Pesquisas em Educação:
a produção do Núcleo de Etnografia em Educação (NetEDU)
Carmen Lúcia de Mattos Luís Paulo Cruz Borges Paula Almeida de Castro Tatiana Bezerra Fagundes
(Organizadores)
2015
Comitê Científico
Dra. CARMEN LUCIA GUIMARÃES DE MATTOS (UERJ)
Dr. JAMIL AHMAD (UNIV. PAQUISTÃO)
Dr. LUIZ ANTONIO GOMES SENNA (UERJ)
Dra. PAULA ALMEIDA DE CASTRO (UEPB)
Dra. PRISCILA ANDRADE M. RODRIGUES (UFRJ)
Dr. SAMUEL LUÍS VELÁSQUEZ CASTELLANOS (UFMA)
Dra. SANDRA CORDEIRO DE MELO (UFRJ)
Dra. SANDRA MACIEL DE ALMEIDA (UERJ)
Dra. VALENTINA GRION (UNIV. PÁDOVA)
Dra. WALCÉA BARRETO ALVES (UFF)
Sumário
Prefácio Valentina Grion -‐ Università di Padova, Italia O NetEDU e as pesquisas em Educação Carmen Lúcia de Mattos Luís Paulo Cruz Borges Paula Almeida de Castro Tatiana Bezerra Fagundes (Organizadores)
Parte I – Conceitos, teorias e abordagens 1. A cadeia fônica saussuriana e a compreensão de escritas possíveis na contemporaneidade Tatiana Bezerra Fagundes Luiz Antonio Gomes Senna 2. Pobreza e educação: uma análise conceitual. Antonia Valbênia Aurélio Rosa 3. Reflexões e perspectivas sobre a educação de jovens e adultos no Brasil Beatriz Calazans Dounis 4. Um olhar acadêmico das cotas no ensino universitário como forma de ação afirmativa no Brasil Maythe de Bríbean San Martin Pulici 5. Adolescentes em Conflito com a Lei: relato histórico sobre institucionalização e escolarização Aline Menezes de Barros 6. A abordagem de pesquisa etnográfica nos estudos sobre educação Sandra Cordeiro de Melo Parte II – Aspectos metodológicos 7. Entrevista como instrumento de pesquisa nos estudos sobre o fracasso escolar Carmen Lúcia Guimarães de Mattos Paula Almeida de Castro 8. O orientador educacional como pesquisador participante: quando o campo de pesquisa torna-‐se local de trabalho. Edson S. Gomes 9. Um estudo etnográfico sobre as ordenações e relações de gênero no ensino fundamental: analisando conselhos de classe Daiane de Macedo Costa Carmen Lúcia Guimarães de Mattos 10. Relevância do “objeto” nos estudos sobre tecnologia digital e pesquisa etnográfica: análise de conteúdo Thainá Pereira Barros Carmen Lucia Guimarães de Mattos 11. Diálogo entre escola e universidade: um estudo sobre a pesquisa em colaboração
Flávia Mesquita Bernardo da Silva Riselda Maria França de Oliveira Parte III – Vozes da pesquisa 12. Espaços, tempos, sujeitos: uma análise etnográfica dos saberes produzidos em sala de aula Paula Almeida de Castro Carmen Lúcia Guimarães de Mattos 13. As crenças e as atitudes no ato de ler e sua influência na formação leitora de alunos(as) e professores(as) no Maranhão. Samuel Luís Velásquez Castellanos 14. Escola, representações sociais e representação do eu: investigando o cotidiano Walcéa Barreto Alves 15. Repetência: um estudo etnográfico. Suziane de Santana Vasconcellos 16. A situação educacional das mulheres privadas de liberdade: contingencia e ruptura com a escola Sandra Maciel de Almeida 17. A escola como ambiente de (re) produção do conhecimento: olhares e vozes discentes do curso de Pedagogia da UERJ Nathália Masson Bastos Luís Paulo Cruz Borges 18. Computador e educação: percepção e experiências de alunos(as) do curso de Pedagogia da UERJ Juliana Linhares Sobre os autores
O NETEDU E AS PESQUISAS EM EDUCAÇÃO
Carmen Lúcia de Mattos Luís Paulo Cruz Borges Paula Almeida de Castro
Tatiana Bezerra Fagundes (Organizadores)
A consolidação das pesquisas em Educação, com suas diferentes abordagens e
metodologias, tem sido acompanhada por um intenso e profícuo processo de formação
de novos pesquisadores no campo. Os incentivos a esta formação, começados na
graduação com as diferentes modalidades de bolsas (monitoria, iniciação cientifica,
iniciação à docência, estágio interno complementar, inovação tecnológica etc.) e
continuados na pós-‐graduação nos programas de formação de mestres e doutores,
resultam numa quantidade significativa de pesquisas que trazem contribuições
inovadoras e relevantes para os debates que envolvem os princípios, os fins e os
meandros do processo educacional.
Dentre essas pesquisas, destacam-‐se aquelas cujos objetivos estão em trazer para
o contexto acadêmico e de formação de professores e pesquisadores perspectivas,
representações, impressões e reflexões dos sujeitos escolares sobre sua própria
escolarização, sobretudo, os que têm sido vítimas de variados processos de
exclusão/inclusão. Com isto, estas pesquisas buscam contribuir para ampliar as
possibilidades de desenvolvimento de uma prática educativa que seja coerente com as
necessidades dos alunos/as e seus professores/as em sala de aula e fora dela.
A ideia da formação do grupo que dá origem ao Núcleo de Etnografia em
Educação – NetEDU remete ao final da década de 1980 quando, sob a orientação do
professor Paulo Freire, a professora Carmen de Mattos desenvolveu estudos sobre a
identidade de alunos e alunas da zona rural no interior do Estado do Rio de Janeiro
(MATTOS, 1984). A partir de tais estudos, de contatos desenvolvidos após o doutorado
nos Estados Unidos, e dos cursos ministrados em Universidades do Brasil e do Exterior
sobre Etnografia e Educação observou-‐se o interesse de alunos/as e pesquisadores/as
sobre o tema. A implementação do NetEDU, então, ocorreu no ano de 2004 sediado pelo
ProPEd – Programa de Pós-‐graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro UERJ. Portanto, é importante que se estabeleça um espaço-‐tempo que
assegure a pesquisadores/as e alunos/as um acesso mais fácil e uma oportunidade de
intercâmbio no que diz respeito a discussão de tais estudos.
O NetEDU – tem como principal objetivo ser um centro de estudos e projetos
etnográficos em Educação. Dessa forma, pretende-‐se que o núcleo resgate, reúna,
sistematize e divulgue pesquisas que utilizam a abordagem etnográfica de investigação
em suas diversas dimensões teórico-‐epistemológico-‐metodológica como: observação
participante, entrevistas, narrativas, observação da ação cotidiana, histórias de vida, e
outras. Estamos comprometidos com o conceito de etnografia educacional sob a
perspectiva “bottom up” (MATTOS, 1992), levando-‐se em consideração as demandas
que emanam da base para o topo, na dimensão de baixo para cima. Por meio de recursos
etnográficos estuda-‐se os problemas socioeducacionais contemporâneos a partir do
ponto de vista de pessoas comuns e de grupos sociais pouco ou não usualmente
pesquisados.
O NetEDU tem, ainda como objetivo apoiar e incentivar pesquisas de natureza
etnográfica na área educacional; divulgar as pesquisas em andamento promovendo o
intercâmbio desses estudos e dos resultados das investigações; sistematizar e catalogar
pesquisas realizadas sob a ótica da etnografia educacional por pesquisadores no país e
no exterior, dando ênfase ao período a partir dos anos 2000; promover, incentivar e
publicar trabalhos dos grupos de pesquisa associados.
Em que pesem os esforços na tentativa de fomentar uma educação pública que
alcance os sujeitos em seu processo de formação, os resultados das pesquisas realizadas
pelo NetEdu têm apontado para a manutenção da exclusão em diferentes matizes.
Exclusão relacionada às políticas públicas compensatórias para superação do fracasso
escolar e correção da defasagem idade-‐série; às relações estabelecidas na escola, muitas
vezes, invisíveis aos seus atores; exclusão como alienação do direito a uma educação
com condições mínimas para ocorrer.
A partir desses resultados, um conjunto de textos derivados dos estudos de
pesquisadores vinculados ao Grupo de Pesquisa Etnografia e Exclusão em Educação
(GRPq, 2002) foi compilado para compor o presente livro, “Pesquisa em Educação: a
produção do Núcleo de Etnografia em Educação (NetEDU)”. Seu principal objetivo é
problematizar relações, perspectivas, políticas e práticas intraescolares e extraescolares
que concorrem para permanência de um “estado de exclusão” que tem sido parte da
trajetória de muitos sujeitos no país.
Com esta obra, esperamos contribuir para provocar uma atitude reflexiva crítica
por parte das diferentes instâncias envolvidas na educação com vistas a auxiliar na
promoção de políticas e práticas, democráticas, cidadãs e diversas no e para o contexto
escolar.
Os textos compilados para fazer parte desta obra são originários de pesquisas
associadas ao NetEDU ao longo de sua existência. Eles trazem em seu corpo dados,
resultados e reflexões que parecem pertinentes para se compreender os fatores
externos e internos que acarretam a manutenção da exclusão.
Alunos de graduação e pós-‐graduação envolvidos com a área educacional e que
pretendem atuar nela. Professores e pesquisadores dos mais diferentes níveis de
atuação do ensino e interessados nas pesquisas qualitativas de abordagem etnográfica.
Gestores escolares e dos sistemas educacionais.
Neste contexto, este livro foi pensado em um formato virtual, eBook, com três
temas centrais: o primeiro voltado para definições de conceitos, discussões teóricas e
abordagens em pesquisa e ensino-‐aprendizagem. O segundo abrange aspectos
metodológicos em pesquisas qualitativas. Por fim, o terceiro, e último bloco temático,
trata da inclusão das vozes dos participantes como sujeitos da pesquisa. Assim,
esperamos que este livro possa contribuir para ampliar o acervo do campo educacional,
em especial dos processos de ensino e aprendizagem de alunos e alunas da Educação
Básica.
Foreword
Valentina Grion University of Padua (IT)
In times in which research seems to be one of the most effective tools for
innovation and the prosperity of nations, and therefore a necessary means for the
welfare of citizens and of the entire society (European Commission, 2014; Momery,
2004), the training and formation of young scholars starting to undertake careers in
research represents a central aim of education policies, especially of formation
organisms, such as Universities and Doctoral schools and post-‐doc envinroments
(Åkerlind, 2005; Levine, 2007; Young, 2001).
This is one of the main purposes of the NetEDU – Nucleo de Etnografia em
Educação -‐, founded and coordinated by Carmen De Mattos and which the authors of this
book are part of. NetEDU represents for the educational area of Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (UERJ), not only a precious development space for qualitative research
in education and in particular with regard to ethonographic research. It is also a space
where professors, researchers, intenrational academics find opportunities and
initiatives aimed at discussing and sharing materials, articles and research projects. In
addition it represents a fertile terrain for the formation of young scholars towards
research.
The laboratory is a place where students can take part in meetings and collaborative
research projects from the start of their University years, initially with secondary roles
and then gradually taking on roles with greater levels of autonomy and centrality, while
carrying out independent studies with the support and/or under the supervision of
senior researchers.
Besides the usual physical meetings spaces, used by students and by the staff of
Programa de Pós-‐Graduação em Educação (ProPEd), which NetEDU is part of, the
laboratory is structured as a virtual space within a website. Here, research materials are
shared and available, in particular with regard to ethnographic work, in order to
stimulate the sharing and exchange of knowledge, of research results and of reflections
developed both at a national and international level.
The products of this lively “research laboratory”-‐ which was founded in 2004 and which
since then offers weekly meetings besides seminars and both national and international
conferences-‐ make up the scheleton of this monograph.
More specifically, this work is made up of a series of contributions by researchers
with different levels of experience, some who have only just started to enter the field
and others who are considered experts. These contributions have been designed and
planned according to two main aims, which in education research are considered
strongly intertwined and necessary one for the other.
The first aim is related to scientific research: the idea of providing a systematic
picture of a set of investigations carried out during the years of NedEDU, with the double
aim of preserving the memory of the development of ethnographic research within the
laboratory and of reflecting on this kind of path, with a particular view towards those
who are just starting to do ethnographic research.
The second aim relates to teaching and learning practices: it aims at contributing
towards the formation of future and current teachers, by means of a thorough
investigation of themes which are particularly important in the context of Brazilian
schools, such as those of inclusion/exclusion, of gender differences, of violence, of failure
and of school dropout rates. Besides these themes there are also other topics which are
at the centre of interest in international research, such as the positioning of children
within the research processes which investigate children (i.e. Cook-‐Sather, 2014; Fine et
al., 2007; Grion, 2015; Groundwather-‐Smit. Dockett, Bottrell, 2015) and the role of
technologies as engines of innovation-‐ or as a way of preserving a traditional education
model?-‐ in education contexts (Cecchinato, Aimi, Papa, 2014; Grion, De Mattos, 2013;
Morgado, Manjón, Gütl, 2015).
However, what I believe is the greatest potential of NetEDU, and of this monograph, is
the ability of keeping the ties between objects and research methods in education
research and the needs and problems of these contexts of everyday life alive, in
particular with regard to Brazilian schooling.
In line with Young (2001, p. 3) according to whom in the field of education research it is
the broad context «in which we conduct education inquiry presents its own demands»,
the authors offer not only a reflection on “what”, “how” and “with who” ethnographic
research should be carried out, accompanied by ample methodological suggestions.
They also discuss which kinds of knowledge ethnographic research should be oriented
towards in this specific and particular context, so that it can take the form of a
meaningful investigation.
As a matter of fact, education is a research area which provides results which
affect our everyday lives, society and our policies. In this sense, institutions which deal
with the formation of researchers in the field of education studies have the duty to
prepare beginners towards forms of research aimed at improving education and
educational opportunities in real and concrete life contexts. This seems to be the final
aim of the monograph edited by Carmen De Mattos, Luís Paulo Borges, Paula de Castro
and Tatiana Fagundes: to develop research and formation towards research in order to
achieve improvements in both social and school life, in particular with regard to “the last
ones of society”, the “oprimido” (Freire, 1970) in Brazil, thanks to their participation in
the pursuit of such improvements.
References
Åkerlind G.S. (2005). Postdoctoral researchers: roles, functions and career prospects. Higher Education Research & Development, 24,1, p.21-‐40. Cecchinato G., Aimi B., Papa R. (2014). Flipped classroom: intervento in un liceo della provincia di Parma, Qwerty, 9, 2, p. 15-‐29. Commissione Europea (2014). Le politiche dell’Unione europea: Ricerca e innovazione, Lussemburgo: Unione Europea. Cook-‐Sather A. (2014). The trajectory of student voice in educational research. New Zealand Journal of Educational Studies, 49, 2, 131-‐148. Fine M., Torre M. E., Burns A., and Payne, Y. (2007). Youth research/participatory methods for reform. In D. Thiessen & A. Cook-‐Sather (Eds.), International handbook of student experience in elementary and secondary school (pp. 805-‐828). Dordrecht, The Netherlands: Springer. Freire P. (1970), Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra. Grion V. (2015). Fare ricerca in ottica Student Voice, in Gemma C., Grion V. (a cura di) Student Voice. Pratiche di partecipazione degli studenti e nuove implicazioni educative (pp. 263 269). Barletta: Cafagna. Grion V., De Mattos C. (2013). Technolgy, research and education. Qwerty, 8,2, p. 5-‐16. Groundwater-‐Smith S., Dockett S., Bottrell D. (2015), Participatory Research with Children and Young People, Sage, Los Angeles. Levine A. (2007). Educating Researchers. Washington: The Education Schools Project. Momery D. (2004). Universities in National Innovation Systems. Proceedings of the the First Globelics Academy, Ph.D. School on National Systems of Innovation and Economic Development, Lisbon, Portugal 25 May -‐ 4 June 2004 [Reperibile in: http://hdl.handle.net/1853/43173, 8.06.2015] Morgado L., Manjón B. F., Gütl C. (2015). Guest Editorial: Overcoming the Technological Hurdles Facing Virtual Worlds in Education: The Road to Widespread Deployment. Educational Technology & Society, 18 (1), p. 1-‐2. Young L. J. (2001). Border Crossings and Other Journeys: Re-‐Envisioning the Doctoral Preparation of Education Researchers. Educational Researcher, 30, 5, p. 3-‐5.
Parte I – Conceitos, Teorias e Abordagens
A CADEIA FÔNICA SAUSSURIANA E A COMPREENSÃO DE ESCRITAS POSSÍVEIS NA CONTEMPORANEIDADE
Tatiana Bezerra Fagundes Luiz Antonio Gomes Senna
Nos últimos tempos, diria que desde o momento em que a escola se abriu para
atender a maioria da população alijada do direito de frequentá-‐la, tem-‐se observado
uma série de dificuldades na tentativa de levar determinados sujeitos sociais a utilizar a
leitura e a escrita conforme a norma padrão impõe. Nos casos em que a barreira da
leitura é superada, percebe-‐se um obstáculo considerável para fazer a escrita ceder a
norma. Isso parece estar acontecendo porque, na realidade, a suposição de que há um
entidade chamada escrita, tomada quase como algo natural, concernente aos cidadãos
que a compartilham em uma sociedade letrada, é posta imediatamente em questão
quando o que se tem visto são escritas que tem fluído de acordo com as convicções dos
usuários a seu respeito. Considerar essas escritas como algo possível, no entanto, ainda é
algo incomum no âmbito acadêmico e social, mais incomum ainda nos espaços
destinados a ensinar a escrita normativa (SENNA, 2007a).
As escritas têm sido, no mais das vezes, tomadas como erro, como algo
antinatural, reveladora de algum equívoco por parte daqueles que a manifestam. Nesse
sentido, o que se tem acompanhado é uma flagrante desconsideração de qualquer tipo
de registro escrito que se afaste da norma. Neste trabalho, por outro lado, questiona-‐se
se haveria nessas escritas alguma motivação a partir da qual se pudesse compreendê-‐las
em outros termos. Nos estudos de Saussure, um dos maiores defensores do estudo da
língua a partir do lugar legítimo de sua manifestação, a fala, parece que encontramos
indícios de que as escritas que se tem observado nos dias atuais são legítimas.
Encontrar legitimidade em escritas a partir de Saussure, parece, no mínimo,
contraditório, mas, como se tentará demonstrar ao longo do texto, assim como não é
contraditória sua distinção entre língua e fala, mutabilidade e imutabilidade da língua,
não parece haver contradição entre os estudos saussurianos e as possibilidades de
sustentação através deles das escritas manifestas atualmente.
Este trabalho busca, portanto, compreender a natureza das escritas que tem se
percebido na contemporaneidade, à luz do Curso de Linguística Geral de Saussure
(2012). Para isso, no primeiro momento, apresenta os princípios considerados
fundamentais para se entender os elementos presentes na obra de Saussure, que versam
sobre a definição da língua como objeto de estudo e, a partir desta, a defesa da
Linguística como ciência que tem prerrogativa sobre os estudos da língua. Aprofunda-‐se,
em seguida, a discussão sobre a língua e os elementos que a constituem para se chegar
ao signo linguístico e sua existência dual, onde significado e significante se fundem para
formar uma só entidade de ordem psíquica que dá o sentido para a língua em si. Esta
unidade, no entanto, em Saussure, é mais um conceito sendo definido do que
propriamente uma ideia fechada, como se pode supor. A partir dela é que se consegue
discutir, no último tópico, a cadeia fônica saussuriana e as escritas possíveis, através do
entendimento que se deriva de sua construção. Antes disso, porém, apresenta-‐se, ainda,
de modo sucinto, a percepção de Saussure a respeito da escrita e desenvolve-‐se as
argumentações que tornam possível a exposição que encerra o trabalho.
Dos princípios de Saussure e da construção do objeto de estudo da linguística Saussure, em seu Curso de Linguística Geral, teve como principal objetivo
construir e estabelecer a Linguística como ciência com prerrogativa sobre os estudos da
linguagem (p.34) buscando, assim, diferenciá-‐la de outras ciências que também faziam
algum uso da linguagem em seus estudos, como a Etnografia, a Pré-‐História, a Sociologia,
entre outras (p. 38). Para que pudesse fazê-‐lo, preocupou-‐se com dois aspectos, tomados
por ele como fundamentais na construção de uma área de conhecimento científico: a
determinação da natureza de seu objeto de estudo e, a partir deste, um método que fosse
capaz de estudar este objeto.
Suas considerações iniciais, consistem em delimitar a matéria de interesse da
Linguística, que diz respeito a todas as manifestações da linguagem humana, em todas as
suas formas de expressão, nos diferentes momentos históricos por que passou a
humanidade (p.37). A partir dessa delimitação, Saussure, num claro esforço de reflexão e
crítica, buscando manter a coerência interna e externa da teoria que começava a
delinear, passa a construir o objeto de estudo da Linguística, qual seja, a língua. Esta é,
segundo ele, o principal sistema de signos que exprime ideias (2012, p.47; p.108)
As principais características da língua podem ser assim delineadas: o fato de ser
constituída por um sistema que evolui na massa social e no tempo, composta por signos
linguísticos que possuem uma natureza dual, localizado no ponto em que uma imagem
acústica associa-‐se a um conceito; sua exterioridade em relação ao indivíduo, que não
pode criá-‐la ou modificá-‐la num ato particular; sua natureza homogênea, isto é, ela só
existe na união do sentido com a imagem acústica onde ambas as partes são igualmente
psíquicas.
A língua é, finalmente, um objeto concreto, fato que permite, portanto, a
realização de estudos a seu respeito (p.46).
Trata-‐se de um tesouro depositado pela prática da fala por todos os indivíduos pertencentes à mesma comunidade, um sistema gramatical que existe virtualmente em cada cérebro ou, mais exatamente, nos cérebros de um conjunto de indivíduos, pois a língua não está completa em nenhum, e só na massa ela existe de modo completo (p.45).
Não se deve confundir, no entanto, língua e fala. Embora estejam intimamente
relacionadas – para que a fala seja inteligível é fundamental a língua e, para que a língua
se estabeleça, não se pode prescindir da fala, que é produto e instrumento dela – elas
são, para Saussure, absolutamente distintas.
A língua existe na coletividade, sendo igualmente partícipe do cérebro de cada
indivíduo de uma comunidade, podendo ser representada pela seguinte fórmula: 1 + 1 +
1 + 1 . . . = I (padrão coletivo). A fala, por sua vez, depende da vontade do falante e suas
manifestações, entre outras coisas, são individuais e momentâneas. Sob a seguinte
fórmula Saussure representa a fala (1 + 1’ + 1’’+ 1’’’ ...) (2012, pp.51-‐52).
Esta distinção é importante nos estudos saussurianos porque, a partir dela, o
autor define a língua como o objeto próprio dos estudos da Linguística e lança a
possibilidade de existir uma Linguística paralela que se dedicasse aos estudos da fala,
isto é, a Linguística da Fala, que teria como objeto a fala em si considerando-‐a como a
soma do que as pessoas dizem e compreendem (p.52).
Uma vez tendo definido o objeto de estudo da Linguística, fato que já a colocaria
no campo de estudos científicos, Saussure tratou de delinear o método de estudos que
possibilitasse sua compreensão. Tornou-‐se necessário, então, levantar algumas
hipóteses sobre princípios que dessem conta de, minimamente, explicar a natureza do
signo linguístico, unidade primordial na construção da língua, bem como seu caráter
imutável, que não exclui sua imanente mutabilidade.
O signo linguístico, nos estudos saussurianos, como se afirmou acima, é uma
entidade psíquica de duas faces, que se estabelece na união de um conceito (significado)
com uma imagem acústica (significante). Esta imagem acústica, é importante que se
ressalte, não é o som material puramente físico. Trata-‐se, antes, da representação desse
som na psique humana, ou, nas palavras de Saussure “a impressão psíquica desse
som”(p.106). Segundo o exemplo dado pelo autor, esse caráter psíquico da imagem
acústica, doravante chamada de significante, pode ser percebido no simples exercício de
recitação mental de um poema, ou pelo fato de podermos falar conosco, sem que para
isso seja necessário mover lábios e língua.
A união do significante com o significado, por sua vez, é arbitrária e, além disso, o
significante possui um caráter linear, isto é, contínuo. Sobre a arbitrariedade do signo,
Saussure explica: “a ideia de mar não está ligada por relação alguma interior à sequencia
de sons m-‐a-‐r que lhe serve de significante” (p.108). Tal significante poderia ser
substituído, arbitrariamente, por quaisquer outras sequencias. Isso não quer dizer, no
entanto, que o significado dependa da livre escolha do falante, pois, como enfatiza
Saussure, ele faz parte de um grupo linguístico no âmbito do qual é partícipe, quer dizer,
apenas, que o significante “não tem nenhum laço natural com a realidade” (p.109). Em
vez de mar poder-‐se-‐ia dizer verde.
A linearidade do significante reside no fato de que ele se desenvolve com
características que toma do tempo, representando uma extensão que é mensurável em
uma única dimensão: a linha. “[...] os significantes acústicos dispõem apenas da linha do
tempo; seus elementos se apresentam um após o outro; formam uma cadeia” (110).
A arbitrariedade do signo e a linearidade do significante, são dois princípios
saussurianos que regem o signo linguístico e a partir dos quais se derivou o
entendimento sobre sua natureza mutável e imutável. Para Saussure, a imutabilidade do
signo pode ser descrita a partir de quatro pontos. O primeiro ponto é que a própria
arbitrariedade do signo assegura a língua sua imutabilidade, uma vez que não há
possiblidade de a massa social discuti-‐la, pois, para que algo seja posto em xeque, faz-‐se
necessário a existência de uma norma razoável, mais ou menos definida. No caso da
língua, a norma é não ter norma, no sentido de que não há razão para se utilizar a
sequencia b-‐o-‐i para designar o tipo de animal a que chamamos boi. É a arbitrariedade
do signo que leva a essa construção.
O segundo ponto destacado por Saussure é a necessidade de inumeráveis signos
para constituição de uma língua que, de modo distinto da escrita, não são compostos,
como no caso da escrita conhecida como fonética, por uma variação de 20 a 40 letras
que podem ser substituídas por outras.
O terceiro ponto sustenta que a língua, como sistema complexo, só pode ser
compreendida mediante um processo de reflexão que não faz parte do interesse dos
seus usuários comuns. Estes a usam cotidianamente, sem que para isso haja necessidade
de refletir sobre ela.
A língua é manejada e difundida por toda a gente e não se pode, a despeito dessa
gente, revolucioná-‐la. Esse é o quarto ponto destacado por Saussure, a impossibilidade
de haver uma revolução linguística.
Contrária a outras instituições sociais, não se pode supor a língua como um
sistema cujas prescrições seguem um código, como, por exemplo, nos ritos de
determinadas religiões ou nos sinais marítimos que podem ocupar certo número de
indivíduos por um tempo e ser modificado por eles. A língua sofre a todo o momento a
influência de todos, ela “forma um todo com a vida da massa social e esta, sendo
naturalmente inerte, aparece antes de tudo como fator de conservação” (p.114). A
língua, portanto, não se transforma de maneira geral e repentina.
É nessa argumentação que se apoia a ideia de que a língua não é passível de uma
revolução, nisso reside seu caráter imutável. Todavia, não significa, por outro lado, que
ao longo do tempo não vá existir mudanças na língua. “O tempo, que assegura a
continuidade da língua, tem um outro efeito, em aparência contraditório com o primeiro:
o de alterar mais ou menos rapidamente os signos linguísticos”(p.115).
A alteração do signo leva sempre a um deslocamento da relação entre o
significante e o significado (p.116, grifo do autor). Saussure dá um exemplo, entre outros:
o latim necãre, que significa “matar”, resultou na palavra francesa noyer que quer dizer
“afogar”. Percebe-‐se aí uma modificação tanto no significado (conceito) quanto no
significante (imagem acústica), onde é possível verificar que o vínculo entre significante
e significado alargou-‐se e que houve um deslocamento na relação entre ambos.
Dos aspectos imutáveis e mutáveis da língua, resulta sua evolução na massa e no
tempo:
[...] situada, simultaneamente, na massa social e no tempo, ninguém lhe pode alterar nada e, de outro modo, a arbitrariedade de seus signos implica, teoricamente, a liberdade de estabelecer não importa que relação entre a matéria fônica e as ideias (p.116).
Nesta citação encontra-‐se a observação necessária para se compreender que a
Linguística, para entender seu objeto de estudo, a língua, deve considerar, portanto, seu
aspecto sincrônico e diacrônico e não apenas um ou outro, embora cada um desses
aspectos devam ser observados por uma ótica diferente1. Eis o método de estudo da
língua defendido por Saussure.
A Linguística sincrônica deve se dedicar as relações psicológicas e lógicas que
unem termos coexistentes e que formam sistemas comuns a consciência coletiva. A
Linguística diacrônica, por outro lado, deve se ocupar das relações que unem termos
sucessivos imperceptíveis a uma mesma consciência coletiva e que se substituem uns
aos outros (p.142). A observação desses fenômenos se dá quando um fato da fala
transforma-‐se em um fato da língua que só passa a existir a partir do momento em que a
comunidade de falantes os acolhe (p.141).
Um fato de fala pode ser compreendido quando um grupo de indivíduos acolhe
determinado modo de falar uma palavra, expressão, de maneira diferente daquela que
comumente é utilizada pelos falantes de determinada comunidade, sem que isso
provoque alteração na forma como todos os indivíduos dentro dessa mesma
comunidade se comunicam. Todavia, a partir do momento em que o fato de fala é
frequentemente repetido e aceito pela comunidade de falantes em sua coletividade,
torna-‐se um fato da língua e isso é o que interessa aos estudos linguísticos. Um exemplo
de fato da fala que tornou-‐se fato da língua no Brasil é a expressão vossa mercê, um
pronome de tratamento real em Portugal que, aqui se fez vossamecê, vossancê, vosmicê e,
finalmente, você de uso corrente no país, que se transformou em algumas regiões para
adquirir a forma ocê e, mais atualmente, cê cujo significado assemelha-‐se a tu, já em
desuso.
1 A dimensão diacrônica é o tipo de estudo que leva em consideração as transformações ocorridas nos objetos ao longo de sua história no tempo, buscando-‐se, deste modo, analisar as dinâmicas que provocam mudanças no sistema; opõe-‐se a sincronia que estuda o sistema dentro de um só recorte no tempo, estaticamente, sem se preocupar com sua perspectiva evolutiva. Saussure, no entanto, buscava compreender, considerando a dimensão diacrônica da língua, como ele se encontrava em determinado momento na sincronia. Em Saussure, a sincronicidade não exclui a mutabilidade (SENNA, 1994).
Esta observação sobre os fatos supracitados, revelam que o lugar, por excelência,
de manifestação da língua é, pois, a fala, ou, como diz Saussure, a massa de falantes. A
partir da massa, a língua constitui-‐se com seu signo arbitrário, cujos significantes
formam uma cadeia sonora, ou, dito de outra maneira, se estabelecem num continuum.
Este continuum interessa particularmente a este trabalho, porque permite compreender,
a partir de Saussure, o custo de delimitação da fronteira de palavras que tem feito parte
do que temos vivenciado nos espaços de comunicação, sobretudo escrito. Para melhor
compreender este custo, é importante tentar aprofundar um pouco mais a percepção de
Saussure a respeito da relação entre significado e significante no signo linguístico, pois,
nesta relação encontra-‐se indícios da motivação de construções escritas que, no
contexto norma padrão, são tomadas como desvios.
A cadeia fônica contínua e a unidade linguística saussuriana: uma observação A Linguística é a ciência que se ocupa dos signos que compõem uma língua e de
suas relações. O signo, entidade linguística, como o designa Saussure (p.148), só existe na
relação que se estabelece entre significante e significado. Fora dessa relação, não há
signo linguístico (p.147). Para compreendê-‐lo, todavia, assumir a relação simbiótica
entre significado e significante não é suficiente, faz-‐se necessário ir além e, segundo os
estudos saussurianos, delimitar a entidade linguística.
“A entidade linguística não está completamente determinada enquanto não está
completamente delimitada, separada de tudo o que a rodeia na cadeia fônica” (p.148,
grifo no Curso). São estas entidades que, uma vez delimitadas, correspondem as
unidades de estudo da linguística. Esta delimitação, no entanto, não diz respeito aos
limites de sílabas ou de palavras na cadeia fônica. Diferentemente de objetos como
signos visuais que podem coexistir sem que se confundam entre si e sem que haja
nenhuma operação do espírito, não se pode discriminar a unidade linguística a priori
(p.148).
A delimitação do signo linguístico é muito mais complexa, porque se dá no âmbito
da cadeia fônica, que não possui partes significativas em si, ela é, na realidade, “uma tira
contínua, na qual o ouvido não percebe nenhuma divisão suficiente e precisa, para isso,
cumpre apelar para as significações”(p.148)
A língua, portanto,
“[...] não se apresenta como um conjunto de signos delimitados de antemão, dos quais bastasse estudar as significações e a disposição; é uma massa indistinta na qual só a atenção e o hábito nos podem fazer encontrar os elementos particulares. A unidade não tem nenhum caráter fônico especial, e a única definição que se pode dar a ela é a seguinte: uma porção de sonoridade que, com exclusão do que precede e do que se segue na cadeia falada, é significante de um certo conceito” (p.148)
Esta constatação de Saussure se coloca em harmonia com o que é possível
observar no processo de significação que é feito por diferentes sujeitos falantes de uma
mesma língua e o que isso provoca em termos dos estados de escrita2 que estes sujeitos
apresentam (LOPES, 2010), bem como a possibilidade de desenvolver uma compreensão
mais ampla a respeito do porquê isso acontece. Embora Saussure admita que a
delimitação das unidades é um problema tão delicado a ponto de ele mesmo questionar
se elas existem (p.152), fato é que, na cadeia falada e também escrita, é possível
observar uma porção de sonoridade significante de um certo conceito.
Esta porção, no entanto, parece possuir, dentro de um mesmo grupo linguístico,
configurações diversas que dão ao conceito de língua saussuriano, talvez, uma
complexidade ainda maior do que aquela que ele pôde alcançar em seu Curso. Contudo,
as pistas iniciais que Saussure apontou para o entendimento da construção das unidades
concretas, são, de fato, um elemento que tem um potencial de contribuição para o
entendimento dos processos de escrita como discutiremos no próximo tópico. Cumpre
ressaltar que, para além da delimitação do objeto de estudo da linguística e do método
de estudo que deveria ser empregado em sua compreensão, fato que conferiu a
Linguística o status de ciência, com objeto e método próprio, Saussure abriu a
possibilidade de que os estudos da língua deixassem o campo puramente comparativo,
onde o que se buscava eram relações genealógicas entre as várias línguas, encaradas
como um somatório de elementos isolados a partir das quais se buscava uma origem
comum, e se dedicassem a compreensão da língua em si. Esta que só acontece a partir da
massa de falantes.
2 Estados de escrita, em Lopes (2010), são compreendidos como o estado em que a escrita de determinado sujeito social se apresenta a partir do uso do código alfabético. Não se trata, nesse caso, de hipóteses de escrita que, teoricamente, partiriam de X para se chegar a XY, mas de modos de escrita que se denvolvem na intenção comunicativa dos sujeitos, de acordo com sua perpeção, enraizada na fala, a respeito dela.
O predomínio da escrita: o que pensa Saussure a seu respeito e outros aspectos que a envolvem atualmente A escrita, desde a perspectiva de Saussure, não tem condições de significar a
língua e, paradoxalmente, tenta impor-‐lhe normas de funcionamento mediante tentativa
de dominar e aprisionar a fala. Segundo ele “A língua tem, pois, uma tradição oral
independente da escrita e bem diversamente fixa; todavia, o prestígio da forma escrita
nos impede de vê-‐lo” (p.59). Este prestígio da escrita tem se sobreposto à fala e às
tentativas de compreendê-‐la de acordo com os modos como seus usuários a utilizam. Tal
fato pode ser verificado ainda nos dias atuais, que exigem que a fala acompanhe a
normatividade da escrita em determinadas situações. Saussure destacou, na época de
seu curso, a predominância de estudos no campo da Linguística que insistiam em eleger
a escrita como objeto, devido a sua natureza imóvel, o que os impediam de compreender
a língua em si (p.59). O subjugamento da fala, não ocorreu somente no período em que
Saussure apresentou seus estudos e no tempo que o antecedeu, ele continua não só
perceptível, mas causando toda sorte de pressuposições a respeito da oralidade.
Se as teorias formuladas nos tempos saussurianos faziam ascender a escrita em
detrimento da fala, no campo da Linguística, os estudos pós-‐saussurianos elegeram a
língua com o mesmo fim. Todavia, esta língua, foi tendo seu entendimento alargado por
convicções para além da originalidade percebida em Saussure para ser assumida como
língua para si. Daí que, em vez de a massa de falantes ser levada em conta como locus de
manifestação inerente à língua, deu-‐se que a fala foi relegada a um segundo plano
porque, a partir da “língua” seria possível derivar verdades mais objetivas e menos
provisórias. Conforme Senna (2002):
El aprecio por la langue o otros conceptos que reporten a una idealización de la lengua y su estructura contribuirían para aseverar la hegemonía de la verdad científica, negando la existencia de otros modelos mentales de control de la gramática propios de las culturas orales. Jamás se discutió, por ejemplo, si las categorías gramaticales dichas universales – en su mayoría oriundas de la tradición clásica – tendrían otros contrapuntos o otras formas de control no semejantes a los de la cultura científico cartesiana. (p. 414)
Da predominância da escrita, da língua para si e do apreço pelas categorias
gramaticais tomadas como universais, regulando o uso da língua, que, em grande
medida, passaram a ser derivadas da escrita após a perda do domínio grego e da
tentativa de resgatar uma fala clássica mediante estudo da escrita (SENNA, 2002, p.413)
deriva a ideia corrente de que possa existir uma fala correta, isto é, uma fala semelhante
à escrita com todas as suas imposições. Por conseguinte, existiriam falas erradas, ou seja,
falas que se afastam da escrita. Esta percepção a respeito da escrita e da fala provoca o
que comumente se conhece como preconceito linguístico cujas manifestações se
apresentam em diferentes contextos no campo sociocultural (BAGNO, 2013).
Saussure chama a atenção para o predomínio, ou prestígio em suas palavras, da
escrita e explica que este prestígio ocorre porque a imagem das palavras impressiona,
pois apresenta um objeto permanente e sólido para constituir a unidade da língua
através dos tempos, mas, em contrapartida, cria “uma unidade puramente factícia”
(p.59). As impressões visuais, continua ele, são mais nítidas e duradouras que as
acústicas e a imagem gráfica acaba por se impor ao som. Some-‐se a isso o fato de que a
língua literária aumenta a importância da escrita porque possui toda uma
regulamentação que a submete ao uso rigoroso da ortografia (p.59).
A cadeia fônica saussuriana e a construção de escritas possíveis Embora saibamos que fala e escrita possuem diferentes naturezas e motivações,
sabemos também que a escrita, nos dias atuais, tem se apresentado segundo as
convicções que os usuários, alheios as suas regras, tem construído a seu respeito a partir
da aproximação com a cultura escrita (SENNA, 2007b; LOPES, 2010), sobretudo via
espaço escolar.
Em Saussure, observa-‐se o destaque à existência da língua em si, produto social
depositado no cérebro de cada um (p.57) e da língua falada, manifestação legítima da
língua. A escrita é, por outro lado, apenas uma representação da língua e a ela não se
deve dar nenhuma prerrogativa nos estudos linguísticos. Há, no entanto, um elemento
nas considerações de Saussure a respeito da cadeia fônica que nos permite
compreender, na contemporaneidade, determinados tipos de escritas, e isso nos
interessa. Nesse caso, admite-‐se nesse trabalho que não se trata de uma escrita única e
imutável alvo das críticas saussurianas. Trata-‐se, isso sim, de escritas que tem emergido
porque tentam representar a língua falada a despeito de normatizações e regras
ortográficas. São escritas que colocam em evidência no âmbito das discussões teórico-‐
práticas a coerência da ideia saussuriana de cadeia fônica.
Neste trabalho não se pretende aprofundar alguma definição das unidades
saussurianas via cadeia fônica, apenas sugerir que, no âmbito dessa cadeia, as unidades
não são fixas, elas parecem flutuar e o limite da unidade parece, por sua vez, ser
estabelecido por essa flutuação. Tal flutuação permite que o signo linguístico seja
delimitado na cadeia fônica em diferentes momentos sem que haja comprometimento
do seu significado no âmbito da fala e, na escrita, cria diferentes possibilidades de
construção cuja motivação é possível verificar.
Na escrita, há que se ressaltar algum comprometimento na compreensão do que
se quer comunicar em alguns casos, talvez muito mais pela normatização que temos em
nossa mente a seu respeito do que propriamente por um impedimento causado por
algum desvio de comunicação. Grosso modo, pode-‐se dizer que o corte na cadeia do
significante é feito segundo a percepção que cada indivíduo deriva da fala, mas que não
compromete a percepção do signo linguístico dentro do grupo linguístico do qual faz
parte. Esta consideração pode ser percebida a partir de diferentes contextos e, nesse
estudo, elegeu-‐se alguns casos.
Um jovem formado no Ensino Médio, mas cuja experiência de mundo fora
marcada por uma cultura que privilegia a oralidade como princípio de ensinamento e
credibilidade, passou pela escola para adquirir o diploma e um trabalho sem se
interessar pelo aprendizado da escrita normativa padrão, tirando da escola, apenas,
aquilo que julgou necessário para o alcance de seus objetivos profissionais. Trabalha em
um local no qual designa seu superior como “o senhor”. Ao se referir ao “senhor”
durante muito tempo, nada de oblíquo apareceu na comunicação entre ambos. Contudo,
a necessidade que eles tiveram de escrever um para o outro, revelou a seguinte
construção da parte do jovem “ossenhor”, em todos os momentos em que a comunicação
se estabelecia por via da escrita. Esta construção, no entanto, assim como na fala, não
comprometeu a comunicação escrita entre “ossenhor” e o jovem. Ela pode ser indicativa
de que, a flutuação da unidade saussuriana, aliada à cadeia fônica, permitiu tal
construção, sem prejuízo do significado e sem prejuízo, sobretudo, da comunicação
entre ambos. É para isso que nos serve a língua, para nos fazer comunicar. Continua a
não haver, portanto, nada de oblíquo na escrita do jovem que possa desacreditá-‐lo ou
ser indício de que há um problema de comunicação de sua parte. Pode-‐se dizer, por
outro lado, que esta escrita não se enquadra na norma padrão, mas, nem por isso, deixa
de ser escrita comunicativa3. Semelhante coisa pode ser percebida através da leitura dos
poemas de um proeminente poeta nordestino.
Antônio Gonçalves da Silva, mais conhecido como Patativa do Assaré, foi um
poeta sertanejo, nascido no sul do Ceará, em Assaré. Durante sua vida publicou algumas
obras de reconhecida importância para a literatura e para os estudos da língua dentro e
fora do Brasil, entre elas o livro de poesia “Cante lá que eu Canto Cá” organizado pelo
Centro de Documentação, Estudos e Pesquisas (Cendep). Nele, respeitou-‐se a escrita de
Patativa, sem que houvesse uma intervenção ortográfica que pudesse comprometer a
originalidade da obra. A partir do livro supracitado, elencou-‐se duas estrofes de
diferentes poesias que são representativas do que se está sustentando nesse trabalho: o
enunciado de Saussure sobre a cadeia de significante de um certo conceito.
Na primeira poesia, “Mãe Preta”, Patativa conta em versos sua relação com uma
senhora, desde a mais tenra infância, que o cuidava e a quem muito queria. Em uma das
estrofes dessa poesia, relatando os momentos de doença que antecederam a morte de
Mãe Preta, Patativa escreve:
Quando ela pra mim oiava, Como quem sente desgosto,
A minha mão apertava E o pranto banhava o rosto.
Divido este sofrimento, Naquele seu aposento,
No quarto onde ela vivia, Me improibiro de entrá, Promode não magoá
As dô que a pobe sintia.
A segunda poesia “Maria de todo jeito” é uma das quais Patativa descreve a
situação de um sertanejo que sonhava em se casar com uma mulher de nome Maria, pois
acreditava que esta seria santa como o nome evocava. Uma vez casado, no entanto,
percebeu que sua Maria queria apenas ser servida e não gostava do marido, nem atendia
a nenhum de seus pedidos. Na última estrofe da poesia, ele escreve:
E hoje, só, no meu caminho, Vou pensando no ditado:
3 Este relato foi feito a mim durante conversa informal este ano pelo “senhor” que conhece meu interesse na construção de formas de escritas que se apresentam em desarmonia com a norma padrão, mas que, por outro lado, cumprem seu papel em comunicar.
É mió vivê sozinho Do que malacompanhado –
Foi esta a maió lição Passada inriba do chão.
Não fiz meu prano direito, E agora conheço bem
Que este mundo veio tem Maria de todo jeito
Patativa do Assaré permaneceu na escola, onde entrou com doze anos de idade,
por apenas alguns meses, a partir dos quais derivou o entendimento da escrita que se
apresenta em sua poesia. Entre as diversas singularidades que podem ser encontradas
na escrita de Patativa, aquela que nos interessa para efeito desse trabalho são as
aglutinações reveladas em algumas palavras. Nas duas estrofes apresentadas,
percebemos as seguintes palavras “improibiro,” “promode”, “malacompanhado”,
“inriba”. As quatros palavras destacadas são representativas do fato de que o enunciado
não é composto por limites definidos a priori. Na realidade, os limites entre as palavras
são uma invenção da escrita e nada há de natural nisso, como observou Saussure. Se se
quer considerar algo como “natural”, consideremos as escritas que os sujeitos vão
construindo a partir do contato com o código alfabético adaptando-‐o ao modo como sua
língua é falada.
O continuum da cadeia fônica e o corte do significante pode ser representado de
outro modo: nas situações cuja colocação de limites produzam outro signo. Uma
parlenda bastante conhecida por crianças de diferentes gerações, qual seja, “Hoje é
Domingo”, é elucidativa desse caso:
Hoje é domingo Pede cachimbo
o cachimbo é de barro
Bate no jarro o jarro é fino Bate no sino
O sino é de ouro Bate no Touro
O touro é valente Bate na gente
A gente é fraco
Cai no buraco O buraco é fundo
Acabou-‐se o mundo
Em sua primeira estrofe, onde está escrito “Hoje é domingo, pede cachimbo”
existe a delimitação das palavras de acordo com as regras ortográficas da escrita. No
entanto, sem conhecer e poder ler a letra da parlenda, a divisão mais comum, constatada
desde a infância até entre adultos que não tiveram contado com a leitura da mesma é:
Hoje é domingo, pé de cachimbo.
Neste enunciado, a cadeia fônica foi delimitada numa sequencia outra. O próprio
significado do enunciado caracteriza um outro contexto, isto é, outras unidades
significativas que evocam outro signo linguístico. É importante enfatizar, no caso da
parlenda, que não há, como nos casos elucidados anteriormente, uma aglutinação de
palavras que não comprometem o significado a despeito do delimitação feita no
significante – o que se está considerando aqui como a possibilidade de haver uma
flutuação das unidades linguísticas. Na parlenda, há, de fato, um signo linguístico que foi
identificado pelos usuário da língua e não estava pressuposto quando de sua elaboração.
Todavia, uma vez sendo lida, percebe-‐se a intenção de seus enunciados. Por outro lado, a
partir dela, foi possível verificar, mais uma vez, que os limites postos na cadeia fônica
não são fixos a priori, e, ainda, que eles dependem do contexto para sua interpretação.
A parlenda destacada, as palavras dos versos de Patativa do Assaré e a escrita do
jovem exemplificada no primeiro caso desse estudo, nos mostram a dimensão complexa
que envolve o uso da língua e ajudam na compreensão do último exemplo trazido para
este trabalho. Esses fatos assumem uma importância ímpar quando se pensa em
contextos que tem como principal objetivo ensinar a representação escrita da língua de
acordo com a norma padrão e que parecem não estar levando em consideração as
possibilidades de construção de escritas cuja motivação deriva da possibilidade de estas
estarem marcadas pela tentativa de aproximar a língua da escrita.
Chegamos ao último exemplo deste trabalho, à sala de aula da Educação Básica,
lugar de profundo estranhamento dos professores, que em seu que-‐fazer docente tem se
deparado com um número considerável de alunos que apresentam estados de escritas
cada vez mais alheios a norma padrão. Estes, no entanto, parecem ter alguma
possibilidade de compreensão a partir da cadeia fônica saussuriana. Considerando-‐se
que, esses alunos, tentam aproximar sua escrita da língua e que esta, por sua vez, no
âmbito da fala, não possui limites pré-‐estabelecidos entre suas unidades significativas,
suas escritas podem revelar algum sentido.
As escritas abaixo, são representativas dessa tentativa de aproximação, mas que,
se forem consideradas apenas do ponto de vista da escrita normativa padrão, deixam de
ser percebidas em suas peculiaridades para serem apenas consideradas em seus “erros”.
Por outro lado, se fazemos essa leitura a partir dos indicativos teóricos de Saussure,
percebemos, não só sua motivação, mas a coerência dessas escritas. Assim vejamos.
Camilo, aluno do terceiro ano do ensino fundamental, com idade de 13 anos
completos, foi solicitado em minha sala de aula a escrever um convite para que um
amigo comparecesse à sua festa de aniversário. Ele então inicia o convite, após ter
colocado o nome do convidado, da seguinte maneira: “Vaiceleão a mia Festa. Numero 241
pode vim que i qu ze”4.
Nessa frase de Camilo, a partir da qual se pode derivar inúmeras análises do
ponto de vista fonêmico, de representação mental e até mesmo escrito e ortográfico, é
possível verificar a construção de uma escrita que remete diretamente ao modo como
convidamos uma pessoa num bate-‐papo informal. Apesar de vaiceleão, sendo lido fora
do contexto, pareça meramente um amontoado de letras a partir das quais poder-‐se-‐ia
derivar, talvez, as unidades vai ce leão – Vai ser leão (?) – sem nenhuma lógica entre si,
dentro do contexto no qual foi escrito, vaiceleão, remete a expressão “Vai ser legal”. Esta
foi a intenção do aluno ao escrever a frase: dizer que a festa seria legal. A continuidade
da frase de Camilo é compreensível e o outro destaque que se dá a ela são suas últimas
palavras “que i qu ze”, que significam, quem quiser.
Vaiceleão e que i qu ze são construções expressivas para exemplificar o que
Saussure apontou, a respeito da cadeia fônica e, sobretudo, o fato de que os significados
de um significante vão sendo compreendidos à medida que o hábito nos permite
encontrar seus elementos particulares. Dentro do contexto no qual foi escrito o convite,
a representação escrita do aluno pode ser compreendida, desde que haja uma intenção
nesse sentido.
Analisadas por este prisma, as escritas que tem se apresentado em sala de aula
por alunos de diferentes faixas etárias, tiram dela o ranço de uma escrita errada, porque,
do ponto de vista dos estudos da língua saussuriana, elas tem razão de ser, tem sentido e
4 Camilo é um nome fictício, mas trata-‐se de um aluno meu. O caso relatado é representativo de outros tantos comuns às salas de aula por que tenho passado, com alunos de uma faixa etária que tem variado dos 6 aos 14 anos.
motivação. Isso não significa, por outro lado, que devamos abandonar a escrita
normativa que permitiu, inclusive, a publicação do curso de Saussure, e que esta não
deva ser ensinada, mas que devemos começar a olhar atentamente para as escritas que
nossos alunos tem apresentando e, a partir dela, fazer as intervenções necessárias para
que ela possa se aproximar da escrita padrão. Além disso, do ponto de vista dos estudos
linguísticos, talvez possamos encarar essas escritas como novos fatos que estão
emergindo e se abrir para as possibilidades de construção de escritas que não podem
mais ser desconsideradas em nome de uma escrita única, tida, subliminarmente, como
natural.
A leitura em Saussure sobre esse assunto nos trouxe até aqui e, a partir dela,
talvez se possa avançar na tentativa de compreender, em que medida, as escritas que
tentam representar a língua podem vir a transformar um fato de fala, ou, no contexto
que estamos desenvolvendo, um “fato de escrita”, em um fato de língua.
Referências ASSARÉ, Patativa. Cante lá que eu canto cá: filosofia de um trovador nordestino. 17a Ed. Petrópolis: Vozes, 2012. BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. 55a Ed. São Paulo: Loyola, 2013. LOPES, Paula Cid Vidal. Estados de Escrita: contribuições à formação de professores alfabetizadores. 2010. 179f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2010. SENNA, Luiz Antonio Gomes. O conceito de letramento e a teoria da gramática: uma vinculação necessária para o diálogo entre as ciências da linguagem e a educação. D.E.L.T.A., n. 23, p.45-‐70, 2007a. SENNA, Luiz Antonio Gomes. Erro produtivo e segregação cultural: a descrição de estados de desenvolvimento proximal na alfabetização contemporânea. In: SENNA, Luiz Antonio Gomes. Letramento: princípios e processos. Curitiba: IBPEX, 2007b. SENNA, Luiz Antonio Gomes. Por uma ciencia multicultural – la verdad como lenguage proximal. In: CONGRESO INTERNACIONAL EDUCACIÓN E DESARROLLO, 2002. Anais. Actas del Boca del Rio/MX: FESI, 2002. SENNA, Luiz Antonio Gomes. Modelos mentais na linguística pré-‐chomskyana. D.E.L.T.A., v. 10, p. 339-‐372, 1994. SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguística Geral. 34a Ed. São Paulo: Cultrix, 2013.
POBREZA E EDUCAÇÃO: UMA ANÁLISE CONCEITUAL
Antonia Valbenia Aurélio Rosa
A relação entre escola, pobreza e políticas públicas como desafios para uma
educação voltada para o processo de ensino-‐aprendizagem de alunos e alunas em risco
social, e ainda, de que forma o conceito de exclusão social contribui na compreensão das
desigualdades sociais e nas relações do cotidiano escolar são objetos de estudo deste
trabalho. Esse estudo foi do tipo bibliográfico, ao refletir sobre as questões da
contemporaneidade, Castel (2008) discute exclusão social em função do aumento das
desigualdades e na mudança do perfil da pobreza, Paugam (2003) apresenta a nova
pobreza a partir da precarização dos vínculos com o mundo do trabalho, associada à
dimensão histórica e nas trajetórias de vida. O presente artigo é parte dos resultados da
pesquisa Gênero e Pobreza: Práticas, Políticas e Teorias Educacionais -‐ Imagens de
escolas5, Pesquisa do Programa Prociência, desenvolvida pelo Grupo de pesquisa
Etnografia e Exclusão de 2008 a 2010 no Núcleo de Etnografia em Educação (NEtEDU),
da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FE/UERJ),
Programa de Pós-‐Graduação em Educação (ProPEd). Tecemos algumas considerações
em que à pobreza e exclusão social não aparece apenas representadas por números,
para além da dimensão econômica, aparece também, nas dimensões sociais e culturais
da vida humana. Na educação, as análises apontam para a exclusão educacional de
alunos e alunas de contextos sociais desfavorecidos, acredita-‐se ser a escola o espaço
para a superação das desigualdades sociais em que vivem.
No Brasil, a questão das desigualdades sociais pode ser considerada como um
processo que se manifesta nas várias dimensões da vida social dos sujeitos, explicada a
partir de indicadores econômicos e como um conjunto de processos sociais e culturais,
onde as transformações da estrutura social fizeram emergir outras configurações das
desigualdades. Observa-‐se na sociedade brasileira o deslocamento das pessoas no
espaço rural e urbano, ou centro e periferia ocasionado pelas mudanças nas relações de
produção e organização do trabalho, onde estão sujeitos ao desemprego ou dificuldades
de inserção e reinserção social e profissional. Essa situação é resultante do sistema
5 Pesquisa Financiada pelo PROGRAMA PROCIENCIA, FAPERJ/UERJ, 2009-2012.
econômico capitalista que acentua as desigualdades sociais, tendo como característica a
degradação cotidiana dos direitos à cidadania.
Numa sociedade centrada na desigualdade não é difícil perceber, no cotidiano,
situações em que vivem crianças jovens e adultos, em função das dificuldades dos
sujeitos e de suas famílias, onde a pobreza se reveste de uma condição social
desvalorizada e estigmatizada. No entanto, há outras formas de desigualdades “as
diferenciações sociais em função do sexo, da idade, do capital escolar e da origem étnica”
(DUBET, 2001, p.9).
Duas questões são importantes nesse estudo: compreender o conceito de pobreza
relacionada às desigualdades sociais e como se articulam no contexto da escola. A
escolarização contribui na vida social dos sujeitos e, alguns processos excludentes são
muitas vezes determinados pelo acesso e tempo de permanência dos mesmos no
sis
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