2. Jean Piaget: Nascemos programadospara aprender na interacção com o meio
Para Piaget, o objecto da psicologia não se reduz ao simples estudo dos
processos mentais nem se limita ao estudo do comportamento observável.
Para Piaget, o nosso desenvolvimento intelectual não depende
exclusivamente do meio. Nega-se assim a concepção behaviorista que
62TEMA 12
A Jean Piaget, de nacionalidade suíça,
devemos uma obra pioneira no âmbito do
desenvolvimento cognitivo. Formado em
Biologia e publicando o seu primeiro tra-
balho científico (sobre moluscos) pouco
depois dos 10 anos de idade, Piaget co-
meçou a trabalhar no laboratório de Al-
fred Binet, inventor do primeiro teste de
inteligência, em 1918. Durante a tarefa ro-
tineira de medir os resultados dos testes,
Piaget detectou uma certa uniformidade
no modo como crianças pertencentes a
diversas faixas etárias “passavam” ou
“falhavam” em várias secções dos testes.
As crianças da mesma idade tendiam a
cometer o mesmo tipo de erros. Pensou
que na resolução dos testes as crianças
mais jovens – já todas em idade escolar
– poderiam estar a seguir um modo de
pensar distinto do das crianças mais ve-
lhas. A hipótese de que o pensamento
das crianças muda qualitativamente de
cer tos períodos do desenvolvimento
para outros está na origem da ideia de
estádios do desenvolvimento cognitivo.
Piaget aprofundou o seu estudo sobre
o desenvolvimento intelectual das crian-
ças, observando-as e entrevistando-as
(praticou o método clínico e a observa-
ção naturalista), fazendo incidir a sua
atenção nos próprios filhos – desde o
momento em que nasceram foram
pacientemente observados.
Piaget dava à sua teoria o nome de
epistemologia genética porque procura
compreender a génese das estruturas cog-
nitivas que nos permitem compreender o
mundo e realizar a adaptação à realidade.
A sua obra inovadora alterou a forma
de ver o desenvolvimento intelectual des-
de a infância até à adolescência. Hoje em
dia, ou se refuta ou se aprofunda parte
do seu legado. Este foi muito influente
no campo da pedagogia e da elaboração
dos currículos escolares.
Jean Piaget (1896-1980).
reduzia o ser humano a um organismo relativamente passivo que respondia
ao meio quando deste provinha o estímulo apropriado. Nega-se também a
concepção inatista porque esta dá muito pouca importância ao papel do
meio (o inatismo defende que a nossa relação com o meio é determinada
por estruturas inatas ou potencialidades genéticas e não pela interacção en-
tre essas estruturas e o meio). Este psicólogo suíço não é nem partidário do
empirismo nem do inatismo. Definindo o conhecimento como processo de
adaptação ao meio, Piaget entendê-lo-á como um comportamento que
resulta da interacção organismo-meio.
Não somos, portanto, simples produtos do meio (temos um papel ac-
tivo na construção dos esquemas ou estruturas que nos permitem conhecer
e interpretar a realidade para resolver os problemas que ela nos coloca) nem
do nosso programa genético. O indivíduo, mediante as suas acções sobre o
meio, tem um papel na construção do conhecimento e da sua personalidade.
Um dos grandes contributos de Piaget é precisamente o de ter cha-
mado a atenção para a interacção, para a acção recíproca entre factores
endógenos (do sujeito) e exógenos (do meio).
2.1. O conceito de comportamento
segundo Piaget
Devemos a Piaget (em colaboração com outro psicólogo chamado
Fraisse) uma fórmula inovadora de explicar o comportamento humano.
Estudando o desenvolvimento da inteligência, Piaget chegou à conclu-
são de que a nossa evolução intelectual é um processo em que os esquemas e
estruturas mentais se alteram e modificam no contacto com o mundo (os objec-
tos) e o contacto com o mundo se modifica de acordo com os esquemas que
vamos construindo na relação com o meio. Tendo em conta essa conclusão,
Piaget apresentou a seguinte fórmula explicativa do comportamento:
R = f (s ↔↔ p).
Esta fórmula traduz-se do seguinte modo:
O comportamento (R) é uma resposta que varia em função da inter-
acção entre a personalidade do sujeito (P) e a situação (S). Assim, para
compreendermos o comportamento de um indivíduo em determinado
caso, temos de considerar dois factores:
• A influência da personalidade na situação (P -> S).
• A influência das situações anteriormente vividas por alguém na for-
mação da sua personalidade (S -> P).
Construtivismo
O Construtivismo defende a
ideia de que o comporta-
mento e o desenvolvimento
da inteligência resultam de
uma construção progressiva
do sujeito em interacção com
o meio físico e social. Por isso,
esta doutrina também tem o
nome de interaccionismo.
63
Capítulo 2 • Watson e Piaget: O comportamentalismo e o interaccionismo
manual do Professor
Interaccionismo
Modelo teórico que considera
o desenvolvimento como um
processo dinâmico em que,
ao longo dos diferentes está-
dios, se dá a interacção de
factores biológicos (gené-
tico-maturacionais) e ambi-
entais. A oposição heredita-
riedade-meio ou maturação-
-aprendizagem é superada.
Piaget é o psicólogo mais re-
presentativo deste modelo
interpretativo do desenvolvi-
mento.
� Influenciado pela sua
formação de biólogo, Piaget
considerava que possuíamos
duas tendências inatas: a
tendência para combinar e
elaborar as nossas aquisições
cognitivas integrando-as em
sistemas coerentes e a ten-
dência para dar sentido e res-
ponder à realidade envol-
vente de forma adequada à
garantia da nossa sobrevi-
vência. À primeira tendência
deu o nome de organização;
à segunda o nome de adap-
tação. Estas duas tendências
são funções que asseguram o
desenvolvimento cognitivo.
O conhecimento cumpre
uma função de adaptação ao
meio. O conhecimento tem
uma base biológica, atin-
gindo no ser humano a sua
expressão superior. É igual-
mente considerada estrutural
e construtivista porque o su-
jeito tem um papel activo na
constituição do conhecimen-
to, construindo, mediante a
sua actividade sobre o mundo
dos objectos, estruturas ou
esquemas cada vez mais orga-
nizados e mais apropriados
para a adaptação ao meio.
Os factores S e P agem um sobre o outro, isto é, interagem, não podem
ser considerados isoladamente.
Uma mesma situação pode motivar reacções (respostas ou compor-
tamentos) diferentes. Deve dizer-se que uma situação pode motivar diversas
respostas e que diversas situações podem originar um mesmo tipo de res-
posta ou comportamento: assim, alguém pode manifestar alegria porque
ingressou no ensino superior, outra pessoa porque recebeu uma notícia agra-
dável no plano financeiro, outra porque “deu à luz” e outra pessoa porque as
análises estavam negativas. Isso significa, para Piaget, que o comportamento
não é um mero reflexo automático, ou seja, não é uma resposta absoluta-
mente condicionada por um conjunto de estímulos externos.
Sendo assim, a fórmula proposta por John Watson, R = f (s), revela-se
simplista: reduz o comportamento à condição de variável apenas depen-
dente da situação. Há que ter em conta outros factores, já não meramente
externos (os sentimentos do sujeito, o seu temperamento, o seu desenvolvi-
mento intelectual e moral, o modo como assimilou as experiências vividas
na infância, a forma como decorreu a sua educação e socialização).
O construtivismo é uma abordagem psicogenética e interaccionista
do comportamento. Mostra como as estruturas que nos permitem conhecer e
agir sobre a realidade se formam e desenvolvem na interacção com o meio.
O comportamento humano não é algo determinado pelo meio, mas cons-
truído ao longo de um desenvolvimento em que interagem predisposições
biológicas do sujeito (potencialidades genéticas), a aprendizagem efectuada
com os outros e a nossa actividade sobre o meio. O meio, ao contrário do
que pensava o behaviorismo, não é um conjunto de situações independentes
do sujeito que o determinam a agir deste ou daquele modo. O meio é um
“cenário” não absolutamente objectivo porque nele, de algum modo, está
incorporada a actividade humana que o configura. Neste sentido, o homem é
produto e produtor do meio. Por outro lado, para compreender o meio e enten-
der como ele pode influenciar o sujeito, é necessário dar atenção ao sujeito,
conhecer como, por exemplo, se processa o seu desenvolvimento intelectual
e moral. Assim, ao contrário do que pensava Watson, Piaget entende que a
compreensão dos processos mentais (pensamento, raciocínio) e do seu grau
de desenvolvimento é necessária para integralmente esclarecer o comporta-
mento.
Já demos a entender que foi sobretudo o desenvolvimento cogni-
tivo (da inteligência) que ocupou lugar de destaque na reflexão de Piaget.
Passemos à exposição da teoria a que deve renome assinalável.
64TEMA 12
2.2. O desenvolvimento cognitivo
segundo Jean Piaget
2.2.1. Os três princípios em que se baseia a teoria
A teoria de Piaget sobre o desenvolvimento cognitivo ou intelectual
baseia-se em três princípios gerais:
1. O desenvolvimento intelectual implica mudanças qualitativas. A
criança não é um adulto em miniatura, dotado do mesmo equipa-
mento básico, mas com menos aptidões ou com aptidões menos
desenvolvidas. Para Piaget, há uma diferença qualitativa entre o
adulto e a criança quanto ao modo de funcionamento intelec-
tual.
2. O conhecimento é uma construção activa do sujeito. O desenvol-
vimento cognitivo não consiste na recepção passiva da informa-
ção proveniente do meio nem na pura e simples actualização de
um potencial genético e na aplicação de estruturas e esquemas
dados a priori. O construtivismo de Piaget supera quer o empirismo
quer o inatismo. Exceptuando alguns esquemas reflexos simples,
o que há de inato em nós? A necessidade de conhecer, ou seja, de
adaptação ao meio. Conhecer é construir estruturas que possibili-
tem tal adaptação. Como se formam essas estruturas? Mediante a
actividade do sujeito no confronto com o meio. Construtivismo signi-
fica assim que, tendo em conta o processo de maturação, construímosa nossa compreensão da realidade.
3. O desenvolvimento cognitivo é descontínuo, qualitativamente
diferenciado, processando-se ao longo de momentos distintos
denominados estádios.
Segundo Piaget, pensamos e raciocinamos de forma qualitativamente
diferente em diferentes fases do desenvolvimento intelectual. Todos percor-
remos uma sequência estruturalmente invariante de quatro períodos qualita-
tivamente distintos, ou seja, não podemos saltar estádios nem passar por eles
numa ordem diferente. Não obstante, pode variar a idade em que atingimos
cada estádio.
A organização do desenvolvimento segundo estádios significa que a
ordem da progressão não varia e que todos os seres humanos seguem uma
previsível série de transformações.
Estádio
Fase do desenvolvimento que
se distingue qualitativamente
de fases anteriores e posterio-
res. A sucessão dos estádios
obedece a uma sequência
uniforme (não se apreende a
falar antes de aprender a an-
dar, nem a escrever antes de
aprender a falar), embora
cada indivíduo tenha o seu
ritmo próprio. Corresponde ao
surgimento de novos padrões
comportamentais. Cada está-
dio integra as aquisições do
estádio anterior.
�Ver o vídeo do You Tube:Piaget – A tendência cogni-tiva in
http://www.youtube.com
/watch?v=_CGu08gXTC4
65
Capítulo 2 • Watson e Piaget: O comportamentalismo e o interaccionismo
manual do Professor
2.2.2. Os factores que condicionam
o desenvolvimento cognitivo
O desenvolvimento cognitivo, processando-se através de estádios cuja
ordem de sucessão é invariante e cujas aquisições são progressivamente mais
complexas (incorporando enquanto transformadas as aquisições prévias), é
influenciado pela acção combinada dos seguintes factores:
1. A hereditariedade e a maturação física – Piaget refere-se a mudan-
ças biologicamente determinadas no desenvolvimento físico e neu-
rológico que ocorrem de forma relativamente independente em
relação às experiências.
2. A experiência – Por ela entende Piaget, não o simples registo pas-
sivo dos dados da experiência, mas a actividade do sujeito sobre os
objectos – física e mental – que permite distingui-los e organizá-los.
Através dessa actividade, dá-se a formação de estruturas ou de
esquemas que possibilitam a acção e a compreensão da realidade.
3. A transmissão social – Piaget refere-se ao processo através do qual
somos influenciados, não pela nossa actividade própria, mas pelo
contexto social, pela observação dos outros e pela educação.
66TEMA 12
4. A equilibração – Cada novo estádio define-se pelo surgimento de no-
vos esquemas e estruturas ou de estruturas e esquemas mais comple-
xos. A equilibração – conceito a explicitar no próximo ponto – asse-
gura formas de equilíbrio cada vez mais estáveis na adaptação ao meio.
Para Piaget, o desenvolvimento cognitivo implica que a actividade do
sujeito na interacção com o meio responda aos desequilíbrios cognitivos,
procurando atingir um estado de equilíbrio entre a assimilação e a acomoda-
ção, mecanismos de adaptação ao meio. É o que tentaremos explicar.
2.2.3. Como se processa o desenvolvimento cognitivo?
Os instrumentos e os processos fundamentais
Piaget, influenciado pela sua formação em Biologia, via o desenvolvi-
mento cognitivo à imagem dos processos biológicos. A necessidade de co-
nhecer é um impulso inato, uma manifestação particular da necessidade
de sobrevivência. Como só sobrevivemos adaptando-nos ao meio, o desen-
volvimento cognitivo é uma forma de adaptação ao meio. A adaptação
cognitiva ao meio implica mudanças estruturais e funcionais que aumentem
as probabilidades de sobrevivência do organismo individual. Para com-
preender esse processo adaptativo é necessário compreender três conceitos
fundamentais da teoria de Piaget: os conceitos de esquema, de assimilação
e de acomodação.
� O que são esquemas?
Os esquemas são padrões de comportamento e de pensamento que
organizam a nossa interacção com o meio. São padrões de acção e estru-
turas mentais que, organizando a nossa experiência, estão envolvidas na
aquisição de conhecimentos.
Durante os primeiros meses de vida, os esquemas baseiam-se em
acções. Os objectos são agrupados conforme as acções que as crianças reali-
zam. Assim, chupando e agarrando, as crianças criam categorias de objectos
que podem ser chupados e agarrados. Estes esquemas são a forma de as
crianças “marcarem mentalmente os objectos com os quais se relaciona-
ram”.
Os primeiros esquemas estão imediatamente ligados a acções que ‘aqui
e agora’ a criança realiza.Assim, um bebé pode ter um esquema – o de sucção –,
na maior parte dos casos aplicado a mamilos, o esquema ‘agarrar e abanar’ apli-
cado à manipulação de rocas e o esquema ‘sorriso’ aplicável a rostos humanos.
À medida que a criança cresce e se dá o desenvolvimento intelectual, novos e
mais sofisticados esquemas surgem cada vez menos ligados a objectos que
estejam presentes no meio imediatamente envolvente e a acções actuais.
Maturação
A sequência ordenada de mu-
danças determinada pelo pro-
grama genético de um indi-
víduo. O termo refere-se ao
crescimento sistemático do
sistema nervoso e de outras
estruturas do organismo.
EsquemasPadrões de acção e catego-
rias ou estruturas mentais
que organizam a interacção
do sujeito com o meio. A
adaptação envolve a cons-
trução de esquemas através
da interacção com o meio,
sendo possível devido a duas
actividades complementares:
a assimilação e a acomodação.
67
Capítulo 2 • Watson e Piaget: O comportamentalismo e o interaccionismo
manual do Professor
�A partir de um determi-
nado estádio do desenvolvi-
mento, os esquemas consti-
tuem-se baseando-se mais em
relações funcionais e concep-
tuais do que em acções.Assim,
as crianças em idade pré-esco-
lar aprendem que garfos, facas
e colheres formam um esque-
ma ou categoria funcional
denominado ‘coisas que uso
para comer’. Ou aprendem que
gatos e cães constituem uma
categoria mental ou esquema
denominado ‘animais domés-
ticos’.
Tal como as crianças em
idade pré-escolar, outras
crianças e adolescentes usam
esquemas baseados em rela-
ções funcionais e conceptuais.
Os adolescentes constroem
também esquemas baseados
em propriedades abstractas.
Por exemplo, um adolescente
constituirá o esquema ou ca-
tegoria mental ‘ideologias
que desprezo’, aí integrando
o fascismo, o nazismo, o ra-
cismo e o sexismo.
Assimilação
Processo adaptativo que
consiste em incorporar novas
informações nos esquemas
existentes.
Acomodação
Processo adaptativo que
consiste em ajustar os es-
quemas existentes às novas
informações e experiências,
modificando-os. O processo
de assimilação implica sempre
um mínimo de acomodação,
não é pura e simples recepti-
vidade.
Equilibração
O processo que consiste em
procurar estabelecer um
equilíbrio entre assimilação e
acomodação.
� Mecanismos de adaptação ao meio:
assimilação, acomodação e equilibração
A assimilação é o mecanismo que integra ou incorpora novas infor-
mações e experiências em esquemas já existentes.
A assimilação verifica-se quando usamos esquemas existentes para dar
sentido aos novos acontecimentos e experiências. Mediante a assimilação,
respondemos a uma nova situação de modo semelhante ao que adoptámos
numa situação familiar, sem necessidade de modificar os esquemas existen-
tes. Há assimilação quando um novo objecto ou situação suscita uma activi-
dade que já faz parte do nosso repertório. Por exemplo, os bebés usam o
esquema da sucção não só para se alimentarem, mas também para chuchar
no dedo. A criança que aprendeu a segurar num garfo demonstra assimilação
ao segurar numa colher. O esquema do agarrar funciona não só com
bonecos, mas também com blocos de Lego e diversos objectos de pequena
dimensão.
A acomodação é o mecanismo de ajustamento dos esquemas exis-
tentes (ou de criação de novos) quando as novas informações e experi-
ências não podem ser assimiladas.
Se os dados não podem ser incorporados nos esquemas existentes, é
necessário o desenvolvimento de esquemas ou estruturas mais apropriados.
Por exemplo, a criança que aprendeu a agarrar diversos objectos de pe-
quena dimensão com uma mão bem cedo se apercebe de que outros objectos
só podem ser agarrados e erguidos com duas mãos e de que muitos outros não
podem ser levantados. Qualquer progenitor atento sabe que as primeiras vezes
que se dá de comer a uma criança com uma colher são uma experiência des-
concertante para aquela: a criança tenta absorver o conteúdo da colher uti-
lizando um esquema (o da sucção) até aí bem sucedido. Os efeitos são bem
conhecidos. Contudo, em breve a criança aprenderá a adaptar a boca e a lín-
gua ao novo meio de alimentação. Realiza então uma alteração do esquema
que possuía para conseguir responder a uma nova situação; aprender uma
língua estrangeira é igualmente uma boa ilustração do que se entende por
acomodação.
A equilibração consiste em procurar estabelecer um equilíbrio entre
assimilação e acomodação.
As pessoas, periodicamente, atingem um ponto em que os seus esque-
mas já não funcionam adequadamente na resolução de um problema ou na
compreensão de uma situação. Torna-se então necessário construir novos
esquemas – baseados em esquemas anteriores – que sejam mais adaptativos
na relação com o mundo físico e social.
68TEMA 12
Periodicamente, o equilíbrio entre assimilação e acomodação é pertur-
bado, daí resultando um estado de desequilíbrio. Há consciência desse dese-
quilíbrio quando nos apercebemos de que os nossos actuais esquemas já não
são adequados porque passamos muito mais tempo a acomodar do que a assi-
milar. Quando o desequilíbrio ocorre, o sujeito que procura dar sentido às suas
experiências reorganiza os seus esquemas, melhor dizendo, cria novos esque-
mas que lhe permitam responder às novas situações e aos novos desafios da
realidade a que deve adaptar-se. Procura assim um novo estado de equilíbrio.
A este processo deu Piaget o nome de equilibração. Para restaurar o equilí-
brio, os esquemas anteriormente utilizados e agora desadequados são
substituídos por esquemas qualitativamente diferentes, mais avançados e
eficazes na adaptação ao meio.
Uma forma de compreender o processo de equilibração consistirá em
adoptar a metáfora da criança como cientista, algo que Piaget também faz.
Os esquemas ou teorias que as crianças constroem permitem-lhes compre-
ender diversas experiências recorrendo, por exemplo, à predição do que acon-
tecerá (‘São sete e meia da manhã, está quase na hora do pequeno-almoço’)
ou de quem fará algo. Neste caso, imaginemos que a criança interpreta certos
acontecimentos usando este esquema: ‘A mãe foi para o emprego, logo, é o
pai que me vai levar à escola’. Esse esquema (ou teoria) terá de ser modifi-
cado e substituído quando a previsão for desmentida por uma nova situação.
‘O pai pensa que já tenho idade suficiente para ir sozinho para a escola, por
isso não me vai levar’ será o novo esquema.
Vários cientistas ao longo da história consideraram que deter-
minadas teorias continham várias anomalias, isto é, não encontravam a
partir de um dado momento correspondência com os factos. Estes não
se deixavam assimilar por tais esquemas teóricos e as revisões e modi-
ficações efectuadas revelavam-se insuficientes para dar sentido a novos
factos e descobertas que os punham em causa. Por exemplo, quando
Copérnico se apercebeu de que o modelo geocêntrico (a Terra como
centro do universo e das órbitas planetárias) era um esquema manifes-
tamente desadequado para compreender os fenómenos naturais,
reteve o conceito de objecto central ou de centro, mas apresentou
como hipótese explicativa a ideia de que o Sol era o centro e não a
Terra (heliocentrismo). Foi uma mudança fundamental na teoria astro-
nómica até então vigente. De tal modo que não é uma simples altera-
ção ou aperfeiçoamento (acomodação) do anterior modelo, mas um
modelo novo, um novo esquema interpretativo.“Revolução” é o termo
apropriado.
�Excessiva assimilação e
excessiva acomodação impe-
dem ou perturbam o desenvol-
vimento cognitivo. Periodica-
mente, somente novos esque-
mas ou estruturas permitem
que assimilemos e acomode-
mos de modo relativamente
equilibrado. O desejo de equilí-
brio move o desenvolvimento
porque nos conduz a patama-
res superiores de equilíbrio e
por isso de adaptação ao real.
O equilíbrio entre assimilação
e acomodação nunca é abso-
luto.
69
Capítulo 2 • Watson e Piaget: O comportamentalismo e o interaccionismo
manual do Professor
70TEMA 12
D E S E N V O L V I M E N T O E A D A P T A Ç Ã O
O desenvolvimento intelectual ocorremediante a interacção activa com omundo.
As crianças são seres curiosos e automo-tivados para a exploração e descobertados objectos, aprendem interagindo comestes.
São estruturas mentais de tipoqualitativamente superior quepermitem a compreensão de re-gras complexas acerca do modocomo o meio funciona.As opera-ções são capacidades lógicas quese referem a relações ou concre-tas ou abstractas entre esquemas.
O desenvolvimento intelectual é umprocesso.
A inteligência desenvolve-se através deestádios, não nascemos com conhecimen-tos, mas com a necessidade de conhecer.A inteligência modifica-se qualitativa-mente de um estádio para outro.
O bebé utiliza o esquemainato da sucção para retiraro leite da tetina do biberãoou do seio materno.
O bebé está adaptado aomeio.
O bebé encontra um pe-queno copo com leite pelaprimeira vez.
O esquema da sucção nãofunciona, não se revela apro-priado.
O bebé tem de modificar oesquema da sucção de formasignificativa para se alimen-tar.
Adaptado de Grahame Hill, AS Psychology through diagrams
Oxford University Press, 2.ª edição, 2001, p. 34
desequilíbrio
nova situação
equilíbrio
ASSIMILAÇÃO
ACOMODAÇÃO
OPERAÇÕES
Um esquema é uma representa-ção interna de uma acção físicaou mental.
É uma unidade básica do com-portamento inteligente, tornandopossível a interacção com a rea-lidade e a sua compreensão.
Nascemos com alguns esquemasde acções reflexas como sugar ouagarrar e mais tarde desenvolve-mos esquemas mentais simbóli-cos. O desenvolvimento dos es-quemas implica tornarem-semais complexos e versáteis demodo que a nossa adaptação àrealidade seja cada vez maisbem sucedida.
ESQUEMAS
Mecanismo que permi-te a compreensão denovos objectos, situa-ções e ideias medianteesquemas que já pos-suímos sem que sejanecessário modificá--los significamente.
ASSIMILAÇÃO
Mecanismo que per-mite a compreensão denovos objectos, situa-ções e ideias mediantea modificação e ajusta-mento significativosdos esquemas que pos-suímos.
ACOMODAÇÃO
Que estruturas construímos?
Como as construímos?
Cada indivíduo constrói por necessidade e curiosidade a sua compreensão da realidade.
Mediante a interacção com o mundo dos objectos, construímos as estruturas mentais quetornam possível a resolução de problemas e as respostas aos desafios que o meio coloca.
71
Capítulo 2 • Watson e Piaget: O comportamentalismo e o interaccionismo
manual do Professor
A C T I V I D A D E 2
I
Copie as actividades seguintes e preencha
cada um dos espaços em falta:
1. Segundo Piaget, os factores que condicionam o desenvolvimento
cognitivo são: ... .
2. A assimilação e a acomodação são formas de ... da inteligência à
realidade.
3. O processo que consiste em captar dados novos integrando-os nos
conhecimentos que já possuímos tem o nome de ... .
4. O processo mediante o qual modificamos os nossos esquemas em
função das novidades e problemas que encontramos tem o nome de
... .
5. O processo interno que regula a relação entre assimilação e acomo-
dação tem o nome de ... .
6. O desenvolvimento cognitivo é uma ... sempre mais precisa à reali-
dade, desde que haja equilíbrio da assimilação e da acomodação.
II
Assinale as afirmações verdadeiras (V) ou falsas (F).
Justifique a sua opção.
1. A acomodação assegura a flexibilidade e transformação da inteli-
gência.
2. A assimilação dá à inteligência consistência e continuidade.
3. Assimilação e acomodação são mecanismos de adaptação que
funcionam separadamente.
4. A equilibração condiciona todo o processo do desenvolvimento.
5. A equilibração é uma tendência natural da mente para romper o
equilíbrio entre assimilação e acomodação, impedindo que qualquer
delas prevaleça ou predomine.
Soluções
I
1. a hereditariedade e a ma-
turação física; a experiên-
cia; a transmissão social e
a equilibração.
2. adaptação.
3. assimilação.
4. acomodação.
5. equilibração.
6. adaptação.
II
1. Verdadeiro. Sem acomo-
dação não há mudança
nem desenvolvimento.
2. Verdadeiro. Se todos os es-
quemas tiverem de sofrer
transformações substan-
ciais, então nada perma-
nece e não se pode falar
de aquisições cognitivas.
3. Falso. Por pouco que seja,
assimilamos quando aco-
modamos e a acomoda-
ção não exclui completa-
mente a assimilação. O
processo de assimilação
implica sempre um mínimo
de acomodação, não é
pura e simples receptivi-
dade. Quando assimila-
mos, tal actividade exige
um mínimo de acomoda-
ção. Um esquema como o
da sucção, utilizado para
tirar leite de um biberão,
pode ter de sofrer ligeiras
alterações quando se mu-
da de tetina e esta tem
um tamanho diferente e
outro formato.
4. Verdadeiro. Este exige que
acomodação e assimila-
ção coexistam.
5. Falso. É o contrário: asse-
gurar o equilíbrio.
72TEMA 12
Soluções
6. Falso. Nascemos com
alguns esquemas básicos
e elementares.
7. Verdadeiro. O desenvol-
vimento cognitivo é um
processo dinâmico de
adaptação ao meio em
que o sujeito sofre modi-
ficações ao mesmo tempo
que transforma o meio.
8. Verdadeiro. Quando o
desequilíbrio ocorre, o
sujeito que procura dar
sentido às suas experiên-
cias reorganiza os seus
esquemas, melhor dizendo,
cria novos esquemas que
lhe permitam responder
às novas situações e aos
novos desafios da realida-
de a que deve adaptar-se.
Novos esquemas permi-
tem que a assimilação
recupere a sua funcionali-
dade e que se constitua
uma certa estabilidade
cognitiva sem a qual vi-
veríamos relativamente
angustiados. A acomoda-
ção em certa medida con-
tinua, dada a diversidade
e mudança próprias do
mundo, e abre caminho à
inovação. Mas é desejável
que não estejamos sem-
pre a mudar os esquemas
porque seria sinónimo de
viver num mundo instável
e pouco previsível ou en-
tão mal conhecido (desa-
daptação).
9. Verdadeiro. Se não sei
alemão, não tentarei dar
sentido à conversa entre
dois alemães.
10. Verdadeiro. Os mecanis-
mos de assimilação in-
corporam informações
novas e os mecanismos
de acomodação modifi-
cam as estruturas men-
tais existentes.
6. A inteligência humana parte do zero porque à nascença nada temos
para interagir com o meio.
7. O interaccionismo de Piaget significa que o sujeito age sobre o meio
e o meio sobre o sujeito.
8. A equilibração corresponde à procura de um equilíbrio entre os
esquemas cognitivos e a informação proveniente do meio.
9. Em várias situações, não há nem acomodação nem assimilação.
10. Piaget concebe o ser humano como construtor activo do seu próprio
desenvolvimento e conhecimento na interacção com o meio.
2.3. Os estádios do desenvolvimento cognitivo
Piaget dividiu o desenvolvimento cognitivo em quatro grandes estádios,
caracterizados por níveis de adaptação qualitativamente distintos que são
possíveis devido ao progressivo surgimento de novos esquemas, construídos
a partir das experiências do sujeito em estádios precedentes. Os estádios são
os seguintes:
1. Estádio da inteligência sensório-motora (do nascimento aos 2
anos).
2. Estádio da inteligência pré-operatória (dos 2 aos 7 anos).
3. Estádio das operações concretas (dos 7 aos 11 anos).
4. Estádio das operações formais ou abstractas (dos 11 anos em
diante).
� Estádio da inteligência sensório-motora
(do nascimento aos 2 anos)
O primeiro estádio do desenvolvimento cognitivo é assim denominado
porque a inteligência da criança desenvolve-se através de acções motoras e
de actividades perceptivas (baseadas nos sentidos) que captam impressões
sensoriais. Piaget considerava que este período, em que ocorre um extraordi-
nário desenvolvimento intelectual, “era decisivo para todo o seguimento da
evolução psíquica”.
O estádio sensório-motor é o período em que a inteligência é
totalmente prática.
O desenvolvimento cognitivo inicia-se com esquemas de acção reflexa,
tais como agarrar e chuchar. Contudo, progressivamente, e sempre baseada na
acção, numa coordenação motora cada vez maior e na curiosidade que a le-
vam a querer descobrir o mundo, a criança vai desenvolvendo formas de
comportamento mais complexas. Devemos destacar as seguintes:
1. Comportamentos intencionais
Entre os 8 e os 12 meses, se os pais colocarem um boneco em frente
da criança, esta moverá a mão para o agarrar e brincar com ele. O esquema
“mover a mão” é um meio para atingir o objecto, “agarrar o boneco”; “abrir a
boca” um meio para obter comida (o que nem sempre resulta) e chorar uma
forma de chamar a atenção. Em vez de um simples prolongamento de activi-
dades interessantes, trata-se de um uso intencional dos esquemas para atingir
um objectivo. Mediante uma assimilação generalizada, um comportamento
aprendido numa determinada circunstância é utilizado numa nova situação,
diferente, mas suficientemente semelhante para que o comportamento apren-
�As idades são aproximati-
vas porque pode haver dife-
rença quanto à altura em que
cada criança muda de um es-
tádio para o outro. Contudo,
as diferenças cronológicas
não significam que não haja
uma sequência ordenada e
constante. Se aos 20 meses
se pode estar no estádio pré-
-operatório, a ordem de su-
cessão é igual para todos os
indivíduos (1, 2, 3 e 4).
�Assistir ao vídeo Piaget´sStages of Cognitive Deve-lopment in
http://www.youtube.com
/watch?v=LqnnqrCvPTc
Estádio sensório-motor
ou da inteligência
sensório-motora
Estádio em que a inteligência
se adapta ao meio essencial-
mente através de esquemas
sensório-motores (actividade
perceptiva e actos motores).
É o estádio da inteligência
prática.
73
Capítulo 2 • Watson e Piaget: O comportamentalismo e o interaccionismo
manual do Professor
Inteligência prática
Capacidade de organizar as
percepções e os movimentos
em “esquemas de acção” que
não integram ainda concei-
tos ou palavras. Vigora du-
rante quase todo o estádio
sensório-motor, é a sua carac-
terística distintiva. Segundo
Piaget, a inteligência é, assim,
anterior ao pensamento e à
linguagem. O estádio sensó-
rio-motor é, enquanto tal, o
estádio da inteligência prá-
tica anterior ao pensamento
e à linguagem.
dido seja apropriado aos interesses da criança (imaginemos que puxar uma
toalha se revelou um bom meio de alcançar um brinquedo que estava em
cima da mesa, trazendo-o para o chão. Esse comportamento poderá ser utili-
zado para alcançar um pedaço de pão que está na mesa de jantar… junta-
mente com pratos, copos e talheres).
2. Comportamentos experimentais
Dos 12 aos 18 meses, desponta o comportamento de tipo experimental.
Previamente, a criança era capaz de combinar esquemas intencional-
mente (“abrir a boca” e “apontar” para um alimento), mas somente conseguia
combinar um par de cada vez e unicamente quando ocorria uma situação
propícia ao uso dessa combinação. Agora, e como resultado do desenvolvi-
mento da capacidade de coordenação dos esquemas, já não se trata de repe-
tição de antigos esquemas com novos objectos. Se uma acção produz o
resultado desejado, não será simplesmente repetida, mas modificada de
modo a verificar que outros efeitos dela podem resultar. Assim, a criança
pode querer verificar que tipo de sons resultam do facto de agitar, deixar cair
e bater com diferentes objectos (é a aprendizagem por ensaio e erro, fazer
para ver o que acontece – a criança ainda não possui estruturas cognitivas
que tornem possível a previsão ou antecipação dos resultados de uma acção:
tem de experimentar). Com a planificação que minimamente é necessária a
estes comportamentos experimentais, é também exigida uma crescente
aptidão para representar objectos e situações.
A aquisição da noção de permanência do objecto
Que acontecimento marca o fim do estádio sensório-motor? A
aquisição (ou melhor, desenvolvimento completo) da noção de permanência
do objecto (também designada “objecto permanente”).
Até aos 8 meses aproximadamente, a criança não tem a noção de
que um objecto continue a existir independentemente da sua acção e da
sua percepção. Fora de vista significa literalmente, segundo Piaget, fora
da existência. Quando um brinquedo desaparece do campo de visão da
criança, é como se tivesse deixado de existir. Quando reaparece, é como se
tivesse sido recriado. O conceito de permanência do objecto – a crença na
existência independente e estável de um mundo de objectos e pessoas – é
lentamente construído a partir dos 8 meses como resultado da crescente
interacção motora, perceptiva e sensorial da criança com o meio (e também
devido à maturação do sistema nervoso). Por volta dos 18 meses, estará
plenamente adquirida a convicção de que fora do alcance da visão não
significa fora da existência nem fora do pensamento. Por isso mesmo, nesta
fase, as crianças lembram-se do que, por exemplo, deixaram numa visita a
casa da avó e serão capazes de antecipar mentalmente os resultados de uma
acção sem recorrer à experimentação ou manipulação material dos objectos.
74TEMA 12
Qual o significado desta aquisição? O que está nela implícito? O
nascimento da capacidade de representação simbólica que torna possível
pensar e falar de objectos que estão fora do campo da percepção imediata. A
capacidade de representação simbólica permite formar imagens mentais de
objectos e acções quando aqueles não estão presentes e estas não ocorrem
efectivamente. A capacidade de simbolização é um “acontecimento notável”
porque com ela surgem e desenvolver-se-ão o pensamento e a linguagem
(a criança aprende a usar palavras e expressões quando são apropriadas e não
só quando as ouve serem proferidas). Além disso, possibilitando a ultrapassa-
gem do egocentrismo sensório-motor, isto é, a crença ilusória de que a
existência dos objectos depende das acções do sujeito, abre o caminho à for-
mação de um autoconceito: a criança apercebe-se de que a existência estável,
relativamente permanente, não é simples atributo dos objectos e das outras
pessoas, mas também seu.
Noção de permanência
do objecto
Consciência de que os objec-
tos continuam a existir inde-
pendentemente de os ver-
mos, ouvirmos e sentirmos.
Esta aquisição intelectual su-
põe que somos já capazes de
representação simbólica, de
nos referirmos a objectos que
não estão presentes no nosso
campo perceptivo.
75
Capítulo 2 • Watson e Piaget: O comportamentalismo e o interaccionismo
manual do Professor
CARACTERÍSTICAS
Ao longo de seis subestádios, a criança progride de sim-ples actos reflexos para comportamentos sensório-motoresmais complexos.
No início, as respostas do bebé são essencialmente refle-xas, automáticas. A criança repete acções não aprendidas emvirtude do resultado satisfatório que as acompanha. É umaevolução relativa porque já não se trata de um mecanismopuramente reflexo.
O nível seguinte da evolução da inteligência prática con-sistirá em repetir acções aprendidas. Repetem-se acções comobjectos explorando as suas propriedades, como o som e adureza. Surgem os primeiros indícios de comportamentointencional (utilizar uma acção como meio para um fim).
Progressivamente, o comportamento torna-se menosrepetitivo. Entre os 12 e os 18 meses, surge o comportamentoexperimental: adaptação do comportamento a situaçõesespecíficas de forma intencional e mediante o método do“ensaio e erro”.
Há, portanto, uma inteligência anterior ao pensamento eà linguagem: a inteligência prática, baseada nas consequênciasdas acções.
A grande aquisição do estádio sensório-motor é o conceitode objecto permanente ou de permanência do objecto, sinalda emergência da capacidade de representação simbólica.Com tal aquisição termina o estádio sensório-motor, a inteli-gência prática dá lugar à inteligência representativa (interio-rização simbólica das acções, isto é, capacidade de resolvermentalmente problemas e de usar a linguagem), iniciando-seo estádio pré-operatório.
O D E S E N V O L V I M E N T O C O G N I T I V O
• Estádio sensório-motor ou da
inteligência sensório-motora
ESTÁDIO EM QUE A INTELIGÊNCIA
SE ADAPTA AO MEIO ESSENCIALMENTE
ATRAVÉS DE ESQUEMAS SENSÓRIO-
-MOTORES (ACTIVIDADE PERCEPTIVA
E ACTOS MOTORES).
É O ESTÁDIO DA INTELIGÊNCIA PRÁTICA.
Estádio pré-operatório ou do pensamento pré-lógico
Estádio das operações concretas ou do pensamento lógico-concreto
Estádio das operações formais ou do pensamento lógico-abstracto
76TEMA 12
A C T I V I D A D E 3
Assinale as afirmações verdadeiras (V) ou falsas (F).
Justifique a sua opção.
1. A primeira forma de conhecimento é a acção.
2. O conceito de objecto permanente significa neste estádio que
constituímos a memória de um objecto quando ele não está pre-
sente.
3. O conhecimento é uma cópia passiva da realidade.
4. A inteligência prática é a capacidade de organizar as percepções e os
movimentos em “esquemas de acção” que não integram ainda con-
ceitos ou palavras. Vigora durante quase todo o estádio sensório-
-motor, é a sua característica distintiva. Segundo Piaget, a inteligên-
cia é, assim, anterior ao pensamento e à linguagem.
5. Uma aquisição decisiva que se vai desenvolvendo ao longo deste
estádio inicial é a noção de permanência do objecto.
6. A inteligência é anterior ao pensamento e torna-se mais complexa
quando este surge e começa a desenvolver-se.
Soluções
1. Verdadeiro. Os primeiros
esquemas são sensório-
-motores.
2. Verdadeiro. Representar
um objecto é substituí-lo
por símbolos.
3. Falso. Conhecer um objec-
to significa nesta fase agir
sobre ele.
4. Verdadeiro. Há inteligên-
cia na acção.
5. Verdadeiro. Permite o
surgimento da linguagem
e do pensamento.
6. Verdadeiro. Só há pensa-
mento quando há capa-
cidade de representação
simbólica, a capacidade
de representar mental-
mente objectos ausentes.
O pensamento não é só
isto porque será também
a capacidade de manipu-
lar idealmente conceitos
gerais e abstractos, mas é
assim que desponta. Do-
tada de pensamento, a
criança não se limita a
agir sobre os objectos
(como antes), mas repre-
senta-os, isto é, substitui-
-os por símbolos que
valem por esses objectos
e assim pode pensar so-
bre eles, desenhá-los, etc.
Da inteligência prática
passamos à inteligência
representativa ou pensa-
mento.
Estádio pré-operatório
Estádio do desenvolvimento
cognitivo caracterizado pelo
crescente uso do pensamento
simbólico e da linguagem,
mas ainda de forma pré-lógica.
Símbolo
Palavra, gesto ou objecto que
substitui algo, representan-
do-o.
Centração ou pensa-mento egocêntrico
Uma forma de funcionamen-
to mental que consiste numa
versão unilateral e superficial
da realidade. É a característica
típica e a limitação funda-
mental do pensamento pré-
-operatório. A centração não
é uma característica da per-
sonalidade – por isso não é
sinónimo de egoísmo –, mas
um comportamento cognitivo.
�O pensamento mágico
transforma os objectos em
realidades imaginadas de
acordo com o desejo infantil.
Mediante o jogo simbólico, a
realidade perde a sua densi-
dade objectiva.
77
Capítulo 2 • Watson e Piaget: O comportamentalismo e o interaccionismo
manual do Professor
� O estádio pré-operatório
A capacidade de representação simbólica, dita função simbólica ou se-
miótica, assinala o termo do estádio sensório-motor e o começo do estádio
pré-operatório. Este “acontecimento notável” marca o início do pensamento.
A criança (aproximadamente aos 2 anos) começa a desenvolver a capacidade
de representar mentalmente objectos ausentes. Não se limita a agir sobre os
objectos (como antes), mas representa-os, isto é, substitui-os por símbolos
que valem por esses objectos e assim pode pensar sobre eles, desenhá-los, etc.
Da inteligência prática passamos à inteligência representativa ou pensamento.
Piaget considera que o estádio pré-operatório é constituído por dois
períodos distintos:
1. A fase do pensamento pré-conceptual, centrada na imaginação e
por ela dominada (dura dos 2 aos 4 anos).
2. A fase do pensamento intuitivo, centrada na percepção dos dados
sensoriais e a ela submetida (prolonga-se dos 4 aos 7 anos).
A característica geral do pensamento pré-operatório e a razão de ser das
suas limitações é a centração ou egocentrismo (centração em si mesmo). A
centração ou egocentrismo pode ser entendida de dois modos:
a) o sujeito é incapaz de compreender que há várias perspectivas
acerca da realidade e dos objectos, considerando somente o
seu ponto de vista;
b) o sujeito concentra-se num aspecto de um problema ou de uma
situação, ignorando outros aspectos igualmente relevantes.
Ao longo deste estádio, o pensamento egocêntrico vai-se atenuando, mas
não o suficiente para que dê lugar ao pensamento lógico. O pensamento ego-
cêntrico limita a capacidade de raciocínio da criança, a sua compreensão da
realidade e a comunicação com os outros. Vejamos quais as suas manifesta-
ções ou efeitos nos dois subestádios referidos.
O pensamento pré-conceptual
Nesta fase, as crianças parecem pouco preocupadas com a realidade
(os seus desenhos mostram-nos o Sol com cor azul, céus amarelos, carros
flutuando nas nuvens), sendo o seu mundo bastante imaginativo. O pensa-
mento é dominado pela imaginação, isto é, a relação da criança com a reali-
dade centra-se na sua imaginação. O pensamento pré-conceptual vive de
imagens e não de conceitos. É um pensamento mágico, que transforma o
imaginário em realidade.
�A criança que, ao tele-
fone, abana a cabeça para
dar a entender à avó que foi
ao jardim zoológico mani-
festa egocentrismo, tal como
a criança que, sentada em
frente ao televisor, impe-
dindo um bom visionamento
aos pais, julga que não há
problema algum porque con-
segue ver o programa televi-
sivo perfeitamente. Centra-
das em si mesmas, as crian-
ças, enquanto brincam umas
com as outras, comunicam
mais consigo próprias do que
entre si, sobrepondo-se o
monólogo colectivo ao diálogo.
78TEMA 12
Isto significa que há uma incapacidade em distinguir claramente acon-
tecimentos psicológicos de acontecimentos físicos ou externos. Várias carac-
terísticas mentais resultam do predomínio do pensamento mágico:
a) O animismo – tendência para atribuir aos objectos físicos e aos
fenómenos naturais qualidades psicológicas (sentimentos, vontade,
pensamentos e emoções).
O animismo exprime-se em frases como “O Sol está a deitar-se porque
está com sono” e “A minha boneca está doente” e na ideia de que as estrelas que
se vêem no céu à noite iluminam-no para o Sol dormir sem medo da escuridão.
b) O realismo – tendência para atribuir a realidades psicológicas
(desejos, medos, fantasias) uma existência física. Assim, a fada ma-
drinha, o Lobo Mau e o Pai Natal não são ficções.
c) O artificialismo – tendência para acreditar que os objectos físicos e
acontecimentos naturais são produzidos por pessoas: “O céu foi
pintado por um grande artista”.
d) O finalismo – tendência para acreditar que nada acontece por aci-
dente e, sobretudo, que tudo tem uma justificação finalista, isto é,
existe em função do fim que cumpre. Assim, as nuvens movimentam-
-se para encobrirem o Sol, este existe para que não vivamos sempre
de noite, as educadoras do infantário estão lá de manhã, vivem lá,
esperando por mim todos os dias da semana. É típico da criança nes-
ta fase pensar que as pessoas e os objectos existem em função de si.
No plano das relações interpessoais, o egocentrismo – modo de
funcionamento mental pelo qual todos passamos – tem efeitos relati-
vamente desconcertantes:
A criança é incapaz de ver e compreender as coisas admitindo que são
possíveis diferentes pontos de vista.
Não compreende que os outros tenham diferentes ideias e sentimen-
tos – julga que o seu ponto de vista é o único possível.
O pensamento intuitivo
Neste período do estádio pré-operatório, há uma redução do egocen-
trismo porque o pensamento já não é dominado pela imaginação, mas sim
pela percepção. Contudo, a centração ou o egocentrismo continuam a condi-
cionar o funcionamento intelectual. Dessa continuidade há várias evidências:
a) O raciocínio pré-causal – Traduz a dificuldade de entendimento das
relações causa-efeito. Por exemplo, uma criança pode pensar que
um túmulo é a causa da morte porque as pessoas mortas estão lá
enterradas; outra poderá pensar que, estando frio em casa e havendo
lá aranhas, são estas a causa do frio.
Pensamento intuitivo
Tipo de pensamento centra-
do nos aspectos particulares
dos objectos, ainda incapaz
de generalização propria-
mente dita, pouco flexível e
contraditório. Não sendo já
influenciada, como era, pelas
suas fantasias, a criança é
excessivamente influenciada
pela sua percepção das pro-
priedades dos objectos físicos.
�Assistir ao vídeo Piaget –Davidson Films – Não Conser-vação de líquidos in
http://www.youtube.com
/watch?v=i48A2shRzSI
79
Capítulo 2 • Watson e Piaget: O comportamentalismo e o interaccionismo
manual do Professor
b) Dificuldade em distinguir uma classe de objectos de um único objecto.
Confunde o todo com uma das suas partes, o geral com o particular,
identificando todos com alguns. Prevalece o raciocínio transdutivo.
Mais uma vez, fazem-se sentir os efeitos da centração. Com efeito, a
criança baseia a maioria das suas inferências num acontecimento
particular ou num simples atributo de um objecto. Assim, poderá
concluir que, por todos terem volantes, camiões, autocarros e auto-
móveis, são objectos idênticos. Dada a imprecisão da generalização,
o raciocínio não é indutivo, mas transdutivo, isto é, não abandona o
plano do particular, não atinge o conceito geral (“meio de transporte
rodoviário”). Uma criança consegue no jardim zoológico identificar
e nomear um elefante, dado que reconhece características como a
enorme dimensão, a tromba, as grandes orelhas e a cor cinzenta da
pele. Contudo, se mais tarde vir um elefante no circo, julgará que é o
mesmo animal. Pensa que se trata sempre do mesmo animal e não
de dois animais da mesma espécie.
Piaget afirmava que antes dos 7 anos a classificação de objectos em
termos de múltiplos aspectos (forma e cor, por exemplo) e a compreensão das
relações entre classes ultrapassavam a competência das crianças. Noutros
termos, o pensamento pré-conceptual somente será superado quando surgir
o pensamento lógico.
c) O pensamento pré-operatório é caracterizado pela irreversibilidade,
isto é, pela incapacidade de mentalmente inverter uma sequência
de factos e de operações regressando ao ponto de partida. Por isso,
há dificuldades evidentes em compreender conceitos como a
conservação da quantidade, do volume ou do número.
Imaginemos a seguinte situação: mostramos a uma criança de 6 anos
dois copos idênticos e com a mesma quantidade de líquido, algo que a criança
obviamente sabe. Vertamos o líquido de um dos copos para um terceiro copo
diferente, alto e estreito.
Perguntemos à criança qual dos copos tem maior quantidade de
líquido. A resposta será: o copo alto e estreito.
A criança observa dois coposidênticos (com o mesmo diâ-metro e a mesma altura) quecontêm igual quantidade delíquido.
Observa que o líquido de um doscopos passa para um copo maisalto e menos largo.
Interrogada sobre qual dos co-pos contém maior quantidadede líquido, a sua resposta será:“O copo mais alto!”. Confundiua aparência com a realidade.
Ausência de conserva-çãoCaracterística própria de um
pensamento que, baseado na
intuição e não na lógica, não
compreende que há perma-
nência na mudança, confun-
dindo aparência e realidade.
IrreversibilidadeCaracterística do pensamento
pré-operatório que, decor-
rendo do seu egocentrismo,
não consegue retornar ao
ponto de partida e coordenar
mentalmente o estado final
e o estado inicial de um pro-
cesso.
�No estádio pré-operató-
rio, não se consegue perceber
que há transformações rever-
síveis. O sujeito centra-se no
estado final ou no estado ini-
cial de uma transformação,
representa o real de forma
fragmentária, não entende
que há uma continuidade nas
diferenças de estados. Não
possui ainda pensamento re-
versível, isto é, acções interio-
rizadas reversíveis. Contudo,
os sucessivos desmentidos
que a realidade inflige à sua
confiança na percepção redu-
zem progressivamente o po-
der das aparências.
80TEMA 12
A criança do nosso exemplo centra a sua atenção num aspecto do pro-
blema – a altura do copo, ou seja, o nível da água –, ignorando completa-
mente outros aspectos igualmente relevantes. Apesar de já ter uma compre-
ensão básica do conceito de identidade que será desenvolvida no estádio
seguinte, não se apercebe de que uma alteração em dado aspecto pode ser
compensada por uma mudança quanto a outro aspecto. O que realmente
acontece no exemplo apresentado é que uma alteração quanto à altura
(aumenta) do recipiente foi compensada por outra, a diminuição do diâmetro.
A criança notaria que não houve aumento da quantidade de líquido se fizesse
regressar este ao recipiente original (um dos copos baixos e largos), isto é, se
invertesse a operação efectuada. Contudo, o seu pensamento é marcado pela
irreversibilidade, pela incapacidade de mentalmente inverter uma sequência
de factos ou de operações regressando ao ponto de partida. A ausência da
noção de conservação significa incapacidade de reconhecer que certas pro-
priedades das coisas permanecem constantes, apesar da mudança na forma ou
na aparência. Esta limitação do pensamento pré-operatório (apesar de algumas
tarefas respeitantes à conservação serem resolvidas entre os 6 e os 7 anos)
deriva, mais uma vez, da tendência para a centração. Com efeito, a criança do
nosso exemplo centra a sua atenção num aspecto do problema – a altura do
copo, ou seja, o nível da água –, ignorando completamente outros aspectos
igualmente relevantes.
Os erros que a criança comete devem-se ao facto de, por enquanto, a
intuição ou o pensamento intuitivo ser o único instrumento de compreensão
da realidade. O pensamento intuitivo é dominado pelas pretensas evidências
dos sentidos, depende excessivamente da percepção (é elucidativo o exem-
plo que demos acerca do problema da conservação).
81
Capítulo 2 • Watson e Piaget: O comportamentalismo e o interaccionismo
manual do Professor
CARACTERÍSTICAS
Estádio em que não apenas se age (como antes), mas serepresenta a realidade mediante o pensamento e a lingua-gem. O estádio pré-operatório (pré-lógico) divide-se em duasetapas:
1. O pensamento pré-conceptual, cujo conteúdo são imagensmentais e não conceitos. Nesta fase – dos dois aos quatroanos –, o pensamento é dominado pela imaginação e pelafantasia.
2. O pensamento intuitivo, centrado na percepção e não naimaginação – logo, menos egocêntrico –, mas pouco flexí-vel, preso aos acontecimentos particulares, às impressõessensíveis. Impõe-se dos 4 aos 7 anos.
Mais importante do que esta divisão é a compreensão deque, neste estádio, o pensamento é dominado por um com-portamento cognitivo chamado centração ou egocentrismo,que o torna logicamente inconsistente (ausência de proces-sos mentais reversíveis), incapaz de distinguir claramenteeventos psicológicos de eventos físicos ou externos e confun-dindo a aparência com a realidade. Se anteriormente acriança manifestava um egocentrismo sensório-motor, agorao que deve ultrapassar é a tendência para não diferenciar arealidade da sua imaginação e da sua percepção (egocentrismorepresentativo ou pré-operatório).
A centração é a principal característica deste estádio.Dela derivam a predominância do monólogo colectivo sobreo diálogo, a constituição, num primeiro momento, daimaginação como quadro de referência da realidade [com ascaracterísticas mentais correspondentes (realismo, ani-mismo, finalismo e artificialismo, que se poderiam reduzir auma só: antropomorfismo)] e, num segundo momento, dapercepção ou intuição como juiz da realidade (daí decorrendoa incapacidade em compreender o fenómeno da conserva-ção, a confusão entre causa e efeito, a dificuldade emdistinguir o todo das partes (uma classe de objectos de umobjecto).
Mas, apesar de Piaget insistir sobretudo nas limitações,ao longo deste estádio há um crescente domínio da lingua-gem que facilita o uso do pensamento e uma progressivadescentração.
O D E S E N V O L V I M E N T O C O G N I T I V O
Estádio das operações concretas
ou do pensamento lógico-
-concreto
Estádio das operações formais
ou do pensamento lógico-
-abstracto
Estádio sensório-motor ou da inteligência sensório-motora
Estádio em que a inteligência se adaptaao meio envolvente através de esquemassensório-motores (actividade perceptivae actos motores). É o estádio da inteli-gência prática.
Estádio pré-operatório
ou do pensamento pré-lógico
ESTÁDIO DO DESENVOLVIMENTO
COGNITIVO QUE É MARCADO
PELO SURGIMENTO E CRESCENTE USO
DA FUNÇÃO SIMBÓLICA OU SEMIÓTICA
E DO PENSAMENTO.
O PENSAMENTO É UM CONJUNTO
DE ACÇÕES INTERIORIZADAS
QUE REPRESENTAM A REALIDADE
DE FORMA SUPERFICIAL
OU PRÉ-LÓGICA.
82TEMA 12
A C T I V I D A D E 4
Assinale as afirmações verdadeiras (V) ou falsas (F).
Justifique a sua opção.
1. O pensamento intuitivo distingue-se do pensamento pré-conceptual
porque o primeiro é dominado pela fantasia e imaginação e o
segundo submete-se à percepção.
2. O pensamento típico da fase inicial do estádio pré-operatório diz-se
pré-conceptual porque os seus esquemas, desprovidos de genera-
lidade, são mais imagens mentais do que conceitos. Diz-se mágico
porque transforma o imaginário em realidade.
3. O segundo estádio do desenvolvimento cognitivo diz-se pré-opera-
tório porque não há ainda a capacidade de pensar logicamente, ou
seja, de realizar operações sujeitas a princípios e regras lógicas. Pré-
-operatório significa pré-lógico. O pensamento é um conjunto de
acções interiorizadas que representam a realidade de forma superfi-
cial ou pré-lógica.
4. Neste estádio, o pensamento é dominado por um comportamento
cognitivo chamado centração ou egocentrismo, que o torna logica-
mente inconsistente (ausência de processos mentais reversíveis),
incapaz de distinguir claramente eventos psicológicos de eventos
físicos ou externos e confundindo a aparência com a realidade.
5. A limitação básica e geral do estádio pré-operatório é a centração ou
pensamento egocêntrico. Não é uma característica da personali-
dade, mas um comportamento cognitivo.
6. A ausência do conceito de conservação é a característica própria de
um pensamento que, baseado na intuição e não na lógica, não com-
preende que há permanência na mudança, confundindo aparência e
realidade.
7. A irreversibilidade é uma característica do pensamento pré-operató-
rio que, dado o seu egocentrismo, não consegue retornar ao ponto
de partida e coordenar mentalmente o estado final e o estado inicial
de um processo.
Soluções
1. Falso. Confunde-se pen-
samento intuitivo com
pré-conceptual.
2. Verdadeiro. O “conceito”
de cão é uma imagem
que representa um cão e
não a classe dos cães.
3. Verdadeiro. O termo “ope-
ratório”, significa pensa-
mento lógico ou que ope-
ra segundo regras lógicas.
4. Verdadeiro. A incapacida-
de de adquirir a noção de
conservação da quanti-
dade é um exemplo ilus-
trativo.
5. Verdadeiro. Pensamento
egocêntrico não é sinóni-
mo de egoísmo.
6. Verdadeiro. Falta a regra
lógica que diz que uma
coisa tem de ser idêntica
a si própria. A água não
sofre mudança de quanti-
dade por mudar de copo.
7. Verdadeiro. A criança cen-
tra a sua atenção num
aspecto do problema –
por exemplo, a altura do
copo, ou seja, o nível da
água –, ignorando com-
pletamente outros aspec-
tos igualmente relevan-
tes.
Estádio das operaçõesconcretas
Estádio cognitivo em que,
devido à progressiva des-
centração, se desenvolve a
capacidade de pensar logica-
mente, mas não de forma
abstracta.
Operações concretas
Acções mentais, actividades
interiorizadas, submetidas a
regras lógicas, que incidem
em situações presentes ou
reais (efectivas).
�Ver o vídeo O Desenvol-vimento Cognitivo da Criançados 7 aos 11 anos (em espa-nhol) in
http://www.youtube.com
/watch?v=5JjlXo0On7A&
feature=related
83
Capítulo 2 • Watson e Piaget: O comportamentalismo e o interaccionismo
manual do Professor
� O estádio das operações concretas
Característica geral mais importante deste estádio: o pensamento e
o raciocínio ultrapassam a fase pré-lógica. Surge uma forma de pensar
qualitativamente distinta porque a actividade intelectual já não se sub-
mete aos dados da intuição, mas a regras lógicas progressivamente com-
preendidas e interiorizadas. Contudo, se não é a percepção que comanda o
funcionamento intelectual (as operações lógicas), esta ainda é um ponto de
referência indispensável. O pensamento lógico ainda não se emancipou da
realidade concreta (daí o nome de estádio das operações concretas). No
estádio das operações concretas, as operações lógicas efectuam-se sobre
objectos e eventos presentes ou, pelo menos, dos quais já se teve experiência
(nesta fase, o pensamento enquanto actividade simbólica utiliza representações
mentais dos objectos ainda ligadas à imagem mental da actividade percep-
tiva realizada: assim se alguém diz a palavra carro a uma criança entre os 8 e
os 10 anos, ela não pensará propriamente nas propriedades que constituem
a essência desse objecto, mas em algum momento – exterior à actual expe-
riência perceptiva – em que viu um carro).
A aquisição do conceito de conservação – a capacidade de men-
talmente representar a estabilidade no seio da mudança – é o sinal de
que a fase pré-operatória foi ultrapassada. Compreende-se que vazar
líquido de um copo largo e baixo para outro estreito e alto não produz
qualquer aumento do seu volume e que uma bola de plasticina pode ser
transformada numa “salsicha” sem que nenhuma mudança quantitativa se
verifique realmente. Utilizam-se esquemas de pensamento lógico, ultrapas-
sando o pensamento intuitivo. Note-se que, contudo, o conceito de conserva-
ção é compreendido enquanto aplicado a um determinado objecto concreto e
não como aplicação de uma regra geral, aplicável a qualquer objecto conhe-
cido ou não, que enunciaria: “Somente a adição ou a subtracção de uma
porção de um objecto altera a sua quantidade”. Teremos de aguardar pelo
desenvolvimento do raciocínio dedutivo próprio do estádio seguinte.
Segundo Piaget, as aquisições do estádio das operações concretas
derivam de uma transformação estrutural no modo de pensar denomi-
nada descentração. A descentração significa que se é capaz de, ao mesmo
tempo, considerar mais do que um atributo de um objecto e de formar con-
ceitos segundo vários critérios. Não se centrando numa única propriedade de
um objecto, a criança adquire a noção de conservação, isto é, compreende
que alterações em dada dimensão podem ser anuladas, ou melhor, compen-
sadas em outra dimensão.
Assim, a quantidade de líquido, no exemplo dado, mantém-se cons-
tante porque a alteração na altura do copo foi compensada por uma mudança
no seu diâmetro. Esta capacidade de mentalmente anular uma mudança
Conservação
Capacidade de reconhecer
que determinadas proprie-
dades das coisas (quantidade,
peso, volume) permanecem
constantes independente-
mente de alterações de forma,
comprimento ou posição.
Descentração
Capacidade de pensar em
mais do que um atributo de
um dado objecto ao mesmo
tempo (não se centra em
uma dimensão de cada vez).
Classificação
Organizar objectos em deter-
minadas categorias segundo
critérios lógicos.
Seriação
Processo que consiste em or-
ganizar os objectos segundo
uma ordem sequencial e de-
terminado aspecto (dimensão,
peso ou volume).
Raciocínio indutivo
Tipo de raciocínio que, ba-
seado na experiência, atinge
princípios gerais.
84TEMA 12
aparente significa que o pensamento se tornou reversível. A reversibilidadeé um esquema que permite compreender que, se A é maior do que B, então B
é menor do que A. Tal esquema torna relativamente fácil a uma criança rever-
ter uma operação efectuada (7 + 2 = 9) retornando ao ponto inicial (9 – 2 = 7).
A reversibilidade, manifestação do poder de descentração, é o pré-requisito
básico do raciocínio lógico (transformar e manipular mentalmente objectos,
situações e problemas, não perdendo de vista a sua forma original). A reversi-
bilidade dos esquemas mentais possibilita também a compreensão do con-
ceito de causa e o raciocínio causal: a criança capaz de representar mental-
mente que desligar o interruptor faz com que a sala de aulas retorne às suas
condições naturais de iluminação adquire as bases do entendimento da rela-
ção causa-efeito entre interruptor e luz.
A classificação é outra operação dominada durante este estádio.
Organizar a colecção de selos por país ou por tema (e não só de um modo,
como é próprio do estádio anterior) e compreender que uma pessoa pode ser
ao mesmo tempo pai, irmão e avô são exemplos dessa aquisição. Note-se que
a criança não só distingue classes e subclasses de objectos como também a
sua inter-relação. Entende que as rosas são uma subclasse das flores e que por
isso não pode haver mais rosas do que flores. Hierarquiza as classes, ou seja,
consegue perceber o diferente grau de extensão dos conceitos (Bobby, cão e
animal são termos dispostos por ordem crescente: há mais animais do que cães
e mais cães do que Bobbies). A reversibilidade mental é a condição essencial
desta evolução cognitiva particular – não se centrando num aspecto, a criança
dotada de pensamento lógico sabe que há várias formas válidas de classifica-
ção de um grupo de objectos (os botões podem ser classificados segundo a
cor, a dimensão ou o número de buracos).
A seriação é outra das aquisições do estádio das operações concre-
tas e corresponde à ordenação sequencial de objectos segundo um cri-
tério (ordenar objectos do mais largo para o menos largo ou vice-versa).
As crianças do estádio pré-operatório até aos 5 anos conseguem, por exemplo,
dispor um conjunto de tacos de bilhar do mais curto para o mais longo, mas
fazem-no após muitos erros e correcções; as crianças entre os 6 e os 7 anos
obtêm uma solução correcta do problema, dispondo os objectos em pequenas
séries, segundo um plano ordenado. Dos 7 aos 8 anos, a seriação torna-se
uma inferência transitiva: da observação de que o taco A é mais comprido do
que o taco B e de que o B é mais comprido do que C, é possível inferir que A
é mais comprido do que C.
Durante este período do desenvolvimento cognitivo, começa a for-
mar-se e desenvolver-se o raciocínio lógico indutivo, o processo cognitivo
que consiste em atingir um princípio geral a partir dos dados empíricos
particulares. A partir da observação de que acrescentar uma moeda a um
85
Capítulo 2 • Watson e Piaget: O comportamentalismo e o interaccionismo
manual do Professor
grupo de moedas aumenta o seu número, constrói-se, por indução, o princí-
pio geral de que adicionar é aumentar o número ou a quantidade de deter-
minados objectos.
Contudo, o pensamento lógico, neste estádio, ainda está demasiado
preso à realidade concreta e física. É um tipo de pensamento cujo funcio-
namento lógico se baseia em situações e objectos concretos que podem ser
manipulados, classificados e organizados. O pensamento lógico-abstracto,
hipotético-dedutivo, baseado em hipóteses, possibilidades e princípios gerais,
ainda está a caminho.
CARACTERÍSTICAS
No estádio das operações concretas, a inteligência repre-sentativa dá lugar à inteligência operatória, isto é, lógica. Assimples representações mentais, predominantes no estádioanterior, dão lugar a operações mentais. As operações mentaisserão acções interiorizadas que obedecem a regras lógicas.
O pensamento, nesta fase, é incapaz de resolver problemassem pontos de referência concretos, mas torna-se reversível emuito mais descentrado do que anteriormente. A aquisiçãoda noção de conservação ou de identidade é sinal de que sedistingue o real do aparente.
No entanto, não sendo presa fácil das aparências, o pen-samento ainda está preso à realidade concreta, não se dá apassagem do real ao possível.
O pensamento, neste estádio, deixa de ser simplesmenteintuitivo, inflexível ou rígido e contraditório. Torna-se flexívele lógico. Que tipo de lógica caracteriza o pensamento lógico--concreto? A lógica indutiva, a capacidade de a criança, a par-tir das suas experiências concretas e particulares, atingirprincípios gerais.
Adquire-se a capacidade de compreender a inclusão declasses – a capacidade de pensar que os objectos podempertencer simultaneamente a diferentes classes.
A classificação, a seriação, o desenvolvimento do raciocíniocausal, a aquisição das noções de espaço, tempo e velocidade sãoaquisições marcantes desta fase do desenvolvimento cognitivo.
A criança no estádio das operações concretas raciocinalogicamente acerca de coisas que conhece ou que pode ver emanipular, mas tem grande dificuldade e é mal sucedida noque respeita ao raciocínio sobre ideias, possibilidades, situa-ções hipotéticas e princípios abstractos.
Para Piaget, só a partir dos 11 anos se desenvolve o racio-cínio dedutivo, o pensamento lógico-abstracto.
O D E S E N V O L V I M E N T O C O G N I T I V O
Estádio das operações formais
ou do pensamento lógico-
-abstracto
Estádio sensório-motor ou da inteligência sensório-motora
Estádio em que a inteligência se adaptaao meio envolvente através de esquemassensório-motores (actividade perceptivae actos motores). É o estádio da inteli-gência prática.
Estádio pré-operatório ou do pensamento pré-lógicoEstádio do desenvolvimento cognitivoque é marcado pelo surgimento e cres-cente uso da função simbólica ou se-miótica e do pensamento. O pensamentoé um conjunto de acções interiorizadasque representam a realidade de formasuperficial ou pré-lógica.
Estádio das operações concretas
ou do pensamento lógico-
-concreto
FASE DO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO
EM QUE O PENSAMENTO
SE TORNA FLEXÍVEL E LÓGICO,
MAS NÃO CONSEGUE LIBERTAR-SE
DA REALIDADE CONCRETA
(IDENTIFICA O REAL COM O POSSÍVEL,
REDUZ ESTE ÀQUELE).
Raciocínio hipotético--dedutivo
Tipo de raciocínio que, par-
tindo de uma hipótese, dela
retira sistematicamente con-
clusões ou implicações. É
essencial no caminho para as
descobertas científicas e para
a fundamentação e explica-
ção destas mesmas.
Estádio das operaçõesformais
Fase da evolução intelectual
em que se forma e desenvolve
a capacidade de usar concei-
tos abstractos, de pensar a
partir de situações hipotéti-
cas ou possíveis. Predomina
o raciocínio hipotético-dedu-
tivo e a resolução lógica e
sistemática de problemas.
Estádio do pensamentológico-abstracto
Estádio do desenvolvimento
cognitivo em que o pensa-
mento distingue o real do
possível e se torna lógico-de-
dutivo, isto é, capaz de derivar
conclusões lógicas formal-
mente válidas de hipóteses
ou premissas hipotéticas.
�No estádio pré-operatório,
a aparência é a realidade; no
estádio das operações con-
cretas, distingue-se a aparên-
cia da realidade (o que pare-
ce real muitas vezes não o é);
no estádio do pensamento
formal, a distinção dominante
é entre o real e o possível.
Pode dizer-se que o real é
apenas uma hipótese entre
várias possíveis.
86TEMA 12
� O estádio das operações-formais
A característica distintiva deste estádio é o pensamento formal, hipo-
tético-dedutivo. O indivíduo passa a deduzir conclusões a partir de hipóteses
e já não apenas da realidade concreta. Pode agora considerar estados hipoté-
ticos, que podem ser ou não reais, e pensar de forma dedutiva o que acontece-
ria se fossem verdadeiros, como seriam as coisas se certas possibilidades se
tornassem realidade. Situando-se no plano do possível ou do hipotético, o
pensamento da criança ou do adolescente resolverá facilmente problemas
como estes:
1. “Se João tem mais maçãs do que José e menos maçãs do que Joa-
quim, qual deles tem mais maçãs?”;
2. “Se A é mais alto do que B e C mais alto do que A, qual deles é mais
alto?”.
Quem não atingiu o estádio das operações formais terá dificuldades sig-
nificativas (e referimo-nos, como é óbvio, às crianças entre os 7 e os 10 anos),
dada a sua formulação abstracta, afastada da percepção concreta. Só resol-
verá o problema, segundo Piaget, se lhe apresentarem objectos concretos,
produzindo-se a partir deles as suas inferências.
A abertura do pensamento ao possível amplia as suas próprias possibi-
lidades de exercício. Um adolescente, uma pessoa no estádio das operações
formais, seria capaz, a partir da possibilidade abstracta “E se os dinossáurios
fossem ainda vivos?”, de elaborar um raciocínio logicamente organizado so-
bre essa hipotética situação. A criança no estádio das operações concretas –
que utiliza o raciocínio indutivo – teria enorme dificuldade em atribuir sentido
a tal questão e em imaginar cenários possíveis a partir da hipotética existên-
cia dos dinossáurios. A sua resposta, típica de quem está preso ao real no seu
modo de pensar e só distingue entre realidade e aparência, seria: “Não
podem, já morreram há muito”.
A aptidão para aplicar operações mentais a situações hipotéticas
desenvolve o pensamento abstracto e conduz o adolescente a elaborar
teorias, mais ou menos sistematizadas, sobre entidades abstractas como a
justiça, a liberdade, a felicidade, a moralidade, o amor, etc. A distinção entre
o real e o possível dá origem a debates sobre questões morais e filosóficas, a
imaginar mundos diferentes e diferentes ocupações na vida e a questionar a
realidade, sob múltiplos aspectos, tal como ela é.
A diferença em relação ao pensamento lógico-concreto reside no facto
de lidar com hipóteses, possibilidades e conceitos abstractos. Não se exerce
simplesmente sobre o que é (factos concretos), mas especialmente sobre o
que pode ser (hipóteses, possibilidades). As situações não têm de ser experien-
ciadas para poderem ser imaginadas. Perguntem a uma criança, no estádio das
operações concretas, como seria a vida das pessoas se elas não dormissem.
Com certeza diria ‘as pessoas têm de dormir!’. Em contraste, o adolescente,
que domina (nem todos o conseguem) as operações formais tem a capacidade
87
Capítulo 2 • Watson e Piaget: O comportamentalismo e o interaccionismo
manual do Professor
CARACTERÍSTICAS
No estádio das operações formais, o pensamento deixade estar limitado pela experiência de cada sujeito, ou seja,não se limita ao presente nem ao que é.
Um adolescente – um jovem no estádio das operações for-mais – é capaz de raciocinar com sentido acerca de situaçõeshipotéticas (que nunca viveu ou das quais nunca teve experi-ência). Pode pensar acerca de coisas que imagina, de possibi-lidades e não só acerca de coisas que viu ou conhece.
As três aquisições fundamentais do estádio das opera-ções formais são:
a) A distinção entre o real e o possível – amplia o campodos objectos do pesamento.
b) A capacidade de pensar e de raciocinar de forma hipoté-tica-dedutiva, de pensar logicamente acerca de abstrac-ções e de possibilidades (a justiça, a verdade, a naturezada existência, o bem e o mal, a beleza, etc.). O adoles-cente confronta o real com o possível, o que é com oque pode ser e o que é com o que deve ser e assim clari-fica os seus valores e atitudes, componentes im-portantes do processo de formação da sua identidade.
c) A forma sistemática de resolução de problemas – Oadolescente procura sistemática e metodicamente aresposta a uma questão. Coloca hipóteses e testa-as,não omitindo possíveis soluções, recorrendo ao raciocí-nio lógico. A combinação da forma sistemática de resol-ver problemas e do raciocínio lógico-dedutivo é neces-sária para que haja raciocínio científico.
Note-se que a “revolução intelectual” da adolescência épossibilitada pela integração de competências que começa-ram a desenvolver-se em fases anteriores. Em segundo lugar,essa revolução não tem efeitos simplesmente cognitivos.Quando muda a relação cognitiva com a realidade, mudatambém a relação sócio-afectiva com os outros, os juízos devalor sobre a sociedade e o modo como nos vemos a nóspróprios.
O D E S E N V O L V I M E N T O C O G N I T I V O
Estádio sensório-motor ou da inteligência sensório-motora
Estádio em que a inteligência se adaptaao meio envolvente através de esquemassensório-motores (actividade perceptivae actos motores). É o estádio da inteli-gência prática.
Estádio pré-operatório ou do pensamento pré-lógicoEstádio do desenvolvimento cognitivoque é marcado pelo surgimento e cres-cente uso da função simbólica ou se-miótica e do pensamento. O pensamentoé um conjunto de acções interiorizadasque representam a realidade de formasuperficial ou pré-lógica.
Estádio das operaçõesconcretas ou do pensamento
lógico-concretoFase do desenvolvimento cognitivo emque o pensamento se torna flexível elógico, mas não consegue libertar-se darealidade concreta (identifica o real como possível, reduz este àquele).
Estádio das operações formais
ou do pensamento lógico-
-abstracto
ESTÁDIO DO DESENVOLVIMENTO
COGNITIVO EM QUE O PENSAMENTO
DISTINGUE O REAL DO POSSÍVEL E SE
TORNA LÓGICO-DEDUTIVO, ISTO É, CAPAZ
DE DERIVAR CONCLUSÕES LÓGICAS
FORMALMENTE VÁLIDAS DE HIPÓTESES
OU PREMISSAS HIPOTÉTICAS.
�Para uma perspectiva crí-
tica da teoria de Piaget sobre
o desenvolvimento cognitivo
elaborada por um teórico
que se interessou também
pelo desenvolvimento cogni-
tivo, será útil consultar o dos-
siê A teoria de Lev Vigotsky
sobre o desenvolvimento cog-
nitivo.
88TEMA 12
de pensar a partir de hipóteses, exibindo uma aptidão típica do seu estádio:
o raciocínio hipotético-dedutivo. A partir da situação hipotética (as pessoas
não dormem), irá raciocinar dedutivamente (da premissa geral de que
nenhuma pessoa dorme para implicações específicas como horários de
trabalho mais longos, maior consumo de energia eléctrica, novas indústrias
do entretenimento, o fim dos despertadores e das músicas de embalar).
A aptidão para encarar possibilidades abstractas é decisiva para que
haja pensamento matemático e conhecimento científico. Depois do 1.° Ciclo,
grande parte da Matemática refere-se a situações hipotéticas e postulados:
Admitamos que:
‘X = 10’
ou ‘Suponha que x2 + y2 = 22’
ou ‘Dados dois lados de um ângulo adjacente…’
As crianças do 1. ° Ciclo não conseguem raciocinar com base em sím-
bolos abstractos, mas espera-se esse tipo de raciocínio mais tarde.
O estudo das Humanidades também exige o pensamento abstracto.
Bastará ter em conta uma questão como esta: ‘Quais as metáforas que sim-
bolizam o amor, o desespero e a esperança nos sonetos de Camões?’
1. Qual o objecto de estudo da psicologia para Piaget?
O objecto da psicologia é, para Piaget, o estudo da interacçãoentre os processos mentais, o comportamento e o meio. A nossaacção sobre o meio e do meio sobre nós tem como resultado o reforçoe a sofisticação dos esquemas cognitivos e a construção de outros.Para Piaget, o objecto da psicologia não se reduz ao simples estudodos processos mentais nem se limita ao estudo do comportamentoobservável. Definindo o conhecimento como processo de adaptaçãoao meio, Piaget entendê-lo-á como um comportamento que resultada interacção organismo-meio.
2. Que concepção de ser humano está presente nesta teoria?
Concebeu o ser humano como indivíduo que nasce programadopara aprender, mas que não é o simples resultado de processosde aprendizagem. O ser humano é um ser activo, curioso, que pro-cura explorar o seu meio para melhor o conhecer e nele se orientar.Caracteriza-o a necessidade inata de conhecer. Não é o resultadoexclusivo de capacidades geneticamente transmitidas nem somenteda influência de factores sociais e educativos.
89
Capítulo 2 • Watson e Piaget: O comportamentalismo e o interaccionismo
manual do Professor
3. Qual a posição do autor desta teoria acerca dos seguintesconceitos dicotómicos (Inato/Adquirido; Continuidade//Descontinuidade; Estabilidade/Mudança; Interno/Ex-terno; Individual/Social)?
A dicotomia inato/adquirido
O construtivismo de Piaget considera que as estruturas quenos permitem conhecer e agir sobre o mundo se desenvolvem me-diante a maturação biológica e o intercâmbio sujeito-meio. O nossodesenvolvimento intelectual consiste numa série de modificações eadaptações que visam resolver os problemas levantados pelo meio.Supera assim as perspectivas ambientalistas e inatistas. É evidenteque todos nós temos um património genético, mas, exceptuandoalguns esquemas reflexos, nascemos unicamente com a necessidadede conhecer e de aprender para nos adaptarmos ao meio. Os pró-prios mecanismos de adaptação vão sendo aperfeiçoados em virtudedas nossas necessidades, da nossa natural curiosidade e dos desafiosque enfrentamos na relação com o meio. Considera que as estruturasque nos permitem conhecer e interpretar o mundo são retiradas daexperiência e da acção sobre o meio, rejeitando assim a perspectivapuramente ambientalista dos behavioristas. Contra a perspectivainatista, considera que as estruturas e esquemas que organizam aexperiência do meio não estão à partida completamente pré-for-madas. Não há uma dicotomia entre o inato e o adquirido, masinteracção dinâmica.
A dicotomia continuidade/descontinuidade
Segundo Piaget, o desenvolvimento é descontínuo, isto é, o desen-volvimento dá-se ao longo de estádios (fases do desenvolvimentoque se distinguem qualitativamente de fases anteriores e posteriores).A sucessão dos estádios obedece a uma sequência uniforme (não seaprende a falar antes de se aprender a andar nem a escrever antes dese aprender a falar), embora cada indivíduo tenha o seu ritmo próprio.Corresponde ao surgimento de novos padrões comportamentais. Cadaestádio integra as aquisições do estádio anterior. Ou seja, no seio dadescontinuidade há uma certa continuidade.
A dicotomia estabilidade/mudança
Seguindo, na sua teoria, um modelo de inspiração biológica, pro-curou compreender como se dá a evolução da inteligência prática oupré-conceptual (sensório-motora) para a inteligência abstracta(formal, hipotético-dedutiva). Para Piaget, a inteligência era o con-junto de estruturas de que o organismo dispunha numa dada fase doseu desenvolvimento. O desenvolvimento cognitivo é um processoadaptativo em que se procura a equilibração entre dois mecanismos
90TEMA 12
fundamentais (a assimilação e a adaptação). Piaget reconhece que,além da maturação, a aprendizagem é um factor de desenvolvi-mento importante. O desenvolvimento cognitivo é um processo emque o equilíbrio das estruturas cognitivas é cada vez mais estável.Ora, esta progressiva equilibração e estabilização intelectual resultade uma “aprendizagem na acção” (física e mental) sobre objectos esituações. Cada estádio coloca novos problemas e desafios às estru-turas cognitivas que o sujeito construiu, isto é, implica um desequi-líbrio. O que significa alcançar um novo equilíbrio? Significa que seultrapassaram as insuficiências anteriores, que se formaram estru-turas que já permitem respostas adequadas aos desafios e que, apartir do que se aprendeu, há uma reorganização e reestruturaçãomental que nos adapta a novos desafios.
A dicotomia interno/externo
Como já dissemos, Piaget não é nem partidário do empirismonem do inatismo. É construtivista porque afirma que o indivíduo,mediante as suas acções sobre o meio, tem um papel na construçãodo conhecimento e da sua personalidade. É interaccionista porquedefende que o desenvolvimento intelectual e moral é obra do sujeitonas suas interacções com o meio físico e social. Um dos grandes con-tributos de Piaget é precisamente o de ter chamado a atenção paraa interacção, para a acção recíproca entre factores endógenos (dosujeito) e exógenos (do meio). Devemos-lhe também um novo con-ceito de comportamento que é hoje em dia amplamente partilhado.A fórmula R = f (s) que Watson utilizava para definir o comporta-mento é, em Piaget, substituída pela fórmula R = f (s «-» p). O com-portamento é uma resposta que varia em função da interacção entrea personalidade do sujeito e a situação (o meio). A relação sujeito--meio tem um carácter dinâmico (o sujeito não é passivo, não é sim-ples produto do meio). A situação não pode ser encarada indepen-dentemente da personalidade nem a personalidade independente-mente da situação.
A dicotomia individual/social
Para Piaget, a transmissão social é um dos factores do desenvol-vimento cognitivo. Contudo, no parecer de alguns dos seus críticos,Piaget não dá a devida ênfase à natureza social do desenvolvimento.Fica a ideia de que a criança e o jovem são exploradores relativa-mente solitários da realidade, aventurando-se no seu conhecimentoe desenvolvendo as estruturas e esquemas adaptativos. Esta críticatem os seus limites porque Piaget nunca negou (nem podia fazê-lo)que o desenvolvimento cognitivo era influenciado pelo apoio eorientação que as crianças recebem dos pais, de outros adultos e deoutras crianças.
91
Capítulo 2 • Watson e Piaget: O comportamentalismo e o interaccionismo
manual do Professor
A C T I V I D A D E 5
Assinale as afirmações verdadeiras (V) ou falsas (F).
Justifique a sua opção.
1. Segundo Piaget, o desenvolvimento cognitivo corresponde à evo-
lução da inteligência prática para a inteligência abstracta.
2. Segundo Piaget, ocorre uma mudança cognitiva significativa quando
a criança começa a dominar o conceito de conservação.
3. No estádio das operações concretas, as crianças mostram uma forma
de inteligência lógica que se exerce independentemente de os objec-
tos serem vistos ou manipulados.
4. No estádio final do desenvolvimento intelectual, o adolescente re-
vela a capacidade de raciocinar dedutivamente a partir de situações
hipotéticas, bem como a aptidão para formular hipóteses com vista
à resolução de problemas.
5. Se perguntarmos a uma criança no estádio das operações concretas se
há mais cães do que animais, ela responderá que há mais cães do que
animais.
6. O pensamento típico da adolescência é o pensamento puro, indepen-
dente das situações concretas e da acção concreta.
7. Júlia não gosta de cenouras. Ao jantar, a mãe corta duas cenouras em
vários pedaços. Júlia protesta e chora dizendo que antes tinha duas
cenouras e agora tem um monte delas. A reacção de Júlia revela
uma inteligência lógico-concreta.
8. João tinha quatro cartas e trocou-as por uma com o Miguel. Con-
cluiu que ficou com menos cartas do que antes. A sua forma de
pensar é própria do estádio das operações concretas.
Soluções
1. Verdadeiro. O último es-
tádio é o do pensamento
lógico-abstracto.
2. Verdadeiro. A criança re-
vela a capacidade de pen-
samento lógico, compre-
endendo o conceito de re-
versibilidade, e já não faz
juízos meramente com
base naquilo que as coi-
sas parecem ser.
3. Falso. Esta forma de pen-
samento abstracto é pró-
pria do estádio seguinte.
4. Verdadeiro. É dotado de
raciocínio hipotético-de-
dutivo.
5. Falso. Já domina o con-
ceito de inclusão em clas-
ses.
6. Verdadeiro. É um tipo de
pensamento abstracto.
7. Falso. Não domina os con-
ceitos de conservação da
quantidade nem de rever-
sibilidade. Estádio pré-
-operatório.
8. Verdadeiro. O pensamen-
to lógico exerce-se sobre
situações e objectos con-
cretos.
92TEMA 12
A caraterística distintiva deste estádio é a emancipação do pensamento lógicoa respeito do que é ou foi objecto de experiência. O pensamento exerce-se logica-mente sobre ideias, possibilidades e situações hipotéticas: já não se pensa somentesobre coisas reais ou sobre ocorrências factuais.
• Transposição do real para o possível: a reflexão lógica antecipa as eventuaisconsequências de uma acção e especula sobre cenários hipotéticos ou possíveis.
• Capacidade de pensar de forma hipotético-dedutiva: pensamento formal,lógico-dedutivo.
• Resolução sistemática e metódica de problemas.
A capacidade de considerar hipóteses ou premissas hipotéticas delas derivandoresultados ou conclusões logicamente válidas é a base da construção da personali-dade moral e social activa, crítica e interveniente.
Estádio
da inteligência
abstracta,
do pensamento
capaz de operações
lógico-formais
ES
TÁ
DI
O D
AS
OP
ER
AÇ
ÕE
S F
OR
MA
IS
O S E S T Á D I O S D O D E S E N V O L V I M E N T O
C O G N I T I V O E M P I A G E T
As representações mentais dão lugar a esquemas mais complexos, isto é, aoperações mentais. O pensamento adquire características lógicas, liberta-se dasaparências, mas não consegue libertar-se da realidade concreta.
• Pensamento lógico: reversibilidade e descentração.
• Operações mentais: contar, classificar, seriar e medir.
• Aquisição da noção de conservação e dos conceitos de causa, tempo, espaço evelocidade.
Nesta fase do desenvolvimento cognitivo, predomina a lógica indutiva, que sebaseia na observação e na experiência. A compreensão de situações hipotéticas enão simplesmente factuais, isto é, de algo de que não temos experiência, exigiráoutro tipo de procedimento cognitivo: a lógica dedutiva.
Estádio
da inteligência
operativa,
do pensamento
lógico-concretoES
TÁ
DI
O D
AS
OP
ER
AÇ
ÕE
S C
ON
CR
ET
AS
Crescente uso de símbolos para representar objectos e acontecimentos. Desen-volve-se o pensamento representativo que, contudo, é muito pouco flexível, contra-ditório e presa das aparências sensíveis.
• Centração ou egocentrismo do pensamento.
• Função simbólica: linguagem, jogo simbólico.
• Pensamento dominado pela imaginação e pela intuição sensível.
• Pensamento mágico ou pré-conceptual: animismo, realismo, finalismo eartificialismo.
• Pensamento intuitivo: incapacidade de compreensão dos aspectos reversí-veis da conservação; grande dificuldade no entendimento da inclusão declasses; confusão entre aparência e realidade.
Para passar de pré-lógico a lógico, o pensamento terá de adquirir reversibili-dade, isto é, de descentrar-se.
Estádio
da inteligência
representativa
e simbólica,
em que
se desenvolvem
o pensamento
e a linguagem
ES
TÁ
DI
O
PR
É-
OP
ER
AT
ÓR
IO
O conhecimento do mundo e a adaptação à realidade efectuam-se através daacção, da exploração do meio externo, emergindo progressivamente a capacidadede representação simbólica.
• Desponta e consolida-se o comportamento intencional (a coordenação demeios e fins).
• Desenvolve-se o comportamento experimental.
• Adquire-se progressivamente a noção de permanência do objecto ou deobjecto permanente que assinala o nascimento da linguagem, do pensa-mento e a ultrapassagem do egocentrismo sensório-motor.
Estádio
da inteligência
prática,
anterior
ao pensamento
e à linguagem
ES
TÁ
DI
O
SE
NS
ÓR
IO
-M
OT
OR
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