos, podendo
escolher e modificar gestos como: “pássaro”;
- variação de gestos. Pode-se fazer rimas com diversos gestos que têm significado semelhante,
como: “dia”, “especial” (em Língua Gestual Portuguesa);
- utilização de componentes não-manuais. Nesse caso, pode se utilizar um aspecto não-
manual, usando apenas expressão corporal e facial;
- classificadores. A autora considera que o recurso a um classificador é uma das principais
riquezas da língua gestual;
- metáforas. A autora afirma que, se um poeta surdo quer descrever a vida de uma flor, pode
compará-la à sua vida, utilizando assim uma metáfora. Este aspecto se aproxima da poesia
ouvinte;
- interiorização de personagens. Outro recurso interessante vem da possibilidade de
interiorizar uma personagem com suas características, como um bebê, um rapaz rebelde, uma
senhora vaidosa;
- mudança de papéis. A poesia surda pode usar a mudança de papéis, que é feita através da
interação de duas ou mais personagens: pode ser um adulto falando com uma criança, por
exemplo. Apenas um (1) poeta surdo pode representar mais de um personagem.
Também é preciso abordar um tipo de composição especial da literatura surda, que são
as Histórias ABC e Números. Elas apareceram na comunidade surda brasileira a partir de
2000 e, neste tipo de composição, uma história é apresentada em sequência de configurações2
de mãos, usando alfabeto manual, números, nomes próprios ou outras palavras.. Quando a
pessoa começa a aprender a contar uma história em sinais, pode usar seu próprio nome como
forma de produção.
Outro aspecto importante sobre poemas surdos, é que a maioria deles são autorais, isto
é: os poemas não são transmitidos para outros surdos, mesmo que alguns sinais sejam iguais.
O que mais permanece são as configurações das mãos durante poesias. Por exemplo, uma
configuração de mão “MÃO ABERTA”, que apresenta movimentos do mar, montanha, rena,
árvore de natal, anjo, pássaro, sereia, Língua de Sinais etc. está presente em muitos poemas.
Podemos citar a estudiosa Sutton-Spence (2000, s/p) que descreveu, no artigo Aspectos da
poesia em BSL, o uso da configuração de mão numa poesia. Ela afirma:
A estrofe [Manhã em Trio] contém 18 sinais, dos quais dez usam uma forma de mão
em B ou em 5. O sinal final ÁRVORES-GEMÊAS usa duas mãos, cada uma com
forma em 5. (...) A forma de mão em 5 é vista nos sinais LEÃO, JUBA-DO-LEÃO,
e ATAQUE-COM-GARRAS.
Temos visto que esta configuração é a mais usada durante poemas, como pode ser
visualizado nas ilustrações abaixo, com momentos de poemas brasileiros.
A
“Cor” Bandeira Brasileira
Nelson Pimenta
B
“Onda” Poesia das Rosas
Rosani Suzin
C
“Presente” A Arvore de Natal Fernanda Machado
Figura 1 – Momentos de poemas em LIBRAS
Fontes: (A) DVD LITERATURA EM LSB, 1999; (B) DVD LIBRAS 03, 2001; (C) DVD
Poesia A Árvore de Natal em LSB, 2005
2 Usa-se o termo “configurações” para referir a Configuração da mão (CM): é a forma que a mão assume
durante a realização de um sinal. Pelas pesquisas linguísticas, foi comprovado que na LIBRAS existem 46
configurações de mãos ( BRITO, 1995).
Análise comparativa ilustrativa
Os poemas que trago para este artigo foram registrados em vídeo e estão disponíveis para
acesso do público. Seu tema é o Natal, e são bastante conhecidos na comunidade surda.
Escolhemos para análise três materiais. O primeiro é o DVD Poesia A Árvore de Natal em
LSB, produzido por poeta Fernanda Machado (2005) (poema A). O segundo material é um
vídeo postado no YouTube, com a poeta Rosani Suzin (2009), disponível em
http://www.youtube.com/watch?v=xeGtxbI7tF4&feature=plcp, (poema B). O terceiro
material é um vídeo postado no YouTube, com a poeta Rosana Grasse (2014), disponível em
https://www.youtube.com/watch?v=y5E0Q2DcxEQ (poema C).
O poema mais longo, com cerca de oito minutos, é da poeta Fernanda Machado
(poema A), com mais elementos e detalhes, e referências sobre nascimento do Jesus e Papai
Noel. Não usou nenhuma soletração e apresentou mais sinais poéticos e neologismos.
Observo que neologismos, que existem nas línguas de ouvintes, também existem em línguas
de sinais. Quadros e Sutton-Spence (2006, p.147) explicam que o neologismo “pode ser usado
para efeito poético de muitas maneiras, trazendo a língua ao primeiro plano porque o poeta
produziu a forma que ainda não é parte da língua”. A autora traz uma narrativa sobre uma
pessoa pegando bolas coloridas, colocando-as na Árvore de Natal; cada bola se referia a um
elemento do nascimento de Jesus: anjo, Maria, José, Rei Herodes, três Reis Magos, burro.
Fernanda sinalizou a cor de cada bola relacionando-a a um personagem ou a objetos como
estrela. No final, quebra-se a bola vermelha, que simbolizava Rei Herodes, e dela sai uma luz
que voa para céu e se transforma em trenó com renas, Papai Noel e saco de presentes.
A poeta Rosani Suzin (poema B) apresentou o poema com nome FELIZ NATAL
como história ABC, relacionando com o nascimento de Jesus, mas não fala do personagem
Papai Noel. Cada letra, por exemplo, se transforma numa ideia; o L se transforma em estrela
e sorriso, o N se transforma na manjedoura em que nasceu Jesus etc.
A poeta Rosana Grasse (poema C) apresentou um poema curto, com única
configuração de mão “F” em Libras. Ela traz a história da Árvore de Natal, nascimento Jesus,
família e amor, sem referência ao personagem Papai Noel. Por exemplo, no sinal Jesus, ela
usa configuração de mão F, em substituição à configuração de mão original do sinal Jesus.
Para comparar os três poemas, em relação aos sinais utilizados e recursos expressivos,
apresentamos o quadro abaixo. Depois, vamos ilustrar os achados com imagens que são
exemplos.
QUADRO I
Poemas sobre NATAL – síntese Sinais
de Libras
utilizados
Poema A
(Fernanda Machado)
Poema B
(Rosani Suzin)
Poema C
(Rosana Grasse)
ÁRVORE Neologismo
(sinal produzido com
efeito poético, com
ênfase na forma
visual.)
Sinal em Libras
(sinal conforme uso
cotidiano, sinal
dicionarizado)
Neologismo
(configuração de mão F
produzida com efeito
poético, com ênfase na
forma visual.)
JESUS Imitação rosto de
Jesus, usando
configuração de mão
“S”
(refere Jesus, usando
CM “S”, com ênfase
no rosto do bebê)
Imitação rosto de
Jesus, usando
configuração de mão
“A”
Neologismo
(sinal Jesus, usando
configuração de mão “F”.)
SOLETRAÇÃO Nenhuma FELIZ NATAL Nenhuma
BOLA DE
NATAL
Neologismo
(sinal produzido com
efeito poético, com
ênfase na forma
visual.)
Não utilizado Neologismo
(configuração de mão F
produzida com efeito
poético, com ênfase na
forma visual.)
CORAÇÃO Não utilizado Letra “T”, duas mãos
“T” sacudindo
lentamente como dor,
outra mão segurando
coração no peito.
Letra “F”, duas mãos “F”
fazendo forma de coração.
MANJEDOURA
Neologismo
Sinal “4”, duas mãos
cruzando em baixo
Neologismo
Letra “N”, balançando
como cesta
Não utilizado
OBJETO que se
QUEBRA
Bola caiu, saiu
fumaça, voou para
céu, se transformou
Letra “E”, duas mãos
“E” abrindo, das quais
sai luz, voando rápido
Não utilizado
em trenó. no céu, que se
transforma em cometa,
estrelas....
O que podemos concluir deste quadro é, em primeiro lugar, que as três poetas
apresentaram ÁRVORE e JESUS nos poemas (ver figura 2 e figura 3, abaixo). Mas só dois
poemas (A e C) criaram neologismo para ÁRVORE, enquanto a poeta do poema (B) usou
sinal dicionarizado ÁRVORE. Dois poemas (A e B) usaram sinal expressando nascimento do
Jesus (ver figura 3). Vê-se que outro poema (C) usou sinal JESUS com letra “F”. No poema
A, a poeta fez configuração de mão “S” como mãos de Jesus nenê se movendo. No poema B
foi usada a configuração de mão “A” por causa da letra A - “Natal” como mãos de Jesus se
movendo (ver figura 3). Nos poemas A e B, as poetas fizeram expressão facial semelhante ao
rosto do Jesus como bebê (também ver figura 3).
Poema Natal – Árvore
Poema A
Poema C
Figura 2: Poema Natal – Árvore.
Fontes: Poema A - DVD Poesia A Árvore de Natal em LSB.
Poema C - https://www.youtube.com/watch?v=y5E0Q2DcxEQ
Poema Natal – Jesus
Poema A
Poema B
Figura ilustrativa
Expressando história A até Z, sobre bebê. Ênfase cara do bebê, letra A.
Figura 3: Poema Natal – Jesus.
Fontes: Poema A - DVD Poesia A Árvore de Natal em LSB.
Poema B - http://www.youtube.com/watch?v=xeGtxbI7tF4&feature=plcp.
Figura ilustrativa – DVD A to Z: ABC Stories in ASL. Atriz Stefanie Ellis-Gonzales. Ano
2010
Observamos que as figuras mostram como as poetas mulheres dão importância ao
rosto do bebê “Jesus”, e isso pode estar relacionado com o gênero das poetas, porque,
culturalmente, se espera que as mulheres deem mais importância para os bebês. A autora
Sutton-Spence (2011, p. 180) explica sobre expectativa da sociedade em relação a gêneros
masculino e feminino, e diz que “as expectativas podem relacionar-se à cultura geral, quando
se considera o gênero, ou cultura surda, quando a situação auditiva é considerada.”
Poema Natal – Bola de Natal
Poema A
Poema C
Figura 4: Poema Natal – Bola de Natal.
Fontes: Poema A - DVD Poesia A Árvore de Natal em LSB.
Poema C - https://www.youtube.com/watch?v=y5E0Q2DcxEQ
Em relação à bola de natal (figura 4), no poema A, a poeta utilizou sinal produzido
com efeito poético, com ênfase na forma visual: uma mão segura fio da bola, outra mão estala
círculos em volta dela. No poema C, a poeta usou letra F, com duas mãos “F” fazendo
“circular a bola”, para significar bola de natal. As duas poetas apresentam movimento de
círculo como bola de natal ou festão na árvore de Natal, como no poema C, que pode ser
ambíguo: bola de natal ou festão.
Poema Natal - Coração
Poema B
Poema C
Figura 5: Poema Natal – Coração.
Fontes: Poema B - http://www.youtube.com/watch?v=xeGtxbI7tF4&feature=plcp.
Poema C - https://www.youtube.com/watch?v=y5E0Q2DcxEQ
Sobre coração (figura 5), no poema B, a poeta utilizou uma mão com letra “T”,
sacudindo lentamente como sinal de dor, enquanto a outra mão segura coração no peito. No
poema C, a poeta usou letra “F”, duas mãos “F” fazem forma de coração, com ênfase na
forma visual. Ambas apresentam “coração” como amor ou dor de coração como saudades.
Em relação à soletração, que às vezes é uma estratégia rica para os poemas em línguas
de sinais, dois poemas usaram: o poema B usou soletração para FELIZ NATAL, organizando
o poema com cada letra da expressão, como história ABC. Em relação à “estrela” (ver figura
6), o poema A usou o sinal de estrela, segurando a estrela voando como cometa; o poema B
expressou várias estrelas.
Poema Natal – Estrela
Poema A
Poema B
Figura 6: Poema Natal – Estrela.
Fontes: Poema A - DVD Poesia A Árvore de Natal em LSB.
Poema B - http://www.youtube.com/watch?v=xeGtxbI7tF4&feature=plcp.
A referência à manjedoura (figura 7), foi usada por duas poetas. No poema A, a poeta
utilizou mão aberta como iluminação que se transforma em manjedoura; usou duas mãos
cruzadas para baixo como se fosse manjedoura. No poema B, a poeta usou letra N (Natal),
com duas mãos “N” fazendo “xis”, balançando, para significar manjedoura.
Poema Natal – Manjedoura
Poema A
Poema B
Figura 7: Poema Natal – Manjedoura.
Fontes: Poema A - DVD Poesia A Árvore de Natal em LSB.
Poema B - http://www.youtube.com/watch?v=xeGtxbI7tF4&feature=plcp.
Sobre “objeto que se quebra” (Figura 8), no poema A, a poeta pegou a bola vermelha,
lembrando o Rei Herodes, que perseguia as crianças para matá-las e é perverso; a poeta
fechou os olhos, deixando cair a bola e quebrar (no chão). Então, expressou sinal de fumaça,
um pedaço que voa para céu, que se transforma em trenó de Papai Noel. No Poema B, a letra
E (segunda letra de Feliz), se faz com duas mãos “E” juntando, abrindo como se fosse ovo
quebrando, de onde sai uma luz que voa para céu e se transforma em estrelas.
Poema Natal - Objeto que se quebra
Poema A
Poema B
Figura 8: Poema Natal – Objeto que se quebra.
Fontes: Poema A - DVD Poesia A Árvore de Natal em LSB.
Poema B - http://www.youtube.com/watch?v=xeGtxbI7tF4&feature=plcp.
O destaque que fazemos, neste momento, é sobre semelhanças - os sinais JESUS e
MANJEDOURA foram usados nas poesias A e B de forma bem próxima. Também a
sinalização de OBJETO que se QUEBRA, ambas as poesias A e B apresentaram.
Se comparamos resumidamente os três poemas sobre a temática Natal, vemos que o
que permanece são as configurações das mãos, sinais simbólicos do Papai Noel, Pinheiro de
Natal e renas, além do aproveitamento de elementos das histórias tradicionais de Natal,
presentes em relatos e poemas da cultura cristã dos ouvintes.
Considerações finais
Fizemos uma pequena análise comparativa de três poemas de autoras surdas sobre um
mesmo tema. Com ela, quisemos mostrar a relevância da literatura surda, e fazer alguma
aproximação com teóricos que analisam poemas surdos, embora este estudo seja só
exemplificativo. É importante observar que este estudo se enquadra nos Estudos Surdos, em
sua interface com os Estudos Culturais, que procuram mostrar as conexões entre produtos
culturais, representações e identidades, entre outros temas. Vimos que, assim como na
literatura escrita em relação à palavra, a literatura surda também usa recursos que não são do
uso cotidiano e simples de Libras e criam efeitos estéticos, que têm uma repercussão positiva
entre a comunidade surda e contribuem para o desenvolvimento de sua identidade.
Relembremos, com Machado (2013, p. 59), que
A língua de sinais é carregada de elementos pertinentes somente a ela, tem estética e
estilo próprios e cada usuário apropria-se da língua de maneira diferente. Nesse
sentido, a língua de sinais não é somente uma vocação, mas sim uma construção que
acontece por meio das experiências, por isso existem pessoas que sinalizam de modo
mais brando e suave, enquanto outras, de modo mais firme e vibrante. Mesmo sendo
toda a sinalização uma forma de inspiração, nunca será reproduzida no mesmo
estilo, pois a língua é dinâmica.
Com o estudo que fizemos sobre os poemas, pensamos que foi possível ilustrar como a
língua de sinais é dinâmica e tem uma estética que é apropriada por cada surdo, no caso, as
poetas, de forma original.
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