UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS
CENTRO DE CIÊNCIAS DO AMBIENTE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DO AMBIENTE E
SUSTENTABILIDADE NA AMAZÔNIA
RAFAEL ILLENSEER
“PESCADORES SEM ÁGUAS”: ESTRATÉGIAS DE ADAPTABILIDADE DOS
PESCADORES ARTESANAIS NO MOSAICO DE ÁREAS PROTEGIDAS DO
BAIXO RIO NEGRO (AM)
MANAUS, AM
II
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS
CENTRO DE CIÊNCIAS DO AMBIENTE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DO AMBIENTE E
SUSTENTABILIDADE NA AMAZÔNIA
“PESCADORES SEM ÁGUAS”: ESTRATÉGIAS DE ADAPTABILIDADE DOS
PESCADORES ARTESANAIS NO MOSAICO DE ÁREAS PROTEGIDAS DO
BAIXO RIO NEGRO (AM)
RAFAEL ILLENSEER
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Ciências do Ambiente e
Sustentabilidade na Amazônia – Nível: Mestrado
Acadêmico, para obtenção do Título de Mestre
em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na
Amazônia, Área de Concentração: Conservação
dos Recursos Naturais
Orientador: Prof. Dr. Henrique dos Santos Pereira
MANAUS
2011
III
FICHA CATALOGRÁFICA
(Catalogação realizada pela Biblioteca Central da UFAM)
I29p
Illenseer, Rafael
“Pescadores sem águas”: estratégias de adaptabilidade dos pescadores
artesanais no Mosaico de Áreas Protegidas do Baixo Rio Negro (AM) / Rafael
Illenseer . - Manaus: UFAM, 2011.
224 f.; il. color.
Dissertação (Mestrado em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na
Amazônia) –– Universidade Federal do Amazonas, 2011.
Orientador: Prof. Dr. Henrique dos Santos Pereira
1. Pesca artesanal - Rio Negro (AM) 2. Recursos pesqueiros - Rio Negro
(AM) 3. Recursos pesqueiros - Políticas públicas - Rio Negro (AM) I. Pereira,
Henrique dos Santos (Orient.) II. Universidade Federal do Amazonas III. Título
CDU 639.21(811.3)(043.3)
IV
RAFAEL ILLENSEER
“PESCADORES SEM ÁGUAS”: ESTRATÉGIAS DE ADAPTABILIDADE DOS
PESCADORES ARTESANAIS NO MOSAICO DE ÁREAS PROTEGIDAS DO
BAIXO RIO NEGRO (AM)
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências do Ambiente e
Sustentabilidade na Amazônia – Nível: Mestrado Acadêmico, para obtenção do Título de
Mestre em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia, Área de Concentração:
Conservação do Recursos Naturais
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________
Profa. Dra.
Elenise Scherer
Universidade Federal do Amazonas
_____________________________________________
Prof. Dr. Henyo Trindade Barreto Filho
Instituto Internacional de Educação no Brasil
______________________________________________
Profa. Dra. Kátia Helena Serafina Cruz Schweickardt
Universidade Federal do Amazonas
V
Em memória de Alberto Horta! Dedicação
aos que pescam e aos que trabalham com
quem pesca (...).
VI
AGRADECIMENTOS
Aos pescadores e lideranças que concederam entrevistas e diálogos frutíferos.
Especial carinho ao Aldenor Sobrinha Barbosa do Sindicato, pelas viagens, conversas,
aprendizados e receptividade, a Pauletiane Horta, pela receptividade e confiança, às
lideranças das colônias e associação dos pescadores, Eugênio, Evandro Cordeiro e
Nazareno, ao sindicalista Júlio Barbosa pelos debates e discussões. Da mesma forma, o
senhor Pedro Torres (Márcio) pelas manifestações.
Agradeço aos riquíssimos depoimentos feitos e conversas: ao Chiquinho e Olavo,
moradores do Rio Cuieiras, Dionísio, Francisco Pagão e Eclesiaste do rio Unini, aos
irmãos Raimundo e Moysés Marques da comunidade Bom Jesus do Puduari, aos irmãos
Raimundo Valente e Edimar, ao Lôro Garcia, Darcimar, Deco, Valter Souza, Acácio,
Roberval e José Pontes.
Ao orientador, Henrique dos Santos Pereira, por estimular a reflexão teórica e
metodológica, pela confiança e leituras minuciosas dos escritos da pesquisa.
Aos amigos que contribuíram na crítica, nas sugestões, no apoio e na amizade
como um todo e no dia a dia: José Basini, Thiago Mota Cardoso e Leonardo Kurihara. Ao
apoio de Mariana Gama Semeghini e Ana Flávia T. Zingra. As leituras e sugestões de
Jasylene de Abreu, Bruno Marchena, prof. Francisco Jorge dos Santos, aos amigos Pablo e
Oscar Sarcinelli (pela disponibilidade). Na trajetória, seja em Novo Airão ou em Manaus,
um agradecimento aos casais Jean-Daniel e Marta, Samuel e Carol; também a Camila
Ferrara, Jaime, Francisco Oliveira, Clarice Bassi, Alexandre Dantas, Rafael, João Bosco,
Guillermo, Sílvia e Adalberto. Aos colegas do mestrado: Dirceu, Luciana e Tijolinho; aos
filósofos, Aderli e Jander; a presença de Michelly, Piquiá, Ana Lúcia e aos demais.
Também a Thaia e Cesinha, ao Marcelo e Carol. Na qualificação, ao prof. Witkoski.
Ainda, às sugestões dadas por Rodrigo Rodrigues de Freitas e ao Pedro Castello Branco.
Agradeço a equipe do IPÊ: Marco Antônio, Nailza, Tina e Jefferson. Ao casal Fernandão e
Rochele; a Merel, Gustavão e Mineiro. Aos amigos (...).
Um agradecimento especial a Aurely P. de Freitas, que acompanhou angústias e
alegrias na luz do Sol ou nas lamparinas da madrugada adentro, aos seus cafés e cafunés. A
sua família, Gilmar e Graça, pelo carinho. E, a minha família, que está longe, no sul do
país aos diferentes hemisférios e meridianos: Maria Helena, Sabine e Maik, ao recém
chegado Victor Elias, tios (as), primos (as) e avós.
VII
VIII
RESUMO
Com área de 7.437.551 km2, o Mosaico do Baixo Rio Negro (MBRN) é formado por onze
unidades de conservação (UC’s) localizadas nos municípios de Barcelos, Manaus e Novo
Airão, no estado do Amazonas. A criação destas áreas protegidas tanto de proteção integral
como de uso sustentável, em diferentes momentos e por diferentes esferas de governo
(união e estado) significou um reordenamento espacial com forte impacto sobre os
territórios tradicionais da pesca artesanal ao (re)definir regras de uso e aceso aos recursos
pesqueiros. A proposta desta pesquisa foi descrever as estratégias de adaptabilidade dos
pescadores artesanais frente aos diferentes sistemas de gestão dos recursos pesqueiros
coexistentes na área do mosaico. Para a obtenção de dados para este estudo de caso em
escala regional recorreu-se a entrevistas abertas com os atores da pesca, observação
participativa em encontros temáticos, e em reuniões de grupos de trabalho e de conselhos
gestores mantidos pelas instituições gestoras das UC, bem como ao levantamento de dados
secundários em documentos institucionais e na literatura científica especializada. A partir
da descrição histórica das mudanças na atividade da pesca na região, identificam-se os
elementos que contribuíram na formação das identidades dos pescadores artesanais atuais e
de seus sistemas locais de manejo da pesca. Os estilos tradicionais de pesca artesanal –
pesca do pirarucu, de quelônios e de peixe-boi - associados ao extrativismo da borracha
foram sendo alterados em razão da falência da economia da borracha, das leis proibitivas
de determinados produtos extrativistas (Código Florestal e Código de Caça) e também em
razão da política de organização e modernização da pesca comercial. As primeiras UC’s
foram criadas na região nos anos de 1980/1981, concomitantemente com a opção
econômica dos moradores pela intensificação da pesca comercial. Ao mesmo tempo, a
formação de comunidades ribeirinhas e o aumento demográfico criaram novas dinâmicas
sociopolíticas na região. Enquanto que comunidades passaram a “defender” os seus
territórios, propondo acordos de pesca e reservas extrativistas, a proteção e fiscalização das
UC’s passou a ser mais rígida. Atores externos, em particular empresários de turismo da
pesca esportiva, passaram a atuar na região e a influenciar políticas públicas que
garantissem a exclusividade de acesso aos recursos pesqueiros em áreas das comunidades.
A identidade de pescador comercial artesanal foi fortalecida pelas políticas de incentivo à
pesca através do empoderamento das organizações locais de representação política dos
pescadores e que passaram a intermediar o acesso ao benefício social do “seguro defeso”.
Essas organizações também contribuíram para que se estabelecessem negociações entre
pescadores e gestores governamentais para a definição e ampliação do acesso aos
territórios de pesca localizados tanto dentro das UCs como nos seus interstícios. Dessa
maneira, os pescadores combinam quatro tendências de estratégias adaptativas:
desmobilização (ou o abandono da atividade da pesca), mobilização (partir em busca de
novas áreas ou alternativas de pesca), clandestinidade (manter atividade sob restrição
Legal) e co-evolutiva (participar ativamente nos espaços políticos de gestão para
formulação dos acordos).
Palavras-chave: Pesca artesanal; Mosaico de Áreas Protegidas; Baixo Rio Negro;
Adaptabilidade.
IX
ABSTRACT
With an area of 7.437.551 km², the Mosaic of the Lower Rio Negro (MBRN) consists of
eleven conservation units (CUs) located in the municipalities of Barcelos, Manaus and
Novo Airão, in Amazonas state. The creation of these protected areas, some of those for
full protection, others for sustainable use, in different times and created by different levels
of government (union and state) meant a reorganization of space with a strong impact on
traditional fishing areas when (re) defined new rules of use and access to fishing resources.
The purpose of this study was to describe the strategies of adaptability of fishers
concerning the different management systems of fisheries co-existing in the area of the
mosaic. To obtain data for this case study on a regional scale were used: open interviews
with the actors of the fishing; participant observation; thematic meetings; and meetings of
working groups and management boards, maintained by the institutions managing the UC,
and as the survey of secondary data, in institutional documents and specialized scientific
literature. From the description of historical changes in fishing activity in the region is
possible to identify the elements that contributed to the formation of identities of the
current artisanal fishermen and their local systems of fisheries management. The traditional
styles of fishing - fishing for bass, turtles and manatees - associated with the extraction of
rubber have been changed due to the failure of the rubber, the laws prohibiting certain
extractive products (forest code and code of fauna ) and also because of political
organization and modernization of commercial fishing. The first UC's were created in the
region in the years 1980/1981, at the same time that the economical choice for residents
about the intensification of commercial fisheries were made. Meanwhile, the formation of
river communities and population growth have created new socio-political dynamics in the
region. At the same time that communities have to "defend" their territory, proposing
arrangements for fishing and extractive reserves, protection and supervision of UC's
became more rigid. External actors, particularly business tourism of sport fishing, became
active in the region and began to influence public policies that guarantee the exclusivity of
access to fishery resources in areas used by communities. The identity of artisanal
commercial fishermen has been strengthened by policies to encourage fishing through
empowerment of local organizations of political representation and the fishermen who
came to mediate access to social benefit known as "insurance defense". These
organizations also contributed to negotiations between fishermen and government officials
to the definition and expansion of access to fishing grounds, located both within PAs and
in the interstices. Therefore, fishermen combine four trends of adaptive strategies:
demobilization (or abandonment of the activity of fishing), mobilization (from looking for
new or alternative fishing areas), underground (maintain activity under legal restraint) and
co-evolutionary (participate actively in political space for the formulation of management
agreements).
Keywords: Artisanal fisheries; Mosaic of Protected Areas; lower Rio Negro; Adaptability.
X
LISTA DE FIGURAS E TABELAS
Figuras Figura 01 Fotos da comunidade Bom Jesus do Puduari e de comunidades do Rio Jauaperi............. 18
Figura 02 Gráfico sobre a evolução do crescimento demográfico entre 1980 a 2010 ...................... 19
Figura 03 Mapa sobre o mosaico de facto.......................................................................................... 20
Figura 04 Ilustração de sobreposições em amarelo a presença de comunidades............................... 23
Figura 05 Mapa com nome dos rios principais e em tracejado os ambientes aquáticos, onde está
sobreposto com as UC’s..................................................................................................... 33
Figura 06 Esquema sobre a organização da pesquisa......................................................................... 34
Figura 07 Foto aérea do arquipélago de Anavilhanas........................................................................ 38
Figura 08 Ponta da zagaia e pescador confeccionando malhadeira ................................................... 41
Figura 09 Cacuri encontrado no Alto Rio Negro (São Gabriel da Cachoeira) e demonstração do
funcionamento da Pinauaca................................................................................................ 83
Figura 10 Rios principais utilizados nas pescarias............................................................................. 99
Figura 11 Setas ilustrando as direções gerais de deslocamento dos pescadores
rabeteiros.......................................................................................................... .................. 100
Figura 12 Da esquerda para a direita: base flutuante do ICMBio na foz do rio Jaú e paisagem
vista a partir da comunidade Seringalzinho....................................................................... 100
Figura 13 Reunião sobre o Decreto Rio Negro, Câmara dos Vereadores de Novo Airão em
08/05/2010....................................................................................... ................................... 104
Figura 14 Diagrama sintetizando a evolução das instituições gestoras dos recursos pesqueiros e
da pesca.............................................................................................................................. 113
Figura 15 Gráfico da relação total dos pescadores registrados no MPA pelas quatro entidades dos
pescadores até 2010............................................................................................................ 120
Figura 16 Pescadores artesanais fazendo a documentação referente ao “defeso” em novembro de
2010.................................................................................. .................................................. 123
Figura 17 Sítios pesqueiros de comunidades no interior e no entorno do Parest Rio Negro – Setor
Sul...................................................................................................................................... 126
Figura 18 Representação cartográfica do sistema de manejo da pesca.............................................. 133
Figura 19 Fotos ilustrando embarcações de pesca............................................................................. 137
Figura 20 Em tracejado, regiões registradas onde se realiza a pesca de cardumes de Jaraqui e
Matrinchã........................................................................................................................... 141
Figura 21 Representação da pesca de lance (lanço) em praia............................................................ 141
Figura 22 Visão da bóia tipo tambor e submerso na águas os anzóis do espinhel............................. 143
Figura 23 Acordos de Pesca no Baixo Rio Negro – detalhes do acordo no Rio Unini e Jauaperi ,
localização do Acordo de Pesca do Juvêncio ao Puduari e Decreto Rio Negro................ 151
Figura 24 Reunião sobre o Acordo de Pesca do Rio Jauaperi em 09/09/2009................................... 154
Figura 25 Mapa da primeira proposta do acordo de pesca em 2006.................................................. 157
Figura 26 Mapa do acordo de pesca do igarapé do Juvência ao Puduari........................................... 158
Figura 27 Assembléia Intercomunitária na Câmara Municipal de Novo Airão no dia 06/12/2010 .. 160
Figura 28 Vista da região próxima da Comunidade Bom Jesus do Puduari...................................... 172
Figura 29 Por do Sol no Rio Negro.................................................................................................... 199
Lista de Tabelas Tabela 01 Lista das áreas protegidas................................................................................................ 21
Tabela 02 Relação entre regiões de pesca abordadas e dados das comunidades ............................ 36
Tabela 03 Lista de espécies pescadas para fins de alimentação e comércio ................................... 43
Tabela 04 Esquema descrevendo as UC’s do baixo rio Negro e o histórico................................... 63
Tabela 05 Territórios sociais e seus antecedentes históricos........................................................... 65
Tabela 06 Sistemas de gestão por períodos estabelecidos nesta pesquisa....................................... 95
Tabela 07 Síntese dos eventos que envolvem a criação e implementação do Parna do Jaú e da
Esec de Anavilhanas........................................................................................................ 102
Tabela 08 Principais eventos que restringiram a atividade da pesca artesanal comercial.............. 107
Tabela 09 Relação de beneficiários do “seguro defeso” dividido entre sede urbana e zona rural... 121
Tabela 10 Informações no que diz respeito a pesca comercial embarcada...................................... 135
Tabela 11 Sistema de gestão da pesca no baixo rio Negro.............................................................. 174
Tabela 12 Tabela comparativa entre as regras referentes a pesca comercial................................... 175
XI
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AARJ - Associação dos Artesãos do Rio Jauaperi
AMORU – Associação dos Moradores do Rio Unini
APA – Área de Proteção Ambiental
APNA – Associação dos Pescadores de Novo Airão
ARIE – Área de Relevante Interesse Ecológico
CEBs - Comunidades Eclesiais de Base
CEUC - Centro Estadual de Unidades de Conservação
CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
CNPT Centro Nacional de Desenvolvimento Sustentado das Populações Tradicionais
CODEPE – Conselho Nacional de Desenvolvimento da Pesca
ECOEX - Associação Ecológica dos Agroextrativistas do Baixo Rio Branco do Baixo Rio
Branco-Jauaperi
ESEC – Estação Ecológica
FNMA – Fundo Nacional do Meio Ambiente
FUNAI – Fundação Nacional do Índio
FVA - Fundação Vitória Amazônica
IBAMA – Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis
IBDF – Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal
ICMBio – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
INPA – Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia
IPAAM – Instituto de Proteção Ambiental do Estado do Amazonas
IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas
ITERAM – Instituto de Terras e Colonização do Estado do Amazonas
MAQUIRA – RONA – Rede de Organizações de Novo Airão
MBRN - Mosaico de Áreas Protegidas do Baixo Rio Negro
OPAN – Operação Amazônia Nativa
PAREST – Parque Estadual
PARNA – Parque Nacional
PCE – Projeto Corredores Ecológicos
PDS – Projeto de Desenvolvimento Sustentável
XII
PI – Proteção Integral
RDS (REDES) – Reserva de Desenvolvimento Sustentável
SDS – Secretaria do Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável
SEMMA – Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Manaus
SINDPesca – Sindicato dos Pescadores da Calha do Rio Negro
SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação
SUDEPE – Superintendência de Desenvolvimento da Pesca
SUDHEVEA – Superintendência de Desenvolvimento da Borracha
TI – Terra Indígena
UC – Unidade de Conservação
US – Uso Sustentável
XIII
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO DA ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO............................ 14
1. IGARAPÉ: O CAMINHO DA PESQUISA .................................................... 15
1.1 O PROBLEMA DA PESQUISA........................................................................ 15
1.2 OBJETIVOS....................................................................................................... 25
1.3 Objetivo geral ..................................................................................................... 25
1.4 Objetivos específicos ......................................................................................... 26
1.3 QUESTÕES ORIENTADORAS E PRESSUPOSTOS DA PESQUISA .......... 26
2. METODOLOGIA .............................................................................................. 28
2.1 ABORDAGEM ................................................................................................. 28
2.2 A ORGANIZAÇÃO DA PESQUISA E AS TÉCNICAS UTILIZADAS.......... 29
2.2.1 Do acesso as áreas da pesquisa........................................................................ 35
2.2.2 Da logística e apoio......................................................................................... 35
2.3 A REGIÃO DE ESTUDO.................................................................................. 35
2.3.1. Os ambientes da pesca ................................................................................... 38
2.3.1.1 Aspectos biofísicos ...................................................................................... 38
2.3.1.2 Os ambientes e a pesca................................................................................. 40
3. TRAMAS DA PESCA: TEORIAS E CONCEITOS ...................................... 46
3.1 O SISTEMA SÓCIO-ECOLÓGICO DA PESCA ARTESANAL .................... 46
3.2 ESTRATÉGIAS DE ADAPTABILIDADE: CONCEITOS E DILEMAS ....... 47
3.2.1 Notas introdutórias .......................................................................................... 47
3.2.2 Incorporando uma visão sistêmica .................................................................. 48
3.2.3 Uma crítica ...................................................................................................... 50
3.2.4 Construindo um significado próprio................................................................ 51
3.3 “OS RECURSOS DE USO COMUM” ............................................................ 53
3.3.1 Base comum de recursos naturais ou recursos de uso comum/coletivo.......... 53
3.3.2 Regimes de propriedade, instituições, os recursos de uso comum/coletivo ... 53
3.3.3 Os Sistemas de gestão...................................................................................... 56
3.3.4 Os usuários - “os pescadores artesanais” ........................................................ 59
3.3.5 Os “processos territoriais” e a pesca ............................................................... 60
3.3.6 A formalização do Mosaico do Baixo Rio Negro .......................................... 66
4. FRAGMENTOS DE UMA HISTÓRIA SOCIAL DA PESCA 69
XIV
ARTESANAL NO RIO NEGRO..........................................................................
4.1 NOTAS INTRODUTÓRIAS ............................................................................. 69
4.2 ASPECTOS HISTÓRICOS DA PESCA: DO PERÍODO BRASIL
COLONIAL AO REPUBLICANO......................................................................... 70
4.2.1 Das paragens aos pesqueiros reais.................................................................. 70
4.2.2 Da municipalidade a federalidade da pesca (Anos de 1850 a 1912).............. 74
4.3. A PESCA NO SÉCULO XX............................................................................. 77
4.3.1 No início do século......................................................................................... 77
4.3.2 Entre 1950 a 1989............................................................................................ 79
4.4. VISÕES DA PESCA NO BAIXO RIO NEGRO............................................. 82
4.4.1 “Das proibições a nova profissão” – visões sobre a formação dos
pescadores artesanais no baixo rio Negro................................................................ 82
4.4.2 Contextos históricos em três décadas ............................................................. 89
4.4.2.1 Anos 80......................................................................................................... 89
4.4.2.2 Anos 90......................................................................................................... 92
4.4.2.3 Anos 2000..................................................................................................... 94
4.5 SÍNTESES PRELIMINARES............................................................................ 94
5. AS INSTITUIÇÕES FORMAIS DE MANEJO DA PESCA.......................... 97
5.1 CONTEXTUALIZAÇÕES INICIAIS................................................................ 97
5.2 AS RESTRIÇÕES GRADATIVAS PARA SE PESCAR.................................. 98
5.3 DINÂMICAS INSTITUCIONAIS DO MANEJO DA PESCA........................ 108
5.3.1 As agências estatais de manejo na região....................................................... 108
5.3.2 As organizações sociais e a pesca no baixo rio Negro.................................... 114
6. MOSAICOS FLUÍDOS: SISTEMAS DE MANEJO DA PESCA
ARTESANAL.......................................................................................................... 125
6.1 CONTEXTUALIZAÇÕES INICIAIS .............................................................. 125
6.2 SISTEMAS DE PESCARIAS ARTESANAIS – COMERCIAIS...................... 127
6.3 AS NEGOCIAÇÕES DE USO E ACESSO...................................................... 145
6.3.1 Os acordos formais de pesca no Mosaico........................................................ 146
6.3.2 “Os acordos informais” de pesca no Mosaico ............................................... 165
7. AS ESTRATÉGIAS DE ADAPTABILIDADE............................................... 177
7.1 O ARPÃO E O ANZOL.................................................................................... 177
7.2 A DESMOBILIZAÇÃO..................................................................................... 179
XV
7.3 A MOBILIDADE............................................................................................... 183
7.4. A CLANDESTINIDADE.................................................................................. 185
7.5 A ADAPTABILIDADE CO-EVOLUTIVA....................................................... 189
7.6 ESTRATÉGIAS ADAPTABILIDADE DOS PESCADORES E DA
GESTÃO TERRITORIAL – PESQUEIRA ............................................................. 191
8. CONSIDERAÇÕES E REFLEXÕES DA PESQUISA................................... 195
8.1 A METODOLOGIA E OS PERCALÇOS......................................................... 196
8.2 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................. 194
9. BIBLIOGRAFIA ............................................................................................... 200
ANEXO 01 Tabela com a tipologia de pescadores.................................................. 215
ANEXO 02 Cronologia da pesquisa......................................................................... 217
ANEXO 03 Documentos de anuência e autorização de pesquisa............................. 219
14
APRESENTAÇÃO DA ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO
A dissertação está organizada em oito partes. O primeiro capítulo trata da
construção do problema, elucidas hipóteses e objetivos da pesquisa. É o início da linha de
raciocínio e traz alguns elementos que são aprofundados ao longo de todo o texto.
O capítulo 2 mostra como foram buscadas as informações e, portanto uma
descrição da metodologia e breve descrição da área de estudo: o Baixo Rio Negro.
Segue-se no terceiro capítulo com o referencial teórico, no qual foram eleitos
alguns autores que discutem sobre as teorias da adaptabilidade humana e sobre os recursos
de uso comum: a pesca, os usuários, os sistemas de manejo e o território.
O capítulo 4 é um convite ao passado a partir de alguns fragmentos da história da
pesca e o Rio Negro. Também são citados alguns depoimentos de como os pescadores
artesanais fizeram a opção pela pesca, como era a pesca nas suas memórias, significados a
partir da leitura dos dias atuais e como esta atividade foi se modificando até os dias atuais.
Além disto, mergulha-se em diferentes contextos históricos, sobretudo nos últimos 30
anos.
Já nos capítulos 5 e 6 são tratados os sistemas de gestão da pesca artesanal –
divididas da seguinte maneira: no 5 é tratado o tema as instituições locais de manejo e as
políticas públicas (agências governamentais da pesca e ambientais e as organizações
formais dos pescadores); e, no capítulo 6, é descrita a dinâmica territorial relacionado os
sistemas de gestão coexistentes.
Enquanto que nos três primeiros capítulos se constrói as bases teóricas e
metodológicas, nos três capítulos seguintes corresponde à formulação da argumentação
para se refletir sobre as estratégias de adaptabilidade, que estão descritas no capítulo 7. As
considerações finais correspondem ao capítulo 8.
Portanto, espera-se que os leitores possam iniciar a leitura e somar com seus
pensamentos, realizar questionamentos e críticas, ou ainda estimular novas direções para se
pensar esta pesquisa e outras, no que diz respeito à dinâmica socioambiental no contexto
amazônico e, mais especificamente, no Baixo rio Negro, onde se formam mosaicos de
áreas protegidas, de paisagens e de territórios sociais em movimento.
15
1. IGARAPÉ1: O CAMINHO DA PESQUISA
O rio é quem batiza e sacramenta o homem nas suas
relações sociais e econômicas, geográficas e
políticas até. O caboclo não diz, por exemplo:
“nasci em Humaitá, prefere dizer: nasci no
Madeira; não diz “casei-me em Santa Isabel, mas
casei-me no Rio Negro (...) (BENCHIMOL, 2010 p.
536).
1.1 O PROBLEMA DA PESQUISA
A área de estudo é chamada do Baixo Rio Negro, região compreendida entre os
municípios de Manaus e sul de Barcelos (Rio Branco) tendo ao centro o município de
Novo Airão que é o ponto de partida desta pesquisa. Os limites, portanto, são objetivos e
subjetivos, pois não são estabelecidas por coordenadas geográficas precisas, mas por
processos políticos e múltiplas visões sobre o território das diversas culturas que habitam
essa região e conformaram seus “limites” ao longo da história (LEONARDI, 1999).
Atualmente, existe a presença do Mosaico2 de Áreas Protegidas do Baixo Rio Negro
(MBRN3).
Os sujeitos da pesquisa são os (as) pescadores (as) artesanais comerciais em
diferentes escalas de atuação: locais (pescam próximos as suas residências) ou itinerantes
(locomovem-se a distâncias maiores) ou comerciais, o que será mais bem descrito adiante
(no capítulo 03). O (A) pescador (a) torna-se pescador (a) pela ação, onde experimenta,
atualiza, contrasta e aprende novos conhecimentos do meio (ALLUT, 2000).
Até os anos 60 e 70, ser pescador (a) artesanal implicava em “atraso” citado em
documentos governamentais (GALVÃO, 1982; LEITÃO, 1995). Ou seja, para os
1 Igarapé é denominado por Bates (1979) como sendo o caminho da canoa.
2 Segundo o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC - Lei 9985 de 18 de julho de 2000),
artigo 26: “Quando existir um conjunto de unidades de conservação de categorias diferentes ou não,
próximas, justapostas ou sobrepostas, e outras áreas protegidas públicas ou privadas, constituindo um
mosaico, a gestão do conjunto deverá ser feita de forma integrada e participativa, considerando-se os seus
distintos objetivos de conservação, de forma a compatibilizar a presença da biodiversidade, a valorização da
sociodiversidade e o desenvolvimento sustentável no contexto regional”. 3 O MBRN é oficialmente reconhecido pela Portaria Nº 483, de 14 de dezembro de 2010 compondo 11
unidades de conservação.
16
formuladores das políticas públicas o conhecimento “tradicional” dos (as) habitantes nos
rios amazônicos correspondia a um atraso no desenvolvimento econômico da atividade da
pesca: os hábitos alimentares eram carregados de mitos e tabus, além do mais, os
pescadores defendiam os seus territórios, impedindo a exaustão de seus recursos
(GALVÃO, 1982). Portanto, o governo considerava necessária uma política de
modernização para que os (as) artesãos (ãs) da pesca não atrapalhassem mais o
desenvolvimento de uma atividade econômica.
Se por um lado, o viés destacado em documentos referentes às políticas públicas
era o econômico desenvolvimentista, referências de bibliografias e outros documentos
indicam que os recursos pesqueiros fazem parte da base alimentar protéica amazônica
(CASTRO, 1984; LEONEL, 1998; BENCHIMOL, 2010) e também de um modo de vida
em relação à população envolvente (FURTADO, 2006). Neste sentido, do ponto de vista
histórico, Furtado (2006) ressalta que a pesca nesta perspectiva envolve o contato de
populações locais, como as indígenas, que manejavam os recursos pesqueiros, com
diferentes projetos coloniais o que dá a pesca uma característica pluriétnica em
significados, conhecimentos e na adaptabilidade; e, assim como um sentido ou modo de
vida. Até o século XIX, Veríssimo (1970) afirmou que as práticas de pesca eram
essencialmente indígenas, não só realizada pelos indígenas, mas pelas populações que
residiam na Amazônia naquele período, mesmo tendo incorporado técnicas como, por
exemplo, a rede de pescar.
No Baixo Rio Negro a forma com a pesca se apresenta hoje teve influência de três
fatores: 1) a política de incentivos econômicos4, essencialmente nos anos 50 e 60
(CASTRO e MACGRATH, 2001, PEREIRA, 2004); 2) como uma opção dentro de uma
diversificação extrativista, alternativa a falência do ciclo econômico da borracha; e 3) da
proibição de outros produtos extrativistas relacionados a este modelo, como as “fantasias5”
ou a madeira, somente para dar dois exemplos.
A política de incentivos permitiu que alguns moradores da região, entre os quais,
pescadores, que tiveram acesso a um capital financeiro adquirissem ou adaptassem os seus
barcos para realização da pesca comercial nos anos 1970, outro grupo adquiriu pequenas
embarcações como canoas a motor rabeta, conhecidos como “rabeteiros”, sobretudo nos
4 Decreto N
o. 58.696, de 22/06/1966, que inclui a pesca como indústria de base (adquirindo o direito da
atividade pesqueira ser financiada por órgãos governamentais); o decreto-lei 221 de 1967, que concedeu
incentivos fiscais a atividade da pesca, impulsionando a produção pesqueira.
5 Fantasia é denominação a caça de animais silvestres para exportação do couro, peles e carne.
17
anos 90 e há, ainda, aqueles que pescam no cotidiano, moradores das comunidades
ribeirinhas ou citadinas. Segundo BERKES et al. (2001), pescadores compõem uma
comunidade interdependente no sistema de manejo, nas relações sociais e econômicas.
Se atualmente navegarmos no Rio Negro ou em outros rios amazônicos e
observarmos vilarejos espalhadas em suas margens são - denominadas comunidades - , que
além das casas, apresentam alguma infraestrutura de políticas públicas, como escola ou
posto de saúde, uma igreja, entre outras; ou ainda chamadas de localidades (mais simples e
normalmente com ausência dessa infraestrutura). A presença das comunidades e/ou
localidade remete-se ao histórico de ocupação populacional durante os dois ciclos
econômicos do extrativismo da borracha, o primeiro entre meados de 1870 até 1920 e o
segundo, entre 1940 a 1945/60 (LEONARDI, 1999; BENCHIMOL, 2010). Nesse período,
a organização social era, não por comunidades, mas por “colocações”, onde os seringueiros
(extrativistas da borracha) eram colocados em determinadas regiões isoladamente ou com a
sua família, distantes umas das outras, e controlados pelos administradores dos “seringais”.
Quando o sistema entrou em falência, houve uma reorganização das pessoas das
colocações que migraram das cabeceiras de rios e igarapés para as calhas principais, ou
para regiões mais próximas de acesso a circulação de pessoas. Segundo a argumentação de
Chaves et al (2004) as pessoas passaram a se agrupar em locais mais estratégicos, mas que
estivessem vinculados à origem do lugar e se agrupassem normalmente entre graus de
afinidade ou parentesco. O motivo para que se formassem as comunidades, consistia em
fugir do isolamento, agregando um maior foco da agricultura ao extrativismo realizado,
onde, às vezes, era necessária a cooperação entre famílias para realizar este trabalho,
conhecidos como “ajuris” em parte do Baixo Rio Negro, o que representaria, por exemplo,
os mutirões para realizar os cultivos, como a abertura de roçados.
Outro motivo, como registrado no caso do Rio Unini foi à necessidade da
nucleação das moradias ditada pelos governos locais com pré-requisito para o acesso as
políticas públicas especialmente à escola e à saúde (CHAVES et al, 2004). Para Pereira
(2004, p. 15), comunidades rurais, como conceito e forma de organização política
autônoma, são inovações recentes na vida social de populações rurais amazônicas. A Igreja
Católica brasileira e sua principal organização política – CNBB (Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil) introduziram o conceito de CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) em
1962. Entre os assentamentos rurais espontâneos que se formaram ao longo dos rios
amazônicos, não havia nenhuma forma de organização política antes da fundação das
18
CEBs rurais. No entanto, alguma forma de agrupamento social anual existia nas
localidades onde um “Festejo de Santo” e sua irmandade ou um time de futebol requeriam
uma organização permanente. Os conceitos de “localidade” e de “territorialidade” já
estavam, portanto, presentes e serviram para delinear as futuras CEBs como as
organizações sociais com bases territoriais. A maioria das CEBs foi criada no início dos
anos 70, período que correspondeu à intensa atividade política em diversas prelazias da
Amazônia.
A partir dos anos 90 diferentes associações de produtores familiares passaram a
criar “comunidades” ou então essas passaram a ser reconhecidas pelas prefeituras
municipais, com o objetivo de implementar políticas públicas educacionais ou de saúde,
como a construção de escolas e postos de saúde respectivamente. Em outra visão, do ponto
de vista mais “endógeno”, Gusfield (1975) ressalta que um grupo social marca a sua
diferença em relação a outros grupos, seja por pertencer a um mesmo local de moradia,
seja por recorrer a uma identidade comum, cuja coesão é a sua própria razão de ser ou, em
outras palavras, trata-se de uma construção social onde o fato de haver o pertencimento
gera direitos espaciais em relação a outros que não o têm. Abaixo fotos ilustrativas.
FIGURA 01: Fotos de comunidades - no canto superior a esquerda, Bom Jesus do Puduari, a direita e abaixo
fotos de comunidades do Rio Jauaperi (Fonte: o autor)
19
O importante ao frisar o movimento de reconhecimento de novos territórios
comuns, das comunidades, é marcar que existem diferentes dinâmicas socioambientais que
se intercruzam. A primeira delas é que a opção da atividade econômica da pesca passou a
representar uma alternativa e estabeleceu redes de relacionamentos no território, entre
novos patrões, pescadores artesanais (comerciais, parceiros ou ribeirinhos) e consumidores
influenciados por uma política pública setorial da pesca. Este argumento se alia ao fato de
ocorrer um aumento demográfico tanto na área rural quanto urbana a exemplo do
município de Novo Airão (Ver figura 02). E somado a esses marcos é que foram criadas as
duas primeiras unidades de conservação, o Parque Nacional do Jaú, em 1980 e a Estação
Ecológica de Anavilhanas6.
Figura 02: Gráfico sobre a evolução do crescimento demográfico entre 1980 a 2010.
Fonte: www.ibge.gov.br (Acesso em 15/04/2011)
As duas unidades de conservação federais criadas fazem parte de um início de uma
política pública setorial ambiental ou de conservação ambiental, seguido pela criação de
mais setes unidades de conservação estaduais, criadas nos anos de 1995, 1998, 2001 e
2008; uma municipal, criada em 2005; outra federal, criada em 2006; e o reconhecimento
6 A ESEC de Anavilhanas foi recategorizada como Parque Nacional (PARNA) em 2008 pelo Lei Nº 11.799
de 29 de outubro de 2008. Assim, cada vez que for nomeado ESEC de Anavilhanas quer dizer que a
informação e a discussão é anterior a este decreto, e quando estiver PARNA de Anavilhanas quer dizer que é
de 2008 para o presente.
20
de uma terra indígena, Waimiri Atroari7, em 1989, conforme mapa e listagem abaixo
(Figura 03 e tabela 01). Ou seja, o território se configura também como um mosaico de
áreas protegidas de facto e de juri8 quando os gestores das unidades de conservação, junto
com as organizações ambientalistas, solicitam o seu reconhecimento em 2010 como o
Mosaico de Áreas Protegidas do Baixo Rio Negro (MBRN).
Figura 03:Mapa sobre o mosaico de facto. Ao centro a sede urbana de Novo Airão
(ponto vermelho e ao norte o rio Branco já no limite entre o baixo e médio rio Negro.
Fonte: Banco de Dados do IPÊ com arquivos do Governo do
Estado Amazonas e sites governamentais
(www.ibge.gov.br; www.mma.gov.br; www.funai.gov.br; www.ana.gov.br)
7 Neste caso não se tratou da política ambiental, mas da política indigenista.
8 Utilizam-se as expressões de facto e de júri para diferenciar dois mosaicos. O Mosaico oficialmente
reconhecido composto por unidades de conservação (júri) e o mosaico de facto como sendo aquele onde
estão outros territórios não reconhecidos neste instrumento por motivos de não adesão (Exemplo: Terra
Indígena Waimiri Atroari) ou pela processos ainda não consolidados de reconhecimento de terras indígenas,
os limites da terra remanescente quilombola do Tambor ou a grande parte dos territórios tradicionais
ocupados pelas quase oitenta comunidades ribeirinhas.
21
Tabela 01 – Lista das áreas protegidas, suas categorias (US – Uso Sustentável; PI – Proteção Integral), dados
de criação, unidades gestoras (ICMBio – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade; SDS –
Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Estado do Amazonas; CEUC –
Centro Estadual de Unidades de Conservação; e SEMMA – Secretaria Municipal de Meio Ambiente –
Manaus) e o status de elaboração de plano de gestão e conselhos gestor.
Áreas Protegidas Categoria Ano de criação Unidade
Gestora
Superfície
(hectares) Plano de Gestão/
Conselho Gestor
Área de Proteção
Ambiental Tarumã-
Açú e Tarumã-Mirim
US
Criada em 02/04/
1995. Decreto n°
16.498
SDS/CEUC 56.793 Não há
Reserva de
Desenvolvimento
Sustentável do Tupé
US
Criado em 25/08/
2005. Decreto
Municipal 8044
SEMMA 11.973 SIM
Área de Proteção
Ambiental do Rio
Negro – Setor Aturiá-
Apuaúzinho
US
Criado em
02/04/1995. Decreto
Estadual 16.490
SDS/CEUC 643.215 Não há
Parque Estadual do
Rio Negro - Setor Sul PI
Criado em 02/04/
1995. Decreto
Estadual 16.497 e re-
delimitação pela Lei
Estadual 2.646 de 22
de Maio de 2001
SDS/CEUC 157.807 SIM
Parque Nacional de
Anavilhanas PI
Criada em 02/07/1981
pelo Decreto Federal
86.061 (ESEC);
Categoria alterada
para PARNA em
29/10/2008 pelo
Decreto nº 6409/05
ICMBIO 350.018 SIM
Área de Proteção
Ambiental do Rio
Negro – Setor
Paduari-Solimões
US
Criado em
02/04/1995. Decreto
estadual 16.498
SDS/CEUC 463.387 Não há
Reserva de
Desenvolvimento
Sustentável do Rio
Negro
US
Criada em
26/12/2008. Decreto
Lei nº 3355
SDS/CEUC 102.978 Em elaboração
Conselho: sim
Parque Estadual do
Rio Negro - Setor
Norte
PI
Criado em 02/04/ 995
Decreto Estadual
16.497
SDS/CEUC 146.028 SIM
Parque Nacional do
Jaú PI
Criado em 24/09/
1980. Decreto Federal
85.200
ICMBIO 2.272.000 SIM
Reserva Extrativista
do rio Unini US
Criado em
21/06/2006. Decreto
Federal s/n -
ICMBIO 883.352
PM: Em
elaboração
Conselho: SIM
Reserva de
Desenvolvimento
Sustentável do Amanã
US
Criada em 04 de
Agosto de 1998 pelo
Decreto Estadual
19.021
SDS/CEUC 2.350.000 Em elaboração
Terra Indígena
Waimiri Atroari
Não se
aplica
Decreto de
homologação 97.837
de 1989.
Não se
aplica 2.585.911 Não se aplica
ÁREA TOTAL
(Hectares) Mosaico de facto: 10.023.462 Mosaico: 7.437.551
22
Fonte: FVA/IBAMA, 1998; IBAMA, 1999; SDS/CEUC, 2010A; SDS/CEUC, 2010B, IPE, 2008; IPE, 2011;
www.waimiriatroari.org.br (acessado em 15/04/2011).
O mosaico está permeado de conflitos socioambientais, especialmente aqueles
gerados pelo fato de populações humanas residirem no interior das UC’s de proteção
integral. Esta tipologia de UC segundo o Sistema Nacional de Unidades de Conservação –
SNUC (BRASIL, 2000), é restrita quanto à permanência de populações humanas no
território e o acesso e uso direto de recursos naturais. Além desse fato, em grande parte do
território existem sobreposições de áreas com diferentes regimes de propriedade. São
identificados quatro regimes de propriedade na região do MBRN: O regime estatal, quando
se trata das unidades de conservação, onde as normas de acesso e uso são estabelecidas
pelo Estado (governo federal, estadual ou municipal); as áreas privadas, quando também
reconhecidos pelo Estado; as áreas de uso coletivo quando se consideram de forma mais
ampla os territórios sociais, nos quais se encontram as oitenta comunidades;9 e os
territórios da pesca, sendo de livre acesso, neste caso quando existe ausência de definição
do regime de propriedade.
As áreas de pesca são tratadas pela legislação vigente como sendo de “livre acesso”
(ausência de definição do regime de propriedade) (PEREIRA, 2004; CASTRO e
MCGRATH, 2001), para que o acesso seja permitido a qualquer pescador, mas com uma
normatização federal de manejo centralizada10
e pouco adaptada para a realidade do baixo
rio Negro, como é problematizado nesta pesquisa. Isso não quer dizer que, as áreas sejam
de livre acesso de facto, pois, tanto pescadores artesanais comerciais, quanto outros
pescadores – de comunidades, ou em um escala menor –, possuem suas histórias e seus
modos de “lidar” com o território.
A presença do Mosaico possui relevância de proteger a rica biodiversidade,
sobretudo no Rio Negro, considerado uma das áreas prioritárias para as políticas públicas
de sua conservação in situ. Cardoso et al. (2009) e Sarcinelli et al. (2009) destacaram o
desafio de se buscar a gestão integrada e participativa desse Mosaico, que além de áreas
prioritárias de conservação da biodiversidade, possuem no seu contexto diferentes
9 Comunidades ribeirinhas são reconhecidas por administrações municipais, pelos órgãos gestores de
unidades de conservação através dos planos de manejo ou gestão, mas não são consolidadas ou reconhecidas
como territórios sociais, apesar de o Decreto Nº 6.040, de 7 de fevereiro de 2007, que institui a Política
Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais já tenha avançado na conceituação especialmente que diz
respeito aos territórios tradicionais, mas ainda faltam leis que complementares para a sua regulamentação.
10 Refere-se as leis de pesca definidas sem participação dos pescadores válidas para abrangência do território
Federal e/ou Amazônico.
23
territórios sociais, ou seja, também a sociodiversidade na sua constituição. Alguns desses
territórios sociais são multiétnicos, como por exemplo, com a existência de comunidades
mistas que contém indígenas, de diferentes etnias, e não indígenas. Alguns grupos
indígenas têm solicitado reconhecimento junto a Fundação Nacional do Índio – FUNAI de
sua identidade e demarcação territorial: no Rio Cuieiras (sobrepõe o Parque Estadual do
Rio Negro PAREST Setor Sul) e outra, próximo a sede municipal de Novo Airão, na
margem direta (sobrepõe a Área de Proteção Ambiental APA Margem Direita do Rio
Negro). Ainda no Rio Cuieiras, existe um Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS),
categoria de assentamento estabelecida pelo INCRA, solicitada por grupos de comunidades
não indígenas. E, ainda, existe um território remanescente quilombola11
, reconhecido, mas
com seus limites ainda a serem definidos no meio do Parque Nacional do Jaú (Ver figura
04).
Figura 04: Ilustração de sobreposições em amarelo a presença de comunidades.
Fonte: Banco de dados do IPÊ.
11 Portaria N
o 11 de 06 de junho de 2006 (Fundação Palmares).
24
As evidências, assim, permitem dizer que o Baixo Rio Negro é “atravessado” por
processos políticos, cada qual com sua história, relacionados entre pessoas e instituições
(normas e leis), neste caso: ambiental, indígena, reforma agrária quilombola e também os
territórios pesqueiros, buscando o seu reconhecimento e controle territorial. Leff (2007),
sugere que, quando os grupos sociais são historicamente desapropriados de seu território,
estes tendem a buscar estratégias para se reapropriar de seus territórios buscando a sua
auto-gestão.
Quando as unidades de conservação são de proteção integral, não se permite o uso
direto dos recursos naturais, salvo com normas para moradores ou usuários, desde que para
a subsistência. O PARNA do Jaú e o PARNA de Anavilhanas representam parte dos
ambientes aquáticos não acessíveis para a pesca comercial. É possível dizer que o “que
sobrou” para os (as) pescadores (as) é o interstício do MBRN e o seu entorno. O interstício
é a região compreendida entre os dois Parques e o entorno é a região entre o Rio Jauaperi
até o Rio Branco, que já estaria no limite entre o Baixo e o Médio Rio Negro.
Porém, estes locais, que seriam considerados de “acesso livre” para a pesca
artesanal comercial, foram em parte “interditados” por dois acordos de pesca solicitados
pelas comunidades ribeirinhas e reconhecidos pelo IBAMA (Instituto Brasileiro de Meio
Ambiente e Recursos Naturais Renováveis). É o caso do Rio Unini (2004), atualmente
RESEX, e do Rio Jauaperi (2006), no qual também existe o pedido de criação de outra
RESEX. Um terceiro acordo de pesca foi organizado no interstício do Mosaico e foi
solicitado seu reconhecimento, no mesmo período, sem sucesso, conforme será descrito no
capítulo 05 e 06.
A região do Médio Rio Negro, limite entre Barcelos e Santa Isabel do Rio Negro,
também sofreu restrições de pesca entre 2001 a 2007 pela edição do “Decreto Rio Negro”
(Decreto Estadual 22.304 de 20/11/2001) depois reeditado entre 2007 a 2011, permitindo
que os pescadores de Novo Airão acessassem esta região, mas não permitindo a exploração
comercial de duas espécies de peixe: o Aruanã Preto (Osteoglossum spp) e o Tucunaré
(Cichla spp). A primeira com interesse do comércio de peixes ornamentais e a segunda de
interesse do turismo de pesca esportiva.
Portanto, “Pescadores sem águas?” trata-se de uma primeira pergunta frente a esse
cenário de restrições e também à hipótese inicial da pesquisa. Diante das restrições
impostas ao acesso dos ambientes de pesca, era de se esperar que esse número de
pescadores fosse reduzido ou se “extinguisse”. Mas, de forma contraditória, se observa o
25
reconhecimento recente, sobretudo nos últimos três anos de 1244 pescadores12
, junto ao
Ministério da Pesca e Aquicultura. O número de pescadores estaria aumentando, ou trata-
se de um “mero” reconhecimento?
O cenário, portanto, combina a restrição territorial das políticas de conservação
ambiental com o reconhecimento dos pescadores artesanais das políticas de incentivo a
pesca. Este reconhecimento é feito a pedido das organizações sociais dos pescadores de
Novo Airão, especialmente as Colônias de Pescadores AM 34 e Z 34, a Associação dos
Pescadores de Novo Airão (APNA) e do Sindicato dos Pescadores da Calha do Rio Negro
(SINDPesca), junto ao Ministério da Pesca, frente a uma política setorial do Seguro
Desemprego do Pescador Artesanal, ou mais popularmente conhecido como “Seguro
Defeso”.
Diante as aparentes contradições entre a política ambiental territorialmente
restritiva e a política de reconhecimento dos pescadores que se entrechocam em uma
dinâmica socioambiental, se combinam diferentes regimes de propriedade de acesso e uso
dos recursos pesqueiros, no qual se pergunta: quais seriam as respostas “adaptativas” dos
pescadores artesanais frente a esse cenário?
Para o referencial teórico buscou-se formular uma definição sobre as estratégias de
adaptabilidade e conceituar “recursos de uso comum”, regimes de propriedade, gestão, os
usuários de recursos comuns e território (capítulo 3). Portanto, não se trata apenas de ver
qual o “lugar” que os (as) pescadores (as) têm no Mosaico, mas também de refletir qual é o
“lugar” que o Mosaico possui na vida dos (as) pescadores (as). Ou ainda: assim como se
pode ver e reconhecer que existe um mosaico de unidades de conservação, também se
sugere ver que existe um mosaico histórico e cultural; e assim, este trabalho especialmente,
é um convite para se observar a existência de um mosaico da pesca e que nele coexistem
diferentes modelos de gestão e formas de adaptabilidade.
1.2 OBJETIVOS
1.2.1 Objetivo geral
12 Informação cedida pelo Ministério da Pesca e Aqüicultura (MPA).
26
O objetivo geral é descrever as estratégias de adaptabilidade dos pescadores
artesanais frente aos sistemas de gestão de recursos pesqueiros coexistentes no Mosaico de
Áreas Protegidas do Baixo Rio Negro (MBRN) - AM.
1.2.2 Objetivos específicos
Identificar os principais aspectos históricos que consolidaram as atividades
pesqueiras no Baixo Rio Negro;
Identificar e descrever os diferentes sistemas de gestão presentes nas práticas da
pesca (MBRN);
Analisar estratégias de adaptabilidade dos pescadores na região do MBRN
1.3 QUESTÕES ORIENTADORAS E PRESSUPOSTOS DA PESQUISA
Na região do Mosaico de Áreas Protegidas do Baixo Rio Negro, os dois acordos de
pesca restritivos e o decreto “Rio Negro” impõem barreiras para os pescadores artesanais
de escala comercial do Baixo Rio Negro para exercer sua atividade na região. Ao mesmo
tempo, os interstícios ainda “livres” para a pesca são insuficientes e muitas vezes
extremamente distantes. Diante dessas severas limitações, é razoável supor que os
pescadores artesanais comerciais apresentem a tendência de abandonar essa atividade no
futuro. Por outro lado, a implementação da política pública de seguro desemprego do
pescador artesanal trouxe novos incentivos aos pescadores. Nesse cenário político
contraditório, como lidam os pescadores artesanais com as restrições de acesso aos
recursos pesqueiros? Quais as relações que se estabelecem entre negociações e
combinações nos diferentes regimes de propriedade? Que táticas e/ou estratégias utilizam?
27
Este trabalho se propõe a analisar as estratégias de adaptabilidade dos pescadores tendo
como referência quatro estratégias generalizantes que atuam de forma combinada:
Desmobilização: consiste no abandono da atividade da pesca para investir em outra
alternativa ocupacional e de renda;
Mobilização: a opção de mobilidade para locais de acesso livre e permitidos para se
pescar;
Clandestinidade: o exercício da pesca em locais proibidos, ignorando a restrição de
acesso e uso dos recursos pesqueiros no interior das UC’s;
Evolutiva: a construção de arranjos institucionais ou negociações para permitir o
acesso privilegiado e diferenciado nas áreas protegidas ou acordos de pesca.
28
2. METODOLOGIA
2.1 ABORDAGEM
Optou-se para este estudo a proposta metodológica do “Estudo de Caso” (YIN,
2005) em que se privilegiou uma abordagem participativa, empírica e qualitativa em uma
perspectiva histórica e regional do Mosaico de Áreas Protegidas do Baixo Rio Negro
(MBRN). O fenômeno pesquisado envolve pescadores e suas estratégias de adaptabilidade
frente a um ambiente cujas políticas territoriais da conservação e demandas de
comunidades ribeirinhas restringem o uso e o acesso é um fenômeno contemporâneo e
“tecnicamente único”.
Inicialmente, planejou-se estudar a relação entre pescadores artesanais do
município de Novo Airão com o Parque Nacional de Anavilhanas, seus territórios e seus
sistemas de manejo. A perspectiva ampliou-se para uma abordagem em nível regional do
Mosaico no decorrer do primeiro ano de pesquisa, especialmente a partir do seminário
municipal da pesca de Novo Airão (23/04/2009), quando se verificou a presença de
pescadores de diferentes partes do Baixo Rio Negro, mobilizados a discutirem os seus
interesses, o que se repetiu durante a audiência pública do “Decreto Rio Negro”
(27/04/2010). Dessa maneira, optou-se em estudar os sistemas de gestão para uma
perspectiva regional (BERKES et al.2001; WALKER e ABEL, 2002; CASTRO,2004;
CASTRO 2006; SEIXAS e BERKES, 2005; SEIXAS, 2005), os identificando e
descrevendo de forma abrangente para também entender as estratégias políticas dos
pescadores artesanais. Ou, conforme Allut (2000, p. 119):
“O pescador não só age condicionado por estas variáveis (conhecimento do
ecossistema, estratégias de captura e mercado), como muitos de seus
comportamentos somente podem ser entendidos quando analisamos a
comunidade em que vivem”.
Ou, conforme Castro (2006, p. 187):
“A paisagem regional, a história de ocupação da região e as pressões externas (p.
ex., mercado regional, inovação tecnológica, políticas governamentais) são
fatores fundamentais para se entender diferentes padrões regionais de estratégias
de usos dos recursos (...)”
29
2.2 A ORGANIZAÇÃO DA PESQUISA E AS TÉCNICAS UTILIZADAS
A pesca passou a chamar a atenção da pesquisa remontando à chegada do
Pesquisador na Amazônia Legal. Primeiramente, destaca-se a participação em dois projetos
de intervenção indigenista junto a dois povos indígenas, os Enawene Nawe no Mato
Grosso, entre 2004 a 2005 e os Deni no Amazonas, entre 2005 a 2007, por meio da
organização não governamental Operação Amazônia Nativa (OPAN). Para ambos os
povos, a pesca faz parte de seus universos cosmológicos e dos desafios de gestão, sendo
que junto aos Enawene Nawe, encontra-se sob ameaça, devido às mudanças do uso de solo
no entorno da Terra Indígena, marcada pela presença de fazendas de monocultivos
agrícolas e a construção de barragens de geração de energia nos rios; enquanto que nos
Deni, a problemática da pesca envolvia as constantes invasões em seu território por barcos
de pesca.
Em 2008, o pesquisador aderiu ao Projeto Mosaico de Unidades de Conservação do
Baixo Rio Negro pelo IPÊ - Instituto de Pesquisas Ecológicas, objetivando programar de
forma participativa o Mosaico. Na oportunidade, se obteve uma experiência prévia na
região, se conheceu a área de estudo organizando eventos e participando dos espaços
políticos do território e foi onde se conheceu alguns pescadores antes do início da pesquisa.
Nesse caso, o que chamou a atenção foi justamente o fato de que os pescadores
“denunciavam” a falta de espaços para se pescar. Portanto, essa experiência possibilitou
não só o convívio junto aos pescadores, mas junto aos agentes de organizações não
governamentais e gestores públicos com atuação na região. Essa vivência, somada a
utilização de técnicas de pesquisa, como entrevistas abertas (depoimentos orais) e a
observação (BERKES et al., 2001; SEIXAS, 2005; YIN, 2005) de forma organizada, fez
desta uma pesquisa participativa (SEIXAS, 2005; THIOLENT, 2008) assumindo um
“diálogo de saberes” (ALLUT, 2000; LEFF, 2007).
No período de 2009 até o início de 2011 o autor participou de diferentes eventos
regionais, como reuniões de conselhos consultivos e deliberativos das UC’s, reuniões de
diferentes entidades, fóruns de discussão da pesca, viagens e atividades do Mosaico (Ver
Anexo 02).
Identificaram-se também os principais aspectos históricos que consolidaram a
atividade da pesca, por meio dos depoimentos orais (entrevistas abertas), principalmente
30
das últimas quatro décadas (1970 – 2010), privilegiando as falas dos participantes da
pesquisa, as trajetórias de vida, a memória (JOUTARD, 1998; THOMPSON, 2002)
auxiliando no entendimento dos sistemas de manejo e nas dinâmicas sócio-ecológicas
(BERKES et al., 2001; PEREIRA, 2004; e SEIXAS, 2005). Este estudo foi
complementado com revisão de literatura de textos que tratam dos aspectos históricos
amazônicos, do extrativismo e da pesca, sem entrar no mérito das fontes primárias
(arquivos) ou da relação direta com o contexto sociopolítico de cada período histórico, que
é específico do método histórico.
Estudaram-se documentos técnicos, como planos de gestão ou manejo das unidades
de conservação ou diagnósticos (IBAMA, 1999; FVA/IBAMA, 1998; SDS, 2010a; SDS,
2010b; SEMMA, 2008; AMORU/FVA/IBAMA, 2006; IBAMA/CNPT, 2006; IPÊ, 2011)
além de documentos relacionados à pesca, como os processos dos acordos de pesca (rio
Unini, rio Jauaperi e entorno de Anavilhanas), dados sobre o número de pescadores
beneficiários do Seguro Desemprego da Pesca Artesanal, fornecidos pelo Ministério da
Pesca e Aquicultura (MPA) e dados de fiscalização (de 2000 a 2010) cedidos pelo
IBAMA.
Portanto, foram trianguladas informações provindas de quatro técnicas de pesquisa:
a experiência prévia vivencial (LEONEL, 1998), revisão de bibliografia e dos documentos
técnicos, observação participante e entrevistas abertas (depoimentos orais). Os registros da
observação, de conversas informais ou depoimentos foram sistematizados no caderno de
campo e outros registrados em gravador de som digital e transcritas.
No primeiro momento, entre 2009 até junho de 2010, apenas houve a observação,
e, após as anuências de duas entidades de pesca (Colônia dos Pescadores de Novo Airão
AM 34 e Associação dos Pescadores de Novo Airão – APNA) e do Comitê de Ética
(UFAM) iniciaram-se as entrevistas, entre junho de 2010 a março de 2011. Também se
obtiveram autorizações do SISBIO (ICMBio) e do CEUC, por se tratar de pesquisas no
entorno ou dentro das unidades de conservação (Ver anexo 03).
As entrevistas foram realizadas de acordo com o protocolo de pesquisa (YIN,
2005), com perguntas abertas, das quais as respostas auxiliaram nas respostas aos objetivos
e hipóteses da pesquisa conforme:
Dados gerais familiares (nome, idade, local de nascimento, estado civil, filhos (as));
Conte a sua história;
31
Conte a relação da pesca com a sua vida (iniciação na atividade, motivos, outros)
Agora, vamos mais para trás, como era pesca na época de seus pais (de onde eram;
ou como era a pesca na infância, história da pesca);
Como acontece a pesca hoje? (Relação da pesca com UC’s e acordos de pesca; com
barcos, sazonalidade; apetrechos; locais onde se pesca; das organizações de pesca;
sistemas de manejo);
Como o sr. (a) enxerga a pesca do futuro? Quais as perspectivas? (se parou de
pescar, por quê?).
Foram realizadas vinte e duas entrevistas, onde foi dada a opção de registro da
autoria das informações ou a manutenção do sigilo. Não se teve consentimento livre e
esclarecido de quatro pessoas pelo motivo do participante não saber ler ou por ser um
espaço público, não privado, onde os diálogos ocorreram de forma descontínua. Os
participantes tinham entre 20 a 71 anos, quase todos do sexo masculino (com exceção de
uma pessoa), selecionados por assumir papel de liderança, seja da pesca ou relacionada
com esta discussão, por indicação das pessoas entrevistadas ou das lideranças dos
pescadores, como um efeito “dominó13
” onde um pescador indicava outro, que era
considerado como pescador experiente ou ex-pescador provido de informações, ou ainda,
com origens diferentes na região de estudo.
Os participantes foram:
03 moradores do rio Unini (01 Representante da AMORU – Associação dos
Moradores do Rio Unini; dois pescadores);
Acácio de Souza Pereira (Liderança, conselheiros no Parque Nacional de
Anavilhanas e PAREST Rio Negro Setor Norte, morador da comunidade do
Castanho, pescador artesanal rabeteiro);
Aldenor Sobrinho Barbosa (Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de
Novo Airão) co-organizador de três acordos de pesca e coordenador do Maquira-
RONA (Rede de Organização de Novo Airão);
Pescador (pescador comercial embarcado);
13 Apenas para dizer que no jogo de dominó uma pedra jogada pode levar a outra pedra na seqüência.
32
Edival Valente Rodrigues (ex-pescador embarcado, atual pescador rabeteiro);
Francisco da Silva Amorim (ex-pescador artesanal embarcado, morador da
comunidade São Sebastião, rio Cuieiras);
Ivani Ferreira (ex-pescador artesanal comercial embarcado, Novo Airão);
José Adimar P. Garcia (pescador comercial embarcado, comerciante e piscicultor);
José Pontes (ex-pescador artesanal comercial experiente; ex-representante da
Colônia dos Pescadores de Novo Airão);
Moisés Marques da Cruz (Pescador artesanal comercial, morador da comunidade
Bom Jesus do Puduari);
Morador do rio Jaú (ex-pescador);
Olavo Faustino (ex-pescador, morador da comunidade São Sebastião, Cuieiras);
Pauletiene dos Santos Horta (Associação dos Pescadores de Novo Airão), co-
organizadora do Acordo de Pesca de Novo Airão, sócio-fundadora da APNA;
Pedro G. Torres (representante da Colônia dos Pescadores Z 34);
Pescador (ex-morador do rio Jaú, ex-pescador);
Raimundo Marques (Pescador experiente, morador da comunidade Bom Jesus do
Puduari);
Raimundo R. Valente (ex-pescador artesanal comercial embarcado, pescador
artesanal de rabeta, Novo Airão);
Representante dos Pescadores da Colônia AM 34;
Pescador - sigilo (Representante dos pescadores do rio Jauaperi/Colônia dos
Pescadores AM 34);
Valter de Souza Saldanha (Pescador que trabalha em barcos; rabeteiro, Novo
Airão);
As informações, depois de transcritas, foram comparadas entre si e com os indícios
ou marcos comuns selecionados, e, no que diz respeito a dados fragmentados ou parciais,
ou versões orais diferentes de um fato (LEVÍ-STRAUSS, 1986), teve-se o cuidado de ver
como estes se relacionam com os fenômenos estudados. Portanto, não foi realizada uma
“descrição densa” da totalidade, mas analisadas as versões e fragmentos dentro do
contexto, o que não cobre a totalidade da região, nem todos os indícios, mas traz
evidências que foram discutidas juntamente com dados das outras técnicas de pesquisa.
33
Depoimentos orais foram inseridos no texto citando o nome (quando autorizados),
e, quando não, apenas caracterizada a entidade ou local de origem, além de sua idade. Em
casos em que se verificou situação de conflito, o nome também foi mantido em sigilo.
A seleção das evidências foi realizada mediante as informações contidas nos
depoimentos e documentos que se relacionam com a pesca. Dessa mesma maneira, alguns
casos do Baixo Rio Negro foram mais enfatizados na descrição de determinados processos,
dentre os quais o Rio Unini, o Rio Jauaperi, as áreas de entorno de Anavilhanas e o Rio
Puduari. Essas áreas foram citadas nas entrevistas como sendo importantes áreas de “pesca
comercial” onde aconteceram processos dos acordos de pesca, alguns envolvendo co-
gestão.
Alguns recursos gráficos foram utilizados, como a confecção de mapas, para
contextualizar o leitor das regiões tratadas na pesquisa, mas não como objeto de pesquisa
cartográfico. Também foram feitas tabelas e explorado um gráfico no que diz respeito aos
registros dos pescadores artesanais junto ao Ministério da Pesca e Aquicultura.
O ponto de partida das áreas e análises realizadas foram os depoimentos dos
pescadores, que em parte abrangeram também o Médio Rio Negro e que passou a ser uma
evidência de local de pesca que se relaciona com o Mosaico, conforme será demonstrado
nos capítulo 06 e 07. As informações foram descritas em ordem cronológica e não
especificamente por subárea ou caso. A figura 05 ilustra as regiões da pesquisa seguidas
pela figura 06, que destaca o esquema de organização da pesquisa.
Figura 05 – Mapa com nome dos rios principais e em tracejado os ambientes aquáticos,
onde está sobreposto com as UC’s.
34
Figura 06 – Esquema sobre a organização da pesquisa. Fonte: elaborado pelo autor.
Pesca Artesanal
Sistema socio – cultural e sistema ecológico
Adaptabilidade
Recursos de uso
comum
ASPECTOS TEÓRICOS
ASPECTOS METODOLÓGICOS
Estudo de caso – pesquisa participativa
Técnicas de
Pesquisa
Observação;
Depoimentos;
Bibliografia
Problema
Restrições
espaciais da
pesca;
Reconfiguração
territorial;
Aumento
demográfico;
Demanda de
renda e consumo
de pescado;
Política de
incentivos da
pesca
Objetivos
Histórico
Sistema de
gestão
Estratégias de
Adaptabilidade
Organização
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo7
Escala de Estudo – Mosaico do Baixo Rio Negro
Subáreas - Mosaico;
Arquipélago de Anavilhanas e entorno (Baipendi; comunidades);
Rios Cuieiras, Unini, Jauaperi e Puduari e o Rio Jaú
35
2.2.1 Do acesso às áreas da pesquisa
O acesso a Novo Airão é por via terrestre (rodovias AM 070 e AM 352) que, a
partir de Manaus, possui a distância aproximada de 200 quilômetros. O acesso aos demais
ambientes é por barco regional ou bote de alumínio tipo voadeira. No Rio Cuieiras, a
viagem a partir de Manaus com o bote (motor 40 Hp) é de aproximadamente uma hora e
meia, enquanto que o acesso a foz dos Rios Jaú, Unini e Jauaperi varia entre 24 a 36 horas
com barco tipo regional; distância em linha reta de aproximadamente 200 Km. A
comunidade Bom Jesus do Puduari, a partir de Novo Airão, tem duração de duas horas
(bote de alumínio com motor de polpa de 40 Hp).
2.2.2 Da logística e apoio
A pesquisa teve auxílio em duas ocasiões do POSGRAD - UFAM, apoio logístico
do IPÊ e acompanhamento de quatro viagens: da REDE Rio Negro (Instituto
Socioambiental, Fundação Vitória Amazônica, WWF-Brasil e IPÊ), da comissão de
organização do acordo de pesca, do Mosaico (apoiada pelo ICMBio) e outra do próprio
IPÊ. Também obteve-se bolsa de estudo pelo CNPq durante 24 meses de estudo.
2.3 A REGIÃO DE ESTUDO
A região de estudo é o Mosaico do Baixo Rio Negro, conforme descrito no capítulo
01 engloba o município de Novo Airão ao centro, com limites com Manaus ao sul e
Barcelos ao norte. A tabela 01 (Capítulo 1) apresentou dados gerais das Áreas Protegidas e
não é objetivo específico a descrição dessas áreas. O Mosaico é o entorno da sede urbana
municipal de Novo Airão. Este tópico descreve de forma breve a área de estudo em termos
populacionais (socioeconômico) e biofísicos em relação direta com a pesca.
36
Novo Airão, segundo dados do IBGE (2010), indica a população residente de
14.723 habitantes no total, sem distinguir a população rural da urbana. Esta informação é
somente para se ter uma base, pois o Baixo Rio Negro envolve além de Barcelos e Manaus,
parte da área de Iranduba. A informação é que se tem segundo IPÊ (2011), é a presença de
cerca de 80 comunidades ribeirinhas14
das quais algumas são “mistas” – pois envolvem
famílias indígenas e não indígenas – outras são indígenas pluriétnicas15
(exceto em relação
aos Waimiri Atroari).
Não foram detalhados informações acerca das comunidades ou dos ambientes
biofísicos, por não fazerem parte da escala de trabalho, mas, de forma geral, apresentam-se
algumas informações. Assim, para contextualizar o leitor, a tabela abaixo (tabela 02)
sintetiza algumas informações no que diz respeito às subregiões de pesca, às UC’s ou áreas
protegidas que envolvem dados sociais, como de comunidades, população e período de
formação das comunidades.
Tabela 02 – Relação entre regiões de pesca abordadas no estudo e dados do número de comunidades (Com),
localidades (Loc), número de habitantes (Hab) e/ou famílias (Fam) e a década de formação. Fonte:
CNPT/IBAMA (2006); AMORU/FVA/IBAMA (2005); SDS (2010a); SDS (2010b); IBAMA (1999),
IBAMA (1998), Borges et al (2004). Região Área Protegida Número de
comunidades/
Localidades
População em no.
de habitantes
/famílias
Década de
formação
das
comunidades
Rio Unini RESEX do Rio Unini;
PARNA do Jaú;
RDS Amanã
Com: 8
Loc: 10-
Hab: 669
Fam: 138 (2001)
Década 80 –
até 2000
Rio Jaú PARNA do Jaú Com: 3
Loc:15
Hab: 251
Fam: 45 (2001)
90
Rio
Jauaperi16
Reivindicação de RESEX –
limite com T.I. Waimiri
Atroari
Com: 7 Hab: 486
Fam: 88 (2001)
1970 -
Rio Cuieiras PAREST Setor Sul
APA M.E.
Com: 06 130 fam (2008) 1970 - 1980
Rio Bom
Jesus do
Puduari
PAREST Setor Norte
APA M.D.
Com: 01 Loc: 01 (não se aplica) 1990
Arquipélago
de
Anavilhanas
PARNA de Anavilhanas;
Waimiri Atroari
53 (entorno) (Sem informações) -
14 Denomina-se comunidade ribeirinha em virtude de sua localização geográfica na beira do rio, lagos ou
outros corpos d’água sem mencionar processos subjetivos de denominação.
15 Segundo Campos (2008), em Barreirinha e Boa Esperança residem Baré e Tukano, na comunidade Nova
Esperança são Baré, na Três Unidos, Kambeba, enquanto que Coanã é mista entre indígenas (Baré e
Piratapuiá) e não indígenas e São Sebastião não possui indígenas. 16
Inclui informações da área da Resex (paranã da Floresta e baixo rio Branco)
37
A população de cada comunidade ou localidade varia entre poucas famílias (02 a
10) a mais de 70 (São Sebastião – Cuieiras). Parte das comunidades tem alguma
infraestrutura, como escola ou posto de saúde, área de lazer (campo de futebol), igrejas e
gerador de luz, entre outras, o que pode variar para cada local. A origem das famílias
também varia, constituindo dinâmicas próprias, mas, de modo geral, ou são do local, ou
vindos do médio e alto rio Negro, além de outras regiões do Amazonas.
As atividades econômicas, da mesma forma, variam entre esses locais e vão do
agroextrativismo17
(agricultura e fruticultura e extrativismo não madeireiro e madeireiro), à
pesca e à caça de subsistência alimentar. Ao Sul, do Mosaico e ao Norte existe a atividade
turística, sendo que nos Rios Jauaperi e Unini destacam-se a pesca esportiva (por hora
interdidata pela justiça federal)18
e ao Sul, a visitação turística, sendo que muitas
comunidades e famílias dedicam-se à confecção de artesanato. Especificidades ainda
incluem ao Norte a pesca ornamental e ao Sul o extrativismo de produtos madeireiros. A
presença de escolas ou dos serviços de saúde também faz com que muitos moradores
prestem serviços públicos, como de professor ou agente de saúde, recebendo salários.
As denominações subjetivas acerca das pessoas que habitam o baixo Rio Negro
nem sempre são claras ou existentes, mas circulam desde as categorias de comunitários,
ribeirinhos, caboclos, famílias ou comunidades indígenas – como já citado em relação ao
Rio Cuieiras – ou famílias indígenas inseridas nas comunidades do Parque Estadual Rio
Negro – Setor Norte (SDS, 2010a), até a presença de uma comunidade Remanescente de
Quilombo no Tambor, em meio ao Rio Jaú.
No município de Novo Airão não é diferente. Registros de observação apontam que
duas entidades indígenas envolvem cerca de 800 associados indígenas, enquanto que três
entidades quilombolas também estão presentes, fora pessoas que se autodefinem indígenas
que estão inseridas nas entidades de pesca, para dar outro exemplo. A economia de Novo
Airão é baseada no agroextrativismo, serviços públicos e empregos e renda proveniente da
cadeia de serviços que envolvem o turismo e comércio, a produção de piscicultura e a
construção náutica (IBGE, 2010).
É comum uma relação de muitas famílias de Novo Airão com as suas comunidades
de procedência. Muitos têm familiares residindo na zona rural, outros ainda mantém sítios
17 Existe especificidades mas que não são detalhadas aqui.
18 Além da pesca esportiva na parte norte do Mosaico é mais presente a pesca ornamental do que nas outras
regiões do Mosaico.
38
e até residências em ambas as regiões o que forma um continuum entre “campo e cidade”,
cujas fronteiras não são claras ou não se limitam a uma questão unicamente geográfica.
Muitas pessoas residentes em Novo Airão pescam para a sua subsistência, caçam ou
mantém roçados nos arredores do município. A cidade ainda não possui plano diretor e
carece de ordenamento quanto aos usos e ocupações do solo, assim como serviços
sanitários, como tratamento de água, por exemplo, Moura (2009).
2.3.1. Os ambientes da pesca
2.3.1.1 Aspectos biofísicos
Em se tratando de ambientes de pesca, nada mais sensato do que começar pelas
águas. As três grandes classificações utilizadas para as águas amazônicas por Sioli (1984) e
Junk e Jurch (1985), segundo critérios de origem, coloração e composição química são:
águas brancas, pretas e claras. O Rio Negro, como o nome sugere, possui águas pretas. As
nascentes desse rio são provindas do escudo das Guianas, por ter suas margens, em parte,
caracterizadas por barreiras, sendo que, em dois trechos do rio, os leitos passam a ter
padrões anastomosados: na montante do Rio Branco – onde está o Arquipélago de Mariuá
– e na montante de Manaus – que forma o Arquipélago de Anavilhanas (Figura 07) – sendo
que nos demais trechos, existe um perfil encaixado nas margens formadas por falésias
(AB’SABER, 2002; IBAMA, 1999).
FIGURA 07 – Foto aérea do arquipélago de Anavilhanas. Fonte: Arquivo do ICMBio
39
As águas escuras ocorrem por conta da sua origem geomorfólica (escudo das
Guianas) e, em parte, pela presença de substâncias orgânicas (ácidos húmicos)
provenientes da drenagem em meio a solos arenosos formados por vegetação baixa como
campina, campinaranas ou caatingas amazônicas (ZEIDEMANN, 2001) que ocorrem
como subdivisões da floresta densa tropical do bioma Amazônico. De acordo com o
documento técnico do IBAMA (1999), na altura de Anavilhanas a variação do PH é entre
3,2 a 4,7 com a temperatura média variando entre 28,3 oC a 31,0
o.C devido à cor escura e
sua capacidade de retenção de calor. As informações sobre a microflora e fauna indicam
grande biodiversidade.
A oscilação das águas ocorre em função de diferentes regimes hidrológicos19
. Isto
quer dizer que parte é influenciada pelo período de chuvas que ocorrem da própria bacia, e
parte é pelo represamento que sofre junto ao regime de águas do Rio Solimões
(ZEIDEMANN, 2001). Na região de estudo, o período de chuvas inicia-se em dezembro e
vai até maio, com intensidade, e o período de “estiagem” (diminuição das chuvas) é entre
setembro a novembro (SDSa, 2010), com precipitação média de 2.286,2 mm (IBAMA,
1999).
Para a pesca, quatro períodos distintos são caracterizados: cheia, seca, vazante e
enchente. Entre dezembro a abril é possível verificar o período que o Rio Negro (na parte
baixa) está enchendo, com a cheia máxima entre maio e julho, enquanto que, entre agosto e
outubro ocorre à vazante. Já em novembro, o Rio Negro (ao sul) encontra-se na parte mais
baixa (SDSa, 2010). Essa variação pode ser em torno de 10 metros (ZEIDEMANN, 2001).
Segundo a autora, as flutuações de nível de água refletem principalmente as variações
ocorridas no Solimões-Amazonas, da foz do rio Negro até a foz do rio Branco, sendo que,
por causa disso, entre os meses de novembro e fevereiro, quando descem os níveis da água
do alto Rio Negro, o baixo Rio Negro encontra-se em período de inundação.
Existem variações de um afluente do Rio Negro a outro, devido a características
específicas, como é o caso do Rio Unini, influenciado pelas chuvas e que pode ser
represado por áreas encachoeiradas. O Rio Branco, de águas brancas (barrentas) de origem,
possui suas nascentes nos escudos das Guianas, em Roraima, sendo o pico das cheias entre
abril e setembro. O mês de junho é o período em que as águas estão mais altas, enquanto
que entre outubro e março está seco (IBAMA/CNPT, s/d).
19
O clima segundo a classificação de Koppen é tropical chuvoso (IBAMA, 1999).
40
Já o Rio Jauaperi provém principalmente do rio Caroebe, nasce na Guiana Francesa, de
água branca, com o Rio Branquinho e igarapé que se unem com os rios de água preta,
Macucuaú, Alalao e Pretinho, gerando assim o rio de água parda (IBID). Esse Rio tem a
navegação regida pelo regime pluviométrico. Os moradores locais afirmam que este Rio
tem baixa profundidade e pouca extensão, características que somadas à pesca
indiscriminada resultam em danos à biodiversidade local. Os Rios Cuieiras, Jaú, Unini,
Carabinani e Puduari são influenciados pelas precipitações nas cabeceiras e pelo pulso de
inundação do Rio Negro o represando.20
2.3.1.2 Os ambientes e a pesca
Os igarapés normalmente têm influência dos ambientes de terra firme nos médios e
altos cursos caracterizados por águas mais claras, e, no momento em que se aproximam da
foz, passam a ter influência das matas de igapó e também nas redes de drenagem das
campinas e campinaranas (SOBREIRO, 2007). Os igarapés formam parte dos ambientes de
pesca assim como os igapós – quando inundados nas planícies ou nas ilhas – ou lagos,
praias e paranãs, formados tanto nos afluentes do Rio Negro como no próprio Rio.
Silva e Begossi (2004, p. 106), de acordo com informações regionais no médio Rio
Negro, formularam o seguinte glossário dos ambientes de pesca: rio (calha principal);
paraná (canal entre o rio e lago ou entre dois rios), igarapé (pequeno curso d’água), lago
(lago de boca franca que desemboca no rio e lago central que desemboca em paraná ou
terra), boca de rio ou de lago (foz), costa (litoral do rio), furo (canal dentro do igapó que
liga um canal a outro), remanso (banco de areia), ressaca (canal antigo de rio), ilha, ilha
queimada (subcategoria que sofre incêndios antrópicos ou naturais), damiça (área de terra-
firme ligada ao continente que na época de inundação se transforma temporariamente
numa ilha), chavascal21
(brejo baixos com vegetação fechada que sofre longos períodos de
20 SDS (2010ª), SDS (2010b), IBAMA (1998).
21 Algumas espécies vegetais aquáticas citadas que caracterizam esta formação são a Aninga, Arapari
(Macrolobium acaccifolium), Carauaçu (Coccoloba sp.) e Cabibi (Parkia sp.) (SILVA e BEGOSSI, 2004, p.
106 e 107).
41
inundação – seis a oito meses); restinga22
; campina (praia com vegetação rasteira) e praia
(local com areia nua sem vegetação).
A floresta de igapó (PIRES, 1973 apud IBAMA, 1999) possui o substrato formado
por gramíneas e arroz silvestre (Oriza perennis), espécies arbustivas, sub-bosque
(palmeiras com o Jará (Leopoldina pulchra)), estrato médio formado por árvores na média
de 10 metros de altura de tronco fino (Louro Preto (Nectandra amazonum)), Pajurázinho
(Hirtella recomosa), Marajazinho (Bactris sp.) e o extrato superior, com as espécies de
Arapari (Macrolobium acaceifolium), Jacareúba (Calophyllum brasiliensis), Virola (Virola
surinamensis), entre outras.
Os igapós compõem ambientes de igarapé, planícies na margem dos rios, lagos e
parte dos ambientes das ilhas, a exemplo de Anavilhanas. No período de cheias, muitas
espécies de peixes se alimentam nos ambientes florestais de igapós, de frutas que caem nas
águas, entre outras. Nesse período, os pescadores pescam com as suas canoas,
normalmente a remo, durante a noite, facheando com lanterna ou holofote à bateria
utilizando-se a zagaia (Haste de madeira onde está fixada um “garfo” de três dentes de
metal de até 2 metros) (FIGURA 08), ou utilizando também o caniço (vara de pesca de
mão) ou linha de mão com anzol, sendo comumente utilizado também o espinhel (linha
comprida central onde estão dispostos perpendicularmente outras linhas amaradas com
anzol levadas ao fundo) (SOBREIRO, 2007) e redes malhadeiras.
FIGURA 08 – Ponta da zagaia (Fonte: Fernando Stern Angeoletto) e pescador confeccionando
malhadeira (Fonte: o autor)
22 As restingas são uma vegetação transicional entre igapó e floresta. A restinga alta apresenta fisionomia
florística entre igapó e floresta. A restinga baixa consiste numa vegetação de transição, em geral localizada
ao longo de canais e lagos, sujeita a quatro a seis meses de inundação (IBID).
42
Segundo Veríssimo (1970), o facho provém de uma madeira que acende chamado
pau-de-facho, e leva o facho acesso na beira dos corpos d’água onde o peixe fica visível,
normalmente são pescados os peixes de escamas, como Tucunarés e Cará-Açus23
. Ambas
as espécies são as mais comumente pescadas na modalidade comercial (SILVA e
BEGOSSI, 2004; Dados de campo).
No período de seca, os demais ambientes citados também são muito utilizados de
acordos com o tipo da pescaria ou as espécies almejadas. Além da zagaia, são utilizadas as
linhas de mão (linha comprida com anzol), anzol de espera (linha individual penduradas
em árvores), espinhel, arpão (haste de madeira tipo vara trabalhada de forma que fique lisa
com a ponta metálica bidentada), malhadeira (entre 45 a 85 mm, 2 – 3 metros de altura, por
cerca de 80 metros de comprimento, amarradas na beira em varas e colocadas nos locais de
passagem de peixes, dispondo de bóias normalmente isopor e chumbo ao fundo) (SILVA e
BEGOSSI, 2004; SOBREIRO, 2007; Dados de campo).
O espinhel pode variar de comprimento e de número de anzóis, normalmente
dispostos no canal de rio ou igarapé para se pegar os peixes fera24
ou matrinchã, enquanto
a malhadeira é utilizada para peixes de passagem, tanto o fera quanto matrinchã, jaraqui e
pescada ou tucunaré, cará, entre outras, dispostas tanto em lagos, praias ou igapós (na
cheia).
Nas pescarias, os pescadores utilizam diferentes artes de pesca, não existindo,
necessariamente, uma correlação entre apetrechos e espécie, mas sim, preferências e
opções para determinadas espécies, como citado nos dois parágrafos anteriores. A tabela
abaixo lista as espécies de peixes segundo o plano de manejo da ESEC de Anavilhanas
(IBAMA, 1999). Essas espécies podem variar, tendo algumas a mais ou a menos, entre
outros levantamentos realizados. A ideia é mostrar a diversidade de espécies para consumo
alimentar e para comércio, não separados na referida tabela. No capítulo 06, encontram-se
as espécies em nomes populares mais pescadas para o comércio.
23 Pesca comercial.
24 Os peixes denominados fera são: Piramutaba, Surubim, Dourada, Caparari, Piraíba e Piracatinga.
43
Tabela 03 – Lista de espécies pescadas para fins de alimentação e comércio (IBAMA, 1999).
Nome comum Número de espécies Nome científico
Mandubé 04 Ageneiosus brevifilis
Ageneiosus polystictus
Ageneiosus sp. 1
Ageneiosus sp. 2
Aracu 09 Laemolyta sp
Laemolyta taeniata
Leporinus agassizi
Leporinus fasciatus
Leporinus friderici
Leporinus sp.1
Leporinus sp. 2
Rhytiodus argenteofuscus
Schizodon fasciatus
Acaru-cabeça-gorda 01 Anostomoides laticeps
Pirarucu 01 Arapaima gigas
Cangati 04 Auchenipterichthys thoracathus
Auchenipterichthys sp.
Parauchenipterus sp. 1
Parauchenipterus sp. 2
Mandi peruano 01 Auchenipterichthys batrachus
Peixe-cachorro 03 Acestrorhynchus falcirostris
Acestrorhynchus guianensis
Acestrorhynchus microlepis
Matrinchã 01 Brycon cf. cephalus
Jatuarana 02 Brycon cf. falcatus
Brycon sp.
Arari 01 Chalceus macrolepidotus
Sardinha 05 Triportheus angulatus
Triportheus elongatus
Triportheus sp.
Triportheus sp.1
Triportheus sp. 2
Branquinha cascuda 01 Caenothopus labyrinthicus
Cará 03 Acarichthys heckelii
Acaronia nassa
Aequidens pallidus
Cará-açu 01 Astronotus ocellatus
Jacundá 05 Batrachops reticulatus
Crenicichla johanna
Crenicichla lenticulata
Crenicichla lugubris
Crenicichla ornata
Tucunaré 04 Cichla cf. monoculus
Cichla monoculus
Cichla orinocensis
Cichla temensis
Cará-para-terra 03 Geophagus altifrons
Geophagus sp
Geophagus surinamensis
Cará-roxo 01 Heros sp.
Cará-papagaio 01 Hoplarchus psittacus
Cará-preto 01 Hypselecara coryphaenoides
Cará-bicudo 02 Satanoperca acuticeps
Satanoperca jurupari
Cará-tucunaré 01 Satanoperca Lilith
44
Cará-bararauá 01 Uaru amphiacanthoides
Apapá 03 Llisha amazonica
Pellona castelnaeana
Pellona flavipinnis
Bicuda, pirapucu 02 Boulengerella lucia
Boulengerella maculata
Branquinha 12 Curimata cf. kneri
Curimata inornata
Curimata dneri
Curimata ocellata
Curimata plúmbea
Curimata vittata
Cyphocharax abramoides
Cyphocharax microcephalus
Potamorthina altamazonica
Potamorthina latior
Potamorthina pristigaster
Psectrogaster rutiloides
Peixe-cachorro 02 Cynodon gibbus
Rhaphiodon vulpinus
Pirandirá 02 Hydrolycus pectoralis
Hydrolycus scomberoides
Rebecão 01 Megalodoras uranoscopus
Cuiú-cuiú 01 Oxydoras Níger
Rebeca 01 Pterodoras lentiginosus
Traíra 05 Hoplias sp
Cubiu 02 Anodus elongatus
Anodus orinocensis
Orana 07 Hemiodus atranalis
Hemiodus goeldi
Hemiodus immaculatus
Hemiodus semitaeniatus
Hemiodus unicamaculatus
Micromischodus sugillatus
Mapará 03 Hypophthalmus edentates
Hypophthalmus fimbriatus
Hypophthalmus marginatus
Bodó 01 Hypostomus carinatus
Acari-bodó 01 Gliptoperichthys gibbiceps
Aruanã 02 Osteoglossum bicirrhosum
Osteoglossum ferreirai
Piraíba 01 Brachyplatystoma filamentosum
Dourada 01 Brachyplatystoma flavicans
Piracatinga 01 Calophysus macropterus
Pirarara 01 Phractocephalus hemioliopterus
Babão 01 Goslinia platynema
Mandi 12 Nannorthamdia sp
Pimelodella sp (5 espécies)
Pimelodus blochii
Pimelodus sp
Platystomatichthys sp (02)
Rhamdia sp
Sorubim lima
Mandi-moela 01 Pimelodina flavipinnis
Piranambú 01 Pinirampus pirinampu
Surubim 01 Pseudoplatystoma fasciatum
Caparari 01 Pseudoplatystoma tigrinum
Araia 04 Potamotrygon henlei
45
Potamotrygon hystrix
Potamotrygon motoro
Potamotrygon schroederi
Jaraqui 02 Semaprochilodus insignis
Semaprochilodus taeniurus
Corvina 04 Pachryurus schomburgki
Pachryurus sp.
Pachrpops grunnies
Pachrypops trifilis
Pescada 03 Plagioscion cf. montei
Plagioscion sp.
Plagioscion squamosissimus
Pacu 06 Myleus rubripinnis
Myleus schomburgkii
Myleus sp (02 espécies)
Myleus torquatus
Mylossoma duriventre
Piranha 10 Serrasalminae sp. (06 espécies)
Serrasalmus cf. manueli
Serrasalmus goudingi
Serrasalmus serrulatus
A presente tabela demonstra a diversidade de espécies manejadas, ou identificadas
com usos no plano de manejo de Anavilhanas (IBAMA, 1999). Existem variações de
espécies de peixes de rio para rio, afluente para afluente, na Bacia do rio Negro. Objetivou-
se demonstrar que, quando aparecem nomes comuns e genéricos, como tucunaré, cará, ou
fera, significa uma variedade maior de espécies. Não foi objetivo focar na etnobiologia ou
etnoecologia.
Em síntese, este capítulo tratou de delimitar as técnicas metodológicas bem como
descrever, de forma abrangente, a área de estudo. De certa maneira, a descrição da área de
estudo serve para mostrar ao leitor uma apresentação geral conforme bibliografias
disponíveis, mas, em suma, existe um vazio de muitas informações, seja em termos
biofísicos ou sociais. O próximo capítulo tratará sobre os aspectos teóricos da pesquisa.
46
3. TRAMAS DA PESCA: TEORIAS E CONCEITOS
“Este enfoque valoriza, em outras palavras, a
promoção de um diálogo de saberes capaz de
favorecer a consolidação progressiva de uma cultura
da paz. Podemos caracterizá-lo assim como um
enfoque não-dual - que distingue, sem separar, os
meios e os fins, o natural e o cultural, o caminho e a
meta” (REBOUÇAS, FILARDI e VIEIRA, 2006 p.
19).
3.1 O SISTEMA SÓCIO-ECOLÓGICO DA PESCA ARTESANAL
O fio que conduz a esta pesquisa é a adaptabilidade dos pescadores artesanais no
Baixo Rio Negro. Assim, esse fio pode ser visto como uma linha que esticada, toma uma
forma; solta, faz um pêndulo; mas pode ser ainda enrolada, cruzada ou tecida de diversas
formas, como uma trama ou até mesmo um emaranhado. Um fio talvez tenha um início,
um meio e um fim, mas desenrolar esse fio ou suas variadas formas para encontrar uma das
duas possíveis pontas, tanto nos pode levar ao seu início, como ao seu fim.
Sendo assim, nada mais feliz do que considerar que o sistema é complexo, ou seja,
segundo Morin (2005), sem possuir uma delimitação clara, porém com uma organização e
uma interação entre os elementos deste sistema. Ao desemaranhar a trama, sempre pode se
encontrar um novo nó. Como esse novelo, ou emaranhado, não está parado, isolado do
mundo como em um experimento, talvez essa tarefa não seja possível, pois a mesma
organização, segundo Morin (2005) está sempre em movimento, entre a ordem e a
desordem promovida nas interações da organização do próprio sistema; ou seja, entre
relações dos elementos que modificam o seu comportamento ou a própria natureza dos
elementos, dos corpos ou objetos.
Pelo fato de pegar as “tramas da pesca” a partir do observar do pesquisador, se
estará fazendo parte do próprio sistema, ou seja, se estabelece uma relação entre o
observador e o observado (MATURANA e VARELA, 1995; MORIN, 2005). Portanto, o
sistema pesquisado também é fruto dos limites do próprio pesquisador, limites
estabelecidos pelos objetivos, pela metodologia, das teorias, as experiências de campo, e
depois das reflexões, análises e processos de cognição materializada pela escrita. Em
outras palavras, o sistema é complexo, imprevisível e incerto. Definir elementos na
pesquisa é assumir os riscos e incertezas, uma parte que corresponde à visão do
47
pesquisador sobre esse mesmo sistema. Segundo Berkes et al. (2001), o sistema da pesca
pode ser considerado um delineamento artificial do sistema ecológico e sócio-cultural dos
pescadores – um sistema sócio-ecológico.
O presente capítulo está dividido em dois tópicos. O primeiro trata das estratégias
de adaptabilidade como categoria relacional, ou seja, para a análise desta pesquisa,
dedicada principalmente para análise do último capítulo (Capítulo 07). O segundo tópico,
“os recursos de uso comum” é mais conceitual em relação aos entendimentos sobre os
recursos de uso comum, os regimes de propriedade, os sistemas de gestão e os usuários
pescadores e no que diz respeito aos processos territoriais.
Assim, enquanto que o primeiro tópico é mais teórico, enquanto discute,
problematiza e define um entendimento sobre adaptabilidade, o segundo é mais enfático
em conceituações baseadas na revisão bibliográfica de autores que seguem a linha das
“teorias dos comuns” (ecologia política). Segundo Cunha (2004), a ecologia política
prisma em ver os processos históricos e institucionais, ou seja, a análise das instituições e
as tomadas de decisões, mediante estes processos tidos como políticos. Em outras palavras,
a opção de ver o problema da pesquisa também é uma opção em buscar o entendimento por
meio dos processos históricos.
3.2 ESTRATÉGIAS DE ADAPTABILIDADE: CONCEITOS E DILEMAS
3.2.1 Notas introdutórias
As teorias sobre a adaptabilidade podem trazer reflexões acerca das estratégias
políticas do grupo de pescadores, justamente baseado no histórico regional e, de forma
mais abrangente, os regimes de propriedade, a fim de que se possa ver e pensar a pesca, os
pescadores e as áreas protegidas.
Para Moran (1994), a adaptabilidade é centrada no pensamento evolucionista
segundo o qual o organismo se adapta frente a um ambiente considerado externo, como
forma de ajustes, ou seja, trata da relação entre as estruturas organismo e ambiente. Como
método, ou proposta teórica, a adaptabilidade incluiria as variáveis habitat/território, o
ajuste fisiológico frente ao clima, aspectos comportamentais (critérios demográficos,
energéticos e nutricionais) e culturais (tecnologias empreendidas, aspectos culturais).
48
Segundo essa visão, por exemplo, no Rio Negro, as populações adaptaram-se a oligotrofia
dos rios e solos, diversificando as estratégias (e tecnologias) de convívio com o ambiente
diversificando as atividades agroextrativistas, a pesca e a caça, a mobilidade e uso entre
diferentes habitats, escalas temporais dos ciclos hidrológicos (MORAN, 1990; SILVA,
2003; SILVA e BEGOSSI, 2004).
Harris (2006), a partir das ciências sociais, utilizou a abordagem histórica com foco
na descontinuidade dos ciclos econômicos e políticos para propor uma explicação ao
sistema adaptativo das reinvenções das tradições dos camponeses amazônicos no espaço e
tempo. Os camponeses, por um lado, adaptaram-se aos ciclos ecológicos e hidrológicos, e
também a economia. Quando existe uma demanda econômica externa, se especializam
mais, e quando não existe demanda, tentam diversificar mais o seu leque de possibilidades
e se dedicam ao trabalho ou desenvolvimento interno. Segundo o autor, também as
populações campesinas têm migrado para ter melhores condições. Assim, variáveis
ecológicas, políticas e econômicas determinam a organização social que se articula entre a
tradição de relações de parentesco, flexíveis e extensas redes sociais. A adaptabilidade é
associada à flexibilidade, resiliência e resistência social.
Apesar de Moran (1994) ter enfatizado a adaptabilidade com um foco mais passivo
do ser humano frente ao ambiente destacou exemplos contrários a essa lógica,
principalmente em que algumas decisões econômicas eram realizadas privilegiando mais
os custos que os benefícios. Em compilação mais recente, Moran e Ostrom (2009)
analisaram as transformações e modificações sobre o uso dos solos como agente
modificador da paisagem, o que enfatiza uma lógica mais ativa sobre a capacidade das
pessoas transformarem o ambiente e não apenas se adaptarem dentro de uma lógica mais
passiva. Isto se deve também à incorporação na análise das variáveis dos regimes de
propriedade, das instituições e das relações econômicas em diferentes escalas.
3.2.2 Incorporando uma visão sistêmica
Outra forma de ver a adaptabilidade seria em relação a um sistema mais complexo
e dinâmico, uma visão que é fruto do desenvolvimento de uma teoria de recursos de uso
coletivo. O foco da adaptabilidade dado pela ecologia política, que segundo Berkes e Folke
49
(1998), Berkes et al (2001), Holling e Gunderson (2002), Vieira et al (2005) e Walker et al
(2004) é vista como uma característica do sistema25
que inclui relações inter-transescalares,
as instituições e os regimes de propriedade; ou seja, Berkes e Folke (1998) e Berkes et al
(2001) propõem analisar os problemas socioambientais na perspectiva sistêmica a fim de
estudar as inter-relações do sistema de manejo. O sistema de manejo pode ser visto como
uma conjunção de dois sistemas – o social e ambiental – como delimitação artificial. Ao se
considerar a problemática em análise como um sistema, inclui-se a idéia de complexidade,
e portanto, leva-se em conta que o sistema pode ser imprevisível e que os processos não
são lineares e constituem-se como auto-organizativos.
Esta teoria propõe que o ambiente seja visto como um sistema socio-ecológico em
constante processo de mudança, passando por ciclos adaptativos onde existem mais de um
ponto de equilíbrio, ou seja, o ciclo pode não voltar ao ponto original de equilíbrio,
portanto atinge outro equilíbrio (multi-equilíbrio). A panarquia, modelo proposto por
(GUNDERSON e HOLLING, 2002 e autores associados)26
, considera o sistema enquanto
um conjunto de cenários que envolvem processos naturais, sociais, políticos e assim por
diante. Para entender este modelo basta considerar que o sistema está em fase de
“crescimento” quando sofre uma perturbação qualquer ou está “maduro” ao ponto que
entra em colapso. Após este colapso, o sistema busca se remontar ou recuperar, ao ponto
que se renove e encontre novo ponto de equilíbrio (espiral). Ou seja, não seria o mesmo
ponto anterior, mas outro ponto. Assim, a adaptabilidade estaria relacionada a um
aprendizado histórico e a capacidade adaptativa mediante a memória e aprendizado para
criar ou inovar frente aos sistemas sociais e ambientais quando os limites de resistência ou
resiliência estiverem próximos.
Na idéia de ciclos adaptativos, o conceito de resiliência torna-se central, sendo a
capacidade do sistema de se recuperar após uma perturbação. Porém, considera que as
próprias perturbações podem modificar o sistema de uma condição de equilíbrio para outra
(BERKES e FOLKE, 1998) de modo a manter a mesma função, estrutura, identidade e
25 Sistema segundo Morin (2005) pode ser considerado como a organização de elementos que interagem continuamente e dinamicamente se ordenando e desordenando em função de suas propriedades emergentes. Portanto, é complexo, diverso e múltiplo. Segundo Berkes et al (2001, p. 23) ao se referir ao ecossistema (sistema ecológico) ou ao sistema social diz que “não só são mais complexos do que pensamos, ele são mais complexos que do que nós podemos pensar”. 26
Segundo Holling e Gunderson (2002) a expressão panarquia vem da junção do sufixo “pan” em alusão a
deusa grega da natureza e a antítese da hierarquia. A hierarquia está associada a níveis estruturais na ecologia
e tratando se relações entre escalas e processos que tratam do sistema dinâmico e adaptativo e evolutivo.
50
feedback27
(HOLLING, 1973; WALKER et al, 2004). Ou seja, o sistema passa por
diferentes modificações e a resiliência torna-se a capacidade de experimentar a perturbação
e manter as funções em curso (HOLLING e GUNDERSON, 2002).
A adaptabilidade é a capacidade dos atores de influenciarem na resiliência do
sistema, mas não modificarem as estruturas. Se houver isso, Walker et al (2004) considera
ser outra característica, a “transformalidade”, como a capacidade dos atores em criar um
novo sistema com novas estruturas sociais, ecológicas e econômicas.
A adaptabilidade é assim vista de forma ambígua, por um lado, como uma ação
humana dos atores; e por outro, como uma propriedade intrínseca aos sistemas. A questão
é que a adaptabilidade é uma relação entre sistemas; sendo assim, atua na própria
adaptabilidade do sistema. Ou, em outras palavras, os componentes do sistema e suas
relações se adaptam mutuamente (MATURANA e VARELA, 1995), ou ainda, segundo
Holling et al. (1998) co-evoluem ou se auto-organizam mediante crises, aprendizados
regulados pelos feedbacks.
3.2.3 Uma crítica
Por fim, outra vertente oposta, a de Escobar (1998; 2001) critica o conceito de
adaptabilidade por ter dilemas que transitam entre o determinismo e o evolucionismo, o
que poderia marginalizar as relações entre espaço, território e os grupos sociais residentes.
A preocupação do autor é o reducionismo da condição humana a estar “bem adaptado” ou
“mal adaptado”. Moran (1994) também criticou a relação da adaptabilidade enquanto
explicação determinista ambiental, o que justificaria a dominição do território pelos
governos. Nesse sentido, Arthur Escobar focou na idéia de que os grupos sociais teriam
premissas diferenciadas ao território, dos quais se utilizam de estratégias de resistência e
defesa do próprio território, às vezes por formas e significados próprios. A condição de
defesa é citada como uma condição estratégica também por Moran (1994) ou no trabalho
de Cashdam (1992) na perspectiva do comportamento ecológico, o que para Escobar,
27
Feedbacks são considerados como conexões estabelecidas entre os usuários de recursos, as instituições
(regras-de-uso) e o recurso permitindo que seja regulado por respostas dadas pelo ambiente (BERKES,
2005).
51
envolve o comportamento político. Escobar (1998; 2001) previligia os grupos sociais e
estes se organizam mobilizando diferentes redes sociais entre si, entre as instituições de
governo em diferentes escalas, reconfigurando as estratégias de acesso, uso e permanência
no território.
3.2.4 Construindo um significado próprio
Por um lado, a adaptabilidade é vista como propriedade de um sistema que
representa o ajuste humano, e, de forma separada, da capacidade de transformação
(WALKER et al, 2004), mas por outro, como um conceito que apresenta as propriedades
de ajuste e modificação (OSTROM, 2009). A idéia de que a adaptabilidade é uma relação
entre as pessoas e o sistema em uma direção aparece também inserida dentro do próprio
sistema, onde, ao invés das pessoas se adaptarem unilateralmente, o próprio sistema co-
evolui; portanto, se adapta por meio de processos de feedback.
Neste trabalho, considera-se de forma combinada, uma proposta de conceito de
estratégia, associado ao de adaptabilidade. Quanto à estratégia, refere-se à ação coletiva
pretendida ou não (sem intenções) segundo Mintzberg et al. (2006). A estratégia também
não é estática, é dinâmica e processual, ela envolvem planos e perspectivas e cada plano
poderia virar um padrão, e o padrão se arraigar no comportamento de uma organização, o
que para Moran (1994, p. 27) seria o ajuste regulador cultural, ao tratar das possibilidades
de sobrevivência ao ambiente ou viver com relativo bem estar. Porém, um movimento da
estratégia desencadeia contra-movimentos, o que dá dinamicidade na reorganização da
própria estratégia. Torna-se o caso de diferenciar estratégia do conceito de tática, por se
tratar de um realinhamento de uma ação-interação de curta duração, enquanto que a
estratégia envolve bases mais continuadas (MINTZBERG et al., 2006), ou também, uma
tática poderia virar uma estratégia.
Considera-se estratégias de adaptabilidade como sendo um processo de resistência,
diante o confronto de externalidade entendida como “negativa”, resiliência ao se tratar de
um ajuste, e transformalidade à mudança do comportamento para construir uma nova
proposta. Em outras palavras, as estratégias de adaptabilidade dos pescadores artesanais
52
também envolvem a adaptabilidade do sistema ecológico e social mais amplo, que quando
voltado aos sistemas de manejo, implicam em processos co-evolutivos.
Ao adentrar na região de estudo, Leonardi (1999) retratou cenários históricos de
alguns rios no Baixo Rio Negro, especialmente o Jaú, antes da criação do parque, e
demonstrou como a paisagem hoje vista como natural foi resultado de um processo de
transformações, de diferentes contextos políticos e econômicos. Furtado (2006) não focou
na paisagem, mas em como os pescadores passaram por esta história e como ela ajuda vê-
los, atualmente, onde a adaptabilidade não é apenas em relação ao meio natural, mas
histórico e cultural. Assim, em outras palavras, considera-se que houve ciclos adaptativos
da pesca artesanal no Baixo Rio Negro que consideram rupturas e continuidades, onde
pescadores recriam as suas formas de resistência e resiliência.
Finalizando este subtítulo, é de se pensar que as restrições espaciais no Rio Negro,
bem como o aumento demográfico, tornou-se um desafio aos pescadores artesanais. O
abandono da atividade da pesca comercial é uma opção. Ela acontece de fato? E o número
crescente de registros profissionais dos pescadores? Qual a perspectiva dentro da idéia de
adaptabilidade? O fato dos pescadores operarem na clandestinidade e com medo da
fiscalização ambiental, de poderem perder as ferramentas de trabalho por apreensão, e
assim perder a fonte de renda, representa uma adaptabilidade ou uma resistência? Isso
representa uma vantagem ou uma desvantagem? Talvez a opção co-evolutiva opere entre a
resistência e a adaptabilidade sistêmica no momento em que negociações ou concessões de
acesso aos recursos pesqueiros tornem-se necessários. O fato é que, algumas dessas
questões levantadas não são exclusivas dos pescadores do Baixo rio Negro ou do
Amazonas, mas de muitas partes ao redor do mundo. Grupos sociais se adaptam e resistem
ao mesmo tempo, o que faz com que o sistema entre em uma “panarquia”.
Quais são os motivos que fazem com que pescadores se mobilizem para
determinados ambientes de pesca, o fato de outros serem restritos? O abandono da
atividade é relacionado a restrição espacial das UC’s? Estar pescando clandestinamente é
resistência ou adaptabilidade? É opção, desobediência civil, necessidade ou (...)? De que se
trata a lógica co-evolutiva? De negociações? Essas perguntas abrem um leque para se
pensar a pesca artesanal e o Mosaico do Baixo Rio Negro – dilemas que envolvem a
conservação da biodiversidade in situ dentro de um modelo, ao mesmo tempo em que esta
possui outro valor de uso para quem depende dela (da biodiversidade) e portanto, talvez o
53
primeiro passo para se valorizar não seja conhecer as estratégias de uso e conservação, e
sim propiciar o diálogo simétrico.
3.3 “OS RECURSOS DE USO COMUM”
3.3.1 Base comum de recursos naturais ou recursos de uso comum/coletivo
São recursos naturais de uso comum as águas, as florestas, a fauna silvestre, os
peixes, o ar, entre outros, baseado em duas características: a difícil exclusão dos usuários
desses recursos (exclubilidade) e quando parte dos usuários manejam uma unidade desses
recursos, influenciam diretamente no manejo de outros usuários (subtrabilidade). Recursos
de uso comum são, portanto de difícil exclubilidade e alta subtrabilidade (McKEAN e
OSTROM, 2001). Os peixes, recursos manejados pelos pescadores, apresentam essas
características.
Exemplos de subtrabilidade: se um agricultor de um rio contamina com agrotóxico
o rio na sua montante, os usuários da jusante irão ser afetados diretamente. Se o mesmo
utiliza a água para o seu sistema de irrigação, pode influenciar na disponibilidade de água
para outros usuários. Se um pescador captura parte de um cardume de peixes, outro
pescador pode não ter sucesso de pesca em outra localidade onde, porventura, o cardume
fosse passar.
Sobre a exclubilidade, mesmo que o ordenamento jurídico imponha regras de uso e
acesso a determinados recursos naturais, não quer dizer que os usuários as sigam. A
complexidade e a dimensão dos recursos de uso comum fazem com que a sua gestão seja
difícil, tanto em normas estatais, privadas ou comuns.
3.3.2 Regimes de propriedade, instituições, os recursos de uso comum/coletivo
54
O Código das Águas assim como outras leis (Código Florestal28
, Código da
Pesca29
), a Constituição Federativa do Brasil, retratam em termos jurídicos, que os
presentes recursos naturais ou são bens comuns ou de interesse comum, ornamentadas
juridicamente, regulando o seu acesso e o seu uso. Em termos da Lei, são estas as formas
em que aparecem nos textos. Esse conjunto de leis, normas e códigos são denominados de
instituições formais (NORTH, 1994 apud SEIXAS, 2004), pois almejam “controlar” o
comportamento dos usuários dos recursos naturais para fim de que se proteja o interesse
comum.
Segundo a autora, existem também as instituições informais, que são aquelas
ligadas a códigos culturais como aspectos religiosos, mitológicos ou cosmológicos, que
também incidem sobre as normas de comportamento. Regimes de Propriedade
correspondem às instituições sociais (McKEAN e OSTROM, 2001), ou seja, às regras de
acesso e uso aos recursos naturais. Seixas (2005), Berkes (2005), Berkes et al (2001),
Feeny et al (2001), McKEAN e OSTROM (2001) e Pereira (2004) consideram e definem
quatro tipos de regimes de propriedades ou apropriação de recursos: o “livre acesso” e as
propriedades privada, estatal e comum. Porém, esses regimes não são isolados na prática e
se combinam de diferentes formas ou coexistem.
O marco na literatura da teoria dos comuns a respeito desses tópicos é resultado em
parte da publicação de um artigo de Garret Hardin (1968), “A Tragédia dos Comuns”, a
partir de modelo hipotético do uso de pastagem, alegando o seu livre acesso dos recursos
naturais. Cada criador de rebanho visaria o lucro, aumentando o número do rebanho nas
pastagens, o que levaria à tragédia, no caso a exaustão, sugerindo privatizá-las ou estatizá-
las (FEENY et al., 2001). McKean e Ostrom (2001) alegam que, em se tratando de
recursos de uso coletivo, não se trata da forma do regime de propriedade, mas da incerteza
dos direitos de propriedade, uma vez que todas as formas de regimes de propriedades
apresentam dificuldades de exclubilidade quando o recurso é comum.
Segundo Feeny e autores (2001) a “Tragédia” proposta por Garret Hardin poderia
se iniciar sim, mas os pastores das referidas pastagens poderiam, ao detectar essa tragédia,
mover ações para reverter esse quadro como o controle de acesso as pastagens e elaborar
normas de conduta. Ou seja, condutas e ações coletivas de usuários individuais teriam sido
minimizadas em sua análise. Assim, a dificuldade está na diferença entre a racionalidade
28 Lei Nº 4.771 de 15 de setembro de 1965.
29 Decreto-lei 221 de 28 de fevereiro de 1967.
55
individual e a coletiva, do conjunto de usuários. Dessa forma, o fato do recurso ser comum
torna os usuários interdependentes e capazes de “construir e impor regras e normas que
restringem o comportamento dos indivíduos” (FEENY et al.2001, p. 32).
Livre acesso é, portanto, a ausência de uma definição de propriedade ou a
imposição política dessa condição, seja por regimes coloniais ou mercantis (e econômicas)
(FEENY et al, 2001; McKEAN e OSTROM, 2001; SHIVA, 2000; BERKES, 2005), sendo
necessário incorporar nessa análise outras variáveis, ou ainda a perspectiva histórica
(CUNHA, 2004). Hardin (1994 aput McKEAN e OSTROM, 2001) em compilação mais
recente, distinguiu que os recursos eram explorados de forma não manejada, quando em
situação sem proprietários, e quando explorados por proprietários, também poderia estar
sendo feito sem manejo adequado.
O regime de propriedade privada é então aquela em que somente o (s) proprietário
(s) tem (têm) o acesso, sendo, portanto, exclusivos, com os direitos claramente
determinados, seguros e flexíveis, pois podem ser transferíveis para outros proprietários
(McKEAN e OSTROM, 2001) enquanto que a propriedade estatal é aquela regulada pelo
Estado, como exemplo, as unidades de conservação de proteção integral (PEREIRA, 2004)
ou no manejo de bacias hidrográficas (BERKES, 2005).
O regime de propriedade comum segundo McKEAN e OSTROM (2001, p. 83), é
definido como “formas de privatizar direitos sobre um objeto sem dividi-lo em pedaços;
oferecem uma maneira de parcelar o fluxo de “rendas” da colheita (o lucro) de um sistema
integrado de recursos sem que haja parcelamento (...)”
Os sistemas de apropriação comuns, ou regimes de propriedade comum, são formas
coletivas de obter o acesso e uso dos recursos naturais comuns, podendo ser reconhecidos
ou não, e demonstram a capacidade das pessoas de estabelecerem regras ou fazer a ação
coletiva de facto (McKEAN e OSTROM, 2001; CUNHA, 2004).
Os regimes de propriedade se combinam entre si (CUNHA, 2004; McKEAN e
OSTROM, 2001; BERKES, 2005). Berkes (2005) e Pimbert e Pretty (2000)
exemplificaram o caso de que, em muitos parques nacionais onde se instala uma
propriedade estatal sobre propriedades comuns, sem reconhecê-las, pode ocosionar uma
situação de livre acesso aos recursos. Ao contrário, outros exemplos – como os conflitos
ocorridos no Estado do Acre nos anos 70 e 80, onde seringueiros disputaram os seus
territórios, considerados pelo Governo de livre acesso, solicitando outro modelo de gestão
que não a da propriedade privada – culminaram com a Reserva Extrativista (LITTLE,
56
2002). Ou ainda, conforme Castro e McGrath (2001) ou Pereira (2004), os pescadores
solicitaram às instituições públicas o direito de gerirem seus territórios de pesca, do qual
foram propostos os “acordos de pesca”.
Portanto, sistemas de apropriação de recursos comuns ou regimes de propriedade
levam em conta sistemas de gestão desses recursos, acordos entre instituições locais, das
comunidades (informais), de suas organizações com as instituições formais. Peixes e águas
estão na esfera de recursos de uso comum e, por um lado, são regulados pelo regime de
propriedade estatal, como bens comuns, e, por outro, são manejados por sistemas de
regimes de propriedade coletiva (ou compartilhada entre membro de um grupo, recursos
compartilhados e privados, segundo McKean e Ostrom (2001)), ou ainda em sistemas de
co-gestão (CASTRO e McGRATH, 2001; BERKES et al., 2001; PEREIRA, 2004;
QUEIROZ, 2005).
3.3.3 Sistemas de gestão
Do inglês recurso advém resource, cujo significado original sugeria vida, auto-
regeneração e reciprocidade, mas que, a partir do século XIX, se consolidara outra visão
conceitual como um repertório de recursos, matérias-primas a serem utilizadas (SHIVA,
2000). Segundo a autora, até o período colonial, recursos naturais eram tidos como
infinitos, mas que em uma segunda fase, necessitariam de um gerenciamento mediante a
ameaça da escassez. No período colonial do Brasil foram implementados os “pesqueiros
reais” para garantir o suprimento de “pescados” para as vilas sedes. Medeiros (2006) citou
a evolução dos sistemas de conservação imperiais, seja preocupado com determinadas
espécies madeiráveis, ou o sistema de matas ciliares, ou ligados a água, que culminaram,
por exemplo, nas regras do Código Florestal (1965) e no modelo de unidades de
conservação, que hoje correspondem a doze tipologias distintas.
A análise de que existem problemas ambientais foi incorporada nas tomadas de
decisões de instituições com fins de conservação da natureza pelo Estado, assim como tem
sido objeto de reivindicação de comunidades locais, ao solicitarem acordos de pesca, como
um instrumento de gestão local. Berkes et al. (2001) ressalta que não se deve pensar que
pescadores estejam almejando práticas conservacionistas e nem que os programas e
57
políticas de pesca devem ser direcionados a isso, o que seria um erro, mas em um sistema
de gestão que possibilite “diálogo”, divisão de responsabilidades e talvez, desta maneira, a
conservação ambiental dos recursos pesqueiros se torne uma consequência.
De outra forma, a gestão pesqueira, quando vista apenas mediante os problemas de
explotação da pesca (PEREIRA, 2004; RUFFINO, 2005) nem sempre é compartilhada
com a visão dos pescadores (BERKES et al, 2001; OSTROM, 1990). Gestão e território
são elementos essenciais, porém, divergentes e desafiadores na sua abordagem,
especialmente quando o recurso é de uso comum e perpassa diferentes regimes de
propriedades e envolve aspectos simbólicos, históricos e socioeconômicos.
Ruffino (2005) resume que a abordagem no Brasil sobre o ordenamento da pesca
sempre considerou o livre acesso, foco biológico e a busca de maior rendimento
econômico, o que levou sempre a medidas de incentivos tecnológicos e expansão da frota.
Berkes et al., (2001) e Pereira (2004) explicitaram o modelo econômico convencional
baseado na Produção Máxima Sustentável. Nesse modelo, a renda máxima sustentável é
atingida com menor esforço, controlada a partir de políticas públicas, como o sistema de
cotas, por exemplo, ou a restrição de apetrechos de captura, os tamanhos de captura de
peixes, a sazonalidade para se pescar, e assim por diante.
A abordagem de gestão convencional é elaborada com base nos conhecimentos
científicos e é orientadora de políticas públicas e da normatização estatal, pois considera o
“livre acesso”; porém, sem sucesso de implementação (PEREIRA, 2004). O controle é
inviável, pois se trata de inúmeras tipologias de pescadores, unidades de manejo variadas,
o que faz com que o custo administrativo seja elevado, sem cumprimento das regras por
parte dos usuários (BERKES et al, 2001). Segundo o autor, a probabilidade dos pescadores
em serem fiscalizados e apanhados é reduzida, às vezes menor que 1%, tornando a pesca
ilegal mais vantajosa que a pesca legalizada.
A gestão convencional (centralizada) é aquela em que as regras são elaboradas de
cima para baixo e baseadas em valores utilitários e econômicos, às vezes focadas em
poucas espécies (PEREIRA, 2004). Na prática, o sistema social, histórico e cultural é
pouco considerado. Segundo Berkes et al. (2001) os planejadores esquecem que, quando
estão propondo manejar a pesca, estão na verdade manejando pessoas; ou em outras
palavras, a gestão da pesca é a gestão de pessoas, que podem fazer as suas próprias regras
para resolver seus próprios problemas.
58
Existe uma confusão, por um lado a gestão é estatal e centralizada, e se baseia na
propriedade estatal, mas considera que os recursos sejam de livre acesso. No entanto, na
maioria dos casos, os recursos estatizados são geridos por regimes de propriedade comuns.
Como sair desse impasse?
Berkes et al. (2001) citando Christy (1982) informa que o reconhecimento da
propriedade comunal passa pelo reconhecimento dos direitos territoriais das comunidades,
delineando a pesca, promovendo monitoramento ou realizando o controle. O tipo de
regulação, seja pelo controle comunitário ou pelo limite de acesso, tem sido o mais
frequente utilizado em termos mundiais.
Peixes são recursos de uso comum, fazendo com que a comunidade de pescadores
seja interdependente. As relações sociais entre esses usuários também estão carregadas de
conflitos. O sistema de manejo da pesca depende de relações de parentesco, obrigações
sociais, associativismo entre grupos, o que faz dessa construção descentralizada de gestão
um desafio. Berkes et al. (2001) e Ostrom (1990) argumentam que existem nos sistemas de
manejo, especialmente de pesca, um sentimento de falta de confiança no seu
funcionamento, especialmente baseados em um histórico descontínuo de sistemas não bem
sucedidos. No entanto, ressaltam que as habilidades dos usuários ou das instituições
deveriam ser utilizadas para a construção de outro sistema de manejo.
Pereira (2004) argumenta que a gestão descentralizada considera a complexidade e
incerteza do sistema manejado, priorizando o local e a pluralidade de conhecimentos, mas
ressalta que comunidades podem ser menores ou maiores, assim como homogêneas ou
heterogêneas, seja economicamente ou no poderio de captura de pesca. Comunidades
homogêneas formadas por menor número de pescadores têm maior facilidade de manejar
os recursos, ao passo que comunidades heterogêneas teriam maior dificuldade, pois os
custos sociais de manutenção da instituição local de manejo seriam maiores do que para os
grupos menores.
Porém, comunidades de pescadores desejam manejar os seus recursos, decidir sobre
eles, especialmente sobre os territórios. Castro a McGrath (2001) demonstraram o
surgimento dos acordos de pesca, que tinham como finalidade que os pescadores pudessem
controlar os seus territórios, por meio de acordos solicitados às agências ambientais de
manejo (IBAMA), nos quais se estabeleceriam sistemas de rodízio em lagos de várzea
envolvendo regiões de proteção (para procriação dos peixes), lagos de manutenção
59
(exclusivos para a subsistência alimentar das comunidades locais) e de pesca comercial,
que inclui os pescadores externos à comunidade.
Acordo de pesca é um sistema de co-manejo que envolve a cooperação entre
governo, comunidade usuária local (pescadores), agentes externos (organizações da
sociedade civil, acadêmicos) e outros usuários dos locais (outros pescadores, agências de
turismo) para compartilharem responsabilidades e decisões sobre o manejo da pesca
(BERKES et al., 2001). Em outras palavras, é uma ação coletiva processual, mas que
envolve uma tensão entre o sistema local e o conjunto de atores. Portanto, não existem
receituários, mas um caminho que envolve interesses, os direitos e regimes de
propriedades, as normas e leis, a capacidade de construção, aspectos históricos e relações
de poder.
3.3.4 Os usuários - “os pescadores artesanais”
Pescadores artesanais formam uma categoria social de difícil definição (ESTERCI,
2002). Sobreiro (2007) fez uma compilação sobre conceituações utilizadas por
pesquisadores e definições legais (Tabela anexo 01). Um desafio é enxergar os pescadores
para além de extratores de recursos (PEREIRA, 2004).
Para definir a concepção de pescador artesanal, como diz Castro (2004) trata-se de
ver em que contexto e comunidade se relacionam, ou conforme Berkes et al. (2001) que
pescadores estão envoltos de uma comunidade interdependente. Portanto, utiliza-se nesta
pesquisa uma questão de dimensão, que interligam pequenos e médios pescadores, sejam
os que pescam com canoas ou pequenas embarcações, até mesmo barcos regionais do tipo
batelão, utilizando apetrechos manuais, trabalhando em regime familiar ou com parceiros,
cuja produção é destinada para o mercado local ou regional. Segundo Leitão (1995, p.
187):
“Dentro deste quadro geral da pesca artesanal, contudo, encontram vários “tipos”
de pescadores que vão desde aqueles que possuem uma canoa ou uma pequena
embarcação, alguns instrumentos e pescam de forma autônoma; aqueles que,
apenas com seu saber empírico e sua força de trabalho compõem com outros as
“turmas de pesca”; incluindo os que possuem o “motor”, capital de giro e acesso
aos canais de comercialização e que reúnem em torno de si a produção e o
trabalho de outros pescadores”.
60
Utiliza-se o sufixo artesanal, por uma razão histórica, talvez em parte refletida por
Veríssimo (1970), quando se refere que a pesca na Amazônia, essencialmente indígena, se
utiliza de apetrechos “modernos”, como redes ou, conforme Furtado (2006), que se refere a
formação dos conhecimentos pluriétnicos.
Por tratar-se também de questões contemporâneas, o texto refere-se ao pescador
profissional quando o mesmo é registrado junto a instituições governamentais ou das
organizações de pesca; pescador de subsistência alimentar, quando este pesca apenas para
a sua alimentação; pescador artesanal embarcado, quando este possui uma pequena
embarcação regional do tipo barco batelão e quando a embarcação é uma canoa com motor
rabeta, de pescador rabeteiro. Se o pescador se envolve com a pescaria de peixes
ornamentais já se utiliza este nome, ou quando está envolvido com os empreendimentos
empresariais da pesca esportiva, é chamado de pescador esportivo. E, no que diz respeito a
pesca artesanal comercial, ainda inclui o aviador, que também pode ser pescador e
conforme Furtado (1981) e Leitão (1995), quando dono de barco de pesca e organizador de
viagens junto a seu grupo de pescadores, é também chamado de armador.
É preciso ter em mente que a denominação de pescador, ou não, advém de
processos internos da própria comunidade (ESTERCI, 2002). Segundo a autora, nos anos
70 e 80, os CEB’s chegaram a tratar ribeirinhos e pescadores dentro de uma mesma
“categoria”, pois, de certa maneira, realizavam o manejo integrado e sazonal envolvendo o
extrativismo florestal, a agricultura, a caça e a pesca. Nesta linha de raciocínio grande parte
das pessoas amazônicas seria de alguma maneira, pescadores. Mas, mesmo que isso
ocorresse dessa forma comum nas comunidades ribeirinhas, existem aqueles que se
definem como pescador (a). Portanto, o (a) pescador (a) se trata de uma categoria também
subjetiva em termos gerais, mas regionalmente ou localmente, pode se objetivar no
processo histórico, como aponta Esterci (2002).
Em outras palavras, o (a) pescador pode ser polivalente ou mais especializado, seja
na sazonalidade anual que acompanha os ciclos naturais (regime das águas – cheias e
vazantes) ou modos particulares de vida, ou ainda historicamente, acompanhando ciclos ou
oportunidades econômicas.
3.3.5 Os “processos territoriais” e a pesca
61
Este item visa conceituar território e apresentar ao leitor alguns processos
territoriais presentes no Baixo Rio Negro, onde o elemento da pesca encontra-se inserido.
Em primeiro lugar, a opção, mais uma vez de processo, ao tratar de território (s), é colocá-
lo em movimento, nas interações presentes, na relação com o passado e também
dimensionando-o (s) ao futuro. Dois autores da antropologia utilizam-se muito da ideia de
processos, dos quais podem ser citados Paul Little (2002) e Alfredo W. B. de Almeida
(2006). Talvez uma razão, assim como parte dos autores da teoria dos comuns, do qual
podem ser citados Berkes et al (2001) ou Cunha (2004) ao referirem-se aos regimes de
propriedade, seja: olhar para o território implica em não ver o “mapa” como está, mas os
processos sociais que levaram a esse “mapa”: os ciclos econômicos, os regimes políticos e
assim por diante.
O “mapa” é um instrumento cartográfico e, portanto, uma representação.
Representar um território significa fazer um recorte ou colocar uma visão determinada
sobre um objeto, considerando que está parado, colocando em visibilidade determinados
aspectos e tornando invisíveis outros. Nesse caso, utiliza-se a figura de um mapa como
uma metáfora de território, pois ele não está ali congelado, está em movimento e está
imerso a inúmeros significados; ou ainda conforme Sarita Albagli (2004), territórios não
são homogêneos, pois estão imersos em disputas políticas de poder, controle e
reconhecimento.
Segundo a autora, o mesmo território pode ser visto dentro de quatro concepções de
forma isolada ou combinada: a dimensão física é aquela com foco nas características dos
recursos naturais e nos usos e práticas dos grupos sociais; a dimensão espacial é aquela
focada nos processos sociais de produção; a simbólica são as que tratam das relações
culturais, afetivas entre um grupo e o lugar como elemento constitutivo da identidade; e a
quarta dimensão, a sociopolítica, é a que objetiva focar nas relações de poder e dominação
entre os grupos sociais (ALBAGLI, 2004, p. 27).
Transpondo essas dimensões para a região de estudo, o Baixo Rio Negro, e
considerando os referenciais teóricos apresentados até então, talvez seja possível imaginar
alguns elementos constitutivos.
Os pescadores e os rios podem ser considerados como sendo a primeira dimensão, a
espacial, na qual advêm as políticas públicas, os limites federativos e as regras; os
significados que a região apresenta para a diversidade de habitantes, a dimensão simbólica;
62
e por último, as relações de poder, estabelecidas não só entre pessoas e suas históricas,
como também os regimes de gestão, de propriedade frente ao Estado.
Tratando-se da pesca em uma região onde está o Mosaico do Baixo Rio Negro é
tratar das relações com o mesmo Estado, ou, conforme Little (2002), a definição de
território passa pela relação estabelecida com o Estado, no qual os regimes de propriedade
possuem ordenação jurídica. As pessoas que vivem no território também buscam se
reconhecer e se legitimar frente ao Estado e construir a sua territorialidade. Ou, em outras
palavras, segundo Esterci e Schweickardt (2010, p. 60):
“Distinguem, por um lado, os territórios produzidos para fins de ação pública e
de representação política, visando à administração local; e, por outro lado, os
territórios construídos de forma mais difusa e menos institucionalizada, como
manifestações das diversas formas de apropriação do espaço que os indivíduos e
os grupos sociais produzem e transformam no curso das relações que
estabelecem entre si e com o seu meio. São aqueles espaços, dizem os autores,
que as coletividades humanas organizam e modelam por meio de suas práticas
materiais e simbólicas”
Considerando, dessa forma, a ideia da presença do Mosaico do Baixo Rio Negro,
composto pelas UC’s e vizinho à Terra Indígena Waimiri Atroari, como um instrumento
administrativo de ordenamento territorial. Mas, por outro lado, essas instituições possuem
cada qual a sua construção histórica própria, o que Barreto-Filho (2001) definiu como
artefatos sociais, em seu estudo sobre a gênese de criação do Parque Nacional do Jaú e da
Estação Ecológica de Anavilhanas.
As unidades de conservação (UC’s) segundo o SNUC (2000), formam dois grupos
divididos em doze tipologias:
UC’s de Proteção Integral: Parque Nacional (PARNA), Estação Ecológica (ESEC),
Reserva Biológica, Monumento Natural e Refúgio da Vida Silvestre;
UC’s de Usos Sustentável: Reserva Extrativista (RESEX), Reserva de
Desenvolvimento Sustentável (RDS), Área de Proteção Ambiental (APA), Área de
Relevante Interesse Ecológico (ARIE), Reserva de Fauna, Floresta Nacional e
Reserva Particular de Patrimônio Natural.
Dessas tipologias no baixo rio Negro, estão presentes as APA’s e RDS Estaduais;
uma RDS municipal; uma RESEX federal, como sendo de uso sustentável; dois parques
63
nacionais e dois parques estaduais, do grupo de proteção integral (Tabela 01). A tabela 02
descreve sucintamente os antecedentes históricos das tipologias presentes no baixo rio
Negro.
Tabela 04 – Esquema descrevendo as UC’s do baixo rio Negro e o histórico.
Área
Protegida
(tipologia)
Antecedentes históricos Histórico de criação no baixo rio
Negro
Parque As perspectivas colônias e imperiais no
século XVIII e XIX visaram a proteção de
recursos, mananciais, espécies florestas
com vistas a interpretação de problemas
ambientais (BARRETO FILHO, 2006;
MEDEIROS, 2006)
A concepção mais atual inspirado no
modelo norte americano de Parque
(Yellowstone em 1872) beleza cênica sem
a presença de pessoas (DIEGUES, 2008).
Os primeiros parques criados foram nos
anos 30 (Código Florestal de 1934),
seguidos nos anos 50 e 60 devido a
“marcha para o oeste” e nos anos 70 e 80
no contexto do II Plano Nacional de
Desenvolvimento, com a criação do IBDF
(MEDEIROS, 2006; BARRETO FILHO,
2006).
O PARNA do Jaú foi criado em 1980,
por critérios técnicos e científicos
inspirado na teoria dos refúgios,
relatórios técnicos realizados nos anos
70, especialmente pelo INPA
(BARRETO FILHO, 2001;
FVA/IBAMA, 1998).
PARNA de Anavilhanas (ver ESEC)
Parque Estadual do Rio Negro. Criados
em 1995 sem processo registrado e
subdividido em dois parques em 2001
no Governo de Amazonino Mendes.
Estação
Ecológica
A ESEC foi criação da Secretaria Especial
de Meio Ambiente ligado a Presidência da
República (1973) em resposta aos debates
da conferência de Estocolmo e do Clube
de Roma (MEDEIROS, 2006).
A ESEC de Anavilhanas foi criada em
1981, inspirado em sua beleza cênica
por sobrevoo. (BARRETO-FILHO,
2001). Recategorizada em 2008 para
Parque Nacional a partir da evolução
de inúmeros projetos do Senado
Reserva
extrativista
Demanda por modelo de reserva inspirada
na terra indígena durante os anos 70 e 80
no Acre, consolidada em 1989 e
incorporada a gestão no CNPT/IBAMA
(LITTLE, 2002).
A RESEX do Rio Unini teve como
antecedentes a maior presença
institucional do IBAMA e também da
FVA no final dos anos 90 (durante a
elaboração do Plano de Manejo do
PNJ). A perspectiva dada pelo SNUC,
intercâmbios realizados entre
moradores do rio Unini que visitaram
outras RESEX, a organização da
AMORU, fizeram com que
reivindicassem protocolassem o pedido
da RESEX em 2004 (CALDENHOF,
2009).
Reserva de
Desenvolvime
nto
Sustentável
Proposta formulada nos anos 90 e ante-
projeto enviado pela Sociedade Civil do
Mamirauá em 1995 para a Assembleia
Legislativa do Amazonas, recategorizando
a ESEC federal do Mamirauá em uma
RDS visando a co-gestão visto que a
gestão da área não seria viável sem a
RDS Amanã criada em 199830
.
REDES de Tupé resultado de um
processo de recategorização
inicialmente com Área de Relevante
Interesse Ecológico (Lei Orgânica do
Município de Manaus em 1990),
30
Esta UC faz parte do Mosaico por fazer conexão com o PARNA Jaú e a RESEX do Unini e se justifica
pela gestão integrada da bacia do rio Unini onde existe apenas uma comunidade não sendo objetivo buscar
informações a respeito.
64
participação da população (QUEIROZ,
2005) e reconhecida em 2005.
passando para Unidade Ambiental
(1995) e REDES em 2002.
RDS Rio Negro: parte da APA
Margem Direita foi recategorizada para
RDS (2008) com recursos da
compensação ambiental da construção
da ponte sobre o rio Negro.
Área de
Proteção
Ambiental
Inspirado no modelo dos Parques Naturais
Regionais Europeus com ocupação
humana e que resguardam riquezas
naturais sem a necessidade do Estado
adquirir as terras (MEDEIROS, 2006).
As três APAs no rio Negro, da Margem
Direita e as duas da margem esquerda
foram criadas pelo mesmo decreto dos
Parque Estaduais.
Os grupos uso sustentável e proteção integral dizem respeito à forma de gestão. O
primeiro diz respeito às RDS e RESEX, envolvendo a conservação dos recursos naturais
aliados ao uso sustentável pelas denominadas populações extrativistas tradicionais, e o
segundo caso, refere-se aos parques e valorizam o uso indireto – visitação turística,
pesquisa e educação ambiental.
Segundo Pasquis (2009), a criação das UC’s de proteção integral passou a fazer
parte da política pública de ordenamento territorial com critérios ligados à conservação da
biodiversidade, onde as comunidades, ou povos residentes, ou do entorno, foram
considerados ameaças ou entraves. No Rio Negro, a criação do PARNA do Jaú e da ESEC
de Anavilhanas também não considerou os modos de vida (BARRETO-FILHO, 2001) o
que, até o presente, traz diferentes conflitos, sejam jurídicos administrativos, referentes a
gestão pelo lado das instituições públicas (MENDES, 2009), ou no embate referente às
visões distintas de território (CREADO, 2009).
Os moradores que habitam o Mosaico compõem formas distintas de relacionamento
com os seus territórios, o que Paul Little (2002) denomina de territórios sociais, pois são
baseadas na sua história, nas cosmologias (visões de mundo), nos regimes de propriedade e
sentimentos de pertencimento. Castro (2001) conceitua o território social como o espaço
ou esforço coletivo de um grupo social para que se garantam o uso e controle dos recursos
em um determinado ambiente biofísico, em uma escala de tempo.
Para parte das comunidades ribeirinhas houve a opção de gestão compartilhada na
RESEX do Rio Unini e nas RDS do Tupé, Amanã e Rio Negro. Nas APA’s, apesar das
comunidades serem reconhecidas frente aos governos locais, ainda carecem de
instrumentos de gestão, sejam compartilhados ou próprios. Além desses processos que
relacionam moradores com a política pública ambiental na área de estudo, ocorrem
65
processos sociais, que Almeida (2010) denominou “mobilizações étnicas”. Ou seja,
determinadas populações passam a se reconhecer perante categorias jurídicas baseadas na
sua história, como por exemplo, no Baixo Rio Negro, onde estão os remanescentes de
quilombos e indígenas. Essas categorias também estão inseridas em um contexto
institucional baseado nas suas próprias histórias, reivindicações de reconhecimento, assim
como os direitos de uso e acesso aos territórios.
No baixo Rio Negro, apenas a Terra Indígena Waimiri Atroari encontra-se
reconhecida (demarcada e homologada), enquanto que o remanescente de quilombo do
Tambor, embora seja reconhecido, por conta da sua sobreposição ao PARNA do Jaú, ainda
encontra-se em fases de “negociações” entre esferas distintas do Governo Federal (ICMBio
e Fundação Palmares). Existe no Baixo Rio Negro dois pedidos de terras indígenas. No Rio
Cuieiras, um grupo de moradores solicitou em 2002 a criação de um PDS (Projeto de
Desenvolvimento Sustentável), categoria de assentamento do Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e sobrepõe parte do PAREST Rio Negro – Setor
Sul. A tabela 05 apresenta de forma sucinta os antecedentes históricos da terra indígena
Waimiri Atroari e do Remanescente de Quilombo.
Tabela 05 – Territórios sociais e seus antecedentes históricos:
Território Antecedentes históricos Histórico de criação no baixo rio Negro
Terra Indígena Advém desde a legislação colonial
(Carta Régia de 1808), passando por
um evolução nos regimes imperiais,
republicanos, com a criação do
Serviço de Proteção dos Índios
(1910), a consolidação do conceito
de terra indígena pelo Estatuto do
Índio (1973) e a Constituição
Federativa do Brasil em 1988
(CUNHA, 1992)
A Terra Indígena Waimiri Atroari foi
homologada em 1989, ocupavam uma área
entre o sul de Roraima e norte/noroeste do
Amazonas. Foram massacrados por incursões
aos seus territórios durante os ciclos
extrativistas e suas terras ocupadas por
projetos desenvolvimentistas militares como a
Usina Hidroelétrica de Balbina, mineradora
Taboca e a BR-174 (BAINES, 1996).
Remanescente de
Quilombo
Segundo Almeida (2006) os
territórios quilombolas passaram
por mudanças e definições, visto a
diversidade de situações, indo desde
a permanência dos ex-escravos e a
migração dos senhores, a situação
de fuga ou até doação dos bens aos
ex-escravos, entre outras. Foram
reconhecidos pela Constituição de
1988 e pelo decreto lei
Remanescente Quilombola do Tambor,
declarada terra remanescente quilombola em
2006, possui como antecedentes a declaração
de propriedade no ITERAM (Instituto de
Terras e Colonização do Amazonas) de 1988,
conhecida anteriormente como “rio dos
Pretos” e passou a se chamar Tambor devido a
festividades antigas onde era utilizado o
tambor (FARIAS JÚNIOR, 2009). Os limites
territoriais estão em litígio frente a Câmara
Conciliatória da Advogacia Geral da União.
A “pesca artesanal” atravessa esses processos territoriais e ocorre de diferentes
formas nos interstícios (“livre acesso”) ou entorno do Mosaico, assim como em diferentes
escalas no interior das UC’s. Essa discussão, entre diferentes territorialidades e a pesca,
66
torna clara uma dinâmica territorial. Muitos pescadores são também indígenas, ou
quilombolas, ou “ribeirinhos”, ou comunitários. Outra questão é a identificação com o
regime previdenciário, junto às populações ribeirinhas. O acesso a previdência social até o
advento da ampliação do “seguro defeso”, em 2003, era a de que, somente poderiam ter
acesso a esse benefício sendo agricultor ou indígena. Atualmente, o acesso foi ampliado
para a categoria pescadora.
Sobre a territorialidade dos pescadores, Maldonado (1993) e Diegues (2004)
descreveram que pescadores nos ambientes marinhos têm os seus territórios marcados por
processos simbólicos. Castro e McGrath (2001), Hartmann (2001) e Pereira (2004)
destacaram que os pescadores amazônicos não só manejam as suas áreas de pesca, como
tem reivindicado o controle de uso e acesso. Almeida (2006) caracteriza os territórios da
pesca como específicos, pois de uma maneira geral, não almejam o território em si, mas as
garantias do seu acesso.
Em estudos nas comunidades do Médio Rio Negro, Silva e Begossi (2004) e
Sobreiro (2007) relataram que os territórios de pesca em comunidades ribeirinhas são
usualmente próximos. Já ampliando o conceito para a categoria de pescador, o território
baseia-se na sua experiência na região (conhecimento), dos diferentes ambientes de pesca e
na ecologia dos peixes, bem como na possibilidade de mobilidade (SILVA e BEGOSSI,
2004; BEGOSSI, 2004). A territorialidade da pesca é discutida no capítulo 06.
3.3.6 A formalização do Mosaico do Baixo Rio Negro
O conceito de mosaico origina-se a partir do SNUC (BRASIL, 2000), com objetivo
de integrar diferentes áreas protegidas, próximas, justapostas ou sobrepostas na gestão
participativa, com vista a compatibilizar a preservação da biodiversidade, valorização da
sociodiversidade e o desenvolvimento regional. O presente Mosaico foi inicialmente
motivado pelo Projeto Corredores Ecológicos (PCE), que incentivou a integração entre
gestores estaduais, federais e da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé
(municiapl), bem como as organizações ambientalistas, entre 2003 a 2004. No entanto, foi
a partir do edital lançado pelo Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA) (edital
01/2005), que foi submetido um projeto para criação do Mosaico, tendo o IPÊ juntamente
67
com parceiros (órgãos gestores e organizações da sociedade civil), após a aprovação,
iniciado sua execução em 2007 (CARDOSO et al., 2009a).
O processo de formação do Mosaico no Baixo Rio Negro foi baseado em consulta
aos conselhos gestores e na realização de reuniões e oficinas ampliadas, que perduraram
por um período de quatro anos, até a sua formalização. Apesar de só existirem UC’s
fazendo parte do Mosaico (de júri), todas as partes envolvidas – onde se incluem os kinja
(Waimiri Atroari), remanescentes de quilombo, pescadores, representantes de entidades de
base (Sindicatos, comunidades, empresários), secretarias municipais do Meio Ambiente –
tiveram ampla participação (IPÊ, 2011). E, no caso dos Waimiri Atroari, cabe a eles o
desejo de adesão ou não. A definição do “desenho” do Mosaico levou em conta a adesão
voluntária dos órgãos gestores, a conectividade ecológica e estrutural, bem como a
identidade cultural (CARDOSO et al., 2009b).
A sua gestão é através do conselho gestor de caráter consultivo e compõe quatorze
cadeiras distribuídas igualitariamente entre entidades do Governo (gestores) e sociedade
civil, renovável a cada dois anos. Assim, o fato de inclusão de novos membros no
conselho, ou até inclusão ou exclusão de territórios, fica a cargo do conjunto de atores
participantes do conselho gestor e depende da publicação oficial através de portaria
ministerial. O que, por um lado, ainda representa um desafio, uma vez que existe uma
contradição no que diz respeito à conceituação de Mosaico, no SNUC – abrange as áreas
protegidas, enquanto que no seu decreto regulamentador (Decreto nº 4.340, de 22 de
agosto de 2002) – diz que somente UC’s podem fazer parte da gestão de Mosaicos. Isso, de
certa maneira, criou barreiras burocráticas para adesão de outros territórios na gestão
compartilhada de um território31.
Entre 2009 a março de 2010, realizou-se um conjunto de quatro “oficinas-
capacitações”, que objetivaram integrar os conselheiros e construir um plano de ação para
sete temas principais eleitos ao longo de todo processo: proteção socioambiental; educação
ambiental e organização social; uso público; manejo de recursos naturais e renda;
ordenamento e consolidação territorial; acesso a políticas públicas e comunicação.
Pelo fato de existir na conceituação legal de Mosaico a abordagem de
desenvolvimento regional, e também pelo processo de construção do MBRN, assim como
diferentes outros Mosaicos, passa a deslocar a ótica de ver uma UC isolada e administrada
31 Observação e envolvimento pessoal no processo de reconhecimento do Mosaico.
68
unicamente pelos seus objetivos, o que faz com que o conjunto de atores passasse a ver o
Mosaico como um território (TAMBELLINI, 2007). Neste sentido, Sarcinelli et al. (2009)
e Cardoso et al. (2009) têm refletido no tema da valorização territorial dos produtos,
serviços e saber-fazer das populações presentes; e ainda, segundo Delelis et al. (2009) na
construção dessa agenda por parte das políticas públicas para o desenvolvimento de novos
instrumentos de gestão, que permitam relacionar a gestão das UC’s com os modos de viver
dos territórios.
A “pesca artesanal” passa a ser um tema comum do MBRN não só pelo fato de
estar presente ao longo de todo o território, como também por explorar a “subtrabilidade”
do recurso comum – recursos pesqueiros – que podem estar sofrendo sobre-explotação em
uma área em detrimento da conservação restrita em outra (ILLENSEER e PEREIRA,
2010). Dessa mesma maneira Illenseer et al. (2009) sugeriram que os espaços de
articulação proporcionados pelo Mosaico também podem propor em conjunto com os
pescadores, sistemas de gestão desse território.
No Baixo Rio Negro, o Mosaico não é a única e exclusiva política pública em fase
de implementação e desenvolvimento a nível territorial. No setor ambiental o MBRN
sobrepõe o Corredor da Amazônia Central e o título de reconhecimento da Reserva da
Biosfera. Assim como parte do território ainda está sob área dos “territórios da cidadania”
e faz parte da Zona Metropolitana de Manaus, só para citar mais dois exemplos, de outros
dois instrumentos de políticas de gestão territorial.
Neste sentido, a gestão do MBRN é potencial articulador interno do território entre
diferentes interesses presentes, como em escalas a nível estadual ou federal na discussão ou
proposição de políticas públicas para o território. Porém, é desafio que a gestão possa se
descentralizar de facto e se tornar um efetivo fator de comunicação interna
(TAMBELLINI, 2007), a fim de que não se torne um instrumento burocrático de gestão de
interesse unilateral da parte jurídica-administrativa das UC’s e possa perpassar para o papel
de lidar com os conflitos territoriais presentes e os possíveis caminhos de superação.
69
4. FRAGMENTOS DE UMA HISTÓRIA SOCIAL DA PESCA ARTESANAL NO
RIO NEGRO
4.1 NOTAS INTRODUTÓRIAS
A história ecológica e social do Rio Negro, com recorte mais específico da pesca,
não só é fragmentada em informações, mas nos tipos de visão que eram produzidas,
normalmente por agentes coloniais, viagens de naturalistas, documentos religiosos ou
militares. Faltam inúmeros dados, talvez encontrados na forma de arquivos, o que, no
entanto, não foi objeto desta pesquisa.
Este capítulo objetiva a descrição dos principais fatores históricos que
consolidaram a atividade da pesca artesanal no Rio Negro. É divido em quatro itens.
Primeiro, a abordagem é geral, trata dos antecedentes históricos da pesca, tendo passagens
no Brasil Colônia e Império, seguido pela pesca no século XX e, então, nas visões sobre a
formação da pesca no Baixo Rio Negro. No final deste capítulo é feita uma breve síntese
sobre a trajetória narrada.
Elementos como os contextos políticos administrativos ou regimes políticos não
foram aprofundados, assim como aspectos cosmológicos ou sobre a pesca de subsistência.
O recorte dado refere-se à pesca enquanto atividade, enquanto esta se consolida, para
referir-se aos aspectos que influenciaram na formação da identidade dos pescadores.
O texto descritivo incorporou informações sobre os regimes de gestão, a dinâmica
territorial estabelecida, assim como os possíveis regimes de propriedades formadas
resultantes da história de gerenciamento.
Conforme Leonardi (1999):
(...) não houve continuidade populacional, nem continuidade administrativa, ao
longo do tempo, embora nem sempre a descontinuidade tenha eliminado por
completo toda e qualquer permanência – o extrativismo, a pesca artesanal – na
região (LEONARDI, 1999, ao citar ao comparar o fenômeno ocorrido no Rio
Tocantins com o Rio Negro, citando Wallace).
70
4.2 ASPECTOS HISTÓRICOS DA PESCA: DO PERÍODO BRASIL COLONIAL AO
REPUBLICANO
4.2.1 Das paragens aos pesqueiros reais
A ocupação amazônica, como não podia ser diferente do resto do Brasil, iniciou-se
pelo litoral. No Norte se refere à formação do Estado do Maranhão (1621), passando em
seguida a desmembrar-se em dois Estados, Maranhão e Grão-Pará (1654); e Estado de
Grão-Pará e Maranhão (1751), Estado de Grão-Pará e Rio Negro (1772), em um período
que a sua administração era independente do resto da colônia (SANTOS, 2002; SANTOS,
2007 apud CALDENHOF, 2009). No primeiro momento, no Rio Negro, houve
recrutamentos de indígenas para servirem de escravos no Maranhão (SOUZA, 1994).
Nessa região, Baixo Rio Negro, residia principalmente os grupos indígenas Manaós, Mura,
Tarumã e Baré (LEONARDI, 1999).
A ocupação no Rio Negro foi facilitada pelos empreendimentos missionários,
inicialmente os Jesuítas, então os Mercedários, seguida pelos Carmelitas, das quais se
destaca a missão de Santo Elias do Jaú (1694), próximo à foz do Rio Jaú, onde hoje se
localizam as ruínas de Airão Velho e Santo Eliseu do Mariuá, atual Barcelos (LEONARDI,
1999). Na foz do Rio Negro, onde hoje está à Cidade de Manaus, havia sido fundada a
Fortaleza São José da Barra do Rio Negro, em 1669.
Mesmo que inicialmente tivessem ocorrido conflitos, é possível que o
estabelecimento das fronteiras tenha sido mais humano que geográfico, pois foi realizado a
partir de alianças entre grupos indígenas e os portugueses (João Renôr Ferreira Carvalho,
citado por LEONARDI, 1999). Já no segundo momento, quando foi formada a Capitania
de São José do Rio Negro (1751) esta se caracterizou pela formação dos Destacamentos
Militares para definição das fronteiras geográficas em disputa com os espanhóis,
holandeses e ingleses.
O interesse econômico, ao qual as missões se mantinham atreladas, era a
exportação das “drogas dos sertões”, inicialmente de produtos extrativistas como a
salsaparilha (depurativo medicinal), diferentes óleos vegetais (copaíba, andiroba e outros),
castanha, breu, cacau, urucu e também peixe seco (LEONARDI, 1999; BENCHIMOL,
2010). Foi imposta como idioma oficial a língua geral guarani (nheengatu); porém, a partir
71
dos anos de 1755, o Marquês de Pombal, administrador colonial, diminuiu o poder das
ordens religiosas, “expulsando” muitos missionários, implementando uma “nova política
indigenista”. Os administradores, das antigas missões, agora elevadas à categoria de vilas,
passaram a ser leigos (REIS, 2006). Os índios ganharam o estatuto de “liberdade”, o que
permitiu que se subjugassem a novas relações de tutela, proibia o uso de nomes étnicos, os
habitantes passaram a ser chamados de tapuios, substituiu muitas toponímias e nomes de
lugares, antes indígenas, por nomes portugueses e implementou uma política de
miscigenação por casamentos interétnicos (LEONARDI, 1999; GUZMÁN, 2006;
CUNHA, 1992).
As Missões de Santo Elias do Jaú e Mariuá passaram a ser denominadas de Vilas
de Ayrão e Barcellos, respectivamente, e foram construídos fortes como no Alto Rio Negro
e no Rio Branco, aumentando a presença militar. Isso fez com que muitos indígenas
fugissem para alto dos rios e igarapés – a exemplo dos Barés, que foram para o Alto Rio
Negro, e os Tarumãs, que se refugiaram na Guiana – ou apresentassem uma resistência no
cotidiano de não aceitação da submissão (LEONARDI, 1999; GUZMÁN, 2006).
Devido à ausência de trabalhadores indígenas, foram trazidos a região escravos
negros e imigrantes brancos, a fim de que pudessem, além de explorar o extrativismo das
drogas dos sertões, cultivar tabaco, algodão, fruteiras de diversas variedades, café, tendo
como principais produtos o algodão e o cacau, responsáveis por grande parte da economia
(BENCHIMOL, 2010).
Segundo Furtado (2006), foram os cultivos indígenas, o extrativismo, as caças e a
pesca, que proveram de alimentos os exploradores, os aldeamentos missionários e os
destacamentos militares, para abastecer as “expedições” e depois as vilas criadas sobre os
seus territórios. Veríssimo (1970, p. 14) teria denominado esses “centros de abastecimento
de alimentos” ao qual inclui a pesca de “paragens”:
“Paragens, há todavia, que por atraírem maior número de pescadores e produzirem maior
porção de pescado, ou por se acharem mais perto de lugares de maior consumo e
comércio, são mais conhecidas e citadas, e portanto podem ser consideradas centro de
produção”
Talvez, na história amazônica, assim como no Rio Negro, essas podem ter sido as
origens históricas da pesca realizada pelos indígenas ou “caboclos” e “tapuios”, pelos
conhecimentos dos lugares da pesca e das técnicas (VERÍSSIMO, 1970; FURTADO,
2006). A dimensão da pesca na época era mais ampla e incluía também a captura de
72
quelônios, o peixe-boi e os jacarés, que, no período no período do século XVIII em diante,
além do abastecimento alimentar integrado à produção familiar, passou a se constituir
importantes produtos de exportação, entre os quais a carne seca (salgada), ovos e banha32
de “tartaruga”, banha de peixe-boi, entre outros. O peixe seco também chegou a ser
considerado moeda de troca e pagamento (RUFFINO, 2005).
São talvez devido à importância econômica da pesca os motivos que fizeram com
que os administradores coloniais tenham criado os pesqueiros da fazenda real ou os
pesqueiros reais no século XVIII (VERÍSSIMO, 1970; REBELO e PEZZUTI, 2000). É
difícil precisar quantos foram e onde se localizavam os pesqueiros reais no Rio Negro,
mas, segundo o Diário do Rio Branco, de Alexandre Rodrigues Ferreira, de 1786
(AMOROSO e FARAGE, 1994), havia dois pesqueiros reais no rio Branco: o Pesqueiro
Real da Demarcação e outro próximo a atual capital de Roraima, Boa Vista, Pesqueiro
Real da Guarnição, na época missão de Carmo. O Pesqueiro Real da Demarcação era
responsável por enviar a produção para Barcelos, e este se localizava próximo à Foz do Rio
Branco (FERREIRA, 1786, p. 82-83):
“Desde Janeiro passado até hoje 12 de Maio, tem remettido para Barcellos
1707 tartarugas, não incluindo mais 34 que tem dado de soccorro para as
canôas Regias. Quanto ao Peixe secco que costuma salgar e beneficiar, he a
Pirauiba, a Pirarara, o Pirarucú, o Tambaquy, o Surubim, a Piranha-uassú, o
Jundiá e Jundiá-uassú, o Pacamon-uassú e alguns peixes-bois”
Segundo consta no diário, o pesqueiro situava-se na margem direita do Rio Branco,
quatorze horas de distância de embarcação a remo a partir da foz, e constituía a infra-
estrutura (“3 palhoças” com cobertura de “palha”) das quais a primeira servia para a
“feitoria de peixe secco”, a segunda era a residência do administrador do pesqueiro (Cabo
de Esquadra Manoel Martins de Trindade) e de três empregados e a terceira servia de
“quartel dos Indios empregados” além de cinco currais. O pesqueiro correspondia a uma
área grande; possuía plantações e a pesca era realizada a um dia de viagem (praia de
Cuaruanim). Descreve-se ainda: “A gente actual da obrigação do Pesqueiro são 20 Indios,
10 homens e 10 rapazes: possue 10 Igaratés, incluída a maior: está provida de pussás,
anzoes sorteados, harpoens para peixe e para tartaruga (...)” (FERREIRA, 1786, p. 83).
32
A carne e banha era utilizado para o refino de óleo de tartaruga utilizado para a iluminação (LEONARDI,
1999), misturado ao alcatrão (asfalto), para a cozinha e na vedação de navios (GILMORE, 1997).
73
Ou seja, o sistema do pesqueiro incluía a área limitada, o sistema de gestão,
infraestrutura, diversos trabalhadores (remeiros, pescadores, vigias) e manejava uma
diversidade de espécies utilizadas, entre outros. Talvez este pesqueiro, como descrito por
Ferreira, tenha esta organização pelo fato de situar-se no contexto dos destacamentos
militares, “limites das demarcações”, comum no século XVIII. Bates (1979) descreveu
diferentemente o funcionamento de outros pesqueiros, como no baixo Rio Japurá, a partir
da metade do século XIX, onde a praia era administrada por um comandante indígena e as
coletas de ovos de quelônios eram coletivas e utilizadas em festividades indígenas. Ou,
próximo à Vila de Ega, atual Tefé, onde o comandante da “praia real” de Ximuni era eleito
pelo conselho municipal, havia os vigias de praias e o objetivo era garantir que todos os
habitantes pudessem ter oportunidade igual na colheita de ovos (BATES, 1979).
Ou seja, em duas épocas distintas, entre os séculos XVIII e XIX, havia indícios de
sistema de gestão baseados na propriedade estatal (RICCI, 2008), ou pela co-gestão
(BATES, 1979), ou ainda comunitária (BATES, 1979; GILMORE, 1997). Ricci (2008)
chama a atenção que, após a revolta da cabanagem, os sistemas de gestão tornaram-se mais
mercantis, exploratórios, tendo em vista a taxação, a continuidade da exportação, o que
segundo Rebelo e Pezzuti (2000), incluiriam um regime mais burocrático, cartorial, repleta
de proibições, sendo o início da ruína de antigos sistemas de gestão.
4.2.2 Da municipalidade a federalidade da pesca (Anos de 185033
a 1912)
O início do século XIX foi tumultuado: o Brasil se tornara império, mas a Capitania
de São José do Rio Negro era ainda muito ligada aos interesses do Pará, de onde
administradores eram indicados a partir de Belém (LEONARDI, 1999). Além disto,
associado às mudanças administrativas das missões para as vilas, a independência trouxe
descontentamento do regime econômico, agora taxado. Motivos associados à falência do
comércio e tecelagem do algodão34
e a queda dos preços do cacau, podem ter sido os
desencadeadores da revolta dos cabanos.
33
Amazonas já era considerada província e sua sede Manaós. 34
Santos (1980).
74
Segundo Benchimol (2010), Barcelos era grande produtor de algodão e possuía
fábricas de tecelagens (BENCHIMOL, 2010), ao passo que, até os anos de 1860, os
principais produtos de exportação no rio Negro eram a piaçaba, estopa, breu, peixe seco e
salga (LEONARDI, 1999).
O regime de gestão ou manejo que imperava nos pesqueiros foi extinto e a
administração passava agora para as municipalidades. Interessava às administrações
municipais indicar o número de pescadores e a autorização e taxação era fiscalizada, pois
havia o propósito de aumentar a arrecadação das receitas financeiras (FURTADO, 1981;
MONTEIRO, 2010). Monteiro (2010) destaca que em 1854 foram criadas as Companhias
de Pescadores autorizadas a pescar nos limites municipais. Segundo Ruffino (2005), esses
elementos são indícios de um período que denominou de pré-legislativos. Esses elementos
indicam também que se consolidava uma história específica, mas não isolada, da pesca.
Na metade do século XIX, conforme citado, os principais produtos, cacau e
algodão, entram em falência, ao passo que, incentivados por uma indústria européia e norte
americana especialmente, calçados e vestuários originaram a demanda de um novo produto
extrativista: a borracha35
(SANTOS, 1980). Isto fez com que fosse necessário realizarem
arranjos nos sistemas extrativistas. Dos arranjos, destacam-se: o recrutamento de
nordestinos, trazidos principalmente da Paraíba e Ceará, na ordem de vinte mil em 1840, e
cento e cinquenta mil, nos anos de 1870, quando o nordeste passara por uma grande seca; a
formação de uma companhia de navegação a vapor36
(SANTOS, 1980), possibilitando
transporte de pessoas e produtos; e, um sistema comercial e organizativo da produção pelo
aviamento.
Isso representou, no Rio Negro, uma ocupação mesclada dos antigos tapuios e
indígenas, agora com os nordestinos. Assim como parte da Amazônia, no Rio Negro, os
rios e igarapés foram “loteados” por “seringais” e estes por “colocações”, regiões onde
eram “colocados” os “seringueiros”. Os seringueiros tiravam a seringa - látex e entregavam
35
Só mais tarde, é que este serviria também a indústria automobilística (Segundo Benchimo, 2010 nos anos
40).
36 Segundo Leonardi (1999), as embarcações a vapor e depois motores de propulsão também influenciaram
nas mudanças de paisagem onde eram extraídos madeiras, muitas inclusive, de grande valor utilitário e
comercial (nobres ou de lei) para abastecer os inúmeros portos de lenha. Destes, por exemplo, segundo
conversas informais, com moradores das margens do baixo rio Negro, esquerda e direta eram extraídas, das
mesmas margens, das ilhas de “Anavilhanas” madeira com grande intensidade conforme também em
comunicação pessoal com o pesquisador Leonardo P. Kurihara.
75
para o “patrão” ou “seringalista” que por sua vez entregava ao regatão, que passava para o
comércio regional, terminando em Manaus e seguindo para a exportação (LEONARDI,
1999; CHAVES, 2011).
Além da reconfiguração do território em propriedades privadas “de fato37
”
(seringais e colocações), aos quais os seringueiros ficavam dispersos nos rios e igarapés, o
sistema comercial trouxe profundas marcas através do aviamento, que envolveu
inicialmente um circuito comercial fechado (CHAVES, 2011), envolvendo produtores,
atravessadores e compradores determinados, para depois, se abrirem outras formas de
concorrência (LEONARDI, 1999). O aviamento correspondia à venda a crédito de
mercadorias em troca da entrega de produtos, o que já era prática comum, no século XVIII,
quando nos ciclos econômicos que envolviam o cultivo do algodão, cuja moeda de troca
era a troca de “novelos de algodão” (SANTOS, 1980), mas agora, distribuído ao longo dos
territórios amazônicos.
No Rio Negro, Ayrão era regionalmente o centro comercial até o Rio Jaú, onde
havia um barracão entre a foz do Rio Jaú e Carabinani e o Rio Unini, e era disputado entre
os comerciantes de Barcelos e Ayrão (LEONARDI, 1999). O aviamento permitia manter a
fidedignidade das relações comerciais pela dívida adquirida, seja pelos seringueiros ou
entre os comerciantes, pois uma casa aviadora aviava a outra, e esta fazia empréstimos aos
bancos. Além desse sistema, era comum o compadrio38
, onde comerciantes e patrões
apadrinhavam filhos dos “subjugados” que, por um lado oferecia privilégios, mas por
outro, mantinham exclusividade das relações comerciais. Leonardi (1999) ressalta que as
relações daquela época estavam repletas de conflitos, sendo comuns assaltos ou venda para
concorrentes a melhores vantagens comerciais, às vezes “furando” o sistema fechado,
podendo caracterizar que sempre houve estratégias de resistência ao sistema.
Talvez essa primeira fase não tenha sido homogênea no Rio Negro, assim como na
Amazônia como um todo. Segundo Oliveira (2006), parte do Rio Negro foi esvaziada
nesse período, por migrações das populações para regiões de maior produção da borracha,
como para o Purus e Madeira. Mas há registro, especialmente nos Rios Unini e Jaú, da
presença da atividade39
.
37
Algumas propriedades eram jurídicas.
38 Ver detalhes sobre o rio Negro, especialmente o Jaú e o Unini em Leonardi (1999); e, detalhes gerais do
funcionamento do sistema em Benchimol (2010) e Chaves (2011).
39 Ver Leonardi (1999).
76
Conforme Leonardi (1999), o sistema marcou o conjunto de alterações quanto ao
uso e acesso de recursos naturais, conforme Leonardi (1999, p. 87):
“Embora o produto da caça, da pesca ou da coleta pudesse ser apropriado
individualmente, ou familiarmente – e isso é o que geralmente acontecia -, o
acesso aos recursos naturais era coletivo. Ora, cem anos depois as alterações já
eram evidentes. A propriedade individual introduziu novas noções e hábitos no
relacionamento dos homens com a natureza no vale do rio Jaú: um sentido de
exclusividade e de separatividade que gerava concorrência e policiamento
recíproco da demarcação de limites territoriais entre seringais e “colocações”.
O período entre o século XIX e início do século XX, apesar de ter a borracha como
indústria propulsora e monofocal, outros produtos, dos quais, neste trabalho destaca-se a
pesca, continuaram e se desenvolveram ao mesmo tempo, seja por uma continuidade ou
por uma reorganização do sistema junto com a borracha. Embora houvesse algumas
proibições, mesmo que temporárias, como a pesca de Pirarucu, o uso de arrastão, a pesca
com venenos vegetais, ou ainda, o apanho de “tartarugas”, entre 1889 a 1893, as
estatísticas indicavam elevada exportação de produtos. Destes se destacavam: o grude
peixe (matéria prima para a indústria de cola principalmente em Belém), manteiga de
tartaruga, mixira de Peixe-Boi e Pirarucu (salgado) do Amazonas para o Pará
(VERÍSSIMO, 1970). Santos (1980) citou que a pesca fluvial amazônica era superior à
pesca marítima.
Outro elemento registrado em Manaus (MONTEIRO, 1998; MONTEIRO, 2010) e
em Belém (FURTADO, 1981) é o advento da fabricação de gelo para a conservação do
pescado em vapores de pesca (canoas grandes), quando a partir daí, iniciou-se a
denominação deste tipo de embarcação de “geleiras”. Em Manaus, a experimentação de
associar o gelo a conservação do pescado teria iniciado com a inauguração da fábrica de
gelo em 1880 (MONTEIRO, 1998; MONTEIRO, 2010), transportando peixes lisos,
Pirarucu fresco de Manaus até Gênova, o que antecedeu a inauguração da fábrica de gelo
Cristal em 1910 (MONTEIRO, 1998).
Até o final do século XIX, a pesca era considerada essencialmente indígena, ou por
seus conhecimentos, artes e técnicas, mesmo que, tendo incorporado tecnologias, como
redes e arrastões, o seu emprego ou até mesmo o feitio era adaptado regionalmente
(VERÍSSIMO, 1970; FURTADO, 2006). Em síntese, a pesca foi incorporada à indústria
extrativa da borracha ao lado de outros produtos extrativistas e organizada por nova
relação mercantil do aviamento, do contato intercultural entre nordestinos e moradores
77
locais e da configuração territorial. Os autores também citaram que acontecia o reenvio do
pescado para alguns seringais em determinadas regiões, como por exemplo, próximo a
Belém, no Pará.
4.3. A PESCA NO SÉCULO XX
4.3.1 No início do século
No final do século XIX diversos relatos já alertavam sobre a necessidade de haver
um acompanhamento pesqueiro (estatística pesqueira) e a formulação de uma legislação
adequada, a partir de análises que alguns estoques de espécies exploradas poderiam estar
sendo sobre-explorados, com destaque a Veríssimo (1970) e de Emílio Goeldi
(FURTADO, 1981). Esses argumentos foram utilizados no início do agora Brasil
República, para que fosse criada a Inspetoria Federal da Pesca (1912). Entre muitos
objetivos, destacam-se: investir na escolarização profissionalizante dos pescadores e na
formação das colônias de pescadores (FURTADO, 1981).
Segundo Furtado (1981), as primeiras colônias de pescadores vieram a se formar
nos anos de 1930, ligadas a ideia de “Segurança Nacional”, o que vinculou os pescadores
ao Ministério da Marinha, nas capatazias e nas zonas de pesca, sendo seus administradores
os capatazes delegados, nomeados pela autoridade naval. Isso ocorreu até a elaboração do
Código de Caça e Pesca (Decreto-lei de 794/1938), que mudou os pescadores da qualidade
de “guardiões” para “produtores de alimentos”, os vinculando ao Ministério da
Agricultura, situação que se estendeu até 1961, mesmo que em alguns momentos da
segunda guerra a Marinha ainda fosse ocupar-se da pesca em seus propósitos como
“soldados da pesca” (LEITÃO, 1995).
Outra medida, fruto dos anos 30 e que tem repercussões até os tempos atuais, é
Código das Águas (Decreto nº 24.643, de 10 de julho de 1934) que considera as “águas de
bem de uso comum” transformando quanto à navegabilidade e o acesso aos recursos
pesqueiros de forma livre, assim como o Código de Pesca (Decreto-lei n. 794 de 19 de
outubro de 1938), onde recursos naturais eram de bem público destinados como “produtos
da indústria”, considerando a pesca vinculada ao Ministério da Agricultura.
78
Determinados patrões, que nos tempos da borracha, monopolizavam o comércio em
determinados rios ou igarapés, ou aqueles em que as populações, como no caso das
comunidades, que passaram a defender os seus territórios, já não poderiam contradizer o
“acesso livre” imposto pela legislação.
O contexto naquela época, especialmente entre os anos de 1912 a 1920, era uma
extensa crise da indústria da borracha até meados nos anos 30, devido à concorrência
comercial com as seringueiras cultivadas na Malásia. Assim, aconteceram migrações na
Amazônia e parte dos seringueiros se rearranjou nos rios e igarapés; parte se mudou para
Manaus e outra retornou para o Nordeste (BENCHIMOL, 2010; LEONARDI, 1999),
permanecendo nos locais de origem, como no Rio Negro, parte dos “antigos tapuios”
(LEONARDI, 1999).
A população urbana de Manaus saltou de 50.300 (1900) para 106.399 (1940)
segundo censo citado por Benchimol (2010), formando uma população consumidora
urbana de recursos naturais, como peixes, madeira, entre outros. Em 1942, é retomada a
exploração da borracha, chamada de “batalha da borracha”, devido ao embargo dos
japoneses, na segunda guerra mundial do comércio da borracha com a Malásia, que fez
com que fossem retomados os seringais, os repovoando, mas com diferentes
características.
Dessas características, ressalta-se uma maior diversificação de produtos
extrativistas, como por exemplo, além da seringa, agora no Rio Negro, eram exploradas a
Sorva, a Coquirana, a Balata, o Xiqué alinhadas a diversificação também das demandas
industriais. Outro fator é a diversificação de outros produtos, como a madeira e a pesca
(peixes, quelônios, jacarés e peixe-boi) para “alimentar” o crescimento de Manaus e a caça,
ou “fantasia”, para exportação de carne, couro e peles de animais silvestres alinhados a um
sistema ainda de aviamento.
(...) Em primeiro lugar eu era comerciante, trabalhava na beira do rio, dentro da
colocação, e colocando gente, levando mercadoria, vendendo, trocando por uma
coisa e outra, pela borracha, castanha, que nessa época existia isso. Eu trabalhei
muito em regateio, aí eu vi que não dava, aí eu passei para a pesca. Só em
regateio eu tive oito anos (...). Eu tinha motor grande (...) na época quelônio não
era proibido, bicho de casco, e a gente trazia muito. Chegava na casa do freguês,
não tinha produto, tinha os quelônios, os bichos de casco (...) fantasia, fantasia
existia muito, a perdição do cara era vender fiado (...). Eu andava pelo interior aí,
pelo, inclusive hoje é parque, Jaú, lá em cima é o Unini, o rio que eu viajava. Só
freguês, eu tinha oitenta (...) (Sr. José Pontes, ex-regatão e ex-pescador, 71 anos,
entrevista concedida em 14/11/2010).
79
A presente citação está presente na memória de muitos pescadores, caracterizando a
forma de pesca, não associada ao gelo, inserida em um contexto de aviamento, mas com
um leque de diversificação de produtos extrativistas.
Ayrão entrou em “arruinamento” (LEONARDI, 1999), o que fez com que o
segundo ciclo da borracha, mantivesse maiores vínculos com Manaus e boa parte da
população se dispersou, parte migrou para Tauapessassu (atual Novo Airão) ou Manaus, a
partir dos anos de 1960. Por outro lado, a pesca se apresentava em plena expansão,
especialmente em Manaus e Belém, entre os anos 1920 e 1950 (BITTENCOURT, 1985;
MENEZES, 1967).
Em 1924, Bittencourt (1985) avaliou a exploração de 22.000 toneladas de Pirarucu,
também de Peixe-Boi e quelônios (estava proibida), fora as cinquenta espécies de peixes
comercializadas no mercado de Manaus. O autor classificou de desorganizada a indústria
do pescado em Manaus e Pará, mas em 1956, Menezes (1967) registrou a existência de 158
empresas produtoras de peixe salgado na Região Norte com finalidade de exportação para
México, Estados Unidos, países da América Central, entre Bagres, Pirarucu, outras
espécies, quelônios e peixes ornamentais, fora a diversidade para o consumo interno
(MENEZES, 1967). Bittencourt (1985) citou que a pesca era realizada pelos “caboclos”,
descrevendo cada tipo de pesca, mas grande parte do pescado provinha de redes de
arrastão, técnicas de tapagem de lagos e batição40
.
4.3.2 Entre 1950 a 1989
Com intensificação crescente da indústria da pesca, o setor carecia de uma política
pública que pudesse aperfeiçoar a atividade. O período entre os anos de 1950 a 1960 é
chamado por Castro e McGrath (2001) como a modernização da pesca, que talvez tenha se
40
Denomina-se arrastão quando o fundo de ambientes aquáticos são limpos no período da seca, removendo
galhos possibilitando para que redes sejam arrastadas por barco a motor por determinada distância
capturando diversas espécies, enquanto que tapagem de lagos implica em bloquear o canal que interliga o
lago a outros ambientes aquáticos realizando a pesca quase total das espécies na localidade. A batição é
quando é colocado uma rede ou malhadeira em determinado local e os peixes são afugentadas em direção a
rede ou malhadeira por batidas realizadas pelos pescadores nas canoas.
80
iniciado com a formação do Conselho de Desenvolvimento da Pesca (CODEPE) em 1961
seguida pela criação SUDEPE - Superintendência do Desenvolvimento da Pesca em 1962.
Por conseguinte, um conjunto de medidas adotadas, entre as quais a formação do
Código da Pesca41
, (e Fundo de Investimento Setoriais (Setor Pesqueiro))42
trouxeram
incentivos e regulamentaram a pesca, reforçando o acesso livre aos pescadores. Outra lei, a
Portaria Complementar da SUDEPE (1970)43
, obrigou os pescadores profissionais a
estarem filiados nas colônias e nas Capitanias do Portos, proibindo o uso de determinados
apetrechos (rede arrasto, bombas, malhadeiras com malha menor de 90 mm; tapagem,
cacuris e venenos vegetais) e regulando o uso, como por exemplo, proibindo o cerco da
passagem de peixes, assim por diante.
De acordo com Galvão (1982), em 1977 havia 615 barcos registrados na SUDEPE,
com estimativa de um milhão de pessoas envolvidas na cadeia produtiva de pesca no
Amazonas, o que inclui também os pescadores de subsistência. No entanto, das quarenta
colônias de pescadores registradas em 1975, somente três funcionavam na legalidade em
1982, entre elas a Z-2 de Manaus, Z-5 de Itacoatiara e a Z 16 de Parintins.
Esse período está inserido no contexto dos projetos da ditadura militar para a região
(p.ex., Polamazônica, Operação Amazônica e Planos de Desenvolvimento), que obedeciam
uma lógica de mercado e de integração da Bacia Amazônica com o restante do Brasil.
Como resultados da política de modernização pesqueira, advêm os motores a diesel, a
incorporação das câmaras frigoríficas ou caixas isotérmicas para conservação do pescado
em gelo, além da fibras sintéticas de monofilamento de nylon, o que fizeram com que se
aumentasse o poder de captura dos barcos de pesca e se possibilitasse a ampliação das
frotas pesqueiras (CASTRO e McGRATH, 2001).
Houve um privilégio à dimensão econômica da pesca com viés comercial e
industrial, por um lado, e uma desvalorização da pesca artesanal, por outro. Até então, a
pesca era realizada por alguns pescadores que já possuíam barco, ou pescadores moradores
dos locais de pesca que realizavam acampamentos de pesca, como em lagos de várzea, a
exemplo da pesca do pirarucu, onde se remava por dias até o local de captura.
41
Decreto-lei Nº 221, de 28 de fevereiro de 1967.
42 Falabela (1994).
43 Portaria N
o. 622 (1970).
81
Um exemplo da pesca anterior ao período de modernização pode ser avaliado no
depoimento de ex-moradores do Rio Jaú e Puduari, afluentes do Rio Negro. Nestas regiões,
havia uma especialidade de pescador que trabalhava para abastecer os seringueiros, ou para
“poupar” trabalho:
“Antes a pesca era só de barco pequeno. No rio tinha só dois pescadores, o velho
Zé Galiosa e outro, Felisberto Cardoso. Eles pescavam pirarucu e tambaqui.
Eram pescadores e vendiam o peixe para o seringueiro e regatão. Pescavam
também tartaruga, cabeçudo e tracajá. Eles usavam arpão e malhadeira. Em 1960
Zé Galiosa faleceu e Felisberto faleceu este ano.” (Morador do Rio Jaú, 53 anos,
conversa realizada em 01/12/2010).
“O peixe que eu falo né, o pirarucu, você matava o pirarucu, era para você
poupar trabalho, para você derrubar tantas sorveiras, pegar tantos quilos de
borracha, de sorva, de coquirana, era raramente para vender o pirarucu. Mas
vendiam, eu lembro de uma pessoa que comprava o pirarucu seco (...)” (Aldenor
S. Barbosa, ex-morador do Rio Puduari, entrevista concedida em 16/09/2010).
Portanto, a pesca de caráter artesanal era desconsiderada pelas políticas públicas
chegando a serem nominadas como “atraso” (GALVÃO, 1982; LEITÃO, 1995) ou como
entraves ao desenvolvimento da pesca, seja por seus hábitos alimentares movidos a tabus,
seja pela defesa de seus territórios de pesca (GALVÃO, 1982). Um exemplo de defesa dos
territórios no Amazonas foi a “guerra do peixe”, ocorrido em 1971, onde mais de 2.000
ribeirinhos entenderam como seus territórios as águas, especialmente nos rios Purus e
Manicoré, e nos lagos Janauacá, Acará, Piranho, Ressaca, São Tomé e Sacado de Santa
Luzia, que ocasionou revoltas contras os barcos pesqueiros (MENEZES, 1972). A Colônia
dos Pescadores Z -2 (Manaus) chegou a acionar as tropas da política militar a fazer a
segurança das pescarias profissionais (MENEZES, 1972), com a alegação de acesso livre
segundo o Código das Águas.
Segundo Galvão (1982) houve uma tentativa de programar o Plano de Assistência à
Pesca Artesanal em 1974, que das suas várias ações (ver Galvão, 1982) previa implementar
o treinamento, organização social e tecnologias do pescado, mas a falha apontada, foi a
falta de equipe extensionista.
A pesca estava ligada ao sistema da borracha ou aviamento, também para o
consumo ou venda. Porém, a partir dessa política consolida-se a categoria de pescador
profissional itinerante, que vai com seu próprio barco e tripulação pescar nas áreas onde
antes havia maior participação da população local, por sinal gerando conflitos sociais e
ambientais, no esgotamento de recursos (ISAAC, 2000).
82
4.4. VISÕES DA PESCA NO BAIXO RIO NEGRO
4.4.1 “Das proibições à nova profissão” – visões sobre a formação dos pescadores
artesanais no Baixo Rio Negro
Pescadores artesanais eram aqueles ligados ao sistema de aviamento em conjunto
com outras atividades agroextrativistas. Nos anos 60 e 70, pescavam-se pirarucu, peixe-boi
e tartarugas, produtos específicos permitidos em uma pesca sem gelo e que pudessem ser
comercializados com o regatão ou para o consumo alimentar.
“Os regatões Zé Galiosa e outro regatão Clementino, ambos falecidos
compravam jacaré e pirarucu, isto faz uns 30 anos. Tudo pescado no arpão. O
tucunaré é na zagaia, a fera no espinhel (...). Tem o Antônio de Moraes, que era o
regatão. O nome do barco dele era “Deusa do Rio Negro, aviador que entregava
os produtos no entreposto de mercadoria. Comprava coro de onça, porco etc”
(Depoimento de Moisés M. da Cruz concedido em 20/11/2010 ).
“O patrão era o Antônio Moraes, era o maior regatão. Eu pescava bicho de casco
e pirarucu, tinha muito pirarucu.” (Depoimento de ex-pescador concedido em
2010).
Dos fatores associados à formação da pesca artesanal no Baixo Rio Negro, podem
ser citados: o centro administrativo da pesca comercial/consumidor de Manaus; o advento
da modernização da pesca, chegando no final dos anos 70; as mudanças legislativas
proibitivas de determinados produtos; e, os incentivos advindos das políticas setoriais da
pesca.
Até os anos 60, a pesca artesanal não só era atrelada ao aviamento extrativista,
como também realizada em um conjunto de atividades agroextrativistas. Muitos apetrechos
eram confeccionados pelos próprios pescadores, a exemplo da linha de pesca que era de
algodão, mesmo que comprada, a malha era tecida, tingida com tinta extraída da palmeira
Murici, para que se pescassem o Jaraqui e a Matrinxã, e até mesmo o Pirarucu. O Cacuri é
armadilha de pesca feita com fibras vegetais e Paxiúba. Essa técnica, também associada à
presença indígena, mas não comum a todos os pescadores, era realizada ao longo do Rio
Negro, até mesmo em Anavilhanas, sobre a qual há indícios de vestígios ainda hoje. A
83
linha de pesca tecida a partir de fibras vegetais (coroá) e a Pinauaca (penas de tucanos com
anzol camuflado) que imitava insetos sobre a água (Ver Figura 09)44
.
Estas e outras técnicas e artes de pesca foram dando lugar a novas formas de
pescar, algumas por advento de proibições, outras por ter nas linhas de nylon e nos anzóis e
malhadeiras, maiores facilidades, ou ainda o fato do peixe “ter ficado sabido”. Por outro
lado, a pesca de zagaia e arco e flecha assim como a de caniço se mantiveram e são parte
da identidade da pesca no Rio Negro e de outras regiões.
FIGURA 09 – Da esquerda para a direita:
Cacuri encontrado no Alto Rio Negro (São Gabriel da Cachoeira) e demonstração do
funcionamento da Pinauaca por Raimundo Marques, no lugar dos óculos as penas de tucano.
Fonte: o autor.
“Motor não existia, tem canoa a remo, tinha vela, a vela era o barco furado. Em
Belém tem muito barco a vela, justamente no Amazonas tinha muito (...). Não
tinha motor e motor era aquela vela. Quando tinha vento, quando não tinha era
no remo. Aí apareceu a lancha a fogo (...). As redes eram tecidas de algodão que
era comprado. Se tingia com murici, pegava “peixe de passagem” próximo de
Manaus ali no Acajatuba. (...) Só a linha, aí a gente tinha que ter a mão-de-obra
para tecer né? Então fazia a rede, vamos dizer que uma rede, quer dizer é a
passagem do peixe, vamos supor aí, se alimpava, fazia o limpo, aí colocava o
arrastão (...)” (Depoimento de José Pontes, 71 anos concedido em 14/11/2010).
“Na época do meu pai era o cacuri, que é o curral, que hoje é proibido eu não sei
porque, lá no Remanso, lá nos lagos. Agora proibiu. Não podia mais. A
fiscalização proibiu. Aí não tinha como. Derrubaram foi muitos curral, com
machado, derrubaram” (Depoimento de liderança dos pescadores entrevista em
27/08/2010).
“O cacuri que era usado para o peixe miúdo e o curral para o pirarucu. Também
tinha o moita, que era usado para pegar o pirarucu e o peixe-boi” (Depoimento
44
Informações advindas de entrevistas e conversas informais em 2009.
84
de Raimundo Marques, 45 anos, comunidade Bom Jesus do Puduari, em
20/11/2010 ).
“Tem um índio, o André Florense, que sabe fazer o cacuri de paxiúba” (Moisés
Marques da Cruz, 35 anos, comunidade Bom Jesus do Puduari, em 20/11/2010).
“(...) Na época se facheava a noite. Até 1965 se facheava usando a poronga,
focando igarapé e lagos, pescando tucunaré, cará, traíra, peixes da beira. A
pinauaca era anzol vara para cima e outra para baixo. Tinha pena de rabo preto,
amarelo e vermelho, encarnado com duas penas. Já pescava com sete anos de
idade. Depois incentivaram a lombrinha, que era tipo corrico com anzol e duas
penas e se pegava tucunaré, jacundá, cará azul. A lombriga você pega a barriga
do peixe do tucunaré, e fatia, duas fatias compridas para imitar a piaba com
quatro dedos de comprimento (...). Eu ainda cheguei a ver o cacuri e vi um outro,
o matapi em um igarapé. Era uma índia que fazia” (Depoimento do morador do
Jaú, 53 anos comunidade do Seringalzinho, em 01/12/2010).
“Olha, nós pescava era a coisa mais interessante era com espinhel e caniço (...).
Nós íamos fachear feito com poronga e nós ia pescar com um terçado bem
afiado, não existia zagaia, o apetrecho utilizado era uma poronga e um terçado.
De dia nós pescava com um puxa-puxa que era um fio de coroá que a gente
mesmo fazia a linha, extraída do coroá, as fibras, para fazer a linha para fazer o
puxa-puxa. Para pescar o tucunaré é a pinauaca que era uma linha do coroá
também com três anzóis com pena de tucano, uma peninha vermelha e uma
amarela que é para o peixe achar que tinha uma borboleta na água, pegava
aruanã e tucunaré. O puxa-puxa que pegava na canoa e conforme dava uma
remada, esticava e o tucunaré pegava. Espinhel, espinhelinho para pescar aracu,
pacu, cará, o peixe que pegava no igapó. Era muito utilizado o espinhel e caniço
(...). O coroá tem um fibra, é parecida com o abacaxi, dá uns talos grandes, aí a
gente bate na ponta dele, amarra em um pau, em cima de uma forquilha, e pega
dois talos de inajá, um na ponta, encosta naquela palha e arrasta para baixo (...).
É plantado. (...) Olha, esta planta venho de nossos antigos, eles diziam que era
trabalho dos índios. Foram eles que trouxeram. E isto ficou para nós, passado de
geração para geração. Cada morador tinha sua roça e tinha seus pés de Coroá
(...)”. (Depoimento de Aldenor Sobrinha Barbosa, 46 anos em 16/09/2010).
O período retratado anteriormente data entre os anos 60 e 70. As pessoas entre 50 e
60 anos ainda presenciaram estes feitios na infância, outros ainda foram repassados de pai
para filho. Pauletiene Horta (24), da diretoria da APNA (Associação dos Pescadores de
Novo Airão), aprendeu com seu pai, antiga liderança dos pescadores, hoje falecido, a fazer
o Cacuri, pois, dizia ela que este aprendizado era necessário para se caracterizar como
pescadora. Ou segundo Pinheirão, ex-morador do Jaú: “Quem faz aste, arpão é pescador”
(Depoimento, ex-morador do Rio Jaú, 58 anos, em 22/11/2010).
Mariano (liderança de pescador, na faixa dos cinquenta anos), em conversa
informal, em 2008, disse que nas Ilhas de Anavilhanas ainda existem resquício do curral
elaborado por seu pai que aparecem em grandes secas. Conforme também em outras
conversas informais e dois depoimentos (registrado em caderno de campo), existe o
respeito pela Cobra-Grande ao fundo do rio, ou pelo Jacaré-Açú, “guardião” dos lagos, que
85
possui uma pata gigante, que exige o cuidado do pescador ao adentrar nesses espaços.
Estes elementos estão presentes no sistema de valores culturais em alguns pescadores, o
que também foi registrado no Médio Rio Negro por Silva (2003).
A pesca era assim realizada nas imediações das moradias, nas antigas colocações.
A incorporação de redes de malhadeiras de monofilamento é associada ao mesmo período
do início da presença de barcos de pesca no final dos anos 70 e, com maior intensidade, no
início dos anos 80, especialmente nos Rios Jaú, Unini, Jauaperi e Rio Branco, áreas de
pesca da região do Baixo Rio Negro.
“Um senhor entrou e pegou quase tudo, mas ou menos três anos antes de
aparecer o IBDF. Depois de cinco anos voltou a ter. Este barco era de Belém,
tinha frigorífico, levava morador para pescar e tinha mais de 17 toneladas, usava
malhadeira e arrastão” (Depoimento de ex-morador do Jaú, 58 anos, em
22/11/2010).
“Poucos barcos entravam no rio. Em 1978 entrou gelador, barco de pesca, o que
fez umas três ou quatro viagens. Naquele tempo não tinha comunidade. Tinham
seringueiros com roça. Vinha barco de Manaus e Roraima. O nome do barco era
comandante Dragão, de Abílio de Caracaraí, Rondônia. O pessoal se reuniu e
pediu para não voltar mais. O barco tinha 30 toneladas e uns 23 metros, levou
pirarucu, tambaqui, tucunaré, matrinchã, cará-açú, aruanã, pirarara, curubim.
Diminui muito o peixe. Botou muita malhadeira, tinha 15, 20 malhadeiras por
lago.” (Morador do Jaú em 01/12/2010).
“Pescador de gelo mesmo, nos anos 70, talvez 75. Cheiroso, pai do Zé Ponte,
também começou a fazer pesca no Jauaperi. Aí foi saber o que era gelo, pesca de
gelo. Três, na época, começou a levar gelo e pegar pessoas no rio para começar a
pescar. Aí neste tempo, neste tempo, não tinha muito pescador, era três dias em
uma comunidade, bastava duas noites, não tinha muito pescador, o município de
Novo Airão tinha pouquinho barco” (Depoimento de pescador comercial,
morador do rio Jauaperi, comunidade de Itaquera em 15/11/2010).
“E aí foi começando as malhadeiras. Comprava 5 ou 6 quilos de linha para
malhadeira. Foram abandonando a arpoeira e o arpão. Antes de chegar o IBDF se
pescava com arpoeira. No outro ano encontraram o IBDF lá. Astea, arpoeira e
arpão, aí o arco e flecha. Aí os peixes, o regatão as vezes comprava, quando
tinha.” (Depoimento de ex-morador do Jaú, em 22/11/2010).
“O nylon venho para cá de 78 para frente. Malhadeira venho chegar muito mais
tarde, para você ter uma idéia, uma coisa muito impressionante, quando você
ouvia falar em malhadeira era uma coisa assustadora. Primeiro, não tinha
malhadeira como a gente vê hoje, a malhadeira que tinha era para pegar o
pirarucu e o cara para botar malhadeira tinha que ter muita coragem. Primeiro,
porque você tinha que colocar umas forquilhas no fundo, não tinha chumbada,
era totalmente diferente. Isto era pouquíssimas pessoas, raramente eram as
pessoas que tinham esta malhadeira (...). Ninguém tinha necessidade de ter
malhadeira porque tinha bastante peixe para você pegar de caniço. Já o pirarucu
era para você secar e vender” (Depoimento de Aldenor Sobrinha Barbosa em
16/09/2010).
86
O trânsito de barcos de pesca na região teve início quando ainda não existiam
comunidades ribeirinhas organizadas. O marco e a escala temporal notada pelos
informantes são prévios a chegada do IBDF, o que está relacionado à implantação do
Parque Nacional do Jaú. É visível o destaque dado a esses “novos apetrechos”,
especialmente as malhadeiras de nylon. No entanto, isso não quer dizer que antes desse
período não houvesse malhadeiras ou arrastões, mas que na memória dos participantes da
pesquisa, talvez estes marcos fossem o início das malhadeiras, segundo suas visões.
Os depoimentos também “revelam” a impressão a respeito do tamanho dos barcos e
de sua procedência (externa). Para os pescadores locais, apesar de esses barcos operarem
em número reduzido, suas capacidades de captura de pescado eram elevadas e a influência
dessa modalidade de pescaria sobre a diminuição dos estoques pesqueiros era visível. Um
dos relatos expressou o pedido dos moradores para que determinado barco não retornasse
mais.
No final dos anos 60, com advento do Código Florestal (1965)45
e do Código de
Caça e Pesca (1967)46
, foram proibidas as atividades comerciais de madeira em tora por
jangadas e também o comércio de “fantasias” operadas pelos regatões. Na região de
Barcelos estava estruturado o sistema de pesca ornamental nos anos 60 e 70 (SOBREIRO,
2007), que também foi sendo regulamentado legislativamente e especificamente nessa
região, sendo motivo de alguns pescadores migrarem para a pesca comercial.
Assim sendo, os primeiros pescadores comerciais oriundos do Rio Negro são
aqueles que conseguiram adquirir algum recurso financeiro que, por opção, possibilitasse o
redirecionamento das atividades econômicas, antes ligadas ao aviamento e regateio ou a
pesca ornamental (anos 80) ou às atividades madeireiras (anos 70 – 90) para a pesca
comercial.
“O patrão parou de levar a madeira para Manaus devido às exigências do IBDF.
Comecei a trabalhar na pesca aos 12 anos e aos 13 anos fiz a primeira viagem
com a pesca de gelo, com Antônio Pontes, pescar tucunaré e cará. A primeira
viagem de pesca foi para o rio Unini. O que botasse pescava, era bicho de casco,
peixe-boi e pirarucu” (Depoimento de Raimundo Marques, 45 anos, em
20/11/2010).
(...) Eu trabalhei muito tempo no regateio, aí eu vi que não dava, e aí eu passei
para a pesca” (José Pontes, 71 anos, em 14/11/2010).
45
Código Florestal - Lei Nº 4.771, de 15 de setembro de 1965.
46 Código de Caça - Lei N° 5.197, de 3 de janeiro de 1967.
87
“Eu morava acima da foz rio Jauaperi (...) já cresci naquele tempo e vamos dizer
nada era proibido (...) tinha a farinha, tapioca, nós tinha nosso pirarucu, meu pai
era bom pescador entendeu? Ele matava o pirarucu, não era proibido, ele matava
o peixe-boi, na época não era proibido, nós era uns caboclo criado assim. Então
naquele tempo não era proibido e tiração de madeira também não era. Depois
começou a aparecer o IBDF na época venho com a proibição e foi chegando. (...)
Eu não sei, eu tinha mais ou menos uns 16 anos. Aí venho aparecer uma equipe
da Polícia Federal de Roraima, já vinha fiscalizando já, que não podia matar o
peixe-boi (...). Quando eu comecei a viajar eu tinha 24 anos. Eu comecei assim:
nós tinha nosso barco de minha família. Nós tinha nosso primeiro barco
trabalhando em madeira de tora, de jangada, a muitos anos, nosso patrão se
chamava Manuel Clementino, ele já morreu. (...) E aí nos tinha o motor. E aí
apareceu a pesca e eu comecei a pescar com motor de um conhecido, zagaiando,
botando malhadeira. Aí eu tentei fazer uma caixa no barco que nós tinha. A
pesca era boa de ganhar dinheiro” (Depoimento de liderança de pesca, 54 anos,
em 15/11/2010).
“Porque naquele tempo tirava o pau-rosa para a usina. Aí nós fomos morar em
Anavilhanas, mas naquele tempo não tinha proibição. Nós chegamos em 1967
(...). (...) já meu pai venho a tirar madeira do lago do Capitari, para tirar Itaúba e
nós morava na ilha em frente ao paranã da Gaivota , dizia ilha do Trovão.
Quando foi em 71 meu pai resolve de nós ir para a terra firme (...). Era quando a
gente viu que o negócio da madeira estava ficando complicado, não tinha mais
chance de recadastramento, para desmatar, tirar a madeira, assim que nós
pescava. Mas, nós pescava de definitivo, com documento, de 87 para cá, mais era
pesca, já! Nós só trabalhava com documento, IBDF (...) você paga por
metragem, era descontado aquele imposto ... por metro cúbico (...). (Depoimento
de Raimundo Rodrigues Valente, 54 anos e Edival Valente Rodrigues, 44 anos,
pescadores artesanais, com canoa de rabeta, Novo Airão, em 10/11/2010).
“Aí é o tempo que eu já estava crescidinho, nossa vida foi pesca, eu passei
dezesseis anos pescando peixe ornamental, cardinal, peixinhos. (...) Na época eu
tinha uns 14 anos, 15 anos quando comecei (...). (...) Os patrão começaram a
travar com os peixinhos de exportação. Foi acabando os trabalhos que meu pai
fazia, borracha, sorva, cipó, estas coisas, aí surgiu o trabalho do peixinho, né? Da
piaba, né? (...) Passou para Manaus com conhecimento, já com os exportador,
né? Aí eu e com meus irmãos, já não era mais freguês, eu meus irmãos já
passamos a ser patrão dos outros né? (...) Mais ou menos em 1987 começou a
surgir a proibição. (...) Era só um sítio, nome de Jufaris, é para baixo de
Barcelos, um pouquinho. Deixa eu ver ... isto em 1980.” (mudança para Novo
Airão, mas ainda continuando com atividade de pesca de peixes ornamentais em
Barcelos, Jufaris). “Bom, aqui não tem piava para pescar, piava só nas
cabeceiras! Vamos colocar uma caixa e fazer um barquinho de pesca, né?”
(Depoimento de Ivani Ferreira da Silva, 59 anos, ex-pescador, Novo Airão, em
01/09/2010)
A implementação das políticas “de proibições” ocorre com maior intensidade com
a presença institucional do IBDF, sobretudo por conta da criação do Parque Nacional do
Jaú, mas também na Foz do Rio Branco. Neste afluente, existia um flutuante que continha
servidores públicos do IBDF, da SUDEPE e da Política Federal, por tratar-se de um rio que
abrangia o Estado do Amazonas e o Território Federal de Roraima, ponto estratégico de
fiscalização ou monitoramento sobre o fluxo de embarcações e produtos. A expedição de
88
licenças de retirada de madeira era realizada nesse local e também se monitorava a pesca,
inspecionando as embarcações, a documentação e os apetrechos.
Mesmo com a implementação legislativa, não quer dizer que houve abandono
imediato dos comércios de fantasias, quelônios ou da retirada de madeira. De certa
maneira, essa atividade continuou e continua ainda hoje, especialmente a da madeira, nas
proximidades de Manaus, ou dos quelônios de uma maneira geral, como forma identitária,
seja por hábitos alimentares, ou ainda como fonte de renda47
ou a caça de alimentação e
pequeno comércio (SILVA, 2003 ao se referir a Barcelos, no Médio Rio Negro).
Há também situações particulares, como a de José Adimar Pedreiro Garcia,
pescador de Novo Airão, e intermediador comercial com os frigoríficos de Manaus,
Manacapuru e Itacoatiara, além de parceiro (aviador) de outros pescadores:
“Desde os 15 anos sou pescador. O meu nome completo é José Adimar Pedreiro
Garcia, sou natural de Monte Alegre, Pará, tenho 58 anos, 42 de Amazonas. Eu
trabalhava no barco recreio Brisso Medeiros e me mudei para São Gabriel da
Cachoeira. Ele me vendeu o primeiro motor, cabia 19 toneladas de peixe (...).
Tinha frigorífico, pescava uns 800 quilos de baixada e subia com frango, carne e
verdura. Dava a despesa. Eu gastava 5 tambores de diesel. O barco foi comprado
em 1986 e em 1992 cheguei em Novo Airão. Me desfiz do barco em 1990, mas
continuei trabalhando com o pessoal de Barcelos. Em 1987 comprei outro
batelão com 16 metros (...)” (Depoimento de José A. P. Garcia, 58 anos, Novo
Airão, em 22/11/2010).
Ou do senhor Francisco de Silva Amorim que teve uma passagem mais
momentânea pela atividade da pesca comercial:
“A gente tem uma tradição na pesca. Em cada canto que você chega tem uma
diferença grande né? É porque no lago do Ubin onde eu nasci, a pescaria lá, você
pescava de caniço né? É flecha e arpão. E quando a gente chegou na região do
rio Negro, entre Novo Airão e Jaú, aí tu já muda a tradição de pesca (...). Aí
quando eu cheguei no rio Cuieiras, eu passei fome. Eu não sabia tradição de
pesca do rio Cuieiras. Eu vi aquele monte de peixe, comendo, batendo em cima
d’água e eu botava o anzol e não pegava nenhum peixe (...). Eu trabalhei na
agricultura 8 anos. Aí meu cunhado disse: dá para você botar uma caixa de gelo
neste teu barco. Foi quando eu fiz uma caixa e botei no meu barquinho, aí fui
gelar” (Francisco de Silva Amorim, comunidade São Sebastião, rio Cuieiras, 51
anos, 12/04/2011).
Naquela época, Manaus representava aumento demográfico por migrações
ocasionadas por conta da desvalorização da produção extrativista, busca de qualidade de
47
Na questão dos quelônios ver também Rebelo e Pezzuti (2001).
89
vida na cidade ou por conta dos incentivos ocasionados pela instalação de um pólo
industrial (anos 60 e 70) (BENCHIMOL, 2010). Manaus também representou um mercado
consumidor de pescado e um centro administrativo devido à presença da SUDEPE, para
realizar o Registro Geral do Pescador (RGP) e da Capitania dos Portos, para licenciar os
barcos, bem como centro para aquisição de gelo e apetrechos para pesca, a ligação da
pesca no território do Baixo Rio Negro. A Colônia dos Pescadores é citada somente em
depoimentos que fazem referência a meados dos anos 80.
Desta maneira, foram apresentados alguns elementos constitutivos históricos da
formação dos pescadores artesanais, aqui no caso, com ênfase nos pescadores embarcados.
Ou seja, a relação de formação dos pescadores se dá com adventos tecnológicos atribuídos
a modernização da pesca, de onde se estabeleceram as relações entre os empreendedores da
pesca, com os pescadores polivalentes de história e origem agroextrativistas advindos do
modelo da indústria extrativista (borracha, produtos não madeireiros, fantasia, cultivos,
peixe-seco). Outros pescadores, nesse período, como o senhor Raimundo Marques e seu
irmão Moysés Marques, iniciaram a formação de pescador seja pescando para os “patrões”,
seja acompanhando-os nas primeiras viagens de gelador, como pôde ser visto nos relatos
citados anteriormente.
4.4.2 Contextos históricos em três décadas
Identificaram-se três contextos distintos e históricos: anos 80, 90 e 2000. Essas três
décadas possuem diferentes especificidades quanto ao contexto regional das instituições de
manejo e quanto às modalidades de pesca realizadas, mas não possuem uma linha divisória
clara.
4.4.2.1 Anos 80
No final dos anos 70 e início de 1980, se formou a primeira geração de pescadores
comerciais embarcados, na região do Baixo Rio Negro. A maioria deles morava na área
rural, entre o Jufaris e o Paranã da Floresta, e entre o Rio Branco e Jauaperi, regiões
90
utilizadas para pescar. Esses pescadores adaptaram os barcos que já tinham para a pesca
comercial e alguns investiram depois em outro barco, o que pode demonstrar que havia um
razoável retorno financeiro aos investimentos. Esses empreendimentos eram familiares,
uma vez que irmãos e filhos também compartilhavam da opção. Parte desses pescadores
ainda compartilhava a pesca com outras atividades, como a agricultura ou madeira
(legalizada ou não manejada), para dar dois exemplos. Para se ter ideia, o maior barco de
pesca tinha capacidade de 25 toneladas de gelo e talvez o segundo maior 17 toneladas. Os
demais barcos são do tamanho de em torno de uma a cinco toneladas de gelo.
O centro de partida e chegada para a atividade da pesca era Manaus, tanto em
questões administrativas quanto comerciais, conforme já havia sido citado. Era em Manaus
onde se obtinham os registros profissionais junto a SUDEPE e a documentação dos barcos
junto a Capitania dos Portos. No final dos anos 80, o registro também era feita na entidade
de classe, a Colônia dos Pescadores Z -1248
. Também se adquiria o gelo, na época em
barra, o que proporcionava uma menor conservação do pescado, era colocado em menor
quantidade, pois o gelo em barra poderia afetar a integridade dos peixes. Além disso, era
adquirido o combustível e demais utensílios e mantimentos para as viagens. No retorno à
Manaus era realizado o comércio dos peixes em uma balsa flutuante, que antes se
localizava em frente à Manaus Moderna, através de despachantes (intermediários
comerciais), mediante pagamento de taxa de desembarque ou direto para feirantes
mediante contratação de canoeiros para fazer a travessia.
O peixe comercializado era o Pirarucu, Tucunaré (várias variedades), Cará (idem),
Pescada (especialidade) e também Jaraqui e Matrinchã. As Feras, como são conhecidas
algumas espécies de peixe liso (Siluriformes), foram sendo incorporadas à pesca já mais no
final dos anos 80, devido o aumento do valor pago no comércio. De acordo com os
depoimentos dos entrevistados, foi possível registrar quatro especialidades de pesca, o que
não quer dizer que tais especialidades representam pescas mono-específicas, mas sim uma
associação preferencial com determinado grupo de espécies: a pesca de zagaia (Tucunaré e
Cará); a pesca de lanço ou cerco (Jaraqui e Matrinchã), a Pescada e a fera. O Pirarucu
também era arpoado ou usualmente pescado com rede de multifilamentos.
48 Anteriormente, foi citado que a Colônia dos Pescadores de Manaus era Z – 2 e passou a se denominar Z
12.
91
O Pirarucu era comprado junto aos pescadores moradores dos rios enquanto que o
Tucunaré e o Cará eram pescados mediante contratação de pescadores ribeirinhos, ou
comprados. A pesca da Pescada, Matrinchã e Jaraqui era realizada pela própria tripulação
do barco de pesca. Em muitos casos eram realizadas negociações com pescadores dos
locais de pesca, que incluía a compra de pescados, contratação dos serviços de pescador,
ou ainda o pedido de permissão para se pescar, o que possibilitava a promoção de
intercâmbio de informações entre pescadores sobre os ambientes de pesca ou os locais de
passagem dos cardumes de peixes de Jaraqui e Matrinchã. Além dessa rede de
aprendizado, ocorria a experimentação empírica sobre a pesca, no sentido em que o
pescador foi conhecendo os ambientes e locais de pesca por tentativa e erro, conforme
afirma Allut (2000).
As áreas de pesca dos entrevistados, nesse período, incluem a margem esquerda do
Rio Negro, com usual utilização de lagos do Arquipélago de Anavilhanas, o Rio Jauaperi,
o Rio Unini e o Rio Branco, e os ambientes de pesca do Médio Rio Negro (Barcelos).
Em 1980 e 1981 foram criados respectivamente o Parque Nacional do Jaú
(PARNA) e a Estação Ecológica de Anavilhanas. É possível que por conta do PARNA do
Jaú, se tenha aumentado a presença institucional do IBDF, especialmente por conta da
instalação da base flutuante de fiscalização na foz do Rio Jaú, no ano de 1982. Com essa
base flutuante, foi interrompido, de certa forma, o trânsito de barcos regatões que
realizavam as trocas comerciais de produtos agroextrativistas. A ESEC passou a adquirir e
construir as bases de fiscalização após o pagamento das indenizações, em 1983, de 5349
moradores dos residentes nas ilhas e na parte da terra firme, entre o Rio Apuaú e Baipendi
(margem esquerda). Em 1989 foi homologada a Terra Indígena Waimiri Atroari e parte de
moradores não indígenas foi indenizada.
Outro ponto de controle era a Foz do Rio Branco, que era via de acesso ao
Território Federal de Roraima, e nesse ponto, existia um flutuante particular que era
compartilhado pelo IBDF, SUDEPE, Polícia Federal e Capitania dos Portos. O uso de
redes de arrastão era fiscalizado e esse apetrecho eventualmente apreendido. Era verificado
o tamanho da linha, que denunciava a captura de quelônios, e a presença de espingardas,
que mesmo documentadas, eram consideradas como indício de possível intenção de caça.
49 IBAMA (1999).
92
Mesmo assim, a pesca artesanal comercial estava em ascensão, operando em
regimes de acesso, às vezes livres, outras negociadas. No Rio Jaú existe informações de
que, mesmo antes da chegada do IBDF, moradores locais haviam solicitado a barcos
pesqueiros que não retornassem mais, ou, no caso do Rio Unini, o estabelecimento de
limite da capacidade dos barcos a três toneladas, o que mesmo que não fosse consenso de
moradores de um rio, demonstrava indícios de que os moradores locais almejavam o
controle local.
Em resumo, a década de 80, no Rio Negro foi o período em que se consolidou a
existência da “pesca comercial” entre poucos pescadores locais, outros vindos de outros
locais, Roraima e Manaus. Esses pescadores formaram uma rede interdependente entre si,
nas estratégias de pesca em relação aos ambientes, técnicas de captura, ou negociações
com os moradores dos locais.
4.4.2.2 Anos 90
Parte dos pescadores comerciais embarcados se mudou para Novo Airão cujas
escolhas devem-se por razões particulares, seja devido o acesso à educação ou saúde, ou na
perspectiva de maior qualidade de vida. Novo Airão também passou a ser um “centro
administrativo da pesca” e parte das relações de comércio de pescado.
Denomina-se como um centro administrativo, pois os pescadores já não dependiam
diretamente de Manaus. Isso também se deve à criação do escritório regional do IBAMA
no município. O IBAMA havia sido criado em 1989, com a junção de quatro instituições:
SEMA (Secretaria Especial de Meio Ambiente), IBDF, SUDEPE e SUDHEVEA
(Superintendência de Desenvolvimento da Borracha). No que diz respeito à pesca, o
IBAMA teve responsabilidades de realizar o ordenamento pesqueiro, fiscalizar o
cumprimento de regras da pesca, bem como expedir as carteiras de registro do pescador
profissional. E, essa mesma instituição também era responsável pela gestão das unidades
de conservação.
Em outras palavras, os pescadores agora poderiam se reportar ao IBAMA em Novo
Airão para realizar os registros profissionais. E, no que diz respeito às entidades dos
pescadores, a maioria encontrava-se registrada na Colônia dos Pescadores de Manaus (Z –
93
12). No entanto, em 1997 houve uma iniciativa de ter uma representação da Colônia dos
Pescadores em Novo Airão, que funcionou informalmente, por meio de representações de
pessoas que faziam a ligação com a Colônia Z -12.
Nesse mesmo período, Novo Airão já possuía um aumento demográfico e
possibilidade de comércio local de pesca, através de uma feira na beira rio, assim como já
era possível adquirir gelo e combustível. Com tais características, foi possível que nos anos
90 tenha se iniciado também uma segunda geração de pescadores artesanais comerciais, a
de pequenos barcos ou canoas com motor rabeta, com capacidade de comportar caixas de
isopor50
. Outra informação relevante para apoiar esta hipótese foi observada por Cruz e
Pereira (2009) em pescadores de Manacapuru com o uso de motores rabetas, que se
encontravam no mercado no início dos anos 90, de custo mais baixo e que aumentou a
independência de mobilidade entre os sítios de pesca e o mercado de vendas próximo, bem
como mantendo o regime de produção familiar.
As áreas protegidas federais até então tiveram infra-estrutura adquirida, mas na
prática, a gestão do dia a dia era realizada por rotinas de fiscalização, centrada no
“comando e controle” realizada por fiscais51
. Em 1998 e 1999, foram concluídos os
estudos técnicos dos planos de manejo do Parna do Jaú e da ESEC de Anavilhanas,
respectivamente.
Em 1995, o governo do Estado do Amazonas criou dois Parques Estaduais
abrangendo parte da margem direita e esquerda do Rio Negro, indo ao sul do PARNA Jaú,
contornando Novo Airão, seguindo pela margem direita até o sul da ESEC de Anavilhanas,
passando sobre o Rio Negro em sentido à margem esquerda, contornando por terra firme
com os limites até o Rio Apuaú, limites com a terra firme da ESEC (SDS, 2010b). Apesar
de criado em 1995, permaneceu apenas no “papel”, pois não foi implementado e não
interferiu na dinâmica local.
Outra característica desta década é a formação da maior parte das comunidades
ribeirinhas, processo que se iniciou nos anos 80 e findando para a conformação atual nos
anos 2000.
50
Ver capítulo 05
51 Entrevistas
94
4.4.2.3 Anos 2000
O intervalo de tempo entre o ano 2000 até o presente corresponde aos últimos
eventos, que estão mais presentes nas análises desta pesquisa. Neste sub-tópico é descrito o
contexto, sem detalhar, já que é também objeto dos capítulo 05 e 06. De uma maneira
geral, no Baixo Rio Negro, consolidou-se o Mosaico de Áreas Progidas, mas por outro
lado, novos territórios sociais também estavam sendo formados ou reivindicados por
comunidades ribeirinhas, indígenas e uma quilombola, as quais também mobilizaram (e
mobilizam) esforços de reconhecimento.
No que diz respeito ao ordenamento da pesca, dois instrumentos de gestão
merecem destaque: a formalização de dois acordos de pesca e a promulgação de um
decreto Estadual do “Rio Negro”. Os acordos de pesca foram reivindicados, em primeira
análise, devido a sobre-exploração dos recursos pesqueiros nos Rios Unini e Jauaperi, o
que fez com que as comunidades solicitassem ao IBAMA a formalização desse
instrumento.
Porém, aprofundando a análise sobre os acordos de pesca, pode-se verificar que
existe a vontade de que as comunidades controlem os seus rios e ambientes de pesca, a tal
ponto que solicitaram também a criação das reservas extrativistas. Enquanto que a RESEX
do Unini foi criada em 2006, a do Rio Jauaperi ainda aguarda o decreto federal de sua
criação. Ao mesmo tempo, por outro lado, na década de 2000 se observou a presença maior
de outro setor da pesca, os empresários da pesca esportiva, que abriram novas
possibilidades de negociação e renda para moradores e pescadores. Esse mesmo setor
“teria” influenciado o Governo do Estado do Amazonas a criar o “Decreto Rio Negro” em
2001, proibindo durante cinco anos a pesca de Tucunaré e Aruanã-Preto.
Alguns elementos citados até aqui serão discutidos no próximo capítulo com mais
detalhes.
4.5 SÍNTESES PRELIMINARES
95
Apesar da descrição histórica das fases colonial e império e períodos republicanos
(de 1912 aos anos 30; anos 50 a 80; anos 90 e 2000), ser parcial ou breve, é possível
estabelecer uma tabela baseada nos seguintes ciclos panárquicos de gestão da pesca,
conforme tabela abaixo (tabela 06).
Tabela 06 – Sistemas de gestão por períodos estabelecidos nesta pesquisa.
Período Sistema de Gestão Usos e Acessos (regulamentações)
1650 -
1750
Pesca realizada pelos indígenas para
manter as missões e administrações
coloniais
Técnicas de pesca indígenas, regime coletivo
para abastecimento das missões
1750 -
1850 Pesqueiros reais
Acesso regulado inicialmente pelos
Destacamentos Militares, passando para as
administrações municipais.
Peixes de diversas variedades para a
alimentação, pirarucu seco, peixe-boi e
produtos de quelônios (abastecimento interno
e exportação)
1850 -
1910 Companhia dos Pescadores
Administrações municipais com sistema de
zonas municipais, cotas, regras e taxas, ainda
realizada essencialmente pelos indígenas.
Aumento das exploração dos mesmos recursos
pesqueiros
1912 -
1940
Sistema Federalizado (Regras Estatais
– Códigos das Águas e Pesca) e
Colônia dos Pescadores)
Livre acesso; a pesca enquanto recurso
econômico; obrigatoriedade do registro na
Colônia e na Capitania
1950 -
1980
Regras Estatais e modernização da
pesca e gestão centralizada
Livre acesso; abastecimento do mercado de
Manaus/Novo Airão; criação do PARNA do
Jaú e Anavilhanas (propriedade estatal)
1990 IBAMA, Colônia dos Pescadores Idem
Formação dos territórios sociais comunitários
2000
IBAMA; IPAAM; Colônias,
Associações e Sindicatos dos
Pescadores; SEAP/MPA; acordos de
pesca; “Decreto Rio Negro”
Regimes de gestão: livre acesso, comum, co-
gestão e estatal (a ser mais bem detalhado no
capítulo 5).
“As paragens”, conforme descrição feita por Veríssimo (1970), abasteciam de
alimentos as excursões coloniais ou as missões (FURTADO, 1996). Eram realizadas pelos
indígenas aldeados que, após a formação dos “Pesqueiros Reais” no período Pombalino,
eram contratados para realizarem os serviços reais. Havia uma divisão de trabalho da pesca
que envolvia os remeiros, vigias, pescadores e administradores, como regime de
propriedade estatal por um período e local, Baixo Rio Branco, ou como propriedade co-
gerida, como em Tefé, no século XIX.
A localização dos pesqueiros reais no Rio Branco devia-se não somente à
proximidade com a antiga capital da capitania - Barcellos, mas também para obtenção de
produtos de exportação. Neste trabalho, não se obteve informação sobre o registro no que
diz respeito ao término dos pesqueiros, mas a literatura histórica diz que passou por um
96
processo de municipalização, mediante a criação das companhias de pescadores, o que
perdurou até meados do século XX.
Já durante a primeira década do século XX, se passou a investir na formação de
profissionais ou instituições de gestão da pesca, que até os anos 30 esteve vinculada a ideia
de “Segurança Nacional”, passando então a ser considerada como setor produtivo ligado à
indústria da qual havia a necessidade de “livre acesso”, determinada pelos Códigos das
Águas e da Pesca. Nesse período, já eram proibidos o uso de apetrechos que impedissem a
passagem dos peixes, a exemplos, das tapagens, cacuris ou currais, ou ainda o uso de redes
que atravessassem parte dos ambientes de pesca.
É no período que compreende os anos de 1960 que acontece a modernização da
pesca (CASTRO e McGRATH, 2001). Naquele período o extrativismo do látex estava em
baixa, mas o sistema de produção era diversificado, existindo cultivos (agricultura), a caça
(fantasia) e pesca (Pirarucu salgado, quelônios), produtos madeireiros e não madeireiros. A
caça foi proibida e a extração de madeira em jangadas também; e, estava em formação o
distrito industrial de Manaus, fazendo com que ocorressem migrações de pessoas de várias
regiões do Amazonas para a capital e assim o pescado era demandado.
Nos anos 60 e 70, aconteceram as primeiras incursões da pesca de gelo, o que fez
com que muitos moradores do Rio Negro optassem pela atividade, sendo regularizada
mediante a SUDEPE ou a Capitania dos Portos no início dos anos 80, no momento em que
foram criadas as duas primeiras unidades de conservação.
Nos anos 90, Novo Airão já apresentava maior demografia (iniciado nos anos 80) e
comunidades ribeirinhas conformavam novos territórios sociais. A possibilidade de pescar
a partir de Novo Airão formou uma nova geração de pescadores locais, de pequena escala,
com o objetivo de abastecer o município, enquanto que os outros ainda tinham Manaus
como referência. O IBAMA nessa década, até meados nos anos 2005, é a instituição
responsável pela gestão tanto das UC’s federais como da pesca.
É no ano 2010 que se consolida o Mosaico de Áreas Protegidas, ao qual ainda se
juntam três acordos de pesca e um decreto estadual. Por outro lado, pescadores artesanais
encontram-se organizados em quatro entidades de pesca, e que encontram no “Seguro
Defeso” os incentivos de reconhecimento da categoria de pescador, mas por outro lado,
possuindo poucos ambientes de pesca que garantem o exercício legal da atividade,
conforme será objeto de detalhamento neste próximo capítulo.
97
5. AS INSTITUIÇÕES FORMAIS DE MANEJO DA PESCA
5.1 CONTEXTUALIZAÇÕES INICIAIS
O recorte dado neste capítulo diz respeito à descrição dos processos relativos às
agências de gestão por parte do governo e das organizações dos pescadores. No capítulo 06
é tratado sobre os processos territoriais de uso e acesso aos recursos pesqueiros.
Para contextualizar o leitor, especialmente deste ponto em diante, o tema manejo e
gestão aparece mais continuamente. Utiliza-se esta terminologia conforme Seixas (2005),
ora para conotar gestão ou gerenciamento, ora para especificamente tratar do acesso ou
prática do exercício da pesca. As organizações formais não realizam a prática da pesca,
mas outra prática, a da gestão que permeia as ações das pescarias. Uma norma, como o
período do defeso, é uma norma de gestão ou de manejo.
Para entrar na leitura deste capítulo são considerados os seguintes aspectos:
A formação dos pescadores artesanais comerciais e sua rede de relacionamentos no
final dos anos 70 e início dos anos 80, com vínculo com as demandas de Manaus,
centro administrativo e comercial;
Nos anos 90, com a formação de um mercado consumidor (demandas) em Novo
Airão, a presença institucional do IBAMA que expedia os registros gerais de pesca,
a representação incipiente da Colônia dos Pescadores e a possibilidade de comprar
gelo, fez com que novos pescadores se incluíssem na rede – os pescadores de
rabeta;
A consolidação das comunidades ribeirinhas52
;
O aumento demográfico53
;
A presença empresarial do setor da pesca amadora esportiva no Médio e Baixo Rio
Negro que passou a negociar áreas de exercício da pesca esportiva com os
moradores de comunidades.
52
Tabela 04 53
Gráfico 01.
98
5.2 AS RESTRIÇÕES GRADATIVAS PARA SE PESCAR
As restrições dos ambientes de pesca aconteceram gradativamente e envolvem a
criação das unidades de conservação e as suas implementações54
, a formulação de dois
acordos de pesca restritivos (Rio Unini e Jauaperi), a edição do Decreto Estadual “Rio
Negro” e também a “retomada territorial” de alguns locais pelos Waimiri Atroari.
Os pescadores artesanais comerciais embarcados, nos anos 1980, utilizavam, em
parte, os ambientes do Arquipélago de Anavilhanas e seu entorno imediato, os Rios Unini,
Jauaperi e Branco, no Baixo Rio Negro, e uma infinidade de ambientes no Médio rio
Negro (Figura 10); enquanto que, os pescadores rabeteiros, nos anos 1990, utilizavam os
ambientes mais próximos, não excedendo o Baixo Rio Negro (Figura 11).
De uma maneira geral, a partir de informações de depoimentos orais a respeito dos
locais de pescarias, os pescadores artesanais embarcados indicam as seguintes regiões (ver
também Figura 10 a seguir):
No Baixo Rio Negro: a margem direita acima de Novo Airão, incluindo
igarapés e o Rio Puduari até a Foz do Rio Jaú, passando a Foz do
Rio Unini e na margem esquerda do Rio Negro incluindo os ambientes do
Arquipélago de Anavilhanas. O Rio Jauaperi e Unini eram utilizados até as
restrições (acordos de pesca);
No entorno imediato: Rio Branco;
No médio Rio Negro (Barcelos a Santa Isabel do Rio Negro): Uarés, Jufaris,
Quiuini, Demeni (Demendi), Ariahá, Aracá, Caurês, Itu, Xeruini, Rio Negro
(Mometuaí – abaixo de Santa Isabel do Rio Negro), Rio Negro (ambientes
do arquipélago do Mariuá), Romada, Bafoana, Cachoerinha, Corocoró e
lago do Prata.
Assim, no que diz respeito ao Médio Rio Negro, segundo estudo realizado por
Barra, Dias e Carvalheiro (2010, p. 25), em Barcelos, os principais locais de pesca
utilizados pelos diferentes pescadores são: “Rio Negro (37%), Rio Demeni (12%), Rio
54 Refere-se à implementação de UC’s: a presença de gestores, ter infra-estrutura, plano de gestão e conselho
gestor em funcionamento.
99
Aracá (10%), Rio Itu (9%), Rio Arirahá (9%), Rio Quiuini (8%), Rio Padauari (6%), Rio
Caurés (4%) e Rio Jurubaxi (4%)”. As autoras referem-se aos pescadores de Barcelos, mas
pode ser sugerido que alguns destes rios também são compartilhados pelos pescadores de
Novo Airão. Essa informação não é analisada, mas torna-se importante este registro e, de
antemão, é uma das considerações desta pesquisa, pois é possível sugerir que o Médio Rio
Negro é historicamente um local de pesca artesanal embarcada, pelo menos para os
pescadores de Novo Airão.
Figura 10: Rios principais utilizados nas pescarias. Fonte: Shape files IBGE e ANA.
A figura 11 (abaixo), por outro lado, mostra que os pescadores rabeteiros precisam
se deslocar para fora de áreas restritas. E, talvez passe a impressão que existem muitos
igarapés que possam ser utilizados, o que não é confirmado pelos pescadores. Muitos
igarapés têm poucos ambientes para a pesca ou são limitados por ter pouca água, ou ainda,
representarem o uso desses ambientes pelas comunidades, o que não está representando
nos mapas. Portanto, o mapa presente é apenas fazer uma conexão dos ambientes citados
acima, com uma representação gráfica.
100
Figura 11 – Setas ilustrando as direções gerais de deslocamento dos pescadores rabeteiros.
Fonte: Shapes files: ANA, IBGE, IPAAM, MMA.
As restrições espaciais da pesca iniciam-se logo após a criação do Parna do Jaú e da
ESEC de Anavilhanas. Na primeira situação, a restrição deve-se a instalação da base
flutuante de fiscalização na Foz do Rio Jaú em 1982 (Figura 12), que também é acesso ao
Rio Carabinani. Com relação à ESEC de Anavilhanas, na época, foi mais impactante na
região, às indenizações realizadas aos moradores da Margem Direita do Rio Negro, na
parte da terra firme da ESEC, no ano de 1983 (IBAMA, 1999), e não as atividades
provenientes da fiscalização.
Figura 12 – Da esquerda para a direita: base flutuante do ICMBio na foz do rio Jaú (Fonte: o autor) e
paisagem vista a partir da comunidade Seringualzinho (Fonte: Sarita de Moura).
101
Segundo depoimentos, a fiscalização ambiental passou a aumentar gradativamente
a partir desses períodos; no caso do Rio Jaú, coibindo o trânsito de barcos regatões
(comerciantes) e pescadores. Em meados nos anos 80, foi construída a base de fiscalização
próxima à Foz do Rio Apuaú. A gestão das UC’s, no dia a dia, era realizada pelos fiscais,
mas somente em determinados locais: ou próxima à base do Apuaú, na Foz do Rio Jaú, ou
próxima à sede urbana de Novo Airão.
Nos anos 90, houve um aporte maior de recursos financeiros e humanos, o quê
também possibilitou melhorar a infra-estrutura de fiscalização, com maior frota de barcos
ou lanchas utilizadas na gestão, assim como a presença da sede institucional do IBAMA,
no município de Novo Airão. Nessa década, também foram concluídos dois documentos de
gestão, os planos de manejo55
, do Parna do Jaú, em 1998, e da ESEC de Anavilhanas, em
1999.
Até esse período, o diálogo entre gestores das UC’s e comunidades ou usuários
desses territórios estatais era reduzido ou ausente. O advento dos estudos técnicos (planos
de manejo) possibilitou não só conhecer a área física e geográfica, mas aspectos sociais por
meio de pesquisas com as pessoas residentes. Esse contexto talvez tenha propiciado os
maiores contatos e diálogos entre os órgãos e entidades ligados às unidades de conservação
com as populações residentes ou do entorno.
Isso não só se fez presente para as UC’s Federais, mas também Estaduais. No caso
dos Parques Estaduais (Setor Norte e Sul) – que mesmo criados em 1995 e redelimitados
em 2001 – foi somente entre 2003 a 2008 que as pessoas que residiam naquelas áreas
souberam que se tratava de parques estaduais. Em parte, a interlocução entre os moradores
das UC’s e os órgãos gestores foi facilitada pela atuação de duas organizações não
governamentais: a Fundação Vitória Amazônica (FVA), que iniciou a sua atuação a partir
dos anos 90, nos Rios Jaú, Unini e Carabinani, formulando o plano de manejo de Parna do
Jaú e do PAREST Rio Negro Setor Norte, em cooperação com as instituições gestoras; e, o
IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas, que coordenou a realização do plano de manejo da
ESEC de Anavilhanas, mas atuou com maior intensidade a partir de 2003 e 2004, no Rio
Cuieiras, região do Parest Rio Negro – Setor Sul, e realizou os estudos do plano de gestão.
55 Segundo o SNUC (BRASIL, 2000), artigo 2, refere-se ao plano de manejo: “documento técnico mediante
o qual, com fundamento nos objetivos gerais de uma unidade de conservação, se estabelece o seu
zoneamento e as normas que devem presidir o uso da área e o manejo dos recursos naturais, inclusive a
implantação das estruturas físicas necessárias à gestão da unidade”.
102
Em 2002, a presença institucional dos órgãos gestores federais foi reforçada com a
lotação de analistas ambientais admitidos em concursos públicos. Dessa forma, destacam-
se duas prioridades: o maior controle administrativo e jurídico dos limites das áreas
protegidas e a implementação dos conselhos gestores, já no contexto do Sistema Nacional
de Unidades de Conservação (SNUC). Abaixo, citam-se dois depoimentos exemplificando
o controle das áreas do PARNA do Jaú no que diz respeito aos ambientes aquáticos em
frente à Foz do Rio Jaú e ao limite norte da ESEC de Anavilhanas, que faz limite com um
conjunto de lagos e igarapés (Retorne as figuras 10 e 11; e, a tabela 07 sintetiza os eventos
relacionados ao PARNA do Jaú e ESEC de Anavilhanas):
“De 2000 até 2004 eu pescava ali na boca do Unini, ali para cima do rio Negro,
ali tudo a gente pescava no rio Negro. Aí hoje não é mais permitido (...) que o
Parque Nacional do Jaú eu pesquei lá na época não era proibido, até 2000, 2003,
2004, eles já colocaram estas placas, este emplacamento que eu estou ti falando,
foi em 2003 para frente que eles colocaram aquelas placas lá. Foi que
começaram a proibir” (Acácio de Souza Ferreira, 55 anos, pescador de canoa de
rabeta, em 15/09/2010).
“Nós pescava também no Matias. Só que naquele tempo não tinha flutuante na
boca. Agora não sei nem como tá. Parece que vai mudar a base II para dentro, na
boca do igarapé do Baipendi. Matias tá fora56
. Mas, nós pescava por ali tudo. E
hoje não pode, não sei por quê?” (Pescador comercial, 40 anos, ex-morador e
usuário do Baipendi, em 21/11/2010).
Tabela 07 – Síntese dos eventos que envolvem a criação e implementação do Parna do Jaú e da Esec de
Anavilhanas. Fontes: IBAMA (1997; 1998); informações do autor.
EVENTOS PARNA DO JAÚ ESEC DE ANAVILHANAS
Criação 1980 1981
Instituição
responsável
IBDF (1980 – 1988)
SEMA (1981 – 1988)
IBAMA (1989 – 2007)
ICMBio (2007 – atual)
Primeira
intervenção
1982 - base flutuante na foz do rio Jaú;
1983 - Indenização dos
moradores da margem esquerda
(terra firme)
Plano de gestão 1998 1997
Presença de
analistas
ambientais
A partir de 2002
Consolidação dos
limites
200457
- 2006
Formação dos
conselhos
gestores
2004 – 2007
56
Referência do senhor Acácio pelo fato do lago estar fora do limite da ESEC de Anavilhanas, mas que
também era proibido a pesca. Esta informação também consiste em uma confusão dos limites da ESEC que
persistiu por cinco anos e que confirmou em reunião do conselho consultivo de Anavilhanas realizada em
02/12/2010 que o lago do Matias estaria fora dos limites da ESEC. 57
Instalação de uma base flutuante do Parna do Jaú próximo a foz do rio Unini.
103
Outra dinâmica socioambiental que envolve as restrições espaciais, mas agora no
Médio Rio Negro, ou na parte norte do Baixo Rio Negro, refere-se a um conjunto de
interesses que envolvem o setor empresarial da pesca esportiva, com maior intensidade no
final dos anos 90 e início dos anos 2000. Alguns empresários iniciaram negociações com
comunidades ribeirinhas, especialmente nos Rios Unini, Jauaperi, Branco e Jufaris58
para
que proibissem a realização da pesca comercial. Além disso, os empresários teriam,
juntamente com os poderes públicos do município de Barcelos e do governo do Estado,
proposto a formulação do “Decreto Rio Negro” (Decreto nº 22.304 de 20 de novembro de
2001), que proibiu a pesca comercial no Rio Negro. Para exemplificar estas afirmações
citam-se abaixo alguns depoimentos:
“Aí já começaram a proibir as cabeceiras do rio, né? Que a gente pescava poxa!
Aí foi gerado em um das três comunidades. Aí quando apareceu uns gringo,
turista, aí mandaram, não gostaram muito. Um certo tempo pescava lá, não
queria mais que a gente encostasse para pescar. Olha, isto deve estar fazendo uns
dez anos. Inclusive, numa época lá, um barco, um bote de gringo lá, eles iam
subindo e já tinham mandado e aí deram parte de nós, pô! (...) Aí quando eles ...
vou ligar para o pessoal de Barcelos prender o teu barco (...) E, em cima disto aí
levava o nome era a pesca, isto aí era pesca esportiva. As próprias comunidades
proibiriam, sabe por que? Porque o gringo levava para as comunidades antena
parabólica, levava televisão, levava rabetinha, tudo para eles” (Ivani Ferreira da
Silva, 59 anos, ex-pescador, Novo Airão, em 01/09/2010)
“O rio Branco tinha este problema na época, se você estava documentado, tudo
com carteira, podia trabalhar, não tinha nada de contrabando, podia pescar peixe
podia pescar, então cheguei lá. Pescava no rio Negro até um lugar chamado
Mometauí, abaixo de Santa Isabel um pouco e tinha muito peixe. Já depois
surgiu o decreto, em 2002 né? Ou 2001? O decreto, o primeiro decreto aí mudou
totalmente. Privado matar a fome. Criado pelo governador Amazonino e aí ficou
difícil, aí a gente não pescava, muitos barcos foram presos na época, muitos
barcos, muito material, aquelas malhadeiras” (Liderança da pesca entrevistado
em 27/08/2010).
A pesca foi eliminada vamos dizer (...). Em que ano foi que tinha pesca aqui?
Esta portaria ela veio de Barcelos, vamos dizer, por cima. Então, na época a
gente zagaiava peixe; vamos dizer, o tucunaré, o cará, artesanal. Acabou a pesca
no rio, vamos dizer só ficou a esportiva né? Esta armação de pesca esportiva aí;
fulano chegou aí; e as empresas. O empresário na época falavam com o pessoal e
colocou política lá e não podia ir mais lá. Baixou uma portaria lá! Na Vista
Alegre. Pelo fato que aconteceu foi até bom né!? Se o IBAMA pegasse tomava
né!? (Francisco Pagão, comunidade Lago das Pedras, Rio Unini, em
23/03/2011)..
Na primeira edição do “Decreto Rio Negro” foi proibido o uso de malhadeiras; e
foi mais geral, sem especificar região ou os tipos de pesca a serem regulados. A segunda
58 Depoimentos orais, Creado (2006), Mendes (2009) e Caldenhof (2009).
104
edição do Decreto (N° 27.012 de 28 de setembro de 2007) estabeleceu a proibição da pesca
comercial, já especificando o Tucunaré e Aruanã-Preto, de interesse da pesca esportiva e
ornamental, respectivamente, e limitou a área de abrangência do Decreto para acima da
Foz do Rio Branco, com prazo de três anos de vigência.
A reedição desse decreto, em princípio, excluiria os pescadores de Novo Airão,
mas, mediante a negociação entre os ex-prefeitos de Novo Airão e Barcelos junto ao
secretário da SDS, Virgílio Vianna e deputados estaduais, foi dada a possibilidade dos
pescadores continuarem acessando o Médio Rio Negro, desde que a comercialização fosse
realizada nos municípios do Rio Negro, excluindo os pescadores de Manaus59
.
Além disso, o presente Decreto definiu a frequência de transito dos barcos de pesca
(uma viagem por mês), a cota de cinco toneladas, incluiu a permissão do uso de
malhadeiras e estabeleceu que a SDS faria o zoneamento da pesca no Médio Rio Negro.
Um dos desdobramentos das articulações dos empresários da pesca esportiva junto
aos poderes públicos municipais foi à implementação de uma política de fiscalização
municipal e o estabelecimento de procedimentos de acesso ao Médio Rio Negro. Isso quer
dizer que um pescador de Novo Airão necessitava obter uma carta da Secretaria Municipal
de Meio Ambiente ou do IDAM (Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal
Sustentável do Amazonas) de Novo Airão, declarando a origem do pescador e autorizando
a saída dos barcos de Novo Airão para a região de Barcelos, que lá deveria ser protocolada
na Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Barcelos60
.
A presença das atividades de fiscalização do IPAAM também se ampliou a partir
de denúncias por parte dos operadores da pesca esportiva, como registrado, por exemplo,
no Rio Unini (APNA, STRNA, AANA, APACGJP, APACA, 2003; depoimentos orais).
Atualmente, o Decreto está na sua terceira edição (Decreto No 31151 de 06 de abril de
2011), não tendo alterações significativas em relação ao texto. Porém, ao contrário dos
anteriores – que possuem um prazo de validade de cinco anos para a primeira edição, três
anos a segunda – este último, não possui o período determinado. Diferente dos anteriores,
este Decreto foi discutido mediante consultas públicas em três municípios do Rio Negro:
Novo Airão (Ver a figura 13 abaixo), Barcelos e Santa Isabel do Rio Negro. Todavia,
segundo comunicação pessoal com um ator deste processo, o prazo de validade estava
59 Comunicação pessoal com a diretoria da Colônia dos Pescadores de Novo Airão AM 34.
60 Dados de campo (Seminário da Pesca organizado pela prefeitura municipal de Novo Airão
105
proposto na minuta do Decreto, tendo sido retirado no momento da aprovação, a pedido de
uma organização formal dos empresários de turismo (pesca esportiva).
Figura 13 – Reunião sobre o Decreto Rio Negro, Câmara dos Vereadores de Novo Airão
em 08/05/2010. A foto da esquerda é uma manifestação de pescador contra a proibição
da pesca do Tucunaré.
O Decreto “Rio Negro”, em 2001, talvez seja um possível “fator” que trouxe um
aumento do número de barcos de pesca ao Rio Unini (MENDES, 2009), ou, conforme
Creado (2006), o Rio Unini passou a sofrer sobrepesca após a edição do Decreto. Isso é
possível, pois a fiscalização era maior nas proximidades do Rio Branco e em Barcelos.
Mas, esse fato não pode ser visto de forma isolada, pois o número de pescadores
registrados profissionalmente aumentou no final dos anos 90 e início de 2000 (Figura 14
mais adiante), na mesma época em que as comunidades estavam formadas e começaram a
buscar maior controle e gestão sobre os seus territórios, associado a ligeiro aumento
demográfico61
.
Outro fator que pode ter contribuído para o aumento da pesca comercial é o fato de
que a pesca ornamental tenha se “retraído” em 2001, o que pode ter ocasionado a migração
de pessoas para a atividade da pesca comercial no Médio Rio Negro62
. Segundo Barra,
Dias e Carvalheiro (2010), cerca de 80% da população de Barcelos está envolvida na pesca
ornamental.
61 O aumento demográfico foi pouco em uma década devido as dinâmicas migratórias (PINHEIRO E
MACEDO, 2004).
62 Comunicação com José Gurgel Rabello Neto (pesquisador e ex-secretário de Meio Ambiente de Barcelos
– 2004).
106
Com o aumento da pesca comercial nos Rios Unini e Jauaperi, representantes das
comunidades dos dois rios, optaram pela organização de dois acordos de pesca, limitando o
acesso e uso ao Rio Unini e proibindo a pesca no Rio Jauaperi, o que será descrito no
último tópico deste capítulo. Porém, não se tratava apenas de realizar acordos de pesca
como instrumentos de gestão, mas o desejo de controle territorial, cujas evidências são que
as comunidades organizadas em duas entidades – a AMORU (Associação dos Moradores
do Rio Unini) e a ECOEX (Associação Ecológica dos Agroextrativistas do Baixo Rio
Branco do Baixo Rio Branco-Jauaperi) – solicitassem em 2005, junto ao governo federal, a
criação da reserva extrativista.
Outro movimento territorial que afeta os pescadores artesanais refere-se à
“retomada” dos Waimiri Atroari de duas regiões que haviam ficado de fora da demarcação
da TI Waimiri Atroari63
: parte do Rio Camanaú e a Ilha do Jacaré. Em 1997, houve um
conflito com um morador do Rio Camanaú, que foi “preso” pelos “kinja” (Waimiri
Atroari). Tal episódio, associado à constante presença dos kinja (denominação Waimiri
Atroari) e que já vinham pressionando a retirada dos moradores, fez com que se negociasse
a indenização de 34 famílias ribeirinhas que estavam residindo no Rio Camanaú64
.
E, próximo à foz do Rio Camanaú, existe um complexo de ilhas das quais se
destaca a Ilha do Jacaré que faz limite norte com o Parque Nacional de Anavilhanas. Esse
conjunto de ilhas representa importantes áreas de pesca tanto para pescadores das
comunidades da margem direita (Castanho, Bom Jesus do Puduari), quanto para os
pescadores de Novo Airão. Em 2008, o Programa Waimiri Atroari (Convênio entre a
Eletronorte e a Funai) também indenizou as últimas famílias que residiam naquelas ilhas e
passou a fiscalizar aquele local e a proibir a pesca naquela região65
.
“Nós pescava na ilha do Jacaré e hoje não é mais permitido. Hoje o que nós tem
para pescar é só da ponta da ilha do Jacaré para cima até a ilha do Camutirana.
Os Waimiri Atroari estão tomando conta e eu não sei nem se vai continuar. Hoje
nós estamos sem área de pescaria” (Acácio de Souza Pereira, 55 anos, em
15/09/2010).
Por um lado, trata-se de um território tradicional, reivindicado pelos indígenas, mas
por outro, quando se observa a geopolítica territorial do Baixo Rio Negro, do ponto de
63 A Terra Indígena foi demarcada em 1987 (Decreto No.94.606 de 14-07-87) e homologada pelo Decreto
No.97.837, de 16-06-89 após sucessivas desmembramentos de seu território (BAINES, 1996).
64 Entrevista com Raimundo Marques da Costa, 45 anos, pescador ex-morador no rio Camanaú e reside
atualmente na comunidade Bom Jesus do Puduari.
65 Informações de observação participante (reuniões de conselhos gestores e do grupo de trabalho da pesca
da ESEC de Anavilhanas de 2008.
107
vista da pesca, existe uma área a menos para se pescar. A tabela 08 abaixo apresenta de
forma sucinta a cronologia.
Tabela 08 – Principais eventos que restringiram a atividade da pesca artesanal comercial. Fonte: IBAMA
(1998; 1999); comunicação pessoal com Ana Flávia T. Zingra; depoimentos orais; observação participante; e,
documentos dos acordos de pesca.
Período (anos) Eventos
2011 Reedição do decreto rio Negro
2008 Ocupação da ilha do Jacaré e adjacências pelos Waimiri Atroari
2007 Reedição do decreto rio Negro (proibindo pesca comercial no médio e alto rio
Negro das espécies de aruanã e tucunaré).
2006 Acordo de Pesca do Rio Jauaperi (proibição por dois anos)
2004 Acordo de Pesca no rio Unini (restrição a área, cota de barco e capacidade);
flutuante na foz do rio Unini.
2003 -2005 Proibição verbal para não se pescar no lago do Matias e igarapé do Baipendi e
implantação administrativa do rio Negro (parte do PARNA do Jaú)
2001 Edição do Decreto Rio Negro (proibição da pesca comercial no rio Negro)
1997 Indenização dos moradores do rio Camanaú (proibida a pesca)
1983 Indenização de 54 famílias da terra firme da ESEC de Anavilhanas
1982 Base flutuante do IBDF na foz do rio Jaú proibindo trânsito de embarcações e
pesca dentro do rio Jaú e Carabinani.
Os Parques Estaduais (Setor Norte e Sul) só começaram a ser implementados de
2004 a 2006 seja com visitas técnicas, reuniões ou com os estudos técnicos dos planos de
gestão, concluídos em 2010, assim como os conselhos gestores, sendo o do Parque Norte
iniciado em 2008 e o do Parque Sul ainda se encontra em sua fase inicial (SDS, 2010A;
SDS, 2010B; observação participante).
Ainda que os dois Parques Estaduais também tenham caráter restritivo, em
princípio não representaram uma diminuição significativa das áreas de pesca, pois em seus
territórios não foram citadas áreas de uso da pesca comercial. Isso não quer dizer que não
existam outros conflitos. No PAREST Setor Norte, em 2010, estava planejado colocar uma
base flutuante na Foz do Rio Puduari no seu limite sul, mas alguns pescadores já
demonstram preocupação com a relação à possível restrição que a presença de um
flutuante poderia gerar, mesmo que a intenção verbalizada dos gestores seja tornar aquele
local como uma base de apoio.
Para finalizar este tópico e destacar a desapropriação gradativa das áreas de uso de
recursos pesqueiros, cita-se o Seminário da Pesca organizado pela Secretaria Municipal de
Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Novo Airão (SEMMADES) no dia 23
de abril de 2009, evento realizado a pedido da Colônia dos Pescadores Z 34. Estiveram
presentes pescadores e entidades de classe, representantes do IBAMA, IPAAM (Instituto
de Proteção Ambiental do Estado do Amazonas), CEUC (Centro Estadual de Unidades de
108
Conservação), SEAP (Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca), IDAM (Instituto de
Desenvolvimento Agropecuário e Florestal Sustentável do Estado do Amazonas), SEMMA
(Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Barcelos), coordenação técnica do projeto
AquaBio (Projeto de Manejo Integrado dos Recursos Hídricos da bacia do Rio Negro),
representantes de moradores de comunidades e da FVA e do IPÊ.
No seminário foram abordados temas recorrentes com eventos que envolvem
pescadores e gestores públicos, como os procedimentos de fiscalização, a ausência de um
porto de desembarque de pescado, o “Decreto Rio Negro”, projetos de incentivos do
IDAM para a atividade da pesca, entre outros. Um dos temas discutidos no seminário e que
merece ser destacado foi o questionamento sobre os motivos do Tucunaré e do Aruanã
estarem sendo proibidos sem um estudo. Na mesma linha de argumentação, os pescadores
solicitaram aos órgãos governamentais que entregassem um mapa dizendo quais os locais
que os pescadores teriam direito para pescar.
Esse questionamento teve como uma das respostas das autoridades governamentais
a possibilidade dos pescadores artesanais de Novo Airão se dirigirem para ir pescar no
Médio Rio Negro. Em resposta, os pescadores disseram que essa alternativa se apresentava
como sendo inviável, uma vez que uma canoa movida a rabeta leva sete dias para chegar
ao Rio Branco ou nas outras localidades a jusante das áreas protegidas, o que não
permitiria a conservação do gelo transportado para a preservação do pescado capturado.
Sem um mapa para pescar ou uma solução até o presente, talvez a situação dos
pescadores artesanais não seja muito favorável. Visto por esse ângulo, a criação das áreas
protegidas parece ter trazido apenas impactos sociais negativos uma vez que significou a
perda da territorialidade da pesca. No entanto, conforme será discutido neste capítulo e no
próximo, existem outros elementos que envolvem a territorialidade da pesca e os sistemas
de gestão.
5.3 DINÂMICAS INSTITUCIONAIS DO MANEJO DA PESCA
5.3.1 As agências estatais de manejo na região
Nos anos 90, as políticas de conservação ambiental e de desenvolvimento e gestão
da pesca estiveram em debate, tanto em escala nacional como internacional. Neste cenário
109
de debates socioambientais, destaca-se a Rio – 92, da qual resultaram desdobramentos e
articulações de cooperação internacional que significaram a alocação de recursos tanto
internacionais, quanto orçamentários nacionais para programas relacionados à criação e
gestão das áreas protegidas. No âmbito legislativo estava em discussão o Sistema Nacional
de Unidades de Conservação, aprovado em 2000.
Este último ponto merece um destaque, pois parte das UC’s do Baixo Rio Negro,
ou das organizações sociais, receberam apoio de programas de cooperação, como o
programa ARPA (Áreas Protegidas da Amazônia), Fundação Moore, WWF – Brasil,
Projeto Corredores Ecológicos, GTZ (Cooperação Brasil – Alemanha), entre outros, como
também a abertura de editais, a exemplo do FNMA 01/2005 que visou estimular a
formação de Mosaicos como instrumentos de gestão integrada. O Programa Pró-Várzea
ligado ao PPG-7, para dar outro exemplo, foi que possibilitou o apoio e a discutição de
programas e políticas públicas relacionadas à Várzea Amazônica, com destaque para a
pesca e sua gestão.
Com respeito ao setor da pesca, a partir do momento em que a SUDEPE foi extinta
e substituída em 1989 pelo IBAMA – uma autarquia do Ministério do Meio Ambiente –
houve uma tentativa de fazer com que se criasse uma Secretaria Especial da Pesca (FAO,
2006). Isso se deve ao fato de que o IBAMA, durante a sua existência, mantivesse uma
característica mais fiscalizatória no que diz respeito ao ordenamento da pesca e também ao
registro geral da pesca, ficando o fomento em segundo plano. Assim, segundo o resumo da
FAO (2006), os debates ocorridos nos anos 90 e as promessas de candidatura presidencial
é que fizeram com que em 2003 fosse criada a Secretaria Especial da Pesca, vinculada a
Presidência da República (SEAP), que objetivou subsidiar a formação de uma política
pública para o setor. A SEAP, porém, até 2006 ainda não contava funcionários próprios,
tendo em seus quadros somente alguns terceirizados, outros cedidos de outras instituições
públicas, ficando os cargos de direção subordinados aos interesses político-
assistencialistas, o que resultou no não estabelecimento de vínculos diretos com as
demandas do setor pesqueiro (FAO, 2006).
No nível local, são mais evidentes as mudanças institucionais que ocorreram com a
criação da SEAP e de novas atribuições aos órgãos de gestão da pesca. Em Novo Airão,
nos anos 90, o escritório regional do IBAMA era o responsável pela gestão das UC’s e da
pesca, especialmente pela expedição da carteira profissional (Registro Geral da Pesca –
110
RPG)66
, mas, como será descrito a seguir, essas atribuições passaram a estar ligadas às
entidades de classe dos pescadores, que passam a intermediar esse processo junto a
gestores do Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA).
A partir de 2002, a presença de novos analistas ambientais no IBAMA fez com que
houvesse maior presença institucional no cotidiano das pessoas. Todavia, os diálogos entre
o IBAMA e a comunidade pesqueira local se intensificaram a partir da realização de dois
eventos: o primeiro, a “I Oficina sobre o Uso Adequado dos Recursos Naturais”, em 2003,
organizada pelas organizações sociais regionais de Novo Airão; e o segundo, o processo de
formação dos conselhos gestores das UC’s, já como instrumento previsto no SNUC.
Ambos os eventos resultaram em debates calorosos.
Foi no momento em que estavam se estabelecendo diálogos mais constantes entre o
IBAMA e os pescadores que duas novas instituições foram criadas: a Secretaria Especial
de Aquicultura e Pesca (SEAP67
), em 2003, e o ICMBio68
, em 2007. A SEAP passou a
articular as competências de diferentes instituições federais, como o Ministério do
Trabalho, de onde advém o “Seguro Defeso”; a Capitania dos Portos, no que diz respeito
ao registro das embarcações; com o Ministério do Meio Ambiente (ordenamento da pesca);
o Ministério do Desenvolvimento Agrário, a respeito do fomento, assim por diante (FAO,
2006). Enquanto isso, o ICMBio passou a ser a instituição responsável em gerir,
implementar, monitorar e fiscalizar as UC’s federais. Esse fato, demonstra a inconstância
na gestão, no que se refere a atividade da pesca, como também apontado no documento da
FAO (2006) ou a falta clareza e atribuição de cada instituição (REBOUÇAS, FILARDI e
VIEIRA, 2006).
O resultado mais significativo da política pública setorial da pesca, para os
pescadores artesanais, ou para a dinâmica socioambiental dos pescadores, foi a ampliação
do acesso ao Seguro Defeso do Pescador Artesanal (seguro defeso), também em 200369
,
conforme registrado por Maia (2009):
“(...) concede o Benefício de Seguro Desemprego do Pescador Artesanal, durante
o período de defeso (época de reprodução das espécies), ao pescador profissional
que exerce a atividade pesqueira de forma artesanal. O seguro defeso70
(como é
popularmente conhecido), ao conceder o acesso ao recurso pesqueiro, media o
66 Parte dos entrevistados tinha a RPG do IBAMA
67 Medida Provisória 1038 de 28 de maio de 2003.
68 Lei No 11.516 de 28 de agosto de 2007.
69 Lei 10.779, de 25 de novembro de 2003. 70
Lei No. 7.679, de 23 de novembro de 1998.
111
acesso do pescador que faz uso de recursos artesanais e que trabalha
individualmente ou em regime de economia familiar, ao recurso. A lei
caracteriza o pescador artesanal que trabalha em regime de economia familiar,
aquele que agrega os membros da mesma família, o que é indispensável à própria
subsistência da mesma. O SDPA é uma política que agrega características
regulatórias e redistributivas, englobando as ordens, proibições, decretos e
portarias à redistribuição de renda, por meio do repasse do beneficio (MAIA,
2009 p. 35).
A questão até aqui é mostrar a entrada de uma nova instituição no cenário, que
evolui até que, em 2009, é criado o Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA)71
e é
estabelecida a Política Nacional do Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e da
Pesca72
.
A partir do momento em que o IBAMA já não era mais responsável pelos registros
dos pescadores (RPG) – mudança ocorrida no final dos anos 90 (FAO, 2006) – eles
passaram a ter dificuldades de contatar os responsáveis para esse registro, inicialmente do
Departamento da Pesca, ligado ao Ministério da Agricultura e Abastecimento, e então a
SEAP, em 2003 e o MPA, em 2009. Por outro lado, tanto a SEAP quanto o atual MPA
continuam não possuindo quadros de funcionários suficientes, o que possivelmente tenha
sido um dos motivos da formalização das organizações de pescadores, que passaram a ser
responsáveis para fazer o vínculo entre o Governo e os pescadores, com relação à política
desse benefício social, o que não deixa de ser um fortalecimento institucional de tais
entidades.
Segundo Maia (2009), o IBAMA continuava a ter a competência de fixar os
períodos de defeso bem como determinar as espécies a entrarem no defeso. No Amazonas,
essa tomada-de-decisão seguia sendo feita em processo de consulta anual aos pescadores e
demais grupos de interesse da pesca, o que permitia certo caráter participativo à gestão do
órgão ambiental federal. A presença de gestores públicos ligados a SEAP ou a partir de
2009, do MPA e Ministério do Trabalho, no Município de Novo Airão, se restringia a
participações pontuais em reuniões no início do período do defeso ou para expedir as
carteiras de seguridade social73
.
No que diz respeito à gestão das Unidades de Conservação, o recém criado ICMBio
absorveu parte dos funcionários do IBAMA, em particular todos os novos analistas
ambientais concursados para Unidades de Conservação. Por essa razão, a representação
71 Lei Nº 11.958, de 26 de junho de 2009.
72 Lei Nº 11.959, de 29 de junho de 2009.
73 Observação do autor.
112
local do IBAMA, passou a ser ocupada exclusivamente pelos gestores de UC ligados ao
ICMBio. Esses novos gestores, por conseguinte, não tiveram mais as atribuições de
gestores de recursos pesqueiros. Os gestores locais, quando estavam vinculados ao
IBAMA, conheciam os pescadores, estabeleciam o seu registro de pescador, discutiam com
ele as leis e regras de pesca no dia a dia.
Seguindo o mesmo modelo das autarquias federais, o IPAAM, no nível estadual, se
dividiu, passando as atribuições ligadas à gestão das UC’s estaduais para o CEUC. De
forma articulada com a política nacional, setores do Estado do Amazonas passaram a
integrar a rede de articulações que envolvia o desenvolvimento da pesca e aquicultura, com
atribuições dadas ao IDAM (Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal
Sustentável do Amazonas), com incentivos à atividade da Piscicultura, enquanto que o
IPAAM licenciava as mesmas atividades.
Por um lado, essa dicotomia entre órgãos de fomento ou incentivos, de um lado, e
órgãos fiscais, de outro, trouxe, e ainda traz conflitos de gestão e governança. Em Novo
Airão, parte de pescadores investiu na piscicultura, tanto em canais de igarapés, quanto na
construção de tanques-rede, incentivados pela Secretaria Estadual de Produção Rural. No
entanto, não foram licenciados pelo IPAAM, alguns até foram multados. A mesma
contradição pode ser visualizada com relação à atividade da pesca, que por um lado é
incentivada por uma política setorial da pesca (seguro-defeso), mas é restringida pela
política setorial de conservação (criação de UC).
O “efeito” dicotômico da gestão pública que decorre da dualidade entre o fomento
e a restrição ambiental da pesca tem trazido desafios institucionais. O CEUC necessitou
criar internamente o Núcleo de Recursos Pesqueiros, assim como o IBAMA mantém o
Núcleo de Recursos Pesqueiros; ambas as instâncias são responsáveis por assessorar
tecnicamente as decisões administrativas sobre os acordos de pesca, o período e lista das
espécies de peixes a serem incluídas no defeso anual. O ICMBio também tem participado
dos debates referentes à pesca através do seu Centro Nacional de Pesquisa e Conservação
da Biodiversidade Amazônica, com sede em Manaus, e que está relacionado ao tema de
conservação das espécies e ao projeto AquaBio74
. A figura 14, abaixo, sintetiza em forma
de diagrama a descrição no que diz respeito às mudanças institucionais de gestão.
74 Projeto Manejo Integrado dos Recursos Aquáticos na Amazônia iniciado em 2003 só venho a realizar
algumas atividades em Novo Airão em 2009 como cursos de capacitações em associativismo, beneficiamento
de pescado, artesanato. O presente projeto possuía uma gestão compartilhada entre o IBAMA , SDS e
113
Figura 14 – Diagrama sintetizando a evolução das instituições gestoras dos recursos pesqueiros
e da pesca.
Quanto à atuação dos gestores públicos municipais, as informações obtidas indicam
que, em Barcelos, essa atuação esteve limitada às ações de fiscalização das embarcações de
pesca com a implementação de uma base flutuante no Rio Branco, em 2010, e buscou
aumentar a arrecadação das receitas municipais por meio do pagamento de uma taxa, que
viria a subsidiar os custeios de fiscalização. Em relação a outros subsídios, poucos
pescadores entrevistados disseram ter utilizado algum financiamento; nesse caso, da
AFEAM (Agência de Fomento do Estado do Amazonas), especialmente para aquisição de
apetrechos. Isso também foi confirmado em pesquisa realizada por Cardoso e Freitas
(2006), onde se constatou não ser necessário financiamento externo para aquisição das
embarcações de pesca. Por outro lado, no sistema de financiamento da pesca observado,
parte de pescadores possuem apoio de financiamento pelo sistema de aviamento75
.
Secretarias Municipais de Meio Ambiente de Novo Airão, Iranduba, Barcelos e Manaus com recursos de
Cooperação com agências alemãs. Porém, devido a conflitos de gestão, o projeto foi encerrado em 2010.
75 Aviamento da pesca corresponde ao crédito ou financiamento privado da pesca por um comerciante ou
pescador com maior poder econômico que financia as incursões de pesca de outros pescadores esperando o
retorno do crédito liberado e a venda do pescado para o mesmo.
GESTÃO DAS UC’S
SUDEPE IBDF SUDHEVE
A
SEMA
IBAMA
1989
SEAP
2003
IPAAM
1989
ICMBio
2007 IBAMA IPAAM CEUC
2008
MPA
2009
GESTÃO
PESCA
114
Na participação da reunião sobre a Política Territorial da Pesca e Aquicultura
(04/11/2010), os pescadores artesanais demandaram ações para organização dos
pescadores, comercialização, onde se incluem terminais pesqueiros e fábricas de gelo.
Contudo, o gestor do MPA relatou que os recursos para a pesca vêm através de emendas de
parlamentares federais, a exemplo, com destaque para o deputado Silas Câmara, que
destinou recursos para aquisição de fábricas de gelo e compra de caminhões frigoríficos.
Essa evidência colabora com a ideia que existe uma ausência de política pública da pesca,
de facto, estando os projetos para o setor pesqueiro sempre ligados a uma vinculação
político-partidária.
Apesar dessa política representar uma justificativa importante – pois articula as
questões relativas à pesca por territórios – na prática tem encontrado dificuldades de
programar ações, talvez justamente pelas questões políticas, ou pela pouca possibilidade de
participação dos pescadores. Na reunião citada, houve participação de poucas entidades e
representantes dos pescadores. Em Novo Airão, até dezembro de 2010, não houve nenhum
registro de alguma ação proveniente de tal política e, portanto, não foi dado destaque.
Segundo Rebouças, Filardi e Vieira (2006), as instituições de gestão dos recursos
de uso comum ainda encontram dificuldades de descentralizar os processos decisões,
especialmente em relação às políticas públicas, principalmente em um contexto onde os
recursos pesqueiros estão sobre-explotados, o número de pescadores e o poder de captura
se elevou, além do aumento demográfico. Apesar desses fatores, muitos dos quais
compartilhados em outros regiões, da demanda por um desenvolvimento local com
autonomia decisória, as decisões sobre políticas públicas se mantém centralizadas,
apoiadas no assistencialismo e centradas na questão desenvolvimentista (Idem).
5.3.2 As organizações sociais e a pesca no Baixo Rio Negro
As duas primeiras organizações dos pescadores artesanais de Novo Airão foram a
Colônia dos Pescadores de Novo Airão – Z-34 (COL – Z 34) e a Associação dos
Pescadores de Novo Airão (APNA) fundadas em 2002. A partir de 2008, somam-se mais
duas entidades: a Colônia dos Pescadores de Novo Airão AM 34 (COL – AM 34) e o
Sindicato dos Pescadores da Calha do Rio Negro (SINDPesca).
115
A APNA e a COL - Z 34 foram criadas a partir da necessidade de organização dos
pescadores. O processo da Colônia foi anterior, ainda em 1997, quando existia um vínculo
com pescadores ligados a Colônia dos Pescadores de Manaus (Colônia – Z – 12) e uma
representação local em Novo Airão76
. Segundo informações de Pedro G. Torres (primeiro
presidente da Colônia Z – 34), o Walzenir Falcão (primeiro presidente da Colônia Z – 12)
já vinha articulando para que a “classe pescadora” obtivesse reconhecimento e acesso a
documentação trabalhista como o NIT (Número de Identificação do Trabalhador), o PIS
(Programa de Integração Social) ou que pudesse recolher o ICMS (Imposto sobre a
Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços) de forma anual.
“Eu sabia que o setor pesqueiro estava crescendo (...). Em 2002 nós fundamos a
Z 34 porque havia necessidade de a gente colocar uma entidade de classe
organizada, para poder trabalhar na época era a Secretaria Especial da Pesca e
hoje nós já temos o Ministério da Pesca. Já faz dois anos que nós conseguimos
que em Brasília o presidente sancionasse esta Lei. E aí a necessidade de
organização, nós precisávamos montar a Z – 34 em Novo Airão. Aí nós tiramos
as carteiras que são válidas por todo o território nacional para que também tenha
direito de receber o seguro defeso. O que nós da Colônia de Pescadores
queríamos dizer era colocar o peixe no defeso, porque nós estamos sentindo a
falta dele” (Pedro G. Torres, presidente da Colônia Z 34, 50 anos, em
16/09/2010).
A Colônia Z – 34 foi fundada de forma articulada com o movimento estadual e
nacional, ligada à Federação das Colônias dos Pescadores e à Confederação das
Federações das Colônias de Pescadores, em estreita ligação com as reivindicações de
acesso às políticas públicas, como benefícios, créditos e o seguro defeso, mas também
como estratégia para possibilitar a participação no processo de indicação das espécies de
defeso e participar da gestão de recursos pesqueiros. Na ata de fundação da Colônia teve a
participação do prefeito, vereadores e deputados, demonstrando a vinculação e articulação
política local77
.
“Aqui não tinha, então quando apareceu o seguro e também não tinha colônia, aí
fizeram uma reunião e criaram, fizeram uma ata, aí acharam para funcionar legal,
porque Manaus é uma jurisdição e aqui é outra jurisdição, tinha que ser feito para
cá. Fizeram reunião para fundarem a Colônia” (Entrevista com pescador em
27/08/2010).
“O defeso que é feito por Manaus, por Brasília não bate com a realidade daqui.
Por exemplo, eles colocaram: proibido pesca este ano a curimatã e o tambaqui. O
76 Informação de José Pontes e Acácio Pereira.
77 Na ata de fundação da Colônia assinam o Prefeito Municipal de Novo Airão Wilton Santos, Deputado
Estadual Paulo Freire, Raimundo Valdeci, presidente da Câmara de Vereadores, Carlos Henrique da
Delegacia Estadual de Agricultura, entre a diretoria.
116
rio Negro não produz Curimatã, não produz tambaqui (...). Eu converso muito
com os pescadores sobre a lei ambiental, para a proteção dele próprio, porque ele
sai para pescar ele não sabe se vai voltar para a casa (...). Então já saíram
pescadores nossos para pescar, a família ficar esperando e ele está preso lá em
Roraima. Porque ele só sabe fazer duas coisas ir para a roça e ficar n proa da
canoa e isto tiraram dele (...). A colônia existe por uma necessidade de
organização.” (Pedro G. Torres em 16/09/2010).
Pedro G. Torres enfatizou ao longo da entrevista, o protagonismo da organização
dos pescadores tanto na conquista de direitos relacionados ao reconhecimento, a partir da
política pública setorial da pesca, quanto ao seguro defeso; como também à atuação local,
esclarecendo aos pescadores as regras e leis ambientais, desaconselhando as práticas de
pesca predatória ou oferecendo assistência social e jurídica aos pescadores e seus
familiares. Nesse sentido, recorda em tom de denúncia, abusos sofridos pelos pescadores
em práticas de fiscalização dos órgãos ambientais, ou ainda, demonstrando preocupação no
que diz respeito ao futuro da pesca, quando quase todas as áreas de pesca estão inseridas
em unidades de conservação.
“Hoje como presidente da Colônia eu não pesco, eu não vou para o rio. Eu
respondo juridicamente, que bota advogados, que corre atrás, leva para o
hospital, ajuda a família, que orienta eles no defeso, na documentação, que
mostra para eles como a lei funciona, porque não deve colocar bomba, porque
não deve jogar bomba no rio. Isto de oito anos para cá a bomba no rio Negro era
muito usada e hoje é muito difícil de você ver um pescador que faça isto. E, isto
não foi o IBAMA ou foi o governo, não! Isto foi nós mesmo, sentados,
conversando (...)” (Pedro G. Torres, em 16/09/2010).
A outra entidade da pesca, a APNA (Associação dos Pescadores de Novo Airão),
foi fundada em 2002 (em 21 de julho) por um grupo de pescadores, alguns dos quais
parentes entre si, de origem das proximidades da Vila de Moura (Barcelos) ou do Médio
Rio Negro, no mesmo contexto da Colônia. No entanto, as articulações políticas que deram
origem à associação, apesar de também vinculadas a outros movimentos, como da própria
pesca, estavam mais diretamente associadas ao movimento socioambiental local:
“A principal condição de existência dos ribeirinhos e ribeirinhas está
mergulhada nos rios: o peixe. Viver do extrativismo dos rios, é uma das
pecualiaridades que caracteriza o pescador e a pescadora artesanal. A
conversão, desde 1980, de quase 90% do território de Novo Airão em
Unidades de Conservação e o aumento crescente da pesca predatória têm
colocado em risco a existência do pescador e pescadora artesanal do baixo
rio Negro. As ações implementadas por organizações de pescadores e
órgãos públicos têm sido insuficientes para reverter esse quadro. É nesse
contexto que surge, em 2002, a Associação dos Pescadores de Novo
Airão, a APNA, com o propósito de promover o desenvolvimento
117
econômico sustentável; a preservação do meio ambiente; a defesa e
representatividade dos associados e associadas nos campos empresarial,
profissional, social e cultural. A fundação da APNA materializa-se como
o primeiro feito, pois a mesma permitiu sonhar com a melhoria em nossas
condições de vida em harmonia com o meio ambiente, buscando sempre a
sensibilização permanente dos sócios e sócias, o que leva acreditar ser
também outro grande feito da Associação” (FVA, APNA, AANA, 2005,
p. 9 e 10).
A participação da APNA nas articulações políticas fomentadas pelos movimentos
socioambientais se deu pelo seu envolvimento ativo em oficinas de capacitação realizadas
juntamente com a FVA. Dessa parceria, surgiram planejamentos e projetos, como a
elaboração de um plano de negócios, do qual resultou a terceira colocação no prêmio
empreendedor social Ashoka – Mckinsey 2004 – 2005. A APNA também teve um papel de
atuação no movimento social do Amazonas, no qual a APNA foi sócia fundadora da
Federação das Associações dos Pescadores do Estado do Amazonas (FVA, APNA, AANA,
2005). Segundo Caldenhof (2009), esse processo influenciou também a formação de outras
entidades sociais, como a AMORU.
A APNA também teve um papel pró-ativo no socioambientalismo regional, visto
que a pesca não era só o peixe, mas indicava também o extrativismo de quelônios, ou
envolvia a caça, entre outros. Portanto, o processo de realização de reuniões, assembleias,
entre outros, fez com que houvesse uma mudança de postura de muitos dos associados. Em
entrevista concedida por Pauletiane Horta, pescadora, liderança da APNA, filha de um dos
fundadores da APNA, ela registra que seu pai era um pescador tradicional, pois trazia para
casa Tracajás ou Pirarucu, mas era só o que sabia fazer. A partir do momento em que
participou dos processos organizativos da formação da APNA, sua postura com a pesca
mudou:
(...) É, mudou muitas coisas, porque desde quando ele se envolveu assim com
reuniões, oficinas, acho que foi mais abrindo mais o pensamento dele assim, não
tipo assim, ele foi se conscientizando mais, entendeu? Porque ele não podia ir lá
no rio, trazer o que ele trazia antigamente, né? Foi mais assim, pescar só o peixe,
e tal, encontrou um pirarucu, viu seis pirarucu, trouxe sou um, viu cinquenta
bicho de casco, trouxe só dois, entendeu? (...) (Depoimento de Pauletiane Horta
em 28/08/2010).
Destaca-se o envolvimento dos membros da APNA com a gestão territorial e
ambiental da pesca, realizando uma articulação conjunta com a Associação dos Artesãos
de Novo Airão (AANA), do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Novo
Airão (STRNA), Associação dos Produtores Agrícolas da Comunidade Bom Jesus do
118
Puduari (APACBJP), Associação dos Produtores Agrícolas da Comunidade Aracari
(APACA), organizando a 1a Oficina sobre o Uso Adequado dos Recursos Naturais de
Novo Airão em 200378
, cujo processo também culminou na formação da Maquira79
-
RONA (Rede de Organizações de Novo Airão) em 2004 (28 de fevereiro de 2004).
As pautas e os resultados desses processos organizativos foram os “embriões” na
elaboração dos acordos de pesca, o que será retomado adiante. O destaque dado aqui é que
as organizações articuladas junto ao movimento socioambiental fizeram com que as
lideranças passassem a refletir sobre os processos territoriais e a necessidade da
organização, a fim de que se pudessem construir alternativas de renda e de manutenção de
um modo de vida. Para dar outros exemplos, representantes da APNA foram conselheiros
ativos nos conselhos consultivos da ESEC/Parna de Anavilhanas e Parna do Jaú, como
também, participando de conferências e fóruns da pesca, como da construção do próprio
Mosaico do Baixo Rio Negro.
Em 2008, houve uma divisão interna da associação devido a conflitos internos da
diretoria da APNA, derivados sobre a gestão de um projeto executado com apoio do
Projeto Corredores Ecológicos (PCE). Tal divisão culminou com a saída do presidente na
ocasião e que reativou o Sindicato dos Pescadores do Estado do Amazonas em 2008,
baseado na Carta Sindical datada de 1946, fundando a filiada do Sindicato dos Pescadores
da Calha do Rio Negro (SINDPesca), em meados de 2010. No ano de 2008, faleceu
Alberto Horta (liderança da APNA), que por um período resultou na desestabilização da
entidade até a sua retomada, que aconteceu mediante a eleição de nova diretoria, em 2009.
Com relação à Colônia Z 34, a Diretoria foi renovada em 2004, assumindo Evandro
Cordeiro como presidente, que passou não só a se dedicar aos processos de
reconhecimento dos pescadores junto a SEAP, mas também com relação ao defeso e com a
estruturação da entidade através da construção de uma sede própria, o que levou a um
aumento no número de filiados. No final de 2008, articulou junto com outros membros a
divisão interna da entidade, sendo que parte dos filiados alterou a filiação da Colônia Z –
34 para a Colônia – AM – 34. Tal cisão deveu-se à discordância administrativa com
relação à Federação das Colônias de Pescadores80
e interesses político-partidários.
Ressalta-se que esse conflito interno entre ambas as entidades refere-se também a
uma visão de que a colônia ligada à Federação das Colônias dos Pescadores deveria ser a
78
APNA, STRNA, AANA, APACBJP, APACA (2003). 79
Maquira na língua geral tupi – nheengatu significa rede
80 Dados de entrevistas de pescadores afiliados.
119
única representante da “classe pescadora”, ainda nos moldes da tutela herdada
historicamente, como o apadrinhamento político. Isso se manifesta nas disputas jurídicas,
onde as organizações ligadas à Federação têm, sucessivamente, solicitado em conselhos de
pesca e nos tribunais da justiça a prerrogativa de ser a única entidade que pode fazer o
“defeso” dos pescadores. Assim, mesmo que existam as duas colônias de pescadores, ainda
necessitam tanto a Colônia AM – 34 dos registros e assinaturas dos representantes legais
da Colônia Z – 34, como também a APNA, pois esta não possui esta prerrogativa. Porém,
em outra visão, existe a liberdade da organização social.
Além do conflito no que diz respeito à representação política dos pescadores ou
interesses partidários e jogos de interesse, também existe a prerrogativa de que após o
aumento do número de associados, as entidades têm aumentado as suas receitas financeiras
a partir do pagamento de mensalidades, em média, de dez reais (10,00 R$) mês por
associado, além das taxas, conforme constatado por Marinho (2009). Isso também quer
dizer que as entidades passaram a ter maior autonomia política, uma vez que têm recursos
dos associados que representam. Para dar um exemplo, o SindPesca contratou assessores,
um pescador experimente, um advogado e um engenheiro de pesca, para auxiliar na
tomada de decisão referentes às discussões do acordo de pesca do Juvência ao Puduari, no
dia 02/12/2010.
Em linhas gerais, de 2008 até o presente, quatro entidades de pescadores se
formaram e têm pautado de forma conjunta temas comuns, como por exemplo, o acordo de
pesca no final de 2010 e o Decreto “Rio Negro”. No entanto, de forma isolada, cada
entidade tem buscado administrar os registros e documentos relativos ao “Seguro Defeso”.
A filiação dos pescadores nas entidades, no início da formação, se deu por alianças,
seja através de vínculo de amizade, parentesco, origem dos mesmos locais, ou política,
entre lideranças e os pescadores, ou como resultado da atuação das entidades. Em 2004,
representantes da Colônia dos Pescadores realizaram uma viagem pela margem Esquerda e
Direita do Rio Negro, filiando pescadores de comunidades ribeirinhas. Em 2010, os
mesmos viajaram até a região de Moura, Médio Rio Negro, para filiar os pescadores
daquela localidade, local de origem do presidente. Enquanto isso, a APNA tem tido a
atuação no contexto socioambiental, se articulando juntamente com as entidades de
comunidades. O SINDPesca também tem conseguido uma grande quantidade de
associados, especialmente no Rio Cuieiras, onde o presidente realizou uma viagem, em
2009. Quando a Colônia Z – 34 se dividiu em duas entidades, a maior parte dos associados
120
permaneceu na Colônia - AM 34, que hoje administra a sede, enquanto que uma menor
parte migrou para a Colônia Z – 34.
A filiação de pescadores nas entidades aumentou nos últimos cinco anos com
objetivo de obter reconhecimento profissional e ter acesso ao “Seguro Defeso”, conforme
também pode ser visto na figura 15. Assim, em 2010, dados do MPA registraram que das
quatro entidades de Novo Airão existem 1.244 credenciados, que estavam aptos a receber o
“seguro defeso”. Sendo que 668 pessoas são das duas colônias81
, 431 do SindPesca e 14582
da APNA.
Figura 15 – Gráfico da relação total dos pescadores registrados no MPA pelas
quatro entidades dos pescadores até 2010. Sendo representado h – homens e
m – mulheres. Fonte: informações concedidas pelo MPA/AM.
O gráfico demonstra que o número de pescadores registrados profissionalmente
aumenta de forma gradativa no início dos anos 80 – com os pescadores embarcados ou que
trabalhavam com parceiros nos barcos de pesca –, se elevando nos anos 90, com a nova
geração de pescadores, em sua maioria com canoas de rabeta, especialmente em meados de
1997, quando já existia uma representação da Colônia. Depois, ocorre um aumento do
número de pescadores entre 2003 a 2005, momento em que é ampliado o “Seguro Defeso”.
E, em 2008, é mostrado outro salto no gráfico, devido ao grande número de registros
efetuados pelo SINDPesca que deste total, mais de 160 registros foram realizados somente
81
Informação de reunião sobre Acordo de Pesca de 11/02/2011 diz que do total de registros cerca de 60 são
da Colônia Z – 34. 82
Declarou ter 180 associados, mas tem todos estão regularizados.
121
no rio Cuieiras, motivo da viagem realizada pela diretoria em 200983
. A tabela 09 (abaixo)
apresenta a proporção dos filiados beneficiários do seguro defeso entre a sede urbana e a
zona rural.
Tabela 09 – Relação entre beneficiários do “seguro defeso” dividido entre sede urbana e zona rural. Fonte:
Dados fornecidos pelo MPA – 2010.
Organizações dos
pescadores
Total de filiados
beneficiários do defeso
Sede urbana Zona rural
SindPesca 431 49 382
Colônias AM e Z 34 668 416 252
APNA 145 72 73
Total 1244 (100%) 517 (44%) 707 (56%)
A distribuição entre beneficiários na zona urbana e rural é semelhante na proporção
final. A maioria dos associados das Colônias da zona rural são moradores das Margens
Esquerda e Direita do Rio Negro, acima de Novo Airão, além dos moradores dos Rios
Jauaperi e Unini até a Vila de Moura, em Barcelos, e demonstra elevado número de
moradores da sede urbana. Já a APNA, possui seus associados diluídos em diversas
localidades. O SINDPesca é exceção e possui a maioria de filiados da zona rural,
especialmente provindos do Rio Cuieiras, região que não possui “pesca comercial”.
Outra informação importante na figura 15 é o aumento na participação da mulher a
partir do final dos anos 90, e que dá um salto a partir de 2008. Tal aumento está associado
ao registro para o acesso ao “Seguro Defeso”. Não foi objeto deste estudo discutir a relação
de gênero, mas empiricamente foi observado que a participação de pescadoras é
significativa sendo que algumas acompanham os seus maridos na atividade da pesca.
Nessa situação, se analisado o regime familiar de pesca, o número total de pescadores (em
regime familiar) diminui.
É possível que possa existir uma variação entre o número de registros de
pescadores profissionais promovido pelas entidades junto ao MPA e os pescadores
afiliados. Por exemplo, a APNA nos registros do MPA somam 145 pescadores, mas
segundo informação da diretoria (Nazareno Barroso e Pauletiane Horta) o número de
associados é de 180. Também existem pescadores registrados em mais de uma entidade,
porém apenas o cadastro é registrado junto ao MPA.
Os dados de filiação demonstram a influência da política pública de ampliação do
“Seguro Defeso” para o reconhecimento da pesca no papel exercido pelas entidades de
83 Dados de entrevista
122
pescadores, além de demonstrar a distribuição dos associados/filiados na região do Baixo
Rio Negro e uma interdependência entre si e com vínculos com a sede de Novo Airão,
enquanto local administrativo e também comercial dos pescadores.
No entanto, é importante registrar ainda a presença de outras entidades de
pescadores no Baixo Rio Negro, como a da Colônia Z – 12 de Manaus, com atuação
especialmente nas comunidades localizadas na APA Margem Esquerda entre o Igarapé
Tarumã Açú até o Rio Cuieiras, das Colônias (Z – 8 e AM - 08) e da Associação dos
Pescadores e Pescadoras Profissionais de Iranduba, nas comunidades da APA Margem
Direita do Rio Negro e na RDS do Rio Negro, com associados na margem direita de Novo
Airão, limites do município de Iranduba. No Rio Unini, existem associados ligados a
Colônia – Z – 33 (Barcelos)84
e no Rio Jauaperi, associados das Colônias do Estado de
Roraima (Z – 2 de Caracaraí e Z – 40 de Rorainópolis), além dos registros nas entidades de
Novo Airão85
.
Segundo Maia (2009) que estudou especificamente a relação entre o pescador e o
Seguro Defeso na região de Manacapuru, ficou demonstrado que as entidades de
pescadores têm trabalhado em função da administração desse benefício, que para o
pescador representa uma conquista importante e um reconhecimento. Segundo a autora,
ainda que um dos pressupostos do “seguro defeso” seja a garantia de uma renda mínima ao
pescador durante o período do defeso, que objetiva proteger determinadas espécies no seu
período de reprodução, esse benefício pode estar provocando um efeito contrário, devido
ao elevado número de registros e por representar um estímulo ao aumento da pesca, sem
por outro lado, haver uma política de mediação no que diz respeito à gestão da atividade
nos usos e acessos, ou mesmo a participação dos pescadores neste processo.
Marinho (2009) também alerta que parte das pessoas registrados nas entidades de
pesca não são pescadores e que essas pessoas passaram a ser estimuladas a fazer o registro
somente pela oportunidade de receber o benefício social. Isso também foi observado em
algumas entrevistas em que pescadores denunciam que determinadas pessoas estão se
registrando sem serem pescadoras, o que faz com que a entidade entre em descrédito junto
a sua base de representação. Por outro lado, alguns entrevistados também relataram que
membros de diretorias têm sido ameaçados quando se recusam a realizar os registros de
não pescadores.
84
Segundo Barra, Dias e Carvalheiro (2010), em agosto de 2010 as colônias de pescadores de Barcelos
registraram 825 pescadores (539 homens e 286 mulheres). 85
Dados de campo (caderno de campo) e entrevistas.
123
Segundo Marinho (2009), o presidente da entidade passa a ter um poder de atestar
ou não se a pessoa é pescador, o que faz com que a entidade vá além do papel de
representação da classe na interlocução com o governo, passando a exercer poder político
local.
A crítica realizada por Marinho (2009) permeia também discussões e conflitos
entre pescadores e suas entidades em Novo Airão, uma vez que muitos pescadores de facto
sentem-se desvalorizados, enquanto não pescadores recebem o mesmo direito. Por outro
lado, Scherer (2004) apresenta a carência no que diz respeito à política de previdência com
relação às populações ribeirinhas no Estado do Amazonas, como o registro documental ou
ao recolhimento de impostos, devido às distâncias geográficas, à pouca infra-estrutura
previdenciária, à burocracia, ou ainda, ao fato de que não é adaptada ao modo de vida dos
ribeirinhos que realizam o manejo integrado dos recursos naturais e, consequentemente,
uma diversidade de atividades econômicas.
Neste sentido, o registro profissional da pesca representa também um acesso à
política previdenciária, até então realizada por meio das entidades de agricultura.
Entretanto, o acesso ao “seguro defeso” passa a somar um incentivo ao registro, agora
como pescador. Isto fica evidenciado, quando se percebe que parte dos registros também é
da área rural, ou seja, de moradores de comunidades ribeirinhas, como demonstrado neste
trabalho. Abaixo a figura 16 mostra a movimentação dos pescadores na frente da Colônia
AM – 34, para receberem a documentação do “seguro defeso”.
Figura 16 – Pescadores artesanais fazendo a documentação referente ao “defeso”
em novembro de 2010. Fonte: o autor.
124
Está claro o papel de destaque da política do “seguro defeso” nos processos
organizativos contemporâneos dos pescadores artesanais, mas dando continuidade à
discussão das entidades sociais, destacam-se outras entidades que têm sido pró-ativas no
que diz respeito à gestão da pesca, mais especificamente três entidades comunitárias: a
AMORU (Associação dos Moradores do Rio Unini) no Rio Unini; a ECOEX (Associação
Ecológica dos Agroextrativistas do Baixo Rio Branco – Jauaperi) e a AARJ (Associação
dos Artesãos do Rio Jauaperi) no Rio Jauaperi. As duas primeiras organizações foram
fundadas em 2002 e a AARJ, em 2004, no bojo do movimento socioambiental, e vieram a
solicitar junto ao Governo Federal a criação de duas Reservas Extrativistas. A Maquira –
RONA teve (e tem) papel importante de articulação entre as diferentes entidades sociais e
foi proponente do processo de discussão do terceiro acordo de pesca, que será retomado a
seguir.
Em síntese, as entidades de pesca em 2002, foram criadas visando à organização
dos pescadores na concretização de direitos básicos de reconhecimento, bem como no
acesso aos benefícios sociais. Nesse mesmo período, no contexto do movimento
socioambiental, as entidades passaram a discutir o seu espaço em meio às áreas protegidas,
às formas de manejo, ao acesso e uso dos espaços, conforme será continuado esta
discussão no próximo capítulo. Porém, com o acesso ampliado ao “seguro defeso”, em
2003, essas entidades passaram a focar a sua atuação nos registros profissionais para que
seus associados pudessem ter acesso ao referido benefício social.
125
6. MOSAICOS FLUÍDOS: SISTEMAS DE MANEJO DA PESCA ARTESANAL
6.1 CONTEXTUALIZAÇÕES INICIAIS
Convida-se aos leitores imaginar o Mosaico como um jogo no qual o tabuleiro
compõe um mapa das áreas protegidas. As instituições de manejo ou os sistemas de gestão
(parte descritas no capítulo 05) seriam as regras deste jogo e os jogadores são os atores
sociais especialmente os pescadores. Neste “jogo”, cada jogada, correspondem às táticas/
estratégias - a adaptabilidade.
O capítulo 4 apresentou breves fragmentos históricos da formação dos pescadores,
o capítulo 5, os jogadores e este capítulo objetivam identificar e descrever parte dos
diferentes sistemas de gestão presentes na escala do Mosaico conforme recorte teórico-
metodológico.
O título “Mosaicos” está no plural para dizer que existe mais de um mosaico, o de
júri e o de facto; e, envolvem processos objetivos e subjetivos, compondo diferentes
territorialidades e movimentos, portanto, não representam peças fixas de um jogo estático.
E, neste sentido, acrescenta-se a idéia de que sejam fluídos, em primeiro lugar para denotar
o movimento, em segundo lugar, para refletir no que diz respeitos aos limites e fronteiras
estabelecidas entre as áreas protegidas e os pescadores. Pois, pescadores artesanais
movem-se sobre as águas que fluem e junto com elas os peixes. Também, entende-se que
os sistemas de gestão convencionais são embasados em regras mais rígidas o que faz com
que na prática os pescadores artesanais movem-se também por entre essas normas:
pressionando, negociando o acesso aos recursos pesqueiros, ou atuando de forma
clandestina e subversiva.
A idéia de jogo, logo conduz o pensamento de que existem vencedores e
perdedores. Pois, a lógica de ganhar ou perder estã presente no mundo das instituições ou
organizações, pois ganhar significa cumprir com o seu objetivo, “sobreviver” ou resistir a
um tabuleiro de muitos jogadores. Porém, a idéia de fluidez, põe em cheque a própria idéia
de jogo ou de tabuleiro, pois o jogo na verdade não tem fim e pretende-se mostrar que o
que está em questão não é chegar ao fim do “jogo vitorioso” à custa da derrota dos
“adversários”. As combinações e as alianças feitas e desfeitas entre os “jogadores” são
dinâmicas e complexas.
126
As regras do jogo como um sistema de gestão formam as negociações de acesso aos
territórios. Tudo gira em torno ao que diz respeito ao uso e ao acesso aos recursos
pesqueiros. Sem isso, o território deixa de existir, torna-se incolor aos pescadores,
desprovido de memória ou de identidade, pois a pesca é o valor de existência de uma
comunidade interdependente formada pelos pescadores e consumidores, é um
conhecimento e conseqüentemente é parte de um território: é algo que está por baixo do
tabuleiro.
Conforme foi descrito no capítulo 4, a pesca também é uma atividade extrativista e
faz parte de um conjunto de momentos históricos cada qual com o seu contexto. Neste
contexto, de restrição espacial a pesca também está presente.
Para as comunidades ribeirinhas, os territórios de pesca estão localizados nas
proximidades, conforme constatado por Sobreiro (2007) no Médio Rio Negro. O mesmo é
constato nos planos de gestão dos Parques Estaduais Norte e Sul (SDS, 2010a e SDS,
2010b). O mapa abaixo (Figura 17) representa áreas de pesca junto as comunidades,
perpassando diferentes regimes de propriedade, como o próprio PAREST Sul ou o
PARNA de Anavilhanas.
Figura 17 – Sítios pesqueiros de comunidades no interior e no entorno
do Parest Rio Negro – Setor Sul. Fonte: Banco de dados do IPÊ.
127
O mapa não distingue cada área específica das comunidades, mas ressalta-se que as
fronteiras entre elas são estabelecidos e respeitados pelos usuários. O sítio de pesca
representado na cor vermelha sobrepõe parte do Parna de Anavilhanas. No entanto, a
sobreposição do regime de propriedade estatal das UC’s pode, em tese, reforçar os
territórios de pesca coletivo das comunidades e ser uma garantia para a subsistência
alimentar das comunidades já que a proteção estatal aumenta as possibilidades de exclusão
de usuários externos a este território. Porém, esta sobreposição é conflitante juridicamente
quando se trata das negociações de permanência dos moradores no interior de UC’s de
proteção integral quando se cria uma atmosfera de instabilidade ou uma ameaça de exílio
permanente aos seus territórios. Esta tensão é administrada também pelos gestores das
UC’s que lidam no dia-a-dia com estas situações, sem poder garantir perspectivas futuras
aos moradores ou usuários.
A pergunta que se faz é - pescadores artesanais comerciais sejam de barcos
regionais tipo batelão ou rabeteiros tem uma territorialidade? Estes usuários que deixam as
suas famílias ou suas casas para sair entre as águas para exercer uma atividade econômica
tem garantias de retornar, pagar os custos de suas excursões e ter o excedente para garantir
a qualidade de subsistência?
Existe uma tensão constante, pois comunidades residem e tem os seus ambientes de
pesca como seus, enquanto que pescadores artesanais embarcados são às vezes vistos e
denunciados pela sobre-explotação dos recursos pesqueiros pelas comunidades ou circulam
em um território em parte de propriedade estatal exercendo uma atividade conflitante com
os objetivos determinados pelos regimes de propriedade das UC’s.
É difícil imaginar “pescadores artesanais embarcados” circulando por um território
restrito. Estariam chegando a uma condição de “pescadores sem águas”, como inicialmente
proposto no problema da pesquisa? Até o momento, se demonstrou a evolução da
formação do status da gestão a nível local, montando as peças de um quebra-cabeça,
colocando primeiramente os jogadores do Estado - as instituições de gestão e também as
organizações locais dos pescadores. Para sugerir possíveis cenários nas considerações
finais desta pesquisa, neste tópico são descritas e argumentadas às negociações que
formam o sistema de manejo.
6.2 SISTEMAS DE PESCARIAS ARTESANAIS - COMERCIAIS
128
Cada pescador (a) comercial embarcado no Baixo Rio Negro tem seus pontos ou
áreas de pesca preferenciais e assim desenvolveram a sua própria territorialidade. A
pergunta mais sensata a se fazer é: pescadores embarcados, enquanto categoria tem um
território comum ou apenas áreas ou pontos de pesca (conforme Begossi, 2004)? Esta
pergunta é feita, pois segundo Castro e MacGrath (2001) e Pereira (2004) as normatizações
sobre a pesca sempre tem considerado o “livre acesso” ou conforme também citado no
capítulo 4, setores da pesca comercial, nos anos 70, também reivindicaram a garantia de
livre acesso.
Em contrapartida, no capítulo 4, também se argumentou no que diz respeito à
formação dos pescadores comerciais na região. Se, estes são pescadores artesanais da
região, consideram as áreas de livre acesso? É possível que mesmo entre o grupo da pesca
embarcado e comercial, tenha se desenvolvido um regime de propriedade comum?
Conforme Pereira (2004), comunidades de pescadores heterogêneas tem maior ônus
no que diz respeito à gestão da pesca, pois a exclubilidade é mais difícil e custo tanto social
ou financeiro para operacionalizar este sistema de manejo é alto. No entanto, o conjunto de
unidades de conservação contam com regimes de propriedades estatais, enquanto que
comunidades defendem as suas áreas, com relação a usuários externos. Estes elementos
fazem com que o ponto de partida do questionamento não seja o livre acesso, mas
“negociações” de acesso aos recursos pesqueiros. E, se existem negociações, logo talvez o
livre acesso em si possa não existir, mesmo que os limitess sobre o regime de propriedade
não sejam claros.
Quando se perguntou aos pescadores artesanais, sejam embarcados ou de rabeta,
sobre os locais onde são realizadas as pescarias, em que época e quais as espécies são
manejadas, as respostas foram vagas. De fato, duas questões podem ser analisadas: a
primeira é o fator que explicações sobre a territorialidade podem estar “revelando”
estratégias que fazem parte de um “segredo”; a segunda questão talvez seja o problema de
formulação da pergunta. Ou, em outras palavras, uma pergunta abrangente tem resposta
abrangente.
Esta reflexão é por um lado uma autocrítica nesta pesquisa, mas torna-se uma linha
de raciocínio que se pretende explorar neste texto. Em primeiro lugar, o planejamento de
uma viagem de pesca, faz com que pescador considere o local que ele pretende almejar, o
que inclui exatamente a fase do ciclo do regime das águas deste ambiente, o regime de
precipitações, assim como as espécies de peixes a serem capturadas e logo o seu
129
comportamento, portanto existe uma marcação do tempo e do lugar, o que é muitas vezes,
racionalizada pela Lua, o que também foi registrado por Soares et al. (2009), Witkoski et
al. (2009) e Pereira et al. (2009), ou conforme depoimentos de Olavo Faustino e Francisco
da Silva, a serem citados mais adiante.
Em outras palavras, a região da pesca está associada ao período. Esta é a chave da
questão, somado as possibilidades de acesso. Este é o conhecimento, que Allut (2000)
argumenta que se trata da experimentação dos pescadores artesanais. Ou seja, o pescador é
um pesquisador, experimenta e avalia as suas estratégias de manejo. Este conhecimento
não é produzido isoladamente, mas intercambiado com moradores locais, dos variados
ambientes, ao mesmo tempo em que o pescador cria a sua própria estratégia. Uma incursão
mal sucedida pode implicar em falência. Com esta evidência, também é possível sugerir
que o conhecimento e o território são construídos mediante negociações o que segundo
assinala Witkosky (2009), ao se referir que esta condição está presente no cotidiano da
pesca.
Parte dos ambientes de pesca no Baixo Rio Negro que foi citado pelos pescadores
que possuíam barco de pesca era utilizada antes das restrições: os Rios Jauaperi, Unini,
Branco além do Médio Rio Negro. Ou seja, o Baixo Rio Negro é utilizado com maior
intensidade pelos pescadores rabeteiros. Assim, excluindo os Rios Unini e Jauaperi, o
restante Médio Rio Negro tem sido utilizado independentemente da criação de UC’s no
Baixo Rio Negro.
E, parte destes pescadores tem sua origem na própria região ou nela residiu na
maior parte de suas vidas. Ou seja, a opção pelo local de pesca está associada com o local
de moradia. A moradia estabelece o vínculo do pescador com o ambiente de pesca e estes
mantêm seus vínculos, mesmo tendo migrado para a sede urbana.
“Aí eu gostei né? Minha vida foi pescar, né? Tucunaré e todo este tipo de peixe
a gente pescava né? Nossa pescaria não era a pescaria que hoje eu vejo o pessoal
fazendo de malhadeira. Nossa pescaria só era de zagaia. Nossa pesca era só a
noite (...). Jufaris: a gente morava aqui, saía daqui para lá, que lá era melhor de
pesca né? Um lugar de muito peixe. Lá a gente conhecia os lagos, as beiradas
tinha muito peixe” (Ivani Ferreira da Silva, ex-pescador, 59 anos, em
01/09/2010).
O senhor Ivani F. da Silva morava no Rio Jufaris onde possuía sítio, conhecia as
pessoas, os ambientes de pesca, fazendo com que o circuito consistia neste trajeto, na
relação com um território, mas também utilizando outros rios e ambientes. Partes dos
pescadores artesanais embarcadas tinham esta relação, entre os Rios Jauaperi, Unini,
130
Branco e de uma maneira geral, nos ambientes do médio rio Negro. O senhor José Pontes
(ex-pescador, 71 anos) pescava no Rio Unini, local onde regateava e conhecia as pessoas e
se estabeleceu os seus ambientes de pesca a partir de negociações. Ou em outro relato, de
também ex-pescador, que retratou a sua visão, nas negociações entre o período de 1988 a
1994:
“Nós trabalhava junto, se tivesse os moradores. Na época era proibido, mas não
tinha a fiscalização que tem. Então, a gente às vezes se arriscava a trazer um
bicho de casco, uma paca, um tatu, carne de veado, botava um peixe por cima
outras carnes que o pessoal matava, a gente comprava, né? A gente comprava o
tucunaré, o cará e a fera e às vezes a gente arranjava malhadeira nossa para eles.
Daí dividia: metade do peixe era meu e metade era dele, mas não era com todo
mundo não (...). E nós, quando era para pegar o peixe era a maior facilidade por
quê? Nós tinhamos o material. E o próprio morador de lá tava passando fome.
Porque o cara não tinha o material então você chega para trocar, é bem vindo (...)
Agora, uma coisa, o cara, o pescador, só tem duas coisas que ele não pode ser:
uma é ser pessimista e outra é ser miserável. O pescador miserável, de cem você
tira um e o que é miserável só vive aperiado. Miserável é aquele pescador que
você chega no barco dele que nunca de dá um peixe, diz que não pescou, se ele
abrir a caixa, mas ele vende, este é o que sempre está aperiado, este é o
miserável. Pescador, normalmente ele é de barriga cheia. Se ele tem peixe na
caixa e negar é difícil. Poucos deles fazem isto. Tem? Tem, mas são poucos.
Normalmente ele faz questão de ti dar o peixe para você comer.”
“Aí era isto: se eu pegasse 30 pacu e eu botava dentro de uma caixa quando
chegava na comunidade eu doava né? Aí eu chegava na comunidade e falava:
gente você estão com fome? Rapaz, nós tamos. Tá dando peixe aqui? Rapaz não!
Será que naquele igarapé dá peixe? Rapaz para vocês dá, porque o diabo ajuda
vocês! Eles falavam assim com a gente, né? Rapaz embora ir junto com nós que
eu vou ti ajudar também. Aí a gente insistia para ir junto com a gente aí a gente
comprava, o peixe dele, né? Aí aquele peixe branco que a gente pegava a gente
ia dando para eles. E comprava o tucunaré, o cará e etc deles. Então é assim que
a gente fazia (...). Normalmente você tem que estar preparado, que nem agora
pouco a gente tava conversando, porque tem a caixa de isopor e todo o peixe que
tu for pegar tu vai botando ali dentro, porque quando tu tá passando em frente a
comunidade, os pessoal vão logo ti parando, e aí arranja o almoço para a gente e
coisa e tal. Então para tu não mexer na tua caixa que está com o peixe congelado
lá, já tem aquela reserva, vem aqui, põe a canoa, vai jogando peixe dentro. Então
o sistema do pescador tem que ter este balanço. Por que? Primeiro, tu vai ser
bem vindo na comunidade. Ah motor! Motor fulano de tal. Ah, já vou já pegar a
minha bóia. Então é assim, da seguinte maneira que a gente tem que trabalhar
com as comunidades. Agora quando tu vê o motor do cara e tu diz, aquele cara é
um miserável. (ex-pescador, depoimento em 27/04/2011)
“Eu pegava mais tucunaré e cará. Só na linha. Aí quando chegava lá contratava
dez pessoas e iam pescar ...” (Francisco, em 27/04/2011)
Os relatos acima são de ex-pescadores que pescaram entre os anos 80 e 90 na
Margem Esquerda do Rio Negro, subindo até o Rio Unini, e na margem direita até o Rio
Jauaperi. Conforme Furtado (1981), a relação da pesca é construída baseada em
reciprocidades. Isso não quer dizer que todas as negociações tenham sido realizadas nos
mesmos moldes, mas trata-se de exemplos. A pesca do Pirarucu era negociada diretamente
131
com os “patrões”, que eram os regatões. A espécie era capturada com o arpão, assim como
é também a pesca artesanal do Tucunaré e Cará-Açú, ou seja, o acesso para essa pesca é
negociado; às vezes pescadores locais contratados, e a captura artesanal se dá utilizando a
zagaia, o caniço, a linha, e também a malhadeira. Os exemplos dos depoimentos acima são
de pescadores comerciais, e, para demonstrar outra visão, abaixo se citam depoimentos de
quem eram contratados pelos pescadores comerciais, neste caso no Rio Unini86
:
Francisco: então na época a gente zagaiava peixe, vamos dizer tucunaré e o cará
artesanal (...). Antigamente pescava o pirarucu. Até na faixa de mais ou menos
uns vinte anos. Vendia tudo, o jacaré, a anta, carne de um modo geral, pirarucu,
bicho de casco.
Dionísio: Você tem idéia, o rio Unini era considerado um dos rios mais fartos da
calha do rio Negro e ele perdia para o Jaú em uma espécie de animal: quelônio.
Mas, pirarucu, caça e outros tipos de peixe (...). Se não me engano foi criado o
IBDF eles começaram a sofrer. Aí entrou outros, mas a pescaria era em menor
escala e o produto era outro, eles estavam mais interessados na balata, na seringa,
na coquirana. No verão era o pirarucu, tinha demais (...). Lá em cima numa
comunidade chamada Marapana tinha um comedouro de pirarucu. Em 1980 eu
conheci um co-cunhado meu, lá de Manaus, que era o senhor Raimundo que
tinha um motor pequeno, ele foi, ele só pescava de zagaia, ele foi um dos
primeiros caras a vir pescar para cá (...). Agora, quando eu voltei em 1997 para
cá Deus me livre isto daqui era uma aberração de motor. Pescador de fora não
tem consciência.
Francisco: A gente pescava para o gelador. Eles entregavam o gelo e a gente
entregava o peixe para eles (...). Saía de um barco, encostava outro, descia e já
estava em outro, era assim. Pescava só quando queria mesmo. Passava dois ou
três dias em casa e aí saia de novo. Barco de três, quatro toneladas, de Manaus e
Novo Airão. Eram vários pescadores às vezes 12 ou 15.
Eclesiaste: Tinha pescador tanto daqui quanto de outras comunidades. Lá para
cima tinha que comunidade que ia uns dois. Às vezes eu ia e de outra
comunidade ia dois.
Os pescadores comerciais embarcados contratavam pessoas locais para as
pescarias. O Senhor Dionísio também demonstrou duas fases: dos anos 80, que tinha
poucos pescadores, e dos anos 90, que havia constantemente muitos pescadores. Assim
como nos anos 80, havia o sistema da pesca de Pirarucu, que era comprado pelo regatão
em determinados períodos, mesclando com outros produtos florestais, conforme
argumentado no capítulo 4.
Em outra visão, o Senhor Francisco Silva relata que além da pesca artesanal contar
com os pescadores locais, ele lembra que havia um pedido para que os barcos não
86
Conversas realizadas em 23/03/2011.
132
excedessem a 3 toneladas de capacidade. A citação abaixo é referente à pesca no final dos
anos 80 (1988/1989):
“Tinha muito peixeiro. Só que na época já era controlado né? Porque as
comunidades já começaram a se converter assim. E aí só podia entrar assim, tipo
no Jaú, no rio Unini e no Jauaperi, só podia entrar barco em média de três
toneladas para baixo. Eles não consentiam entrar barco acima de três toneladas”
(Francisco, 50 anos, 27/04/2011).
O conflito advém especialmente da percepção de que o aumento na quantidade de
pescadores seria responsável pela diminuição dos estoques pesqueiros, especialmente em
meados dos anos de 1990. Assim, a depredação não era bem vista, assim como a batição
ou pesca com bomba. Porém, nas comunidades já existentes nos anos 90 havia as pessoas
“pescadoras” que eram “empregadas” e acompanhavam as pescarias. O Rio Jauaperi e
parte do Rio Unini foram descritos em depoimentos orais como locais onde eram
negociados o acesso e a contração de pescadores. Já no Rio Preto, afluente localizado à
montante do Rio Unini, a pesca era realizada apenas pelo regatão.
Outro sistema de manejo da pesca que envolve diferentes locais e ambientes é
contado pelos senhores Olavo Faustino e Francisco da Silva Amorim, dois ex-pescadores
comerciais embarcados, moradores do Rio Cuieiras. Abaixo do depoimento, a figura 18,
objetiva representar por modelo cartográfico o esquema geral do sistema de manejo.
“De Anavilhanas para cá. Eu pegava este corredor, este paranã, na margem
daqui, pegava aqui o paranã do Samaúma, parava ali no Ariaú. No Ariaú, quando
você atravessa, já tem lago, né? Lago do Jorge (...). Todos lagos voltados para a
margem. Ali eu pescava todinho. Aí quando ia ficando mais difícil, ia enchendo
para cá, tinha uma diferença. Quando aqui tava cheio eu pescava com malhadeira
de cinco ou seis metros, aí quando eu subia para o rio Jauaperi, por exemplo, lá
tava baixo. Aí eu abandonava aqui e ia para lá. Eu pescava no rio Jauaperi que é
o rio onde mais eu pesquei. No Jauaperi em uma porção de lago aí depois, aí no
Unini. No Unini eu pesquei pouco por causa da cachoeira (...). Porque quando
começa a encher de lá para cá? (...) Porque o rio Branco ele é movido pelas
chuvas. Aí quando você passa lá está seco. Aí uma semana você volta, onde você
passou, que tava terra, você passa de barco por cima naquelas praias, na outra
semana tá seco de novo. Agora quando vem a cheia derradeira, aí você fica
vendo aquelas grutas na margem, você vê enchendo, enche em 24 horas” (Olavo
Faustino em 27/04/2011).
Rapaz, eu pescava assim, começava em agosto, né! Agosto, setembro e outubro.
Aí só prestava no Jauaperi. De janeiro em diante só prestava, já passava para rio
Unini, que pescava em fevereiro, março e abril. Todo mundo parava com a
pescaria do tucunaré. Ficava muito cheio o rio e aí não pegava nada. Entrava no
igapó e estas coisas. Aí ficava só o pessoal mesmo da pesca de rede. No Jauaperi
de agosto a setembro. E, no Unini, de outubro até abril. Que conforme o rio ia
enchendo a gente ia acompanhando a água. Você sabe que lá para cima é
133
represado pela chuva. Se faz sol ele seca, se chove ele enche. Acima da
cachoeira é comandado pela chuva. No rio Jauaperi é diferente porque não tem
cachoeira. Jauaperi ele é baixo. Quando é agosto, setembro e outubro, porque em
novembro você não pesca mais, porque ele tá muito baixo. Tá em torno de um
metro e meio ou dois metros no máximo. Aí não tem mais onde pescar. Aí para a
pescaria. Aí já é diferenciado para o Unini. Quando rio começa a encher aqui (rio
Negro) o rio Branco começa a secar. Aí neste período, que começar a encher
aqui, começa a reprodução né? De tudo quanto é peixe. E quando começa a secar
o rio Branco aí é claro que já tá tudo reprodutivo. Aí em agosto começa a sair o
tracajá, lá no rio Branco começa a sair em dezembro. Aí tem diferença grande
também porque as praias estão secando lá e aí o bicho começa a desovar”. Tem
diferença porque quando o peixe está com reprodução aqui no Cuieiras, o
tucunaré lá no Unini, eles estão de ova. Aí quando tu chega dentro do rio
Jauaperi, já pega parte de uma água branca, este peixe tá tudo cavando, fazendo
os ninhos para desovar. Então é um período de um mês de um rio para outro.
Quando é a reprodução ela começa a subir né, a ova do peixe começa a subir,
quando chega lá em cima, o último a desovar, este aqui, os filhotes já estão
grandinhos”. (Francisco, em 27/04/2011)
Figura 18 – Representação cartográfica do sistema de manejo da pesca. Em tracejado preto,
A região da pesca realizada, e nos traços vermelhos a direção para outros locais.
Período entre 1989 até 1994. Fonte: Depoimentos de Francisco da S. Amorim e Olavo Faustino,
base cartográfica shape files do banco de dados do IPÊ.
O senhor Olavo Faustino e Francisco da Silva Amorim realizavam um sistema de
manejo que vai da parte de Anavilhanas até os Rios Jauaperi, Unini e Branco. A diferença
é que o senhor Olavo tinha a preferência pelas espécies de Pescada, mas fazia a pesca do
Tucunaré e Cará nos intervalos em que as malhadeiras ficavam na espera,
aproximadamente, de duas em duas horas. O cálculo da pesca, tanto da pescada quanto do
134
Tucunaré, é realizado pela lua e as viagens eram realizadas prevendo se chegar ao local
sem o luar. Essa informação também é confirmada em outras entrevistas. Assim, eram
realizadas as atividades da pesca em quatro locais distintos: os ambientes de Anavilhanas e
em torno, o Rio Jauaperi, o Rio Unini e o Rio Branco. Além disso, levavam-se em conta os
períodos reprodutivos e migratórios dos peixes (comportamento ecológico) e o acesso.
Outro pescador, Darcimar Borges Sales (conversa informal), também pescava entre a Ilha
do Jacaré, Rio Baipendi, Rio Jauaperi e na Foz do Rio Jaú e Unini. Já no Médio Rio Negro,
o rio enchia entre abril e maio, diferente do Baixo Rio Negro, que inicia em novembro, ou
quando o rio possui cachoeiras, como o Rio Unini e Puduari, onde a observação é a
respeito da cheia e vazante dos rios e da precipitação.
Assim sendo, os pescadores no Baixo Rio Negro faziam (em) rodízios de ambientes
de pesca baseados nos regimes de águas e características dos rios. A maior parte dos
pescadores comerciais diz que a sua pesca é artesanal, pois se baseia no uso da zagaia,
especialmente para as espécies de Tucunaré e Cará (Cará-Açu), mas também Jaraqui, Pacu,
Matrinchã, entre outras. Segundo Silva e Begossi (2004), 92% da pesca no Médio Rio
Negro, em Barcelos, correspondem à captura das espécies de Tucunaré e Cará, de zagaia.
Sobreiro (2007), em outra pesquisa, já demonstra que o Tucunaré vem em terceiro lugar
com a pesca, perdendo para o Pacu e Aracu, mas sempre associado com outras espécies,
como Cará, Surubim, Filhote, Pirarara, Traíra e o Jacundá (SILVA e BEGOSSI, 2004).
Talvez porque parte do pescado é para venda no comércio de Manaus e outra no local,
conforme será discutido mais adiante.
O senhor José Adimar Pedreiro Garcia é um dos maiores pescadores e compradores
de pescado no Rio Negro e possui relações com diversos outros pescadores comerciais
embarcados e de rabeta, fora os que já foram associados, através do apoio (aviamento) ou
nas relações comerciais de compra de pescado. Segundo ele, a pesca comercial no Rio
Negro é artesanal e 90% de sua pescaria acontecem na Região de Barcelos, enquanto que
10% na região de Santa Isabel do Rio Negro.
Segundo o entrevistado, o sucesso de uma expedição empresarial da pesca
comercial no Rio Negro depende que o “aviador” tenha muitos pescadores trabalhando.
Dos que acompanham as incursões de pesca, alguns vão juntos, contratados na cidade,
outros nas comunidades. Associado à pesca do Tucunaré e Cará também se pesca Traíra,
Matrinchã, Aracu, Pacu e diferentes espécies de fera.
135
A sazonalidade e frequência variam de pescador para pescador, de acordo com as
estratégias ou locais que se pesca. A tabela abaixo (tabela 10) demonstra algumas
informações de ex-pescadores e pescadores ativos no que diz respeito à embarcação,
custos, duração, frequência, sazonalidade e espécies pescadas.
Tabela 10 – Informações no que diz respeito a pesca comercial embarcada.
Pescador/
capacidade
de carga do
barco
Ano de
referencia
da
informação
Custos
Operacionalização
Locais Freqüência e
sazonalidade
Apetrechos
e espécies
Pescador 01
15 toneladas
gelo
2007 Pagamento de dois
funcionários fixos,
mais pescadores
contratados, 900
litros diesel e
alimentação
Cauerés
Romada
Demeni
Aracá
Quiuini
Cachoerinha
Itu
Cococó
Lago do Prata
Rio Branco
9 viagens por ano
Entre dezembro a
fevereiro fazia
duas viagem por
mês e outubro,
novembro e
dezembro fazia
uma viagem/mês
Zagaia,
espinhel,
linha
Fera
Cará
Aracu
Tucunaré
Pescador 02
3,5 ton./gelo
Atual 4.000,00 Reais
7 pessoas
Baixo rio
Negro
Anual/viagem de
07 a 12 dias
-
Pescador 03
8 ton./gelo
2006 4.000,00 Reais Rio Branco
Uaerés,
Jufaris,
Quiuini,
Demeni,
Aracá, Caurú
- -
Pescador 04
5 ton./gelo
2004 3.000, 00
8 pessoas
Jauaperi até
Santa Isabel
do Rio Negro
- Malhadeira
, espinhel,
zagaia
Fera, Cara,
Tucunaré
Pescador 05
3 ton./gelo
2007 2.500,00
07 pessoas
Jufaris,
Caurés,
branco,
Xeurinin,
Unini,
Demeni, Itu
Anual/duas
viagem por mês 5
a 6 dias
Zagaia
Tucunaré,
Pacu,
Surubim,
Pirarara,
Cará,Traira
Pescador 06
1,5 ton./gelo
1989 10 pessoas no local Rio Unini,
Jauaperi
Agosto – abril
3 – 4 dias
Zagaia
Tucunaré e
Cará
Pescador 07 1992 2 pessoas Baixo Rio
Negro (Ilha do
Jacaré, Aturiá,
Ariaú), Rio
Jauaperi,
Unini e
Branco
Agosto a maio
7 dias
Malhadeira
Pescada e
Fera
Zagaia
Tucunaré e
Cará
Espinhel
Fera
136
Parte dos pescadores artesanais embarcados que tinha a residência na área rural ou
na comunidade, mescla a atividade da pesca com outras atividades, como agroextrativismo.
Outros pescadores fazem o manejo entre várias bacias hidrográficas, ambientes de pesca
distintos ou espécies, que em parte, pode ser comparado aos trabalhos copilados em Fraxe,
Witkoski e Silva (2009). Ou seja, partes dos pescadores realizam a pesca anualmente, e
outra se ocupa da pesca apenas sazonalmente.
A medida da capacidade de carga do barco é em tonelada-gelo e a relação
aproximada entre gelo e pescado é a metade. Ou seja, um barco com capacidade de cinco
toneladas-gelo suporta 2,5 toneladas-peixe. Apesar de que, na tabela acima, os anos de
referência das informações são de anos anteriores, os barcos de pesca no Baixo Rio Negro,
na atualidade, não excedem a cinco toneladas gelo87
.
O fato dos barcos atualmente não ultrapassarem as 5 toneladas-gelo deve-se: por
questões históricas; a relação entre a capacidade-de-carga, sazonalidade e frequência de
viagens de pesca, que dura entre uma semana a duas no máximo, o tempo suficiente para
abastecer o barco, a duração do gelo com a tecnologia empreendida, o retorno da viagem e
a venda do pescado; e, principalmente devido a aceitabilidade dos moradores locais deste
tipo de embarcação, que culminaram também nas regras formais como o “Decreto Rio
Negro” e o acordo de pesca do Baixo Rio Negro, cujo limite de embarcações é de cinco
toneladas.
O aumento de número de pescadores nos anos de 1990 é associado à possibilidade
de registro profissional, aos custos reduzidos de aquisição de motores rabeta, ao mercado
consumidor, à possibilidade de renda; e acesso e uso “clandestino” das áreas de pesca nas
proximidades de Novo Airão, Arquipélago de Anavilhanas88
. Essas canoas são adquiridas
ou confeccionadas pelos próprios pescadores e compõe dimensões entre 6 a 8 metros, na
maioria comportando até quatro caixas de isopor (capacidade de 170 litros) ou uma caixa
térmica tipo freezer, com capacidade de até 500 kg gelo. Ver as fotos (Figura 19)
ilustrando modalidades de embarcações de pesca.
87
Entrevistas e observação. 88
O uso e acesso clandestino das áreas do Parna de Anavilhanas será mais bem detalhado.
137
Figura 19: Fotos ilustrando embarcações de pesca. A foto A, ilustra os barcos e canoas da comunidade Bom
Jesus do Puduari; B - a rabeta com caixa térmica tipo freezer (senhor Raimundo e senhora Marlene da
localidade Mirapinima); C – barcos de pesca de Novo Airão; D – rabeta com caixa térmica tipo freezer e
isopor; E - canoa tipo rabeta com freezer e canoa de apoio; F – barco de pesca proveniente de Manaus. Fonte:
fotos do autor tiradas em novembro de 2010 no arquipélago de Anavilhanas.
Os territórios sociais da pesca também incluem as áreas de Anavilhanas, com as
quais a maioria dos pescadores possui vínculos históricos, seja de moradia anterior à
criação da ESEC, ou de uso. A pesca é realizada em lagos, paranãs e igapós (na cheia) ou
nos igarapés e ambientes de pesca no entorno imediato do PARNA de Anavilhanas (e seu
A B
C
1
D
F E
138
interior), na margem direita, seguindo nos Igarapés do Juvêncio, Cabeçudo, Gordo,
Pacatuba e Cachoeirinha e Rio Puduari, seguindo até a Foz do Rio Unini, e pela margem
esquerda, no Rio Ariaú até o Baipendi, Foz do Rio Jauaperi e Rio Branco. Os rabeteiros
ainda incluem parte de moradores de comunidades e localidades próximas de Novo Airão,
como Bom Jesus do Puduari, Sobrado e Santo Elias, Bacaba e Caoié, destacados em
entrevistas, como possíveis maiores fornecedores de pescado89
. As comunidades de
Sobrado, Aracari e a localidade de Mirituba produzem menos pescado, enquanto que na
Comunidade de Aturiá, uma entrevista constatou que existe também uma negociação com
um pescador de Manaus.
Os custos de viagem das canoas rabetas são menores, às vezes não excedendo 30
litros de óleo diesel/gasolina; utilizam malhadeiras, espinhel, zagaia e caniço. Segundo
Cardoso e Freitas (2006), as canoas motorizadas em relação ao combustível e gelo tem
maior rendimento econômico em relação aos barcos.
As canoas de rabeta tem entre 7 a 8 metros e carregam consigo canoas a remo, para
possibilitar a mobilidade nos lagos e igapós. A sazonalidade é anual quando especializados
apenas na pesca, ou sazonal quando inclui o feitio de roçado. Quando interrogados acerca
da presença de mais de um grupo de pescadores no local da pescaria, a regra é pelo
respeito de quem chegar primeiro e o pescador seguinte divide o espaço utilizando-se de
outros ambientes, conforme também descrito por Sobreiro (2007).
A comercialização acontece da seguinte maneira: até meados dos anos 90 existia
uma feira na beira do rio em Novo Airão, porém, deixou de existir. Portanto, a maior parte
dos pescadores rabeteiros realiza a venda direta em carrinhos de mão, que ao desembarcar,
caminha pelos bairros da cidade oferecendo o peixe, com rotas já determinadas, clientes
certos ou espontâneos, realizada na residência; ou ainda, comprado por comerciantes que
revendem em pequenas peixarias distribuídas no município. O peixe é vendido na maior
parte dos casos em “cambada”, que se trata de fibra de envira ou galho, podendo ter apenas
uma “qualidade de peixe” ou diferentes “qualidades” de peixe, em quantidade de até seis
peixes:
É um peixe que é bom de vender. Tá muito difícil e a população está aumentando
né? E, hoje a alimentação da maioria é peixe. Aí a gente vende para os peixeiros,
89
Lista elaborada durante reunião do AquaBio em 21/01/2010, com presença das diretorias de entidades de
pesca e pescadores .
139
uns comerciantes que ficam na rua né? Na beira está meio devagar, mercado não
existe, o que vende é para o atravessador aí na beira. Olha, a cambada de peixes
está no valor de quatro reais, cinco reais. Depende do que tem, da variedade de
peixe, quantidade de peixe. A cambada é cinco peixes, seis peixes, por exemplo,
cinco jaraqui, cinco reais. Cinco pacu é cinco reais. Agora tucunaré é quatro
pequeno por uma cambada. Agora quando ele é grande, uns 3 quilos, a gente
vende por quilo. Dá na faixa de três reais o quilo, quatro o quilo, nesta faixa
também. A fera do mesmo jeito (Acácio de Souza Pereira, 55 anos, em
15/09/2010).
Às vezes a gente mistura, mas a vezes o cara só quer uma espécie de preferência
a gente separa. Aqui na nossa região é jaraqui, pacu, tucunaré, matrinchã, este
peixe é o que mais a gente pega, aracu. E a gente mesmo que vende.
Ultimamente ele é mais peixe graúdo, tipo surubim, tucunaré grande que a gente
vende direto para o Louro. Dono de restaurante eu vendo mais peixe miúdo, não
tenho material, quando pesco peixe graúdo eu pesco de zagaia. A gente tem uma
freguesia boa, aí o pessoal vem comprar (Edival Valente Rodrigues, 44 anos, em
10/11/2010).
Um rabeteiro consegue pescar e armazenar até 300 quilos em cambada90
, por
viagem. O comércio, conforme visto nas duas entrevistas é por cambada. Localmente, em
Novo Airão, a compra e venda do pescado para a alimentação, que segundo estimativas
registradas em documento da FVA/APNA (2005), podem chegar até duas toneladas/dia,
considerando o consumo médio de 430gr/dia, por adulto. Fora isso, o restaurante que às
vezes mais compra não excede 20 quilos sazonalmente.
O pescador artesanal embarcado separa as qualidades de peixe, onde parte é
vendida em Novo Airão e parte é exportada para frigoríficos de Manaus e Manacapuru. A
estimativa de volume comercializado é entre 28 a 30 toneladas mensais exportadas, nos
últimos dez anos, segundo depoimento de José Adimar, um dos principais revendedores do
pescado. Para efeitos de comparação da estimativa de produção pesqueira com o município
de Barcelos, citam-se Barra, Dias e Carvalheiro (2010, p. 29):
“Em Barcelos, o IDAM e a SEPROR registraram uma produção pesqueira
média, por semana de 6 toneladas na seca (metade vendida em Barcelos e metade
enviada para São Gabriel) e 800 kg na cheia, vendidos apenas em Barcelos. (...)
A partir de informações de entrevistas com os donos de barcos que transportam
pescado, calcula-se que o total de pesca na seca chegue a 13 toneladas por
semana, e na cheia, a 3 toneladas semanais, incluindo o peixe vendido para
Manaus e São Gabriel da Cachoeira.”
90
Informação cedida por Eugênio, pescador de rabeta e membro da diretoria da Colônia AM – 34 em
26/08/2010.
140
Um fato curioso é que a venda ao frigorífico implica no fato de que parte desse
pescado seja destinado ao beneficiamento na forma de filés de peixe, e, portanto, existe
reclamação de que o peixe do Rio Negro sempre vem “furado”, pois é pescado pela zagaia.
“O máximo de barco de pesca que nós tinha aqui na região, do interior ele dava
em torno de cinco toneladas né? E outra que tinha uma explicação que é a
seguinte: tu que pesca cará, tucunaré, e ele pescava a pescada dele, certo? A
gente nunca misturava o tal peixe branco que é o pacu, o peixe da escama miúda,
junto com este tipo da escama preta, senão o peixe da escama miúda ia soltar e ia
estragar todo o teu peixe. E aí é aquela história que ele falou da bagana, pegava a
bagana separada, que é a bagana que fica na traíra, fica no pacu, fica no aracu,
que é um peixe especial, mas o pessoal considera como bagana, por que? Porque
é pouca em quantidade” (Francisco, em 27/04/2011).
“Eu tinha um patrão maior, quer dizer que comprava aqui em Novo Airão, ele
tirava o peixe branco. O que quer dizer o peixe branco? É o jaraqui, é o pacu, é a
piranha e o matrinchã, ele tirava aqui na cidade, vendia aqui. Aí o peixe de peso,
que chama o tucunaré, o surubim, algum pirarucu que a gente trazia, já levava
para Manaus para outro patrão. Ele já tinha outro para vender (...) (Ivani Ferreira,
59 anos, depoimento concedido em 01/09/2010).
Os peixes exportados são, em síntese, aqueles denominados de feras, o que inclui a
Dourada, a Piramutaba, o Filhote, o Surubim e o Caparari, e as espécies de Tucunarés e
Carás. Para o comércio local são destinados os peixes fera e Tucunaré de menor tamanho,
a Matrinchã, o Jaraqui, as variedades de Pacu e o Aracu. Além dessas espécies principais,
o comercio local inclui ainda as Piranhas, Branquinha, Pescada, entre várias outras, as
quais também são capturadas pela pesca de subsistência alimentar, conforme listagem das
espécies - tabela 03 – página 43 - capítulo 02.
É importante ressaltar que essas descrições são referentes a pescadores artesanais
do Baixo Rio Negro e excluem barcos de pesca provindos de Manaus. Porém, esses barcos
de pesca realizam outro tipo de pesca, a pesca de lanço, em diversos pontos no Baixo Rio
Negro, como por exemplo, nas proximidades da Foz dos Rios Cuieiras, rio Airaú, Aturiá,
em diferentes pontos da costa da margem esquerda e direita, especialmente nas
proximidades de Santa Elias do Jaú e Ayrão Velho91
, conforme representação na figura 20
e 21, abaixo:
91
Como não se têm informações dos pescadores de Manaus, os dados e representações neste trabalho são
parciais e preliminares, mas relevantes, pois caracterizam um sistema de manejo no Mosaico.
141
Figura 20 – Em tracejado, regiões registradas onde
se realiza a pesca de cardumes de Jaraqui e Matrinchã.
Fonte cartográfica: IPAAM, MMA, Banco de Dados do IPÊ.
Figura 21 – Representação da pesca de lance (lanço) em praia. Fonte: Falabella (1994).
142
Esse tipo de pescaria inclui o manejo da área, como a limpeza no verão (período de
seca), onde se tiram galhadas e pedras em determinados pontos da costa ou praias para que
não haja empecilhos ao arraste das redes durante a captura durante a cheia. Os cardumes de
Jaraqui e Matrinchã realizam migração reprodutiva durante esse período e são capturados
quando se movem pelas Margens Esquerda e Direita do Rio Negro. Os pescadores sabem
os locais certos de passagem dos cardumes e os períodos em que estes se deslocam. Essas
informações são repassadas através da rede de comunicação entre pescadores embarcados
e ribeirinhos. Entretanto, tal modalidade de pesca também inclui negociações, como pedido
de autorização por parte do pescador para os moradores das comunidades, que pode ser
negada, como verificado no Rio Cuieiras.
“O pessoal que trabalha com matrinchã e jaraqui aqui na nossa área, eles sabem a
data que o jaraqui está subindo. Ele sobe por um lado e baixa pelo outro. Ele
sabe quando ele tá ovado, quando ele tá gordo. O matrinchã, ele passa lá em
frente de Manaus, em maio, agora no próximo mês é o mês do matrinchã passar
lá. Aí o pescador vem de lá atocaiar ele aqui em cima. Aí eles entram lá, varam
aqui. Aí eles ficam aqui nesta área sabendo que o matrinchã vai passar aqui. Até
final de maio. Em junho. Aí eles ficam aqui na boca esperando ele sair. Quando
não eles engam eles, puxa vida, o matrinchã saiu! Tem aquela data mais ou
menos. A lua influi muito também. Nós andava pela água. E, eles pelo cardume.
Rapaz, o peixe tá subindo, o jaraqui tá subindo. Pois é, o último cardume o
pessoal que tava lá no Mucura disse que passou lá, rapaz o moço deu um lanço lá
no Samaúma, aí eu vou em Manaus e volto daqui a oito dias, eu vou pegar este
peixe aonde? No Ariaú não é bom, ninguém lanceia, no paranã do Acariquara
também não, este peixe vai estar no Aturiá, oh! Daqui a oito dias, está no Aturiá
e eu vou para lá. Rapaz, ele está na boca do Unini, o que tu acha? É a conversa”
(Depoimento oral de Olavo Faustino em 27/04/2011).
A pesca de lanço inclui especialidades diferentes, como a do boiador, que é aquele
que vai localizar o peixe, que se move silenciosamente sobre a água ou que se esconde na
beira, vigiando a passagem do peixe, bem como a quantidade que se pretende cercar; então
vem o proeiro, que é o remador, e o largador de rede, que precisa da habilidade para soltar
a rede sem que o cardume mude de direção. A malha da rede de lanço é menor (entre 20 a
45 mm),92
enquanto que se utiliza outra rede, que é a escolhedeira, com malha maior (50
mm), que possibilita selecionar indivíduos adultos dos juvenis, realizada com cuidado para
não ferir os peixes, pois o impacto do cardume na rede pode causar a cegueira dos peixes.
Segundo informações colhidas nas entrevistas, esse tipo de pescaria é mais eventual ou
experimental; dificilmente é realizada por pescadores locais.
92
Pela legislação, a malha mínima de malhadeira é 70mm, que é a medida entre nós quando esticada, mas
localmente esta medida é chamada de 45mm, pois é medida com a malhadeira aberta, ou, em outras palavras,
a malha 70 mm é a mesma que 45 mm.
143
Outra modalidade de pescaria foi relatada em uma única entrevista; esta concedida
por um ex-pescador e trata-se da pescada. Esse tipo de pescaria era realizada mediante um
sistema que envolve dez a quinze malhadeiras dispostas entre si, de 50 em 50 metros, com
3,5 metros de altura por 60 metros de comprimento, com malhas entre 50 a 70 mm
(esticada) do tipo nylon seda, para evitar o corte da piranha. Já a pesca da fera por
espinhéis é muito realizada na Margem Direita do Rio Negro, entre ilhas (Anavilhanas) e a
margem, e envolve linhas compridas amarradas na beira do rio até uma bóia, onde estão
dispostos aproximados cinquenta anzóis verificados a cada duas horas. A figura 22 abaixo
mostra a boia (tambor).
Figura 22 – Visão da bóia tipo tambor e submerso na águas os anzóis do espinhel.
A Comunidade Bom Jesus do Puduari tem dado muita ênfase, por exemplo, à pesca
da fera, utilizando locais das proximidades. Pacu, Pescada, Aracu, Matrinchã, Jaraqui,
Traíra ou Piranhas são pescadas utilizando variados apetrechos, como zagaia, malhadeira,
espinhel ou flecha.
Assim, comparando-se as diferentes estratégias da pesca (técnicas de captura,
apetrechos, ou espécies) podem-se caracterizar a pesca embarcada e de rabeta como
artesanais, enquanto definição local pelo facheio e uso da zagaia acompanhada de
malhadeiras. Por outro lado, existe um conjunto de especialidades, como a pescaria de
lanço, realizada em escala menor, quase ausente na região por pescadores locais, segundo
depoimentos, ou a pesca de Fera, que também é especializada para alguns pescadores.
Dessa mesma forma, conforme argumentado até aqui, o sistema de manejo de
espécies de peixes envolve uma construção, desde a produção de conhecimento por parte
dos pescadores, no que diz respeito à pesca artesanal comercial e, portanto, nesta mesma
144
construção se forma a territorialidade, pois associa não só o conhecimento ecológico dos
locais e ambientes de pesca, como também as formas de acesso em um território que
possui áreas protegidas e territórios sociais comunitários. O acesso, conforme destacado,
sempre ocorreu mediante contratação de pescadores locais ou pedidos de autorização. Os
conflitos de sobre-exploração de estoques pesqueiros em determinados locais também
ocorreram, e como contra-movimento, as reivindicações de controle territorial, seja o
acordo de pesca ou a reserva extrativista. Neste sentido, o “livre acesso”, não ocorre
linearmente no tempo, mas em determinados eventos históricos, quando o número de
pescadores aumentou, por diferentes contextos, mas imediatamente, seguido de ações
coletivas, para reverter esse acesso livre, de caráter esporádico, em formas de controle
territorial, como também argumentaram Castro e MacGrath (2001) e Pereira (2004), no
que diz respeito aos ambientes de várzea, ou Berkes et al. (2001) em uma análise mais
global.
Torna-se complexo determinar localmente o tipo de regime de propriedade sob o
qual cada território de pesca é governado. Para as pessoas da comunidade, os recursos
locais são considerados como de propriedade comum e exclusiva, o que McKean e Ostrom
(2001) sugerem como propriedade privada e coletiva. Para os pescadores comerciais, um
determinado ambiente pesqueiro local e isolado pode ser considerado de livre acesso.
Para os pescadores comerciais embarcados, é possível que, em determinadas
situações, seja considerado por eles que os locais utilizados para a pesca sejam de livre
acesso. Esse argumento é político, utilizado publicamente em resposta à situação de
restrição espacial promovida principalmente pelas comunidades e em determinadas
situações, também as áreas protegidas, ou devido à política pública setorial da pesca, que
almeja o aumento da produtividade, sem considerar os limites sociais – as restrições de
comunidades – e os limites (resiliência) ecológicos. Alguns desses pescadores possuem
um “sentimento” de pertencimento, em determinados locais de pesca, mas em outros,
talvez não.
Dessa maneira, a política pública setorial da pesca tem reafirmado o livre acesso
visto o estímulo ao aumento de produção sem dedicação a gestão e participação dos
pescadores na tomada de decisão. Assim, os pescadores artesanais estão entre o limiar do
livre acesso estimulado e o controle social dos territórios promovidos pelas comunidades,
ou a restrição espacial das UC’s, ou ainda, entre um modo de vida construído em uma
145
identidade regional e a pressão econômica, como atividade importante na geração de renda
financeira.
A condição de “livre acesso” ou “propriedade de uso comum” às vezes diferencia-
se entre territórios, entre grupos de pescadores ou ainda entre espécies de peixe. Por
exemplo, para comunidades ribeirinhas que só pescam para a sua subsistência alimentar, o
fato de ter uma unidade de conservação, seja de uso sustentável ou de proteção integral,
pode representar um fortalecimento dos seus regimes de propriedade, possibilitando maior
exclubilidade de usuários externos. No entanto, para comunidades ribeirinhas dentro do
PARNA do Jaú, o fato da Matrinchã ou do Jaraqui saírem do rio para se reproduzirem em
ambientes externos, torna o recurso pesqueiro de livre acesso, pois podem ser capturados
por pescadores fora dos limites do Parque.
6.3 AS NEGOCIAÇÕES DE USO E ACESSO
O tópico anterior descreveu de forma sintética a presença dos rabeteiros e dos
pescadores embarcados, bem como os tipos de pescarias envolvidas. Neste momento serão
tratados diferentes tipos ou modalidades de uso e acesso a partir de diferentes negociações,
como os acordos formais (acordos de pesca e “Decreto Rio Negro”) e informais (das
comunidades e da gestão das unidades de conservação) que às vezes, ocorrem de forma
combinada.
No que se refere à gestão da UC de proteção integral, por um lado, a gestão formal
e jurídica é clara e proíbe o uso direto dos recursos naturais. Mas, por outro lado, de facto,
essa restrição provoca outro movimento, aqui registrado como uso clandestino, o que cria
um sistema “informal de gestão”. Dentro do SNUC, a ferramenta de gestão que talvez seja
mais apropriada para lidar com o uso direto de um território restrito juridicamente são os
“termos de compromisso”, que possibilitam acordar o uso direto entre usuários e o órgão
gestor. No Mosaico, existe uma pressão para que esse instrumento seja aplicado nas UC’s
Estaduais, incentivadas pelo órgão gestor, ou, no caso do Parna do Jaú, pela FVA e setores
dentro do ICMBio.
146
Desta maneira, para melhor apresentar evidências e discutir esses sistemas
negociados, este tópico é subdividido por tema (acordos formais e informais) e regiões,
conforme se destaca93
:
6.3.1 Os acordos formais de pesca no Mosaico;
6.3.2 Os “acordos informais” de pesca no Mosaico:
O Rio Unini;
O Rio Jauaperi;
O Rio Jaú;
O Rio Puduari;
O Rio Cuieiras.
6.3.1 Os acordos formais de pesca no Mosaico
Nos rios de bacia sub-andinas, ou rios de águas brancas, os “acordos de pesca” em
ambientes aquáticos de Várzea (CASTRO e McGRATH, 2001; PEREIRA, 2004)
envolvem a regulação do o uso e acesso de lagos através de um zoneamento em que esses
ambientes pesqueiros são divididos em áreas de manutenção (pesca de subsistência),
preservação (área destinada à reprodução de espécies) e comercial (para pescadores
comerciais). No Rio Negro, os ambientes correspondem a afluentes e igarapés ou até
mesmo determinados trechos.
Assim como nos acordos de pesca da várzea, o zoneamento dos acordos de pesca
no Baixo Rio Negro também prevê a pesca de subsistência alimentar quando somente os
moradores podem usar determinada área. Diferentemente, os acordos de pesca no Rio
Negro incluem áreas exclusivas para a pesca esportiva, como no caso do acordo de pesca
do Rio Unini. As medidas de proteção da reprodução e de preservação de espécies de
peixes são contempladas com a definição de períodos de defeso, com o sistema de cotas
(tantos barcos por mês) e a capacidade de carga. A exceção é o acordo de pesca na Região
do Rio Puduari, onde foi eleita em consenso a área exclusiva de reprodução de espécies.
93
Esta subdivisão é didática, pois os eventos estão relacionados entre si.
147
Nas demais áreas predomina o consenso de que a pesca de subsistência alimentar é
compatível com a preservação das espécies, dado que representa um baixo esforço de
captura, sendo por isso desnecessária a delimitação de áreas de preservação, ou seja, áreas
onde toda a pesca seria proibida, como nos acordos de várzea.
Antes de se aprofundar o debate sobre cada acordo de pesca, se pretende registrar o
“estopim” que deflagrou esses movimentos e que se devem, em parte, às reivindicações das
comunidades que almejam o controle de seus territórios, às restrições de determinadas
áreas para a pesca que podem ter ocasionado pressão em outras áreas, ao aumento do
número de pescadores artesanais (como opção de atividade e política setorial) e às
articulações das entidades de comunidades e de pesca com o movimento socioambiental.
Como já citados, dois eventos emergem neste sentido: a realização da primeira Oficina
sobre o Uso Adequado dos Recursos Naturais, realizada no dia 23 de maio de 2003 (APNA
et al., 2003), e as oficinas de formação dos conselhos gestores, especialmente da ESEC de
Anavilhanas, entre 2004 a 2005.
A primeira oficina está no contexto de mobilizações socioambientais que envolvem
as recém-criadas entidades de pesca e de comunidades ribeirinhas, e teve os seguintes
objetivos:
“Discutir sobre os problemas enfrentados por pescadores, artesãos e moradores
de comunidades ribeirinhas na luta diária pela sobrevivência, assim como sobre
propostas que ajudem na solução das dificuldades; Contribuir para a educação,
conscientização e legalidade dos nossos sócios nas atividades que envolvem o
uso de recursos naturais para geração de renda de suas famílias; Estreitar as
relações entre organizações de Novo Airão e os órgãos públicos responsáveis
pela aplicação das leis ambientais” (APNA, et al 2003, p. 06).
A motivação – segundo o documento – dizia respeito à repreensão da fiscalização
sobre comunidades, artesãos e pescadores, ao invés da prevenção, que resultava na perda
de materiais e instrumentos de trabalho (quando apreendidos pelos fiscais). A programação
da oficina foi organizada mediante temas como fiscalização (falta de conhecimento sobre
os limites das áreas protegidas e sobre os seus procedimentos) e uso de recursos naturais
(acesso e uso, calendário do defeso não adequado, denúncias da sobre-explotação da pesca
com pedidos de estabelecimento do sistema de limite do tamanho da embarcação,
interdição das áreas críticas). Apesar da abrangência do tema “uso de recursos naturais”, a
pesca teve destaque nos debates, e assim, pode ter sido o embrião para os acordos de pesca
e para as negociações de acesso à pesca em Anavilhanas.
148
Segundo Aldenor Sobrinha Barbosa (presidente do STRNA e coordenador da
Maquira-RONA), um dos organizadores da 1ª. Oficina, que concedeu o depoimento sobre
a visão anterior aos eventos citados (primeira Oficina sobre o Uso Adequado dos Recursos
Naturais e formação dos conselhos gestores):
“Como começaram os acordos de pesca? Aí já é uma outra história né? Como o
rio Jaú, que não era permitido pescar, como um decreto, já esqueci o número do
decreto, da proibição da pesca no rio Negro, então gerou outro problema. Aí, o
que surgiu na nossa cabeça ... De tantas lideranças que trouxemos para participar
dos encontros, invadi isto, invade aquilo, estávamos trabalhando o acordo de
pesca do rio Unini para pescar. Também tinha que ter controle de pesca, o
controle de barco, quanto se podia trazer, tá entendendo? Com isto surgiu pela
primeira vez a história de como criar um acordo de pesca e de como trabalhar um
acordo de pesca. E o pró-Várzea (...) ajudava na mobilização. Esta idéia de
acordo de pesca venho de um fórum pan-Amazônico em 2002 quando eu tive no
Rio Grande do Sul e nós saímos daqui de Novo Airão para Belém. Nós éramos
vinte pessoas daqui de Novo Airão, Moysés do Bom Jesus foi para Belém, várias
pessoas daqui, de várias instituições, do Unini foi, que a Fundação teve interesse
de levar. Aí nos tivemos no Fórum Pan-Amazônico e foi mostrado a questão dos
acordos de pesca, mostrado todo o processo. E, quando nós retornamos do Rio
Grande do Sul, do Fórum Social Mundial, nós nos reunimos e foi falado, eu
quero o meu rio, então nós vamos trabalhar o acordo de pesca. O que nós temos
para trabalhar? Nós temos que buscar o pró-Várzea. Quem é a pessoa que tem
esta ligação? A Fundação. Então nós vamos conversar com a Fundação, vamos
chamar a Fundação. Aí conversa para lá, conversa para ali, entramos em contato
com o Núcleo de Recursos Pesqueiros do IBAMA, que era um companheiro
nosso que hoje está atuando na secretaria de Barcelos. O Júlio Siqueira era o
chefe, gerente do Núcleo da Pesca. Então, rapaz vamos botar no defeso o rio
Jauaperis, ele ia entrar no defeso e não no acordo de pesca. Tá entendendo?
Então foi lançado primeiro, um defeso do peixe do rio Jauaperis” (Aldenor
Sobrinha Barbosa, 46 anos, em 16/09/2011).
Concomitantemente a esses processos, o CNPT/IBAMA estava organizando
intercâmbios entre representantes das comunidades do Rio Unini e Jauaperi, que
almejavam conhecer experiências de gestão de RESEX no Amazonas e no Acre,
objetivando amadurecer a ideia entre as comunidades que almejavam solicitar ao Governo
Federal a criação de duas RESEX, do Rio Unini e Jauaperi. Tais elementos são evidências
de que esses processos organizativos estavam estreitamente articulados no âmbito do
movimento socioambiental, e que vêm a se desdobrar nas assembleias comunitárias e
intercomunitárias dos acordos de pesca94
.
“(...) Aí, logo em seguida fomos ameaçados de fechar o rio. Que o IBAMA ia
passar a corrente e não ia deixar subir nenhum regatão. E a gente ia viver de que?
Então, por isto é que foi criado a associação. E, em seguida, foi patrocionado
94
Informações advindas de Creado (2006); Caldenhof (2009); Mendes (2009), IBAMA/CNPT (2005); e,
AMORU (2006).
149
uma viagem para o Levi e a Teka lá para Xapuri, uma coisa assim; e vieram de lá
com esta ideia de RESEX. Aí acabou a pesca de vez. Aí, em 2002, depois da
fundação da AMORU. Daí foi feito vários acordos de pesca sebosos95
, eu tenho
que reconhecer. Não foi eu que tratei dos acordos de pesca (...). Sebosos é
porque é mal feito (...) (liderança Rio Unini, em 23/04/2011)”.
“Reserva extrativista? Eu acompanhei que ela começou em 2001 né! Em 2002
começaram a se mobilizar para começar a criação de uma reserva no Rio
Jauaperi, entre Roraima e Amazonas. Na época, o IBAMA me pagou como
CNPT; como pescador que como eu conhecia a reserva e área extrativista. Então,
lá no Jutaí, lá dentro tem uma área de reserva, aí eu fui em três comunidades, fui
em sete lagos lá dentro da RESEX para ver como tinha aumentado muito o
peixe” (Pescador comercial morador do rio Jauaperi, em 15/11/2010).
O que se pode perceber, especialmente no primeiro relato, é que o acordo de pesca
surge em meio a uma conjuntura na qual os moradores do Rio Unini viram a necessidade
de se organizar, devido à consolidação dos limites do PARNA do Jaú que “ameaçava” o
fechamento do rio, e concomitantemente, a existência de “invasões” de barcos de pesca.
Em outras palavras, se os moradores se sentiam ameaçados pelo IBAMA por um lado, por
outro, solicitavam a presença do mesmo órgão para coibir ou excluir pescadores usuários
do rio, especialmente aqueles barcos que excedem a seis toneladas gelo.
Todavia, também existe uma crítica referente à organização do acordo de pesca no
Rio Unini, tido como seboso - mal feito, pois, durante esse período, estavam acontecendo
negociações entre lideranças de algumas comunidades junto com empresários da pesca
esportiva, almejando excluir pescadores comerciais, em detrimento do uso exclusivo das
áreas para as atividades de pesca esportiva.
O segundo depoimento ilustra a vivência de um pescador comercial e morador do
Rio Jauaperi, ao visitar uma Resex no Rio Jutaí, e observou que essa categoria de UC
possibilitava o manejo de recursos pesqueiros. Dessa maneira, o que se quer destacar até o
momento é a iminência de muitos processos ocorrendo simultaneamente: a organização
das comunidades em duas entidades formais (a AMORU, no Rio Unini e a ECOEX, no
Rio Jauaperi); a busca de alternativas de gestão territorial por meio da reivindicação das
Reservas Extrativistas; e a formulação de acordos de pesca, objetivando regular ou
controlar o acesso de barcos de pesca. No mesmo período em que começam as negociações
com os gestores públicos, as comunidades empreendem “acordos” próprios diretamente
com empresários da pesca esportiva, que desde 2000 já vinham negociando com
95
É referido a acordos com empresários da pesca esportiva que estiveram em meio às discussões do acordo
de pesca.
150
representantes de comunidades o acesso ao território em detrimento da exclusão dos
pescadores artesanais comerciais.
Caldenhof (2009), Creado (2006) e Mendes (2009) registraram o conflito que
envolve a pesca esportiva, as comunidades ribeirinhas e pescadores comerciais no Rio
Unini. Os empresários da pesca esportiva, das empresas Amazon Voyager Turismo e a
Liga de Eco-Pousadas do Amazonas, negociavam o acesso exclusivo, em partes do rio,
especialmente nas intermediações das comunidades de Vista Alegre e Vila Nunes, em
dinheiro ou compra de equipamentos (barco) (CALDENHOF, 2009). Segundo a autora, na
antiga Comunidade de São Lázaro foi construído um hotel de selva96
. Desta maneira, não
só aconteceram negociações de exclusividade de uso da área para a pesca esportiva, como
também os empresários ofereceram apoio financeiro para o deslocamento de pessoas das
Comunidades de Vila Nunes e Vista Alegre, para participarem das reuniões de elaboração
do acordo de pesca do Rio Unini e chegaram a articular uma proposta de proibição da
pesca do Tucunaré por meio de um abaixo assinado entregue à comissão organizadora do
acordo de pesca.
Os processos de organização dos acordos de pesca incluem assembleias dos setores
sociais interessados, tais como das comunidades e de pescadores que elaboraram as
propostas por setor, vindo em seguida a se reunir em assembleias intercomunitárias,
resultando no documento final a ser encaminhado ao IBAMA e ao IPAAM para análise e
publicação da instrução normativa.
Segundo depoimento de Francisco (ex-pescador comercial), pescador no Rio Unini,
no final dos anos 80 (1988/1989) já era conhecido que os moradores do rio só permitiam a
presença de barcos com até 4 toneladas gelo. Caldenhof (2009) registrou que a AMORU,
em 2003, já tinha a proposta de limitar o tamanho dos barcos para até 3 Toneladas-gelo.
Ou seja, o acordo de pesca aprovado e publicado em 2004 (Instrução Normativa Conjunta
nº 02, de 27 de setembro de 2004) surgiu de uma construção histórica e jogos de poder que
envolvem as práticas políticas dos moradores, comunidades e sua entidade.
Esse primeiro acordo zoneou o Rio Unini em três áreas: I – na área de influência e
uso das comunidades era permitida apenas a pesca de subsistência alimentar; no setor II –
era permitida a pesca comercial desde que realizada com barcos de até 3 toneladas, sendo
96
A construção do Hotel tem relação com a saída dos últimos moradores para a Comunidade Vila Nunes,
devido as mortes não explicadas de quatro pessoas que foram aconselhadas a se mudarem da comunidade
São Lázaro.
151
três barcos por mês e contratação de 50% dos pescadores das comunidades; e o setor III –
relativo a pesca esportiva. O resultado foi um conjunto de regras para os pescadores
comerciais que incluíam o registro e cadastro nas comunidades e nas organizações de
pescadores, da organização da entrada dos barcos até o rodízio de uma lista de
interessados, pois eram permitidos apenas três barcos por mês durante três meses
(setembro a dezembro) (ver Figura 23).
Figura 23 – Acordos de Pesca no Baixo Rio Negro – detalhes do acordo no Rio Unini e Jauaperi , localização
do Acordo de Pesca do Juvêncio ao Puduari e Decreto Rio Negro. Fonte: banco de dados do IPÊ, shape files
ANA, IBGE, IPAAM; IN 02 de 24/04/2004.
A APNA junto a Maquira – RONA foi uma das principais articuladoras e
proponentes do processo. Em 2006, foi criada a Reserva Extrativista do Rio Unini e o
acordo de pesca estaria válido até a realização e aprovação do plano de manejo da UC
ainda em fase de elaboração. Em comunicação pessoal com a gestora Ana Flávia T.
Zingra, durante o prazo de vigência do acordo de pesca, somente um barco de pesca de
Novo Airão realizou uma incursão. Esse pescador é o senhor Darcimar Borges Sales, que
152
diz ter ido apenas uma vez, pois a distância era longa e os custos de viagem não
compensavam. Segundo depoimento de Mariana Leitão, citada na dissertação de Sátya B.
L. Caldenhof (2009, p. 102):
“E todo o acordo de pesca, eu sei que teve umas cinco reuniões, algumas foram
muito conflituosas, sabe, com o pessoal da pesca esportiva, com a colônia de
pesca... eram meio conflituosos, mas assim, a última foi bem tranqüila, a gente
ficou até assustado assim que o pessoal da pesca aceitou as condições, sabe... foi
bem severo o acordo de pesca, do jeito que eles tavam prevendo que eles só
podiam pescar durante dois meses, na época seca, que não passa na cachoeira, e
quatro barcos, assim... então até que eles pararam de ir pro Unini, né, assim.
Tinha uma cláusula que quem quisesse ir tinha que pedir autorização, eles saíram
[...] (Mariana Macedo Leitão. Manaus, 28/05/08. Entrevista concedida à
pesquisadora)”.
O segundo acordo de pesca aprovado foi o do Rio Jauaperi (Instrução Normativa
Nº 99, de 26 de abril de 2006). Tal acordo proibiu as pescas comercial (gelo), esportiva e
ornamental, possibilitando apenas a realização da pesca de subsistência dos moradores.
Isto se deve ao fato de os moradores do rio almejarem o “defeso” permanente por dez anos,
para recuperar os estoques pesqueiros em detrimento da sobre-explotação. Ficou
estabelecido que a área seria manejada a partir de abril de 2009, por critérios estabelecidos
junto com os usuários, ficando o IBAMA responsável pela realização do monitoramento
para avaliação dos estoques pesqueiros.
Existe a informação de que os moradores do Rio Jauaperi estariam dispostas a
negociar a possibilidade de acesso para a pesca comercial, porém devido a defesa do livre
acesso de membros da Colônia de Pescadores junto com políticos locais, teriam inibido os
moradores neste sentido. Portanto, a situação criou uma esfera de disputa cujo resultado foi
à decisão dos moradores de excluir a pesca comercial do acordo.
O término do período de vigência do acordo de pesca gerou uma preocupação local
entre moradores favoráveis e contrários à pesca comercial. O fato é que não havia sido
realizado estudo técnico nem o monitoramento, nem as medidas participativas acordadas
no acordo. No dia 16 de abril de 2009, dez dias antes de findar o prazo de vigência do
acordo, representantes das comunidades do Rio Jauaperi e de organizações não
governamentais (Instituto Socioambiental e Fundação Vitória Amazônica, Grupo de
Trabalho Amazônico, Conselho Nacional das Populações Agroextrativistas e WWF-Brasil)
estiveram reunidos na comunidade de Itaquera, quando foi decidido encaminhar um ofício
153
solicitando ao IBAMA a renovação do acordo de pesca baseadas em dez justificativas,
entre as quais a não realização das pesquisas e falhas no monitoramento97
.
Em visitas às comunidades no início de agosto (13 a 20 de agosto de 2009),
somente na comunidade do Xixuaú havia consenso da necessidade da proibição da pesca
continuar no Rio Jauaperi, o que também se deve a um trabalho desenvolvido pela
Associação Amazônia, com projetos relacionados à atividade turística, envolvendo os
moradores. Nas demais comunidades, havia tensão e ameaças entre partidários da pesca
comercial, esportiva ou da “proibição”, uma vez que, segundo regras do acordo, não é
possível privilegiar um grupo em detrimento do outro. Na Comunidade do Gaspar e
Itaquera existe um trabalho desenvolvido com artesanato junto a venda, o qual artesãos
encontram-se organizados através da AARJ (Associação dos Artesãos do Rio Jauapari) e
tem defendido a não realização da pesca comercial.
Outra tensão é o fato de que existe a espera da criação da reserva extrativista na
área. No entanto, o Governo do Estado de Roraima, que se opunha fortemente à proposta
de RESEX, criou uma APA na região da reserva e iniciou a regularização fundiária por
loteamentos individuais98
. Ao mesmo tempo, havia também o interesse dos empresários da
pesca esportiva, que articularam junto com moradores do rio um pedido ao IBAMA para
que fosse realizado um treinamento para “guias piloteiros”. O IBAMA realizou o curso,
assim como contratou uma pessoa ligada à pesca esportiva, o senhor Ian de Sulocki, que
realizou uma avaliação rápida dos estoques de Tucunaré (140 horas de pescaria)99
.
“Aí voltando lá no Jauaperi, o caso do Jauaperi, como você já teve lá dentro, em
2006, 2006 se trabalhou um acordo de pesca, que hoje as pessoas tem o
conhecimento o que é uma acordo de pesca, a gente como pescador, pensava nós
que o acordo de pesca no Jauaperi não foi o pescador que concordou com o
acordo de pesca, foi o pedido de algumas comunidades, associações, ONG’s que
queriam que aquilo ali fosse uma coisa boa para nós. Tivemos hoje um estoque
maior de peixe, mas chegou as conseqüências da lei que proíbe, porque não teve
estudo e tal. Então, eu como pescador comercial eu me senti prejudicado, como
62 pescadores que tem na área” (Depoimento concedido do representante dos
pescadores comerciais do rio Jauaperi em 15/11/2010).
Segundo o representante dos pescadores comerciais do Rio Jauaperi, na ocasião do
acordo, a diretoria da Colônia Z – 34 tinha sido desfavorável, mas se retirou da reunião
sem registro na ata sobre a não concordância, o que para o acordo quer dizer que a entidade
97
Ata da Assembleia do Acordo de Pesca. 98
Observação de campo ao ouvir os relatos de moradores. 99
Dados de observação de campo. Ver também:
http://www.turmadobigua.com.br/forum/viewtopic.php?f=2&t=6963 (acessado em 06/08/2011).
154
consente, e assim, o documento final da minuta do acordo de pesca é aprovado no
consenso. Por outro lado, os representantes da APNA e das comunidades almejavam o
acordo. O acordo proibitivo fez com que o representante dos pescadores do Rio Jauaperi
articulasse alternativas aos pescadores, propondo as capacitações como piloteiro, já como
possibilidade para o trabalho junto ao ramo da pesca esportiva.
Apesar de o acordo ter findado em abril de 2009, as comunidades solicitaram ao
CEDAM (Centro de Estudo de Direito Ambiental do Amazonas) a realização de uma Ação
Civil Pública (ACP), que foi acatada pela Justiça Federal (ACP 113/09 livro 06), proibindo
a pesca comercial, esportiva e ornamental no Rio Jauaperi. Porém, esse rio segue em
direção a outros municípios (Caracaraí e Rorainópolis) de Roraima, criando um conflito
em outras áreas de pesca fora da área de influências das comunidades.
No dia 09 de setembro de 2009, foi realizada uma reunião na Superintendência do
MPA, em Manaus, sobre o acordo de pesca do Rio Jauaperi, a pedido dos representantes da
ECOEX e AARJ e pela situação de conflito criada pela ACP. Os moradores do Rio
Jauaperi entregaram uma carta consensual de todas as comunidades, solicitando que se
proibisse a pesca comercial, mas que almejavam a pesca esportiva nas áreas das
comunidades.
Foto: 24 – Reunião sobre o Acordo de Pesca do Rio Jauaperi em 09/09/2009. Da esquerda para a direita:
apresentação do representante do IBAMA sobre o monitoramento da pesca esportiva do Tucunaré.
Fonte: o autor.
O conflito do acordo de pesca no Rio Jauaperi tomou uma proporção jurídica. O
mesmo aconteceu no Rio Unini; porém, com uma ACP realizada devido ao privilégio dado
155
às empresas de pesca esportiva pelas organizações comunitárias do Rio Unini100
. Assim,
são nítidas as negociações entre empresários e comunidades, nos dois Rios (Jauaperi e
Unini), em detrimento da pesca comercial. A diferença entre ambos os acordo, é que os
interesses do setor da pesca esportiva estavam presentes durante a elaboração do Acordo
de Pesca no Rio Unini, enquanto que no Rio Jauaperi, a chegada dos empresários e pós a
vigência do acordo, buscando negociar o acesso exclusivo, em eventos posteriores,
especialmente para renová-lo sem haver a pesca comercial.
Por outro lado, pescadores artesanais registrados profissionalmente de ambos os
rios preocupam-se com relação ao recebimento do “Seguro Defeso”, uma vez que, se não
existe a atividade comercial da pesca, é possível que o benefício dos 62 pescadores do Rio
Jauaperi e dos pescadores do Rio Unini seja cancelado. No Rio Jauaperi, houve uma
negociação interna para que os pescadores comerciais de lá fossem privilegiados com os
possíveis benefícios advindos da pesca esportiva, na modalidade pesque e solte.
Um argumento que foi muito utilizado é que a pesca comercial traz à diminuição
dos estoques pesqueiros. Para os pescadores comerciais, esta afirmação é parcial, e julgam
que não se trata apenas da pesca comercial em si, mas do aumento demográfico nas
comunidades, ou ainda o aumento do número de pescadores.
“Mas com isto hoje, porque sofre as conseqüências da pesca é porque aumentou
muito o número de pescadores e a frota de barco, seja Amazonas, seja Roraima,
uma frota muito grande, por isso a gente, ficou sem poder pescar (...). Porque no
tempo do Jauaperi onde eu morava existia um habitante ali outro ali, hoje são
oito comunidades. Analise bem. A comunidade que eu morro tem 35 famílias,
vamos dizer que tenha 200 pessoas entre crianças e adultos. Quanto que ele come
durante o mês? De peixe? Peixe é que é mais comido. Agora juntando as oito
comunidades tirando o peixe só do rio para a subsistência. É como um município
desse aqui (Novo Airão) cada ano que passa, qual a tendência? É aumentar!
Vamos dizer que Novo Airão consome dez toneladas de peixe por dia. Por que
está raro de peixe na sua comunidade? Porque a população está aumentando. O
peixe diminui e a renda também” (Pescador comercial do rio Jauaperi, em
15/11/2010)
Esse argumento também é compartilhado por outros pescadores comerciais. Apesar
de concordarem com limitações ou proibições, por outro lado se sentem ameaçados. Este
dilema é compartilhado também no Rio Unini. Porém, tanto o acordo de pesca quanto o
100
http://www.carnelegal.mpf.gov.br/noticias/noticias_new/noticias/noticias-do-site/copy_of_meio-
ambiente-e-patrimonio-cultural/justica-suspende-pesca-esportiva-no-rio-unini-a-pedido-do-mpf-am (acesso:
06/08/2011).
156
pedido de Resex são evidências de que existe uma ação coletiva que tende ao regime de
propriedade privada e coletiva das comunidades de ambos os rios.
O terceiro “acordo de pesca” encaminhado ao IBAMA em 2006,101
relativo aos
igarapés e rios no entorno da ESEC de Anavilhanas, não foi formalizado. Na reunião do
conselho consultivo da ESEC de Anavilhanas, no dia 14 de março de 2008, Alberto Horta,
representante da APNA, provocou uma série de pautas102
relativas à pesca, entre as quais,
o acordo de pesca. Como resultado das discussões, foi criado um Grupo de Trabalho da
Pesca, que trabalhou durante o ano para sistematizar as informações relativas às pautas e
apresentar propostas ao conselho.
Com relação ao Acordo de Pesca, foi realizada uma reunião com o coordenador do
Núcleo de Recursos Pesqueiros do IBAMA (03/07/2008), Júlio Siqueira, que informou os
motivos da não aprovação: a falta de uma proposta de minuta e o excesso de regras
diferentes para cada igarapé do acordo. A gestora da ESEC de Anavilhanas na ocasião,
Giovanna Palazzi, informou que um dos locais do acordo, a Foz do Igarapé Baipendi, era
objeto de dúvida no que diz respeito a sua localização exata, o que poderia estar inserido
dentro dos limites da ESEC103
.
Essa dúvida gerou constrangimento nos representantes da pesca do GT, pois
representava a única região destinada à pesca comercial do Acordo de Pesca, e talvez uma
das únicas regiões que ainda estavam disponíveis para se pescar no Baixo Rio Negro,
porque a Foz do Baipendi é em forma de delta e compreende diferentes lagos, paranás,
ilhas e florestas de igapó. O GT entregou um relatório ao conselho, que propôs a
continuidade do processo de discussão, mas foi proposto que o GT passasse a trabalhar no
nível do Mosaico, que estava em processo de formalização.
Sem novos encaminhamentos, o acordo de pesca ficou “adormecido”, até que no
dia 21 de agosto de 2010, representantes do núcleo da pesca do Centro Estadual de
Unidades de Conservação realizaram uma reunião com representantes das entidades de
pesca, perguntando sobre o interesse de retomar as discussões do presente Acordo de
Pesca. Por unanimidade, havia desejo de realizar esse acordo e foi dada sequência a uma
101
Processo 02005.000566/06 – 40 de 06 de março de 2006. 102
As pautas foram: o questionamento da proibição da pesca da Ilha do Jacaré pelos Waimiri Atroari, a falta
de um terminal pesqueiro em Novo Airão, a necessidade de formalização um acordo de pesca dentro dos
limites da ESEC e o questionamento da não aprovação do acordo de pesca. 103
A dúvida foi esclarecida na reunião do conselho consultivo do PARNA de Anavilhanas no dia
01/12/2010, que se esclareceu o entendimento dos limites do PARNA, o que exclui os ambientes de pesca e,
consequentemente, os disponibilizando para os pescadores e corresponde especificamente o lago do Matias.
157
agenda de atividades, segundo a qual foi realizada outra reunião no dia 29 de outubro, que
decidiu restringir a área do acordo de pesca do entorno de Anavilhanas para apenas os
igarapés da margem direita (do Juvêncio), ao Norte da sede de Novo Airão até o Rio
Puduari, e foi formada uma comissão organizadora local, coordenada pelo presidente da
Maquira-RONA, representantes das entidades da pesca e comunidades, além do IPÊ. Ver
Figuras 25 e 26, comparando as áreas dos dois acordos:
Figura 25: Mapa da primeira proposta do acordo de pesca em 2006. Fonte: FVA.
158
Figura 26 – Mapa do acordo de pesca do igarapé do Juvência ao Puduari. Fonte: Maquira – RONA (2011).
Neste processo foram realizadas duas assembleias setoriais; uma que envolvia
conjuntamente as entidades dos pescadores de Novo Airão e outra na Comunidade Bom
Jesus do Puduari, com o objetivo de rediscutir e reformular o documento do acordo para
atualizá-lo e reformular pontos. Porém, para a surpresa da coordenação da organização do
acordo, os pescadores, em assembleia, decidiram o posicionamento contrário à realização
do acordo e da mesma forma a comunidade.
Os representantes da diretoria dos pescadores alegaram que basearam a sua decisão
na experiência dos dois acordos de pesca anteriores: Rios Unini e Jauaperi. Portanto, não
seria interesse dos pescadores promoverem o acordo de pesca. O acordo de pesca era visto
como sinônimo de unidade de conservação, pois não regulava a pesca, não se tratava de
manejo ou de regras de uso ou de acesso, mas de proibições. Representantes da Colônia
AM – 34, APNA e SINDPesca se articularam com os representantes dos pescadores da
comunidade Bom Jesus do Puduari e disseram que o acordo implicaria na perda dos
benefícios sociais do “Seguro Defeso”.
159
O “medo” se postergou até o dia anterior da VI Assembleia Intercomunitária,
realizada no dia 06 de dezembro de 2010. Em reunião entre as lideranças da Colônia – AM
34 e APNA, da Maquira-RONA e do IPÊ, os pescadores alegaram que a área não era
apropriada para se realizar um acordo e propuseram outras regiões, como nas localidades
de Santo Elias do Jaú e Airão Velho, áreas utilizadas por pescadores de Manaus (na pesca
da Matrinchã) ou no Baipendi. Porém, quando se interrogaram quais eram as áreas
pertencentes aos pescadores, emanou um silêncio.
Esse questionamento provocou o início de uma nova estratégia. Os representantes,
senhores Evandro Cordeiro, Eugênio (Colônia AM 34) e Nazareno Barroso (APNA)
relataram que estariam dispostos a apoiar o “acordo de pesca” desde que, ao invés de
restrições, possibilitasse o acesso aos pescadores e que fossem realizados outros acordos
nas outras regiões. Ou seja, ao invés de ver o acordo como sinônimo de uma unidade de
conservação, agora era visto como uma área de regime de gestão dos pescadores.
Finalmente, realizou-se a VI Assembleia Intercomunitária na Câmara de
Vereadores de Novo Airão, onde participaram mais de cem pescadores da cidade e das
comunidades, além de representantes do CEUC, do IBAMA, do MPA, Batalhão da Polícia
Militar Ambiental, além de advogado e engenheiro de pesca contratados pelo SindPesca e
a auditoria do Governo do Estado e assessoria de Deputados, mobilizados pelos
pescadores. A abertura foi realizada pelo Vereador Adilson Moura:
“com o acordo de pesca definido para que o povo deste município tenha o direito
de pescar e tenha o direito de sobreviver. Todos nós sabemos as dificuldades do
nosso município. Todos nós sabemos que nós somos proibidos de caçar, de
pesca, de plantar, todos nós sabemos as dificuldades que nós vivemos, e hoje nós
temos a oportunidade, se Deus quiser, nós tenhamos um acordo para começar a
melhorar a vida do povo deste município. Espero eu que este seja o primeiro
passo de muitos que nós possamos viver dias melhores em nosso município, nós
possamos ter o direito de sobreviver”
O representante do MPA senhor Alberto fez outra declaração:
“que fique bem claro para vocês que não tem nenhum tipo restrição de receber o
defeso e não vai perder nenhum benefício do ministério como, por exemplo, o
defeso, o acordo não limita o defeso dos senhores”
Foi dada muita ênfase sobre o acordo não ser sinônimo de proibições, mas de
ordenamento do uso e acesso aos ambientes pesqueiros. Assim, foram discutidas as áreas e
as regras de pesca. Foi estabelecido o limite máximo da embarcação de até 5 toneladas-
160
gelo, fixadas a existência de um rodízio que possibilite até quatro barcos por mês na área,
procedimentos de pesca, de monitoramento, e também de fiscalização. Todas as áreas do
acordo foram abertas para a pesca comercial, exceto um trecho entre as Cachoeiras do
Caniço e do Fogo (Cachoeira do Caniço e Fogo) e uma das nascentes do Rio Puduari (Rio
Preto), tidas como áreas de reprodução do Matrinchã oriundo do Rio Jaú.
Figura 27 – Assembléia Intercomunitária na Câmara Municipal de Novo Airão
No dia 06/12/2010
As regras desse acordo foram gerais, descartando regras muito específicas, como
número de malhadeiras ou zagaias permitidas, a proibição da pesca com malhadeiras de
baixo de árvores frutíferas, entre outras. As escolhas das regras desse novo acordo se
basearam nas experiências dos pescadores e lideranças sobre os outros dois acordos, e que
foram muito enfáticos ao exigir para que não se acople ao acordo a realização de pesquisas
para direcionar o manejo visto como empecilho, mas reconhecida a importância da
pesquisa para subsidiar os debates. Outro ponto discutido diz respeito à sustentabilidade
financeira e operacional do acordo de pesca. O acordo do Rio Jauaperi, por exemplo,
findou e não houve um retorno de monitoramento ou uma avaliação do andamento do
acordo.
Nesse caso, criou-se um fórum permanente dos pescadores, para monitorar e
avaliar o acordo, bem como “legislar” dinamicamente, propondo regras específicas não
amarradas à instrução normativa que, segundo os pescadores, congelam regras, às vezes
161
posteriormente, vistas como inapropriadas, o que não permitiria mudanças, caso previstas
na instrução normativa.
O fórum da pesca também decidiria sobre o pagamento ou contratação de
comunitários nas pescarias em suas áreas, o que estaria proibido na instrução normativa.
Além do que, regulamentaria o acesso e os rodízios dos barcos de pesca, bem como
acompanharia a manutenção dos estoques pesqueiros baseados na sua experiência e na
discussão de um plano de monitoramento. O pagamento pela pesca estaria voltado à
sustentabilidade do acordo para subsidiar as reuniões do fórum. Embora finalizada a fase
de negociações, o acordo de pesca do Igarapé do Juvêncio ao Rio Puduari ainda aguarda a
publicação da instrução normativa agora assumida pela SDS. Porém, se não houver uma
política específica de gestão da pesca, a exemplo dos encaminhamentos propostos, pode
trazer somar o descrédito por parte dos pescadores para o modelo de acordos de pesca.
Comparando-se os três acordos de pesca de uma forma geral, é possível dizer que
tais negociações continuam sendo um instrumento participativo de interesse dos
envolvidos, especialmente quando são formulados com base em concepções e percepções
locais. No entanto, como instrumentos de gestão, os acordos de pesca apresentam
limitações. Castro e MacGrath (2001) e Pereira (2004) analisaram alguns limites: o
primeiro é a condição de “livre acesso” como premissa inicial, e o segundo é a ausência de
possibilidades de realizarem-se decisões referentes à negociações financeiras, taxação,
fiscalização, entre outras, somente realizadas pelo Estado. Outro aspecto é a
sustentabilidade financeira e operacional, pois os acordos, a partir do momento que
formalizados por instruções normativas, congelam a dinâmica local e dificultam
adaptações seguintes. O exemplo é que, dos 41 acordos de pesca104
existentes no Estado do
Amazonas desde 1995, em seis deles existe pedido de revogação e 32 necessitam ser
revisados, o que evidencia a necessidade de uma política de ordenamento pesqueiro mais
efetiva, que não foque no comando e controle no que diz respeito à obediência das regras
ou no cumprimento do período de defeso, mas na possibilidade de se adaptar a partir de
processos mais dinâmicos e flexíveis de tomadas de decisões.
Os três acordos priorizaram interesse das comunidades locais. Nos acordos dos
Rios Unini e Jauaperi, a opção foi de exclusão dos usuários por estratégias de
encarecimento das despesas da pesca, no primeiro caso, pois a área da pesca comercial
104
Informação cedida por João Bosco da Silva (Núcleo de Recursos Pesqueiros do CEUC/SDS).
162
(zona II) ficou distante e inviável, e, no segundo caso, a opção foi o defeso permanente
(proibição) da pesca. No terceiro acordo, as áreas de uso das comunidades – mesmo que o
acesso fosse permitido a usuários externos – implicariam em cadastro nas comunidades,
que deverão ser contatadas, pescadores locais empregados, além da realização do
monitoramento e denúncia de ilegalidades, que deverão ser apreciadas pelas entidades de
pesca.
No Médio Rio Negro, em alguns dos locais utilizados por alguns pescadores do
Baixo Rio Negro, como nos Rios Padauari, Aracá e Demeni, existem pedidos de realização
de acordo de pesca, conforme documento PR-AM-005108/2010 do Ministério Público
Federal, que provoca a FUNAI para encaminhar esses processos.
Partindo da ideia argumentada de que pescarias artesanais comerciais e embarcados
utilizam mais de uma área de pesca, ou seja, um acordo de pesca restritivo em uma região,
influencia no planejamento de uso e acesso dos pescadores. Neste sentido, o senhor João
Evangelista, liderança do Rio Unini, chegou a propor em reunião da Maquira-RONA (31
de abril de 2008) a realização de um rodízio de pesca entre os três acordos, já que não
bastava a liberação de uma das áreas em relação às outras, o que resultaria em sobre-
explotação. Na ocasião, Alberto Horta afirmou que o acordo de pesca do Baixo Rio Negro
teria área insuficiente para a pesca artesanal. Essa proposta não foi encaminhada, mas isto
sugere que, quando se trata de acordos de pesca decididos isoladamente, pode influenciar
no ordenamento da pesca a nível regional.
A possibilidade de ordenamento pesqueiro integrando os diferentes acordos ou
instrumentos talvez se distancie ainda mais, caso as entidades de pesca foquem na
administração dos procedimentos do “seguro defeso” e as instituições gestoras das UC’s
priorizem apenas a administração jurídica de seus territórios. Talvez, seja cabível buscar,
de forma participativa, um arranjo institucional específico que possa efetivamente cogerir
os acordos de pesca. Illenseer, Sarcinelli e Cardoso (2009) refletiram sobre a possibilidade
do conselho do Mosaico ser o incentivador ou proponente na formulação de um arranjo
institucional neste sentido.
Essa consideração ainda se apoia nas evidências referentes ao período do defeso,
que, como já citado, corresponde à reprodução de algumas espécies de peixes durante
quatro meses por ano, no caso, entre 15 de novembro e 15 de março, só para citar o
período dos três últimos defesos. Quatro pontos são relevantes neste sentido: somente o
Matrinchã como espécie comercial da pesca está presente no Rio Negro e, conforme
163
citado, é explorado na maior parte por pescadores de Manaus; a pesca no Baixo Rio Negro
é anual; a ênfase da preservação de espécies nos acordos é por zoneamento ou defeso
específico; a fiscalização possui custos altos, são sazonais e de consequente baixa
eficiência.
No primeiro ponto, a Matrinchã é pescada, na maioria dos casos, pelos pescadores
do Baixo Rio Negro por malhadeira, zagaia, espinhel e raro a rede de cerco e ausência de
arrastão105
. A pesca é anual e envolve outras espécies além do Matrinchã. O sentido maior
do defeso do Matrinchã seria para a pesca de “lanço”, realizada por barcos originários,
principalmente, de Manaus, que pescam justamente nesse período em que as espécies
formam cardumes migratórios para se reproduzir. Regionalmente, segundo informações
dos pescadores (entrevistas e depoimentos nas reuniões dos acordos de pesca) o Matrinchã
sai do Rio Jaú para se reproduzir nas cachoeiras do Rio Puduari. Os barcos de pesca de
Manaus ficam na espera na região entre a comunidade de Santo Elias e Airão Velho, ponto
desprovido de unidade de conservação e de acordo de pesca. Isso faz com que, mesmo que
exista um ordenamento jurídico do período do defeso, ou dentro dos limites do PARNA do
Jaú, no momento da migração dos cardumes esse recurso torna-se de livre acesso.
Os pescadores artesanais do Rio Negro não suspendem suas atividades durante o
período do defeso, e isso não significa que estão na ilegalidade, pois durante esse período
capturam as demais espécies que não estão incluídas na lista de proibidas, o que poderia
ser caracterizado como ausência de desemprego na pesca em decorrência do defeso parcial,
o que não justificaria o pagamento do benefício. Ou ainda, conforme questionamento
apontado por Maia (2009) referente à eficácia dessa política com relação a preservação das
espécies de peixes:
“Mesmo que o objetivo final do beneficio é a garantia da reprodução das
espécies, não há um controle, segundo as informações do IBAMA e do MTE, da
eficácia da política, pois não há dados que comprovem que o período do defeso,
a paralisação da pesca e o benefício, tenham propiciado o controle efetivo na
reprodução das espécies. Diante disso, verificou-se também a inexistência de um
controle da captura das espécies, que comprove a preservação das espécies,
finalidade está do defeso e do seguro” (MAIA, 2009 p. 89).
Portanto, existe uma disparidade entre o período de defeso e a fiscalização. O
efeito pode estar sendo o contrário, de aumento da pressão sobre os recursos pesqueiros
(MAIA, 2009) devido à exigência que se comprove ser pescador por meio da atividade
105
Proibida por Lei.
164
(notas fiscais de venda de pescado ou recibos de compra de material de pesca) ao mesmo
tempo em que se torna um benefício para a atividade. No Rio Negro, o Tucunaré não
possui períodos homogêneos de reprodução e, segundo os pescadores, se reproduzem
anualmente. Nos acordos de pesca do Rio Unini e também do Igarapé do Juvêncio ao
Puduari, o defeso foi ampliado entre agosto e dezembro no primeiro caso, e entre 01 de
abril a 30 de outubro, no segundo.
No acordo de pesca do Rio Puduari, a preservação da espécie, no caso da
Matrinchã, é por zoneamento das áreas reprodutivas e não com foco no defeso, o que se
trata de uma estratégia adaptativa de conservação, uma vez que, segundo informações dos
pescadores locais, existe pouca prática de realizar a pesca de “lanço”. Um argumento
utilizado é o de que o peixe possui as suas próprias estratégias de defesa. Quando é
colocada malhadeira debaixo de árvores frutíferas, regra imposta na primeira versão do
acordo com o intuito de proteger os peixes. Mas, na segunda versão e atual, esta regra foi
descartada, pois o peixe, ao ser apanhado pela primeira vez debaixo das árvores frutíferas,
faz com que os cardumes dispersos no igapó sigam para outras áreas, o que faz a captura
ser baixa e é interpretada como a capacidade dos peixes de se defenderem. No caso do
Jaraqui, essas espécies também utilizam áreas de carauaçuzau, palmeiras espinhosas que
ficam submersas na cheia, impossíveis de serem apanhadas, mesmo manualmente.106
Segundo Folke, Berkes e Colding (1998), os pescadores primam pela preservação
das espécies de peixe e baseiam-se nos conhecimentos tradicionais, especialmente na
proteção de habitats, no manejo em rodízio, restrições temporais, referentes a múltiplas
espécies manejadas e em diferentes escalas. Assim, da mesma forma como no Baixo Rio
Negro, falta ainda o arranjo institucional que integre pescadores e gestores de unidades de
conservação e da pesca, o que poderia indicar um desafio de gestão ao conselho do
Mosaico. Isso possibilitaria a tomada de decisão, como por exemplo, as espécies e o
período de realização de um defeso regional do defeso, caso fosse essa opção, ou na
dinâmica de integração entre os acordos locais de pesca. Este argumento também é
reforçado pelo fato de que o “Decreto Rio Negro” não abrange a Jusante do Rio Branco, ou
o Mosaico, e por outro lado, direciona a proibição para as espécies de Tucunaré, que por
sinal é a mais manejada do Rio Negro. Esses temas ainda serão discutidos até o final deste
capítulo.
106
Informação de Pedro G. Torres.
165
6.3.2 “Os acordos informais” de pesca no Mosaico
Entendem-se como acordos informais de manejo aqueles não formalizados
juridicamente e que podem sobrepor-se a acordos formais ou em unidades de conservação
e são caracterizados por dinâmicas muito específicas, o que incluem a clandestinidade da
atividade da pesca pelos usuários ou condições de acessos negociados com os gestores
públicos de unidades de conservação. De forma mais concisa descrevem-se seis situações,
onde existem “acordos informais” ou situações que envolvem manejo e conflitos: 1) Os
ambientes aquáticos de Anavilhanas; 2) o Rio Jaú; 3) o Rio Unini; 4) o Rio Jauaperi; 5) o
Rio Jauaperi; e, 6) o Rio Cuieiras.
Partindo para a primeira área: os ambientes aquáticos de Anavilhanas
correspondem aos paranãs, lagos, furos, praias ou igapós (na cheia) do Arquipélago do
PARNA de Anavilhanas e das regiões costeiras, nas margens de cada lado do Rio Negro.
A área do entorno da Unidade envolve 53 comunidades e a sede urbana do Município de
Novo Airão. Conforme descrito, moradores de comunidades realizam a pesca de
subsistência alimentar em áreas localizadas no interior da UC, e alguns moradores ainda
realizam a venda ou troca de excedente da pesca de subsistência, seja para compradores de
peixe ou os próprios rabeteiros.
Conforme também citado no capítulo anterior, no momento em que os limites
territoriais das unidades de conservação federais passaram a ser consolidados, ocasionaram
uma presença institucional e coibição das atividades de pesca. Esse movimento gerou um
contra-movimento da sociedade civil, tanto na I Oficina sobre o Uso Adequado dos
Recursos Naturais (em 2003), quanto no âmbito dos eventos do órgão gestor para formar
os conselhos consultivos gestores. Por um lado, pescadores artesanais nessa situação
mantinham um status de clandestinos, e, por outro se organizaram para pressionar junto às
instituições gestoras um espaço de diálogo e negociação.
Os gestores, na época, sistematizaram as demandas dos pescadores artesanais. As
demandas diziam respeito ao uso e acesso aos territórios de pesca inseridos dentro dos
limites da ESEC para a subsistência. Foram esclarecidos os procedimentos de fiscalização
e definido um consenso ao que se refere à pesca de subsistência: definida como a pesca de
canoas com rabeta (ou não) compondo uma malhadeira (70 mm) de até 50 metros, duas
166
caixas de isopor de até 170 litros e apetrechos como zagaia, linha e caniço107
. Ou seja, essa
formulação de subsistência local também entende a necessidade da venda do excedente.
Essa formulação de subsistência da pesca também é prevista no Decreto do Estado
do Amazonas N° 22.747, de 26 de junho de 2002, citada aqui apenas a título de
comparação, pois a mesma Lei não é válida nas UC’s Federais:
“Art. 12 - Para os efeitos deste Regulamento, pesca de subsistência é a realizada
por pessoa ou grupos sociais distintos, incluindo os indígenas, nas proximidades
do local de residência, destinando-se o produto da pesca ao consumo próprio e à
alimentação de outros ribeirinhos e à venda do excedente ao regatão ou ao
mercado mais próximo”.
Os espaços de debate entre pescadores e gestores públicos das UC’s possibilitaram
estreitar relações de cooperação. Segundo comunicações pessoais com analistas ambientais
e relatos públicos destes, seja em reuniões dos conselhos gestores ou na ocasião do
seminário da pesca em Novo Airão (23/04/2009), afirmaram que não autuam ribeirinhos
pescando, desde que não comportem apetrechos proibidos ou realizem transporte de
quelônios e animais silvestres.
Segundo comunicação informal com o analista ambiental Bruno Marchena, ex-
integrante da equipe de gestão do Parna de Anavilhanas, essa decisão teve que ser tomada
pelo fato de a legislação ambiental não condizer totalmente com a realidade do Parque,
chegando até a atrapalhar a boa gestão da unidade de conservação e o alcance dos
objetivos principais de proteção da diversidade biológica local.
Bruno Marchena cita ainda que o inciso I do artigo 37 da Lei de Crimes Ambientais
(Lei No 9.605, de 12 de fevereiro de 1998) regulamenta que “não é crime o abate de
animal, quando realizado: I - em estado de necessidade, para saciar a fome do agente ou de
sua família”, apesar de o mesmo assumir que não é papel do agente de fiscalização julgar
se houve ou não o crime, mas sim apurar apenas as infrações administrativas. Bruno
Marchena ressalta também que outros regulamentos tornam a questão da subsistência um
atenuante para a infração, como o instrumento mais recente, o Artigo 95, §1o, da Instrução
Normativa N° 06 de 2009 do ICMBio: “São consideradas circunstâncias atenuantes – a
prática da infração por motivo de subsistência do autuado ou de sua família”, sendo a
107
Comunicação pessoal com Bruno Marchena (Analista Ambiental), registros do GT da pesca do conselho
consultivo de Anavilhanas (Relatório do GT da Pesca, 2009) e depoimentos orais. Essas demandas também
foram expostas na I Oficina sobre o Uso Adequado dos Recursos Naturais (APNA et. al, 2003)
167
atividade de subsistência descrita nesta mesma Instrução Normativa como “a atividade
exercida diretamente pelos integrantes da família, admitida ajuda eventual de terceiros, que
seja indispensável ao sustento e ao desenvolvimento sócio-econômico do grupo familiar”.
Segundo a visão do Analista Ambiental do ICMBio, o acordo informal ajudou a
reduzir drasticamente o número de abordagens de pescadores artesanais com malhas de
dimensões proibidas, animais silvestres abatidos, principalmente mamíferos e quelônios,
ou portando outros apetrechos irregulares. Bruno Marchena diz ainda que, com o acordo
informal, possibilitou que se gerasse um cenário de certa cooperação entre a gestão do
Parque e pescadores, resultando num aumento significativo de denúncias feitas pelos
ribeirinhos sobre os pescadores de grandes barcos, de Manaus, que “vinham roubar os
peixes dos comunitários às toneladas”. Na visão de uma liderança da pesca, destaca-se o
depoimento abaixo:
“Queremos trabalhar em parceria. As reuniões que eu participei com Douglas
sempre foram boas demais. O que o Douglas fez? Ele sabia que ele não podia
violar a Lei assim como nós também não podíamos violar a Lei. Mas podíamos
trabalhar em parceria. Então, o que Douglas vez? Nós botávamos as rabetinhas
nas ilhas e íamos pescar; ele botava as lanchas na água e ia fiscalizar, e topava
nossos pescadores e não precisou mais de armas de fogo nem Policial Militar. Só
saía ele e outro piloto, só eles dois. Chegava lá na ilha, o pescador estava
pescando: Senhor Manuel, o que o senhor está pescado? – Olha aqui doutor,
estou pegando uns bodó. – Tudo bem senhor Manuel. – O senhor vai almoçar
aqui mesmo? – Vou! – Faça fogo bem perto da beira, bem perto da água!
Terminou? Apague! – Sim senhor, doutor. Acabou o problema. (...) Os três anos
que o Douglas passou aqui as reuniões, o que nós vamos fazer? Nunca houve
uma briga, uma discussão (Pedro G. Torres, presidente da Colônia Z – 34, em
16/09/2010).
Uma preocupação neste trabalho não é passar a ideia de que existe uma concessão
informal, mesmo que possa ser entendida assim, mas que, a partir da pressão do
movimento social, foi necessário abrir uma instância de diálogo, levando em conta a
realidade da antiga ESEC de Anavilhanas, atual Parque Nacional. O argumento é que, além
do entorno ocupado por dezenas de comunidades e a sede urbana de Novo Airão, essa UC
representa um ambiente aberto, que atravessa o Rio Negro de uma margem a outra, além
de parte do leito anastomasado, representando as ilhas. Isto quer dizer que, no interior das
águas do PARNA, existe um ambiente de circulação de barcos, ou seja, também é uma
hidrovia utilizada tanto na ligação das comunidades ribeirinhas com a sede urbana
municipal, quanto ligando Manaus aos quatro municípios do Rio Negro (Novo Airão,
Barcelos, Santa Isabel do Rio Negro e São Gabriel da Cachoeira).
168
Assim, se um pescador é abordado circulando entre as ilhas com o seu pescado
conservado nas caixas térmicas (isopor ou freezer), em tese, não se poderia provar que a
origem do pescado fosse oriunda do Parque. Ou seja, parte dos ambientes utilizados pelos
pescadores artesanais, especialmente os rabeiteiros, também está em volta da UC, nos
igarapés ou no interstício (Entre os Parques Nacionais de Anavilhanas e Jaú). Assim, a
estratégia do diálogo estabelecido entre pescadores e gestores possibilitou até mesmo um
trabalho mais efetivo de fiscalização e monitoramento, conforme argumentou Bruno
Marchena.
Porém, mesmo com essa estratégia de gestão dialogada, em 2008, Alberto Horta
(APNA) propôs em reunião de Conselho (14 de março de 2008) que essa “combinação”
fosse formalizada. Dessa forma, o GT de Pesca criado na ocasião, estudou e debateu as
possibilidades de formalizar algum instrumento. O pescador argumentou que o fato dos
pescadores estarem na clandestinidade e o diálogo estabelecido ter sido informal criavam
uma esfera de instabilidade e a falta de reconhecimento, pois sempre ficava a cargo do
fiscal a interpretação do significado da subsistência; o que, ao ver pela ótica dos fiscais,
também torna-se difícil, uma vez que é responsabilidade dos mesmos fazer a gestão
conforme orientação das leis e dos objetivos da UC, segundo interpretação do SNUC.
O instrumento “Termo de Compromisso”, previsto no SNUC (Lei No 9.985, de 18
de junho de 2000), no artigo 42 § 2º, apenas especificava acordos que envolvem
populações residentes e que sejam de caráter transitório e, portanto, não foi considerado.
Portanto, essa demanda colocada pelo representante da pesca acabou não se consolidando e
também não foi mais colocada em pauta, pelo menos enquanto o diálogo informal continue
funcionando.
Nas reuniões dos conselhos consultivo do PARNA do Jaú (dia 30/11/2010) e
deliberativo da RESEX (01/12/2010) foi apresentado o sistema de manejo adaptativo da
Reserva Biológica (REBIO) do Lago Piratuba, no Estado do Amapá, ao qual a gestora
Patrícia Pinha, juntamente com o pescador Fábio de Souza Vieira, apresentaram o termo de
compromisso formalizado entre pescadores usuários de um lago dentro dos limites da
REBIO. Esse termo era baseado na pesca tradicional do Pirarucu e foi formulado nos
mesmos moldes do acordo de pesca onde se estabeleceram regras de uso e acesso. Segundo
esse relato, a experiência de formulação do referido termo de compromisso entre
pescadores usuários da área, e que não residiam permanentemente no local, mudou a visão
dos pescadores sobre o órgão gestor ICMBio, que passou a ser parceiro ao invés de
169
punitivo, aproximando pescadores de gestores públicos, tornoando-se um dos exemplos de
gestão adaptativa.
Outro evento ainda em Anavilhanas ocorre nos limites Norte do arquipélago, na
região denominada Ilha do Jacaré, mais especificamente na parte Sul da ilha, que está
inserida dentro dos limites do PARNA. Os Waimiri Atroari ocuparam essa ilha, que é
ambiente de pesca de muitos pescadores e tem realizado fiscalizações, não permitindo o
uso por pescadores. Mais uma vez os pescadores têm pautado essas questões no Conselho
Consultivo de Anavilhanas. O representante do Programa Waimiri Atroari alega que existe
um documento do Serviço de Proteção dos Índios, da década de 40, destinando a ilha aos
indígenas. Sem solução para esse conflito, algumas entidades da sociedade civil
ingressaram com um pedido junto ao Ministério Público Federal questionando a
apropriação da ilha pelos indígenas. Por outro lado, os indígenas argumentam a sua posse
tradicional.
Em Anavilhanas, o diálogo informal garante a sobrevivência de um determinado
número de pescadores de subsistência alimentar e de venda do excedente (rabeteiros), tido
como um dos principais marcos na região. Apesar dessa experiência na região, no caso do
Parque Nacional do Jaú, existem duas situações distintas: a dos Rios Jaú e Carabinani e a
do Rio Unini.
Ambos os rios estão dentro dos limites do Parna e existe uma base flutuante na Foz
do Rio Jaú. O rio Carabinani108
deságua no Rio Jaú, próximo a essa base, que permite o
controle desses dois rios, pois excluem usuários externos, favorecendo os moradores
locais, reforçando os seus regimes de propriedade. Por outro lado, restringe as opções de
trocas comerciais dos moradores residentes dentro desses rios. Apesar da FVA ter,
juntamente com o ICMBio, fomentado debates e discussões sobre a realização dos termos
de compromisso para formalizar acordos entre moradores dos rios e órgãos gestores, não
houve continuidade do processo devido às mudanças nas chefias das administrações que
tinham outros entendimentos desse processo.
É permitido, informalmente, aos moradores de ambos os rios realizar o comércio de
produtos agroextrativistas (Cultivos agrícolas e produtos florestais não madeireiros). Para a
pesca existe rigidez e só é permitida a pesca de subsistência alimentar. Caso algum
morador do Rio Jaú, dentro dos limites do Parque, necessite viajar para fora da UC,
108
O senhor Evandro Cordeiro (Colônia – AM 34) chegou a perguntar se era possível fazer um manejo no
Rio Carabinani; porém, parte do Rio pertence ao PARNA do Jaú.
170
somente foi consentido levar 3 quilos de peixe109
. Essa viagem dura, às vezes, mais de dois
dias por trecho, o que faz dessa quantia insuficiente. Também, isso não quer dizer que não
existam tentativas de comércio de peixes e quelônio, ou até mesmo carne de caça, como às
vezes são apreendidos pelos fiscais na base flutuante. Essa restrição, por outro lado, fez
com que os estoques de pesca aumentassem e garantissem a subsistência das comunidades,
no seu interior.
A situação se torna mais complexa no momento em que a Comunidade do Tambor,
comunidade mais distante dentro do PARNA do Jaú, solicitou, em 2006, o título de
remanescente de quilombo, o que exigirá futuramente um termo de compromisso
específico ou outro instrumento jurídico que possibilite a co-gestão daquele território, pois
a terra remanescente de quilombo possui outro estatuto jurídico.
O sistema de gestão do PARNA do Jaú é esclarecido aos moradores pelos gestores
que, durante 2007 e 2008, têm estabelecido diálogos constantes a ponto de realizar
reuniões dos conselhos gestores nas comunidades para garantir a participação de mais
pessoas, além dos representantes conselheiros. Porém, mesmo assim, existe a tensão de
que, a qualquer momento, os moradores do interior sejam “obrigados” a se mudar por
conta da Lei. Por outro lado, alguns ex-moradores do Rio Jaú, que saíram por pressões do
órgão gestor nos anos 80 e 90, entraram na justiça para solicitar reparação dos danos
morais, o que ainda encontra-se em litígio.
Outra situação que envolve uma complexidade no que diz respeito às diferentes
modalidades de gestão envolvendo o Parque Nacional do Jaú e a RESEX do Rio Unini é
referente ao Espelho D’água do Rio Unini, já que suas águas representam uma
sobreposição entre o PARNA e a RESEX. Até o ano de 2010 foram realizadas tentativas
de negociações envolvendo ambas as gestões, porém, houve uma frustração por falta de
continuidade, e também impediu a celebração dos termos de compromissos para que
possibilitassem aos moradores do Rio Unini ter mais opções de manejo de recursos
naturais, como no caso da pesca manejada do Pirarucu, em processo de formação, ou a
pesca ornamental, que é realizada em pequena escala por alguns moradores, só para dar
dois exemplos. Tudo indica que essa situação será resolvida futuramente.
Na reunião do conselho consultivo do PARNA do Jaú, realizada no dia 30/11/2010,
foi apresentada uma proposta de termo de compromisso. O fato de a proposta conter mais
109
Observação durante reunião do Conselho Consultivo do PARNA do Jaú na comunidade Seringalzinho em
maio de 2008.
171
de uma dezena de cláusulas de regulamentação de uso e acesso aos recursos, incluindo o
pedido de autorizações para realização de roçados, para retirada de madeira para
construção ou reparos de casa, entre outros, gerou desânimo nos representantes das
comunidades, pois baseava-se no excesso de normas e burocracias, para realizar cada
atividade que faz parte do dia-a-dia e dos ciclos ecológicos, como o tempo certo para
realizar abertura, broca, queima e plantio para os roçados de cultivos agrícolas, somente
para dar um exemplo.
O caso da gestão do Rio Unini envolve duas administrações federais, a da RESEX
e a do PARNA e uma Estadual, pois o Rio Unini prossegue para dentro da RDS Amanã,
incluída no processo de formalização do Mosaico, tendo em vista a perspectiva da gestão
integrada. Na prática, os gestores têm dialogado, mas os caminhos jurídicos ainda não se
consolidaram, sendo que uma das propostas é a recategorização da parte do PARNA que
pertence ao divisor de águas do Rio Unini, local onde também existem comunidades e/ou
suas áreas de uso110
.
O Rio Unini apresenta-se como um conjunto de sobreposições que envolvem parte
do PARNA do Jaú, da RESEX, da RDS do Amanã e do Acordo de Pesca, da intervenção
da justiça (contra empresários da pesca esportiva), além das áreas de uso das comunidades
e dos interesses dos pescadores esportivos, conforme comentado. Além disso, a Foz do Rio
Unini está afastada na base de fiscalização, o que facilita a entrada de pescadores
comerciais embarcados, principalmente da Comunidade Vila Nova, que desrespeitam os
limite das UC’s e o acordo de pesca, segundo comunicações pessoais com moradores da
Comunidade Lago das Pedras.
No Rio Jauaperi é proibida por decisão da justiça federal a pesca comercial,
esportiva e ornamental, salvo a pesca de subsistência das comunidades; além disso, existe
um pedido de RESEX que ainda não foi atendido pelo Governo Federal. Em 2009, no auge
da transição do término do prazo de vigência do acordo, houve uma mobilização de
representantes da Comunidade do Xixuaú, que solicitaram o apoio aos indígenas Waimiri
Atroari para expulsar pescadores comerciais. Isso se deve à ausência ou baixa presença dos
órgãos de fiscalização ambiental
Os Waimiri Atroari, assistidos pelo programa da FUNAI/ELETRONORTE, apóiam
a criação dessa RESEX, da mesma forma como são favoráveis à não existência da pesca
110
Observou-se que foram realizadas tentativas de se estabelecerem grupos de trabalho entre gestores e
comunidades para fazer este encaminhamento até dezembro de 2010.
172
comercial. No Paranã da Floresta, que é área de trânsito entre o Rio Jauaperi e Rio Branco,
existe o controle das comunidades presentes que não permitem a pesca, exceto mediante
pagamento, o que poderia ser considerada uma modalidade de arrendamento, no valor
estimado em torno de R$ 4.000,00 (Quatro mil reais), mas principalmente, pode ser
considerada uma estratégia também de exclusão111
.
O Rio Puduari, por sua vez, faz limites entre duas UC’s estaduais, o Parque
Estadual Rio Negro – Setor Norte e a APA Margem Direita – Setor Puduari – Solimões.
Neste sentido, o núcleo de pesca do CEUC (Órgão gestor) apoiou a realização do acordo
de pesca. Existe o entendimento entre os pescadores de que parte do Rio Puduari
corresponda a berçários dos cardumes de Matrinchã que vêm do Rio Jaú, e é interesse de
comunidades e pescadores a sua preservação nos trechos entre as Cachoeiras do Fogo e do
Caniço e o Rio Preto, um afluente do Puduari, que está dentro dos limites do Parque
Estadual Rio Negro – Setor Norte. Portanto, a presença do Parque faz com que a relação
junto ao Rio Preto funcione como área protegida para os próprios pescadores, formando
uma sobreposição positiva, enquanto que o trecho citado que corresponde às cachoeiras,
além de um obstáculo natural para embarcações, é argumento de consenso para a
preservação das espécies de peixes naqueles trechos.
Figura 28 – Vista da região próxima da Comunidade Bom Jesus do Puduari.
111
Entrevista com liderança da pesca.
173
De acordo com João Bosco Ferreira da Silva (Com. Pess.), caso não seja
formalizado o acordo de pesca do Igarapé do Juvêncio ao Rio Puduari, existe a
possibilidade das regras do acordo serem incorporadas no plano de gestão da APA, que
está em fase de planejamento para ser iniciado, e que incluirá os igarapés; dessa forma,
dando continuidade ao processo de implantação das regras negociadas. No entanto, na
região do Igarapé do Pacatuba existe uma solicitação da organização indígena Maku-Itá, de
Novo Airão, para reconhecimento de uma terra indígena naquela localidade. Durante a
assembleia intercomunitária, o representante indígena mostrou preocupação quanto à
existência de pesca na “futura” terra indígena. Em resposta, alguns pescadores afirmaram
ser indígenas e que, caso T.I. venha a ser reconhecida, o acordo poderia ser revisto, mas
que teria que ser encaminhado.
O Rio Cuieiras corresponde à outra área de sobreposições que incluem
comunidades, o PDS Apuaú-Cuieiras, à reivindicação de terra indígena, uma área militar,
além do Parque Estadual do Rio Negro, Setor Sul. Internamente, os moradores têm um
acordo que coíbe a realização da pesca comercial. Portanto, o fato de existir o Parque, no
que diz respeito aos recursos pesqueiros, faz com que co-exista uma sobreposição positiva,
pois a preservação dos recursos pesqueiros é demandada também pelos moradores.
Segundo comunicação com dois pescadores artesanais do Rio Cuieiras, existe um comércio
monetário e de trocas, que envolve a pesca dentro do rio. No ano de 2010, houve uma
reunião com gestores do CEUC, onde se sugeriu que as comunidades elegessem um
pescador para fazer essa atividade. Foi eleito um experiente pescador da Comunidade
Nova Esperança, que já era responsável pela pesca antes da combinação conjunta, o que
reforça um procedimento interno. Assim, as comunidades vizinhas, especialmente a de
Barreirinha, última do rio, permite que esse pescador transite para realizar essa
atividade112
.
No Rio Negro, na parte abrangida pelo mesmo Parque, foi realizada a mesma
combinação com pescador da Comunidade Bela Vista do Jaraqui. No entanto, as
comunidades do igarapé que as circunda proíbem a pesca comercial, ficando a cargo dos
moradores a captura do pescado destinado ao consumo local. Nos períodos de cheia do Rio
Negro, moradores do Rio Cuieiras denunciam a presença de barcos geleiros na foz do rio.
Esses barcos aguardam a saída dos cardumes do Jaraqui e Matrinchã que seriam
112
Informações concedidas por dois pescadores da Comunidade Nova Esperança e pescador da comunidade
de São Sebastião.
174
capturados em pescarias “de lance”. Essa pescaria envolve a “limpeza” (desflorestamento)
das áreas de igapó no período do verão (da seca), como descrito anteriormente, o que
enfrenta a resistência dos moradores, que proíbem a limpeza de suas áreas.
Uma prática peculiar de exploração dos ambientes das Ilhas de Anavilhanas e que é
característica dos moradores do Rio Cuieiras é a coleta, nesse ambiente, de uma espécie de
minhoca que, no período das cheias, é encontrada na copa de algumas espécies de árvores.
Essa minhoca, também encontrada em alguns pontos dentro do Rio Cuieiras, ocorre em
maior abundância nas Ilhas de Anavilhanas, sendo utilizada como uma das principais iscas
para se pescar no rio113
. A importância dessa isca viva se deve ao fato de a pesca de
subsistência alimentar naquele Rio ser muito específica quanto às técnicas e espécies
capturadas, o que a diferencia dos demais rios.
De forma a realizar uma breve síntese no que diz respeito aos sistemas de manejo
da pesca artesanal, elaborou-se a tabela 11, abaixo:
Tabela 11 – Sistema de gestão da pesca no baixo rio Negro.
Áreas/Rios Sobreposição territorial Regime de Propriedade Sistema de gestão
Anavilhanas
PARNA de Anavilhanas Estatal Informal - clandestinidade;
Restrição com acordo de
regras
Áreas de uso de
comunidades
Comum Áreas de uso de comunidades
na proximidade
Áreas de uso de pescadores Comum Regras comuns
Waimiri Atroari (Ilha do
Jacaré)
Comum (Waimiri
Atorari)
Comum
Livre acesso Livre acesso Livre acesso de barcos de
pesca
Rio Unini
PARNA do Jaú Estatal Restrição permitida pesca
subsistência
RESEX Co-gestão Co-gestão
Acordo de Pesca Co-gestão Zoneamento, regras, cotas,
período (até aprovação do
plano de manejo)
Liminar na Justiça Estatal Restrição
Comunidades Comum Área de uso das comunidades
– indefinido (instável)
Foz do rio Comum; livre acesso e
Estatal
Indefinido
Rio Jaú
PARNA do Jaú Estatal Restrição somente para a
alimentação
Comunidades Comum Informal; restrição para a
alimentação
Remanescente de Quilombo
no Tambor
Comum/privado Comum; sobreposição
(Estatal e Comum)
Na parte do rio Negro
(limite sul da foz)
Comum/livre-acesso Comum, livre acesso
Rio Jauaperi Comunidades Comum Comum
113
Informação de Francisco da Silva Amorim (morador do Rio Cuieiras)
175
Acordo de Pesca Co-gestão Restrição permitida a pesca de
alimentação
Liminar da Justiça Estatal Restrição; permitida a pesca
de subsistência
Waimiri Atroari Estatal e Comum Cooperação com moradores
na fiscalização
Rio Puduari
e igarapés
APA Margem Direita Estatal, privado e comum Comum
PAREST Rio Negro Estatal Comum com restrição para a
alimentação
Acordo de Pesca Co-gestão Zoneamento, regras, cotas,
rodízio, sazonalidade
Comunidades Comum Áreas de uso
Rio Cuieiras
PAREST Rio Negro Setor
Sul
Estatal Regras acordadas
informalmente
APA Margem Esquerda Estatal, privada e comum Comum
PDS Apuaú Cuieiras Estatal e comum Comum
Comunidades Comum Comum
Foz do rio Comum Comum/livre acesso
A presente tabela apresenta, sucintamente, diferentes regimes em alguns rios e nos
ambientes de Anavilhanas. Ou seja, demonstrou-se que de facto co-existem diferentes
sistemas de manejo entre diferentes instituições gestoras, comunidades, pescadores e
instituições ligadas à questão indígena e quilombola, além de acordos formais. Quanto aos
pescadores embarcados de Jaraqui e Matrinchã, houve um limite da pesquisa, uma vez que
tais pescadores não foram entrevistados, ainda que estivessem envolvidos nos sistemas de
manejo das pescarias. Na tabela 12, abaixo, descrevem-se as regras entre instrumentos de
gestão.
Tabela 12 – Tabela comparativa entre as regras referentes a pesca comercial.
Rios/Ambientes Sistemas de regras (cota, sazonalidade e
apetrechos)
Decreto Rio Negro Cota: barco de 5 toneladas (1 viagem por mês);
Restrição: proibida a pesca do tucunaré e aruanã
preta
Rio Unini (setor II do acordo de pesca) Cota: barco de até 3 toneladas (rodízio de 3 barcos
por mês/sorteio), período de setembro a dezembro.
Rios Jaú, Jauaperi, Unini (setor I) e Cuieiras Pesca de subsistência alimentar das comunidades
(trocas internas)
Igarapé do Juvêncio, Cachoeirinha, Cordo,
Cabeçudo e rio Puduari
Cota de barcos de até 5 toneladas (04 barcos por
mês) período de 01 de abril a 30 de outubro
Anavilhanas Canoas rabeta (duas caixas de isopor 170 l),
apetrechos manuais
Assim sendo, o território torna-se fluido pelo trânsito das águas, dos peixes e dos
pescadores, assim como das regras que são negociadas a cada caso e a cada situação. No
período de dez anos, de 2000 até o presente, as instituições da pesca e de gestão foram
reformuladas; pescadores e comunidades se organizaram formalmente e têm-se criado
176
fóruns de diálogo, seja nos eventos organizados pelos movimentos sociais, nos conselhos
gestores das UC’s ou nos processos de formulação dos acordos de pesca.
O sistema de regras de gestão da pesca em cotas de barcos com capacidade máxima
ou apetrechos, insere-se na realidade local. Entrevistas sugerem que a realidade das
embarcações de pesca em Novo Airão e no Baixo Rio Negro não excede cinco toneladas-
gelo, salvo exceções. Os pescadores rabeteiros utilizam áreas no entorno de Anavilhanas e
no seu interior; portanto, do sistema de gestão negociado, incluindo tanto o trânsito
necessário dentro do PARNA como a pesca de subsistência e/ou venda do excedente,
mediante acordo informal. Neste sentido, sugere-se que exista um sistema de gestão
baseado em regras comuns adaptadas e negociadas.
Em cada micro-bacia se estabelecem relações sociais entre moradores locais e
pescadores não residentes e destes com os ambientes de pesca, dando origem a uma
territorialidade própria da pesca, tanto embarcada (barcos e rabetas) como de subsistência.
Esses sistemas sócio-ecológicos da pesca local também se amoldam às especificidades dos
ambientes, dos regimes de pluviosidade e das cheias e vazantes, do comportamento
ecológico das espécies e das negociações historicamente mantidas em cada localidade.
Tanto as UC’s, quanto os acordos de pesca, influenciam diretamente nas práticas de
manejo dos pescadores artesanais, mas no caso de peixes “de passagem” com a Matrinchã
e o Jaraqui, mesmo que existam UC’s de Proteção Integral, não garante o “livre acesso”, ao
contrário, comunidades presentes na beira do Rio Negro é que tem decidido sobre
permissão ou proibição da atividade de pescaria.
O comando-e-controle como principal instrumento de gestão não garante a
legalidade, ao contrário, promove a clandestinidade, conforme será argumentado no
próximo capítulo, associado à falta de outros instrumentos de gestão, especialmente que
garantem a participação direta dos atores envolvidos. Gestores públicos também não são
instrumentalizados para esta gestão, sendo que, tanto o IBAMA, quanto o IPAAM, ou o
MPA, não possuem uma política pública clara e efetiva para atuar neste âmbito. Por outro
lado, “acordos informais” têm sido instrumentos de facto da pesca. Outro fator é que os
corpos d’água são “loteados” por diferentes UC’s e instrumentos de gestão de pesca, e que
necessitam, também de facto, instrumentos ou arranjos participativos de gestão para
recursos de uso comum.
177
7. AS ESTRATÉGIAS DE ADAPTABILIDADE
“La mayor parte de la vida pública de los grupos
subordinados sucede en un vasto territorio situado
entre los extremos de la oposición abierta y
colectiva contra los dctcntadores del poder y la total
obediencia hegemónica. Hasta ahora, al trazar el
mapa de ese território corremos el riesgo de creer
que comprende únicamente las actuaciones
convincentes (aunque tal vez falsas) que tienen lugar
"en escena" y un discurso oculto relativamente
desinhibido ... ” (SCOTT, 2000, p. 167).
7.1 O ARPÃO E O ANZOL
O presente capítulo visa responder a hipótese inicial da pesquisa: que pescadores
locais apresentam a tendência de abandono da pesca comercial frente ao movimento
controverso de incentivos e decinsentivos simultâneos: as restrições espaciais de acesso
aos recursos pesqueiros (áreas protegidas e o acordo de pesca do Rio Jauaperi e o acordo
de pesca do Rio Unini) e o reconhecimento frente ao Ministério da Pesca e Aquicultura
pela política do “Seguro Defeso”.
Em suma, são quatro formas de estratégias adaptativas dos pescadores artesanais:
desmobilização, mobilidade, clandestinidade e co-evolução. Essas estratégias operam de
forma combinada. Por exemplo: um pescador de Pirarucu mudou o foco para a pesca de
outras espécies de peixes, o quê pode considerar-se como uma desmobilização, mas
também é associada à mobilidade. Se eventualmente ele ainda pesca o Pirarucu, sem ser de
forma manejada, ele é também clandestino; e, se caso realize o manejo, trata-se de uma
forma de estratégia “co-evolutiva”.
Em outra situação, o observar das estratégias também depende do “foco”: a
adaptabilidade é uma interação dentro de um sistema e, portanto, não é unilateral o que em
outros dizeres denomina-se de sistema adaptativo. Se uma restrição espacial é inserida no
sistema, na resiliência socioecológica da pesca, e os pescadores continuarem pescando,
acarreta na situação de clandestinidade – que pode ser considerado um fator de resistência.
E neste sentido, o modelo de panarquia auxilia na reflexão sobre o movimento
contínuo de rupturas e adaptações – não passivas –, mas construídas para um “novo
178
ambiente”. Portanto, território não deixa de ser um “território da pesca” com uma restrição,
o que acontece é a formação de “novos ambientes” e inter-relações criadas com a presença
das áreas protegidas.
Seguindo esta linha de raciocínio, as áreas protegidas fazem parte da dinâmica
socioambiental complexa, assim como a “pesca artesanal”. Os capítulos 5 e 6 apresentaram
distintos sistemas de gestão ou manejo dos recursos pesqueiros. Esses capítulos também
trazem argumentos para se discutir sobre as estratégias de adaptabilidade; por isso também,
o presente capítulo trata o tema mais sucintamente.
Nem todos manejam o arpão utilizado para pescar o Pirarucu, mas quase todos os
moradores no Baixo Rio Negro, especialmente de comunidades ribeirinhas,
independentemente da identificação auto-atribuída de pescador, manejam o anzol.
Lançados nas águas têm em comum o território e se distinguem pelos objetivos e pela
força empreendida: o primeiro, o arpão, deve perfurar o Pirarucu no ato em que ele boiar
para respirar; o segundo, o anzol, deve ser lançado com suavidade e sentido, como
sensibilidade, para que na hora em que estiver sendo fisgado, possa ser puxado e realizar a
pesca.
O fato de atualmente ser proibida a pesca de Pirarucu – mas que no passado
representou a história de uma modalidade de pesca – faz com que esteja presente na
memória de muitos pescadores. A memória não pode ser “simplesmente esquecida”. Um
modo de vida e visões sobre as formas e modalidades de pesca também não são
“abandonadas”.
O que pode acontecer é o abandono de um “modelo econômico”, que, citando ainda
o Pirarucu, fazia parte da história extrativista, com a relação com os regatões,
especialmente até os anos 60 e 70. Parte dos regatões, ou foram “substituídos” por
pescadores artesanais embarcados, ou se “adaptaram”. Por outro, o “abandono” de um
“modelo econômico” jamais é uniforme, mas interage com outros modelos, compondo
toques de clandestinidade e co-evolução.
Agora, retornando a reflexão sobre o Território do Baixo Rio Negro, as restrições
espaciais promovidas pela política ambiental de ordenamento territorial através do
“Decreto Rio Negro” –privilegia o setor empresarial da pesca esportiva – ou ainda, as
perspectivas de moradores de comunidades – que cada vez mais, tendem a não permitir
que a pesca comercial embarcada aconteça nos seus ambientes – formando novos desafios
para se compreender essa complexa dinâmica socioambiental.
179
No entanto, por outro ponto de vista, se historicamente os pescadores artesanais
eram invisíveis nas políticas setoriais da pesca, nos últimos anos estão em evidência frente
ao reconhecimento, por conta do Ministério da Pesca e Aquicultura e a sua política pública
de ampliação do “Seguro Defeso”. Assim, arpões e anzóis convivem na memória e no
presente. Neste momento, convida-se o leitor a adentrar sobre a discussão das estratégias
de adaptabilidade.
7.2 A DESMOBILIZAÇÃO
A desmobilização consiste no abandono temporário ou permanente da atividade da
pesca frente ao contexto socioambiental. A desmobilização ainda pode ser no abandono da
atividade da pesca, no abandono da pesca de determinadas espécies, ou no abandono
espacial. Essas formas de abandono são estratégias que ocorrem com pescadores de barcos
regionais “geleiros” ou com os pescadores de determinados espaços, e não devem ser
vistas em uma perspectiva de “causa e efeito”, do tipo: é desvantajoso pescar, logo desisto.
Os motivos de abandono descritos pelos pescadores de barcos de pesca foram: o
risco do não retorno econômico da atividade da pesca; a restrição espacial ocasionada pelas
negociações entre empresários da pesca esportiva e comunidades, ou promovida pelas
comunidades, tendo em vista a exclubilidade, e que se trata também dos acordos de pesca
ou reivindicações de UC’s de uso sustentável; e a possibilidade desses moradores se
envolverem com outras atividades econômicas.
Na primeira situação, o pescador percebe que uma excursão mal sucedida pode
levar à falência ou ao endividamento, ou ainda ao baixo retorno financeiro para reinvestir
na atividade da pesca, como por exemplo, comprar novos materiais ou reformar o barco,
entre outras. Para os pescadores, a análise econômica de riscos de retorno dos
investimentos não está diretamente associada à diminuição dos estoques pesqueiros, mas
ao aumento do número de pescadores; ou seja, à maior subtrabilidade. Somente dois
entrevistados realizaram o abandono ainda no início dos anos 90: os senhores Olavo
Faustino e Francisco da Silva, ambos moradores do Rio Cuieiras. Para eles, ex-pescadores
artesanais e embarcados, a atividade da pesca representou um período de opção, mas
180
também dentro de um conjunto de outras atividades que realizavam, especialmente os
cultivos agrícolas.
A restrição espacial, ao contrário do que era esperado, não foi primordialmente
ocasionada pela presença das unidades de conservação ou áreas protegidas na sua
totalidade. O que foi descrito no capítulo 6 é que os pescadores artesanais sentiram uma
pressão de restrição espacial, em determinados locais, como no Rio Baipendi, limite Norte
do Parna de Anavilhanas, que, por um período, era considerada pelos gestores como
fazendo parte da UC, mas que os limites finalmente foram esclarecidos. A retomada da
Ilha do Jacaré resultou em grande impacto na comunidade de pescadores, assim como o
controle dos limites do Parna do Jaú sobre o Rio Negro.
Portanto, as restrições de acesso livre aos ambientes pesqueiros tradicionais devem-
se, em maior grau às reivindicações territoriais das comunidades ribeirinhas no controle
dos Rios Unini e Jauaperi, que organizaram acordos de pesca, ou à reserva extrativista, no
primeiro caso; e no Médio Rio Negro, com as negociações entre moradores e
representantes empresariais da pesca esportiva.
A presença de novas atividades econômicas, como a piscicultura ou o turismo (que
inclui a pesca esportiva), ou a confecção de artesanato, também está associada à concepção
econômica e territorial. Nas comunidades ribeirinhas, a exemplo do Rio Jauaperi, o senhor
Rozan Dias da Silva, morador da Comunidade de Itaquera, abandonou a atividade da pesca
ao perceber o risco que a atividade representa com relação ao baixo retorno ou à sobre-
explotação dos recursos pesqueiros, mas teve como contrapartida a sua participação em
nova atividade econômica de produção de artesanato de fibras vegetais. Segundo esse ex-
pescador, os custos de seus materiais de pesca extrapolavam cinco mil reais. Desse modo,
comparado com o baixo retorno econômico da pesca, esse alto valor de investimento
tornaria a atividade pouco atrativa. No entanto, o retorno da atividade ligada ao artesanato
de fibras tem seu retorno compensado, além de conservar os recursos pesqueiros para a
subsistência das comunidades.
Outros pescadores artesanais do mesmo rio (Jauaperi) estão buscando alternativa
junto à pesca esportiva, especialmente frente ao risco de perderem o direito de receber o
Seguro Defeso como benefício social e renda importante. Essa mudança entre a pesca
artesanal para os trabalhos junto à pesca esportiva é em parte, uma negociação para que se
atinja um consenso em não mais abrir a possibilidade da pesca comercial no Rio Jauaperi.
Por outro lado, tais negociações entre moradores dos rios e empresários da pesca esportiva
181
são permeadas por inúmeros conflitos, especialmente devido à restrição espacial
promovida pelos empresários ou no que diz respeito aos contratos de repartição de
benefícios.
No Rio Unini, após a aprovação do plano de manejo da RESEX, alguns pescadores
artesanais aguardam a possibilidade de realizar o manejo do Pirarucu, e já estão se
capacitando neste sentido.
Na situação que envolve o PARNA do Jaú, especialmente o Rio Jaú, discutir e
argumentar a estratégia de adaptabilidade relacionada a peca artesanal é mais complexo.
Por um lado, existem visões de que a presença permanente da base de fiscalização na foz
daquele rio tenha provocado um grau de isolamento e, por isso, ajudado a preservar os
“modos de vida”. Essa visão provém da ideia de que os moradores do Rio Jaú trabalhavam
com regatões que sobre-exploravam produtos de caça, pesca, coleta de quelônios e
produtos florestais não madeireiros, abordado por Creado (2006) e Caldenhof (2009).
Porém, por outro lado, as autoras questionaram o fato de que a maior parte dos moradores
(cerca de 90%) migrou após a presença da UC, mesmo que outros fatores tenham sido
influenciados, como o próprio êxodo rural promovido pela falta de assistência em saúde e
educação, ou almejando melhorias de qualidade de vida.
O parágrafo anterior foi formulado para dizer que talvez não se aplique a
modalidade de abandono da pesca naquele local, pois, pelos menos quatro pescadores
artesanais comerciais entrevistados (formalmente e informalmente) são oriundos desse rio
e migraram para outra região; para Novo Airão ou para comunidades – estratégia de
mobilidade. Ou ainda, existe o fato de que alguns moradores realizem a captura de
quelônios clandestinamente na região. Ambos os temas, serão retomados nos próximos
itens.
No município de Novo Airão, os pescadores entrevistados que abandonaram as
atividades, ou estão investindo para a mudança de atividade, estão se dedicando a
piscicultura e na prestação de serviços ligados a cadeia produtiva do turismo. Porém, no
caso da piscicultura, o senhor José Adimar relatou que, dos oito tanques de piscicultura que
construiu, somente um está licenciado, o quê faz com que essa atividade ainda não
represente o motivo de abandono da pesca. Ou seja, assim como neste exemplo, parte dos
pescadores que encaram a perspectiva de abandono está trabalhando paralelamente a pesca
junto com outras atividades econômicas, o que ainda mantém segurança financeira.
182
Nas comunidades ribeirinhas, especialmente na Região do Tupé, Rio Cuieiras e
algumas comunidades da Margem Esquerda e Direita do Rio Negro, os moradores estão
criando peixes na modalidade tanque-rede, o que não substitui a pesca em si, e os
empreendedores dessa atividade não são necessariamente pescadores ou ex-pescadores.
Em suma, a pesca artesanal é uma atividade necessária, pois apesar do risco de uma
excursão representar pouco retorno financeiro, ela é conhecida e está construída na rede
interdependente, enquanto que a pesca esportiva apresenta conflitos e poucas
regulamentações sobre o seu ordenamento, da mesma forma que a piscicultura ainda
apresenta problemas de licenciamento, altos custos operacionais e baixo retorno de
investimentos, quando tratada em pequena escala.
Pescadores que estão na coordenação das entidades de pesca também costumam
parar as suas atividades de pesca para exercerem o novo papel de representantes e
articuladores de seus associados.
Outros aspectos ligados ao abandono referem-se não à atividade pesqueira de forma
geral, mas às determinadas espécies ou grupos, dentre os quais estão o Pirarucu e os
Quelônios, proibidos por leis ambientais, ou ainda a do Tucunaré, conforme citado, pois é
uma espécie de interesse da pesca esportiva. Esse aspecto está relacionado ao Médio Rio
Negro. Por isso também, é que a presença do conjunto de UC’s no Baixo Rio Negro, para
os pescadores comerciais embarcados, representa um elemento, mas não o motivo
principal de pressão ao abandono. Em outras palavras, as pressões relacionadas à pesca
esportiva, sejam através do Decreto Rio Negro ou das negociações entre os empresários e
as comunidades, afetam mais o setor do que o conjunto de UC’s, na sua totalidade.
Entretanto, dos pescadores artesanais que estão em vias de abandono ou ex-
pescadores, alguns encontram-se entre a faixa etária de 45 a 60 anos, o que talvez
represente uma perspectiva esperada em algumas situações, como no caso de Novo Airão,
e é realidade no Rio Jauaperi e Unini. Portanto, o abandono da atividade da pesca deve-se a
negociações no que tangem os regimes de propriedade dos territórios comunitários,
especialmente aquelas inseridas em Calhas de Rios (Jauaperi e Unini). Esses pescadores
possuem idade próxima de requererem aposentadoria (60 anos), a quem foi perguntado se
os filhos têm perspectivas de continuidade, utilizando o barco e apetrechos dos pais. Em
alguns casos sim; e em outros não. Isso por levar em conta o quadro restritivo ou por
desinteresse pessoal.
183
Assim, no caso de pescadores citadinos, a situação é diversificada caso a caso,
dependendo das alternativas apresentadas, seja a piscicultura ou a rede de serviços de
turismo. A primeira alternativa (a piscicultura) é custosa e de difícil gestão, e, no segundo
caso, (a do turismo) a atividade é instável e temporária. Portanto, as informações sugerem
que a desmobilização é um fenômeno recente, mas pontual em pescadores itinerantes e
citadinos. Faz parte de estratégias de calhas dos rios, e talvez, mesmo que possa
representar uma tendência, é possível que represente mais um desincentivo, para que novos
pescadores embarcados se apresentem na região.
7.3 A MOBILIDADE
A mobilidade consiste na continuidade da realização das atividades de pesca,
porém, somente em locais permitidos. Tal atividade também engloba, em parte, os
pescadores embarcados com barcos do tipo geleiro, o que os leva a pescar especialmente
no Médio Rio Negro. Além do acesso em outros ambientes de pesca nas viagens pelo Rio
Negro, mais especificamente no médio curso do rio, um grupo de pescadores está se
associando para realizar os seus registros profissionais nas entidades de pesca de Barcelos,
tendo em vista o maior acesso às áreas de pesca e possibilidade mais presente de realizar
negociações de acesso na região. Assim, foi verificado que a mobilidade não se relaciona
apenas à capacidade de deslocamento, mas às estratégias políticas de acesso em outros
ambientes de pesca.
Entretanto, para os pescadores rabeteiros, a mobilidade consiste nos ambientes
aquáticos no entorno de Anavilhanas, como os igarapés, subindo pela Margem Direita até
próximo à Foz do Rio Jaú, e na margem esquerda na região próxima ao Rio Apuaú. Para
esse grupo de pescadores, a mobilidade é mais limitada pela distância a ser percorrida.
Uma possibilidade de mobilidade é a mudança do tipo de pesca, ou seja, mudar o
foco da pesca do Tucunaré e Cará para a pesca de cardumes de Jaraqui ou Matrinchã. No
entanto, ainda não foi observada, apesar de que já tenham sido feitas algumas experiências
por determinados pescadores. Outro fenômeno é a diminuição do tamanho das
embarcações, ou seja, a tendência é que, quando o acesso é em áreas protegidas, não se
utilizem barcos, mas canoas. Usualmente, alguns pescadores que têm barcos de pesca
184
utilizam também canoas de rabeta para pescar. Apenas um caso de abandono do barco foi
registrado em função da adoção da pesca de canoa de rabeta, possibilitando o trânsito,
passando pelo interior de Anavilhanas.
Se for considerado que, segundo Cardoso e Freitas (2006), a pesca de rabeta é mais
rentável – e este argumento for associado ao “seguro desemprego” –, privilegia os
pescadores artesanais em regime familiar e não armadores (neste caso corresponde a
pescadores de Manaus e alguns de Novo Airão), e que esses tipos de pescadores têm maior
acesso aos ambientes de pesca, então é possível sugerir que o quê está acontecendo é um
desincentivo à pesca embarcada e um incentivo à pesca de rabeta. Em outras palavras,
existe a tendência de diminuição da quantidade de pesca em barcos e aumento da
quantidade de canoas a rabeta.
Conforme foi argumentado no parágrafo anterior, e ao longo da pesquisa, a pesca
artesanal, como é conhecida hoje, para os pescadores embarcados, representou uma
mobilidade de atividades econômicas, seja migrando da exploração da madeira para a
pesca (“das Fantasias”, Quelônios e Pirarucu), ou quando moradores das UC’s de proteção
integral migraram para a cidade ou para outras comunidades, passando a realizar a pesca
artesanal após esse fato. É importante explicar que a pesca de Pirarucu, ou a caça e captura
de Quelônios também podem ser consideradas artesanal ou tradicional. Mas, o sentido
dado é para o modelo de pescaria que ocorre atualmente, e foi descrita no capítulo 5.
Portanto, a mobilidade e a desmobilidade estão relacionadas entre si, pois, em
parte, a opção pela pesca foi devido a uma série de restrições ambientais ocorridas nos
anos 60 e 70, frente aos incentivos à pesca comercial naquele mesmo período. Da mesma
forma, como foi argumentado no trabalho, a presença das UC’s propiciou maior presença
institucional dos órgãos fiscalizadores, nos anos 80.
Por outro lado, fenômenos como aumento demográfico citadino e nas áreas rurais;
o acesso menos custoso a embarcações de menor porte (canoas e motor rabeta); o mercado
consumidor; a possibilidade de comprar gelo em Novo Airão; a obtenção de registro junto
à previdência; e, mais recentemente, o acesso ao “Seguro Defeso” – aliado ao modo de
vida, ao território e a sua identidade, e ainda à possibilidade de renda pescando – faz com
que os pescadores artesanais de canoas a rabeta tenham tido reconhecimento. E dessa
maneira, é possível ainda que possa existir uma mobilidade de pessoas que não se
denominavam pescadores anteriormente, se registrarem e passarem a ser considerados
pescadores profissionais.
185
E neste sentido, as áreas de proteção integral presentes no Mosaico de Áreas
Protegidas do Baixo Rio Negro poderiam estar possibilitando um incentivo aos pescadores
artesanais em pequena escala, onde a exclusão de pescadores embarcados é maior, o que
propicia uma maior preservação das espécies de peixes. Por outro lado, como será
argumentada no próximo item, a atividade da pesca representa o uso direto dos recursos
naturais, proibida por Lei, o que força os pescadores a estarem em uma condição
clandestina.
7.4. A CLANDESTINIDADE
A clandestinidade consiste no uso e acesso dos pescadores artesanais em ambientes
de pesca dentro dos limites das UC’s do Mosaico, especialmente as de proteção integral e
as de uso sustentável, quando estão relacionados aos pescadores não residentes dessas
áreas. É denominada de clandestinidade pelo fato dessa atividade ser ilegal do ponto de
vista jurídico. No entanto, essa estratégia não é tratada como uma forma de “burlar” as
regras do regime de propriedade imposto, mas de uma combinação entre regimes de
propriedade.
No caso das UC’s de proteção integral, nas quais a tendência é o não
reconhecimento formal de um regime de propriedade comum, este pode ser regulado por
diálogos informais entre gestores e usuários, especialmente quando se trata dos ambientes
de trânsito do Rio Negro. Esses diálogos resultaram em negociações, onde foram
estabelecidas restrições e limites de captura através da determinação de cota por
quantidade de pescado medido em duas caixas de isopor (170l) com gelo e de apetrechos
permitidos, tais como zagaia, caniço e malhadeira, principalmente quando isso está
relacionado ao “direito de subsistência”.
Portanto, esse evento, citado no parágrafo anterior, representa um princípio de
formulação conjunta de conceito de subsistência do ponto de vista da pesca. Já do ponto de
vista da gestão, pode ser considerada uma forma de gestão adaptativa. Porém, na ausência
de um marco regulatório torna não só os pescadores clandestinos, como também em os
próprios gestores públicos das Unidades de Conservação.
186
No caso do Parque Nacional de Anavilhanas, quando a negociação informal não
sustenta a possibilidade de se fazerem trocas de excedente, existe a opção de abandono
(desmobilização) da mobilidade (mudança da área de pesca) ou da desobediência civil
(resistência); esta última especialmente no caso do Parque Nacional do Jaú. A
desobediência civil é discutida neste contexto por Mendes (2009) não como um ato puro de
contrariar as leis do Estado, mas de resistir politicamente a nível individual, constitucional
(garantia política) ou de legitimação para se buscar um novo direito.
Alguns pescadores artesanais foram autuados nos limites do PARNA de
Anavilhanas e parte reconheceu que, no momento da autuação, estavam operando a pesca
na ilegalidade, principalmente pelo fato de estarem fora dos procedimentos dialogados
informalmente. Porém, outros se manifestaram contrariamente, como forma de um direito
de pescar. Berkes et al (2001) sustentam a ideia de que pescadores que operam na
clandestinidade calculam o fator de risco de serem apanhados. Esse cálculo faz com que tal
estratégia se sustente, especialmente quando as embarcações são pequenas, e, caso sejam
“apanhados”, o prejuízo, apesar de considerado grande pelos usuários, pode ser recuperado
em novas incursões. A geografia regional composta por rios em formato de delta,
arquipélagos, paranãs, lagos, furos, entre outras, faz com que as possibilidades de os
pescadores clandestinos não serem apanhados sejam ainda maiores.
Isto não quer dizer que não exista constrangimento ou medo por parte dos
pescadores, principalmente pelo fato de existir um histórico de gestão baseada
prioritariamente em ações rigorosas de comando-e-controle, até o início dos anos 2000.
Assim, o custo operacional por parte das instituições gestoras de realizar as operações de
comando-e-controle é financeiramente elevado, pois envolve articulações com policiais
militares e, apesar de constantes nos últimos anos, não abrangem a totalidade da geografia
regional e são socialmente conflituosas. E, caso não haja orçamento suficiente, culminando
na diminuição ou cancelamento temporário das rotinas de fiscalização, determinados
usuários clandestinos podem operar em uma situação de livre-acesso.
Por outro lado, o resultado de apreensões faz com que as instituições gestoras
tenham que se responsabilizar pelo material, ou repassam a obrigação de fiel depositário os
próprios pescadores. Além disso, os processos administrativos ou criminais provenientes
dessa forma de gestão dificilmente podem ser cobrados juridicamente, pois envolvem o
julgamento mediante a Lei de Crimes Ambientais, no qual é considerado o grau de
instrução, os tipos de delitos realizados, ou ainda o estado de necessidade. Portanto, ações
187
de comando-e-controle nos espaços protegidos representam também um custo social para
ambos os lados: pescadores e gestores.
No caso do PARNA do Jaú, parte das atividades de pesca pela economia de trocas
ou vendas para fora da UC tem envolvido os Quelônios, que são inibidos na base de
fiscalização na foz do rio, nas operações de fiscalização, mediante denúncias, ou no
desembarque em Novo Airão. Rebelo e Pezzuti (2002) discutiram o hábito alimentar da
população com relação aos Quelônios, tanto nas comunidades do PARNA do Jaú quanto
no Município de Novo Airão. Portanto, o comércio de Quelônios é uma realidade e faz
parte de uma estratégia clandestina. Esse debate específico não é objetivo nesta pesquisa,
mas Rebelo (2002) sugeriu que fosse realizado o manejo das espécies de Quelônios. Esse
desafio, não se trata apenas do Rio Negro, uma vez que na Amazônia, de forma geral, os
hábitos culturais historicamente construídos não receberam opções alternativas, uma vez
que a criação de Quelônios é custosa, e não existe ainda uma regulamentação para o
manejo de subsistência alimentar ou comercial em pequena escala destes animais114
.
Não se tem o registro em números ou em estimativas sobre a realização da
atividade clandestina de captura e comercialização de espécies protegidas por lei, mas é
possível que sejam poucas pessoas que realizam esta atividade com fins econômicos
comerciais. Por outro lado, é difícil estabelecer uma fronteira que defina o que é ato ilícito
ou para saciar a fome, isto quando se refere a pescadores que transitam entre os ambientes
aquáticos, dentre os quais as áreas protegidas, com fins de desembarque em Novo Airão.
Existem relatos informais de que algumas pessoas que realizam essas atividades fazem
parte de um “esquema” que envolve antigos “patrões” que passaram a “ajudar” as pessoas
provindas de dentro das UC’s de proteção integral e, que, de certa forma, financiam as
atividades pelo aviamento, o que representa o sustento de extrativistas de pequena escala,
inseridas numa realidade de poucas alternativas de renda.
Outro exemplo é o caso da área de pesca da Foz do Rio Unini, muito utilizado por
diferentes grupos de pescadores, especialmente provenientes da Comunidade Vila Nova. A
comunidade, embora dentro da Resex do Rio Unini, tem solicitado a sua exclusão da área
da reserva. Como os moradores de Vila Nova também se utilizam de parte da área da
114
Informação informal dada por um analista do ICMBio que trata dessa temática na instituição.
188
RESEX, suas atividades geram conflitos com os demais moradores, especialmente com os
moradores da Comunidade Lago das Pedras115
.
As formas clandestinas podem assim suscitar diferentes entendimentos. Por um
lado, como formas de resistência política frente aos regimes de propriedade estatais; por
outro, como uma forma de sobrevivência de modos de vida ou de uma economia de
extrativismo conflituosa juridicamente como modelo. O desafio é ainda maior quando se
almeja uma forma de reconhecimento ou gestão – seja de atividades pesqueiras que
envolvem espécies protegidas ou dentro de espaços protegidos, onde a gestão de territórios
ou de manejo de espécies é convencional e centralizada. Por outro lado, a experiência de
gestão adaptativa da Reserva Biológica do Piratuba, citada no capítulo 6, é inovadora, pois
estabeleceu acordos de gestão com uma comunidade pesqueira do Sucuriju, que realiza a
pesca do Pirarucu no interior da UC.
Para os pescadores artesanais que pescam nos limites do PARNA de Anavilhanas –
parte majoritária dos usuários – a clandestinidade oferece vantagens, pois garante a
subsistência e trocas de excedentes em pequena escala, quando realizada dentro das regras
informais estabelecidas; porém, outros questionam a sua estabilidade contratual, pois uma
mudança na filosofia da gestão da UC pode fazer com que esse direito seja perdido. Em
outras palavras, não se trata de uma clandestinidade de facto, apenas de júri, mas faz com
que, ao mesmo tempo, pescadores e regras informais se tornem invisíveis.
Tal invisibilidade, conforme dita, é uma vantagem para a pesca artesanal nos
últimos anos, mas uma desvantagem para se pensar a gestão ou o manejo adaptativo e
participativo para prazo maior, pois não permite a obtenção de informações acerca das
áreas utilizadas, do número de pescadores, ou da sazonalidade. A situação em que a maior
parte dos territórios pesqueiros encontra-se sob alguma forma de regime estatal proibitivo
faz com que, mesmo os pescadores que pescam em locais permitidos, não revelem as suas
estratégias de pesca. Walter de Souza, José Adimar, Nazareno Barroso, Evandro Cordeiro
e outros, sugeriram ampliar ainda mais as “decisões” estabelecidas pelo diálogo informal
entre a gestão anterior de Anavilhanas e pescadores, para o zoneamento, a fim de que se
permita o manejo de áreas do interior da UC; neste caso, considerando também a pesca
comercial embarcada.
115
Informações de entrevistas e Caldenhof (2009).
189
A ideia de zoneamento, afirmada pelos pescadores artesanais, não deixa de ser uma
proposta de co-gestão, talvez extrapolando para o nível de Mosaico, pois os argumentos
também se aplicam aos limites do PARNA do Jaú sobre o Rio Negro, o rio Carabinani, e
trata-se da lógica operada nos acordos de pesca.
No que diz respeito à pesca clandestina de pescadores embarcados está relacionada
também a pesca de espécies protegidas por Lei; neste caso, para maioria que utiliza o
Médio Rio Negro e pesca o Tucunaré. Porém, isso cria um problema de gestão e de
controle, principalmente devido à grande dimensão geográfica do Médio e Alto Rio Negro.
E, ainda a proibição do Tucunaré faz com que apenas pescadores comerciais embarcados
de Manaus possam realizar a pesca de cardumes de outras espécies, como a Matrinchã e o
Jaraqui.
No que diz respeito à pesca do Pirarucu ou captura de Quelônios, os pescadores
comerciais embarcados, caso realizem essas atividades, podem sofrer sanções maiores e
prejuízos, como perda de barco e apetrechos, conforme registrado em dados de fiscalização
fornecidos pelo IBAMA. O comando-e-controle têm uma função importante no sistema,
especialmente quando é reivindicada pelos moradores de comunidades e os próprios
pescadores artesanais que denunciam ilegalidades, como a operação de barcos externos no
interior das UC’s, a retirada clandestina de madeira, a caça ilegal, somente para dar alguns
exemplos, mas conforme dito: o comando-e-controle não pode ser a única estratégia de
gestão social e ambiental.
7.5 A ADAPTABILIDADE CO-EVOLUTIVA
A estratégia co-evolutiva foi descrita ao longo da dissertação, e seguindo os
objetivos, especialmente nos capítulos 4, 5 e 6. Mais recentemente, o histórico que
envolve a relação entre UC’s e pescadores no que diz respeito aos aspectos co-evolutivos
de certa maneira foi desencadeado pelas reivindicações de acesso e manejo aos territórios
da pesca, a partir da I Oficina do Uso Adequado dos Recursos Naturais em 2003; e pelo
processo de democratização da gestão de UC’s, possibilitada com o advento do SNUC a
partir da formação de conselhos gestores, pelo qual, entre 2004 e 2005, quando
aconteceram decisões dialogadas.
190
O fato de se desenvolverem instâncias de “negociação” pressionou ao acesso
“privilegiado” aos limites de Anavilhanas – quando dentro das normas acordadas – ou nos
acordos de pesca do Rio Unini, no caso do setor II, ou no Igaparé do Juvêncio ao Puduari,
para aqueles pescadores e entidades de pesca que participaram desses acordos, embora
ainda não estejam formalizados.
Além desses marcos que se estabeleceram no Baixo Rio Negro, no que dizem
respeito ao “Decreto Rio Negro”, a participação e articulação das entidades de pesca
permitiram com que estas continuem tendo acesso ao Médio Rio Negro, apesar de que
limitados ao uso, pois é proibida a pesca comercial do Tucunaré e Aruanã.
Se por um lado, conforme descrito, os pescadores são invisíveis do ponto de vista
de uso e acesso aos espaços ou ambientes de pesca, por outro são atualmente registrados
mediante a categoria profissional por meio da política pública do “Seguro Defeso”. Esse
benefício faz parte da economia regional, agregando aos pescadores um incentivo de
continuidade para as atividades de pesca. Porém, essa política foi desenhada partindo do
pressuposto de que o acesso aos recursos pesqueiros é livre. O benefício é concedido,
mesmo que o território seja restrito, e é claro, não são prerrogativas para se receberem os
benefícios dessa política. Ao contrário, esse benefício poderia ser repensado em uma
estratégia de construção participativa para o zoneamento e acordos no nível da região do
Mosaico e até as áreas de pesca no Médio Rio Negro.
Para se ter a continuidade de pagamento do benefício é necessário que os
pescadores exerçam a sua atividade, pois, conforme normas dessa política, eles precisam
comprovar por nota fiscal a sua produção; no entanto, até o momento essa lei não foi
exigida. Marinho (2009) e Maia (2009) citaram que, no pagamento do benefício, estão
envoltos práticas de assistencialismo. Por outro lado, mesmo que os representantes das
entidades de pesca conheçam parte dos pescadores artesanais de facto, em determinadas
situações têm dificuldades de negar o acesso ao benefício, ou ainda, têm dúvidas no que se
referem a fronteira entre o pescador e o agricultor, especialmente no modo de vida de
comunidades ribeirinhas, como ressaltou Scherer (2004).
Neste trabalho, com referência aos dados do MPA, o número de registros na sede
urbana de Novo Airão corresponde a 44% de filiados e, na zona rural, este percentual é de
56%. Para as comunidades ribeirinhas, justifica-se a existência da atividade da pesca em
seus territórios. Contudo, os pescadores de comunidades, como no Rio Cuieiras, Rio Unini
191
e Jauaperi, que recebem o benefício do seguro defeso, e atualmente não existe a presença
da pesca comercial, como justificarão a continuidade da política do “Seguro Defeso”?
É neste sentido que essa política setorial da pesca, do “Seguro Defeso”, define o
“livre acesso”, sem haver nenhuma prerrogativa de monitoramento. Não se conhece se esta
política contribui para a conservação dos estoques pesqueiros e não indica um instrumento
que possibilite a participação mais ativa dos pescadores para propor formas próprias e
regionais de ordenamento da atividade da pesca artesanal.
Talvez falte um instrumento de controle social, por parte dos pescadores artesanais
e suas entidades de pesca, ou um arranjo institucional junto ao MPA, para que se possa
realizar a gestão desse benefício de modo que atenda aos pescadores de facto como por
exempo: possibilidades de decidirem a respeito das espécies de peixes a entrarem no
defeso, ou ainda, reformular esse benefício para outro viés, que se alinhe às demandas
históricas dos pescadores, à realidade do ordenamento territorial da pesca e à capacidade
de suporte do ecossistema.
Neste trabalho, não se discutiu a questão do monitoramento ou sobre os conceitos
que se tratam da capacidade de suporte. O recorte optado pelo referencial teórico propõe
que essas pautas devem ser discutidas de forma participativa com os pescadores e suas
organizações, e, portanto, que suas opiniões sejam consideradas.
7.6 ESTRATÉGIAS ADAPTABILIDADE DOS PESCADORES E DA GESTÃO
TERRITORIAL - PESQUEIRA
Primeiramente, a pesca artesanal comercial não possui uma tendência de se
extinguir devido à restrição promovida pelas áreas protegidas, mas por um conjunto de
dinâmicas territoriais combinadas entre si: controle dos territórios comunitários, onde se
incluem os acordos de pesca restritivos (Unini e Jauaperi); a influência do setor
empresarial da pesca esportiva, tanto na negociação junto às comunidades ribeirinhas
quanto na formulação de políticas públicas, como o Decreto Rio Negro ou nos incentivos
para atividade no rio Jauaperi; e, também as UC’s. As quatro proposições analisadas
referentes às estratégias de adaptabilidade (a desmobilização, a mobilidade, a
clandestinidade e a co-evolução) demonstraram que são combinadas entre si.
192
Assim, esta tipologia de quatro grandes estratégias não quer dizer que se esteja
sugerindo categorias classificatórias mutuamente exclusivas: se um pescador está incluso
em uma delas, não poderia estar em outras. Trata-se de movimentos ou de dinâmicas, de
táticas de estratégias maiores, de um plano de “encontrar” o seu lugar em um território
gerido por sistemas de gestão permeados de regras de acesso e uso, distintos de “livre
acesso”. O livre acesso está considerado no âmbito legislativo das gestões dos recursos
pesqueiros (CASTRO e McGRATH, 2001; PEREIRA, 2004) ou da política setorial da
pesca que considera desenvolvimento numa perspectiva de aumento de produção e não
sobre as formas de gestão e manejo.
Se os pescadores buscam o seu lugar nas políticas setoriais da conservação da
biodiversidade, o Mosaico pode ser esse espaço de reflexão ou proposição regional, pois
considera também a sociodiversidade e o desenvolvimento na escala regional. A pesca
artesanal é seletiva, realizada de zagaia e caniço, também de malhadeiras, com
determinadas espécies chaves para o comércio local em Novo Airão, ou para a exportação
para frigoríficos de Manacapuru ou Manaus.
A lógica de preservação dos estoques pesqueiros é realizada pelo seu valor de uso,
seja dos moradores de comunidades, que almejam excluir usuários, para proteger os
estoques de pescados para o seu consumo alimentar, ou mediante novas oportunidades
econômicas advindas da pesca esportiva (cota zero), em que os pescadores passam a ser
empregados das empresas de turismo ou como a comunidade compensada com recursos
materiais ou financeiros.
Para os pescadores citadinos, a lógica de preservação é semelhante, pois garante a
subsistência alimentar e a venda do excedente. Para isso, utilizam uma grande variedade de
ambientes e de locais, constituindo uma “territorialidade negociada”.
Dois grupos distintos de pescadores artesanais se apresentam: os monovalentes e os
polivalentes. Os monovalentes são aqueles que realizam a pesca como sua única atividade,
enquanto que os polivalentes investem também em outras atividades (agroextrativistas ou
referentes às cadeias de produtos e serviços oferecidos na região, especialmente o turismo
e a piscicultura). Do ponto de vista dos pescadores polivalentes, a exemplo daqueles que
são agricultores, o “defeso” não corresponde ao período de proibição legal da pesca
comercial, mas sim ao período em que realizam atividades de cultivos agrícolas. Ou seja, a
lógica é do “descanso”: o pousio da terra, que é observado na agricultura de coivara e que
193
consiste na lógica de descanso da terra para a formação de capoeiras e regeneração dos
solos, também acontece nos ambientes aquáticos da pesca116
.
Outra lógica também presente nos diálogos com os pescadores é o rodízio das
pescarias entre diferentes ambientes e locais, ditos em relação aos ambientes de
Anavilhanas, que são abertos, e comparados com os exemplos dos acordos de pesca na
várzea; ou no manejo de Pirarucu, desenvolvido na RDS do Mamirauá117
; ou na concessão
temporária para excursões de pesca, como proposto no Rio Carabinani, afluente do Rio
Jaú118
. Por outro lado, é unânime a proteção de habitats como locais de reprodução, a
exemplo das cachoeiras presentes no Rio Puduari, onde a Matrinchã que migra do Rio Jaú
se reproduz.
No entanto, a legislação ambiental, neste caso, está pautada em outra lógica – a da
administração jurídica – que atende aos objetivos da unidade de conservação, dentro de um
modelo de gestão centralizada e mais rígida em adequações, enquanto que no sistema da
pesca, a fluidez e a descentralização são uma característica da própria gestão. Por outro
lado, gestores das UC’s e usuários estabeleceram uma linha tênue de conciliação de
interesses por meio de diálogos, que se fizeram necessários, fazendo com que co-existam
modelos de gestão. Esse sistema pode ser considerado como positivo enquanto medida
emergencial e transitória, ou enquanto o sistema “funcionar”, auxiliando nos objetivos da
unidade de conservação, e excluindo usuários externos aos ambientes manejados
clandestinamente pelos pescadores. Este conjunto de estratégias é, ao mesmo tempo, uma
forma adaptável, enquanto negociação, e de estratégia de resistência, que permite o acesso
e o uso a um território histórico e culturalmente construído.
Os autores citados nos referenciais teóricos, assim como na literatura referente ao
tema, como Crawford (2002), Nindi (2007), Bené et al. (2000) e Tafida et al. (2011),
apesar de terem analisado estratégias e modos de vida de pescadores sob outras
perspectivas relacionadas à sobre-explotação da pesca, recomendam a diversificação de
atividades, quando está relacionada ao viés econômico e a necessidade de participação dos
pescadores nos processos de tomadas de decisão quanto à sua gestão. Cito este argumento,
pois, em muitas ocasiões, é vendida a ideia no Rio Negro de que o turismo é uma
alternativa frente ao extrativismo. Neste estudo, portanto, se mostrou que nem sempre
116
Comunicação pessoal com Eugênio (Tesoureiro da Colônia dos Pescadores AM – 34). 117
Walter de Souza (pescador), José Adimar (pescador) e Nazareno (Presidente da APNA) disseram que já
fizeram essa proposta em discussões sobre a pesca em Anavilhanas. 118
Comunicação pessoal de Evandro Cordeiro (Presidente da Colônia AM – 34).
194
existe a possibilidade ou a opção de abandono, e por isso, não deveria ser entendida como
uma tendência de evolução linear e progressista, mas como interações. Ou seja, trata-se de
ver como a pesca e o turismo se relacionam e podem co-existir. Neste sentido, Berkes et al.
(2001) e McKean e Ostrom (2001) ressaltam também a necessidade de se reconquistar a
credibilidade e a confiança na gestão dos recursos naturais e, para isso, é necessária
abertura para que sejam compartilhadas decisões e responsabilidades entre as instituições
do Governo e os pescadores, em suas instituições formais e informais.
195
8. CONSIDERAÇÕES E REFLEXÕES DA PESQUISA
8.1 A METODOLOGIA E OS PERCALÇOS
A metodologia dialógica e participativa trouxe informações que dizem respeito a
elementos históricos de formação da pesca artesanal, no que se referem à opção em meio a
um conjunto de mudanças na economia e nas leis refletidas no Baixo Rio Negro. Porém, os
depoimentos orais, ainda assim, correspondem a visões pessoais dos pescadores artesanais
interpretadas pelo pesquisador, e, sendo assim, este trabalho não pode servir de base
política para a gestão territorial ou para medidas administrativas do benefício do “Seguro
Defeso” ou para uso dos próprios pescadores artesanais para qualquer fim, pois, conforme
destacado, o território e as pessoas estão em movimento. As visões repassadas pelas
entrevistas concedidas e as interpretações do pesquisador, aliadas aos outros instrumentos
de pesquisa utilizados, são parciais dentro da proposta teórica e dos objetivos da pesquisa.
Neste sentido, recomenda-se, que caso existam pesquisas posteriores na região e
com o tema da pesca, que também se realizem etnografias, o que envolve a ida nas
excursões de pesca, a participação nos eventos religiosos ou o aprofundamento nos
aspectos mitológicos, e também a análise de discurso, que poderia trazer novos elementos
que dizem respeito à história oral e às estratégias da adaptabilidade e resistência, entre
outros. Esta última proposta vale ser destacada, pois, em diferentes depoimentos, houve
momentos de denúncia por parte dos entrevistados; em outros, houve preocupações na
condução de suas narrativas.
Também é importante que sejam realizadas pesquisas verticalizadas, focadas em
uma área mais delimitada, como um rio ou uma comunidade; ou ainda, nas áreas não
abrangidas neste estudo, como as Margens Esquerda e Direita do Rio Negro, especialmente
nas APA’s e na RDS do Rio Negro. Também, recomenda-se algum estudo que abranja os
pescadores comerciais de Manaus que são usuários do Rio Negro, ou ainda que se
comparem as dinâmicas ocorridas nesse trecho do rio com o de outros grandes rios
Amazônicos.
Estas informações, baseadas em outras abordagens metodológicas, ou recortes
teóricos e geográficos, ou até sociais, podem trazer novos elementos referentes aos
196
aspectos históricos, de gestão, ou até mesmo sobre territorialidade, neste contexto
contemporâneo.
Sendo assim, talvez os maiores percalços refiram-se ao fato não ter participado de
nenhuma atividade prática da pescaria. Por outro lado, houve participação nos ambientes
políticos de discussões ao qual, esta vivência permitiu a linha de raciocínio estabelecida
neste texto.
Outra pesquisa poderia envolver diretamente os gestores públicos da pesca e das
UC’s e ainda empresários da pesca esportiva. Isto poderia trazer novas visões, informações
e debates.
No que diz respeito à ecologia e ao manejo dos ambientes dos pescadores
artesanais embarcados, apesar de não ter sido o objetivo relacionar ou aprofundar como
acontecem as relações com os diferentes ambientes e áreas de pesca, estas informações são
fundamentais para aprofundar a ideia desenvolvida nesta pesquisa, no que diz respeito à
adaptabilidade, pois não se sabe como um pescador artesanal reorganiza o seu
planejamento de incursões territoriais após a interdição de uma área antes utilizada. Será
que isso ocasionará a sobre-explotação da pesca em outra região?
Outras perguntas que vieram após o término da análise das entrevistas também
ficaram sem respostas: Por que o Tucunaré e o Cará são importantes comercialmente?
Como esse mercado é criado? E assim, também comparar com outras bacias a forma como
são construídas as aptidões para as tipologias de pescadores de determinadas espécies.
Talvez as respostas sejam simples; talvez permitam a formulação de novas perguntas.
8.2 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O fim é o modo de dizer que neste momento, a presente etapa da pesquisa está
finalizada, as reflexões e a continuidade de formulação de perguntas e construção de
caminhos para se obterem respostas estão apenas no começo. Portanto, no que se referem
às estratégias de adaptabilidade, pode se dizer que as UC’s formam parte do sistema dos
pescadores artesanais e que atuam nas quatro tipologias propostas.
A mobilidade de pescadores artesanais embarcados ocorre por razões históricas no
uso de ambientes no Médio Rio Negro, independentemente da presença das UC’s.
197
Entretanto, a reconfiguração territorial, como a emergência dos territórios sociais
comunitários, e nesse caso, no Rio Unini e Jauaperi, mobilizou a exclusão de determinado
grupo de pescadores artesanais embarcados, nos principais rios utilizados no Baixo Rio
Negro. Nesses rios, e mais fortemente no Médio Rio Negro, adiciona-se a influência dos
empresários da pesca esportiva que negociam com as comunidades o uso exclusivo de
áreas de pesca, e tem influenciado nas políticas públicas, como a edição do “Decreto Rio
Negro” ou no foco de incentivos de atuação do IBAMA no Rio Jauaperi.
A mobilidade de pescadores artesanais comerciais rabeteiros, que são em maior
número, utilizam quase que na totalidade os ambientes inseridos no Mosaico, interstício e
entorno imediato. Isso faz com que, em parte, sejam clandestinos, salvo aqueles que
pescam exclusivamente em áreas fora das UC’s, mas de qualquer maneira, transitam no
território.
Neste sentido, a estratégia co-evolutiva fez com que os pescadores artesanais
reivindicassem nos conselhos gestores e fóruns da pesca o seu espaço. Uma evidência do
desejo de propor formas de manejo é a realização do processo do acordo de pesca do
Juvência ao Puduari. Nesse acordo, houve duas guinadas de posição política dos líderes
dos pescadores. Primeiramente favoráveis, para, em segundo momento, buscarem
“sabotar” o processo de elaboração, na justificativa de que mais uma vez teriam áreas de
pesca desapropriadas. No entanto, ao perceberem que se tratava de garantir o
reconhecimento de que existem pescadores e que existem áreas dos pescadores, fizeram
com que se aprovasse a proposta em plenário. Porém, o maior desafio na gestão territorial
neste é construir relações de confiança, uma vez que existe grande descrédito em processos
anteriores, como nos acordos de pesca, e assim por diante.
Por isto também, este trabalho traz importantes reflexões a respeito dos sistemas de
gestão co-existentes. Em primeiro lugar, o conjunto dos instrumentos, como os acordos de
pesca do Rio Unini, Juvêncio ao Puduari, trazem limites claros de rodízio de embarcações,
capacidade de carga, zoneamento e períodos de defeso específicos, assim com o Decreto
do Rio Negro, que também soma rodízio de barcos e capacidade de carga.
O desafio trata de refletir o modelo de gestão nos sistemas abertos do Rio Negro,
que incluem os ambientes dentro dos Parques Nacionais. No caso de Anavilhanas, somado
ao uso das áreas pelas comunidades, também existe trânsito de pescadores citadinos. Essa
realidade não pode ser vista como “ameaça” para os objetivos da UC, como destacado no
Plano de Manejo (IBAMA, 1999), mas, conforme discutido no capítulo 5 e 6, como um
198
sistema que possa co-evoluir para outros modelos de gestão, que foram citados pelos
pescadores, como as propostas de zoneamento de várias áreas ou, em outras palavras, que
se possa discutir abertamente o “mapa social e ecológico da pesca”.
No entanto, esta proposta não poderia ser discutida isoladamente entre a gestão de
uma UC, pois outros elementos de “ordenamento territorial” devem ser analisados no
conjunto da “obra”. E neste sentido, sugere-se que seja feita uma reflexão sobre o período
de defeso, ou uma redefinição do que se trata em termos de conservação dos estoques
pesqueiros; isto para re-significar o conceito do defeso para o Rio Negro, para assim
também extrapolar novos sentidos dados ao benefício social do “Seguro Defeso”.
Para isto, sugere-se que as lideranças das entidades de pescadores reflitam sobre o
seu papel na gestão territorial, associado com a administração do “Seguro Defeso”, pois
tem focado mais neste último. Isto porque pode dar a sensação de que o MPA é dos
pescadores e é “bom”; e as UC’s são do ICMBio/CEUC e são “más”. Assim como, neste
sentido, para as políticas públicas da conservação da natureza, a visão de que “pescadores”
são “ameaças” aos objetivos de determinadas unidades, também poderiam ser repensados.
Para as lideranças, que por ventura defenda o “livre acesso”, deveriam refletir sobre os
diferentes sistemas co-existentes.
O ordenamento territorial também não poderia congelar regras e normas para
melhor objetivar o controle, mas de forma descentralizada, flexível e participativa,
envolver os diferentes usuários, historicamente situados, na construção de sistemas de
manejo e regras, pois essa gestão representa a gestão da vida das pessoas. É claro que não
se trata apenas de pensar em regras ou modelos únicos para a região, pois existem
especificidades locais nessa grande diversidade de situações, como por exemplo, a situação
de conflito entre a Vila Nova, que solicita a exclusão da RESEX do Rio Unini, mas insiste
em utilizar os ambientes internos. Quais as alternativas para esse caso? Um acordo
específico entre a gestão da Resex e os pescadores da Vila Nova? Aumento do rigor na
proibição da entrada destes pescadores?
Se argumentou que o conjunto de restrições que promovem a clandestinidade, seja
no Baixo Rio Negro, no caso das UC’s de proteção integral, ou através do “Decreto Rio
Negro”, que proíbe a pesca do Tucunaré, faz com que apenas pescadores comerciais de
Manaus tenham permissão para transitar e se utilizar dos cardumes de Jaraqui e Matrinchã.
Isso representa uma lógica excludente regional. Se existe a proposta de zoneamento por
parte dos pescadores no Baixo Rio Negro, no médio curso do rio, essa pauta já circunda há
199
pelos menos quatro anos, citada na versão do decreto de 2007, e também comentada nas
audiências públicas em 2010 no município de Novo Airão.
Não existe uma solução para o “problema”, mas existem caminhos, e estes não
deveriam ser únicos. Comunidades ribeirinhas almejam controlar os seus territórios,
gestores administram juridicamente as UC’s, na cidade existe a demandas por alimento
(pescado) e trabalho (a atividade da pesca), o turismo e a piscicultura são estimulados, a
população aumento demograficamente, logo além refletir sobre outros modelos de gestão,
a diversidade de opções deveriam ser consideradas, visto que existem.
Por último, as “estratégias de adaptabilidade” descritas, aliadas às políticas setoriais
da pesca e da conservação da biodiversidade pela manutenção dos espaços protegidos, são
uma oportunidade para que se refletida também sobre a ideia de Mosaico e a sua gestão. E
finaliza-se com a pergunta: É possível valorizar “pescadores” em sua diversidade de
tipologias, capacidades de captura, identidades étnicas e no continuum entre a sede urbana
e áreas rurais? Como compatibilizar esses aspectos sociais com a conservação da
biodiversidade, também distinta no mosaico da paisagem? Que desenvolvimento regional
se almeja construir? Os elementos tratados aqui se referem apenas ao Rio Negro? Ou, que
Mosaicos são produzidos pelos pescadores artesanais?
Abaixo um foto de Oscar Sarcinelli.
Figura 29 – Por de Sol no Baixo Rio Negro. Fonte: Oscar Sarcinelli
200
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215
ANEXO 01: TABELA COM AS TIPOLOGIAS DOS PESCADORES. FONTE:
SOBREIRO (2007)
216
217
ANEXO 02: CRONOLOGIA DA PESQUISA119
Análise Período Evidências
Mosaico
1ª. Reunião 15/04/2008 Participação no GT para organizar oficina do
Mosaico
Reunião com gestores 26/05/2008 Pesca é parte comum do território (ata)
I Oficina do Mosaico 12-
13/08/2008
Relatório (Status das UC’s)
II Oficina do Mosaico 27-
28/09/2009
Produzido Relatório (gestão Mosaico)
Reunião do conselho 06/05/2010 Gestão Mosaico (ata)
I Capacitação conselheiros
Mosaico
02 –
04/06/2010
Histórias e gestão (relatório)
II Capacitação conselheiros 05-
08/08/2010
Gestão e Mosaico (relatório)
III capacitação conselheiros 20-
23/10/2010
Gestão e Mosaico (relatório)
IV capacitação conselheiros 22-
26/03/2011
Gestão e Mosaico
Conselhos
PAREST Setor Norte
12 e
13/03/2008
28/08/2009
Contatos com participantes
Conflitos entre pescadores e ilha do Jacaré/entre
pescadores e mineração de areia (caderno de
campo)
ESEC/PARNA Anavilhanas
14/03/2008
11/07/2008
18–
9/08/2010
Formação do GT Pesca
Conflitos Pesca e ilha do Jacaré
Prioridade turismo
Workshop do comitê técnico e científico da ESEC
de Anavilhanas (17 e 18/10/2008)
PARNA Jaú
19-
20/07/2008
30/11/2010
Conflitos e gestão (caderno de campo/atas)
REDES Tupé 11/06/2008 Piscicultura (tanque rede); ecoturismo (caderno de
campo)
RESEX Rio Unini 31/11/2010 Pesca, conflitos (caderno de campo, ata)
Pesca
GT Pesca
14/03/2008
03/07/2008
09/07/2008
30/07/2008
11/09/2008
Um Relatório (Demanda por termo de compromisso
para pesca subsistência no interior da UC; Conflito
pesca X Waimiri (Ilha do Jacaré; Conflito mapa
(região Baipendi); Acordo de pesca não aprovado; e
Monitoramento/desembarque/feira (relatório)
Seminário de Pesca
(SEMMADES/NA) 23/04/2009
Um relatório (decreto rio Negro, interligação entre
pescadores e baixo rio Negro, Decreto rio Negro,
pesca esportiva)
Reunião Rede Rio Negro
(FVA) 12/08/2010
Fracasso acordo de pesca Jauaperi (demandas não
compridas – pesquisa e fiscalização – IBAMA)
Viagem ao rio Jauaperi 13 –
20/08/2009
Visitas a comunidades (relatório)
Reunião AQUABio 21/01/2010 Informações pesca e política pública (caderno de
campo)
Audiência pública dec Rio
Negro. 27/04/2010
Políticas públicas (ata)
119
Eventos registrados ou em caderno de campo ou com entrevistas gravadas.
218
Reunião CEUC/Pesca UC’s 02/05/2010 Políticas públicas (caderno de campo)
Construção propostas decreto
rio Negro 08/05/2010
Políticas públicas (propostas)
Retomada acordo de pesca 21/08/2010 Políticas públicas, gestão, informações pesca (ata)
Audiência pública acordo de
pesca Jauaperi (MPA) 09/09/2010
Políticas públicas/conflitos/informações pesca
(digital, caderno de campo)
Acordo de pesca 28 –
29/10/2010
Políticas públicas/conflitos/informações de pesca
(caderno de campo)
Política territorial da Pesca
(Cáritas) 04/11/2010
Políticas públicas (caderno de campo)
Reunião Acordo de pesca 08/11/2010 Informações sobre pesca/pescadores (caderno de
campo)
Assembléia pescadores
Colônia Pescadores AM 34 15/11/2010
Estratégias (digital e caderno de campo)
Reunião comunidade Bom
Jesus do Puduari 20/11/2010
Estratégias (caderno de campo)
Reunião Sobrado 21/11/2010 Estratégias e conversas informais (caderno de
campo)
Reunião lideranças pesca 02/12/2010 Estratégias e pesca (caderno de campo)
Acordo de pesca 03/12/2010 Estratégias (digital)
Quilombolas 23/05/2008
23/06/2008
Sobre a importância do rio antes de fecharem
Audiência pública (menção a pesca pirarucu e
quelônios (caderno de campo)
Turismo 21/05/2008
01/06/2008
Investimentos em turismo/relação da pesca com o
turismo (caderno de campo)
Piscicultura 19/06/2008
Piscicultura incentivado IDAM/MDA em
comunidade APA MD. Rio Negro (caderno de
campo)
Reunião Sindicato
(Previdência) 14/09/2010
Previdência populações rurais (caderno de campo)
Audiência pública PAREST
Sul 16/08/2010
Proposta de redelimitação (caderno de campo)
Depoimentos
Participante 01(liderança) 27/08/2010 Depoimento oral (gravada e transcrita)
Pauletiene Horta(liderança) 27/08/2010 Idem
Acácio de Souza 14/09/2010 Idem
Ivani Ferreira (Deco)
(comercial) 14/09/2010
Idem
Pedro (liderança) 16/09/2010 Idem
Raimundo Valente (rabeteiro) 10/11/2010 Idem
Edival Valente 10/11/2010 Idem
José Pontes 14/11/2010 Idem
03 entrevistas 15/11/2010 Digital
Raimundo Camanaú 20/11/2010 Caderno de campo/digital
Moisés 20/11/2010 Caderno de campo
Pescador 21/11/2010 Caderno de campo
José Mendes do Nascimento 22/11/2010 Caderno de campo/gravação músicas
03 Entrevistas 22/11/2010 Caderno de campo
Loro Garcia 22/11/2010 Caderno de campo
Conversa informal pescador
do Jaú 30/11/2010
Caderno de campo
Conversa informal com
lideranças Vários dias
Caderno de campo
Conversa informal com fiscal 30/11/2010 Caderno de campo
Conversa informal com
pescadores rio Unini (focal) 25/03/2011
Digital
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ANEXO 03 – DOCUMENTO DE ANUÊNCIAS E AUTORIZAÇÕES
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