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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS

CENTRO DE CIÊNCIAS DO AMBIENTE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DO AMBIENTE E

SUSTENTABILIDADE NA AMAZÔNIA

RAFAEL ILLENSEER

“PESCADORES SEM ÁGUAS”: ESTRATÉGIAS DE ADAPTABILIDADE DOS

PESCADORES ARTESANAIS NO MOSAICO DE ÁREAS PROTEGIDAS DO

BAIXO RIO NEGRO (AM)

MANAUS, AM

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II

UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS

CENTRO DE CIÊNCIAS DO AMBIENTE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DO AMBIENTE E

SUSTENTABILIDADE NA AMAZÔNIA

“PESCADORES SEM ÁGUAS”: ESTRATÉGIAS DE ADAPTABILIDADE DOS

PESCADORES ARTESANAIS NO MOSAICO DE ÁREAS PROTEGIDAS DO

BAIXO RIO NEGRO (AM)

RAFAEL ILLENSEER

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Ciências do Ambiente e

Sustentabilidade na Amazônia – Nível: Mestrado

Acadêmico, para obtenção do Título de Mestre

em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na

Amazônia, Área de Concentração: Conservação

dos Recursos Naturais

Orientador: Prof. Dr. Henrique dos Santos Pereira

MANAUS

2011

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III

FICHA CATALOGRÁFICA

(Catalogação realizada pela Biblioteca Central da UFAM)

I29p

Illenseer, Rafael

“Pescadores sem águas”: estratégias de adaptabilidade dos pescadores

artesanais no Mosaico de Áreas Protegidas do Baixo Rio Negro (AM) / Rafael

Illenseer . - Manaus: UFAM, 2011.

224 f.; il. color.

Dissertação (Mestrado em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na

Amazônia) –– Universidade Federal do Amazonas, 2011.

Orientador: Prof. Dr. Henrique dos Santos Pereira

1. Pesca artesanal - Rio Negro (AM) 2. Recursos pesqueiros - Rio Negro

(AM) 3. Recursos pesqueiros - Políticas públicas - Rio Negro (AM) I. Pereira,

Henrique dos Santos (Orient.) II. Universidade Federal do Amazonas III. Título

CDU 639.21(811.3)(043.3)

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IV

RAFAEL ILLENSEER

“PESCADORES SEM ÁGUAS”: ESTRATÉGIAS DE ADAPTABILIDADE DOS

PESCADORES ARTESANAIS NO MOSAICO DE ÁREAS PROTEGIDAS DO

BAIXO RIO NEGRO (AM)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências do Ambiente e

Sustentabilidade na Amazônia – Nível: Mestrado Acadêmico, para obtenção do Título de

Mestre em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia, Área de Concentração:

Conservação do Recursos Naturais

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________

Profa. Dra.

Elenise Scherer

Universidade Federal do Amazonas

_____________________________________________

Prof. Dr. Henyo Trindade Barreto Filho

Instituto Internacional de Educação no Brasil

______________________________________________

Profa. Dra. Kátia Helena Serafina Cruz Schweickardt

Universidade Federal do Amazonas

Page 5: Pescadores sem águas

V

Em memória de Alberto Horta! Dedicação

aos que pescam e aos que trabalham com

quem pesca (...).

Page 6: Pescadores sem águas

VI

AGRADECIMENTOS

Aos pescadores e lideranças que concederam entrevistas e diálogos frutíferos.

Especial carinho ao Aldenor Sobrinha Barbosa do Sindicato, pelas viagens, conversas,

aprendizados e receptividade, a Pauletiane Horta, pela receptividade e confiança, às

lideranças das colônias e associação dos pescadores, Eugênio, Evandro Cordeiro e

Nazareno, ao sindicalista Júlio Barbosa pelos debates e discussões. Da mesma forma, o

senhor Pedro Torres (Márcio) pelas manifestações.

Agradeço aos riquíssimos depoimentos feitos e conversas: ao Chiquinho e Olavo,

moradores do Rio Cuieiras, Dionísio, Francisco Pagão e Eclesiaste do rio Unini, aos

irmãos Raimundo e Moysés Marques da comunidade Bom Jesus do Puduari, aos irmãos

Raimundo Valente e Edimar, ao Lôro Garcia, Darcimar, Deco, Valter Souza, Acácio,

Roberval e José Pontes.

Ao orientador, Henrique dos Santos Pereira, por estimular a reflexão teórica e

metodológica, pela confiança e leituras minuciosas dos escritos da pesquisa.

Aos amigos que contribuíram na crítica, nas sugestões, no apoio e na amizade

como um todo e no dia a dia: José Basini, Thiago Mota Cardoso e Leonardo Kurihara. Ao

apoio de Mariana Gama Semeghini e Ana Flávia T. Zingra. As leituras e sugestões de

Jasylene de Abreu, Bruno Marchena, prof. Francisco Jorge dos Santos, aos amigos Pablo e

Oscar Sarcinelli (pela disponibilidade). Na trajetória, seja em Novo Airão ou em Manaus,

um agradecimento aos casais Jean-Daniel e Marta, Samuel e Carol; também a Camila

Ferrara, Jaime, Francisco Oliveira, Clarice Bassi, Alexandre Dantas, Rafael, João Bosco,

Guillermo, Sílvia e Adalberto. Aos colegas do mestrado: Dirceu, Luciana e Tijolinho; aos

filósofos, Aderli e Jander; a presença de Michelly, Piquiá, Ana Lúcia e aos demais.

Também a Thaia e Cesinha, ao Marcelo e Carol. Na qualificação, ao prof. Witkoski.

Ainda, às sugestões dadas por Rodrigo Rodrigues de Freitas e ao Pedro Castello Branco.

Agradeço a equipe do IPÊ: Marco Antônio, Nailza, Tina e Jefferson. Ao casal Fernandão e

Rochele; a Merel, Gustavão e Mineiro. Aos amigos (...).

Um agradecimento especial a Aurely P. de Freitas, que acompanhou angústias e

alegrias na luz do Sol ou nas lamparinas da madrugada adentro, aos seus cafés e cafunés. A

sua família, Gilmar e Graça, pelo carinho. E, a minha família, que está longe, no sul do

país aos diferentes hemisférios e meridianos: Maria Helena, Sabine e Maik, ao recém

chegado Victor Elias, tios (as), primos (as) e avós.

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VII

Page 8: Pescadores sem águas

VIII

RESUMO

Com área de 7.437.551 km2, o Mosaico do Baixo Rio Negro (MBRN) é formado por onze

unidades de conservação (UC’s) localizadas nos municípios de Barcelos, Manaus e Novo

Airão, no estado do Amazonas. A criação destas áreas protegidas tanto de proteção integral

como de uso sustentável, em diferentes momentos e por diferentes esferas de governo

(união e estado) significou um reordenamento espacial com forte impacto sobre os

territórios tradicionais da pesca artesanal ao (re)definir regras de uso e aceso aos recursos

pesqueiros. A proposta desta pesquisa foi descrever as estratégias de adaptabilidade dos

pescadores artesanais frente aos diferentes sistemas de gestão dos recursos pesqueiros

coexistentes na área do mosaico. Para a obtenção de dados para este estudo de caso em

escala regional recorreu-se a entrevistas abertas com os atores da pesca, observação

participativa em encontros temáticos, e em reuniões de grupos de trabalho e de conselhos

gestores mantidos pelas instituições gestoras das UC, bem como ao levantamento de dados

secundários em documentos institucionais e na literatura científica especializada. A partir

da descrição histórica das mudanças na atividade da pesca na região, identificam-se os

elementos que contribuíram na formação das identidades dos pescadores artesanais atuais e

de seus sistemas locais de manejo da pesca. Os estilos tradicionais de pesca artesanal –

pesca do pirarucu, de quelônios e de peixe-boi - associados ao extrativismo da borracha

foram sendo alterados em razão da falência da economia da borracha, das leis proibitivas

de determinados produtos extrativistas (Código Florestal e Código de Caça) e também em

razão da política de organização e modernização da pesca comercial. As primeiras UC’s

foram criadas na região nos anos de 1980/1981, concomitantemente com a opção

econômica dos moradores pela intensificação da pesca comercial. Ao mesmo tempo, a

formação de comunidades ribeirinhas e o aumento demográfico criaram novas dinâmicas

sociopolíticas na região. Enquanto que comunidades passaram a “defender” os seus

territórios, propondo acordos de pesca e reservas extrativistas, a proteção e fiscalização das

UC’s passou a ser mais rígida. Atores externos, em particular empresários de turismo da

pesca esportiva, passaram a atuar na região e a influenciar políticas públicas que

garantissem a exclusividade de acesso aos recursos pesqueiros em áreas das comunidades.

A identidade de pescador comercial artesanal foi fortalecida pelas políticas de incentivo à

pesca através do empoderamento das organizações locais de representação política dos

pescadores e que passaram a intermediar o acesso ao benefício social do “seguro defeso”.

Essas organizações também contribuíram para que se estabelecessem negociações entre

pescadores e gestores governamentais para a definição e ampliação do acesso aos

territórios de pesca localizados tanto dentro das UCs como nos seus interstícios. Dessa

maneira, os pescadores combinam quatro tendências de estratégias adaptativas:

desmobilização (ou o abandono da atividade da pesca), mobilização (partir em busca de

novas áreas ou alternativas de pesca), clandestinidade (manter atividade sob restrição

Legal) e co-evolutiva (participar ativamente nos espaços políticos de gestão para

formulação dos acordos).

Palavras-chave: Pesca artesanal; Mosaico de Áreas Protegidas; Baixo Rio Negro;

Adaptabilidade.

Page 9: Pescadores sem águas

IX

ABSTRACT

With an area of 7.437.551 km², the Mosaic of the Lower Rio Negro (MBRN) consists of

eleven conservation units (CUs) located in the municipalities of Barcelos, Manaus and

Novo Airão, in Amazonas state. The creation of these protected areas, some of those for

full protection, others for sustainable use, in different times and created by different levels

of government (union and state) meant a reorganization of space with a strong impact on

traditional fishing areas when (re) defined new rules of use and access to fishing resources.

The purpose of this study was to describe the strategies of adaptability of fishers

concerning the different management systems of fisheries co-existing in the area of the

mosaic. To obtain data for this case study on a regional scale were used: open interviews

with the actors of the fishing; participant observation; thematic meetings; and meetings of

working groups and management boards, maintained by the institutions managing the UC,

and as the survey of secondary data, in institutional documents and specialized scientific

literature. From the description of historical changes in fishing activity in the region is

possible to identify the elements that contributed to the formation of identities of the

current artisanal fishermen and their local systems of fisheries management. The traditional

styles of fishing - fishing for bass, turtles and manatees - associated with the extraction of

rubber have been changed due to the failure of the rubber, the laws prohibiting certain

extractive products (forest code and code of fauna ) and also because of political

organization and modernization of commercial fishing. The first UC's were created in the

region in the years 1980/1981, at the same time that the economical choice for residents

about the intensification of commercial fisheries were made. Meanwhile, the formation of

river communities and population growth have created new socio-political dynamics in the

region. At the same time that communities have to "defend" their territory, proposing

arrangements for fishing and extractive reserves, protection and supervision of UC's

became more rigid. External actors, particularly business tourism of sport fishing, became

active in the region and began to influence public policies that guarantee the exclusivity of

access to fishery resources in areas used by communities. The identity of artisanal

commercial fishermen has been strengthened by policies to encourage fishing through

empowerment of local organizations of political representation and the fishermen who

came to mediate access to social benefit known as "insurance defense". These

organizations also contributed to negotiations between fishermen and government officials

to the definition and expansion of access to fishing grounds, located both within PAs and

in the interstices. Therefore, fishermen combine four trends of adaptive strategies:

demobilization (or abandonment of the activity of fishing), mobilization (from looking for

new or alternative fishing areas), underground (maintain activity under legal restraint) and

co-evolutionary (participate actively in political space for the formulation of management

agreements).

Keywords: Artisanal fisheries; Mosaic of Protected Areas; lower Rio Negro; Adaptability.

Page 10: Pescadores sem águas

X

LISTA DE FIGURAS E TABELAS

Figuras Figura 01 Fotos da comunidade Bom Jesus do Puduari e de comunidades do Rio Jauaperi............. 18

Figura 02 Gráfico sobre a evolução do crescimento demográfico entre 1980 a 2010 ...................... 19

Figura 03 Mapa sobre o mosaico de facto.......................................................................................... 20

Figura 04 Ilustração de sobreposições em amarelo a presença de comunidades............................... 23

Figura 05 Mapa com nome dos rios principais e em tracejado os ambientes aquáticos, onde está

sobreposto com as UC’s..................................................................................................... 33

Figura 06 Esquema sobre a organização da pesquisa......................................................................... 34

Figura 07 Foto aérea do arquipélago de Anavilhanas........................................................................ 38

Figura 08 Ponta da zagaia e pescador confeccionando malhadeira ................................................... 41

Figura 09 Cacuri encontrado no Alto Rio Negro (São Gabriel da Cachoeira) e demonstração do

funcionamento da Pinauaca................................................................................................ 83

Figura 10 Rios principais utilizados nas pescarias............................................................................. 99

Figura 11 Setas ilustrando as direções gerais de deslocamento dos pescadores

rabeteiros.......................................................................................................... .................. 100

Figura 12 Da esquerda para a direita: base flutuante do ICMBio na foz do rio Jaú e paisagem

vista a partir da comunidade Seringalzinho....................................................................... 100

Figura 13 Reunião sobre o Decreto Rio Negro, Câmara dos Vereadores de Novo Airão em

08/05/2010....................................................................................... ................................... 104

Figura 14 Diagrama sintetizando a evolução das instituições gestoras dos recursos pesqueiros e

da pesca.............................................................................................................................. 113

Figura 15 Gráfico da relação total dos pescadores registrados no MPA pelas quatro entidades dos

pescadores até 2010............................................................................................................ 120

Figura 16 Pescadores artesanais fazendo a documentação referente ao “defeso” em novembro de

2010.................................................................................. .................................................. 123

Figura 17 Sítios pesqueiros de comunidades no interior e no entorno do Parest Rio Negro – Setor

Sul...................................................................................................................................... 126

Figura 18 Representação cartográfica do sistema de manejo da pesca.............................................. 133

Figura 19 Fotos ilustrando embarcações de pesca............................................................................. 137

Figura 20 Em tracejado, regiões registradas onde se realiza a pesca de cardumes de Jaraqui e

Matrinchã........................................................................................................................... 141

Figura 21 Representação da pesca de lance (lanço) em praia............................................................ 141

Figura 22 Visão da bóia tipo tambor e submerso na águas os anzóis do espinhel............................. 143

Figura 23 Acordos de Pesca no Baixo Rio Negro – detalhes do acordo no Rio Unini e Jauaperi ,

localização do Acordo de Pesca do Juvêncio ao Puduari e Decreto Rio Negro................ 151

Figura 24 Reunião sobre o Acordo de Pesca do Rio Jauaperi em 09/09/2009................................... 154

Figura 25 Mapa da primeira proposta do acordo de pesca em 2006.................................................. 157

Figura 26 Mapa do acordo de pesca do igarapé do Juvência ao Puduari........................................... 158

Figura 27 Assembléia Intercomunitária na Câmara Municipal de Novo Airão no dia 06/12/2010 .. 160

Figura 28 Vista da região próxima da Comunidade Bom Jesus do Puduari...................................... 172

Figura 29 Por do Sol no Rio Negro.................................................................................................... 199

Lista de Tabelas Tabela 01 Lista das áreas protegidas................................................................................................ 21

Tabela 02 Relação entre regiões de pesca abordadas e dados das comunidades ............................ 36

Tabela 03 Lista de espécies pescadas para fins de alimentação e comércio ................................... 43

Tabela 04 Esquema descrevendo as UC’s do baixo rio Negro e o histórico................................... 63

Tabela 05 Territórios sociais e seus antecedentes históricos........................................................... 65

Tabela 06 Sistemas de gestão por períodos estabelecidos nesta pesquisa....................................... 95

Tabela 07 Síntese dos eventos que envolvem a criação e implementação do Parna do Jaú e da

Esec de Anavilhanas........................................................................................................ 102

Tabela 08 Principais eventos que restringiram a atividade da pesca artesanal comercial.............. 107

Tabela 09 Relação de beneficiários do “seguro defeso” dividido entre sede urbana e zona rural... 121

Tabela 10 Informações no que diz respeito a pesca comercial embarcada...................................... 135

Tabela 11 Sistema de gestão da pesca no baixo rio Negro.............................................................. 174

Tabela 12 Tabela comparativa entre as regras referentes a pesca comercial................................... 175

Page 11: Pescadores sem águas

XI

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AARJ - Associação dos Artesãos do Rio Jauaperi

AMORU – Associação dos Moradores do Rio Unini

APA – Área de Proteção Ambiental

APNA – Associação dos Pescadores de Novo Airão

ARIE – Área de Relevante Interesse Ecológico

CEBs - Comunidades Eclesiais de Base

CEUC - Centro Estadual de Unidades de Conservação

CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

CNPT Centro Nacional de Desenvolvimento Sustentado das Populações Tradicionais

CODEPE – Conselho Nacional de Desenvolvimento da Pesca

ECOEX - Associação Ecológica dos Agroextrativistas do Baixo Rio Branco do Baixo Rio

Branco-Jauaperi

ESEC – Estação Ecológica

FNMA – Fundo Nacional do Meio Ambiente

FUNAI – Fundação Nacional do Índio

FVA - Fundação Vitória Amazônica

IBAMA – Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis

IBDF – Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal

ICMBio – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade

INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

INPA – Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia

IPAAM – Instituto de Proteção Ambiental do Estado do Amazonas

IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas

ITERAM – Instituto de Terras e Colonização do Estado do Amazonas

MAQUIRA – RONA – Rede de Organizações de Novo Airão

MBRN - Mosaico de Áreas Protegidas do Baixo Rio Negro

OPAN – Operação Amazônia Nativa

PAREST – Parque Estadual

PARNA – Parque Nacional

PCE – Projeto Corredores Ecológicos

PDS – Projeto de Desenvolvimento Sustentável

Page 12: Pescadores sem águas

XII

PI – Proteção Integral

RDS (REDES) – Reserva de Desenvolvimento Sustentável

SDS – Secretaria do Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável

SEMMA – Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Manaus

SINDPesca – Sindicato dos Pescadores da Calha do Rio Negro

SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação

SUDEPE – Superintendência de Desenvolvimento da Pesca

SUDHEVEA – Superintendência de Desenvolvimento da Borracha

TI – Terra Indígena

UC – Unidade de Conservação

US – Uso Sustentável

Page 13: Pescadores sem águas

XIII

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO DA ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO............................ 14

1. IGARAPÉ: O CAMINHO DA PESQUISA .................................................... 15

1.1 O PROBLEMA DA PESQUISA........................................................................ 15

1.2 OBJETIVOS....................................................................................................... 25

1.3 Objetivo geral ..................................................................................................... 25

1.4 Objetivos específicos ......................................................................................... 26

1.3 QUESTÕES ORIENTADORAS E PRESSUPOSTOS DA PESQUISA .......... 26

2. METODOLOGIA .............................................................................................. 28

2.1 ABORDAGEM ................................................................................................. 28

2.2 A ORGANIZAÇÃO DA PESQUISA E AS TÉCNICAS UTILIZADAS.......... 29

2.2.1 Do acesso as áreas da pesquisa........................................................................ 35

2.2.2 Da logística e apoio......................................................................................... 35

2.3 A REGIÃO DE ESTUDO.................................................................................. 35

2.3.1. Os ambientes da pesca ................................................................................... 38

2.3.1.1 Aspectos biofísicos ...................................................................................... 38

2.3.1.2 Os ambientes e a pesca................................................................................. 40

3. TRAMAS DA PESCA: TEORIAS E CONCEITOS ...................................... 46

3.1 O SISTEMA SÓCIO-ECOLÓGICO DA PESCA ARTESANAL .................... 46

3.2 ESTRATÉGIAS DE ADAPTABILIDADE: CONCEITOS E DILEMAS ....... 47

3.2.1 Notas introdutórias .......................................................................................... 47

3.2.2 Incorporando uma visão sistêmica .................................................................. 48

3.2.3 Uma crítica ...................................................................................................... 50

3.2.4 Construindo um significado próprio................................................................ 51

3.3 “OS RECURSOS DE USO COMUM” ............................................................ 53

3.3.1 Base comum de recursos naturais ou recursos de uso comum/coletivo.......... 53

3.3.2 Regimes de propriedade, instituições, os recursos de uso comum/coletivo ... 53

3.3.3 Os Sistemas de gestão...................................................................................... 56

3.3.4 Os usuários - “os pescadores artesanais” ........................................................ 59

3.3.5 Os “processos territoriais” e a pesca ............................................................... 60

3.3.6 A formalização do Mosaico do Baixo Rio Negro .......................................... 66

4. FRAGMENTOS DE UMA HISTÓRIA SOCIAL DA PESCA 69

Page 14: Pescadores sem águas

XIV

ARTESANAL NO RIO NEGRO..........................................................................

4.1 NOTAS INTRODUTÓRIAS ............................................................................. 69

4.2 ASPECTOS HISTÓRICOS DA PESCA: DO PERÍODO BRASIL

COLONIAL AO REPUBLICANO......................................................................... 70

4.2.1 Das paragens aos pesqueiros reais.................................................................. 70

4.2.2 Da municipalidade a federalidade da pesca (Anos de 1850 a 1912).............. 74

4.3. A PESCA NO SÉCULO XX............................................................................. 77

4.3.1 No início do século......................................................................................... 77

4.3.2 Entre 1950 a 1989............................................................................................ 79

4.4. VISÕES DA PESCA NO BAIXO RIO NEGRO............................................. 82

4.4.1 “Das proibições a nova profissão” – visões sobre a formação dos

pescadores artesanais no baixo rio Negro................................................................ 82

4.4.2 Contextos históricos em três décadas ............................................................. 89

4.4.2.1 Anos 80......................................................................................................... 89

4.4.2.2 Anos 90......................................................................................................... 92

4.4.2.3 Anos 2000..................................................................................................... 94

4.5 SÍNTESES PRELIMINARES............................................................................ 94

5. AS INSTITUIÇÕES FORMAIS DE MANEJO DA PESCA.......................... 97

5.1 CONTEXTUALIZAÇÕES INICIAIS................................................................ 97

5.2 AS RESTRIÇÕES GRADATIVAS PARA SE PESCAR.................................. 98

5.3 DINÂMICAS INSTITUCIONAIS DO MANEJO DA PESCA........................ 108

5.3.1 As agências estatais de manejo na região....................................................... 108

5.3.2 As organizações sociais e a pesca no baixo rio Negro.................................... 114

6. MOSAICOS FLUÍDOS: SISTEMAS DE MANEJO DA PESCA

ARTESANAL.......................................................................................................... 125

6.1 CONTEXTUALIZAÇÕES INICIAIS .............................................................. 125

6.2 SISTEMAS DE PESCARIAS ARTESANAIS – COMERCIAIS...................... 127

6.3 AS NEGOCIAÇÕES DE USO E ACESSO...................................................... 145

6.3.1 Os acordos formais de pesca no Mosaico........................................................ 146

6.3.2 “Os acordos informais” de pesca no Mosaico ............................................... 165

7. AS ESTRATÉGIAS DE ADAPTABILIDADE............................................... 177

7.1 O ARPÃO E O ANZOL.................................................................................... 177

7.2 A DESMOBILIZAÇÃO..................................................................................... 179

Page 15: Pescadores sem águas

XV

7.3 A MOBILIDADE............................................................................................... 183

7.4. A CLANDESTINIDADE.................................................................................. 185

7.5 A ADAPTABILIDADE CO-EVOLUTIVA....................................................... 189

7.6 ESTRATÉGIAS ADAPTABILIDADE DOS PESCADORES E DA

GESTÃO TERRITORIAL – PESQUEIRA ............................................................. 191

8. CONSIDERAÇÕES E REFLEXÕES DA PESQUISA................................... 195

8.1 A METODOLOGIA E OS PERCALÇOS......................................................... 196

8.2 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................. 194

9. BIBLIOGRAFIA ............................................................................................... 200

ANEXO 01 Tabela com a tipologia de pescadores.................................................. 215

ANEXO 02 Cronologia da pesquisa......................................................................... 217

ANEXO 03 Documentos de anuência e autorização de pesquisa............................. 219

Page 16: Pescadores sem águas

14

APRESENTAÇÃO DA ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO

A dissertação está organizada em oito partes. O primeiro capítulo trata da

construção do problema, elucidas hipóteses e objetivos da pesquisa. É o início da linha de

raciocínio e traz alguns elementos que são aprofundados ao longo de todo o texto.

O capítulo 2 mostra como foram buscadas as informações e, portanto uma

descrição da metodologia e breve descrição da área de estudo: o Baixo Rio Negro.

Segue-se no terceiro capítulo com o referencial teórico, no qual foram eleitos

alguns autores que discutem sobre as teorias da adaptabilidade humana e sobre os recursos

de uso comum: a pesca, os usuários, os sistemas de manejo e o território.

O capítulo 4 é um convite ao passado a partir de alguns fragmentos da história da

pesca e o Rio Negro. Também são citados alguns depoimentos de como os pescadores

artesanais fizeram a opção pela pesca, como era a pesca nas suas memórias, significados a

partir da leitura dos dias atuais e como esta atividade foi se modificando até os dias atuais.

Além disto, mergulha-se em diferentes contextos históricos, sobretudo nos últimos 30

anos.

Já nos capítulos 5 e 6 são tratados os sistemas de gestão da pesca artesanal –

divididas da seguinte maneira: no 5 é tratado o tema as instituições locais de manejo e as

políticas públicas (agências governamentais da pesca e ambientais e as organizações

formais dos pescadores); e, no capítulo 6, é descrita a dinâmica territorial relacionado os

sistemas de gestão coexistentes.

Enquanto que nos três primeiros capítulos se constrói as bases teóricas e

metodológicas, nos três capítulos seguintes corresponde à formulação da argumentação

para se refletir sobre as estratégias de adaptabilidade, que estão descritas no capítulo 7. As

considerações finais correspondem ao capítulo 8.

Portanto, espera-se que os leitores possam iniciar a leitura e somar com seus

pensamentos, realizar questionamentos e críticas, ou ainda estimular novas direções para se

pensar esta pesquisa e outras, no que diz respeito à dinâmica socioambiental no contexto

amazônico e, mais especificamente, no Baixo rio Negro, onde se formam mosaicos de

áreas protegidas, de paisagens e de territórios sociais em movimento.

Page 17: Pescadores sem águas

15

1. IGARAPÉ1: O CAMINHO DA PESQUISA

O rio é quem batiza e sacramenta o homem nas suas

relações sociais e econômicas, geográficas e

políticas até. O caboclo não diz, por exemplo:

“nasci em Humaitá, prefere dizer: nasci no

Madeira; não diz “casei-me em Santa Isabel, mas

casei-me no Rio Negro (...) (BENCHIMOL, 2010 p.

536).

1.1 O PROBLEMA DA PESQUISA

A área de estudo é chamada do Baixo Rio Negro, região compreendida entre os

municípios de Manaus e sul de Barcelos (Rio Branco) tendo ao centro o município de

Novo Airão que é o ponto de partida desta pesquisa. Os limites, portanto, são objetivos e

subjetivos, pois não são estabelecidas por coordenadas geográficas precisas, mas por

processos políticos e múltiplas visões sobre o território das diversas culturas que habitam

essa região e conformaram seus “limites” ao longo da história (LEONARDI, 1999).

Atualmente, existe a presença do Mosaico2 de Áreas Protegidas do Baixo Rio Negro

(MBRN3).

Os sujeitos da pesquisa são os (as) pescadores (as) artesanais comerciais em

diferentes escalas de atuação: locais (pescam próximos as suas residências) ou itinerantes

(locomovem-se a distâncias maiores) ou comerciais, o que será mais bem descrito adiante

(no capítulo 03). O (A) pescador (a) torna-se pescador (a) pela ação, onde experimenta,

atualiza, contrasta e aprende novos conhecimentos do meio (ALLUT, 2000).

Até os anos 60 e 70, ser pescador (a) artesanal implicava em “atraso” citado em

documentos governamentais (GALVÃO, 1982; LEITÃO, 1995). Ou seja, para os

1 Igarapé é denominado por Bates (1979) como sendo o caminho da canoa.

2 Segundo o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC - Lei 9985 de 18 de julho de 2000),

artigo 26: “Quando existir um conjunto de unidades de conservação de categorias diferentes ou não,

próximas, justapostas ou sobrepostas, e outras áreas protegidas públicas ou privadas, constituindo um

mosaico, a gestão do conjunto deverá ser feita de forma integrada e participativa, considerando-se os seus

distintos objetivos de conservação, de forma a compatibilizar a presença da biodiversidade, a valorização da

sociodiversidade e o desenvolvimento sustentável no contexto regional”. 3 O MBRN é oficialmente reconhecido pela Portaria Nº 483, de 14 de dezembro de 2010 compondo 11

unidades de conservação.

Page 18: Pescadores sem águas

16

formuladores das políticas públicas o conhecimento “tradicional” dos (as) habitantes nos

rios amazônicos correspondia a um atraso no desenvolvimento econômico da atividade da

pesca: os hábitos alimentares eram carregados de mitos e tabus, além do mais, os

pescadores defendiam os seus territórios, impedindo a exaustão de seus recursos

(GALVÃO, 1982). Portanto, o governo considerava necessária uma política de

modernização para que os (as) artesãos (ãs) da pesca não atrapalhassem mais o

desenvolvimento de uma atividade econômica.

Se por um lado, o viés destacado em documentos referentes às políticas públicas

era o econômico desenvolvimentista, referências de bibliografias e outros documentos

indicam que os recursos pesqueiros fazem parte da base alimentar protéica amazônica

(CASTRO, 1984; LEONEL, 1998; BENCHIMOL, 2010) e também de um modo de vida

em relação à população envolvente (FURTADO, 2006). Neste sentido, do ponto de vista

histórico, Furtado (2006) ressalta que a pesca nesta perspectiva envolve o contato de

populações locais, como as indígenas, que manejavam os recursos pesqueiros, com

diferentes projetos coloniais o que dá a pesca uma característica pluriétnica em

significados, conhecimentos e na adaptabilidade; e, assim como um sentido ou modo de

vida. Até o século XIX, Veríssimo (1970) afirmou que as práticas de pesca eram

essencialmente indígenas, não só realizada pelos indígenas, mas pelas populações que

residiam na Amazônia naquele período, mesmo tendo incorporado técnicas como, por

exemplo, a rede de pescar.

No Baixo Rio Negro a forma com a pesca se apresenta hoje teve influência de três

fatores: 1) a política de incentivos econômicos4, essencialmente nos anos 50 e 60

(CASTRO e MACGRATH, 2001, PEREIRA, 2004); 2) como uma opção dentro de uma

diversificação extrativista, alternativa a falência do ciclo econômico da borracha; e 3) da

proibição de outros produtos extrativistas relacionados a este modelo, como as “fantasias5”

ou a madeira, somente para dar dois exemplos.

A política de incentivos permitiu que alguns moradores da região, entre os quais,

pescadores, que tiveram acesso a um capital financeiro adquirissem ou adaptassem os seus

barcos para realização da pesca comercial nos anos 1970, outro grupo adquiriu pequenas

embarcações como canoas a motor rabeta, conhecidos como “rabeteiros”, sobretudo nos

4 Decreto N

o. 58.696, de 22/06/1966, que inclui a pesca como indústria de base (adquirindo o direito da

atividade pesqueira ser financiada por órgãos governamentais); o decreto-lei 221 de 1967, que concedeu

incentivos fiscais a atividade da pesca, impulsionando a produção pesqueira.

5 Fantasia é denominação a caça de animais silvestres para exportação do couro, peles e carne.

Page 19: Pescadores sem águas

17

anos 90 e há, ainda, aqueles que pescam no cotidiano, moradores das comunidades

ribeirinhas ou citadinas. Segundo BERKES et al. (2001), pescadores compõem uma

comunidade interdependente no sistema de manejo, nas relações sociais e econômicas.

Se atualmente navegarmos no Rio Negro ou em outros rios amazônicos e

observarmos vilarejos espalhadas em suas margens são - denominadas comunidades - , que

além das casas, apresentam alguma infraestrutura de políticas públicas, como escola ou

posto de saúde, uma igreja, entre outras; ou ainda chamadas de localidades (mais simples e

normalmente com ausência dessa infraestrutura). A presença das comunidades e/ou

localidade remete-se ao histórico de ocupação populacional durante os dois ciclos

econômicos do extrativismo da borracha, o primeiro entre meados de 1870 até 1920 e o

segundo, entre 1940 a 1945/60 (LEONARDI, 1999; BENCHIMOL, 2010). Nesse período,

a organização social era, não por comunidades, mas por “colocações”, onde os seringueiros

(extrativistas da borracha) eram colocados em determinadas regiões isoladamente ou com a

sua família, distantes umas das outras, e controlados pelos administradores dos “seringais”.

Quando o sistema entrou em falência, houve uma reorganização das pessoas das

colocações que migraram das cabeceiras de rios e igarapés para as calhas principais, ou

para regiões mais próximas de acesso a circulação de pessoas. Segundo a argumentação de

Chaves et al (2004) as pessoas passaram a se agrupar em locais mais estratégicos, mas que

estivessem vinculados à origem do lugar e se agrupassem normalmente entre graus de

afinidade ou parentesco. O motivo para que se formassem as comunidades, consistia em

fugir do isolamento, agregando um maior foco da agricultura ao extrativismo realizado,

onde, às vezes, era necessária a cooperação entre famílias para realizar este trabalho,

conhecidos como “ajuris” em parte do Baixo Rio Negro, o que representaria, por exemplo,

os mutirões para realizar os cultivos, como a abertura de roçados.

Outro motivo, como registrado no caso do Rio Unini foi à necessidade da

nucleação das moradias ditada pelos governos locais com pré-requisito para o acesso as

políticas públicas especialmente à escola e à saúde (CHAVES et al, 2004). Para Pereira

(2004, p. 15), comunidades rurais, como conceito e forma de organização política

autônoma, são inovações recentes na vida social de populações rurais amazônicas. A Igreja

Católica brasileira e sua principal organização política – CNBB (Conferência Nacional dos

Bispos do Brasil) introduziram o conceito de CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) em

1962. Entre os assentamentos rurais espontâneos que se formaram ao longo dos rios

amazônicos, não havia nenhuma forma de organização política antes da fundação das

Page 20: Pescadores sem águas

18

CEBs rurais. No entanto, alguma forma de agrupamento social anual existia nas

localidades onde um “Festejo de Santo” e sua irmandade ou um time de futebol requeriam

uma organização permanente. Os conceitos de “localidade” e de “territorialidade” já

estavam, portanto, presentes e serviram para delinear as futuras CEBs como as

organizações sociais com bases territoriais. A maioria das CEBs foi criada no início dos

anos 70, período que correspondeu à intensa atividade política em diversas prelazias da

Amazônia.

A partir dos anos 90 diferentes associações de produtores familiares passaram a

criar “comunidades” ou então essas passaram a ser reconhecidas pelas prefeituras

municipais, com o objetivo de implementar políticas públicas educacionais ou de saúde,

como a construção de escolas e postos de saúde respectivamente. Em outra visão, do ponto

de vista mais “endógeno”, Gusfield (1975) ressalta que um grupo social marca a sua

diferença em relação a outros grupos, seja por pertencer a um mesmo local de moradia,

seja por recorrer a uma identidade comum, cuja coesão é a sua própria razão de ser ou, em

outras palavras, trata-se de uma construção social onde o fato de haver o pertencimento

gera direitos espaciais em relação a outros que não o têm. Abaixo fotos ilustrativas.

FIGURA 01: Fotos de comunidades - no canto superior a esquerda, Bom Jesus do Puduari, a direita e abaixo

fotos de comunidades do Rio Jauaperi (Fonte: o autor)

Page 21: Pescadores sem águas

19

O importante ao frisar o movimento de reconhecimento de novos territórios

comuns, das comunidades, é marcar que existem diferentes dinâmicas socioambientais que

se intercruzam. A primeira delas é que a opção da atividade econômica da pesca passou a

representar uma alternativa e estabeleceu redes de relacionamentos no território, entre

novos patrões, pescadores artesanais (comerciais, parceiros ou ribeirinhos) e consumidores

influenciados por uma política pública setorial da pesca. Este argumento se alia ao fato de

ocorrer um aumento demográfico tanto na área rural quanto urbana a exemplo do

município de Novo Airão (Ver figura 02). E somado a esses marcos é que foram criadas as

duas primeiras unidades de conservação, o Parque Nacional do Jaú, em 1980 e a Estação

Ecológica de Anavilhanas6.

Figura 02: Gráfico sobre a evolução do crescimento demográfico entre 1980 a 2010.

Fonte: www.ibge.gov.br (Acesso em 15/04/2011)

As duas unidades de conservação federais criadas fazem parte de um início de uma

política pública setorial ambiental ou de conservação ambiental, seguido pela criação de

mais setes unidades de conservação estaduais, criadas nos anos de 1995, 1998, 2001 e

2008; uma municipal, criada em 2005; outra federal, criada em 2006; e o reconhecimento

6 A ESEC de Anavilhanas foi recategorizada como Parque Nacional (PARNA) em 2008 pelo Lei Nº 11.799

de 29 de outubro de 2008. Assim, cada vez que for nomeado ESEC de Anavilhanas quer dizer que a

informação e a discussão é anterior a este decreto, e quando estiver PARNA de Anavilhanas quer dizer que é

de 2008 para o presente.

Page 22: Pescadores sem águas

20

de uma terra indígena, Waimiri Atroari7, em 1989, conforme mapa e listagem abaixo

(Figura 03 e tabela 01). Ou seja, o território se configura também como um mosaico de

áreas protegidas de facto e de juri8 quando os gestores das unidades de conservação, junto

com as organizações ambientalistas, solicitam o seu reconhecimento em 2010 como o

Mosaico de Áreas Protegidas do Baixo Rio Negro (MBRN).

Figura 03:Mapa sobre o mosaico de facto. Ao centro a sede urbana de Novo Airão

(ponto vermelho e ao norte o rio Branco já no limite entre o baixo e médio rio Negro.

Fonte: Banco de Dados do IPÊ com arquivos do Governo do

Estado Amazonas e sites governamentais

(www.ibge.gov.br; www.mma.gov.br; www.funai.gov.br; www.ana.gov.br)

7 Neste caso não se tratou da política ambiental, mas da política indigenista.

8 Utilizam-se as expressões de facto e de júri para diferenciar dois mosaicos. O Mosaico oficialmente

reconhecido composto por unidades de conservação (júri) e o mosaico de facto como sendo aquele onde

estão outros territórios não reconhecidos neste instrumento por motivos de não adesão (Exemplo: Terra

Indígena Waimiri Atroari) ou pela processos ainda não consolidados de reconhecimento de terras indígenas,

os limites da terra remanescente quilombola do Tambor ou a grande parte dos territórios tradicionais

ocupados pelas quase oitenta comunidades ribeirinhas.

Page 23: Pescadores sem águas

21

Tabela 01 – Lista das áreas protegidas, suas categorias (US – Uso Sustentável; PI – Proteção Integral), dados

de criação, unidades gestoras (ICMBio – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade; SDS –

Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Estado do Amazonas; CEUC –

Centro Estadual de Unidades de Conservação; e SEMMA – Secretaria Municipal de Meio Ambiente –

Manaus) e o status de elaboração de plano de gestão e conselhos gestor.

Áreas Protegidas Categoria Ano de criação Unidade

Gestora

Superfície

(hectares) Plano de Gestão/

Conselho Gestor

Área de Proteção

Ambiental Tarumã-

Açú e Tarumã-Mirim

US

Criada em 02/04/

1995. Decreto n°

16.498

SDS/CEUC 56.793 Não há

Reserva de

Desenvolvimento

Sustentável do Tupé

US

Criado em 25/08/

2005. Decreto

Municipal 8044

SEMMA 11.973 SIM

Área de Proteção

Ambiental do Rio

Negro – Setor Aturiá-

Apuaúzinho

US

Criado em

02/04/1995. Decreto

Estadual 16.490

SDS/CEUC 643.215 Não há

Parque Estadual do

Rio Negro - Setor Sul PI

Criado em 02/04/

1995. Decreto

Estadual 16.497 e re-

delimitação pela Lei

Estadual 2.646 de 22

de Maio de 2001

SDS/CEUC 157.807 SIM

Parque Nacional de

Anavilhanas PI

Criada em 02/07/1981

pelo Decreto Federal

86.061 (ESEC);

Categoria alterada

para PARNA em

29/10/2008 pelo

Decreto nº 6409/05

ICMBIO 350.018 SIM

Área de Proteção

Ambiental do Rio

Negro – Setor

Paduari-Solimões

US

Criado em

02/04/1995. Decreto

estadual 16.498

SDS/CEUC 463.387 Não há

Reserva de

Desenvolvimento

Sustentável do Rio

Negro

US

Criada em

26/12/2008. Decreto

Lei nº 3355

SDS/CEUC 102.978 Em elaboração

Conselho: sim

Parque Estadual do

Rio Negro - Setor

Norte

PI

Criado em 02/04/ 995

Decreto Estadual

16.497

SDS/CEUC 146.028 SIM

Parque Nacional do

Jaú PI

Criado em 24/09/

1980. Decreto Federal

85.200

ICMBIO 2.272.000 SIM

Reserva Extrativista

do rio Unini US

Criado em

21/06/2006. Decreto

Federal s/n -

ICMBIO 883.352

PM: Em

elaboração

Conselho: SIM

Reserva de

Desenvolvimento

Sustentável do Amanã

US

Criada em 04 de

Agosto de 1998 pelo

Decreto Estadual

19.021

SDS/CEUC 2.350.000 Em elaboração

Terra Indígena

Waimiri Atroari

Não se

aplica

Decreto de

homologação 97.837

de 1989.

Não se

aplica 2.585.911 Não se aplica

ÁREA TOTAL

(Hectares) Mosaico de facto: 10.023.462 Mosaico: 7.437.551

Page 24: Pescadores sem águas

22

Fonte: FVA/IBAMA, 1998; IBAMA, 1999; SDS/CEUC, 2010A; SDS/CEUC, 2010B, IPE, 2008; IPE, 2011;

www.waimiriatroari.org.br (acessado em 15/04/2011).

O mosaico está permeado de conflitos socioambientais, especialmente aqueles

gerados pelo fato de populações humanas residirem no interior das UC’s de proteção

integral. Esta tipologia de UC segundo o Sistema Nacional de Unidades de Conservação –

SNUC (BRASIL, 2000), é restrita quanto à permanência de populações humanas no

território e o acesso e uso direto de recursos naturais. Além desse fato, em grande parte do

território existem sobreposições de áreas com diferentes regimes de propriedade. São

identificados quatro regimes de propriedade na região do MBRN: O regime estatal, quando

se trata das unidades de conservação, onde as normas de acesso e uso são estabelecidas

pelo Estado (governo federal, estadual ou municipal); as áreas privadas, quando também

reconhecidos pelo Estado; as áreas de uso coletivo quando se consideram de forma mais

ampla os territórios sociais, nos quais se encontram as oitenta comunidades;9 e os

territórios da pesca, sendo de livre acesso, neste caso quando existe ausência de definição

do regime de propriedade.

As áreas de pesca são tratadas pela legislação vigente como sendo de “livre acesso”

(ausência de definição do regime de propriedade) (PEREIRA, 2004; CASTRO e

MCGRATH, 2001), para que o acesso seja permitido a qualquer pescador, mas com uma

normatização federal de manejo centralizada10

e pouco adaptada para a realidade do baixo

rio Negro, como é problematizado nesta pesquisa. Isso não quer dizer que, as áreas sejam

de livre acesso de facto, pois, tanto pescadores artesanais comerciais, quanto outros

pescadores – de comunidades, ou em um escala menor –, possuem suas histórias e seus

modos de “lidar” com o território.

A presença do Mosaico possui relevância de proteger a rica biodiversidade,

sobretudo no Rio Negro, considerado uma das áreas prioritárias para as políticas públicas

de sua conservação in situ. Cardoso et al. (2009) e Sarcinelli et al. (2009) destacaram o

desafio de se buscar a gestão integrada e participativa desse Mosaico, que além de áreas

prioritárias de conservação da biodiversidade, possuem no seu contexto diferentes

9 Comunidades ribeirinhas são reconhecidas por administrações municipais, pelos órgãos gestores de

unidades de conservação através dos planos de manejo ou gestão, mas não são consolidadas ou reconhecidas

como territórios sociais, apesar de o Decreto Nº 6.040, de 7 de fevereiro de 2007, que institui a Política

Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais já tenha avançado na conceituação especialmente que diz

respeito aos territórios tradicionais, mas ainda faltam leis que complementares para a sua regulamentação.

10 Refere-se as leis de pesca definidas sem participação dos pescadores válidas para abrangência do território

Federal e/ou Amazônico.

Page 25: Pescadores sem águas

23

territórios sociais, ou seja, também a sociodiversidade na sua constituição. Alguns desses

territórios sociais são multiétnicos, como por exemplo, com a existência de comunidades

mistas que contém indígenas, de diferentes etnias, e não indígenas. Alguns grupos

indígenas têm solicitado reconhecimento junto a Fundação Nacional do Índio – FUNAI de

sua identidade e demarcação territorial: no Rio Cuieiras (sobrepõe o Parque Estadual do

Rio Negro PAREST Setor Sul) e outra, próximo a sede municipal de Novo Airão, na

margem direta (sobrepõe a Área de Proteção Ambiental APA Margem Direita do Rio

Negro). Ainda no Rio Cuieiras, existe um Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS),

categoria de assentamento estabelecida pelo INCRA, solicitada por grupos de comunidades

não indígenas. E, ainda, existe um território remanescente quilombola11

, reconhecido, mas

com seus limites ainda a serem definidos no meio do Parque Nacional do Jaú (Ver figura

04).

Figura 04: Ilustração de sobreposições em amarelo a presença de comunidades.

Fonte: Banco de dados do IPÊ.

11 Portaria N

o 11 de 06 de junho de 2006 (Fundação Palmares).

Page 26: Pescadores sem águas

24

As evidências, assim, permitem dizer que o Baixo Rio Negro é “atravessado” por

processos políticos, cada qual com sua história, relacionados entre pessoas e instituições

(normas e leis), neste caso: ambiental, indígena, reforma agrária quilombola e também os

territórios pesqueiros, buscando o seu reconhecimento e controle territorial. Leff (2007),

sugere que, quando os grupos sociais são historicamente desapropriados de seu território,

estes tendem a buscar estratégias para se reapropriar de seus territórios buscando a sua

auto-gestão.

Quando as unidades de conservação são de proteção integral, não se permite o uso

direto dos recursos naturais, salvo com normas para moradores ou usuários, desde que para

a subsistência. O PARNA do Jaú e o PARNA de Anavilhanas representam parte dos

ambientes aquáticos não acessíveis para a pesca comercial. É possível dizer que o “que

sobrou” para os (as) pescadores (as) é o interstício do MBRN e o seu entorno. O interstício

é a região compreendida entre os dois Parques e o entorno é a região entre o Rio Jauaperi

até o Rio Branco, que já estaria no limite entre o Baixo e o Médio Rio Negro.

Porém, estes locais, que seriam considerados de “acesso livre” para a pesca

artesanal comercial, foram em parte “interditados” por dois acordos de pesca solicitados

pelas comunidades ribeirinhas e reconhecidos pelo IBAMA (Instituto Brasileiro de Meio

Ambiente e Recursos Naturais Renováveis). É o caso do Rio Unini (2004), atualmente

RESEX, e do Rio Jauaperi (2006), no qual também existe o pedido de criação de outra

RESEX. Um terceiro acordo de pesca foi organizado no interstício do Mosaico e foi

solicitado seu reconhecimento, no mesmo período, sem sucesso, conforme será descrito no

capítulo 05 e 06.

A região do Médio Rio Negro, limite entre Barcelos e Santa Isabel do Rio Negro,

também sofreu restrições de pesca entre 2001 a 2007 pela edição do “Decreto Rio Negro”

(Decreto Estadual 22.304 de 20/11/2001) depois reeditado entre 2007 a 2011, permitindo

que os pescadores de Novo Airão acessassem esta região, mas não permitindo a exploração

comercial de duas espécies de peixe: o Aruanã Preto (Osteoglossum spp) e o Tucunaré

(Cichla spp). A primeira com interesse do comércio de peixes ornamentais e a segunda de

interesse do turismo de pesca esportiva.

Portanto, “Pescadores sem águas?” trata-se de uma primeira pergunta frente a esse

cenário de restrições e também à hipótese inicial da pesquisa. Diante das restrições

impostas ao acesso dos ambientes de pesca, era de se esperar que esse número de

pescadores fosse reduzido ou se “extinguisse”. Mas, de forma contraditória, se observa o

Page 27: Pescadores sem águas

25

reconhecimento recente, sobretudo nos últimos três anos de 1244 pescadores12

, junto ao

Ministério da Pesca e Aquicultura. O número de pescadores estaria aumentando, ou trata-

se de um “mero” reconhecimento?

O cenário, portanto, combina a restrição territorial das políticas de conservação

ambiental com o reconhecimento dos pescadores artesanais das políticas de incentivo a

pesca. Este reconhecimento é feito a pedido das organizações sociais dos pescadores de

Novo Airão, especialmente as Colônias de Pescadores AM 34 e Z 34, a Associação dos

Pescadores de Novo Airão (APNA) e do Sindicato dos Pescadores da Calha do Rio Negro

(SINDPesca), junto ao Ministério da Pesca, frente a uma política setorial do Seguro

Desemprego do Pescador Artesanal, ou mais popularmente conhecido como “Seguro

Defeso”.

Diante as aparentes contradições entre a política ambiental territorialmente

restritiva e a política de reconhecimento dos pescadores que se entrechocam em uma

dinâmica socioambiental, se combinam diferentes regimes de propriedade de acesso e uso

dos recursos pesqueiros, no qual se pergunta: quais seriam as respostas “adaptativas” dos

pescadores artesanais frente a esse cenário?

Para o referencial teórico buscou-se formular uma definição sobre as estratégias de

adaptabilidade e conceituar “recursos de uso comum”, regimes de propriedade, gestão, os

usuários de recursos comuns e território (capítulo 3). Portanto, não se trata apenas de ver

qual o “lugar” que os (as) pescadores (as) têm no Mosaico, mas também de refletir qual é o

“lugar” que o Mosaico possui na vida dos (as) pescadores (as). Ou ainda: assim como se

pode ver e reconhecer que existe um mosaico de unidades de conservação, também se

sugere ver que existe um mosaico histórico e cultural; e assim, este trabalho especialmente,

é um convite para se observar a existência de um mosaico da pesca e que nele coexistem

diferentes modelos de gestão e formas de adaptabilidade.

1.2 OBJETIVOS

1.2.1 Objetivo geral

12 Informação cedida pelo Ministério da Pesca e Aqüicultura (MPA).

Page 28: Pescadores sem águas

26

O objetivo geral é descrever as estratégias de adaptabilidade dos pescadores

artesanais frente aos sistemas de gestão de recursos pesqueiros coexistentes no Mosaico de

Áreas Protegidas do Baixo Rio Negro (MBRN) - AM.

1.2.2 Objetivos específicos

Identificar os principais aspectos históricos que consolidaram as atividades

pesqueiras no Baixo Rio Negro;

Identificar e descrever os diferentes sistemas de gestão presentes nas práticas da

pesca (MBRN);

Analisar estratégias de adaptabilidade dos pescadores na região do MBRN

1.3 QUESTÕES ORIENTADORAS E PRESSUPOSTOS DA PESQUISA

Na região do Mosaico de Áreas Protegidas do Baixo Rio Negro, os dois acordos de

pesca restritivos e o decreto “Rio Negro” impõem barreiras para os pescadores artesanais

de escala comercial do Baixo Rio Negro para exercer sua atividade na região. Ao mesmo

tempo, os interstícios ainda “livres” para a pesca são insuficientes e muitas vezes

extremamente distantes. Diante dessas severas limitações, é razoável supor que os

pescadores artesanais comerciais apresentem a tendência de abandonar essa atividade no

futuro. Por outro lado, a implementação da política pública de seguro desemprego do

pescador artesanal trouxe novos incentivos aos pescadores. Nesse cenário político

contraditório, como lidam os pescadores artesanais com as restrições de acesso aos

recursos pesqueiros? Quais as relações que se estabelecem entre negociações e

combinações nos diferentes regimes de propriedade? Que táticas e/ou estratégias utilizam?

Page 29: Pescadores sem águas

27

Este trabalho se propõe a analisar as estratégias de adaptabilidade dos pescadores tendo

como referência quatro estratégias generalizantes que atuam de forma combinada:

Desmobilização: consiste no abandono da atividade da pesca para investir em outra

alternativa ocupacional e de renda;

Mobilização: a opção de mobilidade para locais de acesso livre e permitidos para se

pescar;

Clandestinidade: o exercício da pesca em locais proibidos, ignorando a restrição de

acesso e uso dos recursos pesqueiros no interior das UC’s;

Evolutiva: a construção de arranjos institucionais ou negociações para permitir o

acesso privilegiado e diferenciado nas áreas protegidas ou acordos de pesca.

Page 30: Pescadores sem águas

28

2. METODOLOGIA

2.1 ABORDAGEM

Optou-se para este estudo a proposta metodológica do “Estudo de Caso” (YIN,

2005) em que se privilegiou uma abordagem participativa, empírica e qualitativa em uma

perspectiva histórica e regional do Mosaico de Áreas Protegidas do Baixo Rio Negro

(MBRN). O fenômeno pesquisado envolve pescadores e suas estratégias de adaptabilidade

frente a um ambiente cujas políticas territoriais da conservação e demandas de

comunidades ribeirinhas restringem o uso e o acesso é um fenômeno contemporâneo e

“tecnicamente único”.

Inicialmente, planejou-se estudar a relação entre pescadores artesanais do

município de Novo Airão com o Parque Nacional de Anavilhanas, seus territórios e seus

sistemas de manejo. A perspectiva ampliou-se para uma abordagem em nível regional do

Mosaico no decorrer do primeiro ano de pesquisa, especialmente a partir do seminário

municipal da pesca de Novo Airão (23/04/2009), quando se verificou a presença de

pescadores de diferentes partes do Baixo Rio Negro, mobilizados a discutirem os seus

interesses, o que se repetiu durante a audiência pública do “Decreto Rio Negro”

(27/04/2010). Dessa maneira, optou-se em estudar os sistemas de gestão para uma

perspectiva regional (BERKES et al.2001; WALKER e ABEL, 2002; CASTRO,2004;

CASTRO 2006; SEIXAS e BERKES, 2005; SEIXAS, 2005), os identificando e

descrevendo de forma abrangente para também entender as estratégias políticas dos

pescadores artesanais. Ou, conforme Allut (2000, p. 119):

“O pescador não só age condicionado por estas variáveis (conhecimento do

ecossistema, estratégias de captura e mercado), como muitos de seus

comportamentos somente podem ser entendidos quando analisamos a

comunidade em que vivem”.

Ou, conforme Castro (2006, p. 187):

“A paisagem regional, a história de ocupação da região e as pressões externas (p.

ex., mercado regional, inovação tecnológica, políticas governamentais) são

fatores fundamentais para se entender diferentes padrões regionais de estratégias

de usos dos recursos (...)”

Page 31: Pescadores sem águas

29

2.2 A ORGANIZAÇÃO DA PESQUISA E AS TÉCNICAS UTILIZADAS

A pesca passou a chamar a atenção da pesquisa remontando à chegada do

Pesquisador na Amazônia Legal. Primeiramente, destaca-se a participação em dois projetos

de intervenção indigenista junto a dois povos indígenas, os Enawene Nawe no Mato

Grosso, entre 2004 a 2005 e os Deni no Amazonas, entre 2005 a 2007, por meio da

organização não governamental Operação Amazônia Nativa (OPAN). Para ambos os

povos, a pesca faz parte de seus universos cosmológicos e dos desafios de gestão, sendo

que junto aos Enawene Nawe, encontra-se sob ameaça, devido às mudanças do uso de solo

no entorno da Terra Indígena, marcada pela presença de fazendas de monocultivos

agrícolas e a construção de barragens de geração de energia nos rios; enquanto que nos

Deni, a problemática da pesca envolvia as constantes invasões em seu território por barcos

de pesca.

Em 2008, o pesquisador aderiu ao Projeto Mosaico de Unidades de Conservação do

Baixo Rio Negro pelo IPÊ - Instituto de Pesquisas Ecológicas, objetivando programar de

forma participativa o Mosaico. Na oportunidade, se obteve uma experiência prévia na

região, se conheceu a área de estudo organizando eventos e participando dos espaços

políticos do território e foi onde se conheceu alguns pescadores antes do início da pesquisa.

Nesse caso, o que chamou a atenção foi justamente o fato de que os pescadores

“denunciavam” a falta de espaços para se pescar. Portanto, essa experiência possibilitou

não só o convívio junto aos pescadores, mas junto aos agentes de organizações não

governamentais e gestores públicos com atuação na região. Essa vivência, somada a

utilização de técnicas de pesquisa, como entrevistas abertas (depoimentos orais) e a

observação (BERKES et al., 2001; SEIXAS, 2005; YIN, 2005) de forma organizada, fez

desta uma pesquisa participativa (SEIXAS, 2005; THIOLENT, 2008) assumindo um

“diálogo de saberes” (ALLUT, 2000; LEFF, 2007).

No período de 2009 até o início de 2011 o autor participou de diferentes eventos

regionais, como reuniões de conselhos consultivos e deliberativos das UC’s, reuniões de

diferentes entidades, fóruns de discussão da pesca, viagens e atividades do Mosaico (Ver

Anexo 02).

Identificaram-se também os principais aspectos históricos que consolidaram a

atividade da pesca, por meio dos depoimentos orais (entrevistas abertas), principalmente

Page 32: Pescadores sem águas

30

das últimas quatro décadas (1970 – 2010), privilegiando as falas dos participantes da

pesquisa, as trajetórias de vida, a memória (JOUTARD, 1998; THOMPSON, 2002)

auxiliando no entendimento dos sistemas de manejo e nas dinâmicas sócio-ecológicas

(BERKES et al., 2001; PEREIRA, 2004; e SEIXAS, 2005). Este estudo foi

complementado com revisão de literatura de textos que tratam dos aspectos históricos

amazônicos, do extrativismo e da pesca, sem entrar no mérito das fontes primárias

(arquivos) ou da relação direta com o contexto sociopolítico de cada período histórico, que

é específico do método histórico.

Estudaram-se documentos técnicos, como planos de gestão ou manejo das unidades

de conservação ou diagnósticos (IBAMA, 1999; FVA/IBAMA, 1998; SDS, 2010a; SDS,

2010b; SEMMA, 2008; AMORU/FVA/IBAMA, 2006; IBAMA/CNPT, 2006; IPÊ, 2011)

além de documentos relacionados à pesca, como os processos dos acordos de pesca (rio

Unini, rio Jauaperi e entorno de Anavilhanas), dados sobre o número de pescadores

beneficiários do Seguro Desemprego da Pesca Artesanal, fornecidos pelo Ministério da

Pesca e Aquicultura (MPA) e dados de fiscalização (de 2000 a 2010) cedidos pelo

IBAMA.

Portanto, foram trianguladas informações provindas de quatro técnicas de pesquisa:

a experiência prévia vivencial (LEONEL, 1998), revisão de bibliografia e dos documentos

técnicos, observação participante e entrevistas abertas (depoimentos orais). Os registros da

observação, de conversas informais ou depoimentos foram sistematizados no caderno de

campo e outros registrados em gravador de som digital e transcritas.

No primeiro momento, entre 2009 até junho de 2010, apenas houve a observação,

e, após as anuências de duas entidades de pesca (Colônia dos Pescadores de Novo Airão

AM 34 e Associação dos Pescadores de Novo Airão – APNA) e do Comitê de Ética

(UFAM) iniciaram-se as entrevistas, entre junho de 2010 a março de 2011. Também se

obtiveram autorizações do SISBIO (ICMBio) e do CEUC, por se tratar de pesquisas no

entorno ou dentro das unidades de conservação (Ver anexo 03).

As entrevistas foram realizadas de acordo com o protocolo de pesquisa (YIN,

2005), com perguntas abertas, das quais as respostas auxiliaram nas respostas aos objetivos

e hipóteses da pesquisa conforme:

Dados gerais familiares (nome, idade, local de nascimento, estado civil, filhos (as));

Conte a sua história;

Page 33: Pescadores sem águas

31

Conte a relação da pesca com a sua vida (iniciação na atividade, motivos, outros)

Agora, vamos mais para trás, como era pesca na época de seus pais (de onde eram;

ou como era a pesca na infância, história da pesca);

Como acontece a pesca hoje? (Relação da pesca com UC’s e acordos de pesca; com

barcos, sazonalidade; apetrechos; locais onde se pesca; das organizações de pesca;

sistemas de manejo);

Como o sr. (a) enxerga a pesca do futuro? Quais as perspectivas? (se parou de

pescar, por quê?).

Foram realizadas vinte e duas entrevistas, onde foi dada a opção de registro da

autoria das informações ou a manutenção do sigilo. Não se teve consentimento livre e

esclarecido de quatro pessoas pelo motivo do participante não saber ler ou por ser um

espaço público, não privado, onde os diálogos ocorreram de forma descontínua. Os

participantes tinham entre 20 a 71 anos, quase todos do sexo masculino (com exceção de

uma pessoa), selecionados por assumir papel de liderança, seja da pesca ou relacionada

com esta discussão, por indicação das pessoas entrevistadas ou das lideranças dos

pescadores, como um efeito “dominó13

” onde um pescador indicava outro, que era

considerado como pescador experiente ou ex-pescador provido de informações, ou ainda,

com origens diferentes na região de estudo.

Os participantes foram:

03 moradores do rio Unini (01 Representante da AMORU – Associação dos

Moradores do Rio Unini; dois pescadores);

Acácio de Souza Pereira (Liderança, conselheiros no Parque Nacional de

Anavilhanas e PAREST Rio Negro Setor Norte, morador da comunidade do

Castanho, pescador artesanal rabeteiro);

Aldenor Sobrinho Barbosa (Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de

Novo Airão) co-organizador de três acordos de pesca e coordenador do Maquira-

RONA (Rede de Organização de Novo Airão);

Pescador (pescador comercial embarcado);

13 Apenas para dizer que no jogo de dominó uma pedra jogada pode levar a outra pedra na seqüência.

Page 34: Pescadores sem águas

32

Edival Valente Rodrigues (ex-pescador embarcado, atual pescador rabeteiro);

Francisco da Silva Amorim (ex-pescador artesanal embarcado, morador da

comunidade São Sebastião, rio Cuieiras);

Ivani Ferreira (ex-pescador artesanal comercial embarcado, Novo Airão);

José Adimar P. Garcia (pescador comercial embarcado, comerciante e piscicultor);

José Pontes (ex-pescador artesanal comercial experiente; ex-representante da

Colônia dos Pescadores de Novo Airão);

Moisés Marques da Cruz (Pescador artesanal comercial, morador da comunidade

Bom Jesus do Puduari);

Morador do rio Jaú (ex-pescador);

Olavo Faustino (ex-pescador, morador da comunidade São Sebastião, Cuieiras);

Pauletiene dos Santos Horta (Associação dos Pescadores de Novo Airão), co-

organizadora do Acordo de Pesca de Novo Airão, sócio-fundadora da APNA;

Pedro G. Torres (representante da Colônia dos Pescadores Z 34);

Pescador (ex-morador do rio Jaú, ex-pescador);

Raimundo Marques (Pescador experiente, morador da comunidade Bom Jesus do

Puduari);

Raimundo R. Valente (ex-pescador artesanal comercial embarcado, pescador

artesanal de rabeta, Novo Airão);

Representante dos Pescadores da Colônia AM 34;

Pescador - sigilo (Representante dos pescadores do rio Jauaperi/Colônia dos

Pescadores AM 34);

Valter de Souza Saldanha (Pescador que trabalha em barcos; rabeteiro, Novo

Airão);

As informações, depois de transcritas, foram comparadas entre si e com os indícios

ou marcos comuns selecionados, e, no que diz respeito a dados fragmentados ou parciais,

ou versões orais diferentes de um fato (LEVÍ-STRAUSS, 1986), teve-se o cuidado de ver

como estes se relacionam com os fenômenos estudados. Portanto, não foi realizada uma

“descrição densa” da totalidade, mas analisadas as versões e fragmentos dentro do

contexto, o que não cobre a totalidade da região, nem todos os indícios, mas traz

evidências que foram discutidas juntamente com dados das outras técnicas de pesquisa.

Page 35: Pescadores sem águas

33

Depoimentos orais foram inseridos no texto citando o nome (quando autorizados),

e, quando não, apenas caracterizada a entidade ou local de origem, além de sua idade. Em

casos em que se verificou situação de conflito, o nome também foi mantido em sigilo.

A seleção das evidências foi realizada mediante as informações contidas nos

depoimentos e documentos que se relacionam com a pesca. Dessa mesma maneira, alguns

casos do Baixo Rio Negro foram mais enfatizados na descrição de determinados processos,

dentre os quais o Rio Unini, o Rio Jauaperi, as áreas de entorno de Anavilhanas e o Rio

Puduari. Essas áreas foram citadas nas entrevistas como sendo importantes áreas de “pesca

comercial” onde aconteceram processos dos acordos de pesca, alguns envolvendo co-

gestão.

Alguns recursos gráficos foram utilizados, como a confecção de mapas, para

contextualizar o leitor das regiões tratadas na pesquisa, mas não como objeto de pesquisa

cartográfico. Também foram feitas tabelas e explorado um gráfico no que diz respeito aos

registros dos pescadores artesanais junto ao Ministério da Pesca e Aquicultura.

O ponto de partida das áreas e análises realizadas foram os depoimentos dos

pescadores, que em parte abrangeram também o Médio Rio Negro e que passou a ser uma

evidência de local de pesca que se relaciona com o Mosaico, conforme será demonstrado

nos capítulo 06 e 07. As informações foram descritas em ordem cronológica e não

especificamente por subárea ou caso. A figura 05 ilustra as regiões da pesquisa seguidas

pela figura 06, que destaca o esquema de organização da pesquisa.

Figura 05 – Mapa com nome dos rios principais e em tracejado os ambientes aquáticos,

onde está sobreposto com as UC’s.

Page 36: Pescadores sem águas

34

Figura 06 – Esquema sobre a organização da pesquisa. Fonte: elaborado pelo autor.

Pesca Artesanal

Sistema socio – cultural e sistema ecológico

Adaptabilidade

Recursos de uso

comum

ASPECTOS TEÓRICOS

ASPECTOS METODOLÓGICOS

Estudo de caso – pesquisa participativa

Técnicas de

Pesquisa

Observação;

Depoimentos;

Bibliografia

Problema

Restrições

espaciais da

pesca;

Reconfiguração

territorial;

Aumento

demográfico;

Demanda de

renda e consumo

de pescado;

Política de

incentivos da

pesca

Objetivos

Histórico

Sistema de

gestão

Estratégias de

Adaptabilidade

Organização

Capítulo 4

Capítulo 5

Capítulo 6

Capítulo7

Escala de Estudo – Mosaico do Baixo Rio Negro

Subáreas - Mosaico;

Arquipélago de Anavilhanas e entorno (Baipendi; comunidades);

Rios Cuieiras, Unini, Jauaperi e Puduari e o Rio Jaú

Page 37: Pescadores sem águas

35

2.2.1 Do acesso às áreas da pesquisa

O acesso a Novo Airão é por via terrestre (rodovias AM 070 e AM 352) que, a

partir de Manaus, possui a distância aproximada de 200 quilômetros. O acesso aos demais

ambientes é por barco regional ou bote de alumínio tipo voadeira. No Rio Cuieiras, a

viagem a partir de Manaus com o bote (motor 40 Hp) é de aproximadamente uma hora e

meia, enquanto que o acesso a foz dos Rios Jaú, Unini e Jauaperi varia entre 24 a 36 horas

com barco tipo regional; distância em linha reta de aproximadamente 200 Km. A

comunidade Bom Jesus do Puduari, a partir de Novo Airão, tem duração de duas horas

(bote de alumínio com motor de polpa de 40 Hp).

2.2.2 Da logística e apoio

A pesquisa teve auxílio em duas ocasiões do POSGRAD - UFAM, apoio logístico

do IPÊ e acompanhamento de quatro viagens: da REDE Rio Negro (Instituto

Socioambiental, Fundação Vitória Amazônica, WWF-Brasil e IPÊ), da comissão de

organização do acordo de pesca, do Mosaico (apoiada pelo ICMBio) e outra do próprio

IPÊ. Também obteve-se bolsa de estudo pelo CNPq durante 24 meses de estudo.

2.3 A REGIÃO DE ESTUDO

A região de estudo é o Mosaico do Baixo Rio Negro, conforme descrito no capítulo

01 engloba o município de Novo Airão ao centro, com limites com Manaus ao sul e

Barcelos ao norte. A tabela 01 (Capítulo 1) apresentou dados gerais das Áreas Protegidas e

não é objetivo específico a descrição dessas áreas. O Mosaico é o entorno da sede urbana

municipal de Novo Airão. Este tópico descreve de forma breve a área de estudo em termos

populacionais (socioeconômico) e biofísicos em relação direta com a pesca.

Page 38: Pescadores sem águas

36

Novo Airão, segundo dados do IBGE (2010), indica a população residente de

14.723 habitantes no total, sem distinguir a população rural da urbana. Esta informação é

somente para se ter uma base, pois o Baixo Rio Negro envolve além de Barcelos e Manaus,

parte da área de Iranduba. A informação é que se tem segundo IPÊ (2011), é a presença de

cerca de 80 comunidades ribeirinhas14

das quais algumas são “mistas” – pois envolvem

famílias indígenas e não indígenas – outras são indígenas pluriétnicas15

(exceto em relação

aos Waimiri Atroari).

Não foram detalhados informações acerca das comunidades ou dos ambientes

biofísicos, por não fazerem parte da escala de trabalho, mas, de forma geral, apresentam-se

algumas informações. Assim, para contextualizar o leitor, a tabela abaixo (tabela 02)

sintetiza algumas informações no que diz respeito às subregiões de pesca, às UC’s ou áreas

protegidas que envolvem dados sociais, como de comunidades, população e período de

formação das comunidades.

Tabela 02 – Relação entre regiões de pesca abordadas no estudo e dados do número de comunidades (Com),

localidades (Loc), número de habitantes (Hab) e/ou famílias (Fam) e a década de formação. Fonte:

CNPT/IBAMA (2006); AMORU/FVA/IBAMA (2005); SDS (2010a); SDS (2010b); IBAMA (1999),

IBAMA (1998), Borges et al (2004). Região Área Protegida Número de

comunidades/

Localidades

População em no.

de habitantes

/famílias

Década de

formação

das

comunidades

Rio Unini RESEX do Rio Unini;

PARNA do Jaú;

RDS Amanã

Com: 8

Loc: 10-

Hab: 669

Fam: 138 (2001)

Década 80 –

até 2000

Rio Jaú PARNA do Jaú Com: 3

Loc:15

Hab: 251

Fam: 45 (2001)

90

Rio

Jauaperi16

Reivindicação de RESEX –

limite com T.I. Waimiri

Atroari

Com: 7 Hab: 486

Fam: 88 (2001)

1970 -

Rio Cuieiras PAREST Setor Sul

APA M.E.

Com: 06 130 fam (2008) 1970 - 1980

Rio Bom

Jesus do

Puduari

PAREST Setor Norte

APA M.D.

Com: 01 Loc: 01 (não se aplica) 1990

Arquipélago

de

Anavilhanas

PARNA de Anavilhanas;

Waimiri Atroari

53 (entorno) (Sem informações) -

14 Denomina-se comunidade ribeirinha em virtude de sua localização geográfica na beira do rio, lagos ou

outros corpos d’água sem mencionar processos subjetivos de denominação.

15 Segundo Campos (2008), em Barreirinha e Boa Esperança residem Baré e Tukano, na comunidade Nova

Esperança são Baré, na Três Unidos, Kambeba, enquanto que Coanã é mista entre indígenas (Baré e

Piratapuiá) e não indígenas e São Sebastião não possui indígenas. 16

Inclui informações da área da Resex (paranã da Floresta e baixo rio Branco)

Page 39: Pescadores sem águas

37

A população de cada comunidade ou localidade varia entre poucas famílias (02 a

10) a mais de 70 (São Sebastião – Cuieiras). Parte das comunidades tem alguma

infraestrutura, como escola ou posto de saúde, área de lazer (campo de futebol), igrejas e

gerador de luz, entre outras, o que pode variar para cada local. A origem das famílias

também varia, constituindo dinâmicas próprias, mas, de modo geral, ou são do local, ou

vindos do médio e alto rio Negro, além de outras regiões do Amazonas.

As atividades econômicas, da mesma forma, variam entre esses locais e vão do

agroextrativismo17

(agricultura e fruticultura e extrativismo não madeireiro e madeireiro), à

pesca e à caça de subsistência alimentar. Ao Sul, do Mosaico e ao Norte existe a atividade

turística, sendo que nos Rios Jauaperi e Unini destacam-se a pesca esportiva (por hora

interdidata pela justiça federal)18

e ao Sul, a visitação turística, sendo que muitas

comunidades e famílias dedicam-se à confecção de artesanato. Especificidades ainda

incluem ao Norte a pesca ornamental e ao Sul o extrativismo de produtos madeireiros. A

presença de escolas ou dos serviços de saúde também faz com que muitos moradores

prestem serviços públicos, como de professor ou agente de saúde, recebendo salários.

As denominações subjetivas acerca das pessoas que habitam o baixo Rio Negro

nem sempre são claras ou existentes, mas circulam desde as categorias de comunitários,

ribeirinhos, caboclos, famílias ou comunidades indígenas – como já citado em relação ao

Rio Cuieiras – ou famílias indígenas inseridas nas comunidades do Parque Estadual Rio

Negro – Setor Norte (SDS, 2010a), até a presença de uma comunidade Remanescente de

Quilombo no Tambor, em meio ao Rio Jaú.

No município de Novo Airão não é diferente. Registros de observação apontam que

duas entidades indígenas envolvem cerca de 800 associados indígenas, enquanto que três

entidades quilombolas também estão presentes, fora pessoas que se autodefinem indígenas

que estão inseridas nas entidades de pesca, para dar outro exemplo. A economia de Novo

Airão é baseada no agroextrativismo, serviços públicos e empregos e renda proveniente da

cadeia de serviços que envolvem o turismo e comércio, a produção de piscicultura e a

construção náutica (IBGE, 2010).

É comum uma relação de muitas famílias de Novo Airão com as suas comunidades

de procedência. Muitos têm familiares residindo na zona rural, outros ainda mantém sítios

17 Existe especificidades mas que não são detalhadas aqui.

18 Além da pesca esportiva na parte norte do Mosaico é mais presente a pesca ornamental do que nas outras

regiões do Mosaico.

Page 40: Pescadores sem águas

38

e até residências em ambas as regiões o que forma um continuum entre “campo e cidade”,

cujas fronteiras não são claras ou não se limitam a uma questão unicamente geográfica.

Muitas pessoas residentes em Novo Airão pescam para a sua subsistência, caçam ou

mantém roçados nos arredores do município. A cidade ainda não possui plano diretor e

carece de ordenamento quanto aos usos e ocupações do solo, assim como serviços

sanitários, como tratamento de água, por exemplo, Moura (2009).

2.3.1. Os ambientes da pesca

2.3.1.1 Aspectos biofísicos

Em se tratando de ambientes de pesca, nada mais sensato do que começar pelas

águas. As três grandes classificações utilizadas para as águas amazônicas por Sioli (1984) e

Junk e Jurch (1985), segundo critérios de origem, coloração e composição química são:

águas brancas, pretas e claras. O Rio Negro, como o nome sugere, possui águas pretas. As

nascentes desse rio são provindas do escudo das Guianas, por ter suas margens, em parte,

caracterizadas por barreiras, sendo que, em dois trechos do rio, os leitos passam a ter

padrões anastomosados: na montante do Rio Branco – onde está o Arquipélago de Mariuá

– e na montante de Manaus – que forma o Arquipélago de Anavilhanas (Figura 07) – sendo

que nos demais trechos, existe um perfil encaixado nas margens formadas por falésias

(AB’SABER, 2002; IBAMA, 1999).

FIGURA 07 – Foto aérea do arquipélago de Anavilhanas. Fonte: Arquivo do ICMBio

Page 41: Pescadores sem águas

39

As águas escuras ocorrem por conta da sua origem geomorfólica (escudo das

Guianas) e, em parte, pela presença de substâncias orgânicas (ácidos húmicos)

provenientes da drenagem em meio a solos arenosos formados por vegetação baixa como

campina, campinaranas ou caatingas amazônicas (ZEIDEMANN, 2001) que ocorrem

como subdivisões da floresta densa tropical do bioma Amazônico. De acordo com o

documento técnico do IBAMA (1999), na altura de Anavilhanas a variação do PH é entre

3,2 a 4,7 com a temperatura média variando entre 28,3 oC a 31,0

o.C devido à cor escura e

sua capacidade de retenção de calor. As informações sobre a microflora e fauna indicam

grande biodiversidade.

A oscilação das águas ocorre em função de diferentes regimes hidrológicos19

. Isto

quer dizer que parte é influenciada pelo período de chuvas que ocorrem da própria bacia, e

parte é pelo represamento que sofre junto ao regime de águas do Rio Solimões

(ZEIDEMANN, 2001). Na região de estudo, o período de chuvas inicia-se em dezembro e

vai até maio, com intensidade, e o período de “estiagem” (diminuição das chuvas) é entre

setembro a novembro (SDSa, 2010), com precipitação média de 2.286,2 mm (IBAMA,

1999).

Para a pesca, quatro períodos distintos são caracterizados: cheia, seca, vazante e

enchente. Entre dezembro a abril é possível verificar o período que o Rio Negro (na parte

baixa) está enchendo, com a cheia máxima entre maio e julho, enquanto que, entre agosto e

outubro ocorre à vazante. Já em novembro, o Rio Negro (ao sul) encontra-se na parte mais

baixa (SDSa, 2010). Essa variação pode ser em torno de 10 metros (ZEIDEMANN, 2001).

Segundo a autora, as flutuações de nível de água refletem principalmente as variações

ocorridas no Solimões-Amazonas, da foz do rio Negro até a foz do rio Branco, sendo que,

por causa disso, entre os meses de novembro e fevereiro, quando descem os níveis da água

do alto Rio Negro, o baixo Rio Negro encontra-se em período de inundação.

Existem variações de um afluente do Rio Negro a outro, devido a características

específicas, como é o caso do Rio Unini, influenciado pelas chuvas e que pode ser

represado por áreas encachoeiradas. O Rio Branco, de águas brancas (barrentas) de origem,

possui suas nascentes nos escudos das Guianas, em Roraima, sendo o pico das cheias entre

abril e setembro. O mês de junho é o período em que as águas estão mais altas, enquanto

que entre outubro e março está seco (IBAMA/CNPT, s/d).

19

O clima segundo a classificação de Koppen é tropical chuvoso (IBAMA, 1999).

Page 42: Pescadores sem águas

40

Já o Rio Jauaperi provém principalmente do rio Caroebe, nasce na Guiana Francesa, de

água branca, com o Rio Branquinho e igarapé que se unem com os rios de água preta,

Macucuaú, Alalao e Pretinho, gerando assim o rio de água parda (IBID). Esse Rio tem a

navegação regida pelo regime pluviométrico. Os moradores locais afirmam que este Rio

tem baixa profundidade e pouca extensão, características que somadas à pesca

indiscriminada resultam em danos à biodiversidade local. Os Rios Cuieiras, Jaú, Unini,

Carabinani e Puduari são influenciados pelas precipitações nas cabeceiras e pelo pulso de

inundação do Rio Negro o represando.20

2.3.1.2 Os ambientes e a pesca

Os igarapés normalmente têm influência dos ambientes de terra firme nos médios e

altos cursos caracterizados por águas mais claras, e, no momento em que se aproximam da

foz, passam a ter influência das matas de igapó e também nas redes de drenagem das

campinas e campinaranas (SOBREIRO, 2007). Os igarapés formam parte dos ambientes de

pesca assim como os igapós – quando inundados nas planícies ou nas ilhas – ou lagos,

praias e paranãs, formados tanto nos afluentes do Rio Negro como no próprio Rio.

Silva e Begossi (2004, p. 106), de acordo com informações regionais no médio Rio

Negro, formularam o seguinte glossário dos ambientes de pesca: rio (calha principal);

paraná (canal entre o rio e lago ou entre dois rios), igarapé (pequeno curso d’água), lago

(lago de boca franca que desemboca no rio e lago central que desemboca em paraná ou

terra), boca de rio ou de lago (foz), costa (litoral do rio), furo (canal dentro do igapó que

liga um canal a outro), remanso (banco de areia), ressaca (canal antigo de rio), ilha, ilha

queimada (subcategoria que sofre incêndios antrópicos ou naturais), damiça (área de terra-

firme ligada ao continente que na época de inundação se transforma temporariamente

numa ilha), chavascal21

(brejo baixos com vegetação fechada que sofre longos períodos de

20 SDS (2010ª), SDS (2010b), IBAMA (1998).

21 Algumas espécies vegetais aquáticas citadas que caracterizam esta formação são a Aninga, Arapari

(Macrolobium acaccifolium), Carauaçu (Coccoloba sp.) e Cabibi (Parkia sp.) (SILVA e BEGOSSI, 2004, p.

106 e 107).

Page 43: Pescadores sem águas

41

inundação – seis a oito meses); restinga22

; campina (praia com vegetação rasteira) e praia

(local com areia nua sem vegetação).

A floresta de igapó (PIRES, 1973 apud IBAMA, 1999) possui o substrato formado

por gramíneas e arroz silvestre (Oriza perennis), espécies arbustivas, sub-bosque

(palmeiras com o Jará (Leopoldina pulchra)), estrato médio formado por árvores na média

de 10 metros de altura de tronco fino (Louro Preto (Nectandra amazonum)), Pajurázinho

(Hirtella recomosa), Marajazinho (Bactris sp.) e o extrato superior, com as espécies de

Arapari (Macrolobium acaceifolium), Jacareúba (Calophyllum brasiliensis), Virola (Virola

surinamensis), entre outras.

Os igapós compõem ambientes de igarapé, planícies na margem dos rios, lagos e

parte dos ambientes das ilhas, a exemplo de Anavilhanas. No período de cheias, muitas

espécies de peixes se alimentam nos ambientes florestais de igapós, de frutas que caem nas

águas, entre outras. Nesse período, os pescadores pescam com as suas canoas,

normalmente a remo, durante a noite, facheando com lanterna ou holofote à bateria

utilizando-se a zagaia (Haste de madeira onde está fixada um “garfo” de três dentes de

metal de até 2 metros) (FIGURA 08), ou utilizando também o caniço (vara de pesca de

mão) ou linha de mão com anzol, sendo comumente utilizado também o espinhel (linha

comprida central onde estão dispostos perpendicularmente outras linhas amaradas com

anzol levadas ao fundo) (SOBREIRO, 2007) e redes malhadeiras.

FIGURA 08 – Ponta da zagaia (Fonte: Fernando Stern Angeoletto) e pescador confeccionando

malhadeira (Fonte: o autor)

22 As restingas são uma vegetação transicional entre igapó e floresta. A restinga alta apresenta fisionomia

florística entre igapó e floresta. A restinga baixa consiste numa vegetação de transição, em geral localizada

ao longo de canais e lagos, sujeita a quatro a seis meses de inundação (IBID).

Page 44: Pescadores sem águas

42

Segundo Veríssimo (1970), o facho provém de uma madeira que acende chamado

pau-de-facho, e leva o facho acesso na beira dos corpos d’água onde o peixe fica visível,

normalmente são pescados os peixes de escamas, como Tucunarés e Cará-Açus23

. Ambas

as espécies são as mais comumente pescadas na modalidade comercial (SILVA e

BEGOSSI, 2004; Dados de campo).

No período de seca, os demais ambientes citados também são muito utilizados de

acordos com o tipo da pescaria ou as espécies almejadas. Além da zagaia, são utilizadas as

linhas de mão (linha comprida com anzol), anzol de espera (linha individual penduradas

em árvores), espinhel, arpão (haste de madeira tipo vara trabalhada de forma que fique lisa

com a ponta metálica bidentada), malhadeira (entre 45 a 85 mm, 2 – 3 metros de altura, por

cerca de 80 metros de comprimento, amarradas na beira em varas e colocadas nos locais de

passagem de peixes, dispondo de bóias normalmente isopor e chumbo ao fundo) (SILVA e

BEGOSSI, 2004; SOBREIRO, 2007; Dados de campo).

O espinhel pode variar de comprimento e de número de anzóis, normalmente

dispostos no canal de rio ou igarapé para se pegar os peixes fera24

ou matrinchã, enquanto

a malhadeira é utilizada para peixes de passagem, tanto o fera quanto matrinchã, jaraqui e

pescada ou tucunaré, cará, entre outras, dispostas tanto em lagos, praias ou igapós (na

cheia).

Nas pescarias, os pescadores utilizam diferentes artes de pesca, não existindo,

necessariamente, uma correlação entre apetrechos e espécie, mas sim, preferências e

opções para determinadas espécies, como citado nos dois parágrafos anteriores. A tabela

abaixo lista as espécies de peixes segundo o plano de manejo da ESEC de Anavilhanas

(IBAMA, 1999). Essas espécies podem variar, tendo algumas a mais ou a menos, entre

outros levantamentos realizados. A ideia é mostrar a diversidade de espécies para consumo

alimentar e para comércio, não separados na referida tabela. No capítulo 06, encontram-se

as espécies em nomes populares mais pescadas para o comércio.

23 Pesca comercial.

24 Os peixes denominados fera são: Piramutaba, Surubim, Dourada, Caparari, Piraíba e Piracatinga.

Page 45: Pescadores sem águas

43

Tabela 03 – Lista de espécies pescadas para fins de alimentação e comércio (IBAMA, 1999).

Nome comum Número de espécies Nome científico

Mandubé 04 Ageneiosus brevifilis

Ageneiosus polystictus

Ageneiosus sp. 1

Ageneiosus sp. 2

Aracu 09 Laemolyta sp

Laemolyta taeniata

Leporinus agassizi

Leporinus fasciatus

Leporinus friderici

Leporinus sp.1

Leporinus sp. 2

Rhytiodus argenteofuscus

Schizodon fasciatus

Acaru-cabeça-gorda 01 Anostomoides laticeps

Pirarucu 01 Arapaima gigas

Cangati 04 Auchenipterichthys thoracathus

Auchenipterichthys sp.

Parauchenipterus sp. 1

Parauchenipterus sp. 2

Mandi peruano 01 Auchenipterichthys batrachus

Peixe-cachorro 03 Acestrorhynchus falcirostris

Acestrorhynchus guianensis

Acestrorhynchus microlepis

Matrinchã 01 Brycon cf. cephalus

Jatuarana 02 Brycon cf. falcatus

Brycon sp.

Arari 01 Chalceus macrolepidotus

Sardinha 05 Triportheus angulatus

Triportheus elongatus

Triportheus sp.

Triportheus sp.1

Triportheus sp. 2

Branquinha cascuda 01 Caenothopus labyrinthicus

Cará 03 Acarichthys heckelii

Acaronia nassa

Aequidens pallidus

Cará-açu 01 Astronotus ocellatus

Jacundá 05 Batrachops reticulatus

Crenicichla johanna

Crenicichla lenticulata

Crenicichla lugubris

Crenicichla ornata

Tucunaré 04 Cichla cf. monoculus

Cichla monoculus

Cichla orinocensis

Cichla temensis

Cará-para-terra 03 Geophagus altifrons

Geophagus sp

Geophagus surinamensis

Cará-roxo 01 Heros sp.

Cará-papagaio 01 Hoplarchus psittacus

Cará-preto 01 Hypselecara coryphaenoides

Cará-bicudo 02 Satanoperca acuticeps

Satanoperca jurupari

Cará-tucunaré 01 Satanoperca Lilith

Page 46: Pescadores sem águas

44

Cará-bararauá 01 Uaru amphiacanthoides

Apapá 03 Llisha amazonica

Pellona castelnaeana

Pellona flavipinnis

Bicuda, pirapucu 02 Boulengerella lucia

Boulengerella maculata

Branquinha 12 Curimata cf. kneri

Curimata inornata

Curimata dneri

Curimata ocellata

Curimata plúmbea

Curimata vittata

Cyphocharax abramoides

Cyphocharax microcephalus

Potamorthina altamazonica

Potamorthina latior

Potamorthina pristigaster

Psectrogaster rutiloides

Peixe-cachorro 02 Cynodon gibbus

Rhaphiodon vulpinus

Pirandirá 02 Hydrolycus pectoralis

Hydrolycus scomberoides

Rebecão 01 Megalodoras uranoscopus

Cuiú-cuiú 01 Oxydoras Níger

Rebeca 01 Pterodoras lentiginosus

Traíra 05 Hoplias sp

Cubiu 02 Anodus elongatus

Anodus orinocensis

Orana 07 Hemiodus atranalis

Hemiodus goeldi

Hemiodus immaculatus

Hemiodus semitaeniatus

Hemiodus unicamaculatus

Micromischodus sugillatus

Mapará 03 Hypophthalmus edentates

Hypophthalmus fimbriatus

Hypophthalmus marginatus

Bodó 01 Hypostomus carinatus

Acari-bodó 01 Gliptoperichthys gibbiceps

Aruanã 02 Osteoglossum bicirrhosum

Osteoglossum ferreirai

Piraíba 01 Brachyplatystoma filamentosum

Dourada 01 Brachyplatystoma flavicans

Piracatinga 01 Calophysus macropterus

Pirarara 01 Phractocephalus hemioliopterus

Babão 01 Goslinia platynema

Mandi 12 Nannorthamdia sp

Pimelodella sp (5 espécies)

Pimelodus blochii

Pimelodus sp

Platystomatichthys sp (02)

Rhamdia sp

Sorubim lima

Mandi-moela 01 Pimelodina flavipinnis

Piranambú 01 Pinirampus pirinampu

Surubim 01 Pseudoplatystoma fasciatum

Caparari 01 Pseudoplatystoma tigrinum

Araia 04 Potamotrygon henlei

Page 47: Pescadores sem águas

45

Potamotrygon hystrix

Potamotrygon motoro

Potamotrygon schroederi

Jaraqui 02 Semaprochilodus insignis

Semaprochilodus taeniurus

Corvina 04 Pachryurus schomburgki

Pachryurus sp.

Pachrpops grunnies

Pachrypops trifilis

Pescada 03 Plagioscion cf. montei

Plagioscion sp.

Plagioscion squamosissimus

Pacu 06 Myleus rubripinnis

Myleus schomburgkii

Myleus sp (02 espécies)

Myleus torquatus

Mylossoma duriventre

Piranha 10 Serrasalminae sp. (06 espécies)

Serrasalmus cf. manueli

Serrasalmus goudingi

Serrasalmus serrulatus

A presente tabela demonstra a diversidade de espécies manejadas, ou identificadas

com usos no plano de manejo de Anavilhanas (IBAMA, 1999). Existem variações de

espécies de peixes de rio para rio, afluente para afluente, na Bacia do rio Negro. Objetivou-

se demonstrar que, quando aparecem nomes comuns e genéricos, como tucunaré, cará, ou

fera, significa uma variedade maior de espécies. Não foi objetivo focar na etnobiologia ou

etnoecologia.

Em síntese, este capítulo tratou de delimitar as técnicas metodológicas bem como

descrever, de forma abrangente, a área de estudo. De certa maneira, a descrição da área de

estudo serve para mostrar ao leitor uma apresentação geral conforme bibliografias

disponíveis, mas, em suma, existe um vazio de muitas informações, seja em termos

biofísicos ou sociais. O próximo capítulo tratará sobre os aspectos teóricos da pesquisa.

Page 48: Pescadores sem águas

46

3. TRAMAS DA PESCA: TEORIAS E CONCEITOS

“Este enfoque valoriza, em outras palavras, a

promoção de um diálogo de saberes capaz de

favorecer a consolidação progressiva de uma cultura

da paz. Podemos caracterizá-lo assim como um

enfoque não-dual - que distingue, sem separar, os

meios e os fins, o natural e o cultural, o caminho e a

meta” (REBOUÇAS, FILARDI e VIEIRA, 2006 p.

19).

3.1 O SISTEMA SÓCIO-ECOLÓGICO DA PESCA ARTESANAL

O fio que conduz a esta pesquisa é a adaptabilidade dos pescadores artesanais no

Baixo Rio Negro. Assim, esse fio pode ser visto como uma linha que esticada, toma uma

forma; solta, faz um pêndulo; mas pode ser ainda enrolada, cruzada ou tecida de diversas

formas, como uma trama ou até mesmo um emaranhado. Um fio talvez tenha um início,

um meio e um fim, mas desenrolar esse fio ou suas variadas formas para encontrar uma das

duas possíveis pontas, tanto nos pode levar ao seu início, como ao seu fim.

Sendo assim, nada mais feliz do que considerar que o sistema é complexo, ou seja,

segundo Morin (2005), sem possuir uma delimitação clara, porém com uma organização e

uma interação entre os elementos deste sistema. Ao desemaranhar a trama, sempre pode se

encontrar um novo nó. Como esse novelo, ou emaranhado, não está parado, isolado do

mundo como em um experimento, talvez essa tarefa não seja possível, pois a mesma

organização, segundo Morin (2005) está sempre em movimento, entre a ordem e a

desordem promovida nas interações da organização do próprio sistema; ou seja, entre

relações dos elementos que modificam o seu comportamento ou a própria natureza dos

elementos, dos corpos ou objetos.

Pelo fato de pegar as “tramas da pesca” a partir do observar do pesquisador, se

estará fazendo parte do próprio sistema, ou seja, se estabelece uma relação entre o

observador e o observado (MATURANA e VARELA, 1995; MORIN, 2005). Portanto, o

sistema pesquisado também é fruto dos limites do próprio pesquisador, limites

estabelecidos pelos objetivos, pela metodologia, das teorias, as experiências de campo, e

depois das reflexões, análises e processos de cognição materializada pela escrita. Em

outras palavras, o sistema é complexo, imprevisível e incerto. Definir elementos na

pesquisa é assumir os riscos e incertezas, uma parte que corresponde à visão do

Page 49: Pescadores sem águas

47

pesquisador sobre esse mesmo sistema. Segundo Berkes et al. (2001), o sistema da pesca

pode ser considerado um delineamento artificial do sistema ecológico e sócio-cultural dos

pescadores – um sistema sócio-ecológico.

O presente capítulo está dividido em dois tópicos. O primeiro trata das estratégias

de adaptabilidade como categoria relacional, ou seja, para a análise desta pesquisa,

dedicada principalmente para análise do último capítulo (Capítulo 07). O segundo tópico,

“os recursos de uso comum” é mais conceitual em relação aos entendimentos sobre os

recursos de uso comum, os regimes de propriedade, os sistemas de gestão e os usuários

pescadores e no que diz respeito aos processos territoriais.

Assim, enquanto que o primeiro tópico é mais teórico, enquanto discute,

problematiza e define um entendimento sobre adaptabilidade, o segundo é mais enfático

em conceituações baseadas na revisão bibliográfica de autores que seguem a linha das

“teorias dos comuns” (ecologia política). Segundo Cunha (2004), a ecologia política

prisma em ver os processos históricos e institucionais, ou seja, a análise das instituições e

as tomadas de decisões, mediante estes processos tidos como políticos. Em outras palavras,

a opção de ver o problema da pesquisa também é uma opção em buscar o entendimento por

meio dos processos históricos.

3.2 ESTRATÉGIAS DE ADAPTABILIDADE: CONCEITOS E DILEMAS

3.2.1 Notas introdutórias

As teorias sobre a adaptabilidade podem trazer reflexões acerca das estratégias

políticas do grupo de pescadores, justamente baseado no histórico regional e, de forma

mais abrangente, os regimes de propriedade, a fim de que se possa ver e pensar a pesca, os

pescadores e as áreas protegidas.

Para Moran (1994), a adaptabilidade é centrada no pensamento evolucionista

segundo o qual o organismo se adapta frente a um ambiente considerado externo, como

forma de ajustes, ou seja, trata da relação entre as estruturas organismo e ambiente. Como

método, ou proposta teórica, a adaptabilidade incluiria as variáveis habitat/território, o

ajuste fisiológico frente ao clima, aspectos comportamentais (critérios demográficos,

energéticos e nutricionais) e culturais (tecnologias empreendidas, aspectos culturais).

Page 50: Pescadores sem águas

48

Segundo essa visão, por exemplo, no Rio Negro, as populações adaptaram-se a oligotrofia

dos rios e solos, diversificando as estratégias (e tecnologias) de convívio com o ambiente

diversificando as atividades agroextrativistas, a pesca e a caça, a mobilidade e uso entre

diferentes habitats, escalas temporais dos ciclos hidrológicos (MORAN, 1990; SILVA,

2003; SILVA e BEGOSSI, 2004).

Harris (2006), a partir das ciências sociais, utilizou a abordagem histórica com foco

na descontinuidade dos ciclos econômicos e políticos para propor uma explicação ao

sistema adaptativo das reinvenções das tradições dos camponeses amazônicos no espaço e

tempo. Os camponeses, por um lado, adaptaram-se aos ciclos ecológicos e hidrológicos, e

também a economia. Quando existe uma demanda econômica externa, se especializam

mais, e quando não existe demanda, tentam diversificar mais o seu leque de possibilidades

e se dedicam ao trabalho ou desenvolvimento interno. Segundo o autor, também as

populações campesinas têm migrado para ter melhores condições. Assim, variáveis

ecológicas, políticas e econômicas determinam a organização social que se articula entre a

tradição de relações de parentesco, flexíveis e extensas redes sociais. A adaptabilidade é

associada à flexibilidade, resiliência e resistência social.

Apesar de Moran (1994) ter enfatizado a adaptabilidade com um foco mais passivo

do ser humano frente ao ambiente destacou exemplos contrários a essa lógica,

principalmente em que algumas decisões econômicas eram realizadas privilegiando mais

os custos que os benefícios. Em compilação mais recente, Moran e Ostrom (2009)

analisaram as transformações e modificações sobre o uso dos solos como agente

modificador da paisagem, o que enfatiza uma lógica mais ativa sobre a capacidade das

pessoas transformarem o ambiente e não apenas se adaptarem dentro de uma lógica mais

passiva. Isto se deve também à incorporação na análise das variáveis dos regimes de

propriedade, das instituições e das relações econômicas em diferentes escalas.

3.2.2 Incorporando uma visão sistêmica

Outra forma de ver a adaptabilidade seria em relação a um sistema mais complexo

e dinâmico, uma visão que é fruto do desenvolvimento de uma teoria de recursos de uso

coletivo. O foco da adaptabilidade dado pela ecologia política, que segundo Berkes e Folke

Page 51: Pescadores sem águas

49

(1998), Berkes et al (2001), Holling e Gunderson (2002), Vieira et al (2005) e Walker et al

(2004) é vista como uma característica do sistema25

que inclui relações inter-transescalares,

as instituições e os regimes de propriedade; ou seja, Berkes e Folke (1998) e Berkes et al

(2001) propõem analisar os problemas socioambientais na perspectiva sistêmica a fim de

estudar as inter-relações do sistema de manejo. O sistema de manejo pode ser visto como

uma conjunção de dois sistemas – o social e ambiental – como delimitação artificial. Ao se

considerar a problemática em análise como um sistema, inclui-se a idéia de complexidade,

e portanto, leva-se em conta que o sistema pode ser imprevisível e que os processos não

são lineares e constituem-se como auto-organizativos.

Esta teoria propõe que o ambiente seja visto como um sistema socio-ecológico em

constante processo de mudança, passando por ciclos adaptativos onde existem mais de um

ponto de equilíbrio, ou seja, o ciclo pode não voltar ao ponto original de equilíbrio,

portanto atinge outro equilíbrio (multi-equilíbrio). A panarquia, modelo proposto por

(GUNDERSON e HOLLING, 2002 e autores associados)26

, considera o sistema enquanto

um conjunto de cenários que envolvem processos naturais, sociais, políticos e assim por

diante. Para entender este modelo basta considerar que o sistema está em fase de

“crescimento” quando sofre uma perturbação qualquer ou está “maduro” ao ponto que

entra em colapso. Após este colapso, o sistema busca se remontar ou recuperar, ao ponto

que se renove e encontre novo ponto de equilíbrio (espiral). Ou seja, não seria o mesmo

ponto anterior, mas outro ponto. Assim, a adaptabilidade estaria relacionada a um

aprendizado histórico e a capacidade adaptativa mediante a memória e aprendizado para

criar ou inovar frente aos sistemas sociais e ambientais quando os limites de resistência ou

resiliência estiverem próximos.

Na idéia de ciclos adaptativos, o conceito de resiliência torna-se central, sendo a

capacidade do sistema de se recuperar após uma perturbação. Porém, considera que as

próprias perturbações podem modificar o sistema de uma condição de equilíbrio para outra

(BERKES e FOLKE, 1998) de modo a manter a mesma função, estrutura, identidade e

25 Sistema segundo Morin (2005) pode ser considerado como a organização de elementos que interagem continuamente e dinamicamente se ordenando e desordenando em função de suas propriedades emergentes. Portanto, é complexo, diverso e múltiplo. Segundo Berkes et al (2001, p. 23) ao se referir ao ecossistema (sistema ecológico) ou ao sistema social diz que “não só são mais complexos do que pensamos, ele são mais complexos que do que nós podemos pensar”. 26

Segundo Holling e Gunderson (2002) a expressão panarquia vem da junção do sufixo “pan” em alusão a

deusa grega da natureza e a antítese da hierarquia. A hierarquia está associada a níveis estruturais na ecologia

e tratando se relações entre escalas e processos que tratam do sistema dinâmico e adaptativo e evolutivo.

Page 52: Pescadores sem águas

50

feedback27

(HOLLING, 1973; WALKER et al, 2004). Ou seja, o sistema passa por

diferentes modificações e a resiliência torna-se a capacidade de experimentar a perturbação

e manter as funções em curso (HOLLING e GUNDERSON, 2002).

A adaptabilidade é a capacidade dos atores de influenciarem na resiliência do

sistema, mas não modificarem as estruturas. Se houver isso, Walker et al (2004) considera

ser outra característica, a “transformalidade”, como a capacidade dos atores em criar um

novo sistema com novas estruturas sociais, ecológicas e econômicas.

A adaptabilidade é assim vista de forma ambígua, por um lado, como uma ação

humana dos atores; e por outro, como uma propriedade intrínseca aos sistemas. A questão

é que a adaptabilidade é uma relação entre sistemas; sendo assim, atua na própria

adaptabilidade do sistema. Ou, em outras palavras, os componentes do sistema e suas

relações se adaptam mutuamente (MATURANA e VARELA, 1995), ou ainda, segundo

Holling et al. (1998) co-evoluem ou se auto-organizam mediante crises, aprendizados

regulados pelos feedbacks.

3.2.3 Uma crítica

Por fim, outra vertente oposta, a de Escobar (1998; 2001) critica o conceito de

adaptabilidade por ter dilemas que transitam entre o determinismo e o evolucionismo, o

que poderia marginalizar as relações entre espaço, território e os grupos sociais residentes.

A preocupação do autor é o reducionismo da condição humana a estar “bem adaptado” ou

“mal adaptado”. Moran (1994) também criticou a relação da adaptabilidade enquanto

explicação determinista ambiental, o que justificaria a dominição do território pelos

governos. Nesse sentido, Arthur Escobar focou na idéia de que os grupos sociais teriam

premissas diferenciadas ao território, dos quais se utilizam de estratégias de resistência e

defesa do próprio território, às vezes por formas e significados próprios. A condição de

defesa é citada como uma condição estratégica também por Moran (1994) ou no trabalho

de Cashdam (1992) na perspectiva do comportamento ecológico, o que para Escobar,

27

Feedbacks são considerados como conexões estabelecidas entre os usuários de recursos, as instituições

(regras-de-uso) e o recurso permitindo que seja regulado por respostas dadas pelo ambiente (BERKES,

2005).

Page 53: Pescadores sem águas

51

envolve o comportamento político. Escobar (1998; 2001) previligia os grupos sociais e

estes se organizam mobilizando diferentes redes sociais entre si, entre as instituições de

governo em diferentes escalas, reconfigurando as estratégias de acesso, uso e permanência

no território.

3.2.4 Construindo um significado próprio

Por um lado, a adaptabilidade é vista como propriedade de um sistema que

representa o ajuste humano, e, de forma separada, da capacidade de transformação

(WALKER et al, 2004), mas por outro, como um conceito que apresenta as propriedades

de ajuste e modificação (OSTROM, 2009). A idéia de que a adaptabilidade é uma relação

entre as pessoas e o sistema em uma direção aparece também inserida dentro do próprio

sistema, onde, ao invés das pessoas se adaptarem unilateralmente, o próprio sistema co-

evolui; portanto, se adapta por meio de processos de feedback.

Neste trabalho, considera-se de forma combinada, uma proposta de conceito de

estratégia, associado ao de adaptabilidade. Quanto à estratégia, refere-se à ação coletiva

pretendida ou não (sem intenções) segundo Mintzberg et al. (2006). A estratégia também

não é estática, é dinâmica e processual, ela envolvem planos e perspectivas e cada plano

poderia virar um padrão, e o padrão se arraigar no comportamento de uma organização, o

que para Moran (1994, p. 27) seria o ajuste regulador cultural, ao tratar das possibilidades

de sobrevivência ao ambiente ou viver com relativo bem estar. Porém, um movimento da

estratégia desencadeia contra-movimentos, o que dá dinamicidade na reorganização da

própria estratégia. Torna-se o caso de diferenciar estratégia do conceito de tática, por se

tratar de um realinhamento de uma ação-interação de curta duração, enquanto que a

estratégia envolve bases mais continuadas (MINTZBERG et al., 2006), ou também, uma

tática poderia virar uma estratégia.

Considera-se estratégias de adaptabilidade como sendo um processo de resistência,

diante o confronto de externalidade entendida como “negativa”, resiliência ao se tratar de

um ajuste, e transformalidade à mudança do comportamento para construir uma nova

proposta. Em outras palavras, as estratégias de adaptabilidade dos pescadores artesanais

Page 54: Pescadores sem águas

52

também envolvem a adaptabilidade do sistema ecológico e social mais amplo, que quando

voltado aos sistemas de manejo, implicam em processos co-evolutivos.

Ao adentrar na região de estudo, Leonardi (1999) retratou cenários históricos de

alguns rios no Baixo Rio Negro, especialmente o Jaú, antes da criação do parque, e

demonstrou como a paisagem hoje vista como natural foi resultado de um processo de

transformações, de diferentes contextos políticos e econômicos. Furtado (2006) não focou

na paisagem, mas em como os pescadores passaram por esta história e como ela ajuda vê-

los, atualmente, onde a adaptabilidade não é apenas em relação ao meio natural, mas

histórico e cultural. Assim, em outras palavras, considera-se que houve ciclos adaptativos

da pesca artesanal no Baixo Rio Negro que consideram rupturas e continuidades, onde

pescadores recriam as suas formas de resistência e resiliência.

Finalizando este subtítulo, é de se pensar que as restrições espaciais no Rio Negro,

bem como o aumento demográfico, tornou-se um desafio aos pescadores artesanais. O

abandono da atividade da pesca comercial é uma opção. Ela acontece de fato? E o número

crescente de registros profissionais dos pescadores? Qual a perspectiva dentro da idéia de

adaptabilidade? O fato dos pescadores operarem na clandestinidade e com medo da

fiscalização ambiental, de poderem perder as ferramentas de trabalho por apreensão, e

assim perder a fonte de renda, representa uma adaptabilidade ou uma resistência? Isso

representa uma vantagem ou uma desvantagem? Talvez a opção co-evolutiva opere entre a

resistência e a adaptabilidade sistêmica no momento em que negociações ou concessões de

acesso aos recursos pesqueiros tornem-se necessários. O fato é que, algumas dessas

questões levantadas não são exclusivas dos pescadores do Baixo rio Negro ou do

Amazonas, mas de muitas partes ao redor do mundo. Grupos sociais se adaptam e resistem

ao mesmo tempo, o que faz com que o sistema entre em uma “panarquia”.

Quais são os motivos que fazem com que pescadores se mobilizem para

determinados ambientes de pesca, o fato de outros serem restritos? O abandono da

atividade é relacionado a restrição espacial das UC’s? Estar pescando clandestinamente é

resistência ou adaptabilidade? É opção, desobediência civil, necessidade ou (...)? De que se

trata a lógica co-evolutiva? De negociações? Essas perguntas abrem um leque para se

pensar a pesca artesanal e o Mosaico do Baixo Rio Negro – dilemas que envolvem a

conservação da biodiversidade in situ dentro de um modelo, ao mesmo tempo em que esta

possui outro valor de uso para quem depende dela (da biodiversidade) e portanto, talvez o

Page 55: Pescadores sem águas

53

primeiro passo para se valorizar não seja conhecer as estratégias de uso e conservação, e

sim propiciar o diálogo simétrico.

3.3 “OS RECURSOS DE USO COMUM”

3.3.1 Base comum de recursos naturais ou recursos de uso comum/coletivo

São recursos naturais de uso comum as águas, as florestas, a fauna silvestre, os

peixes, o ar, entre outros, baseado em duas características: a difícil exclusão dos usuários

desses recursos (exclubilidade) e quando parte dos usuários manejam uma unidade desses

recursos, influenciam diretamente no manejo de outros usuários (subtrabilidade). Recursos

de uso comum são, portanto de difícil exclubilidade e alta subtrabilidade (McKEAN e

OSTROM, 2001). Os peixes, recursos manejados pelos pescadores, apresentam essas

características.

Exemplos de subtrabilidade: se um agricultor de um rio contamina com agrotóxico

o rio na sua montante, os usuários da jusante irão ser afetados diretamente. Se o mesmo

utiliza a água para o seu sistema de irrigação, pode influenciar na disponibilidade de água

para outros usuários. Se um pescador captura parte de um cardume de peixes, outro

pescador pode não ter sucesso de pesca em outra localidade onde, porventura, o cardume

fosse passar.

Sobre a exclubilidade, mesmo que o ordenamento jurídico imponha regras de uso e

acesso a determinados recursos naturais, não quer dizer que os usuários as sigam. A

complexidade e a dimensão dos recursos de uso comum fazem com que a sua gestão seja

difícil, tanto em normas estatais, privadas ou comuns.

3.3.2 Regimes de propriedade, instituições, os recursos de uso comum/coletivo

Page 56: Pescadores sem águas

54

O Código das Águas assim como outras leis (Código Florestal28

, Código da

Pesca29

), a Constituição Federativa do Brasil, retratam em termos jurídicos, que os

presentes recursos naturais ou são bens comuns ou de interesse comum, ornamentadas

juridicamente, regulando o seu acesso e o seu uso. Em termos da Lei, são estas as formas

em que aparecem nos textos. Esse conjunto de leis, normas e códigos são denominados de

instituições formais (NORTH, 1994 apud SEIXAS, 2004), pois almejam “controlar” o

comportamento dos usuários dos recursos naturais para fim de que se proteja o interesse

comum.

Segundo a autora, existem também as instituições informais, que são aquelas

ligadas a códigos culturais como aspectos religiosos, mitológicos ou cosmológicos, que

também incidem sobre as normas de comportamento. Regimes de Propriedade

correspondem às instituições sociais (McKEAN e OSTROM, 2001), ou seja, às regras de

acesso e uso aos recursos naturais. Seixas (2005), Berkes (2005), Berkes et al (2001),

Feeny et al (2001), McKEAN e OSTROM (2001) e Pereira (2004) consideram e definem

quatro tipos de regimes de propriedades ou apropriação de recursos: o “livre acesso” e as

propriedades privada, estatal e comum. Porém, esses regimes não são isolados na prática e

se combinam de diferentes formas ou coexistem.

O marco na literatura da teoria dos comuns a respeito desses tópicos é resultado em

parte da publicação de um artigo de Garret Hardin (1968), “A Tragédia dos Comuns”, a

partir de modelo hipotético do uso de pastagem, alegando o seu livre acesso dos recursos

naturais. Cada criador de rebanho visaria o lucro, aumentando o número do rebanho nas

pastagens, o que levaria à tragédia, no caso a exaustão, sugerindo privatizá-las ou estatizá-

las (FEENY et al., 2001). McKean e Ostrom (2001) alegam que, em se tratando de

recursos de uso coletivo, não se trata da forma do regime de propriedade, mas da incerteza

dos direitos de propriedade, uma vez que todas as formas de regimes de propriedades

apresentam dificuldades de exclubilidade quando o recurso é comum.

Segundo Feeny e autores (2001) a “Tragédia” proposta por Garret Hardin poderia

se iniciar sim, mas os pastores das referidas pastagens poderiam, ao detectar essa tragédia,

mover ações para reverter esse quadro como o controle de acesso as pastagens e elaborar

normas de conduta. Ou seja, condutas e ações coletivas de usuários individuais teriam sido

minimizadas em sua análise. Assim, a dificuldade está na diferença entre a racionalidade

28 Lei Nº 4.771 de 15 de setembro de 1965.

29 Decreto-lei 221 de 28 de fevereiro de 1967.

Page 57: Pescadores sem águas

55

individual e a coletiva, do conjunto de usuários. Dessa forma, o fato do recurso ser comum

torna os usuários interdependentes e capazes de “construir e impor regras e normas que

restringem o comportamento dos indivíduos” (FEENY et al.2001, p. 32).

Livre acesso é, portanto, a ausência de uma definição de propriedade ou a

imposição política dessa condição, seja por regimes coloniais ou mercantis (e econômicas)

(FEENY et al, 2001; McKEAN e OSTROM, 2001; SHIVA, 2000; BERKES, 2005), sendo

necessário incorporar nessa análise outras variáveis, ou ainda a perspectiva histórica

(CUNHA, 2004). Hardin (1994 aput McKEAN e OSTROM, 2001) em compilação mais

recente, distinguiu que os recursos eram explorados de forma não manejada, quando em

situação sem proprietários, e quando explorados por proprietários, também poderia estar

sendo feito sem manejo adequado.

O regime de propriedade privada é então aquela em que somente o (s) proprietário

(s) tem (têm) o acesso, sendo, portanto, exclusivos, com os direitos claramente

determinados, seguros e flexíveis, pois podem ser transferíveis para outros proprietários

(McKEAN e OSTROM, 2001) enquanto que a propriedade estatal é aquela regulada pelo

Estado, como exemplo, as unidades de conservação de proteção integral (PEREIRA, 2004)

ou no manejo de bacias hidrográficas (BERKES, 2005).

O regime de propriedade comum segundo McKEAN e OSTROM (2001, p. 83), é

definido como “formas de privatizar direitos sobre um objeto sem dividi-lo em pedaços;

oferecem uma maneira de parcelar o fluxo de “rendas” da colheita (o lucro) de um sistema

integrado de recursos sem que haja parcelamento (...)”

Os sistemas de apropriação comuns, ou regimes de propriedade comum, são formas

coletivas de obter o acesso e uso dos recursos naturais comuns, podendo ser reconhecidos

ou não, e demonstram a capacidade das pessoas de estabelecerem regras ou fazer a ação

coletiva de facto (McKEAN e OSTROM, 2001; CUNHA, 2004).

Os regimes de propriedade se combinam entre si (CUNHA, 2004; McKEAN e

OSTROM, 2001; BERKES, 2005). Berkes (2005) e Pimbert e Pretty (2000)

exemplificaram o caso de que, em muitos parques nacionais onde se instala uma

propriedade estatal sobre propriedades comuns, sem reconhecê-las, pode ocosionar uma

situação de livre acesso aos recursos. Ao contrário, outros exemplos – como os conflitos

ocorridos no Estado do Acre nos anos 70 e 80, onde seringueiros disputaram os seus

territórios, considerados pelo Governo de livre acesso, solicitando outro modelo de gestão

que não a da propriedade privada – culminaram com a Reserva Extrativista (LITTLE,

Page 58: Pescadores sem águas

56

2002). Ou ainda, conforme Castro e McGrath (2001) ou Pereira (2004), os pescadores

solicitaram às instituições públicas o direito de gerirem seus territórios de pesca, do qual

foram propostos os “acordos de pesca”.

Portanto, sistemas de apropriação de recursos comuns ou regimes de propriedade

levam em conta sistemas de gestão desses recursos, acordos entre instituições locais, das

comunidades (informais), de suas organizações com as instituições formais. Peixes e águas

estão na esfera de recursos de uso comum e, por um lado, são regulados pelo regime de

propriedade estatal, como bens comuns, e, por outro, são manejados por sistemas de

regimes de propriedade coletiva (ou compartilhada entre membro de um grupo, recursos

compartilhados e privados, segundo McKean e Ostrom (2001)), ou ainda em sistemas de

co-gestão (CASTRO e McGRATH, 2001; BERKES et al., 2001; PEREIRA, 2004;

QUEIROZ, 2005).

3.3.3 Sistemas de gestão

Do inglês recurso advém resource, cujo significado original sugeria vida, auto-

regeneração e reciprocidade, mas que, a partir do século XIX, se consolidara outra visão

conceitual como um repertório de recursos, matérias-primas a serem utilizadas (SHIVA,

2000). Segundo a autora, até o período colonial, recursos naturais eram tidos como

infinitos, mas que em uma segunda fase, necessitariam de um gerenciamento mediante a

ameaça da escassez. No período colonial do Brasil foram implementados os “pesqueiros

reais” para garantir o suprimento de “pescados” para as vilas sedes. Medeiros (2006) citou

a evolução dos sistemas de conservação imperiais, seja preocupado com determinadas

espécies madeiráveis, ou o sistema de matas ciliares, ou ligados a água, que culminaram,

por exemplo, nas regras do Código Florestal (1965) e no modelo de unidades de

conservação, que hoje correspondem a doze tipologias distintas.

A análise de que existem problemas ambientais foi incorporada nas tomadas de

decisões de instituições com fins de conservação da natureza pelo Estado, assim como tem

sido objeto de reivindicação de comunidades locais, ao solicitarem acordos de pesca, como

um instrumento de gestão local. Berkes et al. (2001) ressalta que não se deve pensar que

pescadores estejam almejando práticas conservacionistas e nem que os programas e

Page 59: Pescadores sem águas

57

políticas de pesca devem ser direcionados a isso, o que seria um erro, mas em um sistema

de gestão que possibilite “diálogo”, divisão de responsabilidades e talvez, desta maneira, a

conservação ambiental dos recursos pesqueiros se torne uma consequência.

De outra forma, a gestão pesqueira, quando vista apenas mediante os problemas de

explotação da pesca (PEREIRA, 2004; RUFFINO, 2005) nem sempre é compartilhada

com a visão dos pescadores (BERKES et al, 2001; OSTROM, 1990). Gestão e território

são elementos essenciais, porém, divergentes e desafiadores na sua abordagem,

especialmente quando o recurso é de uso comum e perpassa diferentes regimes de

propriedades e envolve aspectos simbólicos, históricos e socioeconômicos.

Ruffino (2005) resume que a abordagem no Brasil sobre o ordenamento da pesca

sempre considerou o livre acesso, foco biológico e a busca de maior rendimento

econômico, o que levou sempre a medidas de incentivos tecnológicos e expansão da frota.

Berkes et al., (2001) e Pereira (2004) explicitaram o modelo econômico convencional

baseado na Produção Máxima Sustentável. Nesse modelo, a renda máxima sustentável é

atingida com menor esforço, controlada a partir de políticas públicas, como o sistema de

cotas, por exemplo, ou a restrição de apetrechos de captura, os tamanhos de captura de

peixes, a sazonalidade para se pescar, e assim por diante.

A abordagem de gestão convencional é elaborada com base nos conhecimentos

científicos e é orientadora de políticas públicas e da normatização estatal, pois considera o

“livre acesso”; porém, sem sucesso de implementação (PEREIRA, 2004). O controle é

inviável, pois se trata de inúmeras tipologias de pescadores, unidades de manejo variadas,

o que faz com que o custo administrativo seja elevado, sem cumprimento das regras por

parte dos usuários (BERKES et al, 2001). Segundo o autor, a probabilidade dos pescadores

em serem fiscalizados e apanhados é reduzida, às vezes menor que 1%, tornando a pesca

ilegal mais vantajosa que a pesca legalizada.

A gestão convencional (centralizada) é aquela em que as regras são elaboradas de

cima para baixo e baseadas em valores utilitários e econômicos, às vezes focadas em

poucas espécies (PEREIRA, 2004). Na prática, o sistema social, histórico e cultural é

pouco considerado. Segundo Berkes et al. (2001) os planejadores esquecem que, quando

estão propondo manejar a pesca, estão na verdade manejando pessoas; ou em outras

palavras, a gestão da pesca é a gestão de pessoas, que podem fazer as suas próprias regras

para resolver seus próprios problemas.

Page 60: Pescadores sem águas

58

Existe uma confusão, por um lado a gestão é estatal e centralizada, e se baseia na

propriedade estatal, mas considera que os recursos sejam de livre acesso. No entanto, na

maioria dos casos, os recursos estatizados são geridos por regimes de propriedade comuns.

Como sair desse impasse?

Berkes et al. (2001) citando Christy (1982) informa que o reconhecimento da

propriedade comunal passa pelo reconhecimento dos direitos territoriais das comunidades,

delineando a pesca, promovendo monitoramento ou realizando o controle. O tipo de

regulação, seja pelo controle comunitário ou pelo limite de acesso, tem sido o mais

frequente utilizado em termos mundiais.

Peixes são recursos de uso comum, fazendo com que a comunidade de pescadores

seja interdependente. As relações sociais entre esses usuários também estão carregadas de

conflitos. O sistema de manejo da pesca depende de relações de parentesco, obrigações

sociais, associativismo entre grupos, o que faz dessa construção descentralizada de gestão

um desafio. Berkes et al. (2001) e Ostrom (1990) argumentam que existem nos sistemas de

manejo, especialmente de pesca, um sentimento de falta de confiança no seu

funcionamento, especialmente baseados em um histórico descontínuo de sistemas não bem

sucedidos. No entanto, ressaltam que as habilidades dos usuários ou das instituições

deveriam ser utilizadas para a construção de outro sistema de manejo.

Pereira (2004) argumenta que a gestão descentralizada considera a complexidade e

incerteza do sistema manejado, priorizando o local e a pluralidade de conhecimentos, mas

ressalta que comunidades podem ser menores ou maiores, assim como homogêneas ou

heterogêneas, seja economicamente ou no poderio de captura de pesca. Comunidades

homogêneas formadas por menor número de pescadores têm maior facilidade de manejar

os recursos, ao passo que comunidades heterogêneas teriam maior dificuldade, pois os

custos sociais de manutenção da instituição local de manejo seriam maiores do que para os

grupos menores.

Porém, comunidades de pescadores desejam manejar os seus recursos, decidir sobre

eles, especialmente sobre os territórios. Castro a McGrath (2001) demonstraram o

surgimento dos acordos de pesca, que tinham como finalidade que os pescadores pudessem

controlar os seus territórios, por meio de acordos solicitados às agências ambientais de

manejo (IBAMA), nos quais se estabeleceriam sistemas de rodízio em lagos de várzea

envolvendo regiões de proteção (para procriação dos peixes), lagos de manutenção

Page 61: Pescadores sem águas

59

(exclusivos para a subsistência alimentar das comunidades locais) e de pesca comercial,

que inclui os pescadores externos à comunidade.

Acordo de pesca é um sistema de co-manejo que envolve a cooperação entre

governo, comunidade usuária local (pescadores), agentes externos (organizações da

sociedade civil, acadêmicos) e outros usuários dos locais (outros pescadores, agências de

turismo) para compartilharem responsabilidades e decisões sobre o manejo da pesca

(BERKES et al., 2001). Em outras palavras, é uma ação coletiva processual, mas que

envolve uma tensão entre o sistema local e o conjunto de atores. Portanto, não existem

receituários, mas um caminho que envolve interesses, os direitos e regimes de

propriedades, as normas e leis, a capacidade de construção, aspectos históricos e relações

de poder.

3.3.4 Os usuários - “os pescadores artesanais”

Pescadores artesanais formam uma categoria social de difícil definição (ESTERCI,

2002). Sobreiro (2007) fez uma compilação sobre conceituações utilizadas por

pesquisadores e definições legais (Tabela anexo 01). Um desafio é enxergar os pescadores

para além de extratores de recursos (PEREIRA, 2004).

Para definir a concepção de pescador artesanal, como diz Castro (2004) trata-se de

ver em que contexto e comunidade se relacionam, ou conforme Berkes et al. (2001) que

pescadores estão envoltos de uma comunidade interdependente. Portanto, utiliza-se nesta

pesquisa uma questão de dimensão, que interligam pequenos e médios pescadores, sejam

os que pescam com canoas ou pequenas embarcações, até mesmo barcos regionais do tipo

batelão, utilizando apetrechos manuais, trabalhando em regime familiar ou com parceiros,

cuja produção é destinada para o mercado local ou regional. Segundo Leitão (1995, p.

187):

“Dentro deste quadro geral da pesca artesanal, contudo, encontram vários “tipos”

de pescadores que vão desde aqueles que possuem uma canoa ou uma pequena

embarcação, alguns instrumentos e pescam de forma autônoma; aqueles que,

apenas com seu saber empírico e sua força de trabalho compõem com outros as

“turmas de pesca”; incluindo os que possuem o “motor”, capital de giro e acesso

aos canais de comercialização e que reúnem em torno de si a produção e o

trabalho de outros pescadores”.

Page 62: Pescadores sem águas

60

Utiliza-se o sufixo artesanal, por uma razão histórica, talvez em parte refletida por

Veríssimo (1970), quando se refere que a pesca na Amazônia, essencialmente indígena, se

utiliza de apetrechos “modernos”, como redes ou, conforme Furtado (2006), que se refere a

formação dos conhecimentos pluriétnicos.

Por tratar-se também de questões contemporâneas, o texto refere-se ao pescador

profissional quando o mesmo é registrado junto a instituições governamentais ou das

organizações de pesca; pescador de subsistência alimentar, quando este pesca apenas para

a sua alimentação; pescador artesanal embarcado, quando este possui uma pequena

embarcação regional do tipo barco batelão e quando a embarcação é uma canoa com motor

rabeta, de pescador rabeteiro. Se o pescador se envolve com a pescaria de peixes

ornamentais já se utiliza este nome, ou quando está envolvido com os empreendimentos

empresariais da pesca esportiva, é chamado de pescador esportivo. E, no que diz respeito a

pesca artesanal comercial, ainda inclui o aviador, que também pode ser pescador e

conforme Furtado (1981) e Leitão (1995), quando dono de barco de pesca e organizador de

viagens junto a seu grupo de pescadores, é também chamado de armador.

É preciso ter em mente que a denominação de pescador, ou não, advém de

processos internos da própria comunidade (ESTERCI, 2002). Segundo a autora, nos anos

70 e 80, os CEB’s chegaram a tratar ribeirinhos e pescadores dentro de uma mesma

“categoria”, pois, de certa maneira, realizavam o manejo integrado e sazonal envolvendo o

extrativismo florestal, a agricultura, a caça e a pesca. Nesta linha de raciocínio grande parte

das pessoas amazônicas seria de alguma maneira, pescadores. Mas, mesmo que isso

ocorresse dessa forma comum nas comunidades ribeirinhas, existem aqueles que se

definem como pescador (a). Portanto, o (a) pescador (a) se trata de uma categoria também

subjetiva em termos gerais, mas regionalmente ou localmente, pode se objetivar no

processo histórico, como aponta Esterci (2002).

Em outras palavras, o (a) pescador pode ser polivalente ou mais especializado, seja

na sazonalidade anual que acompanha os ciclos naturais (regime das águas – cheias e

vazantes) ou modos particulares de vida, ou ainda historicamente, acompanhando ciclos ou

oportunidades econômicas.

3.3.5 Os “processos territoriais” e a pesca

Page 63: Pescadores sem águas

61

Este item visa conceituar território e apresentar ao leitor alguns processos

territoriais presentes no Baixo Rio Negro, onde o elemento da pesca encontra-se inserido.

Em primeiro lugar, a opção, mais uma vez de processo, ao tratar de território (s), é colocá-

lo em movimento, nas interações presentes, na relação com o passado e também

dimensionando-o (s) ao futuro. Dois autores da antropologia utilizam-se muito da ideia de

processos, dos quais podem ser citados Paul Little (2002) e Alfredo W. B. de Almeida

(2006). Talvez uma razão, assim como parte dos autores da teoria dos comuns, do qual

podem ser citados Berkes et al (2001) ou Cunha (2004) ao referirem-se aos regimes de

propriedade, seja: olhar para o território implica em não ver o “mapa” como está, mas os

processos sociais que levaram a esse “mapa”: os ciclos econômicos, os regimes políticos e

assim por diante.

O “mapa” é um instrumento cartográfico e, portanto, uma representação.

Representar um território significa fazer um recorte ou colocar uma visão determinada

sobre um objeto, considerando que está parado, colocando em visibilidade determinados

aspectos e tornando invisíveis outros. Nesse caso, utiliza-se a figura de um mapa como

uma metáfora de território, pois ele não está ali congelado, está em movimento e está

imerso a inúmeros significados; ou ainda conforme Sarita Albagli (2004), territórios não

são homogêneos, pois estão imersos em disputas políticas de poder, controle e

reconhecimento.

Segundo a autora, o mesmo território pode ser visto dentro de quatro concepções de

forma isolada ou combinada: a dimensão física é aquela com foco nas características dos

recursos naturais e nos usos e práticas dos grupos sociais; a dimensão espacial é aquela

focada nos processos sociais de produção; a simbólica são as que tratam das relações

culturais, afetivas entre um grupo e o lugar como elemento constitutivo da identidade; e a

quarta dimensão, a sociopolítica, é a que objetiva focar nas relações de poder e dominação

entre os grupos sociais (ALBAGLI, 2004, p. 27).

Transpondo essas dimensões para a região de estudo, o Baixo Rio Negro, e

considerando os referenciais teóricos apresentados até então, talvez seja possível imaginar

alguns elementos constitutivos.

Os pescadores e os rios podem ser considerados como sendo a primeira dimensão, a

espacial, na qual advêm as políticas públicas, os limites federativos e as regras; os

significados que a região apresenta para a diversidade de habitantes, a dimensão simbólica;

Page 64: Pescadores sem águas

62

e por último, as relações de poder, estabelecidas não só entre pessoas e suas históricas,

como também os regimes de gestão, de propriedade frente ao Estado.

Tratando-se da pesca em uma região onde está o Mosaico do Baixo Rio Negro é

tratar das relações com o mesmo Estado, ou, conforme Little (2002), a definição de

território passa pela relação estabelecida com o Estado, no qual os regimes de propriedade

possuem ordenação jurídica. As pessoas que vivem no território também buscam se

reconhecer e se legitimar frente ao Estado e construir a sua territorialidade. Ou, em outras

palavras, segundo Esterci e Schweickardt (2010, p. 60):

“Distinguem, por um lado, os territórios produzidos para fins de ação pública e

de representação política, visando à administração local; e, por outro lado, os

territórios construídos de forma mais difusa e menos institucionalizada, como

manifestações das diversas formas de apropriação do espaço que os indivíduos e

os grupos sociais produzem e transformam no curso das relações que

estabelecem entre si e com o seu meio. São aqueles espaços, dizem os autores,

que as coletividades humanas organizam e modelam por meio de suas práticas

materiais e simbólicas”

Considerando, dessa forma, a ideia da presença do Mosaico do Baixo Rio Negro,

composto pelas UC’s e vizinho à Terra Indígena Waimiri Atroari, como um instrumento

administrativo de ordenamento territorial. Mas, por outro lado, essas instituições possuem

cada qual a sua construção histórica própria, o que Barreto-Filho (2001) definiu como

artefatos sociais, em seu estudo sobre a gênese de criação do Parque Nacional do Jaú e da

Estação Ecológica de Anavilhanas.

As unidades de conservação (UC’s) segundo o SNUC (2000), formam dois grupos

divididos em doze tipologias:

UC’s de Proteção Integral: Parque Nacional (PARNA), Estação Ecológica (ESEC),

Reserva Biológica, Monumento Natural e Refúgio da Vida Silvestre;

UC’s de Usos Sustentável: Reserva Extrativista (RESEX), Reserva de

Desenvolvimento Sustentável (RDS), Área de Proteção Ambiental (APA), Área de

Relevante Interesse Ecológico (ARIE), Reserva de Fauna, Floresta Nacional e

Reserva Particular de Patrimônio Natural.

Dessas tipologias no baixo rio Negro, estão presentes as APA’s e RDS Estaduais;

uma RDS municipal; uma RESEX federal, como sendo de uso sustentável; dois parques

Page 65: Pescadores sem águas

63

nacionais e dois parques estaduais, do grupo de proteção integral (Tabela 01). A tabela 02

descreve sucintamente os antecedentes históricos das tipologias presentes no baixo rio

Negro.

Tabela 04 – Esquema descrevendo as UC’s do baixo rio Negro e o histórico.

Área

Protegida

(tipologia)

Antecedentes históricos Histórico de criação no baixo rio

Negro

Parque As perspectivas colônias e imperiais no

século XVIII e XIX visaram a proteção de

recursos, mananciais, espécies florestas

com vistas a interpretação de problemas

ambientais (BARRETO FILHO, 2006;

MEDEIROS, 2006)

A concepção mais atual inspirado no

modelo norte americano de Parque

(Yellowstone em 1872) beleza cênica sem

a presença de pessoas (DIEGUES, 2008).

Os primeiros parques criados foram nos

anos 30 (Código Florestal de 1934),

seguidos nos anos 50 e 60 devido a

“marcha para o oeste” e nos anos 70 e 80

no contexto do II Plano Nacional de

Desenvolvimento, com a criação do IBDF

(MEDEIROS, 2006; BARRETO FILHO,

2006).

O PARNA do Jaú foi criado em 1980,

por critérios técnicos e científicos

inspirado na teoria dos refúgios,

relatórios técnicos realizados nos anos

70, especialmente pelo INPA

(BARRETO FILHO, 2001;

FVA/IBAMA, 1998).

PARNA de Anavilhanas (ver ESEC)

Parque Estadual do Rio Negro. Criados

em 1995 sem processo registrado e

subdividido em dois parques em 2001

no Governo de Amazonino Mendes.

Estação

Ecológica

A ESEC foi criação da Secretaria Especial

de Meio Ambiente ligado a Presidência da

República (1973) em resposta aos debates

da conferência de Estocolmo e do Clube

de Roma (MEDEIROS, 2006).

A ESEC de Anavilhanas foi criada em

1981, inspirado em sua beleza cênica

por sobrevoo. (BARRETO-FILHO,

2001). Recategorizada em 2008 para

Parque Nacional a partir da evolução

de inúmeros projetos do Senado

Reserva

extrativista

Demanda por modelo de reserva inspirada

na terra indígena durante os anos 70 e 80

no Acre, consolidada em 1989 e

incorporada a gestão no CNPT/IBAMA

(LITTLE, 2002).

A RESEX do Rio Unini teve como

antecedentes a maior presença

institucional do IBAMA e também da

FVA no final dos anos 90 (durante a

elaboração do Plano de Manejo do

PNJ). A perspectiva dada pelo SNUC,

intercâmbios realizados entre

moradores do rio Unini que visitaram

outras RESEX, a organização da

AMORU, fizeram com que

reivindicassem protocolassem o pedido

da RESEX em 2004 (CALDENHOF,

2009).

Reserva de

Desenvolvime

nto

Sustentável

Proposta formulada nos anos 90 e ante-

projeto enviado pela Sociedade Civil do

Mamirauá em 1995 para a Assembleia

Legislativa do Amazonas, recategorizando

a ESEC federal do Mamirauá em uma

RDS visando a co-gestão visto que a

gestão da área não seria viável sem a

RDS Amanã criada em 199830

.

REDES de Tupé resultado de um

processo de recategorização

inicialmente com Área de Relevante

Interesse Ecológico (Lei Orgânica do

Município de Manaus em 1990),

30

Esta UC faz parte do Mosaico por fazer conexão com o PARNA Jaú e a RESEX do Unini e se justifica

pela gestão integrada da bacia do rio Unini onde existe apenas uma comunidade não sendo objetivo buscar

informações a respeito.

Page 66: Pescadores sem águas

64

participação da população (QUEIROZ,

2005) e reconhecida em 2005.

passando para Unidade Ambiental

(1995) e REDES em 2002.

RDS Rio Negro: parte da APA

Margem Direita foi recategorizada para

RDS (2008) com recursos da

compensação ambiental da construção

da ponte sobre o rio Negro.

Área de

Proteção

Ambiental

Inspirado no modelo dos Parques Naturais

Regionais Europeus com ocupação

humana e que resguardam riquezas

naturais sem a necessidade do Estado

adquirir as terras (MEDEIROS, 2006).

As três APAs no rio Negro, da Margem

Direita e as duas da margem esquerda

foram criadas pelo mesmo decreto dos

Parque Estaduais.

Os grupos uso sustentável e proteção integral dizem respeito à forma de gestão. O

primeiro diz respeito às RDS e RESEX, envolvendo a conservação dos recursos naturais

aliados ao uso sustentável pelas denominadas populações extrativistas tradicionais, e o

segundo caso, refere-se aos parques e valorizam o uso indireto – visitação turística,

pesquisa e educação ambiental.

Segundo Pasquis (2009), a criação das UC’s de proteção integral passou a fazer

parte da política pública de ordenamento territorial com critérios ligados à conservação da

biodiversidade, onde as comunidades, ou povos residentes, ou do entorno, foram

considerados ameaças ou entraves. No Rio Negro, a criação do PARNA do Jaú e da ESEC

de Anavilhanas também não considerou os modos de vida (BARRETO-FILHO, 2001) o

que, até o presente, traz diferentes conflitos, sejam jurídicos administrativos, referentes a

gestão pelo lado das instituições públicas (MENDES, 2009), ou no embate referente às

visões distintas de território (CREADO, 2009).

Os moradores que habitam o Mosaico compõem formas distintas de relacionamento

com os seus territórios, o que Paul Little (2002) denomina de territórios sociais, pois são

baseadas na sua história, nas cosmologias (visões de mundo), nos regimes de propriedade e

sentimentos de pertencimento. Castro (2001) conceitua o território social como o espaço

ou esforço coletivo de um grupo social para que se garantam o uso e controle dos recursos

em um determinado ambiente biofísico, em uma escala de tempo.

Para parte das comunidades ribeirinhas houve a opção de gestão compartilhada na

RESEX do Rio Unini e nas RDS do Tupé, Amanã e Rio Negro. Nas APA’s, apesar das

comunidades serem reconhecidas frente aos governos locais, ainda carecem de

instrumentos de gestão, sejam compartilhados ou próprios. Além desses processos que

relacionam moradores com a política pública ambiental na área de estudo, ocorrem

Page 67: Pescadores sem águas

65

processos sociais, que Almeida (2010) denominou “mobilizações étnicas”. Ou seja,

determinadas populações passam a se reconhecer perante categorias jurídicas baseadas na

sua história, como por exemplo, no Baixo Rio Negro, onde estão os remanescentes de

quilombos e indígenas. Essas categorias também estão inseridas em um contexto

institucional baseado nas suas próprias histórias, reivindicações de reconhecimento, assim

como os direitos de uso e acesso aos territórios.

No baixo Rio Negro, apenas a Terra Indígena Waimiri Atroari encontra-se

reconhecida (demarcada e homologada), enquanto que o remanescente de quilombo do

Tambor, embora seja reconhecido, por conta da sua sobreposição ao PARNA do Jaú, ainda

encontra-se em fases de “negociações” entre esferas distintas do Governo Federal (ICMBio

e Fundação Palmares). Existe no Baixo Rio Negro dois pedidos de terras indígenas. No Rio

Cuieiras, um grupo de moradores solicitou em 2002 a criação de um PDS (Projeto de

Desenvolvimento Sustentável), categoria de assentamento do Instituto Nacional de

Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e sobrepõe parte do PAREST Rio Negro – Setor

Sul. A tabela 05 apresenta de forma sucinta os antecedentes históricos da terra indígena

Waimiri Atroari e do Remanescente de Quilombo.

Tabela 05 – Territórios sociais e seus antecedentes históricos:

Território Antecedentes históricos Histórico de criação no baixo rio Negro

Terra Indígena Advém desde a legislação colonial

(Carta Régia de 1808), passando por

um evolução nos regimes imperiais,

republicanos, com a criação do

Serviço de Proteção dos Índios

(1910), a consolidação do conceito

de terra indígena pelo Estatuto do

Índio (1973) e a Constituição

Federativa do Brasil em 1988

(CUNHA, 1992)

A Terra Indígena Waimiri Atroari foi

homologada em 1989, ocupavam uma área

entre o sul de Roraima e norte/noroeste do

Amazonas. Foram massacrados por incursões

aos seus territórios durante os ciclos

extrativistas e suas terras ocupadas por

projetos desenvolvimentistas militares como a

Usina Hidroelétrica de Balbina, mineradora

Taboca e a BR-174 (BAINES, 1996).

Remanescente de

Quilombo

Segundo Almeida (2006) os

territórios quilombolas passaram

por mudanças e definições, visto a

diversidade de situações, indo desde

a permanência dos ex-escravos e a

migração dos senhores, a situação

de fuga ou até doação dos bens aos

ex-escravos, entre outras. Foram

reconhecidos pela Constituição de

1988 e pelo decreto lei

Remanescente Quilombola do Tambor,

declarada terra remanescente quilombola em

2006, possui como antecedentes a declaração

de propriedade no ITERAM (Instituto de

Terras e Colonização do Amazonas) de 1988,

conhecida anteriormente como “rio dos

Pretos” e passou a se chamar Tambor devido a

festividades antigas onde era utilizado o

tambor (FARIAS JÚNIOR, 2009). Os limites

territoriais estão em litígio frente a Câmara

Conciliatória da Advogacia Geral da União.

A “pesca artesanal” atravessa esses processos territoriais e ocorre de diferentes

formas nos interstícios (“livre acesso”) ou entorno do Mosaico, assim como em diferentes

escalas no interior das UC’s. Essa discussão, entre diferentes territorialidades e a pesca,

Page 68: Pescadores sem águas

66

torna clara uma dinâmica territorial. Muitos pescadores são também indígenas, ou

quilombolas, ou “ribeirinhos”, ou comunitários. Outra questão é a identificação com o

regime previdenciário, junto às populações ribeirinhas. O acesso a previdência social até o

advento da ampliação do “seguro defeso”, em 2003, era a de que, somente poderiam ter

acesso a esse benefício sendo agricultor ou indígena. Atualmente, o acesso foi ampliado

para a categoria pescadora.

Sobre a territorialidade dos pescadores, Maldonado (1993) e Diegues (2004)

descreveram que pescadores nos ambientes marinhos têm os seus territórios marcados por

processos simbólicos. Castro e McGrath (2001), Hartmann (2001) e Pereira (2004)

destacaram que os pescadores amazônicos não só manejam as suas áreas de pesca, como

tem reivindicado o controle de uso e acesso. Almeida (2006) caracteriza os territórios da

pesca como específicos, pois de uma maneira geral, não almejam o território em si, mas as

garantias do seu acesso.

Em estudos nas comunidades do Médio Rio Negro, Silva e Begossi (2004) e

Sobreiro (2007) relataram que os territórios de pesca em comunidades ribeirinhas são

usualmente próximos. Já ampliando o conceito para a categoria de pescador, o território

baseia-se na sua experiência na região (conhecimento), dos diferentes ambientes de pesca e

na ecologia dos peixes, bem como na possibilidade de mobilidade (SILVA e BEGOSSI,

2004; BEGOSSI, 2004). A territorialidade da pesca é discutida no capítulo 06.

3.3.6 A formalização do Mosaico do Baixo Rio Negro

O conceito de mosaico origina-se a partir do SNUC (BRASIL, 2000), com objetivo

de integrar diferentes áreas protegidas, próximas, justapostas ou sobrepostas na gestão

participativa, com vista a compatibilizar a preservação da biodiversidade, valorização da

sociodiversidade e o desenvolvimento regional. O presente Mosaico foi inicialmente

motivado pelo Projeto Corredores Ecológicos (PCE), que incentivou a integração entre

gestores estaduais, federais e da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé

(municiapl), bem como as organizações ambientalistas, entre 2003 a 2004. No entanto, foi

a partir do edital lançado pelo Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA) (edital

01/2005), que foi submetido um projeto para criação do Mosaico, tendo o IPÊ juntamente

Page 69: Pescadores sem águas

67

com parceiros (órgãos gestores e organizações da sociedade civil), após a aprovação,

iniciado sua execução em 2007 (CARDOSO et al., 2009a).

O processo de formação do Mosaico no Baixo Rio Negro foi baseado em consulta

aos conselhos gestores e na realização de reuniões e oficinas ampliadas, que perduraram

por um período de quatro anos, até a sua formalização. Apesar de só existirem UC’s

fazendo parte do Mosaico (de júri), todas as partes envolvidas – onde se incluem os kinja

(Waimiri Atroari), remanescentes de quilombo, pescadores, representantes de entidades de

base (Sindicatos, comunidades, empresários), secretarias municipais do Meio Ambiente –

tiveram ampla participação (IPÊ, 2011). E, no caso dos Waimiri Atroari, cabe a eles o

desejo de adesão ou não. A definição do “desenho” do Mosaico levou em conta a adesão

voluntária dos órgãos gestores, a conectividade ecológica e estrutural, bem como a

identidade cultural (CARDOSO et al., 2009b).

A sua gestão é através do conselho gestor de caráter consultivo e compõe quatorze

cadeiras distribuídas igualitariamente entre entidades do Governo (gestores) e sociedade

civil, renovável a cada dois anos. Assim, o fato de inclusão de novos membros no

conselho, ou até inclusão ou exclusão de territórios, fica a cargo do conjunto de atores

participantes do conselho gestor e depende da publicação oficial através de portaria

ministerial. O que, por um lado, ainda representa um desafio, uma vez que existe uma

contradição no que diz respeito à conceituação de Mosaico, no SNUC – abrange as áreas

protegidas, enquanto que no seu decreto regulamentador (Decreto nº 4.340, de 22 de

agosto de 2002) – diz que somente UC’s podem fazer parte da gestão de Mosaicos. Isso, de

certa maneira, criou barreiras burocráticas para adesão de outros territórios na gestão

compartilhada de um território31.

Entre 2009 a março de 2010, realizou-se um conjunto de quatro “oficinas-

capacitações”, que objetivaram integrar os conselheiros e construir um plano de ação para

sete temas principais eleitos ao longo de todo processo: proteção socioambiental; educação

ambiental e organização social; uso público; manejo de recursos naturais e renda;

ordenamento e consolidação territorial; acesso a políticas públicas e comunicação.

Pelo fato de existir na conceituação legal de Mosaico a abordagem de

desenvolvimento regional, e também pelo processo de construção do MBRN, assim como

diferentes outros Mosaicos, passa a deslocar a ótica de ver uma UC isolada e administrada

31 Observação e envolvimento pessoal no processo de reconhecimento do Mosaico.

Page 70: Pescadores sem águas

68

unicamente pelos seus objetivos, o que faz com que o conjunto de atores passasse a ver o

Mosaico como um território (TAMBELLINI, 2007). Neste sentido, Sarcinelli et al. (2009)

e Cardoso et al. (2009) têm refletido no tema da valorização territorial dos produtos,

serviços e saber-fazer das populações presentes; e ainda, segundo Delelis et al. (2009) na

construção dessa agenda por parte das políticas públicas para o desenvolvimento de novos

instrumentos de gestão, que permitam relacionar a gestão das UC’s com os modos de viver

dos territórios.

A “pesca artesanal” passa a ser um tema comum do MBRN não só pelo fato de

estar presente ao longo de todo o território, como também por explorar a “subtrabilidade”

do recurso comum – recursos pesqueiros – que podem estar sofrendo sobre-explotação em

uma área em detrimento da conservação restrita em outra (ILLENSEER e PEREIRA,

2010). Dessa mesma maneira Illenseer et al. (2009) sugeriram que os espaços de

articulação proporcionados pelo Mosaico também podem propor em conjunto com os

pescadores, sistemas de gestão desse território.

No Baixo Rio Negro, o Mosaico não é a única e exclusiva política pública em fase

de implementação e desenvolvimento a nível territorial. No setor ambiental o MBRN

sobrepõe o Corredor da Amazônia Central e o título de reconhecimento da Reserva da

Biosfera. Assim como parte do território ainda está sob área dos “territórios da cidadania”

e faz parte da Zona Metropolitana de Manaus, só para citar mais dois exemplos, de outros

dois instrumentos de políticas de gestão territorial.

Neste sentido, a gestão do MBRN é potencial articulador interno do território entre

diferentes interesses presentes, como em escalas a nível estadual ou federal na discussão ou

proposição de políticas públicas para o território. Porém, é desafio que a gestão possa se

descentralizar de facto e se tornar um efetivo fator de comunicação interna

(TAMBELLINI, 2007), a fim de que não se torne um instrumento burocrático de gestão de

interesse unilateral da parte jurídica-administrativa das UC’s e possa perpassar para o papel

de lidar com os conflitos territoriais presentes e os possíveis caminhos de superação.

Page 71: Pescadores sem águas

69

4. FRAGMENTOS DE UMA HISTÓRIA SOCIAL DA PESCA ARTESANAL NO

RIO NEGRO

4.1 NOTAS INTRODUTÓRIAS

A história ecológica e social do Rio Negro, com recorte mais específico da pesca,

não só é fragmentada em informações, mas nos tipos de visão que eram produzidas,

normalmente por agentes coloniais, viagens de naturalistas, documentos religiosos ou

militares. Faltam inúmeros dados, talvez encontrados na forma de arquivos, o que, no

entanto, não foi objeto desta pesquisa.

Este capítulo objetiva a descrição dos principais fatores históricos que

consolidaram a atividade da pesca artesanal no Rio Negro. É divido em quatro itens.

Primeiro, a abordagem é geral, trata dos antecedentes históricos da pesca, tendo passagens

no Brasil Colônia e Império, seguido pela pesca no século XX e, então, nas visões sobre a

formação da pesca no Baixo Rio Negro. No final deste capítulo é feita uma breve síntese

sobre a trajetória narrada.

Elementos como os contextos políticos administrativos ou regimes políticos não

foram aprofundados, assim como aspectos cosmológicos ou sobre a pesca de subsistência.

O recorte dado refere-se à pesca enquanto atividade, enquanto esta se consolida, para

referir-se aos aspectos que influenciaram na formação da identidade dos pescadores.

O texto descritivo incorporou informações sobre os regimes de gestão, a dinâmica

territorial estabelecida, assim como os possíveis regimes de propriedades formadas

resultantes da história de gerenciamento.

Conforme Leonardi (1999):

(...) não houve continuidade populacional, nem continuidade administrativa, ao

longo do tempo, embora nem sempre a descontinuidade tenha eliminado por

completo toda e qualquer permanência – o extrativismo, a pesca artesanal – na

região (LEONARDI, 1999, ao citar ao comparar o fenômeno ocorrido no Rio

Tocantins com o Rio Negro, citando Wallace).

Page 72: Pescadores sem águas

70

4.2 ASPECTOS HISTÓRICOS DA PESCA: DO PERÍODO BRASIL COLONIAL AO

REPUBLICANO

4.2.1 Das paragens aos pesqueiros reais

A ocupação amazônica, como não podia ser diferente do resto do Brasil, iniciou-se

pelo litoral. No Norte se refere à formação do Estado do Maranhão (1621), passando em

seguida a desmembrar-se em dois Estados, Maranhão e Grão-Pará (1654); e Estado de

Grão-Pará e Maranhão (1751), Estado de Grão-Pará e Rio Negro (1772), em um período

que a sua administração era independente do resto da colônia (SANTOS, 2002; SANTOS,

2007 apud CALDENHOF, 2009). No primeiro momento, no Rio Negro, houve

recrutamentos de indígenas para servirem de escravos no Maranhão (SOUZA, 1994).

Nessa região, Baixo Rio Negro, residia principalmente os grupos indígenas Manaós, Mura,

Tarumã e Baré (LEONARDI, 1999).

A ocupação no Rio Negro foi facilitada pelos empreendimentos missionários,

inicialmente os Jesuítas, então os Mercedários, seguida pelos Carmelitas, das quais se

destaca a missão de Santo Elias do Jaú (1694), próximo à foz do Rio Jaú, onde hoje se

localizam as ruínas de Airão Velho e Santo Eliseu do Mariuá, atual Barcelos (LEONARDI,

1999). Na foz do Rio Negro, onde hoje está à Cidade de Manaus, havia sido fundada a

Fortaleza São José da Barra do Rio Negro, em 1669.

Mesmo que inicialmente tivessem ocorrido conflitos, é possível que o

estabelecimento das fronteiras tenha sido mais humano que geográfico, pois foi realizado a

partir de alianças entre grupos indígenas e os portugueses (João Renôr Ferreira Carvalho,

citado por LEONARDI, 1999). Já no segundo momento, quando foi formada a Capitania

de São José do Rio Negro (1751) esta se caracterizou pela formação dos Destacamentos

Militares para definição das fronteiras geográficas em disputa com os espanhóis,

holandeses e ingleses.

O interesse econômico, ao qual as missões se mantinham atreladas, era a

exportação das “drogas dos sertões”, inicialmente de produtos extrativistas como a

salsaparilha (depurativo medicinal), diferentes óleos vegetais (copaíba, andiroba e outros),

castanha, breu, cacau, urucu e também peixe seco (LEONARDI, 1999; BENCHIMOL,

2010). Foi imposta como idioma oficial a língua geral guarani (nheengatu); porém, a partir

Page 73: Pescadores sem águas

71

dos anos de 1755, o Marquês de Pombal, administrador colonial, diminuiu o poder das

ordens religiosas, “expulsando” muitos missionários, implementando uma “nova política

indigenista”. Os administradores, das antigas missões, agora elevadas à categoria de vilas,

passaram a ser leigos (REIS, 2006). Os índios ganharam o estatuto de “liberdade”, o que

permitiu que se subjugassem a novas relações de tutela, proibia o uso de nomes étnicos, os

habitantes passaram a ser chamados de tapuios, substituiu muitas toponímias e nomes de

lugares, antes indígenas, por nomes portugueses e implementou uma política de

miscigenação por casamentos interétnicos (LEONARDI, 1999; GUZMÁN, 2006;

CUNHA, 1992).

As Missões de Santo Elias do Jaú e Mariuá passaram a ser denominadas de Vilas

de Ayrão e Barcellos, respectivamente, e foram construídos fortes como no Alto Rio Negro

e no Rio Branco, aumentando a presença militar. Isso fez com que muitos indígenas

fugissem para alto dos rios e igarapés – a exemplo dos Barés, que foram para o Alto Rio

Negro, e os Tarumãs, que se refugiaram na Guiana – ou apresentassem uma resistência no

cotidiano de não aceitação da submissão (LEONARDI, 1999; GUZMÁN, 2006).

Devido à ausência de trabalhadores indígenas, foram trazidos a região escravos

negros e imigrantes brancos, a fim de que pudessem, além de explorar o extrativismo das

drogas dos sertões, cultivar tabaco, algodão, fruteiras de diversas variedades, café, tendo

como principais produtos o algodão e o cacau, responsáveis por grande parte da economia

(BENCHIMOL, 2010).

Segundo Furtado (2006), foram os cultivos indígenas, o extrativismo, as caças e a

pesca, que proveram de alimentos os exploradores, os aldeamentos missionários e os

destacamentos militares, para abastecer as “expedições” e depois as vilas criadas sobre os

seus territórios. Veríssimo (1970, p. 14) teria denominado esses “centros de abastecimento

de alimentos” ao qual inclui a pesca de “paragens”:

“Paragens, há todavia, que por atraírem maior número de pescadores e produzirem maior

porção de pescado, ou por se acharem mais perto de lugares de maior consumo e

comércio, são mais conhecidas e citadas, e portanto podem ser consideradas centro de

produção”

Talvez, na história amazônica, assim como no Rio Negro, essas podem ter sido as

origens históricas da pesca realizada pelos indígenas ou “caboclos” e “tapuios”, pelos

conhecimentos dos lugares da pesca e das técnicas (VERÍSSIMO, 1970; FURTADO,

2006). A dimensão da pesca na época era mais ampla e incluía também a captura de

Page 74: Pescadores sem águas

72

quelônios, o peixe-boi e os jacarés, que, no período no período do século XVIII em diante,

além do abastecimento alimentar integrado à produção familiar, passou a se constituir

importantes produtos de exportação, entre os quais a carne seca (salgada), ovos e banha32

de “tartaruga”, banha de peixe-boi, entre outros. O peixe seco também chegou a ser

considerado moeda de troca e pagamento (RUFFINO, 2005).

São talvez devido à importância econômica da pesca os motivos que fizeram com

que os administradores coloniais tenham criado os pesqueiros da fazenda real ou os

pesqueiros reais no século XVIII (VERÍSSIMO, 1970; REBELO e PEZZUTI, 2000). É

difícil precisar quantos foram e onde se localizavam os pesqueiros reais no Rio Negro,

mas, segundo o Diário do Rio Branco, de Alexandre Rodrigues Ferreira, de 1786

(AMOROSO e FARAGE, 1994), havia dois pesqueiros reais no rio Branco: o Pesqueiro

Real da Demarcação e outro próximo a atual capital de Roraima, Boa Vista, Pesqueiro

Real da Guarnição, na época missão de Carmo. O Pesqueiro Real da Demarcação era

responsável por enviar a produção para Barcelos, e este se localizava próximo à Foz do Rio

Branco (FERREIRA, 1786, p. 82-83):

“Desde Janeiro passado até hoje 12 de Maio, tem remettido para Barcellos

1707 tartarugas, não incluindo mais 34 que tem dado de soccorro para as

canôas Regias. Quanto ao Peixe secco que costuma salgar e beneficiar, he a

Pirauiba, a Pirarara, o Pirarucú, o Tambaquy, o Surubim, a Piranha-uassú, o

Jundiá e Jundiá-uassú, o Pacamon-uassú e alguns peixes-bois”

Segundo consta no diário, o pesqueiro situava-se na margem direita do Rio Branco,

quatorze horas de distância de embarcação a remo a partir da foz, e constituía a infra-

estrutura (“3 palhoças” com cobertura de “palha”) das quais a primeira servia para a

“feitoria de peixe secco”, a segunda era a residência do administrador do pesqueiro (Cabo

de Esquadra Manoel Martins de Trindade) e de três empregados e a terceira servia de

“quartel dos Indios empregados” além de cinco currais. O pesqueiro correspondia a uma

área grande; possuía plantações e a pesca era realizada a um dia de viagem (praia de

Cuaruanim). Descreve-se ainda: “A gente actual da obrigação do Pesqueiro são 20 Indios,

10 homens e 10 rapazes: possue 10 Igaratés, incluída a maior: está provida de pussás,

anzoes sorteados, harpoens para peixe e para tartaruga (...)” (FERREIRA, 1786, p. 83).

32

A carne e banha era utilizado para o refino de óleo de tartaruga utilizado para a iluminação (LEONARDI,

1999), misturado ao alcatrão (asfalto), para a cozinha e na vedação de navios (GILMORE, 1997).

Page 75: Pescadores sem águas

73

Ou seja, o sistema do pesqueiro incluía a área limitada, o sistema de gestão,

infraestrutura, diversos trabalhadores (remeiros, pescadores, vigias) e manejava uma

diversidade de espécies utilizadas, entre outros. Talvez este pesqueiro, como descrito por

Ferreira, tenha esta organização pelo fato de situar-se no contexto dos destacamentos

militares, “limites das demarcações”, comum no século XVIII. Bates (1979) descreveu

diferentemente o funcionamento de outros pesqueiros, como no baixo Rio Japurá, a partir

da metade do século XIX, onde a praia era administrada por um comandante indígena e as

coletas de ovos de quelônios eram coletivas e utilizadas em festividades indígenas. Ou,

próximo à Vila de Ega, atual Tefé, onde o comandante da “praia real” de Ximuni era eleito

pelo conselho municipal, havia os vigias de praias e o objetivo era garantir que todos os

habitantes pudessem ter oportunidade igual na colheita de ovos (BATES, 1979).

Ou seja, em duas épocas distintas, entre os séculos XVIII e XIX, havia indícios de

sistema de gestão baseados na propriedade estatal (RICCI, 2008), ou pela co-gestão

(BATES, 1979), ou ainda comunitária (BATES, 1979; GILMORE, 1997). Ricci (2008)

chama a atenção que, após a revolta da cabanagem, os sistemas de gestão tornaram-se mais

mercantis, exploratórios, tendo em vista a taxação, a continuidade da exportação, o que

segundo Rebelo e Pezzuti (2000), incluiriam um regime mais burocrático, cartorial, repleta

de proibições, sendo o início da ruína de antigos sistemas de gestão.

4.2.2 Da municipalidade a federalidade da pesca (Anos de 185033

a 1912)

O início do século XIX foi tumultuado: o Brasil se tornara império, mas a Capitania

de São José do Rio Negro era ainda muito ligada aos interesses do Pará, de onde

administradores eram indicados a partir de Belém (LEONARDI, 1999). Além disto,

associado às mudanças administrativas das missões para as vilas, a independência trouxe

descontentamento do regime econômico, agora taxado. Motivos associados à falência do

comércio e tecelagem do algodão34

e a queda dos preços do cacau, podem ter sido os

desencadeadores da revolta dos cabanos.

33

Amazonas já era considerada província e sua sede Manaós. 34

Santos (1980).

Page 76: Pescadores sem águas

74

Segundo Benchimol (2010), Barcelos era grande produtor de algodão e possuía

fábricas de tecelagens (BENCHIMOL, 2010), ao passo que, até os anos de 1860, os

principais produtos de exportação no rio Negro eram a piaçaba, estopa, breu, peixe seco e

salga (LEONARDI, 1999).

O regime de gestão ou manejo que imperava nos pesqueiros foi extinto e a

administração passava agora para as municipalidades. Interessava às administrações

municipais indicar o número de pescadores e a autorização e taxação era fiscalizada, pois

havia o propósito de aumentar a arrecadação das receitas financeiras (FURTADO, 1981;

MONTEIRO, 2010). Monteiro (2010) destaca que em 1854 foram criadas as Companhias

de Pescadores autorizadas a pescar nos limites municipais. Segundo Ruffino (2005), esses

elementos são indícios de um período que denominou de pré-legislativos. Esses elementos

indicam também que se consolidava uma história específica, mas não isolada, da pesca.

Na metade do século XIX, conforme citado, os principais produtos, cacau e

algodão, entram em falência, ao passo que, incentivados por uma indústria européia e norte

americana especialmente, calçados e vestuários originaram a demanda de um novo produto

extrativista: a borracha35

(SANTOS, 1980). Isto fez com que fosse necessário realizarem

arranjos nos sistemas extrativistas. Dos arranjos, destacam-se: o recrutamento de

nordestinos, trazidos principalmente da Paraíba e Ceará, na ordem de vinte mil em 1840, e

cento e cinquenta mil, nos anos de 1870, quando o nordeste passara por uma grande seca; a

formação de uma companhia de navegação a vapor36

(SANTOS, 1980), possibilitando

transporte de pessoas e produtos; e, um sistema comercial e organizativo da produção pelo

aviamento.

Isso representou, no Rio Negro, uma ocupação mesclada dos antigos tapuios e

indígenas, agora com os nordestinos. Assim como parte da Amazônia, no Rio Negro, os

rios e igarapés foram “loteados” por “seringais” e estes por “colocações”, regiões onde

eram “colocados” os “seringueiros”. Os seringueiros tiravam a seringa - látex e entregavam

35

Só mais tarde, é que este serviria também a indústria automobilística (Segundo Benchimo, 2010 nos anos

40).

36 Segundo Leonardi (1999), as embarcações a vapor e depois motores de propulsão também influenciaram

nas mudanças de paisagem onde eram extraídos madeiras, muitas inclusive, de grande valor utilitário e

comercial (nobres ou de lei) para abastecer os inúmeros portos de lenha. Destes, por exemplo, segundo

conversas informais, com moradores das margens do baixo rio Negro, esquerda e direta eram extraídas, das

mesmas margens, das ilhas de “Anavilhanas” madeira com grande intensidade conforme também em

comunicação pessoal com o pesquisador Leonardo P. Kurihara.

Page 77: Pescadores sem águas

75

para o “patrão” ou “seringalista” que por sua vez entregava ao regatão, que passava para o

comércio regional, terminando em Manaus e seguindo para a exportação (LEONARDI,

1999; CHAVES, 2011).

Além da reconfiguração do território em propriedades privadas “de fato37

(seringais e colocações), aos quais os seringueiros ficavam dispersos nos rios e igarapés, o

sistema comercial trouxe profundas marcas através do aviamento, que envolveu

inicialmente um circuito comercial fechado (CHAVES, 2011), envolvendo produtores,

atravessadores e compradores determinados, para depois, se abrirem outras formas de

concorrência (LEONARDI, 1999). O aviamento correspondia à venda a crédito de

mercadorias em troca da entrega de produtos, o que já era prática comum, no século XVIII,

quando nos ciclos econômicos que envolviam o cultivo do algodão, cuja moeda de troca

era a troca de “novelos de algodão” (SANTOS, 1980), mas agora, distribuído ao longo dos

territórios amazônicos.

No Rio Negro, Ayrão era regionalmente o centro comercial até o Rio Jaú, onde

havia um barracão entre a foz do Rio Jaú e Carabinani e o Rio Unini, e era disputado entre

os comerciantes de Barcelos e Ayrão (LEONARDI, 1999). O aviamento permitia manter a

fidedignidade das relações comerciais pela dívida adquirida, seja pelos seringueiros ou

entre os comerciantes, pois uma casa aviadora aviava a outra, e esta fazia empréstimos aos

bancos. Além desse sistema, era comum o compadrio38

, onde comerciantes e patrões

apadrinhavam filhos dos “subjugados” que, por um lado oferecia privilégios, mas por

outro, mantinham exclusividade das relações comerciais. Leonardi (1999) ressalta que as

relações daquela época estavam repletas de conflitos, sendo comuns assaltos ou venda para

concorrentes a melhores vantagens comerciais, às vezes “furando” o sistema fechado,

podendo caracterizar que sempre houve estratégias de resistência ao sistema.

Talvez essa primeira fase não tenha sido homogênea no Rio Negro, assim como na

Amazônia como um todo. Segundo Oliveira (2006), parte do Rio Negro foi esvaziada

nesse período, por migrações das populações para regiões de maior produção da borracha,

como para o Purus e Madeira. Mas há registro, especialmente nos Rios Unini e Jaú, da

presença da atividade39

.

37

Algumas propriedades eram jurídicas.

38 Ver detalhes sobre o rio Negro, especialmente o Jaú e o Unini em Leonardi (1999); e, detalhes gerais do

funcionamento do sistema em Benchimol (2010) e Chaves (2011).

39 Ver Leonardi (1999).

Page 78: Pescadores sem águas

76

Conforme Leonardi (1999), o sistema marcou o conjunto de alterações quanto ao

uso e acesso de recursos naturais, conforme Leonardi (1999, p. 87):

“Embora o produto da caça, da pesca ou da coleta pudesse ser apropriado

individualmente, ou familiarmente – e isso é o que geralmente acontecia -, o

acesso aos recursos naturais era coletivo. Ora, cem anos depois as alterações já

eram evidentes. A propriedade individual introduziu novas noções e hábitos no

relacionamento dos homens com a natureza no vale do rio Jaú: um sentido de

exclusividade e de separatividade que gerava concorrência e policiamento

recíproco da demarcação de limites territoriais entre seringais e “colocações”.

O período entre o século XIX e início do século XX, apesar de ter a borracha como

indústria propulsora e monofocal, outros produtos, dos quais, neste trabalho destaca-se a

pesca, continuaram e se desenvolveram ao mesmo tempo, seja por uma continuidade ou

por uma reorganização do sistema junto com a borracha. Embora houvesse algumas

proibições, mesmo que temporárias, como a pesca de Pirarucu, o uso de arrastão, a pesca

com venenos vegetais, ou ainda, o apanho de “tartarugas”, entre 1889 a 1893, as

estatísticas indicavam elevada exportação de produtos. Destes se destacavam: o grude

peixe (matéria prima para a indústria de cola principalmente em Belém), manteiga de

tartaruga, mixira de Peixe-Boi e Pirarucu (salgado) do Amazonas para o Pará

(VERÍSSIMO, 1970). Santos (1980) citou que a pesca fluvial amazônica era superior à

pesca marítima.

Outro elemento registrado em Manaus (MONTEIRO, 1998; MONTEIRO, 2010) e

em Belém (FURTADO, 1981) é o advento da fabricação de gelo para a conservação do

pescado em vapores de pesca (canoas grandes), quando a partir daí, iniciou-se a

denominação deste tipo de embarcação de “geleiras”. Em Manaus, a experimentação de

associar o gelo a conservação do pescado teria iniciado com a inauguração da fábrica de

gelo em 1880 (MONTEIRO, 1998; MONTEIRO, 2010), transportando peixes lisos,

Pirarucu fresco de Manaus até Gênova, o que antecedeu a inauguração da fábrica de gelo

Cristal em 1910 (MONTEIRO, 1998).

Até o final do século XIX, a pesca era considerada essencialmente indígena, ou por

seus conhecimentos, artes e técnicas, mesmo que, tendo incorporado tecnologias, como

redes e arrastões, o seu emprego ou até mesmo o feitio era adaptado regionalmente

(VERÍSSIMO, 1970; FURTADO, 2006). Em síntese, a pesca foi incorporada à indústria

extrativa da borracha ao lado de outros produtos extrativistas e organizada por nova

relação mercantil do aviamento, do contato intercultural entre nordestinos e moradores

Page 79: Pescadores sem águas

77

locais e da configuração territorial. Os autores também citaram que acontecia o reenvio do

pescado para alguns seringais em determinadas regiões, como por exemplo, próximo a

Belém, no Pará.

4.3. A PESCA NO SÉCULO XX

4.3.1 No início do século

No final do século XIX diversos relatos já alertavam sobre a necessidade de haver

um acompanhamento pesqueiro (estatística pesqueira) e a formulação de uma legislação

adequada, a partir de análises que alguns estoques de espécies exploradas poderiam estar

sendo sobre-explorados, com destaque a Veríssimo (1970) e de Emílio Goeldi

(FURTADO, 1981). Esses argumentos foram utilizados no início do agora Brasil

República, para que fosse criada a Inspetoria Federal da Pesca (1912). Entre muitos

objetivos, destacam-se: investir na escolarização profissionalizante dos pescadores e na

formação das colônias de pescadores (FURTADO, 1981).

Segundo Furtado (1981), as primeiras colônias de pescadores vieram a se formar

nos anos de 1930, ligadas a ideia de “Segurança Nacional”, o que vinculou os pescadores

ao Ministério da Marinha, nas capatazias e nas zonas de pesca, sendo seus administradores

os capatazes delegados, nomeados pela autoridade naval. Isso ocorreu até a elaboração do

Código de Caça e Pesca (Decreto-lei de 794/1938), que mudou os pescadores da qualidade

de “guardiões” para “produtores de alimentos”, os vinculando ao Ministério da

Agricultura, situação que se estendeu até 1961, mesmo que em alguns momentos da

segunda guerra a Marinha ainda fosse ocupar-se da pesca em seus propósitos como

“soldados da pesca” (LEITÃO, 1995).

Outra medida, fruto dos anos 30 e que tem repercussões até os tempos atuais, é

Código das Águas (Decreto nº 24.643, de 10 de julho de 1934) que considera as “águas de

bem de uso comum” transformando quanto à navegabilidade e o acesso aos recursos

pesqueiros de forma livre, assim como o Código de Pesca (Decreto-lei n. 794 de 19 de

outubro de 1938), onde recursos naturais eram de bem público destinados como “produtos

da indústria”, considerando a pesca vinculada ao Ministério da Agricultura.

Page 80: Pescadores sem águas

78

Determinados patrões, que nos tempos da borracha, monopolizavam o comércio em

determinados rios ou igarapés, ou aqueles em que as populações, como no caso das

comunidades, que passaram a defender os seus territórios, já não poderiam contradizer o

“acesso livre” imposto pela legislação.

O contexto naquela época, especialmente entre os anos de 1912 a 1920, era uma

extensa crise da indústria da borracha até meados nos anos 30, devido à concorrência

comercial com as seringueiras cultivadas na Malásia. Assim, aconteceram migrações na

Amazônia e parte dos seringueiros se rearranjou nos rios e igarapés; parte se mudou para

Manaus e outra retornou para o Nordeste (BENCHIMOL, 2010; LEONARDI, 1999),

permanecendo nos locais de origem, como no Rio Negro, parte dos “antigos tapuios”

(LEONARDI, 1999).

A população urbana de Manaus saltou de 50.300 (1900) para 106.399 (1940)

segundo censo citado por Benchimol (2010), formando uma população consumidora

urbana de recursos naturais, como peixes, madeira, entre outros. Em 1942, é retomada a

exploração da borracha, chamada de “batalha da borracha”, devido ao embargo dos

japoneses, na segunda guerra mundial do comércio da borracha com a Malásia, que fez

com que fossem retomados os seringais, os repovoando, mas com diferentes

características.

Dessas características, ressalta-se uma maior diversificação de produtos

extrativistas, como por exemplo, além da seringa, agora no Rio Negro, eram exploradas a

Sorva, a Coquirana, a Balata, o Xiqué alinhadas a diversificação também das demandas

industriais. Outro fator é a diversificação de outros produtos, como a madeira e a pesca

(peixes, quelônios, jacarés e peixe-boi) para “alimentar” o crescimento de Manaus e a caça,

ou “fantasia”, para exportação de carne, couro e peles de animais silvestres alinhados a um

sistema ainda de aviamento.

(...) Em primeiro lugar eu era comerciante, trabalhava na beira do rio, dentro da

colocação, e colocando gente, levando mercadoria, vendendo, trocando por uma

coisa e outra, pela borracha, castanha, que nessa época existia isso. Eu trabalhei

muito em regateio, aí eu vi que não dava, aí eu passei para a pesca. Só em

regateio eu tive oito anos (...). Eu tinha motor grande (...) na época quelônio não

era proibido, bicho de casco, e a gente trazia muito. Chegava na casa do freguês,

não tinha produto, tinha os quelônios, os bichos de casco (...) fantasia, fantasia

existia muito, a perdição do cara era vender fiado (...). Eu andava pelo interior aí,

pelo, inclusive hoje é parque, Jaú, lá em cima é o Unini, o rio que eu viajava. Só

freguês, eu tinha oitenta (...) (Sr. José Pontes, ex-regatão e ex-pescador, 71 anos,

entrevista concedida em 14/11/2010).

Page 81: Pescadores sem águas

79

A presente citação está presente na memória de muitos pescadores, caracterizando a

forma de pesca, não associada ao gelo, inserida em um contexto de aviamento, mas com

um leque de diversificação de produtos extrativistas.

Ayrão entrou em “arruinamento” (LEONARDI, 1999), o que fez com que o

segundo ciclo da borracha, mantivesse maiores vínculos com Manaus e boa parte da

população se dispersou, parte migrou para Tauapessassu (atual Novo Airão) ou Manaus, a

partir dos anos de 1960. Por outro lado, a pesca se apresentava em plena expansão,

especialmente em Manaus e Belém, entre os anos 1920 e 1950 (BITTENCOURT, 1985;

MENEZES, 1967).

Em 1924, Bittencourt (1985) avaliou a exploração de 22.000 toneladas de Pirarucu,

também de Peixe-Boi e quelônios (estava proibida), fora as cinquenta espécies de peixes

comercializadas no mercado de Manaus. O autor classificou de desorganizada a indústria

do pescado em Manaus e Pará, mas em 1956, Menezes (1967) registrou a existência de 158

empresas produtoras de peixe salgado na Região Norte com finalidade de exportação para

México, Estados Unidos, países da América Central, entre Bagres, Pirarucu, outras

espécies, quelônios e peixes ornamentais, fora a diversidade para o consumo interno

(MENEZES, 1967). Bittencourt (1985) citou que a pesca era realizada pelos “caboclos”,

descrevendo cada tipo de pesca, mas grande parte do pescado provinha de redes de

arrastão, técnicas de tapagem de lagos e batição40

.

4.3.2 Entre 1950 a 1989

Com intensificação crescente da indústria da pesca, o setor carecia de uma política

pública que pudesse aperfeiçoar a atividade. O período entre os anos de 1950 a 1960 é

chamado por Castro e McGrath (2001) como a modernização da pesca, que talvez tenha se

40

Denomina-se arrastão quando o fundo de ambientes aquáticos são limpos no período da seca, removendo

galhos possibilitando para que redes sejam arrastadas por barco a motor por determinada distância

capturando diversas espécies, enquanto que tapagem de lagos implica em bloquear o canal que interliga o

lago a outros ambientes aquáticos realizando a pesca quase total das espécies na localidade. A batição é

quando é colocado uma rede ou malhadeira em determinado local e os peixes são afugentadas em direção a

rede ou malhadeira por batidas realizadas pelos pescadores nas canoas.

Page 82: Pescadores sem águas

80

iniciado com a formação do Conselho de Desenvolvimento da Pesca (CODEPE) em 1961

seguida pela criação SUDEPE - Superintendência do Desenvolvimento da Pesca em 1962.

Por conseguinte, um conjunto de medidas adotadas, entre as quais a formação do

Código da Pesca41

, (e Fundo de Investimento Setoriais (Setor Pesqueiro))42

trouxeram

incentivos e regulamentaram a pesca, reforçando o acesso livre aos pescadores. Outra lei, a

Portaria Complementar da SUDEPE (1970)43

, obrigou os pescadores profissionais a

estarem filiados nas colônias e nas Capitanias do Portos, proibindo o uso de determinados

apetrechos (rede arrasto, bombas, malhadeiras com malha menor de 90 mm; tapagem,

cacuris e venenos vegetais) e regulando o uso, como por exemplo, proibindo o cerco da

passagem de peixes, assim por diante.

De acordo com Galvão (1982), em 1977 havia 615 barcos registrados na SUDEPE,

com estimativa de um milhão de pessoas envolvidas na cadeia produtiva de pesca no

Amazonas, o que inclui também os pescadores de subsistência. No entanto, das quarenta

colônias de pescadores registradas em 1975, somente três funcionavam na legalidade em

1982, entre elas a Z-2 de Manaus, Z-5 de Itacoatiara e a Z 16 de Parintins.

Esse período está inserido no contexto dos projetos da ditadura militar para a região

(p.ex., Polamazônica, Operação Amazônica e Planos de Desenvolvimento), que obedeciam

uma lógica de mercado e de integração da Bacia Amazônica com o restante do Brasil.

Como resultados da política de modernização pesqueira, advêm os motores a diesel, a

incorporação das câmaras frigoríficas ou caixas isotérmicas para conservação do pescado

em gelo, além da fibras sintéticas de monofilamento de nylon, o que fizeram com que se

aumentasse o poder de captura dos barcos de pesca e se possibilitasse a ampliação das

frotas pesqueiras (CASTRO e McGRATH, 2001).

Houve um privilégio à dimensão econômica da pesca com viés comercial e

industrial, por um lado, e uma desvalorização da pesca artesanal, por outro. Até então, a

pesca era realizada por alguns pescadores que já possuíam barco, ou pescadores moradores

dos locais de pesca que realizavam acampamentos de pesca, como em lagos de várzea, a

exemplo da pesca do pirarucu, onde se remava por dias até o local de captura.

41

Decreto-lei Nº 221, de 28 de fevereiro de 1967.

42 Falabela (1994).

43 Portaria N

o. 622 (1970).

Page 83: Pescadores sem águas

81

Um exemplo da pesca anterior ao período de modernização pode ser avaliado no

depoimento de ex-moradores do Rio Jaú e Puduari, afluentes do Rio Negro. Nestas regiões,

havia uma especialidade de pescador que trabalhava para abastecer os seringueiros, ou para

“poupar” trabalho:

“Antes a pesca era só de barco pequeno. No rio tinha só dois pescadores, o velho

Zé Galiosa e outro, Felisberto Cardoso. Eles pescavam pirarucu e tambaqui.

Eram pescadores e vendiam o peixe para o seringueiro e regatão. Pescavam

também tartaruga, cabeçudo e tracajá. Eles usavam arpão e malhadeira. Em 1960

Zé Galiosa faleceu e Felisberto faleceu este ano.” (Morador do Rio Jaú, 53 anos,

conversa realizada em 01/12/2010).

“O peixe que eu falo né, o pirarucu, você matava o pirarucu, era para você

poupar trabalho, para você derrubar tantas sorveiras, pegar tantos quilos de

borracha, de sorva, de coquirana, era raramente para vender o pirarucu. Mas

vendiam, eu lembro de uma pessoa que comprava o pirarucu seco (...)” (Aldenor

S. Barbosa, ex-morador do Rio Puduari, entrevista concedida em 16/09/2010).

Portanto, a pesca de caráter artesanal era desconsiderada pelas políticas públicas

chegando a serem nominadas como “atraso” (GALVÃO, 1982; LEITÃO, 1995) ou como

entraves ao desenvolvimento da pesca, seja por seus hábitos alimentares movidos a tabus,

seja pela defesa de seus territórios de pesca (GALVÃO, 1982). Um exemplo de defesa dos

territórios no Amazonas foi a “guerra do peixe”, ocorrido em 1971, onde mais de 2.000

ribeirinhos entenderam como seus territórios as águas, especialmente nos rios Purus e

Manicoré, e nos lagos Janauacá, Acará, Piranho, Ressaca, São Tomé e Sacado de Santa

Luzia, que ocasionou revoltas contras os barcos pesqueiros (MENEZES, 1972). A Colônia

dos Pescadores Z -2 (Manaus) chegou a acionar as tropas da política militar a fazer a

segurança das pescarias profissionais (MENEZES, 1972), com a alegação de acesso livre

segundo o Código das Águas.

Segundo Galvão (1982) houve uma tentativa de programar o Plano de Assistência à

Pesca Artesanal em 1974, que das suas várias ações (ver Galvão, 1982) previa implementar

o treinamento, organização social e tecnologias do pescado, mas a falha apontada, foi a

falta de equipe extensionista.

A pesca estava ligada ao sistema da borracha ou aviamento, também para o

consumo ou venda. Porém, a partir dessa política consolida-se a categoria de pescador

profissional itinerante, que vai com seu próprio barco e tripulação pescar nas áreas onde

antes havia maior participação da população local, por sinal gerando conflitos sociais e

ambientais, no esgotamento de recursos (ISAAC, 2000).

Page 84: Pescadores sem águas

82

4.4. VISÕES DA PESCA NO BAIXO RIO NEGRO

4.4.1 “Das proibições à nova profissão” – visões sobre a formação dos pescadores

artesanais no Baixo Rio Negro

Pescadores artesanais eram aqueles ligados ao sistema de aviamento em conjunto

com outras atividades agroextrativistas. Nos anos 60 e 70, pescavam-se pirarucu, peixe-boi

e tartarugas, produtos específicos permitidos em uma pesca sem gelo e que pudessem ser

comercializados com o regatão ou para o consumo alimentar.

“Os regatões Zé Galiosa e outro regatão Clementino, ambos falecidos

compravam jacaré e pirarucu, isto faz uns 30 anos. Tudo pescado no arpão. O

tucunaré é na zagaia, a fera no espinhel (...). Tem o Antônio de Moraes, que era o

regatão. O nome do barco dele era “Deusa do Rio Negro, aviador que entregava

os produtos no entreposto de mercadoria. Comprava coro de onça, porco etc”

(Depoimento de Moisés M. da Cruz concedido em 20/11/2010 ).

“O patrão era o Antônio Moraes, era o maior regatão. Eu pescava bicho de casco

e pirarucu, tinha muito pirarucu.” (Depoimento de ex-pescador concedido em

2010).

Dos fatores associados à formação da pesca artesanal no Baixo Rio Negro, podem

ser citados: o centro administrativo da pesca comercial/consumidor de Manaus; o advento

da modernização da pesca, chegando no final dos anos 70; as mudanças legislativas

proibitivas de determinados produtos; e, os incentivos advindos das políticas setoriais da

pesca.

Até os anos 60, a pesca artesanal não só era atrelada ao aviamento extrativista,

como também realizada em um conjunto de atividades agroextrativistas. Muitos apetrechos

eram confeccionados pelos próprios pescadores, a exemplo da linha de pesca que era de

algodão, mesmo que comprada, a malha era tecida, tingida com tinta extraída da palmeira

Murici, para que se pescassem o Jaraqui e a Matrinxã, e até mesmo o Pirarucu. O Cacuri é

armadilha de pesca feita com fibras vegetais e Paxiúba. Essa técnica, também associada à

presença indígena, mas não comum a todos os pescadores, era realizada ao longo do Rio

Negro, até mesmo em Anavilhanas, sobre a qual há indícios de vestígios ainda hoje. A

Page 85: Pescadores sem águas

83

linha de pesca tecida a partir de fibras vegetais (coroá) e a Pinauaca (penas de tucanos com

anzol camuflado) que imitava insetos sobre a água (Ver Figura 09)44

.

Estas e outras técnicas e artes de pesca foram dando lugar a novas formas de

pescar, algumas por advento de proibições, outras por ter nas linhas de nylon e nos anzóis e

malhadeiras, maiores facilidades, ou ainda o fato do peixe “ter ficado sabido”. Por outro

lado, a pesca de zagaia e arco e flecha assim como a de caniço se mantiveram e são parte

da identidade da pesca no Rio Negro e de outras regiões.

FIGURA 09 – Da esquerda para a direita:

Cacuri encontrado no Alto Rio Negro (São Gabriel da Cachoeira) e demonstração do

funcionamento da Pinauaca por Raimundo Marques, no lugar dos óculos as penas de tucano.

Fonte: o autor.

“Motor não existia, tem canoa a remo, tinha vela, a vela era o barco furado. Em

Belém tem muito barco a vela, justamente no Amazonas tinha muito (...). Não

tinha motor e motor era aquela vela. Quando tinha vento, quando não tinha era

no remo. Aí apareceu a lancha a fogo (...). As redes eram tecidas de algodão que

era comprado. Se tingia com murici, pegava “peixe de passagem” próximo de

Manaus ali no Acajatuba. (...) Só a linha, aí a gente tinha que ter a mão-de-obra

para tecer né? Então fazia a rede, vamos dizer que uma rede, quer dizer é a

passagem do peixe, vamos supor aí, se alimpava, fazia o limpo, aí colocava o

arrastão (...)” (Depoimento de José Pontes, 71 anos concedido em 14/11/2010).

“Na época do meu pai era o cacuri, que é o curral, que hoje é proibido eu não sei

porque, lá no Remanso, lá nos lagos. Agora proibiu. Não podia mais. A

fiscalização proibiu. Aí não tinha como. Derrubaram foi muitos curral, com

machado, derrubaram” (Depoimento de liderança dos pescadores entrevista em

27/08/2010).

“O cacuri que era usado para o peixe miúdo e o curral para o pirarucu. Também

tinha o moita, que era usado para pegar o pirarucu e o peixe-boi” (Depoimento

44

Informações advindas de entrevistas e conversas informais em 2009.

Page 86: Pescadores sem águas

84

de Raimundo Marques, 45 anos, comunidade Bom Jesus do Puduari, em

20/11/2010 ).

“Tem um índio, o André Florense, que sabe fazer o cacuri de paxiúba” (Moisés

Marques da Cruz, 35 anos, comunidade Bom Jesus do Puduari, em 20/11/2010).

“(...) Na época se facheava a noite. Até 1965 se facheava usando a poronga,

focando igarapé e lagos, pescando tucunaré, cará, traíra, peixes da beira. A

pinauaca era anzol vara para cima e outra para baixo. Tinha pena de rabo preto,

amarelo e vermelho, encarnado com duas penas. Já pescava com sete anos de

idade. Depois incentivaram a lombrinha, que era tipo corrico com anzol e duas

penas e se pegava tucunaré, jacundá, cará azul. A lombriga você pega a barriga

do peixe do tucunaré, e fatia, duas fatias compridas para imitar a piaba com

quatro dedos de comprimento (...). Eu ainda cheguei a ver o cacuri e vi um outro,

o matapi em um igarapé. Era uma índia que fazia” (Depoimento do morador do

Jaú, 53 anos comunidade do Seringalzinho, em 01/12/2010).

“Olha, nós pescava era a coisa mais interessante era com espinhel e caniço (...).

Nós íamos fachear feito com poronga e nós ia pescar com um terçado bem

afiado, não existia zagaia, o apetrecho utilizado era uma poronga e um terçado.

De dia nós pescava com um puxa-puxa que era um fio de coroá que a gente

mesmo fazia a linha, extraída do coroá, as fibras, para fazer a linha para fazer o

puxa-puxa. Para pescar o tucunaré é a pinauaca que era uma linha do coroá

também com três anzóis com pena de tucano, uma peninha vermelha e uma

amarela que é para o peixe achar que tinha uma borboleta na água, pegava

aruanã e tucunaré. O puxa-puxa que pegava na canoa e conforme dava uma

remada, esticava e o tucunaré pegava. Espinhel, espinhelinho para pescar aracu,

pacu, cará, o peixe que pegava no igapó. Era muito utilizado o espinhel e caniço

(...). O coroá tem um fibra, é parecida com o abacaxi, dá uns talos grandes, aí a

gente bate na ponta dele, amarra em um pau, em cima de uma forquilha, e pega

dois talos de inajá, um na ponta, encosta naquela palha e arrasta para baixo (...).

É plantado. (...) Olha, esta planta venho de nossos antigos, eles diziam que era

trabalho dos índios. Foram eles que trouxeram. E isto ficou para nós, passado de

geração para geração. Cada morador tinha sua roça e tinha seus pés de Coroá

(...)”. (Depoimento de Aldenor Sobrinha Barbosa, 46 anos em 16/09/2010).

O período retratado anteriormente data entre os anos 60 e 70. As pessoas entre 50 e

60 anos ainda presenciaram estes feitios na infância, outros ainda foram repassados de pai

para filho. Pauletiene Horta (24), da diretoria da APNA (Associação dos Pescadores de

Novo Airão), aprendeu com seu pai, antiga liderança dos pescadores, hoje falecido, a fazer

o Cacuri, pois, dizia ela que este aprendizado era necessário para se caracterizar como

pescadora. Ou segundo Pinheirão, ex-morador do Jaú: “Quem faz aste, arpão é pescador”

(Depoimento, ex-morador do Rio Jaú, 58 anos, em 22/11/2010).

Mariano (liderança de pescador, na faixa dos cinquenta anos), em conversa

informal, em 2008, disse que nas Ilhas de Anavilhanas ainda existem resquício do curral

elaborado por seu pai que aparecem em grandes secas. Conforme também em outras

conversas informais e dois depoimentos (registrado em caderno de campo), existe o

respeito pela Cobra-Grande ao fundo do rio, ou pelo Jacaré-Açú, “guardião” dos lagos, que

Page 87: Pescadores sem águas

85

possui uma pata gigante, que exige o cuidado do pescador ao adentrar nesses espaços.

Estes elementos estão presentes no sistema de valores culturais em alguns pescadores, o

que também foi registrado no Médio Rio Negro por Silva (2003).

A pesca era assim realizada nas imediações das moradias, nas antigas colocações.

A incorporação de redes de malhadeiras de monofilamento é associada ao mesmo período

do início da presença de barcos de pesca no final dos anos 70 e, com maior intensidade, no

início dos anos 80, especialmente nos Rios Jaú, Unini, Jauaperi e Rio Branco, áreas de

pesca da região do Baixo Rio Negro.

“Um senhor entrou e pegou quase tudo, mas ou menos três anos antes de

aparecer o IBDF. Depois de cinco anos voltou a ter. Este barco era de Belém,

tinha frigorífico, levava morador para pescar e tinha mais de 17 toneladas, usava

malhadeira e arrastão” (Depoimento de ex-morador do Jaú, 58 anos, em

22/11/2010).

“Poucos barcos entravam no rio. Em 1978 entrou gelador, barco de pesca, o que

fez umas três ou quatro viagens. Naquele tempo não tinha comunidade. Tinham

seringueiros com roça. Vinha barco de Manaus e Roraima. O nome do barco era

comandante Dragão, de Abílio de Caracaraí, Rondônia. O pessoal se reuniu e

pediu para não voltar mais. O barco tinha 30 toneladas e uns 23 metros, levou

pirarucu, tambaqui, tucunaré, matrinchã, cará-açú, aruanã, pirarara, curubim.

Diminui muito o peixe. Botou muita malhadeira, tinha 15, 20 malhadeiras por

lago.” (Morador do Jaú em 01/12/2010).

“Pescador de gelo mesmo, nos anos 70, talvez 75. Cheiroso, pai do Zé Ponte,

também começou a fazer pesca no Jauaperi. Aí foi saber o que era gelo, pesca de

gelo. Três, na época, começou a levar gelo e pegar pessoas no rio para começar a

pescar. Aí neste tempo, neste tempo, não tinha muito pescador, era três dias em

uma comunidade, bastava duas noites, não tinha muito pescador, o município de

Novo Airão tinha pouquinho barco” (Depoimento de pescador comercial,

morador do rio Jauaperi, comunidade de Itaquera em 15/11/2010).

“E aí foi começando as malhadeiras. Comprava 5 ou 6 quilos de linha para

malhadeira. Foram abandonando a arpoeira e o arpão. Antes de chegar o IBDF se

pescava com arpoeira. No outro ano encontraram o IBDF lá. Astea, arpoeira e

arpão, aí o arco e flecha. Aí os peixes, o regatão as vezes comprava, quando

tinha.” (Depoimento de ex-morador do Jaú, em 22/11/2010).

“O nylon venho para cá de 78 para frente. Malhadeira venho chegar muito mais

tarde, para você ter uma idéia, uma coisa muito impressionante, quando você

ouvia falar em malhadeira era uma coisa assustadora. Primeiro, não tinha

malhadeira como a gente vê hoje, a malhadeira que tinha era para pegar o

pirarucu e o cara para botar malhadeira tinha que ter muita coragem. Primeiro,

porque você tinha que colocar umas forquilhas no fundo, não tinha chumbada,

era totalmente diferente. Isto era pouquíssimas pessoas, raramente eram as

pessoas que tinham esta malhadeira (...). Ninguém tinha necessidade de ter

malhadeira porque tinha bastante peixe para você pegar de caniço. Já o pirarucu

era para você secar e vender” (Depoimento de Aldenor Sobrinha Barbosa em

16/09/2010).

Page 88: Pescadores sem águas

86

O trânsito de barcos de pesca na região teve início quando ainda não existiam

comunidades ribeirinhas organizadas. O marco e a escala temporal notada pelos

informantes são prévios a chegada do IBDF, o que está relacionado à implantação do

Parque Nacional do Jaú. É visível o destaque dado a esses “novos apetrechos”,

especialmente as malhadeiras de nylon. No entanto, isso não quer dizer que antes desse

período não houvesse malhadeiras ou arrastões, mas que na memória dos participantes da

pesquisa, talvez estes marcos fossem o início das malhadeiras, segundo suas visões.

Os depoimentos também “revelam” a impressão a respeito do tamanho dos barcos e

de sua procedência (externa). Para os pescadores locais, apesar de esses barcos operarem

em número reduzido, suas capacidades de captura de pescado eram elevadas e a influência

dessa modalidade de pescaria sobre a diminuição dos estoques pesqueiros era visível. Um

dos relatos expressou o pedido dos moradores para que determinado barco não retornasse

mais.

No final dos anos 60, com advento do Código Florestal (1965)45

e do Código de

Caça e Pesca (1967)46

, foram proibidas as atividades comerciais de madeira em tora por

jangadas e também o comércio de “fantasias” operadas pelos regatões. Na região de

Barcelos estava estruturado o sistema de pesca ornamental nos anos 60 e 70 (SOBREIRO,

2007), que também foi sendo regulamentado legislativamente e especificamente nessa

região, sendo motivo de alguns pescadores migrarem para a pesca comercial.

Assim sendo, os primeiros pescadores comerciais oriundos do Rio Negro são

aqueles que conseguiram adquirir algum recurso financeiro que, por opção, possibilitasse o

redirecionamento das atividades econômicas, antes ligadas ao aviamento e regateio ou a

pesca ornamental (anos 80) ou às atividades madeireiras (anos 70 – 90) para a pesca

comercial.

“O patrão parou de levar a madeira para Manaus devido às exigências do IBDF.

Comecei a trabalhar na pesca aos 12 anos e aos 13 anos fiz a primeira viagem

com a pesca de gelo, com Antônio Pontes, pescar tucunaré e cará. A primeira

viagem de pesca foi para o rio Unini. O que botasse pescava, era bicho de casco,

peixe-boi e pirarucu” (Depoimento de Raimundo Marques, 45 anos, em

20/11/2010).

(...) Eu trabalhei muito tempo no regateio, aí eu vi que não dava, e aí eu passei

para a pesca” (José Pontes, 71 anos, em 14/11/2010).

45

Código Florestal - Lei Nº 4.771, de 15 de setembro de 1965.

46 Código de Caça - Lei N° 5.197, de 3 de janeiro de 1967.

Page 89: Pescadores sem águas

87

“Eu morava acima da foz rio Jauaperi (...) já cresci naquele tempo e vamos dizer

nada era proibido (...) tinha a farinha, tapioca, nós tinha nosso pirarucu, meu pai

era bom pescador entendeu? Ele matava o pirarucu, não era proibido, ele matava

o peixe-boi, na época não era proibido, nós era uns caboclo criado assim. Então

naquele tempo não era proibido e tiração de madeira também não era. Depois

começou a aparecer o IBDF na época venho com a proibição e foi chegando. (...)

Eu não sei, eu tinha mais ou menos uns 16 anos. Aí venho aparecer uma equipe

da Polícia Federal de Roraima, já vinha fiscalizando já, que não podia matar o

peixe-boi (...). Quando eu comecei a viajar eu tinha 24 anos. Eu comecei assim:

nós tinha nosso barco de minha família. Nós tinha nosso primeiro barco

trabalhando em madeira de tora, de jangada, a muitos anos, nosso patrão se

chamava Manuel Clementino, ele já morreu. (...) E aí nos tinha o motor. E aí

apareceu a pesca e eu comecei a pescar com motor de um conhecido, zagaiando,

botando malhadeira. Aí eu tentei fazer uma caixa no barco que nós tinha. A

pesca era boa de ganhar dinheiro” (Depoimento de liderança de pesca, 54 anos,

em 15/11/2010).

“Porque naquele tempo tirava o pau-rosa para a usina. Aí nós fomos morar em

Anavilhanas, mas naquele tempo não tinha proibição. Nós chegamos em 1967

(...). (...) já meu pai venho a tirar madeira do lago do Capitari, para tirar Itaúba e

nós morava na ilha em frente ao paranã da Gaivota , dizia ilha do Trovão.

Quando foi em 71 meu pai resolve de nós ir para a terra firme (...). Era quando a

gente viu que o negócio da madeira estava ficando complicado, não tinha mais

chance de recadastramento, para desmatar, tirar a madeira, assim que nós

pescava. Mas, nós pescava de definitivo, com documento, de 87 para cá, mais era

pesca, já! Nós só trabalhava com documento, IBDF (...) você paga por

metragem, era descontado aquele imposto ... por metro cúbico (...). (Depoimento

de Raimundo Rodrigues Valente, 54 anos e Edival Valente Rodrigues, 44 anos,

pescadores artesanais, com canoa de rabeta, Novo Airão, em 10/11/2010).

“Aí é o tempo que eu já estava crescidinho, nossa vida foi pesca, eu passei

dezesseis anos pescando peixe ornamental, cardinal, peixinhos. (...) Na época eu

tinha uns 14 anos, 15 anos quando comecei (...). (...) Os patrão começaram a

travar com os peixinhos de exportação. Foi acabando os trabalhos que meu pai

fazia, borracha, sorva, cipó, estas coisas, aí surgiu o trabalho do peixinho, né? Da

piaba, né? (...) Passou para Manaus com conhecimento, já com os exportador,

né? Aí eu e com meus irmãos, já não era mais freguês, eu meus irmãos já

passamos a ser patrão dos outros né? (...) Mais ou menos em 1987 começou a

surgir a proibição. (...) Era só um sítio, nome de Jufaris, é para baixo de

Barcelos, um pouquinho. Deixa eu ver ... isto em 1980.” (mudança para Novo

Airão, mas ainda continuando com atividade de pesca de peixes ornamentais em

Barcelos, Jufaris). “Bom, aqui não tem piava para pescar, piava só nas

cabeceiras! Vamos colocar uma caixa e fazer um barquinho de pesca, né?”

(Depoimento de Ivani Ferreira da Silva, 59 anos, ex-pescador, Novo Airão, em

01/09/2010)

A implementação das políticas “de proibições” ocorre com maior intensidade com

a presença institucional do IBDF, sobretudo por conta da criação do Parque Nacional do

Jaú, mas também na Foz do Rio Branco. Neste afluente, existia um flutuante que continha

servidores públicos do IBDF, da SUDEPE e da Política Federal, por tratar-se de um rio que

abrangia o Estado do Amazonas e o Território Federal de Roraima, ponto estratégico de

fiscalização ou monitoramento sobre o fluxo de embarcações e produtos. A expedição de

Page 90: Pescadores sem águas

88

licenças de retirada de madeira era realizada nesse local e também se monitorava a pesca,

inspecionando as embarcações, a documentação e os apetrechos.

Mesmo com a implementação legislativa, não quer dizer que houve abandono

imediato dos comércios de fantasias, quelônios ou da retirada de madeira. De certa

maneira, essa atividade continuou e continua ainda hoje, especialmente a da madeira, nas

proximidades de Manaus, ou dos quelônios de uma maneira geral, como forma identitária,

seja por hábitos alimentares, ou ainda como fonte de renda47

ou a caça de alimentação e

pequeno comércio (SILVA, 2003 ao se referir a Barcelos, no Médio Rio Negro).

Há também situações particulares, como a de José Adimar Pedreiro Garcia,

pescador de Novo Airão, e intermediador comercial com os frigoríficos de Manaus,

Manacapuru e Itacoatiara, além de parceiro (aviador) de outros pescadores:

“Desde os 15 anos sou pescador. O meu nome completo é José Adimar Pedreiro

Garcia, sou natural de Monte Alegre, Pará, tenho 58 anos, 42 de Amazonas. Eu

trabalhava no barco recreio Brisso Medeiros e me mudei para São Gabriel da

Cachoeira. Ele me vendeu o primeiro motor, cabia 19 toneladas de peixe (...).

Tinha frigorífico, pescava uns 800 quilos de baixada e subia com frango, carne e

verdura. Dava a despesa. Eu gastava 5 tambores de diesel. O barco foi comprado

em 1986 e em 1992 cheguei em Novo Airão. Me desfiz do barco em 1990, mas

continuei trabalhando com o pessoal de Barcelos. Em 1987 comprei outro

batelão com 16 metros (...)” (Depoimento de José A. P. Garcia, 58 anos, Novo

Airão, em 22/11/2010).

Ou do senhor Francisco de Silva Amorim que teve uma passagem mais

momentânea pela atividade da pesca comercial:

“A gente tem uma tradição na pesca. Em cada canto que você chega tem uma

diferença grande né? É porque no lago do Ubin onde eu nasci, a pescaria lá, você

pescava de caniço né? É flecha e arpão. E quando a gente chegou na região do

rio Negro, entre Novo Airão e Jaú, aí tu já muda a tradição de pesca (...). Aí

quando eu cheguei no rio Cuieiras, eu passei fome. Eu não sabia tradição de

pesca do rio Cuieiras. Eu vi aquele monte de peixe, comendo, batendo em cima

d’água e eu botava o anzol e não pegava nenhum peixe (...). Eu trabalhei na

agricultura 8 anos. Aí meu cunhado disse: dá para você botar uma caixa de gelo

neste teu barco. Foi quando eu fiz uma caixa e botei no meu barquinho, aí fui

gelar” (Francisco de Silva Amorim, comunidade São Sebastião, rio Cuieiras, 51

anos, 12/04/2011).

Naquela época, Manaus representava aumento demográfico por migrações

ocasionadas por conta da desvalorização da produção extrativista, busca de qualidade de

47

Na questão dos quelônios ver também Rebelo e Pezzuti (2001).

Page 91: Pescadores sem águas

89

vida na cidade ou por conta dos incentivos ocasionados pela instalação de um pólo

industrial (anos 60 e 70) (BENCHIMOL, 2010). Manaus também representou um mercado

consumidor de pescado e um centro administrativo devido à presença da SUDEPE, para

realizar o Registro Geral do Pescador (RGP) e da Capitania dos Portos, para licenciar os

barcos, bem como centro para aquisição de gelo e apetrechos para pesca, a ligação da

pesca no território do Baixo Rio Negro. A Colônia dos Pescadores é citada somente em

depoimentos que fazem referência a meados dos anos 80.

Desta maneira, foram apresentados alguns elementos constitutivos históricos da

formação dos pescadores artesanais, aqui no caso, com ênfase nos pescadores embarcados.

Ou seja, a relação de formação dos pescadores se dá com adventos tecnológicos atribuídos

a modernização da pesca, de onde se estabeleceram as relações entre os empreendedores da

pesca, com os pescadores polivalentes de história e origem agroextrativistas advindos do

modelo da indústria extrativista (borracha, produtos não madeireiros, fantasia, cultivos,

peixe-seco). Outros pescadores, nesse período, como o senhor Raimundo Marques e seu

irmão Moysés Marques, iniciaram a formação de pescador seja pescando para os “patrões”,

seja acompanhando-os nas primeiras viagens de gelador, como pôde ser visto nos relatos

citados anteriormente.

4.4.2 Contextos históricos em três décadas

Identificaram-se três contextos distintos e históricos: anos 80, 90 e 2000. Essas três

décadas possuem diferentes especificidades quanto ao contexto regional das instituições de

manejo e quanto às modalidades de pesca realizadas, mas não possuem uma linha divisória

clara.

4.4.2.1 Anos 80

No final dos anos 70 e início de 1980, se formou a primeira geração de pescadores

comerciais embarcados, na região do Baixo Rio Negro. A maioria deles morava na área

rural, entre o Jufaris e o Paranã da Floresta, e entre o Rio Branco e Jauaperi, regiões

Page 92: Pescadores sem águas

90

utilizadas para pescar. Esses pescadores adaptaram os barcos que já tinham para a pesca

comercial e alguns investiram depois em outro barco, o que pode demonstrar que havia um

razoável retorno financeiro aos investimentos. Esses empreendimentos eram familiares,

uma vez que irmãos e filhos também compartilhavam da opção. Parte desses pescadores

ainda compartilhava a pesca com outras atividades, como a agricultura ou madeira

(legalizada ou não manejada), para dar dois exemplos. Para se ter ideia, o maior barco de

pesca tinha capacidade de 25 toneladas de gelo e talvez o segundo maior 17 toneladas. Os

demais barcos são do tamanho de em torno de uma a cinco toneladas de gelo.

O centro de partida e chegada para a atividade da pesca era Manaus, tanto em

questões administrativas quanto comerciais, conforme já havia sido citado. Era em Manaus

onde se obtinham os registros profissionais junto a SUDEPE e a documentação dos barcos

junto a Capitania dos Portos. No final dos anos 80, o registro também era feita na entidade

de classe, a Colônia dos Pescadores Z -1248

. Também se adquiria o gelo, na época em

barra, o que proporcionava uma menor conservação do pescado, era colocado em menor

quantidade, pois o gelo em barra poderia afetar a integridade dos peixes. Além disso, era

adquirido o combustível e demais utensílios e mantimentos para as viagens. No retorno à

Manaus era realizado o comércio dos peixes em uma balsa flutuante, que antes se

localizava em frente à Manaus Moderna, através de despachantes (intermediários

comerciais), mediante pagamento de taxa de desembarque ou direto para feirantes

mediante contratação de canoeiros para fazer a travessia.

O peixe comercializado era o Pirarucu, Tucunaré (várias variedades), Cará (idem),

Pescada (especialidade) e também Jaraqui e Matrinchã. As Feras, como são conhecidas

algumas espécies de peixe liso (Siluriformes), foram sendo incorporadas à pesca já mais no

final dos anos 80, devido o aumento do valor pago no comércio. De acordo com os

depoimentos dos entrevistados, foi possível registrar quatro especialidades de pesca, o que

não quer dizer que tais especialidades representam pescas mono-específicas, mas sim uma

associação preferencial com determinado grupo de espécies: a pesca de zagaia (Tucunaré e

Cará); a pesca de lanço ou cerco (Jaraqui e Matrinchã), a Pescada e a fera. O Pirarucu

também era arpoado ou usualmente pescado com rede de multifilamentos.

48 Anteriormente, foi citado que a Colônia dos Pescadores de Manaus era Z – 2 e passou a se denominar Z

12.

Page 93: Pescadores sem águas

91

O Pirarucu era comprado junto aos pescadores moradores dos rios enquanto que o

Tucunaré e o Cará eram pescados mediante contratação de pescadores ribeirinhos, ou

comprados. A pesca da Pescada, Matrinchã e Jaraqui era realizada pela própria tripulação

do barco de pesca. Em muitos casos eram realizadas negociações com pescadores dos

locais de pesca, que incluía a compra de pescados, contratação dos serviços de pescador,

ou ainda o pedido de permissão para se pescar, o que possibilitava a promoção de

intercâmbio de informações entre pescadores sobre os ambientes de pesca ou os locais de

passagem dos cardumes de peixes de Jaraqui e Matrinchã. Além dessa rede de

aprendizado, ocorria a experimentação empírica sobre a pesca, no sentido em que o

pescador foi conhecendo os ambientes e locais de pesca por tentativa e erro, conforme

afirma Allut (2000).

As áreas de pesca dos entrevistados, nesse período, incluem a margem esquerda do

Rio Negro, com usual utilização de lagos do Arquipélago de Anavilhanas, o Rio Jauaperi,

o Rio Unini e o Rio Branco, e os ambientes de pesca do Médio Rio Negro (Barcelos).

Em 1980 e 1981 foram criados respectivamente o Parque Nacional do Jaú

(PARNA) e a Estação Ecológica de Anavilhanas. É possível que por conta do PARNA do

Jaú, se tenha aumentado a presença institucional do IBDF, especialmente por conta da

instalação da base flutuante de fiscalização na foz do Rio Jaú, no ano de 1982. Com essa

base flutuante, foi interrompido, de certa forma, o trânsito de barcos regatões que

realizavam as trocas comerciais de produtos agroextrativistas. A ESEC passou a adquirir e

construir as bases de fiscalização após o pagamento das indenizações, em 1983, de 5349

moradores dos residentes nas ilhas e na parte da terra firme, entre o Rio Apuaú e Baipendi

(margem esquerda). Em 1989 foi homologada a Terra Indígena Waimiri Atroari e parte de

moradores não indígenas foi indenizada.

Outro ponto de controle era a Foz do Rio Branco, que era via de acesso ao

Território Federal de Roraima, e nesse ponto, existia um flutuante particular que era

compartilhado pelo IBDF, SUDEPE, Polícia Federal e Capitania dos Portos. O uso de

redes de arrastão era fiscalizado e esse apetrecho eventualmente apreendido. Era verificado

o tamanho da linha, que denunciava a captura de quelônios, e a presença de espingardas,

que mesmo documentadas, eram consideradas como indício de possível intenção de caça.

49 IBAMA (1999).

Page 94: Pescadores sem águas

92

Mesmo assim, a pesca artesanal comercial estava em ascensão, operando em

regimes de acesso, às vezes livres, outras negociadas. No Rio Jaú existe informações de

que, mesmo antes da chegada do IBDF, moradores locais haviam solicitado a barcos

pesqueiros que não retornassem mais, ou, no caso do Rio Unini, o estabelecimento de

limite da capacidade dos barcos a três toneladas, o que mesmo que não fosse consenso de

moradores de um rio, demonstrava indícios de que os moradores locais almejavam o

controle local.

Em resumo, a década de 80, no Rio Negro foi o período em que se consolidou a

existência da “pesca comercial” entre poucos pescadores locais, outros vindos de outros

locais, Roraima e Manaus. Esses pescadores formaram uma rede interdependente entre si,

nas estratégias de pesca em relação aos ambientes, técnicas de captura, ou negociações

com os moradores dos locais.

4.4.2.2 Anos 90

Parte dos pescadores comerciais embarcados se mudou para Novo Airão cujas

escolhas devem-se por razões particulares, seja devido o acesso à educação ou saúde, ou na

perspectiva de maior qualidade de vida. Novo Airão também passou a ser um “centro

administrativo da pesca” e parte das relações de comércio de pescado.

Denomina-se como um centro administrativo, pois os pescadores já não dependiam

diretamente de Manaus. Isso também se deve à criação do escritório regional do IBAMA

no município. O IBAMA havia sido criado em 1989, com a junção de quatro instituições:

SEMA (Secretaria Especial de Meio Ambiente), IBDF, SUDEPE e SUDHEVEA

(Superintendência de Desenvolvimento da Borracha). No que diz respeito à pesca, o

IBAMA teve responsabilidades de realizar o ordenamento pesqueiro, fiscalizar o

cumprimento de regras da pesca, bem como expedir as carteiras de registro do pescador

profissional. E, essa mesma instituição também era responsável pela gestão das unidades

de conservação.

Em outras palavras, os pescadores agora poderiam se reportar ao IBAMA em Novo

Airão para realizar os registros profissionais. E, no que diz respeito às entidades dos

pescadores, a maioria encontrava-se registrada na Colônia dos Pescadores de Manaus (Z –

Page 95: Pescadores sem águas

93

12). No entanto, em 1997 houve uma iniciativa de ter uma representação da Colônia dos

Pescadores em Novo Airão, que funcionou informalmente, por meio de representações de

pessoas que faziam a ligação com a Colônia Z -12.

Nesse mesmo período, Novo Airão já possuía um aumento demográfico e

possibilidade de comércio local de pesca, através de uma feira na beira rio, assim como já

era possível adquirir gelo e combustível. Com tais características, foi possível que nos anos

90 tenha se iniciado também uma segunda geração de pescadores artesanais comerciais, a

de pequenos barcos ou canoas com motor rabeta, com capacidade de comportar caixas de

isopor50

. Outra informação relevante para apoiar esta hipótese foi observada por Cruz e

Pereira (2009) em pescadores de Manacapuru com o uso de motores rabetas, que se

encontravam no mercado no início dos anos 90, de custo mais baixo e que aumentou a

independência de mobilidade entre os sítios de pesca e o mercado de vendas próximo, bem

como mantendo o regime de produção familiar.

As áreas protegidas federais até então tiveram infra-estrutura adquirida, mas na

prática, a gestão do dia a dia era realizada por rotinas de fiscalização, centrada no

“comando e controle” realizada por fiscais51

. Em 1998 e 1999, foram concluídos os

estudos técnicos dos planos de manejo do Parna do Jaú e da ESEC de Anavilhanas,

respectivamente.

Em 1995, o governo do Estado do Amazonas criou dois Parques Estaduais

abrangendo parte da margem direita e esquerda do Rio Negro, indo ao sul do PARNA Jaú,

contornando Novo Airão, seguindo pela margem direita até o sul da ESEC de Anavilhanas,

passando sobre o Rio Negro em sentido à margem esquerda, contornando por terra firme

com os limites até o Rio Apuaú, limites com a terra firme da ESEC (SDS, 2010b). Apesar

de criado em 1995, permaneceu apenas no “papel”, pois não foi implementado e não

interferiu na dinâmica local.

Outra característica desta década é a formação da maior parte das comunidades

ribeirinhas, processo que se iniciou nos anos 80 e findando para a conformação atual nos

anos 2000.

50

Ver capítulo 05

51 Entrevistas

Page 96: Pescadores sem águas

94

4.4.2.3 Anos 2000

O intervalo de tempo entre o ano 2000 até o presente corresponde aos últimos

eventos, que estão mais presentes nas análises desta pesquisa. Neste sub-tópico é descrito o

contexto, sem detalhar, já que é também objeto dos capítulo 05 e 06. De uma maneira

geral, no Baixo Rio Negro, consolidou-se o Mosaico de Áreas Progidas, mas por outro

lado, novos territórios sociais também estavam sendo formados ou reivindicados por

comunidades ribeirinhas, indígenas e uma quilombola, as quais também mobilizaram (e

mobilizam) esforços de reconhecimento.

No que diz respeito ao ordenamento da pesca, dois instrumentos de gestão

merecem destaque: a formalização de dois acordos de pesca e a promulgação de um

decreto Estadual do “Rio Negro”. Os acordos de pesca foram reivindicados, em primeira

análise, devido a sobre-exploração dos recursos pesqueiros nos Rios Unini e Jauaperi, o

que fez com que as comunidades solicitassem ao IBAMA a formalização desse

instrumento.

Porém, aprofundando a análise sobre os acordos de pesca, pode-se verificar que

existe a vontade de que as comunidades controlem os seus rios e ambientes de pesca, a tal

ponto que solicitaram também a criação das reservas extrativistas. Enquanto que a RESEX

do Unini foi criada em 2006, a do Rio Jauaperi ainda aguarda o decreto federal de sua

criação. Ao mesmo tempo, por outro lado, na década de 2000 se observou a presença maior

de outro setor da pesca, os empresários da pesca esportiva, que abriram novas

possibilidades de negociação e renda para moradores e pescadores. Esse mesmo setor

“teria” influenciado o Governo do Estado do Amazonas a criar o “Decreto Rio Negro” em

2001, proibindo durante cinco anos a pesca de Tucunaré e Aruanã-Preto.

Alguns elementos citados até aqui serão discutidos no próximo capítulo com mais

detalhes.

4.5 SÍNTESES PRELIMINARES

Page 97: Pescadores sem águas

95

Apesar da descrição histórica das fases colonial e império e períodos republicanos

(de 1912 aos anos 30; anos 50 a 80; anos 90 e 2000), ser parcial ou breve, é possível

estabelecer uma tabela baseada nos seguintes ciclos panárquicos de gestão da pesca,

conforme tabela abaixo (tabela 06).

Tabela 06 – Sistemas de gestão por períodos estabelecidos nesta pesquisa.

Período Sistema de Gestão Usos e Acessos (regulamentações)

1650 -

1750

Pesca realizada pelos indígenas para

manter as missões e administrações

coloniais

Técnicas de pesca indígenas, regime coletivo

para abastecimento das missões

1750 -

1850 Pesqueiros reais

Acesso regulado inicialmente pelos

Destacamentos Militares, passando para as

administrações municipais.

Peixes de diversas variedades para a

alimentação, pirarucu seco, peixe-boi e

produtos de quelônios (abastecimento interno

e exportação)

1850 -

1910 Companhia dos Pescadores

Administrações municipais com sistema de

zonas municipais, cotas, regras e taxas, ainda

realizada essencialmente pelos indígenas.

Aumento das exploração dos mesmos recursos

pesqueiros

1912 -

1940

Sistema Federalizado (Regras Estatais

– Códigos das Águas e Pesca) e

Colônia dos Pescadores)

Livre acesso; a pesca enquanto recurso

econômico; obrigatoriedade do registro na

Colônia e na Capitania

1950 -

1980

Regras Estatais e modernização da

pesca e gestão centralizada

Livre acesso; abastecimento do mercado de

Manaus/Novo Airão; criação do PARNA do

Jaú e Anavilhanas (propriedade estatal)

1990 IBAMA, Colônia dos Pescadores Idem

Formação dos territórios sociais comunitários

2000

IBAMA; IPAAM; Colônias,

Associações e Sindicatos dos

Pescadores; SEAP/MPA; acordos de

pesca; “Decreto Rio Negro”

Regimes de gestão: livre acesso, comum, co-

gestão e estatal (a ser mais bem detalhado no

capítulo 5).

“As paragens”, conforme descrição feita por Veríssimo (1970), abasteciam de

alimentos as excursões coloniais ou as missões (FURTADO, 1996). Eram realizadas pelos

indígenas aldeados que, após a formação dos “Pesqueiros Reais” no período Pombalino,

eram contratados para realizarem os serviços reais. Havia uma divisão de trabalho da pesca

que envolvia os remeiros, vigias, pescadores e administradores, como regime de

propriedade estatal por um período e local, Baixo Rio Branco, ou como propriedade co-

gerida, como em Tefé, no século XIX.

A localização dos pesqueiros reais no Rio Branco devia-se não somente à

proximidade com a antiga capital da capitania - Barcellos, mas também para obtenção de

produtos de exportação. Neste trabalho, não se obteve informação sobre o registro no que

diz respeito ao término dos pesqueiros, mas a literatura histórica diz que passou por um

Page 98: Pescadores sem águas

96

processo de municipalização, mediante a criação das companhias de pescadores, o que

perdurou até meados do século XX.

Já durante a primeira década do século XX, se passou a investir na formação de

profissionais ou instituições de gestão da pesca, que até os anos 30 esteve vinculada a ideia

de “Segurança Nacional”, passando então a ser considerada como setor produtivo ligado à

indústria da qual havia a necessidade de “livre acesso”, determinada pelos Códigos das

Águas e da Pesca. Nesse período, já eram proibidos o uso de apetrechos que impedissem a

passagem dos peixes, a exemplos, das tapagens, cacuris ou currais, ou ainda o uso de redes

que atravessassem parte dos ambientes de pesca.

É no período que compreende os anos de 1960 que acontece a modernização da

pesca (CASTRO e McGRATH, 2001). Naquele período o extrativismo do látex estava em

baixa, mas o sistema de produção era diversificado, existindo cultivos (agricultura), a caça

(fantasia) e pesca (Pirarucu salgado, quelônios), produtos madeireiros e não madeireiros. A

caça foi proibida e a extração de madeira em jangadas também; e, estava em formação o

distrito industrial de Manaus, fazendo com que ocorressem migrações de pessoas de várias

regiões do Amazonas para a capital e assim o pescado era demandado.

Nos anos 60 e 70, aconteceram as primeiras incursões da pesca de gelo, o que fez

com que muitos moradores do Rio Negro optassem pela atividade, sendo regularizada

mediante a SUDEPE ou a Capitania dos Portos no início dos anos 80, no momento em que

foram criadas as duas primeiras unidades de conservação.

Nos anos 90, Novo Airão já apresentava maior demografia (iniciado nos anos 80) e

comunidades ribeirinhas conformavam novos territórios sociais. A possibilidade de pescar

a partir de Novo Airão formou uma nova geração de pescadores locais, de pequena escala,

com o objetivo de abastecer o município, enquanto que os outros ainda tinham Manaus

como referência. O IBAMA nessa década, até meados nos anos 2005, é a instituição

responsável pela gestão tanto das UC’s federais como da pesca.

É no ano 2010 que se consolida o Mosaico de Áreas Protegidas, ao qual ainda se

juntam três acordos de pesca e um decreto estadual. Por outro lado, pescadores artesanais

encontram-se organizados em quatro entidades de pesca, e que encontram no “Seguro

Defeso” os incentivos de reconhecimento da categoria de pescador, mas por outro lado,

possuindo poucos ambientes de pesca que garantem o exercício legal da atividade,

conforme será objeto de detalhamento neste próximo capítulo.

Page 99: Pescadores sem águas

97

5. AS INSTITUIÇÕES FORMAIS DE MANEJO DA PESCA

5.1 CONTEXTUALIZAÇÕES INICIAIS

O recorte dado neste capítulo diz respeito à descrição dos processos relativos às

agências de gestão por parte do governo e das organizações dos pescadores. No capítulo 06

é tratado sobre os processos territoriais de uso e acesso aos recursos pesqueiros.

Para contextualizar o leitor, especialmente deste ponto em diante, o tema manejo e

gestão aparece mais continuamente. Utiliza-se esta terminologia conforme Seixas (2005),

ora para conotar gestão ou gerenciamento, ora para especificamente tratar do acesso ou

prática do exercício da pesca. As organizações formais não realizam a prática da pesca,

mas outra prática, a da gestão que permeia as ações das pescarias. Uma norma, como o

período do defeso, é uma norma de gestão ou de manejo.

Para entrar na leitura deste capítulo são considerados os seguintes aspectos:

A formação dos pescadores artesanais comerciais e sua rede de relacionamentos no

final dos anos 70 e início dos anos 80, com vínculo com as demandas de Manaus,

centro administrativo e comercial;

Nos anos 90, com a formação de um mercado consumidor (demandas) em Novo

Airão, a presença institucional do IBAMA que expedia os registros gerais de pesca,

a representação incipiente da Colônia dos Pescadores e a possibilidade de comprar

gelo, fez com que novos pescadores se incluíssem na rede – os pescadores de

rabeta;

A consolidação das comunidades ribeirinhas52

;

O aumento demográfico53

;

A presença empresarial do setor da pesca amadora esportiva no Médio e Baixo Rio

Negro que passou a negociar áreas de exercício da pesca esportiva com os

moradores de comunidades.

52

Tabela 04 53

Gráfico 01.

Page 100: Pescadores sem águas

98

5.2 AS RESTRIÇÕES GRADATIVAS PARA SE PESCAR

As restrições dos ambientes de pesca aconteceram gradativamente e envolvem a

criação das unidades de conservação e as suas implementações54

, a formulação de dois

acordos de pesca restritivos (Rio Unini e Jauaperi), a edição do Decreto Estadual “Rio

Negro” e também a “retomada territorial” de alguns locais pelos Waimiri Atroari.

Os pescadores artesanais comerciais embarcados, nos anos 1980, utilizavam, em

parte, os ambientes do Arquipélago de Anavilhanas e seu entorno imediato, os Rios Unini,

Jauaperi e Branco, no Baixo Rio Negro, e uma infinidade de ambientes no Médio rio

Negro (Figura 10); enquanto que, os pescadores rabeteiros, nos anos 1990, utilizavam os

ambientes mais próximos, não excedendo o Baixo Rio Negro (Figura 11).

De uma maneira geral, a partir de informações de depoimentos orais a respeito dos

locais de pescarias, os pescadores artesanais embarcados indicam as seguintes regiões (ver

também Figura 10 a seguir):

No Baixo Rio Negro: a margem direita acima de Novo Airão, incluindo

igarapés e o Rio Puduari até a Foz do Rio Jaú, passando a Foz do

Rio Unini e na margem esquerda do Rio Negro incluindo os ambientes do

Arquipélago de Anavilhanas. O Rio Jauaperi e Unini eram utilizados até as

restrições (acordos de pesca);

No entorno imediato: Rio Branco;

No médio Rio Negro (Barcelos a Santa Isabel do Rio Negro): Uarés, Jufaris,

Quiuini, Demeni (Demendi), Ariahá, Aracá, Caurês, Itu, Xeruini, Rio Negro

(Mometuaí – abaixo de Santa Isabel do Rio Negro), Rio Negro (ambientes

do arquipélago do Mariuá), Romada, Bafoana, Cachoerinha, Corocoró e

lago do Prata.

Assim, no que diz respeito ao Médio Rio Negro, segundo estudo realizado por

Barra, Dias e Carvalheiro (2010, p. 25), em Barcelos, os principais locais de pesca

utilizados pelos diferentes pescadores são: “Rio Negro (37%), Rio Demeni (12%), Rio

54 Refere-se à implementação de UC’s: a presença de gestores, ter infra-estrutura, plano de gestão e conselho

gestor em funcionamento.

Page 101: Pescadores sem águas

99

Aracá (10%), Rio Itu (9%), Rio Arirahá (9%), Rio Quiuini (8%), Rio Padauari (6%), Rio

Caurés (4%) e Rio Jurubaxi (4%)”. As autoras referem-se aos pescadores de Barcelos, mas

pode ser sugerido que alguns destes rios também são compartilhados pelos pescadores de

Novo Airão. Essa informação não é analisada, mas torna-se importante este registro e, de

antemão, é uma das considerações desta pesquisa, pois é possível sugerir que o Médio Rio

Negro é historicamente um local de pesca artesanal embarcada, pelo menos para os

pescadores de Novo Airão.

Figura 10: Rios principais utilizados nas pescarias. Fonte: Shape files IBGE e ANA.

A figura 11 (abaixo), por outro lado, mostra que os pescadores rabeteiros precisam

se deslocar para fora de áreas restritas. E, talvez passe a impressão que existem muitos

igarapés que possam ser utilizados, o que não é confirmado pelos pescadores. Muitos

igarapés têm poucos ambientes para a pesca ou são limitados por ter pouca água, ou ainda,

representarem o uso desses ambientes pelas comunidades, o que não está representando

nos mapas. Portanto, o mapa presente é apenas fazer uma conexão dos ambientes citados

acima, com uma representação gráfica.

Page 102: Pescadores sem águas

100

Figura 11 – Setas ilustrando as direções gerais de deslocamento dos pescadores rabeteiros.

Fonte: Shapes files: ANA, IBGE, IPAAM, MMA.

As restrições espaciais da pesca iniciam-se logo após a criação do Parna do Jaú e da

ESEC de Anavilhanas. Na primeira situação, a restrição deve-se a instalação da base

flutuante de fiscalização na Foz do Rio Jaú em 1982 (Figura 12), que também é acesso ao

Rio Carabinani. Com relação à ESEC de Anavilhanas, na época, foi mais impactante na

região, às indenizações realizadas aos moradores da Margem Direita do Rio Negro, na

parte da terra firme da ESEC, no ano de 1983 (IBAMA, 1999), e não as atividades

provenientes da fiscalização.

Figura 12 – Da esquerda para a direita: base flutuante do ICMBio na foz do rio Jaú (Fonte: o autor) e

paisagem vista a partir da comunidade Seringualzinho (Fonte: Sarita de Moura).

Page 103: Pescadores sem águas

101

Segundo depoimentos, a fiscalização ambiental passou a aumentar gradativamente

a partir desses períodos; no caso do Rio Jaú, coibindo o trânsito de barcos regatões

(comerciantes) e pescadores. Em meados nos anos 80, foi construída a base de fiscalização

próxima à Foz do Rio Apuaú. A gestão das UC’s, no dia a dia, era realizada pelos fiscais,

mas somente em determinados locais: ou próxima à base do Apuaú, na Foz do Rio Jaú, ou

próxima à sede urbana de Novo Airão.

Nos anos 90, houve um aporte maior de recursos financeiros e humanos, o quê

também possibilitou melhorar a infra-estrutura de fiscalização, com maior frota de barcos

ou lanchas utilizadas na gestão, assim como a presença da sede institucional do IBAMA,

no município de Novo Airão. Nessa década, também foram concluídos dois documentos de

gestão, os planos de manejo55

, do Parna do Jaú, em 1998, e da ESEC de Anavilhanas, em

1999.

Até esse período, o diálogo entre gestores das UC’s e comunidades ou usuários

desses territórios estatais era reduzido ou ausente. O advento dos estudos técnicos (planos

de manejo) possibilitou não só conhecer a área física e geográfica, mas aspectos sociais por

meio de pesquisas com as pessoas residentes. Esse contexto talvez tenha propiciado os

maiores contatos e diálogos entre os órgãos e entidades ligados às unidades de conservação

com as populações residentes ou do entorno.

Isso não só se fez presente para as UC’s Federais, mas também Estaduais. No caso

dos Parques Estaduais (Setor Norte e Sul) – que mesmo criados em 1995 e redelimitados

em 2001 – foi somente entre 2003 a 2008 que as pessoas que residiam naquelas áreas

souberam que se tratava de parques estaduais. Em parte, a interlocução entre os moradores

das UC’s e os órgãos gestores foi facilitada pela atuação de duas organizações não

governamentais: a Fundação Vitória Amazônica (FVA), que iniciou a sua atuação a partir

dos anos 90, nos Rios Jaú, Unini e Carabinani, formulando o plano de manejo de Parna do

Jaú e do PAREST Rio Negro Setor Norte, em cooperação com as instituições gestoras; e, o

IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas, que coordenou a realização do plano de manejo da

ESEC de Anavilhanas, mas atuou com maior intensidade a partir de 2003 e 2004, no Rio

Cuieiras, região do Parest Rio Negro – Setor Sul, e realizou os estudos do plano de gestão.

55 Segundo o SNUC (BRASIL, 2000), artigo 2, refere-se ao plano de manejo: “documento técnico mediante

o qual, com fundamento nos objetivos gerais de uma unidade de conservação, se estabelece o seu

zoneamento e as normas que devem presidir o uso da área e o manejo dos recursos naturais, inclusive a

implantação das estruturas físicas necessárias à gestão da unidade”.

Page 104: Pescadores sem águas

102

Em 2002, a presença institucional dos órgãos gestores federais foi reforçada com a

lotação de analistas ambientais admitidos em concursos públicos. Dessa forma, destacam-

se duas prioridades: o maior controle administrativo e jurídico dos limites das áreas

protegidas e a implementação dos conselhos gestores, já no contexto do Sistema Nacional

de Unidades de Conservação (SNUC). Abaixo, citam-se dois depoimentos exemplificando

o controle das áreas do PARNA do Jaú no que diz respeito aos ambientes aquáticos em

frente à Foz do Rio Jaú e ao limite norte da ESEC de Anavilhanas, que faz limite com um

conjunto de lagos e igarapés (Retorne as figuras 10 e 11; e, a tabela 07 sintetiza os eventos

relacionados ao PARNA do Jaú e ESEC de Anavilhanas):

“De 2000 até 2004 eu pescava ali na boca do Unini, ali para cima do rio Negro,

ali tudo a gente pescava no rio Negro. Aí hoje não é mais permitido (...) que o

Parque Nacional do Jaú eu pesquei lá na época não era proibido, até 2000, 2003,

2004, eles já colocaram estas placas, este emplacamento que eu estou ti falando,

foi em 2003 para frente que eles colocaram aquelas placas lá. Foi que

começaram a proibir” (Acácio de Souza Ferreira, 55 anos, pescador de canoa de

rabeta, em 15/09/2010).

“Nós pescava também no Matias. Só que naquele tempo não tinha flutuante na

boca. Agora não sei nem como tá. Parece que vai mudar a base II para dentro, na

boca do igarapé do Baipendi. Matias tá fora56

. Mas, nós pescava por ali tudo. E

hoje não pode, não sei por quê?” (Pescador comercial, 40 anos, ex-morador e

usuário do Baipendi, em 21/11/2010).

Tabela 07 – Síntese dos eventos que envolvem a criação e implementação do Parna do Jaú e da Esec de

Anavilhanas. Fontes: IBAMA (1997; 1998); informações do autor.

EVENTOS PARNA DO JAÚ ESEC DE ANAVILHANAS

Criação 1980 1981

Instituição

responsável

IBDF (1980 – 1988)

SEMA (1981 – 1988)

IBAMA (1989 – 2007)

ICMBio (2007 – atual)

Primeira

intervenção

1982 - base flutuante na foz do rio Jaú;

1983 - Indenização dos

moradores da margem esquerda

(terra firme)

Plano de gestão 1998 1997

Presença de

analistas

ambientais

A partir de 2002

Consolidação dos

limites

200457

- 2006

Formação dos

conselhos

gestores

2004 – 2007

56

Referência do senhor Acácio pelo fato do lago estar fora do limite da ESEC de Anavilhanas, mas que

também era proibido a pesca. Esta informação também consiste em uma confusão dos limites da ESEC que

persistiu por cinco anos e que confirmou em reunião do conselho consultivo de Anavilhanas realizada em

02/12/2010 que o lago do Matias estaria fora dos limites da ESEC. 57

Instalação de uma base flutuante do Parna do Jaú próximo a foz do rio Unini.

Page 105: Pescadores sem águas

103

Outra dinâmica socioambiental que envolve as restrições espaciais, mas agora no

Médio Rio Negro, ou na parte norte do Baixo Rio Negro, refere-se a um conjunto de

interesses que envolvem o setor empresarial da pesca esportiva, com maior intensidade no

final dos anos 90 e início dos anos 2000. Alguns empresários iniciaram negociações com

comunidades ribeirinhas, especialmente nos Rios Unini, Jauaperi, Branco e Jufaris58

para

que proibissem a realização da pesca comercial. Além disso, os empresários teriam,

juntamente com os poderes públicos do município de Barcelos e do governo do Estado,

proposto a formulação do “Decreto Rio Negro” (Decreto nº 22.304 de 20 de novembro de

2001), que proibiu a pesca comercial no Rio Negro. Para exemplificar estas afirmações

citam-se abaixo alguns depoimentos:

“Aí já começaram a proibir as cabeceiras do rio, né? Que a gente pescava poxa!

Aí foi gerado em um das três comunidades. Aí quando apareceu uns gringo,

turista, aí mandaram, não gostaram muito. Um certo tempo pescava lá, não

queria mais que a gente encostasse para pescar. Olha, isto deve estar fazendo uns

dez anos. Inclusive, numa época lá, um barco, um bote de gringo lá, eles iam

subindo e já tinham mandado e aí deram parte de nós, pô! (...) Aí quando eles ...

vou ligar para o pessoal de Barcelos prender o teu barco (...) E, em cima disto aí

levava o nome era a pesca, isto aí era pesca esportiva. As próprias comunidades

proibiriam, sabe por que? Porque o gringo levava para as comunidades antena

parabólica, levava televisão, levava rabetinha, tudo para eles” (Ivani Ferreira da

Silva, 59 anos, ex-pescador, Novo Airão, em 01/09/2010)

“O rio Branco tinha este problema na época, se você estava documentado, tudo

com carteira, podia trabalhar, não tinha nada de contrabando, podia pescar peixe

podia pescar, então cheguei lá. Pescava no rio Negro até um lugar chamado

Mometauí, abaixo de Santa Isabel um pouco e tinha muito peixe. Já depois

surgiu o decreto, em 2002 né? Ou 2001? O decreto, o primeiro decreto aí mudou

totalmente. Privado matar a fome. Criado pelo governador Amazonino e aí ficou

difícil, aí a gente não pescava, muitos barcos foram presos na época, muitos

barcos, muito material, aquelas malhadeiras” (Liderança da pesca entrevistado

em 27/08/2010).

A pesca foi eliminada vamos dizer (...). Em que ano foi que tinha pesca aqui?

Esta portaria ela veio de Barcelos, vamos dizer, por cima. Então, na época a

gente zagaiava peixe; vamos dizer, o tucunaré, o cará, artesanal. Acabou a pesca

no rio, vamos dizer só ficou a esportiva né? Esta armação de pesca esportiva aí;

fulano chegou aí; e as empresas. O empresário na época falavam com o pessoal e

colocou política lá e não podia ir mais lá. Baixou uma portaria lá! Na Vista

Alegre. Pelo fato que aconteceu foi até bom né!? Se o IBAMA pegasse tomava

né!? (Francisco Pagão, comunidade Lago das Pedras, Rio Unini, em

23/03/2011)..

Na primeira edição do “Decreto Rio Negro” foi proibido o uso de malhadeiras; e

foi mais geral, sem especificar região ou os tipos de pesca a serem regulados. A segunda

58 Depoimentos orais, Creado (2006), Mendes (2009) e Caldenhof (2009).

Page 106: Pescadores sem águas

104

edição do Decreto (N° 27.012 de 28 de setembro de 2007) estabeleceu a proibição da pesca

comercial, já especificando o Tucunaré e Aruanã-Preto, de interesse da pesca esportiva e

ornamental, respectivamente, e limitou a área de abrangência do Decreto para acima da

Foz do Rio Branco, com prazo de três anos de vigência.

A reedição desse decreto, em princípio, excluiria os pescadores de Novo Airão,

mas, mediante a negociação entre os ex-prefeitos de Novo Airão e Barcelos junto ao

secretário da SDS, Virgílio Vianna e deputados estaduais, foi dada a possibilidade dos

pescadores continuarem acessando o Médio Rio Negro, desde que a comercialização fosse

realizada nos municípios do Rio Negro, excluindo os pescadores de Manaus59

.

Além disso, o presente Decreto definiu a frequência de transito dos barcos de pesca

(uma viagem por mês), a cota de cinco toneladas, incluiu a permissão do uso de

malhadeiras e estabeleceu que a SDS faria o zoneamento da pesca no Médio Rio Negro.

Um dos desdobramentos das articulações dos empresários da pesca esportiva junto

aos poderes públicos municipais foi à implementação de uma política de fiscalização

municipal e o estabelecimento de procedimentos de acesso ao Médio Rio Negro. Isso quer

dizer que um pescador de Novo Airão necessitava obter uma carta da Secretaria Municipal

de Meio Ambiente ou do IDAM (Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal

Sustentável do Amazonas) de Novo Airão, declarando a origem do pescador e autorizando

a saída dos barcos de Novo Airão para a região de Barcelos, que lá deveria ser protocolada

na Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Barcelos60

.

A presença das atividades de fiscalização do IPAAM também se ampliou a partir

de denúncias por parte dos operadores da pesca esportiva, como registrado, por exemplo,

no Rio Unini (APNA, STRNA, AANA, APACGJP, APACA, 2003; depoimentos orais).

Atualmente, o Decreto está na sua terceira edição (Decreto No 31151 de 06 de abril de

2011), não tendo alterações significativas em relação ao texto. Porém, ao contrário dos

anteriores – que possuem um prazo de validade de cinco anos para a primeira edição, três

anos a segunda – este último, não possui o período determinado. Diferente dos anteriores,

este Decreto foi discutido mediante consultas públicas em três municípios do Rio Negro:

Novo Airão (Ver a figura 13 abaixo), Barcelos e Santa Isabel do Rio Negro. Todavia,

segundo comunicação pessoal com um ator deste processo, o prazo de validade estava

59 Comunicação pessoal com a diretoria da Colônia dos Pescadores de Novo Airão AM 34.

60 Dados de campo (Seminário da Pesca organizado pela prefeitura municipal de Novo Airão

Page 107: Pescadores sem águas

105

proposto na minuta do Decreto, tendo sido retirado no momento da aprovação, a pedido de

uma organização formal dos empresários de turismo (pesca esportiva).

Figura 13 – Reunião sobre o Decreto Rio Negro, Câmara dos Vereadores de Novo Airão

em 08/05/2010. A foto da esquerda é uma manifestação de pescador contra a proibição

da pesca do Tucunaré.

O Decreto “Rio Negro”, em 2001, talvez seja um possível “fator” que trouxe um

aumento do número de barcos de pesca ao Rio Unini (MENDES, 2009), ou, conforme

Creado (2006), o Rio Unini passou a sofrer sobrepesca após a edição do Decreto. Isso é

possível, pois a fiscalização era maior nas proximidades do Rio Branco e em Barcelos.

Mas, esse fato não pode ser visto de forma isolada, pois o número de pescadores

registrados profissionalmente aumentou no final dos anos 90 e início de 2000 (Figura 14

mais adiante), na mesma época em que as comunidades estavam formadas e começaram a

buscar maior controle e gestão sobre os seus territórios, associado a ligeiro aumento

demográfico61

.

Outro fator que pode ter contribuído para o aumento da pesca comercial é o fato de

que a pesca ornamental tenha se “retraído” em 2001, o que pode ter ocasionado a migração

de pessoas para a atividade da pesca comercial no Médio Rio Negro62

. Segundo Barra,

Dias e Carvalheiro (2010), cerca de 80% da população de Barcelos está envolvida na pesca

ornamental.

61 O aumento demográfico foi pouco em uma década devido as dinâmicas migratórias (PINHEIRO E

MACEDO, 2004).

62 Comunicação com José Gurgel Rabello Neto (pesquisador e ex-secretário de Meio Ambiente de Barcelos

– 2004).

Page 108: Pescadores sem águas

106

Com o aumento da pesca comercial nos Rios Unini e Jauaperi, representantes das

comunidades dos dois rios, optaram pela organização de dois acordos de pesca, limitando o

acesso e uso ao Rio Unini e proibindo a pesca no Rio Jauaperi, o que será descrito no

último tópico deste capítulo. Porém, não se tratava apenas de realizar acordos de pesca

como instrumentos de gestão, mas o desejo de controle territorial, cujas evidências são que

as comunidades organizadas em duas entidades – a AMORU (Associação dos Moradores

do Rio Unini) e a ECOEX (Associação Ecológica dos Agroextrativistas do Baixo Rio

Branco do Baixo Rio Branco-Jauaperi) – solicitassem em 2005, junto ao governo federal, a

criação da reserva extrativista.

Outro movimento territorial que afeta os pescadores artesanais refere-se à

“retomada” dos Waimiri Atroari de duas regiões que haviam ficado de fora da demarcação

da TI Waimiri Atroari63

: parte do Rio Camanaú e a Ilha do Jacaré. Em 1997, houve um

conflito com um morador do Rio Camanaú, que foi “preso” pelos “kinja” (Waimiri

Atroari). Tal episódio, associado à constante presença dos kinja (denominação Waimiri

Atroari) e que já vinham pressionando a retirada dos moradores, fez com que se negociasse

a indenização de 34 famílias ribeirinhas que estavam residindo no Rio Camanaú64

.

E, próximo à foz do Rio Camanaú, existe um complexo de ilhas das quais se

destaca a Ilha do Jacaré que faz limite norte com o Parque Nacional de Anavilhanas. Esse

conjunto de ilhas representa importantes áreas de pesca tanto para pescadores das

comunidades da margem direita (Castanho, Bom Jesus do Puduari), quanto para os

pescadores de Novo Airão. Em 2008, o Programa Waimiri Atroari (Convênio entre a

Eletronorte e a Funai) também indenizou as últimas famílias que residiam naquelas ilhas e

passou a fiscalizar aquele local e a proibir a pesca naquela região65

.

“Nós pescava na ilha do Jacaré e hoje não é mais permitido. Hoje o que nós tem

para pescar é só da ponta da ilha do Jacaré para cima até a ilha do Camutirana.

Os Waimiri Atroari estão tomando conta e eu não sei nem se vai continuar. Hoje

nós estamos sem área de pescaria” (Acácio de Souza Pereira, 55 anos, em

15/09/2010).

Por um lado, trata-se de um território tradicional, reivindicado pelos indígenas, mas

por outro, quando se observa a geopolítica territorial do Baixo Rio Negro, do ponto de

63 A Terra Indígena foi demarcada em 1987 (Decreto No.94.606 de 14-07-87) e homologada pelo Decreto

No.97.837, de 16-06-89 após sucessivas desmembramentos de seu território (BAINES, 1996).

64 Entrevista com Raimundo Marques da Costa, 45 anos, pescador ex-morador no rio Camanaú e reside

atualmente na comunidade Bom Jesus do Puduari.

65 Informações de observação participante (reuniões de conselhos gestores e do grupo de trabalho da pesca

da ESEC de Anavilhanas de 2008.

Page 109: Pescadores sem águas

107

vista da pesca, existe uma área a menos para se pescar. A tabela 08 abaixo apresenta de

forma sucinta a cronologia.

Tabela 08 – Principais eventos que restringiram a atividade da pesca artesanal comercial. Fonte: IBAMA

(1998; 1999); comunicação pessoal com Ana Flávia T. Zingra; depoimentos orais; observação participante; e,

documentos dos acordos de pesca.

Período (anos) Eventos

2011 Reedição do decreto rio Negro

2008 Ocupação da ilha do Jacaré e adjacências pelos Waimiri Atroari

2007 Reedição do decreto rio Negro (proibindo pesca comercial no médio e alto rio

Negro das espécies de aruanã e tucunaré).

2006 Acordo de Pesca do Rio Jauaperi (proibição por dois anos)

2004 Acordo de Pesca no rio Unini (restrição a área, cota de barco e capacidade);

flutuante na foz do rio Unini.

2003 -2005 Proibição verbal para não se pescar no lago do Matias e igarapé do Baipendi e

implantação administrativa do rio Negro (parte do PARNA do Jaú)

2001 Edição do Decreto Rio Negro (proibição da pesca comercial no rio Negro)

1997 Indenização dos moradores do rio Camanaú (proibida a pesca)

1983 Indenização de 54 famílias da terra firme da ESEC de Anavilhanas

1982 Base flutuante do IBDF na foz do rio Jaú proibindo trânsito de embarcações e

pesca dentro do rio Jaú e Carabinani.

Os Parques Estaduais (Setor Norte e Sul) só começaram a ser implementados de

2004 a 2006 seja com visitas técnicas, reuniões ou com os estudos técnicos dos planos de

gestão, concluídos em 2010, assim como os conselhos gestores, sendo o do Parque Norte

iniciado em 2008 e o do Parque Sul ainda se encontra em sua fase inicial (SDS, 2010A;

SDS, 2010B; observação participante).

Ainda que os dois Parques Estaduais também tenham caráter restritivo, em

princípio não representaram uma diminuição significativa das áreas de pesca, pois em seus

territórios não foram citadas áreas de uso da pesca comercial. Isso não quer dizer que não

existam outros conflitos. No PAREST Setor Norte, em 2010, estava planejado colocar uma

base flutuante na Foz do Rio Puduari no seu limite sul, mas alguns pescadores já

demonstram preocupação com a relação à possível restrição que a presença de um

flutuante poderia gerar, mesmo que a intenção verbalizada dos gestores seja tornar aquele

local como uma base de apoio.

Para finalizar este tópico e destacar a desapropriação gradativa das áreas de uso de

recursos pesqueiros, cita-se o Seminário da Pesca organizado pela Secretaria Municipal de

Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Novo Airão (SEMMADES) no dia 23

de abril de 2009, evento realizado a pedido da Colônia dos Pescadores Z 34. Estiveram

presentes pescadores e entidades de classe, representantes do IBAMA, IPAAM (Instituto

de Proteção Ambiental do Estado do Amazonas), CEUC (Centro Estadual de Unidades de

Page 110: Pescadores sem águas

108

Conservação), SEAP (Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca), IDAM (Instituto de

Desenvolvimento Agropecuário e Florestal Sustentável do Estado do Amazonas), SEMMA

(Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Barcelos), coordenação técnica do projeto

AquaBio (Projeto de Manejo Integrado dos Recursos Hídricos da bacia do Rio Negro),

representantes de moradores de comunidades e da FVA e do IPÊ.

No seminário foram abordados temas recorrentes com eventos que envolvem

pescadores e gestores públicos, como os procedimentos de fiscalização, a ausência de um

porto de desembarque de pescado, o “Decreto Rio Negro”, projetos de incentivos do

IDAM para a atividade da pesca, entre outros. Um dos temas discutidos no seminário e que

merece ser destacado foi o questionamento sobre os motivos do Tucunaré e do Aruanã

estarem sendo proibidos sem um estudo. Na mesma linha de argumentação, os pescadores

solicitaram aos órgãos governamentais que entregassem um mapa dizendo quais os locais

que os pescadores teriam direito para pescar.

Esse questionamento teve como uma das respostas das autoridades governamentais

a possibilidade dos pescadores artesanais de Novo Airão se dirigirem para ir pescar no

Médio Rio Negro. Em resposta, os pescadores disseram que essa alternativa se apresentava

como sendo inviável, uma vez que uma canoa movida a rabeta leva sete dias para chegar

ao Rio Branco ou nas outras localidades a jusante das áreas protegidas, o que não

permitiria a conservação do gelo transportado para a preservação do pescado capturado.

Sem um mapa para pescar ou uma solução até o presente, talvez a situação dos

pescadores artesanais não seja muito favorável. Visto por esse ângulo, a criação das áreas

protegidas parece ter trazido apenas impactos sociais negativos uma vez que significou a

perda da territorialidade da pesca. No entanto, conforme será discutido neste capítulo e no

próximo, existem outros elementos que envolvem a territorialidade da pesca e os sistemas

de gestão.

5.3 DINÂMICAS INSTITUCIONAIS DO MANEJO DA PESCA

5.3.1 As agências estatais de manejo na região

Nos anos 90, as políticas de conservação ambiental e de desenvolvimento e gestão

da pesca estiveram em debate, tanto em escala nacional como internacional. Neste cenário

Page 111: Pescadores sem águas

109

de debates socioambientais, destaca-se a Rio – 92, da qual resultaram desdobramentos e

articulações de cooperação internacional que significaram a alocação de recursos tanto

internacionais, quanto orçamentários nacionais para programas relacionados à criação e

gestão das áreas protegidas. No âmbito legislativo estava em discussão o Sistema Nacional

de Unidades de Conservação, aprovado em 2000.

Este último ponto merece um destaque, pois parte das UC’s do Baixo Rio Negro,

ou das organizações sociais, receberam apoio de programas de cooperação, como o

programa ARPA (Áreas Protegidas da Amazônia), Fundação Moore, WWF – Brasil,

Projeto Corredores Ecológicos, GTZ (Cooperação Brasil – Alemanha), entre outros, como

também a abertura de editais, a exemplo do FNMA 01/2005 que visou estimular a

formação de Mosaicos como instrumentos de gestão integrada. O Programa Pró-Várzea

ligado ao PPG-7, para dar outro exemplo, foi que possibilitou o apoio e a discutição de

programas e políticas públicas relacionadas à Várzea Amazônica, com destaque para a

pesca e sua gestão.

Com respeito ao setor da pesca, a partir do momento em que a SUDEPE foi extinta

e substituída em 1989 pelo IBAMA – uma autarquia do Ministério do Meio Ambiente –

houve uma tentativa de fazer com que se criasse uma Secretaria Especial da Pesca (FAO,

2006). Isso se deve ao fato de que o IBAMA, durante a sua existência, mantivesse uma

característica mais fiscalizatória no que diz respeito ao ordenamento da pesca e também ao

registro geral da pesca, ficando o fomento em segundo plano. Assim, segundo o resumo da

FAO (2006), os debates ocorridos nos anos 90 e as promessas de candidatura presidencial

é que fizeram com que em 2003 fosse criada a Secretaria Especial da Pesca, vinculada a

Presidência da República (SEAP), que objetivou subsidiar a formação de uma política

pública para o setor. A SEAP, porém, até 2006 ainda não contava funcionários próprios,

tendo em seus quadros somente alguns terceirizados, outros cedidos de outras instituições

públicas, ficando os cargos de direção subordinados aos interesses político-

assistencialistas, o que resultou no não estabelecimento de vínculos diretos com as

demandas do setor pesqueiro (FAO, 2006).

No nível local, são mais evidentes as mudanças institucionais que ocorreram com a

criação da SEAP e de novas atribuições aos órgãos de gestão da pesca. Em Novo Airão,

nos anos 90, o escritório regional do IBAMA era o responsável pela gestão das UC’s e da

pesca, especialmente pela expedição da carteira profissional (Registro Geral da Pesca –

Page 112: Pescadores sem águas

110

RPG)66

, mas, como será descrito a seguir, essas atribuições passaram a estar ligadas às

entidades de classe dos pescadores, que passam a intermediar esse processo junto a

gestores do Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA).

A partir de 2002, a presença de novos analistas ambientais no IBAMA fez com que

houvesse maior presença institucional no cotidiano das pessoas. Todavia, os diálogos entre

o IBAMA e a comunidade pesqueira local se intensificaram a partir da realização de dois

eventos: o primeiro, a “I Oficina sobre o Uso Adequado dos Recursos Naturais”, em 2003,

organizada pelas organizações sociais regionais de Novo Airão; e o segundo, o processo de

formação dos conselhos gestores das UC’s, já como instrumento previsto no SNUC.

Ambos os eventos resultaram em debates calorosos.

Foi no momento em que estavam se estabelecendo diálogos mais constantes entre o

IBAMA e os pescadores que duas novas instituições foram criadas: a Secretaria Especial

de Aquicultura e Pesca (SEAP67

), em 2003, e o ICMBio68

, em 2007. A SEAP passou a

articular as competências de diferentes instituições federais, como o Ministério do

Trabalho, de onde advém o “Seguro Defeso”; a Capitania dos Portos, no que diz respeito

ao registro das embarcações; com o Ministério do Meio Ambiente (ordenamento da pesca);

o Ministério do Desenvolvimento Agrário, a respeito do fomento, assim por diante (FAO,

2006). Enquanto isso, o ICMBio passou a ser a instituição responsável em gerir,

implementar, monitorar e fiscalizar as UC’s federais. Esse fato, demonstra a inconstância

na gestão, no que se refere a atividade da pesca, como também apontado no documento da

FAO (2006) ou a falta clareza e atribuição de cada instituição (REBOUÇAS, FILARDI e

VIEIRA, 2006).

O resultado mais significativo da política pública setorial da pesca, para os

pescadores artesanais, ou para a dinâmica socioambiental dos pescadores, foi a ampliação

do acesso ao Seguro Defeso do Pescador Artesanal (seguro defeso), também em 200369

,

conforme registrado por Maia (2009):

“(...) concede o Benefício de Seguro Desemprego do Pescador Artesanal, durante

o período de defeso (época de reprodução das espécies), ao pescador profissional

que exerce a atividade pesqueira de forma artesanal. O seguro defeso70

(como é

popularmente conhecido), ao conceder o acesso ao recurso pesqueiro, media o

66 Parte dos entrevistados tinha a RPG do IBAMA

67 Medida Provisória 1038 de 28 de maio de 2003.

68 Lei No 11.516 de 28 de agosto de 2007.

69 Lei 10.779, de 25 de novembro de 2003. 70

Lei No. 7.679, de 23 de novembro de 1998.

Page 113: Pescadores sem águas

111

acesso do pescador que faz uso de recursos artesanais e que trabalha

individualmente ou em regime de economia familiar, ao recurso. A lei

caracteriza o pescador artesanal que trabalha em regime de economia familiar,

aquele que agrega os membros da mesma família, o que é indispensável à própria

subsistência da mesma. O SDPA é uma política que agrega características

regulatórias e redistributivas, englobando as ordens, proibições, decretos e

portarias à redistribuição de renda, por meio do repasse do beneficio (MAIA,

2009 p. 35).

A questão até aqui é mostrar a entrada de uma nova instituição no cenário, que

evolui até que, em 2009, é criado o Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA)71

e é

estabelecida a Política Nacional do Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e da

Pesca72

.

A partir do momento em que o IBAMA já não era mais responsável pelos registros

dos pescadores (RPG) – mudança ocorrida no final dos anos 90 (FAO, 2006) – eles

passaram a ter dificuldades de contatar os responsáveis para esse registro, inicialmente do

Departamento da Pesca, ligado ao Ministério da Agricultura e Abastecimento, e então a

SEAP, em 2003 e o MPA, em 2009. Por outro lado, tanto a SEAP quanto o atual MPA

continuam não possuindo quadros de funcionários suficientes, o que possivelmente tenha

sido um dos motivos da formalização das organizações de pescadores, que passaram a ser

responsáveis para fazer o vínculo entre o Governo e os pescadores, com relação à política

desse benefício social, o que não deixa de ser um fortalecimento institucional de tais

entidades.

Segundo Maia (2009), o IBAMA continuava a ter a competência de fixar os

períodos de defeso bem como determinar as espécies a entrarem no defeso. No Amazonas,

essa tomada-de-decisão seguia sendo feita em processo de consulta anual aos pescadores e

demais grupos de interesse da pesca, o que permitia certo caráter participativo à gestão do

órgão ambiental federal. A presença de gestores públicos ligados a SEAP ou a partir de

2009, do MPA e Ministério do Trabalho, no Município de Novo Airão, se restringia a

participações pontuais em reuniões no início do período do defeso ou para expedir as

carteiras de seguridade social73

.

No que diz respeito à gestão das Unidades de Conservação, o recém criado ICMBio

absorveu parte dos funcionários do IBAMA, em particular todos os novos analistas

ambientais concursados para Unidades de Conservação. Por essa razão, a representação

71 Lei Nº 11.958, de 26 de junho de 2009.

72 Lei Nº 11.959, de 29 de junho de 2009.

73 Observação do autor.

Page 114: Pescadores sem águas

112

local do IBAMA, passou a ser ocupada exclusivamente pelos gestores de UC ligados ao

ICMBio. Esses novos gestores, por conseguinte, não tiveram mais as atribuições de

gestores de recursos pesqueiros. Os gestores locais, quando estavam vinculados ao

IBAMA, conheciam os pescadores, estabeleciam o seu registro de pescador, discutiam com

ele as leis e regras de pesca no dia a dia.

Seguindo o mesmo modelo das autarquias federais, o IPAAM, no nível estadual, se

dividiu, passando as atribuições ligadas à gestão das UC’s estaduais para o CEUC. De

forma articulada com a política nacional, setores do Estado do Amazonas passaram a

integrar a rede de articulações que envolvia o desenvolvimento da pesca e aquicultura, com

atribuições dadas ao IDAM (Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal

Sustentável do Amazonas), com incentivos à atividade da Piscicultura, enquanto que o

IPAAM licenciava as mesmas atividades.

Por um lado, essa dicotomia entre órgãos de fomento ou incentivos, de um lado, e

órgãos fiscais, de outro, trouxe, e ainda traz conflitos de gestão e governança. Em Novo

Airão, parte de pescadores investiu na piscicultura, tanto em canais de igarapés, quanto na

construção de tanques-rede, incentivados pela Secretaria Estadual de Produção Rural. No

entanto, não foram licenciados pelo IPAAM, alguns até foram multados. A mesma

contradição pode ser visualizada com relação à atividade da pesca, que por um lado é

incentivada por uma política setorial da pesca (seguro-defeso), mas é restringida pela

política setorial de conservação (criação de UC).

O “efeito” dicotômico da gestão pública que decorre da dualidade entre o fomento

e a restrição ambiental da pesca tem trazido desafios institucionais. O CEUC necessitou

criar internamente o Núcleo de Recursos Pesqueiros, assim como o IBAMA mantém o

Núcleo de Recursos Pesqueiros; ambas as instâncias são responsáveis por assessorar

tecnicamente as decisões administrativas sobre os acordos de pesca, o período e lista das

espécies de peixes a serem incluídas no defeso anual. O ICMBio também tem participado

dos debates referentes à pesca através do seu Centro Nacional de Pesquisa e Conservação

da Biodiversidade Amazônica, com sede em Manaus, e que está relacionado ao tema de

conservação das espécies e ao projeto AquaBio74

. A figura 14, abaixo, sintetiza em forma

de diagrama a descrição no que diz respeito às mudanças institucionais de gestão.

74 Projeto Manejo Integrado dos Recursos Aquáticos na Amazônia iniciado em 2003 só venho a realizar

algumas atividades em Novo Airão em 2009 como cursos de capacitações em associativismo, beneficiamento

de pescado, artesanato. O presente projeto possuía uma gestão compartilhada entre o IBAMA , SDS e

Page 115: Pescadores sem águas

113

Figura 14 – Diagrama sintetizando a evolução das instituições gestoras dos recursos pesqueiros

e da pesca.

Quanto à atuação dos gestores públicos municipais, as informações obtidas indicam

que, em Barcelos, essa atuação esteve limitada às ações de fiscalização das embarcações de

pesca com a implementação de uma base flutuante no Rio Branco, em 2010, e buscou

aumentar a arrecadação das receitas municipais por meio do pagamento de uma taxa, que

viria a subsidiar os custeios de fiscalização. Em relação a outros subsídios, poucos

pescadores entrevistados disseram ter utilizado algum financiamento; nesse caso, da

AFEAM (Agência de Fomento do Estado do Amazonas), especialmente para aquisição de

apetrechos. Isso também foi confirmado em pesquisa realizada por Cardoso e Freitas

(2006), onde se constatou não ser necessário financiamento externo para aquisição das

embarcações de pesca. Por outro lado, no sistema de financiamento da pesca observado,

parte de pescadores possuem apoio de financiamento pelo sistema de aviamento75

.

Secretarias Municipais de Meio Ambiente de Novo Airão, Iranduba, Barcelos e Manaus com recursos de

Cooperação com agências alemãs. Porém, devido a conflitos de gestão, o projeto foi encerrado em 2010.

75 Aviamento da pesca corresponde ao crédito ou financiamento privado da pesca por um comerciante ou

pescador com maior poder econômico que financia as incursões de pesca de outros pescadores esperando o

retorno do crédito liberado e a venda do pescado para o mesmo.

GESTÃO DAS UC’S

SUDEPE IBDF SUDHEVE

A

SEMA

IBAMA

1989

SEAP

2003

IPAAM

1989

ICMBio

2007 IBAMA IPAAM CEUC

2008

MPA

2009

GESTÃO

PESCA

Page 116: Pescadores sem águas

114

Na participação da reunião sobre a Política Territorial da Pesca e Aquicultura

(04/11/2010), os pescadores artesanais demandaram ações para organização dos

pescadores, comercialização, onde se incluem terminais pesqueiros e fábricas de gelo.

Contudo, o gestor do MPA relatou que os recursos para a pesca vêm através de emendas de

parlamentares federais, a exemplo, com destaque para o deputado Silas Câmara, que

destinou recursos para aquisição de fábricas de gelo e compra de caminhões frigoríficos.

Essa evidência colabora com a ideia que existe uma ausência de política pública da pesca,

de facto, estando os projetos para o setor pesqueiro sempre ligados a uma vinculação

político-partidária.

Apesar dessa política representar uma justificativa importante – pois articula as

questões relativas à pesca por territórios – na prática tem encontrado dificuldades de

programar ações, talvez justamente pelas questões políticas, ou pela pouca possibilidade de

participação dos pescadores. Na reunião citada, houve participação de poucas entidades e

representantes dos pescadores. Em Novo Airão, até dezembro de 2010, não houve nenhum

registro de alguma ação proveniente de tal política e, portanto, não foi dado destaque.

Segundo Rebouças, Filardi e Vieira (2006), as instituições de gestão dos recursos

de uso comum ainda encontram dificuldades de descentralizar os processos decisões,

especialmente em relação às políticas públicas, principalmente em um contexto onde os

recursos pesqueiros estão sobre-explotados, o número de pescadores e o poder de captura

se elevou, além do aumento demográfico. Apesar desses fatores, muitos dos quais

compartilhados em outros regiões, da demanda por um desenvolvimento local com

autonomia decisória, as decisões sobre políticas públicas se mantém centralizadas,

apoiadas no assistencialismo e centradas na questão desenvolvimentista (Idem).

5.3.2 As organizações sociais e a pesca no Baixo Rio Negro

As duas primeiras organizações dos pescadores artesanais de Novo Airão foram a

Colônia dos Pescadores de Novo Airão – Z-34 (COL – Z 34) e a Associação dos

Pescadores de Novo Airão (APNA) fundadas em 2002. A partir de 2008, somam-se mais

duas entidades: a Colônia dos Pescadores de Novo Airão AM 34 (COL – AM 34) e o

Sindicato dos Pescadores da Calha do Rio Negro (SINDPesca).

Page 117: Pescadores sem águas

115

A APNA e a COL - Z 34 foram criadas a partir da necessidade de organização dos

pescadores. O processo da Colônia foi anterior, ainda em 1997, quando existia um vínculo

com pescadores ligados a Colônia dos Pescadores de Manaus (Colônia – Z – 12) e uma

representação local em Novo Airão76

. Segundo informações de Pedro G. Torres (primeiro

presidente da Colônia Z – 34), o Walzenir Falcão (primeiro presidente da Colônia Z – 12)

já vinha articulando para que a “classe pescadora” obtivesse reconhecimento e acesso a

documentação trabalhista como o NIT (Número de Identificação do Trabalhador), o PIS

(Programa de Integração Social) ou que pudesse recolher o ICMS (Imposto sobre a

Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços) de forma anual.

“Eu sabia que o setor pesqueiro estava crescendo (...). Em 2002 nós fundamos a

Z 34 porque havia necessidade de a gente colocar uma entidade de classe

organizada, para poder trabalhar na época era a Secretaria Especial da Pesca e

hoje nós já temos o Ministério da Pesca. Já faz dois anos que nós conseguimos

que em Brasília o presidente sancionasse esta Lei. E aí a necessidade de

organização, nós precisávamos montar a Z – 34 em Novo Airão. Aí nós tiramos

as carteiras que são válidas por todo o território nacional para que também tenha

direito de receber o seguro defeso. O que nós da Colônia de Pescadores

queríamos dizer era colocar o peixe no defeso, porque nós estamos sentindo a

falta dele” (Pedro G. Torres, presidente da Colônia Z 34, 50 anos, em

16/09/2010).

A Colônia Z – 34 foi fundada de forma articulada com o movimento estadual e

nacional, ligada à Federação das Colônias dos Pescadores e à Confederação das

Federações das Colônias de Pescadores, em estreita ligação com as reivindicações de

acesso às políticas públicas, como benefícios, créditos e o seguro defeso, mas também

como estratégia para possibilitar a participação no processo de indicação das espécies de

defeso e participar da gestão de recursos pesqueiros. Na ata de fundação da Colônia teve a

participação do prefeito, vereadores e deputados, demonstrando a vinculação e articulação

política local77

.

“Aqui não tinha, então quando apareceu o seguro e também não tinha colônia, aí

fizeram uma reunião e criaram, fizeram uma ata, aí acharam para funcionar legal,

porque Manaus é uma jurisdição e aqui é outra jurisdição, tinha que ser feito para

cá. Fizeram reunião para fundarem a Colônia” (Entrevista com pescador em

27/08/2010).

“O defeso que é feito por Manaus, por Brasília não bate com a realidade daqui.

Por exemplo, eles colocaram: proibido pesca este ano a curimatã e o tambaqui. O

76 Informação de José Pontes e Acácio Pereira.

77 Na ata de fundação da Colônia assinam o Prefeito Municipal de Novo Airão Wilton Santos, Deputado

Estadual Paulo Freire, Raimundo Valdeci, presidente da Câmara de Vereadores, Carlos Henrique da

Delegacia Estadual de Agricultura, entre a diretoria.

Page 118: Pescadores sem águas

116

rio Negro não produz Curimatã, não produz tambaqui (...). Eu converso muito

com os pescadores sobre a lei ambiental, para a proteção dele próprio, porque ele

sai para pescar ele não sabe se vai voltar para a casa (...). Então já saíram

pescadores nossos para pescar, a família ficar esperando e ele está preso lá em

Roraima. Porque ele só sabe fazer duas coisas ir para a roça e ficar n proa da

canoa e isto tiraram dele (...). A colônia existe por uma necessidade de

organização.” (Pedro G. Torres em 16/09/2010).

Pedro G. Torres enfatizou ao longo da entrevista, o protagonismo da organização

dos pescadores tanto na conquista de direitos relacionados ao reconhecimento, a partir da

política pública setorial da pesca, quanto ao seguro defeso; como também à atuação local,

esclarecendo aos pescadores as regras e leis ambientais, desaconselhando as práticas de

pesca predatória ou oferecendo assistência social e jurídica aos pescadores e seus

familiares. Nesse sentido, recorda em tom de denúncia, abusos sofridos pelos pescadores

em práticas de fiscalização dos órgãos ambientais, ou ainda, demonstrando preocupação no

que diz respeito ao futuro da pesca, quando quase todas as áreas de pesca estão inseridas

em unidades de conservação.

“Hoje como presidente da Colônia eu não pesco, eu não vou para o rio. Eu

respondo juridicamente, que bota advogados, que corre atrás, leva para o

hospital, ajuda a família, que orienta eles no defeso, na documentação, que

mostra para eles como a lei funciona, porque não deve colocar bomba, porque

não deve jogar bomba no rio. Isto de oito anos para cá a bomba no rio Negro era

muito usada e hoje é muito difícil de você ver um pescador que faça isto. E, isto

não foi o IBAMA ou foi o governo, não! Isto foi nós mesmo, sentados,

conversando (...)” (Pedro G. Torres, em 16/09/2010).

A outra entidade da pesca, a APNA (Associação dos Pescadores de Novo Airão),

foi fundada em 2002 (em 21 de julho) por um grupo de pescadores, alguns dos quais

parentes entre si, de origem das proximidades da Vila de Moura (Barcelos) ou do Médio

Rio Negro, no mesmo contexto da Colônia. No entanto, as articulações políticas que deram

origem à associação, apesar de também vinculadas a outros movimentos, como da própria

pesca, estavam mais diretamente associadas ao movimento socioambiental local:

“A principal condição de existência dos ribeirinhos e ribeirinhas está

mergulhada nos rios: o peixe. Viver do extrativismo dos rios, é uma das

pecualiaridades que caracteriza o pescador e a pescadora artesanal. A

conversão, desde 1980, de quase 90% do território de Novo Airão em

Unidades de Conservação e o aumento crescente da pesca predatória têm

colocado em risco a existência do pescador e pescadora artesanal do baixo

rio Negro. As ações implementadas por organizações de pescadores e

órgãos públicos têm sido insuficientes para reverter esse quadro. É nesse

contexto que surge, em 2002, a Associação dos Pescadores de Novo

Airão, a APNA, com o propósito de promover o desenvolvimento

Page 119: Pescadores sem águas

117

econômico sustentável; a preservação do meio ambiente; a defesa e

representatividade dos associados e associadas nos campos empresarial,

profissional, social e cultural. A fundação da APNA materializa-se como

o primeiro feito, pois a mesma permitiu sonhar com a melhoria em nossas

condições de vida em harmonia com o meio ambiente, buscando sempre a

sensibilização permanente dos sócios e sócias, o que leva acreditar ser

também outro grande feito da Associação” (FVA, APNA, AANA, 2005,

p. 9 e 10).

A participação da APNA nas articulações políticas fomentadas pelos movimentos

socioambientais se deu pelo seu envolvimento ativo em oficinas de capacitação realizadas

juntamente com a FVA. Dessa parceria, surgiram planejamentos e projetos, como a

elaboração de um plano de negócios, do qual resultou a terceira colocação no prêmio

empreendedor social Ashoka – Mckinsey 2004 – 2005. A APNA também teve um papel de

atuação no movimento social do Amazonas, no qual a APNA foi sócia fundadora da

Federação das Associações dos Pescadores do Estado do Amazonas (FVA, APNA, AANA,

2005). Segundo Caldenhof (2009), esse processo influenciou também a formação de outras

entidades sociais, como a AMORU.

A APNA também teve um papel pró-ativo no socioambientalismo regional, visto

que a pesca não era só o peixe, mas indicava também o extrativismo de quelônios, ou

envolvia a caça, entre outros. Portanto, o processo de realização de reuniões, assembleias,

entre outros, fez com que houvesse uma mudança de postura de muitos dos associados. Em

entrevista concedida por Pauletiane Horta, pescadora, liderança da APNA, filha de um dos

fundadores da APNA, ela registra que seu pai era um pescador tradicional, pois trazia para

casa Tracajás ou Pirarucu, mas era só o que sabia fazer. A partir do momento em que

participou dos processos organizativos da formação da APNA, sua postura com a pesca

mudou:

(...) É, mudou muitas coisas, porque desde quando ele se envolveu assim com

reuniões, oficinas, acho que foi mais abrindo mais o pensamento dele assim, não

tipo assim, ele foi se conscientizando mais, entendeu? Porque ele não podia ir lá

no rio, trazer o que ele trazia antigamente, né? Foi mais assim, pescar só o peixe,

e tal, encontrou um pirarucu, viu seis pirarucu, trouxe sou um, viu cinquenta

bicho de casco, trouxe só dois, entendeu? (...) (Depoimento de Pauletiane Horta

em 28/08/2010).

Destaca-se o envolvimento dos membros da APNA com a gestão territorial e

ambiental da pesca, realizando uma articulação conjunta com a Associação dos Artesãos

de Novo Airão (AANA), do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Novo

Airão (STRNA), Associação dos Produtores Agrícolas da Comunidade Bom Jesus do

Page 120: Pescadores sem águas

118

Puduari (APACBJP), Associação dos Produtores Agrícolas da Comunidade Aracari

(APACA), organizando a 1a Oficina sobre o Uso Adequado dos Recursos Naturais de

Novo Airão em 200378

, cujo processo também culminou na formação da Maquira79

-

RONA (Rede de Organizações de Novo Airão) em 2004 (28 de fevereiro de 2004).

As pautas e os resultados desses processos organizativos foram os “embriões” na

elaboração dos acordos de pesca, o que será retomado adiante. O destaque dado aqui é que

as organizações articuladas junto ao movimento socioambiental fizeram com que as

lideranças passassem a refletir sobre os processos territoriais e a necessidade da

organização, a fim de que se pudessem construir alternativas de renda e de manutenção de

um modo de vida. Para dar outros exemplos, representantes da APNA foram conselheiros

ativos nos conselhos consultivos da ESEC/Parna de Anavilhanas e Parna do Jaú, como

também, participando de conferências e fóruns da pesca, como da construção do próprio

Mosaico do Baixo Rio Negro.

Em 2008, houve uma divisão interna da associação devido a conflitos internos da

diretoria da APNA, derivados sobre a gestão de um projeto executado com apoio do

Projeto Corredores Ecológicos (PCE). Tal divisão culminou com a saída do presidente na

ocasião e que reativou o Sindicato dos Pescadores do Estado do Amazonas em 2008,

baseado na Carta Sindical datada de 1946, fundando a filiada do Sindicato dos Pescadores

da Calha do Rio Negro (SINDPesca), em meados de 2010. No ano de 2008, faleceu

Alberto Horta (liderança da APNA), que por um período resultou na desestabilização da

entidade até a sua retomada, que aconteceu mediante a eleição de nova diretoria, em 2009.

Com relação à Colônia Z 34, a Diretoria foi renovada em 2004, assumindo Evandro

Cordeiro como presidente, que passou não só a se dedicar aos processos de

reconhecimento dos pescadores junto a SEAP, mas também com relação ao defeso e com a

estruturação da entidade através da construção de uma sede própria, o que levou a um

aumento no número de filiados. No final de 2008, articulou junto com outros membros a

divisão interna da entidade, sendo que parte dos filiados alterou a filiação da Colônia Z –

34 para a Colônia – AM – 34. Tal cisão deveu-se à discordância administrativa com

relação à Federação das Colônias de Pescadores80

e interesses político-partidários.

Ressalta-se que esse conflito interno entre ambas as entidades refere-se também a

uma visão de que a colônia ligada à Federação das Colônias dos Pescadores deveria ser a

78

APNA, STRNA, AANA, APACBJP, APACA (2003). 79

Maquira na língua geral tupi – nheengatu significa rede

80 Dados de entrevistas de pescadores afiliados.

Page 121: Pescadores sem águas

119

única representante da “classe pescadora”, ainda nos moldes da tutela herdada

historicamente, como o apadrinhamento político. Isso se manifesta nas disputas jurídicas,

onde as organizações ligadas à Federação têm, sucessivamente, solicitado em conselhos de

pesca e nos tribunais da justiça a prerrogativa de ser a única entidade que pode fazer o

“defeso” dos pescadores. Assim, mesmo que existam as duas colônias de pescadores, ainda

necessitam tanto a Colônia AM – 34 dos registros e assinaturas dos representantes legais

da Colônia Z – 34, como também a APNA, pois esta não possui esta prerrogativa. Porém,

em outra visão, existe a liberdade da organização social.

Além do conflito no que diz respeito à representação política dos pescadores ou

interesses partidários e jogos de interesse, também existe a prerrogativa de que após o

aumento do número de associados, as entidades têm aumentado as suas receitas financeiras

a partir do pagamento de mensalidades, em média, de dez reais (10,00 R$) mês por

associado, além das taxas, conforme constatado por Marinho (2009). Isso também quer

dizer que as entidades passaram a ter maior autonomia política, uma vez que têm recursos

dos associados que representam. Para dar um exemplo, o SindPesca contratou assessores,

um pescador experimente, um advogado e um engenheiro de pesca, para auxiliar na

tomada de decisão referentes às discussões do acordo de pesca do Juvência ao Puduari, no

dia 02/12/2010.

Em linhas gerais, de 2008 até o presente, quatro entidades de pescadores se

formaram e têm pautado de forma conjunta temas comuns, como por exemplo, o acordo de

pesca no final de 2010 e o Decreto “Rio Negro”. No entanto, de forma isolada, cada

entidade tem buscado administrar os registros e documentos relativos ao “Seguro Defeso”.

A filiação dos pescadores nas entidades, no início da formação, se deu por alianças,

seja através de vínculo de amizade, parentesco, origem dos mesmos locais, ou política,

entre lideranças e os pescadores, ou como resultado da atuação das entidades. Em 2004,

representantes da Colônia dos Pescadores realizaram uma viagem pela margem Esquerda e

Direita do Rio Negro, filiando pescadores de comunidades ribeirinhas. Em 2010, os

mesmos viajaram até a região de Moura, Médio Rio Negro, para filiar os pescadores

daquela localidade, local de origem do presidente. Enquanto isso, a APNA tem tido a

atuação no contexto socioambiental, se articulando juntamente com as entidades de

comunidades. O SINDPesca também tem conseguido uma grande quantidade de

associados, especialmente no Rio Cuieiras, onde o presidente realizou uma viagem, em

2009. Quando a Colônia Z – 34 se dividiu em duas entidades, a maior parte dos associados

Page 122: Pescadores sem águas

120

permaneceu na Colônia - AM 34, que hoje administra a sede, enquanto que uma menor

parte migrou para a Colônia Z – 34.

A filiação de pescadores nas entidades aumentou nos últimos cinco anos com

objetivo de obter reconhecimento profissional e ter acesso ao “Seguro Defeso”, conforme

também pode ser visto na figura 15. Assim, em 2010, dados do MPA registraram que das

quatro entidades de Novo Airão existem 1.244 credenciados, que estavam aptos a receber o

“seguro defeso”. Sendo que 668 pessoas são das duas colônias81

, 431 do SindPesca e 14582

da APNA.

Figura 15 – Gráfico da relação total dos pescadores registrados no MPA pelas

quatro entidades dos pescadores até 2010. Sendo representado h – homens e

m – mulheres. Fonte: informações concedidas pelo MPA/AM.

O gráfico demonstra que o número de pescadores registrados profissionalmente

aumenta de forma gradativa no início dos anos 80 – com os pescadores embarcados ou que

trabalhavam com parceiros nos barcos de pesca –, se elevando nos anos 90, com a nova

geração de pescadores, em sua maioria com canoas de rabeta, especialmente em meados de

1997, quando já existia uma representação da Colônia. Depois, ocorre um aumento do

número de pescadores entre 2003 a 2005, momento em que é ampliado o “Seguro Defeso”.

E, em 2008, é mostrado outro salto no gráfico, devido ao grande número de registros

efetuados pelo SINDPesca que deste total, mais de 160 registros foram realizados somente

81

Informação de reunião sobre Acordo de Pesca de 11/02/2011 diz que do total de registros cerca de 60 são

da Colônia Z – 34. 82

Declarou ter 180 associados, mas tem todos estão regularizados.

Page 123: Pescadores sem águas

121

no rio Cuieiras, motivo da viagem realizada pela diretoria em 200983

. A tabela 09 (abaixo)

apresenta a proporção dos filiados beneficiários do seguro defeso entre a sede urbana e a

zona rural.

Tabela 09 – Relação entre beneficiários do “seguro defeso” dividido entre sede urbana e zona rural. Fonte:

Dados fornecidos pelo MPA – 2010.

Organizações dos

pescadores

Total de filiados

beneficiários do defeso

Sede urbana Zona rural

SindPesca 431 49 382

Colônias AM e Z 34 668 416 252

APNA 145 72 73

Total 1244 (100%) 517 (44%) 707 (56%)

A distribuição entre beneficiários na zona urbana e rural é semelhante na proporção

final. A maioria dos associados das Colônias da zona rural são moradores das Margens

Esquerda e Direita do Rio Negro, acima de Novo Airão, além dos moradores dos Rios

Jauaperi e Unini até a Vila de Moura, em Barcelos, e demonstra elevado número de

moradores da sede urbana. Já a APNA, possui seus associados diluídos em diversas

localidades. O SINDPesca é exceção e possui a maioria de filiados da zona rural,

especialmente provindos do Rio Cuieiras, região que não possui “pesca comercial”.

Outra informação importante na figura 15 é o aumento na participação da mulher a

partir do final dos anos 90, e que dá um salto a partir de 2008. Tal aumento está associado

ao registro para o acesso ao “Seguro Defeso”. Não foi objeto deste estudo discutir a relação

de gênero, mas empiricamente foi observado que a participação de pescadoras é

significativa sendo que algumas acompanham os seus maridos na atividade da pesca.

Nessa situação, se analisado o regime familiar de pesca, o número total de pescadores (em

regime familiar) diminui.

É possível que possa existir uma variação entre o número de registros de

pescadores profissionais promovido pelas entidades junto ao MPA e os pescadores

afiliados. Por exemplo, a APNA nos registros do MPA somam 145 pescadores, mas

segundo informação da diretoria (Nazareno Barroso e Pauletiane Horta) o número de

associados é de 180. Também existem pescadores registrados em mais de uma entidade,

porém apenas o cadastro é registrado junto ao MPA.

Os dados de filiação demonstram a influência da política pública de ampliação do

“Seguro Defeso” para o reconhecimento da pesca no papel exercido pelas entidades de

83 Dados de entrevista

Page 124: Pescadores sem águas

122

pescadores, além de demonstrar a distribuição dos associados/filiados na região do Baixo

Rio Negro e uma interdependência entre si e com vínculos com a sede de Novo Airão,

enquanto local administrativo e também comercial dos pescadores.

No entanto, é importante registrar ainda a presença de outras entidades de

pescadores no Baixo Rio Negro, como a da Colônia Z – 12 de Manaus, com atuação

especialmente nas comunidades localizadas na APA Margem Esquerda entre o Igarapé

Tarumã Açú até o Rio Cuieiras, das Colônias (Z – 8 e AM - 08) e da Associação dos

Pescadores e Pescadoras Profissionais de Iranduba, nas comunidades da APA Margem

Direita do Rio Negro e na RDS do Rio Negro, com associados na margem direita de Novo

Airão, limites do município de Iranduba. No Rio Unini, existem associados ligados a

Colônia – Z – 33 (Barcelos)84

e no Rio Jauaperi, associados das Colônias do Estado de

Roraima (Z – 2 de Caracaraí e Z – 40 de Rorainópolis), além dos registros nas entidades de

Novo Airão85

.

Segundo Maia (2009) que estudou especificamente a relação entre o pescador e o

Seguro Defeso na região de Manacapuru, ficou demonstrado que as entidades de

pescadores têm trabalhado em função da administração desse benefício, que para o

pescador representa uma conquista importante e um reconhecimento. Segundo a autora,

ainda que um dos pressupostos do “seguro defeso” seja a garantia de uma renda mínima ao

pescador durante o período do defeso, que objetiva proteger determinadas espécies no seu

período de reprodução, esse benefício pode estar provocando um efeito contrário, devido

ao elevado número de registros e por representar um estímulo ao aumento da pesca, sem

por outro lado, haver uma política de mediação no que diz respeito à gestão da atividade

nos usos e acessos, ou mesmo a participação dos pescadores neste processo.

Marinho (2009) também alerta que parte das pessoas registrados nas entidades de

pesca não são pescadores e que essas pessoas passaram a ser estimuladas a fazer o registro

somente pela oportunidade de receber o benefício social. Isso também foi observado em

algumas entrevistas em que pescadores denunciam que determinadas pessoas estão se

registrando sem serem pescadoras, o que faz com que a entidade entre em descrédito junto

a sua base de representação. Por outro lado, alguns entrevistados também relataram que

membros de diretorias têm sido ameaçados quando se recusam a realizar os registros de

não pescadores.

84

Segundo Barra, Dias e Carvalheiro (2010), em agosto de 2010 as colônias de pescadores de Barcelos

registraram 825 pescadores (539 homens e 286 mulheres). 85

Dados de campo (caderno de campo) e entrevistas.

Page 125: Pescadores sem águas

123

Segundo Marinho (2009), o presidente da entidade passa a ter um poder de atestar

ou não se a pessoa é pescador, o que faz com que a entidade vá além do papel de

representação da classe na interlocução com o governo, passando a exercer poder político

local.

A crítica realizada por Marinho (2009) permeia também discussões e conflitos

entre pescadores e suas entidades em Novo Airão, uma vez que muitos pescadores de facto

sentem-se desvalorizados, enquanto não pescadores recebem o mesmo direito. Por outro

lado, Scherer (2004) apresenta a carência no que diz respeito à política de previdência com

relação às populações ribeirinhas no Estado do Amazonas, como o registro documental ou

ao recolhimento de impostos, devido às distâncias geográficas, à pouca infra-estrutura

previdenciária, à burocracia, ou ainda, ao fato de que não é adaptada ao modo de vida dos

ribeirinhos que realizam o manejo integrado dos recursos naturais e, consequentemente,

uma diversidade de atividades econômicas.

Neste sentido, o registro profissional da pesca representa também um acesso à

política previdenciária, até então realizada por meio das entidades de agricultura.

Entretanto, o acesso ao “seguro defeso” passa a somar um incentivo ao registro, agora

como pescador. Isto fica evidenciado, quando se percebe que parte dos registros também é

da área rural, ou seja, de moradores de comunidades ribeirinhas, como demonstrado neste

trabalho. Abaixo a figura 16 mostra a movimentação dos pescadores na frente da Colônia

AM – 34, para receberem a documentação do “seguro defeso”.

Figura 16 – Pescadores artesanais fazendo a documentação referente ao “defeso”

em novembro de 2010. Fonte: o autor.

Page 126: Pescadores sem águas

124

Está claro o papel de destaque da política do “seguro defeso” nos processos

organizativos contemporâneos dos pescadores artesanais, mas dando continuidade à

discussão das entidades sociais, destacam-se outras entidades que têm sido pró-ativas no

que diz respeito à gestão da pesca, mais especificamente três entidades comunitárias: a

AMORU (Associação dos Moradores do Rio Unini) no Rio Unini; a ECOEX (Associação

Ecológica dos Agroextrativistas do Baixo Rio Branco – Jauaperi) e a AARJ (Associação

dos Artesãos do Rio Jauaperi) no Rio Jauaperi. As duas primeiras organizações foram

fundadas em 2002 e a AARJ, em 2004, no bojo do movimento socioambiental, e vieram a

solicitar junto ao Governo Federal a criação de duas Reservas Extrativistas. A Maquira –

RONA teve (e tem) papel importante de articulação entre as diferentes entidades sociais e

foi proponente do processo de discussão do terceiro acordo de pesca, que será retomado a

seguir.

Em síntese, as entidades de pesca em 2002, foram criadas visando à organização

dos pescadores na concretização de direitos básicos de reconhecimento, bem como no

acesso aos benefícios sociais. Nesse mesmo período, no contexto do movimento

socioambiental, as entidades passaram a discutir o seu espaço em meio às áreas protegidas,

às formas de manejo, ao acesso e uso dos espaços, conforme será continuado esta

discussão no próximo capítulo. Porém, com o acesso ampliado ao “seguro defeso”, em

2003, essas entidades passaram a focar a sua atuação nos registros profissionais para que

seus associados pudessem ter acesso ao referido benefício social.

Page 127: Pescadores sem águas

125

6. MOSAICOS FLUÍDOS: SISTEMAS DE MANEJO DA PESCA ARTESANAL

6.1 CONTEXTUALIZAÇÕES INICIAIS

Convida-se aos leitores imaginar o Mosaico como um jogo no qual o tabuleiro

compõe um mapa das áreas protegidas. As instituições de manejo ou os sistemas de gestão

(parte descritas no capítulo 05) seriam as regras deste jogo e os jogadores são os atores

sociais especialmente os pescadores. Neste “jogo”, cada jogada, correspondem às táticas/

estratégias - a adaptabilidade.

O capítulo 4 apresentou breves fragmentos históricos da formação dos pescadores,

o capítulo 5, os jogadores e este capítulo objetivam identificar e descrever parte dos

diferentes sistemas de gestão presentes na escala do Mosaico conforme recorte teórico-

metodológico.

O título “Mosaicos” está no plural para dizer que existe mais de um mosaico, o de

júri e o de facto; e, envolvem processos objetivos e subjetivos, compondo diferentes

territorialidades e movimentos, portanto, não representam peças fixas de um jogo estático.

E, neste sentido, acrescenta-se a idéia de que sejam fluídos, em primeiro lugar para denotar

o movimento, em segundo lugar, para refletir no que diz respeitos aos limites e fronteiras

estabelecidas entre as áreas protegidas e os pescadores. Pois, pescadores artesanais

movem-se sobre as águas que fluem e junto com elas os peixes. Também, entende-se que

os sistemas de gestão convencionais são embasados em regras mais rígidas o que faz com

que na prática os pescadores artesanais movem-se também por entre essas normas:

pressionando, negociando o acesso aos recursos pesqueiros, ou atuando de forma

clandestina e subversiva.

A idéia de jogo, logo conduz o pensamento de que existem vencedores e

perdedores. Pois, a lógica de ganhar ou perder estã presente no mundo das instituições ou

organizações, pois ganhar significa cumprir com o seu objetivo, “sobreviver” ou resistir a

um tabuleiro de muitos jogadores. Porém, a idéia de fluidez, põe em cheque a própria idéia

de jogo ou de tabuleiro, pois o jogo na verdade não tem fim e pretende-se mostrar que o

que está em questão não é chegar ao fim do “jogo vitorioso” à custa da derrota dos

“adversários”. As combinações e as alianças feitas e desfeitas entre os “jogadores” são

dinâmicas e complexas.

Page 128: Pescadores sem águas

126

As regras do jogo como um sistema de gestão formam as negociações de acesso aos

territórios. Tudo gira em torno ao que diz respeito ao uso e ao acesso aos recursos

pesqueiros. Sem isso, o território deixa de existir, torna-se incolor aos pescadores,

desprovido de memória ou de identidade, pois a pesca é o valor de existência de uma

comunidade interdependente formada pelos pescadores e consumidores, é um

conhecimento e conseqüentemente é parte de um território: é algo que está por baixo do

tabuleiro.

Conforme foi descrito no capítulo 4, a pesca também é uma atividade extrativista e

faz parte de um conjunto de momentos históricos cada qual com o seu contexto. Neste

contexto, de restrição espacial a pesca também está presente.

Para as comunidades ribeirinhas, os territórios de pesca estão localizados nas

proximidades, conforme constatado por Sobreiro (2007) no Médio Rio Negro. O mesmo é

constato nos planos de gestão dos Parques Estaduais Norte e Sul (SDS, 2010a e SDS,

2010b). O mapa abaixo (Figura 17) representa áreas de pesca junto as comunidades,

perpassando diferentes regimes de propriedade, como o próprio PAREST Sul ou o

PARNA de Anavilhanas.

Figura 17 – Sítios pesqueiros de comunidades no interior e no entorno

do Parest Rio Negro – Setor Sul. Fonte: Banco de dados do IPÊ.

Page 129: Pescadores sem águas

127

O mapa não distingue cada área específica das comunidades, mas ressalta-se que as

fronteiras entre elas são estabelecidos e respeitados pelos usuários. O sítio de pesca

representado na cor vermelha sobrepõe parte do Parna de Anavilhanas. No entanto, a

sobreposição do regime de propriedade estatal das UC’s pode, em tese, reforçar os

territórios de pesca coletivo das comunidades e ser uma garantia para a subsistência

alimentar das comunidades já que a proteção estatal aumenta as possibilidades de exclusão

de usuários externos a este território. Porém, esta sobreposição é conflitante juridicamente

quando se trata das negociações de permanência dos moradores no interior de UC’s de

proteção integral quando se cria uma atmosfera de instabilidade ou uma ameaça de exílio

permanente aos seus territórios. Esta tensão é administrada também pelos gestores das

UC’s que lidam no dia-a-dia com estas situações, sem poder garantir perspectivas futuras

aos moradores ou usuários.

A pergunta que se faz é - pescadores artesanais comerciais sejam de barcos

regionais tipo batelão ou rabeteiros tem uma territorialidade? Estes usuários que deixam as

suas famílias ou suas casas para sair entre as águas para exercer uma atividade econômica

tem garantias de retornar, pagar os custos de suas excursões e ter o excedente para garantir

a qualidade de subsistência?

Existe uma tensão constante, pois comunidades residem e tem os seus ambientes de

pesca como seus, enquanto que pescadores artesanais embarcados são às vezes vistos e

denunciados pela sobre-explotação dos recursos pesqueiros pelas comunidades ou circulam

em um território em parte de propriedade estatal exercendo uma atividade conflitante com

os objetivos determinados pelos regimes de propriedade das UC’s.

É difícil imaginar “pescadores artesanais embarcados” circulando por um território

restrito. Estariam chegando a uma condição de “pescadores sem águas”, como inicialmente

proposto no problema da pesquisa? Até o momento, se demonstrou a evolução da

formação do status da gestão a nível local, montando as peças de um quebra-cabeça,

colocando primeiramente os jogadores do Estado - as instituições de gestão e também as

organizações locais dos pescadores. Para sugerir possíveis cenários nas considerações

finais desta pesquisa, neste tópico são descritas e argumentadas às negociações que

formam o sistema de manejo.

6.2 SISTEMAS DE PESCARIAS ARTESANAIS - COMERCIAIS

Page 130: Pescadores sem águas

128

Cada pescador (a) comercial embarcado no Baixo Rio Negro tem seus pontos ou

áreas de pesca preferenciais e assim desenvolveram a sua própria territorialidade. A

pergunta mais sensata a se fazer é: pescadores embarcados, enquanto categoria tem um

território comum ou apenas áreas ou pontos de pesca (conforme Begossi, 2004)? Esta

pergunta é feita, pois segundo Castro e MacGrath (2001) e Pereira (2004) as normatizações

sobre a pesca sempre tem considerado o “livre acesso” ou conforme também citado no

capítulo 4, setores da pesca comercial, nos anos 70, também reivindicaram a garantia de

livre acesso.

Em contrapartida, no capítulo 4, também se argumentou no que diz respeito à

formação dos pescadores comerciais na região. Se, estes são pescadores artesanais da

região, consideram as áreas de livre acesso? É possível que mesmo entre o grupo da pesca

embarcado e comercial, tenha se desenvolvido um regime de propriedade comum?

Conforme Pereira (2004), comunidades de pescadores heterogêneas tem maior ônus

no que diz respeito à gestão da pesca, pois a exclubilidade é mais difícil e custo tanto social

ou financeiro para operacionalizar este sistema de manejo é alto. No entanto, o conjunto de

unidades de conservação contam com regimes de propriedades estatais, enquanto que

comunidades defendem as suas áreas, com relação a usuários externos. Estes elementos

fazem com que o ponto de partida do questionamento não seja o livre acesso, mas

“negociações” de acesso aos recursos pesqueiros. E, se existem negociações, logo talvez o

livre acesso em si possa não existir, mesmo que os limitess sobre o regime de propriedade

não sejam claros.

Quando se perguntou aos pescadores artesanais, sejam embarcados ou de rabeta,

sobre os locais onde são realizadas as pescarias, em que época e quais as espécies são

manejadas, as respostas foram vagas. De fato, duas questões podem ser analisadas: a

primeira é o fator que explicações sobre a territorialidade podem estar “revelando”

estratégias que fazem parte de um “segredo”; a segunda questão talvez seja o problema de

formulação da pergunta. Ou, em outras palavras, uma pergunta abrangente tem resposta

abrangente.

Esta reflexão é por um lado uma autocrítica nesta pesquisa, mas torna-se uma linha

de raciocínio que se pretende explorar neste texto. Em primeiro lugar, o planejamento de

uma viagem de pesca, faz com que pescador considere o local que ele pretende almejar, o

que inclui exatamente a fase do ciclo do regime das águas deste ambiente, o regime de

precipitações, assim como as espécies de peixes a serem capturadas e logo o seu

Page 131: Pescadores sem águas

129

comportamento, portanto existe uma marcação do tempo e do lugar, o que é muitas vezes,

racionalizada pela Lua, o que também foi registrado por Soares et al. (2009), Witkoski et

al. (2009) e Pereira et al. (2009), ou conforme depoimentos de Olavo Faustino e Francisco

da Silva, a serem citados mais adiante.

Em outras palavras, a região da pesca está associada ao período. Esta é a chave da

questão, somado as possibilidades de acesso. Este é o conhecimento, que Allut (2000)

argumenta que se trata da experimentação dos pescadores artesanais. Ou seja, o pescador é

um pesquisador, experimenta e avalia as suas estratégias de manejo. Este conhecimento

não é produzido isoladamente, mas intercambiado com moradores locais, dos variados

ambientes, ao mesmo tempo em que o pescador cria a sua própria estratégia. Uma incursão

mal sucedida pode implicar em falência. Com esta evidência, também é possível sugerir

que o conhecimento e o território são construídos mediante negociações o que segundo

assinala Witkosky (2009), ao se referir que esta condição está presente no cotidiano da

pesca.

Parte dos ambientes de pesca no Baixo Rio Negro que foi citado pelos pescadores

que possuíam barco de pesca era utilizada antes das restrições: os Rios Jauaperi, Unini,

Branco além do Médio Rio Negro. Ou seja, o Baixo Rio Negro é utilizado com maior

intensidade pelos pescadores rabeteiros. Assim, excluindo os Rios Unini e Jauaperi, o

restante Médio Rio Negro tem sido utilizado independentemente da criação de UC’s no

Baixo Rio Negro.

E, parte destes pescadores tem sua origem na própria região ou nela residiu na

maior parte de suas vidas. Ou seja, a opção pelo local de pesca está associada com o local

de moradia. A moradia estabelece o vínculo do pescador com o ambiente de pesca e estes

mantêm seus vínculos, mesmo tendo migrado para a sede urbana.

“Aí eu gostei né? Minha vida foi pescar, né? Tucunaré e todo este tipo de peixe

a gente pescava né? Nossa pescaria não era a pescaria que hoje eu vejo o pessoal

fazendo de malhadeira. Nossa pescaria só era de zagaia. Nossa pesca era só a

noite (...). Jufaris: a gente morava aqui, saía daqui para lá, que lá era melhor de

pesca né? Um lugar de muito peixe. Lá a gente conhecia os lagos, as beiradas

tinha muito peixe” (Ivani Ferreira da Silva, ex-pescador, 59 anos, em

01/09/2010).

O senhor Ivani F. da Silva morava no Rio Jufaris onde possuía sítio, conhecia as

pessoas, os ambientes de pesca, fazendo com que o circuito consistia neste trajeto, na

relação com um território, mas também utilizando outros rios e ambientes. Partes dos

pescadores artesanais embarcadas tinham esta relação, entre os Rios Jauaperi, Unini,

Page 132: Pescadores sem águas

130

Branco e de uma maneira geral, nos ambientes do médio rio Negro. O senhor José Pontes

(ex-pescador, 71 anos) pescava no Rio Unini, local onde regateava e conhecia as pessoas e

se estabeleceu os seus ambientes de pesca a partir de negociações. Ou em outro relato, de

também ex-pescador, que retratou a sua visão, nas negociações entre o período de 1988 a

1994:

“Nós trabalhava junto, se tivesse os moradores. Na época era proibido, mas não

tinha a fiscalização que tem. Então, a gente às vezes se arriscava a trazer um

bicho de casco, uma paca, um tatu, carne de veado, botava um peixe por cima

outras carnes que o pessoal matava, a gente comprava, né? A gente comprava o

tucunaré, o cará e a fera e às vezes a gente arranjava malhadeira nossa para eles.

Daí dividia: metade do peixe era meu e metade era dele, mas não era com todo

mundo não (...). E nós, quando era para pegar o peixe era a maior facilidade por

quê? Nós tinhamos o material. E o próprio morador de lá tava passando fome.

Porque o cara não tinha o material então você chega para trocar, é bem vindo (...)

Agora, uma coisa, o cara, o pescador, só tem duas coisas que ele não pode ser:

uma é ser pessimista e outra é ser miserável. O pescador miserável, de cem você

tira um e o que é miserável só vive aperiado. Miserável é aquele pescador que

você chega no barco dele que nunca de dá um peixe, diz que não pescou, se ele

abrir a caixa, mas ele vende, este é o que sempre está aperiado, este é o

miserável. Pescador, normalmente ele é de barriga cheia. Se ele tem peixe na

caixa e negar é difícil. Poucos deles fazem isto. Tem? Tem, mas são poucos.

Normalmente ele faz questão de ti dar o peixe para você comer.”

“Aí era isto: se eu pegasse 30 pacu e eu botava dentro de uma caixa quando

chegava na comunidade eu doava né? Aí eu chegava na comunidade e falava:

gente você estão com fome? Rapaz, nós tamos. Tá dando peixe aqui? Rapaz não!

Será que naquele igarapé dá peixe? Rapaz para vocês dá, porque o diabo ajuda

vocês! Eles falavam assim com a gente, né? Rapaz embora ir junto com nós que

eu vou ti ajudar também. Aí a gente insistia para ir junto com a gente aí a gente

comprava, o peixe dele, né? Aí aquele peixe branco que a gente pegava a gente

ia dando para eles. E comprava o tucunaré, o cará e etc deles. Então é assim que

a gente fazia (...). Normalmente você tem que estar preparado, que nem agora

pouco a gente tava conversando, porque tem a caixa de isopor e todo o peixe que

tu for pegar tu vai botando ali dentro, porque quando tu tá passando em frente a

comunidade, os pessoal vão logo ti parando, e aí arranja o almoço para a gente e

coisa e tal. Então para tu não mexer na tua caixa que está com o peixe congelado

lá, já tem aquela reserva, vem aqui, põe a canoa, vai jogando peixe dentro. Então

o sistema do pescador tem que ter este balanço. Por que? Primeiro, tu vai ser

bem vindo na comunidade. Ah motor! Motor fulano de tal. Ah, já vou já pegar a

minha bóia. Então é assim, da seguinte maneira que a gente tem que trabalhar

com as comunidades. Agora quando tu vê o motor do cara e tu diz, aquele cara é

um miserável. (ex-pescador, depoimento em 27/04/2011)

“Eu pegava mais tucunaré e cará. Só na linha. Aí quando chegava lá contratava

dez pessoas e iam pescar ...” (Francisco, em 27/04/2011)

Os relatos acima são de ex-pescadores que pescaram entre os anos 80 e 90 na

Margem Esquerda do Rio Negro, subindo até o Rio Unini, e na margem direita até o Rio

Jauaperi. Conforme Furtado (1981), a relação da pesca é construída baseada em

reciprocidades. Isso não quer dizer que todas as negociações tenham sido realizadas nos

mesmos moldes, mas trata-se de exemplos. A pesca do Pirarucu era negociada diretamente

Page 133: Pescadores sem águas

131

com os “patrões”, que eram os regatões. A espécie era capturada com o arpão, assim como

é também a pesca artesanal do Tucunaré e Cará-Açú, ou seja, o acesso para essa pesca é

negociado; às vezes pescadores locais contratados, e a captura artesanal se dá utilizando a

zagaia, o caniço, a linha, e também a malhadeira. Os exemplos dos depoimentos acima são

de pescadores comerciais, e, para demonstrar outra visão, abaixo se citam depoimentos de

quem eram contratados pelos pescadores comerciais, neste caso no Rio Unini86

:

Francisco: então na época a gente zagaiava peixe, vamos dizer tucunaré e o cará

artesanal (...). Antigamente pescava o pirarucu. Até na faixa de mais ou menos

uns vinte anos. Vendia tudo, o jacaré, a anta, carne de um modo geral, pirarucu,

bicho de casco.

Dionísio: Você tem idéia, o rio Unini era considerado um dos rios mais fartos da

calha do rio Negro e ele perdia para o Jaú em uma espécie de animal: quelônio.

Mas, pirarucu, caça e outros tipos de peixe (...). Se não me engano foi criado o

IBDF eles começaram a sofrer. Aí entrou outros, mas a pescaria era em menor

escala e o produto era outro, eles estavam mais interessados na balata, na seringa,

na coquirana. No verão era o pirarucu, tinha demais (...). Lá em cima numa

comunidade chamada Marapana tinha um comedouro de pirarucu. Em 1980 eu

conheci um co-cunhado meu, lá de Manaus, que era o senhor Raimundo que

tinha um motor pequeno, ele foi, ele só pescava de zagaia, ele foi um dos

primeiros caras a vir pescar para cá (...). Agora, quando eu voltei em 1997 para

cá Deus me livre isto daqui era uma aberração de motor. Pescador de fora não

tem consciência.

Francisco: A gente pescava para o gelador. Eles entregavam o gelo e a gente

entregava o peixe para eles (...). Saía de um barco, encostava outro, descia e já

estava em outro, era assim. Pescava só quando queria mesmo. Passava dois ou

três dias em casa e aí saia de novo. Barco de três, quatro toneladas, de Manaus e

Novo Airão. Eram vários pescadores às vezes 12 ou 15.

Eclesiaste: Tinha pescador tanto daqui quanto de outras comunidades. Lá para

cima tinha que comunidade que ia uns dois. Às vezes eu ia e de outra

comunidade ia dois.

Os pescadores comerciais embarcados contratavam pessoas locais para as

pescarias. O Senhor Dionísio também demonstrou duas fases: dos anos 80, que tinha

poucos pescadores, e dos anos 90, que havia constantemente muitos pescadores. Assim

como nos anos 80, havia o sistema da pesca de Pirarucu, que era comprado pelo regatão

em determinados períodos, mesclando com outros produtos florestais, conforme

argumentado no capítulo 4.

Em outra visão, o Senhor Francisco Silva relata que além da pesca artesanal contar

com os pescadores locais, ele lembra que havia um pedido para que os barcos não

86

Conversas realizadas em 23/03/2011.

Page 134: Pescadores sem águas

132

excedessem a 3 toneladas de capacidade. A citação abaixo é referente à pesca no final dos

anos 80 (1988/1989):

“Tinha muito peixeiro. Só que na época já era controlado né? Porque as

comunidades já começaram a se converter assim. E aí só podia entrar assim, tipo

no Jaú, no rio Unini e no Jauaperi, só podia entrar barco em média de três

toneladas para baixo. Eles não consentiam entrar barco acima de três toneladas”

(Francisco, 50 anos, 27/04/2011).

O conflito advém especialmente da percepção de que o aumento na quantidade de

pescadores seria responsável pela diminuição dos estoques pesqueiros, especialmente em

meados dos anos de 1990. Assim, a depredação não era bem vista, assim como a batição

ou pesca com bomba. Porém, nas comunidades já existentes nos anos 90 havia as pessoas

“pescadoras” que eram “empregadas” e acompanhavam as pescarias. O Rio Jauaperi e

parte do Rio Unini foram descritos em depoimentos orais como locais onde eram

negociados o acesso e a contração de pescadores. Já no Rio Preto, afluente localizado à

montante do Rio Unini, a pesca era realizada apenas pelo regatão.

Outro sistema de manejo da pesca que envolve diferentes locais e ambientes é

contado pelos senhores Olavo Faustino e Francisco da Silva Amorim, dois ex-pescadores

comerciais embarcados, moradores do Rio Cuieiras. Abaixo do depoimento, a figura 18,

objetiva representar por modelo cartográfico o esquema geral do sistema de manejo.

“De Anavilhanas para cá. Eu pegava este corredor, este paranã, na margem

daqui, pegava aqui o paranã do Samaúma, parava ali no Ariaú. No Ariaú, quando

você atravessa, já tem lago, né? Lago do Jorge (...). Todos lagos voltados para a

margem. Ali eu pescava todinho. Aí quando ia ficando mais difícil, ia enchendo

para cá, tinha uma diferença. Quando aqui tava cheio eu pescava com malhadeira

de cinco ou seis metros, aí quando eu subia para o rio Jauaperi, por exemplo, lá

tava baixo. Aí eu abandonava aqui e ia para lá. Eu pescava no rio Jauaperi que é

o rio onde mais eu pesquei. No Jauaperi em uma porção de lago aí depois, aí no

Unini. No Unini eu pesquei pouco por causa da cachoeira (...). Porque quando

começa a encher de lá para cá? (...) Porque o rio Branco ele é movido pelas

chuvas. Aí quando você passa lá está seco. Aí uma semana você volta, onde você

passou, que tava terra, você passa de barco por cima naquelas praias, na outra

semana tá seco de novo. Agora quando vem a cheia derradeira, aí você fica

vendo aquelas grutas na margem, você vê enchendo, enche em 24 horas” (Olavo

Faustino em 27/04/2011).

Rapaz, eu pescava assim, começava em agosto, né! Agosto, setembro e outubro.

Aí só prestava no Jauaperi. De janeiro em diante só prestava, já passava para rio

Unini, que pescava em fevereiro, março e abril. Todo mundo parava com a

pescaria do tucunaré. Ficava muito cheio o rio e aí não pegava nada. Entrava no

igapó e estas coisas. Aí ficava só o pessoal mesmo da pesca de rede. No Jauaperi

de agosto a setembro. E, no Unini, de outubro até abril. Que conforme o rio ia

enchendo a gente ia acompanhando a água. Você sabe que lá para cima é

Page 135: Pescadores sem águas

133

represado pela chuva. Se faz sol ele seca, se chove ele enche. Acima da

cachoeira é comandado pela chuva. No rio Jauaperi é diferente porque não tem

cachoeira. Jauaperi ele é baixo. Quando é agosto, setembro e outubro, porque em

novembro você não pesca mais, porque ele tá muito baixo. Tá em torno de um

metro e meio ou dois metros no máximo. Aí não tem mais onde pescar. Aí para a

pescaria. Aí já é diferenciado para o Unini. Quando rio começa a encher aqui (rio

Negro) o rio Branco começa a secar. Aí neste período, que começar a encher

aqui, começa a reprodução né? De tudo quanto é peixe. E quando começa a secar

o rio Branco aí é claro que já tá tudo reprodutivo. Aí em agosto começa a sair o

tracajá, lá no rio Branco começa a sair em dezembro. Aí tem diferença grande

também porque as praias estão secando lá e aí o bicho começa a desovar”. Tem

diferença porque quando o peixe está com reprodução aqui no Cuieiras, o

tucunaré lá no Unini, eles estão de ova. Aí quando tu chega dentro do rio

Jauaperi, já pega parte de uma água branca, este peixe tá tudo cavando, fazendo

os ninhos para desovar. Então é um período de um mês de um rio para outro.

Quando é a reprodução ela começa a subir né, a ova do peixe começa a subir,

quando chega lá em cima, o último a desovar, este aqui, os filhotes já estão

grandinhos”. (Francisco, em 27/04/2011)

Figura 18 – Representação cartográfica do sistema de manejo da pesca. Em tracejado preto,

A região da pesca realizada, e nos traços vermelhos a direção para outros locais.

Período entre 1989 até 1994. Fonte: Depoimentos de Francisco da S. Amorim e Olavo Faustino,

base cartográfica shape files do banco de dados do IPÊ.

O senhor Olavo Faustino e Francisco da Silva Amorim realizavam um sistema de

manejo que vai da parte de Anavilhanas até os Rios Jauaperi, Unini e Branco. A diferença

é que o senhor Olavo tinha a preferência pelas espécies de Pescada, mas fazia a pesca do

Tucunaré e Cará nos intervalos em que as malhadeiras ficavam na espera,

aproximadamente, de duas em duas horas. O cálculo da pesca, tanto da pescada quanto do

Page 136: Pescadores sem águas

134

Tucunaré, é realizado pela lua e as viagens eram realizadas prevendo se chegar ao local

sem o luar. Essa informação também é confirmada em outras entrevistas. Assim, eram

realizadas as atividades da pesca em quatro locais distintos: os ambientes de Anavilhanas e

em torno, o Rio Jauaperi, o Rio Unini e o Rio Branco. Além disso, levavam-se em conta os

períodos reprodutivos e migratórios dos peixes (comportamento ecológico) e o acesso.

Outro pescador, Darcimar Borges Sales (conversa informal), também pescava entre a Ilha

do Jacaré, Rio Baipendi, Rio Jauaperi e na Foz do Rio Jaú e Unini. Já no Médio Rio Negro,

o rio enchia entre abril e maio, diferente do Baixo Rio Negro, que inicia em novembro, ou

quando o rio possui cachoeiras, como o Rio Unini e Puduari, onde a observação é a

respeito da cheia e vazante dos rios e da precipitação.

Assim sendo, os pescadores no Baixo Rio Negro faziam (em) rodízios de ambientes

de pesca baseados nos regimes de águas e características dos rios. A maior parte dos

pescadores comerciais diz que a sua pesca é artesanal, pois se baseia no uso da zagaia,

especialmente para as espécies de Tucunaré e Cará (Cará-Açu), mas também Jaraqui, Pacu,

Matrinchã, entre outras. Segundo Silva e Begossi (2004), 92% da pesca no Médio Rio

Negro, em Barcelos, correspondem à captura das espécies de Tucunaré e Cará, de zagaia.

Sobreiro (2007), em outra pesquisa, já demonstra que o Tucunaré vem em terceiro lugar

com a pesca, perdendo para o Pacu e Aracu, mas sempre associado com outras espécies,

como Cará, Surubim, Filhote, Pirarara, Traíra e o Jacundá (SILVA e BEGOSSI, 2004).

Talvez porque parte do pescado é para venda no comércio de Manaus e outra no local,

conforme será discutido mais adiante.

O senhor José Adimar Pedreiro Garcia é um dos maiores pescadores e compradores

de pescado no Rio Negro e possui relações com diversos outros pescadores comerciais

embarcados e de rabeta, fora os que já foram associados, através do apoio (aviamento) ou

nas relações comerciais de compra de pescado. Segundo ele, a pesca comercial no Rio

Negro é artesanal e 90% de sua pescaria acontecem na Região de Barcelos, enquanto que

10% na região de Santa Isabel do Rio Negro.

Segundo o entrevistado, o sucesso de uma expedição empresarial da pesca

comercial no Rio Negro depende que o “aviador” tenha muitos pescadores trabalhando.

Dos que acompanham as incursões de pesca, alguns vão juntos, contratados na cidade,

outros nas comunidades. Associado à pesca do Tucunaré e Cará também se pesca Traíra,

Matrinchã, Aracu, Pacu e diferentes espécies de fera.

Page 137: Pescadores sem águas

135

A sazonalidade e frequência variam de pescador para pescador, de acordo com as

estratégias ou locais que se pesca. A tabela abaixo (tabela 10) demonstra algumas

informações de ex-pescadores e pescadores ativos no que diz respeito à embarcação,

custos, duração, frequência, sazonalidade e espécies pescadas.

Tabela 10 – Informações no que diz respeito a pesca comercial embarcada.

Pescador/

capacidade

de carga do

barco

Ano de

referencia

da

informação

Custos

Operacionalização

Locais Freqüência e

sazonalidade

Apetrechos

e espécies

Pescador 01

15 toneladas

gelo

2007 Pagamento de dois

funcionários fixos,

mais pescadores

contratados, 900

litros diesel e

alimentação

Cauerés

Romada

Demeni

Aracá

Quiuini

Cachoerinha

Itu

Cococó

Lago do Prata

Rio Branco

9 viagens por ano

Entre dezembro a

fevereiro fazia

duas viagem por

mês e outubro,

novembro e

dezembro fazia

uma viagem/mês

Zagaia,

espinhel,

linha

Fera

Cará

Aracu

Tucunaré

Pescador 02

3,5 ton./gelo

Atual 4.000,00 Reais

7 pessoas

Baixo rio

Negro

Anual/viagem de

07 a 12 dias

-

Pescador 03

8 ton./gelo

2006 4.000,00 Reais Rio Branco

Uaerés,

Jufaris,

Quiuini,

Demeni,

Aracá, Caurú

- -

Pescador 04

5 ton./gelo

2004 3.000, 00

8 pessoas

Jauaperi até

Santa Isabel

do Rio Negro

- Malhadeira

, espinhel,

zagaia

Fera, Cara,

Tucunaré

Pescador 05

3 ton./gelo

2007 2.500,00

07 pessoas

Jufaris,

Caurés,

branco,

Xeurinin,

Unini,

Demeni, Itu

Anual/duas

viagem por mês 5

a 6 dias

Zagaia

Tucunaré,

Pacu,

Surubim,

Pirarara,

Cará,Traira

Pescador 06

1,5 ton./gelo

1989 10 pessoas no local Rio Unini,

Jauaperi

Agosto – abril

3 – 4 dias

Zagaia

Tucunaré e

Cará

Pescador 07 1992 2 pessoas Baixo Rio

Negro (Ilha do

Jacaré, Aturiá,

Ariaú), Rio

Jauaperi,

Unini e

Branco

Agosto a maio

7 dias

Malhadeira

Pescada e

Fera

Zagaia

Tucunaré e

Cará

Espinhel

Fera

Page 138: Pescadores sem águas

136

Parte dos pescadores artesanais embarcados que tinha a residência na área rural ou

na comunidade, mescla a atividade da pesca com outras atividades, como agroextrativismo.

Outros pescadores fazem o manejo entre várias bacias hidrográficas, ambientes de pesca

distintos ou espécies, que em parte, pode ser comparado aos trabalhos copilados em Fraxe,

Witkoski e Silva (2009). Ou seja, partes dos pescadores realizam a pesca anualmente, e

outra se ocupa da pesca apenas sazonalmente.

A medida da capacidade de carga do barco é em tonelada-gelo e a relação

aproximada entre gelo e pescado é a metade. Ou seja, um barco com capacidade de cinco

toneladas-gelo suporta 2,5 toneladas-peixe. Apesar de que, na tabela acima, os anos de

referência das informações são de anos anteriores, os barcos de pesca no Baixo Rio Negro,

na atualidade, não excedem a cinco toneladas gelo87

.

O fato dos barcos atualmente não ultrapassarem as 5 toneladas-gelo deve-se: por

questões históricas; a relação entre a capacidade-de-carga, sazonalidade e frequência de

viagens de pesca, que dura entre uma semana a duas no máximo, o tempo suficiente para

abastecer o barco, a duração do gelo com a tecnologia empreendida, o retorno da viagem e

a venda do pescado; e, principalmente devido a aceitabilidade dos moradores locais deste

tipo de embarcação, que culminaram também nas regras formais como o “Decreto Rio

Negro” e o acordo de pesca do Baixo Rio Negro, cujo limite de embarcações é de cinco

toneladas.

O aumento de número de pescadores nos anos de 1990 é associado à possibilidade

de registro profissional, aos custos reduzidos de aquisição de motores rabeta, ao mercado

consumidor, à possibilidade de renda; e acesso e uso “clandestino” das áreas de pesca nas

proximidades de Novo Airão, Arquipélago de Anavilhanas88

. Essas canoas são adquiridas

ou confeccionadas pelos próprios pescadores e compõe dimensões entre 6 a 8 metros, na

maioria comportando até quatro caixas de isopor (capacidade de 170 litros) ou uma caixa

térmica tipo freezer, com capacidade de até 500 kg gelo. Ver as fotos (Figura 19)

ilustrando modalidades de embarcações de pesca.

87

Entrevistas e observação. 88

O uso e acesso clandestino das áreas do Parna de Anavilhanas será mais bem detalhado.

Page 139: Pescadores sem águas

137

Figura 19: Fotos ilustrando embarcações de pesca. A foto A, ilustra os barcos e canoas da comunidade Bom

Jesus do Puduari; B - a rabeta com caixa térmica tipo freezer (senhor Raimundo e senhora Marlene da

localidade Mirapinima); C – barcos de pesca de Novo Airão; D – rabeta com caixa térmica tipo freezer e

isopor; E - canoa tipo rabeta com freezer e canoa de apoio; F – barco de pesca proveniente de Manaus. Fonte:

fotos do autor tiradas em novembro de 2010 no arquipélago de Anavilhanas.

Os territórios sociais da pesca também incluem as áreas de Anavilhanas, com as

quais a maioria dos pescadores possui vínculos históricos, seja de moradia anterior à

criação da ESEC, ou de uso. A pesca é realizada em lagos, paranãs e igapós (na cheia) ou

nos igarapés e ambientes de pesca no entorno imediato do PARNA de Anavilhanas (e seu

A B

C

1

D

F E

Page 140: Pescadores sem águas

138

interior), na margem direita, seguindo nos Igarapés do Juvêncio, Cabeçudo, Gordo,

Pacatuba e Cachoeirinha e Rio Puduari, seguindo até a Foz do Rio Unini, e pela margem

esquerda, no Rio Ariaú até o Baipendi, Foz do Rio Jauaperi e Rio Branco. Os rabeteiros

ainda incluem parte de moradores de comunidades e localidades próximas de Novo Airão,

como Bom Jesus do Puduari, Sobrado e Santo Elias, Bacaba e Caoié, destacados em

entrevistas, como possíveis maiores fornecedores de pescado89

. As comunidades de

Sobrado, Aracari e a localidade de Mirituba produzem menos pescado, enquanto que na

Comunidade de Aturiá, uma entrevista constatou que existe também uma negociação com

um pescador de Manaus.

Os custos de viagem das canoas rabetas são menores, às vezes não excedendo 30

litros de óleo diesel/gasolina; utilizam malhadeiras, espinhel, zagaia e caniço. Segundo

Cardoso e Freitas (2006), as canoas motorizadas em relação ao combustível e gelo tem

maior rendimento econômico em relação aos barcos.

As canoas de rabeta tem entre 7 a 8 metros e carregam consigo canoas a remo, para

possibilitar a mobilidade nos lagos e igapós. A sazonalidade é anual quando especializados

apenas na pesca, ou sazonal quando inclui o feitio de roçado. Quando interrogados acerca

da presença de mais de um grupo de pescadores no local da pescaria, a regra é pelo

respeito de quem chegar primeiro e o pescador seguinte divide o espaço utilizando-se de

outros ambientes, conforme também descrito por Sobreiro (2007).

A comercialização acontece da seguinte maneira: até meados dos anos 90 existia

uma feira na beira do rio em Novo Airão, porém, deixou de existir. Portanto, a maior parte

dos pescadores rabeteiros realiza a venda direta em carrinhos de mão, que ao desembarcar,

caminha pelos bairros da cidade oferecendo o peixe, com rotas já determinadas, clientes

certos ou espontâneos, realizada na residência; ou ainda, comprado por comerciantes que

revendem em pequenas peixarias distribuídas no município. O peixe é vendido na maior

parte dos casos em “cambada”, que se trata de fibra de envira ou galho, podendo ter apenas

uma “qualidade de peixe” ou diferentes “qualidades” de peixe, em quantidade de até seis

peixes:

É um peixe que é bom de vender. Tá muito difícil e a população está aumentando

né? E, hoje a alimentação da maioria é peixe. Aí a gente vende para os peixeiros,

89

Lista elaborada durante reunião do AquaBio em 21/01/2010, com presença das diretorias de entidades de

pesca e pescadores .

Page 141: Pescadores sem águas

139

uns comerciantes que ficam na rua né? Na beira está meio devagar, mercado não

existe, o que vende é para o atravessador aí na beira. Olha, a cambada de peixes

está no valor de quatro reais, cinco reais. Depende do que tem, da variedade de

peixe, quantidade de peixe. A cambada é cinco peixes, seis peixes, por exemplo,

cinco jaraqui, cinco reais. Cinco pacu é cinco reais. Agora tucunaré é quatro

pequeno por uma cambada. Agora quando ele é grande, uns 3 quilos, a gente

vende por quilo. Dá na faixa de três reais o quilo, quatro o quilo, nesta faixa

também. A fera do mesmo jeito (Acácio de Souza Pereira, 55 anos, em

15/09/2010).

Às vezes a gente mistura, mas a vezes o cara só quer uma espécie de preferência

a gente separa. Aqui na nossa região é jaraqui, pacu, tucunaré, matrinchã, este

peixe é o que mais a gente pega, aracu. E a gente mesmo que vende.

Ultimamente ele é mais peixe graúdo, tipo surubim, tucunaré grande que a gente

vende direto para o Louro. Dono de restaurante eu vendo mais peixe miúdo, não

tenho material, quando pesco peixe graúdo eu pesco de zagaia. A gente tem uma

freguesia boa, aí o pessoal vem comprar (Edival Valente Rodrigues, 44 anos, em

10/11/2010).

Um rabeteiro consegue pescar e armazenar até 300 quilos em cambada90

, por

viagem. O comércio, conforme visto nas duas entrevistas é por cambada. Localmente, em

Novo Airão, a compra e venda do pescado para a alimentação, que segundo estimativas

registradas em documento da FVA/APNA (2005), podem chegar até duas toneladas/dia,

considerando o consumo médio de 430gr/dia, por adulto. Fora isso, o restaurante que às

vezes mais compra não excede 20 quilos sazonalmente.

O pescador artesanal embarcado separa as qualidades de peixe, onde parte é

vendida em Novo Airão e parte é exportada para frigoríficos de Manaus e Manacapuru. A

estimativa de volume comercializado é entre 28 a 30 toneladas mensais exportadas, nos

últimos dez anos, segundo depoimento de José Adimar, um dos principais revendedores do

pescado. Para efeitos de comparação da estimativa de produção pesqueira com o município

de Barcelos, citam-se Barra, Dias e Carvalheiro (2010, p. 29):

“Em Barcelos, o IDAM e a SEPROR registraram uma produção pesqueira

média, por semana de 6 toneladas na seca (metade vendida em Barcelos e metade

enviada para São Gabriel) e 800 kg na cheia, vendidos apenas em Barcelos. (...)

A partir de informações de entrevistas com os donos de barcos que transportam

pescado, calcula-se que o total de pesca na seca chegue a 13 toneladas por

semana, e na cheia, a 3 toneladas semanais, incluindo o peixe vendido para

Manaus e São Gabriel da Cachoeira.”

90

Informação cedida por Eugênio, pescador de rabeta e membro da diretoria da Colônia AM – 34 em

26/08/2010.

Page 142: Pescadores sem águas

140

Um fato curioso é que a venda ao frigorífico implica no fato de que parte desse

pescado seja destinado ao beneficiamento na forma de filés de peixe, e, portanto, existe

reclamação de que o peixe do Rio Negro sempre vem “furado”, pois é pescado pela zagaia.

“O máximo de barco de pesca que nós tinha aqui na região, do interior ele dava

em torno de cinco toneladas né? E outra que tinha uma explicação que é a

seguinte: tu que pesca cará, tucunaré, e ele pescava a pescada dele, certo? A

gente nunca misturava o tal peixe branco que é o pacu, o peixe da escama miúda,

junto com este tipo da escama preta, senão o peixe da escama miúda ia soltar e ia

estragar todo o teu peixe. E aí é aquela história que ele falou da bagana, pegava a

bagana separada, que é a bagana que fica na traíra, fica no pacu, fica no aracu,

que é um peixe especial, mas o pessoal considera como bagana, por que? Porque

é pouca em quantidade” (Francisco, em 27/04/2011).

“Eu tinha um patrão maior, quer dizer que comprava aqui em Novo Airão, ele

tirava o peixe branco. O que quer dizer o peixe branco? É o jaraqui, é o pacu, é a

piranha e o matrinchã, ele tirava aqui na cidade, vendia aqui. Aí o peixe de peso,

que chama o tucunaré, o surubim, algum pirarucu que a gente trazia, já levava

para Manaus para outro patrão. Ele já tinha outro para vender (...) (Ivani Ferreira,

59 anos, depoimento concedido em 01/09/2010).

Os peixes exportados são, em síntese, aqueles denominados de feras, o que inclui a

Dourada, a Piramutaba, o Filhote, o Surubim e o Caparari, e as espécies de Tucunarés e

Carás. Para o comércio local são destinados os peixes fera e Tucunaré de menor tamanho,

a Matrinchã, o Jaraqui, as variedades de Pacu e o Aracu. Além dessas espécies principais,

o comercio local inclui ainda as Piranhas, Branquinha, Pescada, entre várias outras, as

quais também são capturadas pela pesca de subsistência alimentar, conforme listagem das

espécies - tabela 03 – página 43 - capítulo 02.

É importante ressaltar que essas descrições são referentes a pescadores artesanais

do Baixo Rio Negro e excluem barcos de pesca provindos de Manaus. Porém, esses barcos

de pesca realizam outro tipo de pesca, a pesca de lanço, em diversos pontos no Baixo Rio

Negro, como por exemplo, nas proximidades da Foz dos Rios Cuieiras, rio Airaú, Aturiá,

em diferentes pontos da costa da margem esquerda e direita, especialmente nas

proximidades de Santa Elias do Jaú e Ayrão Velho91

, conforme representação na figura 20

e 21, abaixo:

91

Como não se têm informações dos pescadores de Manaus, os dados e representações neste trabalho são

parciais e preliminares, mas relevantes, pois caracterizam um sistema de manejo no Mosaico.

Page 143: Pescadores sem águas

141

Figura 20 – Em tracejado, regiões registradas onde

se realiza a pesca de cardumes de Jaraqui e Matrinchã.

Fonte cartográfica: IPAAM, MMA, Banco de Dados do IPÊ.

Figura 21 – Representação da pesca de lance (lanço) em praia. Fonte: Falabella (1994).

Page 144: Pescadores sem águas

142

Esse tipo de pescaria inclui o manejo da área, como a limpeza no verão (período de

seca), onde se tiram galhadas e pedras em determinados pontos da costa ou praias para que

não haja empecilhos ao arraste das redes durante a captura durante a cheia. Os cardumes de

Jaraqui e Matrinchã realizam migração reprodutiva durante esse período e são capturados

quando se movem pelas Margens Esquerda e Direita do Rio Negro. Os pescadores sabem

os locais certos de passagem dos cardumes e os períodos em que estes se deslocam. Essas

informações são repassadas através da rede de comunicação entre pescadores embarcados

e ribeirinhos. Entretanto, tal modalidade de pesca também inclui negociações, como pedido

de autorização por parte do pescador para os moradores das comunidades, que pode ser

negada, como verificado no Rio Cuieiras.

“O pessoal que trabalha com matrinchã e jaraqui aqui na nossa área, eles sabem a

data que o jaraqui está subindo. Ele sobe por um lado e baixa pelo outro. Ele

sabe quando ele tá ovado, quando ele tá gordo. O matrinchã, ele passa lá em

frente de Manaus, em maio, agora no próximo mês é o mês do matrinchã passar

lá. Aí o pescador vem de lá atocaiar ele aqui em cima. Aí eles entram lá, varam

aqui. Aí eles ficam aqui nesta área sabendo que o matrinchã vai passar aqui. Até

final de maio. Em junho. Aí eles ficam aqui na boca esperando ele sair. Quando

não eles engam eles, puxa vida, o matrinchã saiu! Tem aquela data mais ou

menos. A lua influi muito também. Nós andava pela água. E, eles pelo cardume.

Rapaz, o peixe tá subindo, o jaraqui tá subindo. Pois é, o último cardume o

pessoal que tava lá no Mucura disse que passou lá, rapaz o moço deu um lanço lá

no Samaúma, aí eu vou em Manaus e volto daqui a oito dias, eu vou pegar este

peixe aonde? No Ariaú não é bom, ninguém lanceia, no paranã do Acariquara

também não, este peixe vai estar no Aturiá, oh! Daqui a oito dias, está no Aturiá

e eu vou para lá. Rapaz, ele está na boca do Unini, o que tu acha? É a conversa”

(Depoimento oral de Olavo Faustino em 27/04/2011).

A pesca de lanço inclui especialidades diferentes, como a do boiador, que é aquele

que vai localizar o peixe, que se move silenciosamente sobre a água ou que se esconde na

beira, vigiando a passagem do peixe, bem como a quantidade que se pretende cercar; então

vem o proeiro, que é o remador, e o largador de rede, que precisa da habilidade para soltar

a rede sem que o cardume mude de direção. A malha da rede de lanço é menor (entre 20 a

45 mm),92

enquanto que se utiliza outra rede, que é a escolhedeira, com malha maior (50

mm), que possibilita selecionar indivíduos adultos dos juvenis, realizada com cuidado para

não ferir os peixes, pois o impacto do cardume na rede pode causar a cegueira dos peixes.

Segundo informações colhidas nas entrevistas, esse tipo de pescaria é mais eventual ou

experimental; dificilmente é realizada por pescadores locais.

92

Pela legislação, a malha mínima de malhadeira é 70mm, que é a medida entre nós quando esticada, mas

localmente esta medida é chamada de 45mm, pois é medida com a malhadeira aberta, ou, em outras palavras,

a malha 70 mm é a mesma que 45 mm.

Page 145: Pescadores sem águas

143

Outra modalidade de pescaria foi relatada em uma única entrevista; esta concedida

por um ex-pescador e trata-se da pescada. Esse tipo de pescaria era realizada mediante um

sistema que envolve dez a quinze malhadeiras dispostas entre si, de 50 em 50 metros, com

3,5 metros de altura por 60 metros de comprimento, com malhas entre 50 a 70 mm

(esticada) do tipo nylon seda, para evitar o corte da piranha. Já a pesca da fera por

espinhéis é muito realizada na Margem Direita do Rio Negro, entre ilhas (Anavilhanas) e a

margem, e envolve linhas compridas amarradas na beira do rio até uma bóia, onde estão

dispostos aproximados cinquenta anzóis verificados a cada duas horas. A figura 22 abaixo

mostra a boia (tambor).

Figura 22 – Visão da bóia tipo tambor e submerso na águas os anzóis do espinhel.

A Comunidade Bom Jesus do Puduari tem dado muita ênfase, por exemplo, à pesca

da fera, utilizando locais das proximidades. Pacu, Pescada, Aracu, Matrinchã, Jaraqui,

Traíra ou Piranhas são pescadas utilizando variados apetrechos, como zagaia, malhadeira,

espinhel ou flecha.

Assim, comparando-se as diferentes estratégias da pesca (técnicas de captura,

apetrechos, ou espécies) podem-se caracterizar a pesca embarcada e de rabeta como

artesanais, enquanto definição local pelo facheio e uso da zagaia acompanhada de

malhadeiras. Por outro lado, existe um conjunto de especialidades, como a pescaria de

lanço, realizada em escala menor, quase ausente na região por pescadores locais, segundo

depoimentos, ou a pesca de Fera, que também é especializada para alguns pescadores.

Dessa mesma forma, conforme argumentado até aqui, o sistema de manejo de

espécies de peixes envolve uma construção, desde a produção de conhecimento por parte

dos pescadores, no que diz respeito à pesca artesanal comercial e, portanto, nesta mesma

Page 146: Pescadores sem águas

144

construção se forma a territorialidade, pois associa não só o conhecimento ecológico dos

locais e ambientes de pesca, como também as formas de acesso em um território que

possui áreas protegidas e territórios sociais comunitários. O acesso, conforme destacado,

sempre ocorreu mediante contratação de pescadores locais ou pedidos de autorização. Os

conflitos de sobre-exploração de estoques pesqueiros em determinados locais também

ocorreram, e como contra-movimento, as reivindicações de controle territorial, seja o

acordo de pesca ou a reserva extrativista. Neste sentido, o “livre acesso”, não ocorre

linearmente no tempo, mas em determinados eventos históricos, quando o número de

pescadores aumentou, por diferentes contextos, mas imediatamente, seguido de ações

coletivas, para reverter esse acesso livre, de caráter esporádico, em formas de controle

territorial, como também argumentaram Castro e MacGrath (2001) e Pereira (2004), no

que diz respeito aos ambientes de várzea, ou Berkes et al. (2001) em uma análise mais

global.

Torna-se complexo determinar localmente o tipo de regime de propriedade sob o

qual cada território de pesca é governado. Para as pessoas da comunidade, os recursos

locais são considerados como de propriedade comum e exclusiva, o que McKean e Ostrom

(2001) sugerem como propriedade privada e coletiva. Para os pescadores comerciais, um

determinado ambiente pesqueiro local e isolado pode ser considerado de livre acesso.

Para os pescadores comerciais embarcados, é possível que, em determinadas

situações, seja considerado por eles que os locais utilizados para a pesca sejam de livre

acesso. Esse argumento é político, utilizado publicamente em resposta à situação de

restrição espacial promovida principalmente pelas comunidades e em determinadas

situações, também as áreas protegidas, ou devido à política pública setorial da pesca, que

almeja o aumento da produtividade, sem considerar os limites sociais – as restrições de

comunidades – e os limites (resiliência) ecológicos. Alguns desses pescadores possuem

um “sentimento” de pertencimento, em determinados locais de pesca, mas em outros,

talvez não.

Dessa maneira, a política pública setorial da pesca tem reafirmado o livre acesso

visto o estímulo ao aumento de produção sem dedicação a gestão e participação dos

pescadores na tomada de decisão. Assim, os pescadores artesanais estão entre o limiar do

livre acesso estimulado e o controle social dos territórios promovidos pelas comunidades,

ou a restrição espacial das UC’s, ou ainda, entre um modo de vida construído em uma

Page 147: Pescadores sem águas

145

identidade regional e a pressão econômica, como atividade importante na geração de renda

financeira.

A condição de “livre acesso” ou “propriedade de uso comum” às vezes diferencia-

se entre territórios, entre grupos de pescadores ou ainda entre espécies de peixe. Por

exemplo, para comunidades ribeirinhas que só pescam para a sua subsistência alimentar, o

fato de ter uma unidade de conservação, seja de uso sustentável ou de proteção integral,

pode representar um fortalecimento dos seus regimes de propriedade, possibilitando maior

exclubilidade de usuários externos. No entanto, para comunidades ribeirinhas dentro do

PARNA do Jaú, o fato da Matrinchã ou do Jaraqui saírem do rio para se reproduzirem em

ambientes externos, torna o recurso pesqueiro de livre acesso, pois podem ser capturados

por pescadores fora dos limites do Parque.

6.3 AS NEGOCIAÇÕES DE USO E ACESSO

O tópico anterior descreveu de forma sintética a presença dos rabeteiros e dos

pescadores embarcados, bem como os tipos de pescarias envolvidas. Neste momento serão

tratados diferentes tipos ou modalidades de uso e acesso a partir de diferentes negociações,

como os acordos formais (acordos de pesca e “Decreto Rio Negro”) e informais (das

comunidades e da gestão das unidades de conservação) que às vezes, ocorrem de forma

combinada.

No que se refere à gestão da UC de proteção integral, por um lado, a gestão formal

e jurídica é clara e proíbe o uso direto dos recursos naturais. Mas, por outro lado, de facto,

essa restrição provoca outro movimento, aqui registrado como uso clandestino, o que cria

um sistema “informal de gestão”. Dentro do SNUC, a ferramenta de gestão que talvez seja

mais apropriada para lidar com o uso direto de um território restrito juridicamente são os

“termos de compromisso”, que possibilitam acordar o uso direto entre usuários e o órgão

gestor. No Mosaico, existe uma pressão para que esse instrumento seja aplicado nas UC’s

Estaduais, incentivadas pelo órgão gestor, ou, no caso do Parna do Jaú, pela FVA e setores

dentro do ICMBio.

Page 148: Pescadores sem águas

146

Desta maneira, para melhor apresentar evidências e discutir esses sistemas

negociados, este tópico é subdividido por tema (acordos formais e informais) e regiões,

conforme se destaca93

:

6.3.1 Os acordos formais de pesca no Mosaico;

6.3.2 Os “acordos informais” de pesca no Mosaico:

O Rio Unini;

O Rio Jauaperi;

O Rio Jaú;

O Rio Puduari;

O Rio Cuieiras.

6.3.1 Os acordos formais de pesca no Mosaico

Nos rios de bacia sub-andinas, ou rios de águas brancas, os “acordos de pesca” em

ambientes aquáticos de Várzea (CASTRO e McGRATH, 2001; PEREIRA, 2004)

envolvem a regulação do o uso e acesso de lagos através de um zoneamento em que esses

ambientes pesqueiros são divididos em áreas de manutenção (pesca de subsistência),

preservação (área destinada à reprodução de espécies) e comercial (para pescadores

comerciais). No Rio Negro, os ambientes correspondem a afluentes e igarapés ou até

mesmo determinados trechos.

Assim como nos acordos de pesca da várzea, o zoneamento dos acordos de pesca

no Baixo Rio Negro também prevê a pesca de subsistência alimentar quando somente os

moradores podem usar determinada área. Diferentemente, os acordos de pesca no Rio

Negro incluem áreas exclusivas para a pesca esportiva, como no caso do acordo de pesca

do Rio Unini. As medidas de proteção da reprodução e de preservação de espécies de

peixes são contempladas com a definição de períodos de defeso, com o sistema de cotas

(tantos barcos por mês) e a capacidade de carga. A exceção é o acordo de pesca na Região

do Rio Puduari, onde foi eleita em consenso a área exclusiva de reprodução de espécies.

93

Esta subdivisão é didática, pois os eventos estão relacionados entre si.

Page 149: Pescadores sem águas

147

Nas demais áreas predomina o consenso de que a pesca de subsistência alimentar é

compatível com a preservação das espécies, dado que representa um baixo esforço de

captura, sendo por isso desnecessária a delimitação de áreas de preservação, ou seja, áreas

onde toda a pesca seria proibida, como nos acordos de várzea.

Antes de se aprofundar o debate sobre cada acordo de pesca, se pretende registrar o

“estopim” que deflagrou esses movimentos e que se devem, em parte, às reivindicações das

comunidades que almejam o controle de seus territórios, às restrições de determinadas

áreas para a pesca que podem ter ocasionado pressão em outras áreas, ao aumento do

número de pescadores artesanais (como opção de atividade e política setorial) e às

articulações das entidades de comunidades e de pesca com o movimento socioambiental.

Como já citados, dois eventos emergem neste sentido: a realização da primeira Oficina

sobre o Uso Adequado dos Recursos Naturais, realizada no dia 23 de maio de 2003 (APNA

et al., 2003), e as oficinas de formação dos conselhos gestores, especialmente da ESEC de

Anavilhanas, entre 2004 a 2005.

A primeira oficina está no contexto de mobilizações socioambientais que envolvem

as recém-criadas entidades de pesca e de comunidades ribeirinhas, e teve os seguintes

objetivos:

“Discutir sobre os problemas enfrentados por pescadores, artesãos e moradores

de comunidades ribeirinhas na luta diária pela sobrevivência, assim como sobre

propostas que ajudem na solução das dificuldades; Contribuir para a educação,

conscientização e legalidade dos nossos sócios nas atividades que envolvem o

uso de recursos naturais para geração de renda de suas famílias; Estreitar as

relações entre organizações de Novo Airão e os órgãos públicos responsáveis

pela aplicação das leis ambientais” (APNA, et al 2003, p. 06).

A motivação – segundo o documento – dizia respeito à repreensão da fiscalização

sobre comunidades, artesãos e pescadores, ao invés da prevenção, que resultava na perda

de materiais e instrumentos de trabalho (quando apreendidos pelos fiscais). A programação

da oficina foi organizada mediante temas como fiscalização (falta de conhecimento sobre

os limites das áreas protegidas e sobre os seus procedimentos) e uso de recursos naturais

(acesso e uso, calendário do defeso não adequado, denúncias da sobre-explotação da pesca

com pedidos de estabelecimento do sistema de limite do tamanho da embarcação,

interdição das áreas críticas). Apesar da abrangência do tema “uso de recursos naturais”, a

pesca teve destaque nos debates, e assim, pode ter sido o embrião para os acordos de pesca

e para as negociações de acesso à pesca em Anavilhanas.

Page 150: Pescadores sem águas

148

Segundo Aldenor Sobrinha Barbosa (presidente do STRNA e coordenador da

Maquira-RONA), um dos organizadores da 1ª. Oficina, que concedeu o depoimento sobre

a visão anterior aos eventos citados (primeira Oficina sobre o Uso Adequado dos Recursos

Naturais e formação dos conselhos gestores):

“Como começaram os acordos de pesca? Aí já é uma outra história né? Como o

rio Jaú, que não era permitido pescar, como um decreto, já esqueci o número do

decreto, da proibição da pesca no rio Negro, então gerou outro problema. Aí, o

que surgiu na nossa cabeça ... De tantas lideranças que trouxemos para participar

dos encontros, invadi isto, invade aquilo, estávamos trabalhando o acordo de

pesca do rio Unini para pescar. Também tinha que ter controle de pesca, o

controle de barco, quanto se podia trazer, tá entendendo? Com isto surgiu pela

primeira vez a história de como criar um acordo de pesca e de como trabalhar um

acordo de pesca. E o pró-Várzea (...) ajudava na mobilização. Esta idéia de

acordo de pesca venho de um fórum pan-Amazônico em 2002 quando eu tive no

Rio Grande do Sul e nós saímos daqui de Novo Airão para Belém. Nós éramos

vinte pessoas daqui de Novo Airão, Moysés do Bom Jesus foi para Belém, várias

pessoas daqui, de várias instituições, do Unini foi, que a Fundação teve interesse

de levar. Aí nos tivemos no Fórum Pan-Amazônico e foi mostrado a questão dos

acordos de pesca, mostrado todo o processo. E, quando nós retornamos do Rio

Grande do Sul, do Fórum Social Mundial, nós nos reunimos e foi falado, eu

quero o meu rio, então nós vamos trabalhar o acordo de pesca. O que nós temos

para trabalhar? Nós temos que buscar o pró-Várzea. Quem é a pessoa que tem

esta ligação? A Fundação. Então nós vamos conversar com a Fundação, vamos

chamar a Fundação. Aí conversa para lá, conversa para ali, entramos em contato

com o Núcleo de Recursos Pesqueiros do IBAMA, que era um companheiro

nosso que hoje está atuando na secretaria de Barcelos. O Júlio Siqueira era o

chefe, gerente do Núcleo da Pesca. Então, rapaz vamos botar no defeso o rio

Jauaperis, ele ia entrar no defeso e não no acordo de pesca. Tá entendendo?

Então foi lançado primeiro, um defeso do peixe do rio Jauaperis” (Aldenor

Sobrinha Barbosa, 46 anos, em 16/09/2011).

Concomitantemente a esses processos, o CNPT/IBAMA estava organizando

intercâmbios entre representantes das comunidades do Rio Unini e Jauaperi, que

almejavam conhecer experiências de gestão de RESEX no Amazonas e no Acre,

objetivando amadurecer a ideia entre as comunidades que almejavam solicitar ao Governo

Federal a criação de duas RESEX, do Rio Unini e Jauaperi. Tais elementos são evidências

de que esses processos organizativos estavam estreitamente articulados no âmbito do

movimento socioambiental, e que vêm a se desdobrar nas assembleias comunitárias e

intercomunitárias dos acordos de pesca94

.

“(...) Aí, logo em seguida fomos ameaçados de fechar o rio. Que o IBAMA ia

passar a corrente e não ia deixar subir nenhum regatão. E a gente ia viver de que?

Então, por isto é que foi criado a associação. E, em seguida, foi patrocionado

94

Informações advindas de Creado (2006); Caldenhof (2009); Mendes (2009), IBAMA/CNPT (2005); e,

AMORU (2006).

Page 151: Pescadores sem águas

149

uma viagem para o Levi e a Teka lá para Xapuri, uma coisa assim; e vieram de lá

com esta ideia de RESEX. Aí acabou a pesca de vez. Aí, em 2002, depois da

fundação da AMORU. Daí foi feito vários acordos de pesca sebosos95

, eu tenho

que reconhecer. Não foi eu que tratei dos acordos de pesca (...). Sebosos é

porque é mal feito (...) (liderança Rio Unini, em 23/04/2011)”.

“Reserva extrativista? Eu acompanhei que ela começou em 2001 né! Em 2002

começaram a se mobilizar para começar a criação de uma reserva no Rio

Jauaperi, entre Roraima e Amazonas. Na época, o IBAMA me pagou como

CNPT; como pescador que como eu conhecia a reserva e área extrativista. Então,

lá no Jutaí, lá dentro tem uma área de reserva, aí eu fui em três comunidades, fui

em sete lagos lá dentro da RESEX para ver como tinha aumentado muito o

peixe” (Pescador comercial morador do rio Jauaperi, em 15/11/2010).

O que se pode perceber, especialmente no primeiro relato, é que o acordo de pesca

surge em meio a uma conjuntura na qual os moradores do Rio Unini viram a necessidade

de se organizar, devido à consolidação dos limites do PARNA do Jaú que “ameaçava” o

fechamento do rio, e concomitantemente, a existência de “invasões” de barcos de pesca.

Em outras palavras, se os moradores se sentiam ameaçados pelo IBAMA por um lado, por

outro, solicitavam a presença do mesmo órgão para coibir ou excluir pescadores usuários

do rio, especialmente aqueles barcos que excedem a seis toneladas gelo.

Todavia, também existe uma crítica referente à organização do acordo de pesca no

Rio Unini, tido como seboso - mal feito, pois, durante esse período, estavam acontecendo

negociações entre lideranças de algumas comunidades junto com empresários da pesca

esportiva, almejando excluir pescadores comerciais, em detrimento do uso exclusivo das

áreas para as atividades de pesca esportiva.

O segundo depoimento ilustra a vivência de um pescador comercial e morador do

Rio Jauaperi, ao visitar uma Resex no Rio Jutaí, e observou que essa categoria de UC

possibilitava o manejo de recursos pesqueiros. Dessa maneira, o que se quer destacar até o

momento é a iminência de muitos processos ocorrendo simultaneamente: a organização

das comunidades em duas entidades formais (a AMORU, no Rio Unini e a ECOEX, no

Rio Jauaperi); a busca de alternativas de gestão territorial por meio da reivindicação das

Reservas Extrativistas; e a formulação de acordos de pesca, objetivando regular ou

controlar o acesso de barcos de pesca. No mesmo período em que começam as negociações

com os gestores públicos, as comunidades empreendem “acordos” próprios diretamente

com empresários da pesca esportiva, que desde 2000 já vinham negociando com

95

É referido a acordos com empresários da pesca esportiva que estiveram em meio às discussões do acordo

de pesca.

Page 152: Pescadores sem águas

150

representantes de comunidades o acesso ao território em detrimento da exclusão dos

pescadores artesanais comerciais.

Caldenhof (2009), Creado (2006) e Mendes (2009) registraram o conflito que

envolve a pesca esportiva, as comunidades ribeirinhas e pescadores comerciais no Rio

Unini. Os empresários da pesca esportiva, das empresas Amazon Voyager Turismo e a

Liga de Eco-Pousadas do Amazonas, negociavam o acesso exclusivo, em partes do rio,

especialmente nas intermediações das comunidades de Vista Alegre e Vila Nunes, em

dinheiro ou compra de equipamentos (barco) (CALDENHOF, 2009). Segundo a autora, na

antiga Comunidade de São Lázaro foi construído um hotel de selva96

. Desta maneira, não

só aconteceram negociações de exclusividade de uso da área para a pesca esportiva, como

também os empresários ofereceram apoio financeiro para o deslocamento de pessoas das

Comunidades de Vila Nunes e Vista Alegre, para participarem das reuniões de elaboração

do acordo de pesca do Rio Unini e chegaram a articular uma proposta de proibição da

pesca do Tucunaré por meio de um abaixo assinado entregue à comissão organizadora do

acordo de pesca.

Os processos de organização dos acordos de pesca incluem assembleias dos setores

sociais interessados, tais como das comunidades e de pescadores que elaboraram as

propostas por setor, vindo em seguida a se reunir em assembleias intercomunitárias,

resultando no documento final a ser encaminhado ao IBAMA e ao IPAAM para análise e

publicação da instrução normativa.

Segundo depoimento de Francisco (ex-pescador comercial), pescador no Rio Unini,

no final dos anos 80 (1988/1989) já era conhecido que os moradores do rio só permitiam a

presença de barcos com até 4 toneladas gelo. Caldenhof (2009) registrou que a AMORU,

em 2003, já tinha a proposta de limitar o tamanho dos barcos para até 3 Toneladas-gelo.

Ou seja, o acordo de pesca aprovado e publicado em 2004 (Instrução Normativa Conjunta

nº 02, de 27 de setembro de 2004) surgiu de uma construção histórica e jogos de poder que

envolvem as práticas políticas dos moradores, comunidades e sua entidade.

Esse primeiro acordo zoneou o Rio Unini em três áreas: I – na área de influência e

uso das comunidades era permitida apenas a pesca de subsistência alimentar; no setor II –

era permitida a pesca comercial desde que realizada com barcos de até 3 toneladas, sendo

96

A construção do Hotel tem relação com a saída dos últimos moradores para a Comunidade Vila Nunes,

devido as mortes não explicadas de quatro pessoas que foram aconselhadas a se mudarem da comunidade

São Lázaro.

Page 153: Pescadores sem águas

151

três barcos por mês e contratação de 50% dos pescadores das comunidades; e o setor III –

relativo a pesca esportiva. O resultado foi um conjunto de regras para os pescadores

comerciais que incluíam o registro e cadastro nas comunidades e nas organizações de

pescadores, da organização da entrada dos barcos até o rodízio de uma lista de

interessados, pois eram permitidos apenas três barcos por mês durante três meses

(setembro a dezembro) (ver Figura 23).

Figura 23 – Acordos de Pesca no Baixo Rio Negro – detalhes do acordo no Rio Unini e Jauaperi , localização

do Acordo de Pesca do Juvêncio ao Puduari e Decreto Rio Negro. Fonte: banco de dados do IPÊ, shape files

ANA, IBGE, IPAAM; IN 02 de 24/04/2004.

A APNA junto a Maquira – RONA foi uma das principais articuladoras e

proponentes do processo. Em 2006, foi criada a Reserva Extrativista do Rio Unini e o

acordo de pesca estaria válido até a realização e aprovação do plano de manejo da UC

ainda em fase de elaboração. Em comunicação pessoal com a gestora Ana Flávia T.

Zingra, durante o prazo de vigência do acordo de pesca, somente um barco de pesca de

Novo Airão realizou uma incursão. Esse pescador é o senhor Darcimar Borges Sales, que

Page 154: Pescadores sem águas

152

diz ter ido apenas uma vez, pois a distância era longa e os custos de viagem não

compensavam. Segundo depoimento de Mariana Leitão, citada na dissertação de Sátya B.

L. Caldenhof (2009, p. 102):

“E todo o acordo de pesca, eu sei que teve umas cinco reuniões, algumas foram

muito conflituosas, sabe, com o pessoal da pesca esportiva, com a colônia de

pesca... eram meio conflituosos, mas assim, a última foi bem tranqüila, a gente

ficou até assustado assim que o pessoal da pesca aceitou as condições, sabe... foi

bem severo o acordo de pesca, do jeito que eles tavam prevendo que eles só

podiam pescar durante dois meses, na época seca, que não passa na cachoeira, e

quatro barcos, assim... então até que eles pararam de ir pro Unini, né, assim.

Tinha uma cláusula que quem quisesse ir tinha que pedir autorização, eles saíram

[...] (Mariana Macedo Leitão. Manaus, 28/05/08. Entrevista concedida à

pesquisadora)”.

O segundo acordo de pesca aprovado foi o do Rio Jauaperi (Instrução Normativa

Nº 99, de 26 de abril de 2006). Tal acordo proibiu as pescas comercial (gelo), esportiva e

ornamental, possibilitando apenas a realização da pesca de subsistência dos moradores.

Isto se deve ao fato de os moradores do rio almejarem o “defeso” permanente por dez anos,

para recuperar os estoques pesqueiros em detrimento da sobre-explotação. Ficou

estabelecido que a área seria manejada a partir de abril de 2009, por critérios estabelecidos

junto com os usuários, ficando o IBAMA responsável pela realização do monitoramento

para avaliação dos estoques pesqueiros.

Existe a informação de que os moradores do Rio Jauaperi estariam dispostas a

negociar a possibilidade de acesso para a pesca comercial, porém devido a defesa do livre

acesso de membros da Colônia de Pescadores junto com políticos locais, teriam inibido os

moradores neste sentido. Portanto, a situação criou uma esfera de disputa cujo resultado foi

à decisão dos moradores de excluir a pesca comercial do acordo.

O término do período de vigência do acordo de pesca gerou uma preocupação local

entre moradores favoráveis e contrários à pesca comercial. O fato é que não havia sido

realizado estudo técnico nem o monitoramento, nem as medidas participativas acordadas

no acordo. No dia 16 de abril de 2009, dez dias antes de findar o prazo de vigência do

acordo, representantes das comunidades do Rio Jauaperi e de organizações não

governamentais (Instituto Socioambiental e Fundação Vitória Amazônica, Grupo de

Trabalho Amazônico, Conselho Nacional das Populações Agroextrativistas e WWF-Brasil)

estiveram reunidos na comunidade de Itaquera, quando foi decidido encaminhar um ofício

Page 155: Pescadores sem águas

153

solicitando ao IBAMA a renovação do acordo de pesca baseadas em dez justificativas,

entre as quais a não realização das pesquisas e falhas no monitoramento97

.

Em visitas às comunidades no início de agosto (13 a 20 de agosto de 2009),

somente na comunidade do Xixuaú havia consenso da necessidade da proibição da pesca

continuar no Rio Jauaperi, o que também se deve a um trabalho desenvolvido pela

Associação Amazônia, com projetos relacionados à atividade turística, envolvendo os

moradores. Nas demais comunidades, havia tensão e ameaças entre partidários da pesca

comercial, esportiva ou da “proibição”, uma vez que, segundo regras do acordo, não é

possível privilegiar um grupo em detrimento do outro. Na Comunidade do Gaspar e

Itaquera existe um trabalho desenvolvido com artesanato junto a venda, o qual artesãos

encontram-se organizados através da AARJ (Associação dos Artesãos do Rio Jauapari) e

tem defendido a não realização da pesca comercial.

Outra tensão é o fato de que existe a espera da criação da reserva extrativista na

área. No entanto, o Governo do Estado de Roraima, que se opunha fortemente à proposta

de RESEX, criou uma APA na região da reserva e iniciou a regularização fundiária por

loteamentos individuais98

. Ao mesmo tempo, havia também o interesse dos empresários da

pesca esportiva, que articularam junto com moradores do rio um pedido ao IBAMA para

que fosse realizado um treinamento para “guias piloteiros”. O IBAMA realizou o curso,

assim como contratou uma pessoa ligada à pesca esportiva, o senhor Ian de Sulocki, que

realizou uma avaliação rápida dos estoques de Tucunaré (140 horas de pescaria)99

.

“Aí voltando lá no Jauaperi, o caso do Jauaperi, como você já teve lá dentro, em

2006, 2006 se trabalhou um acordo de pesca, que hoje as pessoas tem o

conhecimento o que é uma acordo de pesca, a gente como pescador, pensava nós

que o acordo de pesca no Jauaperi não foi o pescador que concordou com o

acordo de pesca, foi o pedido de algumas comunidades, associações, ONG’s que

queriam que aquilo ali fosse uma coisa boa para nós. Tivemos hoje um estoque

maior de peixe, mas chegou as conseqüências da lei que proíbe, porque não teve

estudo e tal. Então, eu como pescador comercial eu me senti prejudicado, como

62 pescadores que tem na área” (Depoimento concedido do representante dos

pescadores comerciais do rio Jauaperi em 15/11/2010).

Segundo o representante dos pescadores comerciais do Rio Jauaperi, na ocasião do

acordo, a diretoria da Colônia Z – 34 tinha sido desfavorável, mas se retirou da reunião

sem registro na ata sobre a não concordância, o que para o acordo quer dizer que a entidade

97

Ata da Assembleia do Acordo de Pesca. 98

Observação de campo ao ouvir os relatos de moradores. 99

Dados de observação de campo. Ver também:

http://www.turmadobigua.com.br/forum/viewtopic.php?f=2&t=6963 (acessado em 06/08/2011).

Page 156: Pescadores sem águas

154

consente, e assim, o documento final da minuta do acordo de pesca é aprovado no

consenso. Por outro lado, os representantes da APNA e das comunidades almejavam o

acordo. O acordo proibitivo fez com que o representante dos pescadores do Rio Jauaperi

articulasse alternativas aos pescadores, propondo as capacitações como piloteiro, já como

possibilidade para o trabalho junto ao ramo da pesca esportiva.

Apesar de o acordo ter findado em abril de 2009, as comunidades solicitaram ao

CEDAM (Centro de Estudo de Direito Ambiental do Amazonas) a realização de uma Ação

Civil Pública (ACP), que foi acatada pela Justiça Federal (ACP 113/09 livro 06), proibindo

a pesca comercial, esportiva e ornamental no Rio Jauaperi. Porém, esse rio segue em

direção a outros municípios (Caracaraí e Rorainópolis) de Roraima, criando um conflito

em outras áreas de pesca fora da área de influências das comunidades.

No dia 09 de setembro de 2009, foi realizada uma reunião na Superintendência do

MPA, em Manaus, sobre o acordo de pesca do Rio Jauaperi, a pedido dos representantes da

ECOEX e AARJ e pela situação de conflito criada pela ACP. Os moradores do Rio

Jauaperi entregaram uma carta consensual de todas as comunidades, solicitando que se

proibisse a pesca comercial, mas que almejavam a pesca esportiva nas áreas das

comunidades.

Foto: 24 – Reunião sobre o Acordo de Pesca do Rio Jauaperi em 09/09/2009. Da esquerda para a direita:

apresentação do representante do IBAMA sobre o monitoramento da pesca esportiva do Tucunaré.

Fonte: o autor.

O conflito do acordo de pesca no Rio Jauaperi tomou uma proporção jurídica. O

mesmo aconteceu no Rio Unini; porém, com uma ACP realizada devido ao privilégio dado

Page 157: Pescadores sem águas

155

às empresas de pesca esportiva pelas organizações comunitárias do Rio Unini100

. Assim,

são nítidas as negociações entre empresários e comunidades, nos dois Rios (Jauaperi e

Unini), em detrimento da pesca comercial. A diferença entre ambos os acordo, é que os

interesses do setor da pesca esportiva estavam presentes durante a elaboração do Acordo

de Pesca no Rio Unini, enquanto que no Rio Jauaperi, a chegada dos empresários e pós a

vigência do acordo, buscando negociar o acesso exclusivo, em eventos posteriores,

especialmente para renová-lo sem haver a pesca comercial.

Por outro lado, pescadores artesanais registrados profissionalmente de ambos os

rios preocupam-se com relação ao recebimento do “Seguro Defeso”, uma vez que, se não

existe a atividade comercial da pesca, é possível que o benefício dos 62 pescadores do Rio

Jauaperi e dos pescadores do Rio Unini seja cancelado. No Rio Jauaperi, houve uma

negociação interna para que os pescadores comerciais de lá fossem privilegiados com os

possíveis benefícios advindos da pesca esportiva, na modalidade pesque e solte.

Um argumento que foi muito utilizado é que a pesca comercial traz à diminuição

dos estoques pesqueiros. Para os pescadores comerciais, esta afirmação é parcial, e julgam

que não se trata apenas da pesca comercial em si, mas do aumento demográfico nas

comunidades, ou ainda o aumento do número de pescadores.

“Mas com isto hoje, porque sofre as conseqüências da pesca é porque aumentou

muito o número de pescadores e a frota de barco, seja Amazonas, seja Roraima,

uma frota muito grande, por isso a gente, ficou sem poder pescar (...). Porque no

tempo do Jauaperi onde eu morava existia um habitante ali outro ali, hoje são

oito comunidades. Analise bem. A comunidade que eu morro tem 35 famílias,

vamos dizer que tenha 200 pessoas entre crianças e adultos. Quanto que ele come

durante o mês? De peixe? Peixe é que é mais comido. Agora juntando as oito

comunidades tirando o peixe só do rio para a subsistência. É como um município

desse aqui (Novo Airão) cada ano que passa, qual a tendência? É aumentar!

Vamos dizer que Novo Airão consome dez toneladas de peixe por dia. Por que

está raro de peixe na sua comunidade? Porque a população está aumentando. O

peixe diminui e a renda também” (Pescador comercial do rio Jauaperi, em

15/11/2010)

Esse argumento também é compartilhado por outros pescadores comerciais. Apesar

de concordarem com limitações ou proibições, por outro lado se sentem ameaçados. Este

dilema é compartilhado também no Rio Unini. Porém, tanto o acordo de pesca quanto o

100

http://www.carnelegal.mpf.gov.br/noticias/noticias_new/noticias/noticias-do-site/copy_of_meio-

ambiente-e-patrimonio-cultural/justica-suspende-pesca-esportiva-no-rio-unini-a-pedido-do-mpf-am (acesso:

06/08/2011).

Page 158: Pescadores sem águas

156

pedido de Resex são evidências de que existe uma ação coletiva que tende ao regime de

propriedade privada e coletiva das comunidades de ambos os rios.

O terceiro “acordo de pesca” encaminhado ao IBAMA em 2006,101

relativo aos

igarapés e rios no entorno da ESEC de Anavilhanas, não foi formalizado. Na reunião do

conselho consultivo da ESEC de Anavilhanas, no dia 14 de março de 2008, Alberto Horta,

representante da APNA, provocou uma série de pautas102

relativas à pesca, entre as quais,

o acordo de pesca. Como resultado das discussões, foi criado um Grupo de Trabalho da

Pesca, que trabalhou durante o ano para sistematizar as informações relativas às pautas e

apresentar propostas ao conselho.

Com relação ao Acordo de Pesca, foi realizada uma reunião com o coordenador do

Núcleo de Recursos Pesqueiros do IBAMA (03/07/2008), Júlio Siqueira, que informou os

motivos da não aprovação: a falta de uma proposta de minuta e o excesso de regras

diferentes para cada igarapé do acordo. A gestora da ESEC de Anavilhanas na ocasião,

Giovanna Palazzi, informou que um dos locais do acordo, a Foz do Igarapé Baipendi, era

objeto de dúvida no que diz respeito a sua localização exata, o que poderia estar inserido

dentro dos limites da ESEC103

.

Essa dúvida gerou constrangimento nos representantes da pesca do GT, pois

representava a única região destinada à pesca comercial do Acordo de Pesca, e talvez uma

das únicas regiões que ainda estavam disponíveis para se pescar no Baixo Rio Negro,

porque a Foz do Baipendi é em forma de delta e compreende diferentes lagos, paranás,

ilhas e florestas de igapó. O GT entregou um relatório ao conselho, que propôs a

continuidade do processo de discussão, mas foi proposto que o GT passasse a trabalhar no

nível do Mosaico, que estava em processo de formalização.

Sem novos encaminhamentos, o acordo de pesca ficou “adormecido”, até que no

dia 21 de agosto de 2010, representantes do núcleo da pesca do Centro Estadual de

Unidades de Conservação realizaram uma reunião com representantes das entidades de

pesca, perguntando sobre o interesse de retomar as discussões do presente Acordo de

Pesca. Por unanimidade, havia desejo de realizar esse acordo e foi dada sequência a uma

101

Processo 02005.000566/06 – 40 de 06 de março de 2006. 102

As pautas foram: o questionamento da proibição da pesca da Ilha do Jacaré pelos Waimiri Atroari, a falta

de um terminal pesqueiro em Novo Airão, a necessidade de formalização um acordo de pesca dentro dos

limites da ESEC e o questionamento da não aprovação do acordo de pesca. 103

A dúvida foi esclarecida na reunião do conselho consultivo do PARNA de Anavilhanas no dia

01/12/2010, que se esclareceu o entendimento dos limites do PARNA, o que exclui os ambientes de pesca e,

consequentemente, os disponibilizando para os pescadores e corresponde especificamente o lago do Matias.

Page 159: Pescadores sem águas

157

agenda de atividades, segundo a qual foi realizada outra reunião no dia 29 de outubro, que

decidiu restringir a área do acordo de pesca do entorno de Anavilhanas para apenas os

igarapés da margem direita (do Juvêncio), ao Norte da sede de Novo Airão até o Rio

Puduari, e foi formada uma comissão organizadora local, coordenada pelo presidente da

Maquira-RONA, representantes das entidades da pesca e comunidades, além do IPÊ. Ver

Figuras 25 e 26, comparando as áreas dos dois acordos:

Figura 25: Mapa da primeira proposta do acordo de pesca em 2006. Fonte: FVA.

Page 160: Pescadores sem águas

158

Figura 26 – Mapa do acordo de pesca do igarapé do Juvência ao Puduari. Fonte: Maquira – RONA (2011).

Neste processo foram realizadas duas assembleias setoriais; uma que envolvia

conjuntamente as entidades dos pescadores de Novo Airão e outra na Comunidade Bom

Jesus do Puduari, com o objetivo de rediscutir e reformular o documento do acordo para

atualizá-lo e reformular pontos. Porém, para a surpresa da coordenação da organização do

acordo, os pescadores, em assembleia, decidiram o posicionamento contrário à realização

do acordo e da mesma forma a comunidade.

Os representantes da diretoria dos pescadores alegaram que basearam a sua decisão

na experiência dos dois acordos de pesca anteriores: Rios Unini e Jauaperi. Portanto, não

seria interesse dos pescadores promoverem o acordo de pesca. O acordo de pesca era visto

como sinônimo de unidade de conservação, pois não regulava a pesca, não se tratava de

manejo ou de regras de uso ou de acesso, mas de proibições. Representantes da Colônia

AM – 34, APNA e SINDPesca se articularam com os representantes dos pescadores da

comunidade Bom Jesus do Puduari e disseram que o acordo implicaria na perda dos

benefícios sociais do “Seguro Defeso”.

Page 161: Pescadores sem águas

159

O “medo” se postergou até o dia anterior da VI Assembleia Intercomunitária,

realizada no dia 06 de dezembro de 2010. Em reunião entre as lideranças da Colônia – AM

34 e APNA, da Maquira-RONA e do IPÊ, os pescadores alegaram que a área não era

apropriada para se realizar um acordo e propuseram outras regiões, como nas localidades

de Santo Elias do Jaú e Airão Velho, áreas utilizadas por pescadores de Manaus (na pesca

da Matrinchã) ou no Baipendi. Porém, quando se interrogaram quais eram as áreas

pertencentes aos pescadores, emanou um silêncio.

Esse questionamento provocou o início de uma nova estratégia. Os representantes,

senhores Evandro Cordeiro, Eugênio (Colônia AM 34) e Nazareno Barroso (APNA)

relataram que estariam dispostos a apoiar o “acordo de pesca” desde que, ao invés de

restrições, possibilitasse o acesso aos pescadores e que fossem realizados outros acordos

nas outras regiões. Ou seja, ao invés de ver o acordo como sinônimo de uma unidade de

conservação, agora era visto como uma área de regime de gestão dos pescadores.

Finalmente, realizou-se a VI Assembleia Intercomunitária na Câmara de

Vereadores de Novo Airão, onde participaram mais de cem pescadores da cidade e das

comunidades, além de representantes do CEUC, do IBAMA, do MPA, Batalhão da Polícia

Militar Ambiental, além de advogado e engenheiro de pesca contratados pelo SindPesca e

a auditoria do Governo do Estado e assessoria de Deputados, mobilizados pelos

pescadores. A abertura foi realizada pelo Vereador Adilson Moura:

“com o acordo de pesca definido para que o povo deste município tenha o direito

de pescar e tenha o direito de sobreviver. Todos nós sabemos as dificuldades do

nosso município. Todos nós sabemos que nós somos proibidos de caçar, de

pesca, de plantar, todos nós sabemos as dificuldades que nós vivemos, e hoje nós

temos a oportunidade, se Deus quiser, nós tenhamos um acordo para começar a

melhorar a vida do povo deste município. Espero eu que este seja o primeiro

passo de muitos que nós possamos viver dias melhores em nosso município, nós

possamos ter o direito de sobreviver”

O representante do MPA senhor Alberto fez outra declaração:

“que fique bem claro para vocês que não tem nenhum tipo restrição de receber o

defeso e não vai perder nenhum benefício do ministério como, por exemplo, o

defeso, o acordo não limita o defeso dos senhores”

Foi dada muita ênfase sobre o acordo não ser sinônimo de proibições, mas de

ordenamento do uso e acesso aos ambientes pesqueiros. Assim, foram discutidas as áreas e

as regras de pesca. Foi estabelecido o limite máximo da embarcação de até 5 toneladas-

Page 162: Pescadores sem águas

160

gelo, fixadas a existência de um rodízio que possibilite até quatro barcos por mês na área,

procedimentos de pesca, de monitoramento, e também de fiscalização. Todas as áreas do

acordo foram abertas para a pesca comercial, exceto um trecho entre as Cachoeiras do

Caniço e do Fogo (Cachoeira do Caniço e Fogo) e uma das nascentes do Rio Puduari (Rio

Preto), tidas como áreas de reprodução do Matrinchã oriundo do Rio Jaú.

Figura 27 – Assembléia Intercomunitária na Câmara Municipal de Novo Airão

No dia 06/12/2010

As regras desse acordo foram gerais, descartando regras muito específicas, como

número de malhadeiras ou zagaias permitidas, a proibição da pesca com malhadeiras de

baixo de árvores frutíferas, entre outras. As escolhas das regras desse novo acordo se

basearam nas experiências dos pescadores e lideranças sobre os outros dois acordos, e que

foram muito enfáticos ao exigir para que não se acople ao acordo a realização de pesquisas

para direcionar o manejo visto como empecilho, mas reconhecida a importância da

pesquisa para subsidiar os debates. Outro ponto discutido diz respeito à sustentabilidade

financeira e operacional do acordo de pesca. O acordo do Rio Jauaperi, por exemplo,

findou e não houve um retorno de monitoramento ou uma avaliação do andamento do

acordo.

Nesse caso, criou-se um fórum permanente dos pescadores, para monitorar e

avaliar o acordo, bem como “legislar” dinamicamente, propondo regras específicas não

amarradas à instrução normativa que, segundo os pescadores, congelam regras, às vezes

Page 163: Pescadores sem águas

161

posteriormente, vistas como inapropriadas, o que não permitiria mudanças, caso previstas

na instrução normativa.

O fórum da pesca também decidiria sobre o pagamento ou contratação de

comunitários nas pescarias em suas áreas, o que estaria proibido na instrução normativa.

Além do que, regulamentaria o acesso e os rodízios dos barcos de pesca, bem como

acompanharia a manutenção dos estoques pesqueiros baseados na sua experiência e na

discussão de um plano de monitoramento. O pagamento pela pesca estaria voltado à

sustentabilidade do acordo para subsidiar as reuniões do fórum. Embora finalizada a fase

de negociações, o acordo de pesca do Igarapé do Juvêncio ao Rio Puduari ainda aguarda a

publicação da instrução normativa agora assumida pela SDS. Porém, se não houver uma

política específica de gestão da pesca, a exemplo dos encaminhamentos propostos, pode

trazer somar o descrédito por parte dos pescadores para o modelo de acordos de pesca.

Comparando-se os três acordos de pesca de uma forma geral, é possível dizer que

tais negociações continuam sendo um instrumento participativo de interesse dos

envolvidos, especialmente quando são formulados com base em concepções e percepções

locais. No entanto, como instrumentos de gestão, os acordos de pesca apresentam

limitações. Castro e MacGrath (2001) e Pereira (2004) analisaram alguns limites: o

primeiro é a condição de “livre acesso” como premissa inicial, e o segundo é a ausência de

possibilidades de realizarem-se decisões referentes à negociações financeiras, taxação,

fiscalização, entre outras, somente realizadas pelo Estado. Outro aspecto é a

sustentabilidade financeira e operacional, pois os acordos, a partir do momento que

formalizados por instruções normativas, congelam a dinâmica local e dificultam

adaptações seguintes. O exemplo é que, dos 41 acordos de pesca104

existentes no Estado do

Amazonas desde 1995, em seis deles existe pedido de revogação e 32 necessitam ser

revisados, o que evidencia a necessidade de uma política de ordenamento pesqueiro mais

efetiva, que não foque no comando e controle no que diz respeito à obediência das regras

ou no cumprimento do período de defeso, mas na possibilidade de se adaptar a partir de

processos mais dinâmicos e flexíveis de tomadas de decisões.

Os três acordos priorizaram interesse das comunidades locais. Nos acordos dos

Rios Unini e Jauaperi, a opção foi de exclusão dos usuários por estratégias de

encarecimento das despesas da pesca, no primeiro caso, pois a área da pesca comercial

104

Informação cedida por João Bosco da Silva (Núcleo de Recursos Pesqueiros do CEUC/SDS).

Page 164: Pescadores sem águas

162

(zona II) ficou distante e inviável, e, no segundo caso, a opção foi o defeso permanente

(proibição) da pesca. No terceiro acordo, as áreas de uso das comunidades – mesmo que o

acesso fosse permitido a usuários externos – implicariam em cadastro nas comunidades,

que deverão ser contatadas, pescadores locais empregados, além da realização do

monitoramento e denúncia de ilegalidades, que deverão ser apreciadas pelas entidades de

pesca.

No Médio Rio Negro, em alguns dos locais utilizados por alguns pescadores do

Baixo Rio Negro, como nos Rios Padauari, Aracá e Demeni, existem pedidos de realização

de acordo de pesca, conforme documento PR-AM-005108/2010 do Ministério Público

Federal, que provoca a FUNAI para encaminhar esses processos.

Partindo da ideia argumentada de que pescarias artesanais comerciais e embarcados

utilizam mais de uma área de pesca, ou seja, um acordo de pesca restritivo em uma região,

influencia no planejamento de uso e acesso dos pescadores. Neste sentido, o senhor João

Evangelista, liderança do Rio Unini, chegou a propor em reunião da Maquira-RONA (31

de abril de 2008) a realização de um rodízio de pesca entre os três acordos, já que não

bastava a liberação de uma das áreas em relação às outras, o que resultaria em sobre-

explotação. Na ocasião, Alberto Horta afirmou que o acordo de pesca do Baixo Rio Negro

teria área insuficiente para a pesca artesanal. Essa proposta não foi encaminhada, mas isto

sugere que, quando se trata de acordos de pesca decididos isoladamente, pode influenciar

no ordenamento da pesca a nível regional.

A possibilidade de ordenamento pesqueiro integrando os diferentes acordos ou

instrumentos talvez se distancie ainda mais, caso as entidades de pesca foquem na

administração dos procedimentos do “seguro defeso” e as instituições gestoras das UC’s

priorizem apenas a administração jurídica de seus territórios. Talvez, seja cabível buscar,

de forma participativa, um arranjo institucional específico que possa efetivamente cogerir

os acordos de pesca. Illenseer, Sarcinelli e Cardoso (2009) refletiram sobre a possibilidade

do conselho do Mosaico ser o incentivador ou proponente na formulação de um arranjo

institucional neste sentido.

Essa consideração ainda se apoia nas evidências referentes ao período do defeso,

que, como já citado, corresponde à reprodução de algumas espécies de peixes durante

quatro meses por ano, no caso, entre 15 de novembro e 15 de março, só para citar o

período dos três últimos defesos. Quatro pontos são relevantes neste sentido: somente o

Matrinchã como espécie comercial da pesca está presente no Rio Negro e, conforme

Page 165: Pescadores sem águas

163

citado, é explorado na maior parte por pescadores de Manaus; a pesca no Baixo Rio Negro

é anual; a ênfase da preservação de espécies nos acordos é por zoneamento ou defeso

específico; a fiscalização possui custos altos, são sazonais e de consequente baixa

eficiência.

No primeiro ponto, a Matrinchã é pescada, na maioria dos casos, pelos pescadores

do Baixo Rio Negro por malhadeira, zagaia, espinhel e raro a rede de cerco e ausência de

arrastão105

. A pesca é anual e envolve outras espécies além do Matrinchã. O sentido maior

do defeso do Matrinchã seria para a pesca de “lanço”, realizada por barcos originários,

principalmente, de Manaus, que pescam justamente nesse período em que as espécies

formam cardumes migratórios para se reproduzir. Regionalmente, segundo informações

dos pescadores (entrevistas e depoimentos nas reuniões dos acordos de pesca) o Matrinchã

sai do Rio Jaú para se reproduzir nas cachoeiras do Rio Puduari. Os barcos de pesca de

Manaus ficam na espera na região entre a comunidade de Santo Elias e Airão Velho, ponto

desprovido de unidade de conservação e de acordo de pesca. Isso faz com que, mesmo que

exista um ordenamento jurídico do período do defeso, ou dentro dos limites do PARNA do

Jaú, no momento da migração dos cardumes esse recurso torna-se de livre acesso.

Os pescadores artesanais do Rio Negro não suspendem suas atividades durante o

período do defeso, e isso não significa que estão na ilegalidade, pois durante esse período

capturam as demais espécies que não estão incluídas na lista de proibidas, o que poderia

ser caracterizado como ausência de desemprego na pesca em decorrência do defeso parcial,

o que não justificaria o pagamento do benefício. Ou ainda, conforme questionamento

apontado por Maia (2009) referente à eficácia dessa política com relação a preservação das

espécies de peixes:

“Mesmo que o objetivo final do beneficio é a garantia da reprodução das

espécies, não há um controle, segundo as informações do IBAMA e do MTE, da

eficácia da política, pois não há dados que comprovem que o período do defeso,

a paralisação da pesca e o benefício, tenham propiciado o controle efetivo na

reprodução das espécies. Diante disso, verificou-se também a inexistência de um

controle da captura das espécies, que comprove a preservação das espécies,

finalidade está do defeso e do seguro” (MAIA, 2009 p. 89).

Portanto, existe uma disparidade entre o período de defeso e a fiscalização. O

efeito pode estar sendo o contrário, de aumento da pressão sobre os recursos pesqueiros

(MAIA, 2009) devido à exigência que se comprove ser pescador por meio da atividade

105

Proibida por Lei.

Page 166: Pescadores sem águas

164

(notas fiscais de venda de pescado ou recibos de compra de material de pesca) ao mesmo

tempo em que se torna um benefício para a atividade. No Rio Negro, o Tucunaré não

possui períodos homogêneos de reprodução e, segundo os pescadores, se reproduzem

anualmente. Nos acordos de pesca do Rio Unini e também do Igarapé do Juvêncio ao

Puduari, o defeso foi ampliado entre agosto e dezembro no primeiro caso, e entre 01 de

abril a 30 de outubro, no segundo.

No acordo de pesca do Rio Puduari, a preservação da espécie, no caso da

Matrinchã, é por zoneamento das áreas reprodutivas e não com foco no defeso, o que se

trata de uma estratégia adaptativa de conservação, uma vez que, segundo informações dos

pescadores locais, existe pouca prática de realizar a pesca de “lanço”. Um argumento

utilizado é o de que o peixe possui as suas próprias estratégias de defesa. Quando é

colocada malhadeira debaixo de árvores frutíferas, regra imposta na primeira versão do

acordo com o intuito de proteger os peixes. Mas, na segunda versão e atual, esta regra foi

descartada, pois o peixe, ao ser apanhado pela primeira vez debaixo das árvores frutíferas,

faz com que os cardumes dispersos no igapó sigam para outras áreas, o que faz a captura

ser baixa e é interpretada como a capacidade dos peixes de se defenderem. No caso do

Jaraqui, essas espécies também utilizam áreas de carauaçuzau, palmeiras espinhosas que

ficam submersas na cheia, impossíveis de serem apanhadas, mesmo manualmente.106

Segundo Folke, Berkes e Colding (1998), os pescadores primam pela preservação

das espécies de peixe e baseiam-se nos conhecimentos tradicionais, especialmente na

proteção de habitats, no manejo em rodízio, restrições temporais, referentes a múltiplas

espécies manejadas e em diferentes escalas. Assim, da mesma forma como no Baixo Rio

Negro, falta ainda o arranjo institucional que integre pescadores e gestores de unidades de

conservação e da pesca, o que poderia indicar um desafio de gestão ao conselho do

Mosaico. Isso possibilitaria a tomada de decisão, como por exemplo, as espécies e o

período de realização de um defeso regional do defeso, caso fosse essa opção, ou na

dinâmica de integração entre os acordos locais de pesca. Este argumento também é

reforçado pelo fato de que o “Decreto Rio Negro” não abrange a Jusante do Rio Branco, ou

o Mosaico, e por outro lado, direciona a proibição para as espécies de Tucunaré, que por

sinal é a mais manejada do Rio Negro. Esses temas ainda serão discutidos até o final deste

capítulo.

106

Informação de Pedro G. Torres.

Page 167: Pescadores sem águas

165

6.3.2 “Os acordos informais” de pesca no Mosaico

Entendem-se como acordos informais de manejo aqueles não formalizados

juridicamente e que podem sobrepor-se a acordos formais ou em unidades de conservação

e são caracterizados por dinâmicas muito específicas, o que incluem a clandestinidade da

atividade da pesca pelos usuários ou condições de acessos negociados com os gestores

públicos de unidades de conservação. De forma mais concisa descrevem-se seis situações,

onde existem “acordos informais” ou situações que envolvem manejo e conflitos: 1) Os

ambientes aquáticos de Anavilhanas; 2) o Rio Jaú; 3) o Rio Unini; 4) o Rio Jauaperi; 5) o

Rio Jauaperi; e, 6) o Rio Cuieiras.

Partindo para a primeira área: os ambientes aquáticos de Anavilhanas

correspondem aos paranãs, lagos, furos, praias ou igapós (na cheia) do Arquipélago do

PARNA de Anavilhanas e das regiões costeiras, nas margens de cada lado do Rio Negro.

A área do entorno da Unidade envolve 53 comunidades e a sede urbana do Município de

Novo Airão. Conforme descrito, moradores de comunidades realizam a pesca de

subsistência alimentar em áreas localizadas no interior da UC, e alguns moradores ainda

realizam a venda ou troca de excedente da pesca de subsistência, seja para compradores de

peixe ou os próprios rabeteiros.

Conforme também citado no capítulo anterior, no momento em que os limites

territoriais das unidades de conservação federais passaram a ser consolidados, ocasionaram

uma presença institucional e coibição das atividades de pesca. Esse movimento gerou um

contra-movimento da sociedade civil, tanto na I Oficina sobre o Uso Adequado dos

Recursos Naturais (em 2003), quanto no âmbito dos eventos do órgão gestor para formar

os conselhos consultivos gestores. Por um lado, pescadores artesanais nessa situação

mantinham um status de clandestinos, e, por outro se organizaram para pressionar junto às

instituições gestoras um espaço de diálogo e negociação.

Os gestores, na época, sistematizaram as demandas dos pescadores artesanais. As

demandas diziam respeito ao uso e acesso aos territórios de pesca inseridos dentro dos

limites da ESEC para a subsistência. Foram esclarecidos os procedimentos de fiscalização

e definido um consenso ao que se refere à pesca de subsistência: definida como a pesca de

canoas com rabeta (ou não) compondo uma malhadeira (70 mm) de até 50 metros, duas

Page 168: Pescadores sem águas

166

caixas de isopor de até 170 litros e apetrechos como zagaia, linha e caniço107

. Ou seja, essa

formulação de subsistência local também entende a necessidade da venda do excedente.

Essa formulação de subsistência da pesca também é prevista no Decreto do Estado

do Amazonas N° 22.747, de 26 de junho de 2002, citada aqui apenas a título de

comparação, pois a mesma Lei não é válida nas UC’s Federais:

“Art. 12 - Para os efeitos deste Regulamento, pesca de subsistência é a realizada

por pessoa ou grupos sociais distintos, incluindo os indígenas, nas proximidades

do local de residência, destinando-se o produto da pesca ao consumo próprio e à

alimentação de outros ribeirinhos e à venda do excedente ao regatão ou ao

mercado mais próximo”.

Os espaços de debate entre pescadores e gestores públicos das UC’s possibilitaram

estreitar relações de cooperação. Segundo comunicações pessoais com analistas ambientais

e relatos públicos destes, seja em reuniões dos conselhos gestores ou na ocasião do

seminário da pesca em Novo Airão (23/04/2009), afirmaram que não autuam ribeirinhos

pescando, desde que não comportem apetrechos proibidos ou realizem transporte de

quelônios e animais silvestres.

Segundo comunicação informal com o analista ambiental Bruno Marchena, ex-

integrante da equipe de gestão do Parna de Anavilhanas, essa decisão teve que ser tomada

pelo fato de a legislação ambiental não condizer totalmente com a realidade do Parque,

chegando até a atrapalhar a boa gestão da unidade de conservação e o alcance dos

objetivos principais de proteção da diversidade biológica local.

Bruno Marchena cita ainda que o inciso I do artigo 37 da Lei de Crimes Ambientais

(Lei No 9.605, de 12 de fevereiro de 1998) regulamenta que “não é crime o abate de

animal, quando realizado: I - em estado de necessidade, para saciar a fome do agente ou de

sua família”, apesar de o mesmo assumir que não é papel do agente de fiscalização julgar

se houve ou não o crime, mas sim apurar apenas as infrações administrativas. Bruno

Marchena ressalta também que outros regulamentos tornam a questão da subsistência um

atenuante para a infração, como o instrumento mais recente, o Artigo 95, §1o, da Instrução

Normativa N° 06 de 2009 do ICMBio: “São consideradas circunstâncias atenuantes – a

prática da infração por motivo de subsistência do autuado ou de sua família”, sendo a

107

Comunicação pessoal com Bruno Marchena (Analista Ambiental), registros do GT da pesca do conselho

consultivo de Anavilhanas (Relatório do GT da Pesca, 2009) e depoimentos orais. Essas demandas também

foram expostas na I Oficina sobre o Uso Adequado dos Recursos Naturais (APNA et. al, 2003)

Page 169: Pescadores sem águas

167

atividade de subsistência descrita nesta mesma Instrução Normativa como “a atividade

exercida diretamente pelos integrantes da família, admitida ajuda eventual de terceiros, que

seja indispensável ao sustento e ao desenvolvimento sócio-econômico do grupo familiar”.

Segundo a visão do Analista Ambiental do ICMBio, o acordo informal ajudou a

reduzir drasticamente o número de abordagens de pescadores artesanais com malhas de

dimensões proibidas, animais silvestres abatidos, principalmente mamíferos e quelônios,

ou portando outros apetrechos irregulares. Bruno Marchena diz ainda que, com o acordo

informal, possibilitou que se gerasse um cenário de certa cooperação entre a gestão do

Parque e pescadores, resultando num aumento significativo de denúncias feitas pelos

ribeirinhos sobre os pescadores de grandes barcos, de Manaus, que “vinham roubar os

peixes dos comunitários às toneladas”. Na visão de uma liderança da pesca, destaca-se o

depoimento abaixo:

“Queremos trabalhar em parceria. As reuniões que eu participei com Douglas

sempre foram boas demais. O que o Douglas fez? Ele sabia que ele não podia

violar a Lei assim como nós também não podíamos violar a Lei. Mas podíamos

trabalhar em parceria. Então, o que Douglas vez? Nós botávamos as rabetinhas

nas ilhas e íamos pescar; ele botava as lanchas na água e ia fiscalizar, e topava

nossos pescadores e não precisou mais de armas de fogo nem Policial Militar. Só

saía ele e outro piloto, só eles dois. Chegava lá na ilha, o pescador estava

pescando: Senhor Manuel, o que o senhor está pescado? – Olha aqui doutor,

estou pegando uns bodó. – Tudo bem senhor Manuel. – O senhor vai almoçar

aqui mesmo? – Vou! – Faça fogo bem perto da beira, bem perto da água!

Terminou? Apague! – Sim senhor, doutor. Acabou o problema. (...) Os três anos

que o Douglas passou aqui as reuniões, o que nós vamos fazer? Nunca houve

uma briga, uma discussão (Pedro G. Torres, presidente da Colônia Z – 34, em

16/09/2010).

Uma preocupação neste trabalho não é passar a ideia de que existe uma concessão

informal, mesmo que possa ser entendida assim, mas que, a partir da pressão do

movimento social, foi necessário abrir uma instância de diálogo, levando em conta a

realidade da antiga ESEC de Anavilhanas, atual Parque Nacional. O argumento é que, além

do entorno ocupado por dezenas de comunidades e a sede urbana de Novo Airão, essa UC

representa um ambiente aberto, que atravessa o Rio Negro de uma margem a outra, além

de parte do leito anastomasado, representando as ilhas. Isto quer dizer que, no interior das

águas do PARNA, existe um ambiente de circulação de barcos, ou seja, também é uma

hidrovia utilizada tanto na ligação das comunidades ribeirinhas com a sede urbana

municipal, quanto ligando Manaus aos quatro municípios do Rio Negro (Novo Airão,

Barcelos, Santa Isabel do Rio Negro e São Gabriel da Cachoeira).

Page 170: Pescadores sem águas

168

Assim, se um pescador é abordado circulando entre as ilhas com o seu pescado

conservado nas caixas térmicas (isopor ou freezer), em tese, não se poderia provar que a

origem do pescado fosse oriunda do Parque. Ou seja, parte dos ambientes utilizados pelos

pescadores artesanais, especialmente os rabeiteiros, também está em volta da UC, nos

igarapés ou no interstício (Entre os Parques Nacionais de Anavilhanas e Jaú). Assim, a

estratégia do diálogo estabelecido entre pescadores e gestores possibilitou até mesmo um

trabalho mais efetivo de fiscalização e monitoramento, conforme argumentou Bruno

Marchena.

Porém, mesmo com essa estratégia de gestão dialogada, em 2008, Alberto Horta

(APNA) propôs em reunião de Conselho (14 de março de 2008) que essa “combinação”

fosse formalizada. Dessa forma, o GT de Pesca criado na ocasião, estudou e debateu as

possibilidades de formalizar algum instrumento. O pescador argumentou que o fato dos

pescadores estarem na clandestinidade e o diálogo estabelecido ter sido informal criavam

uma esfera de instabilidade e a falta de reconhecimento, pois sempre ficava a cargo do

fiscal a interpretação do significado da subsistência; o que, ao ver pela ótica dos fiscais,

também torna-se difícil, uma vez que é responsabilidade dos mesmos fazer a gestão

conforme orientação das leis e dos objetivos da UC, segundo interpretação do SNUC.

O instrumento “Termo de Compromisso”, previsto no SNUC (Lei No 9.985, de 18

de junho de 2000), no artigo 42 § 2º, apenas especificava acordos que envolvem

populações residentes e que sejam de caráter transitório e, portanto, não foi considerado.

Portanto, essa demanda colocada pelo representante da pesca acabou não se consolidando e

também não foi mais colocada em pauta, pelo menos enquanto o diálogo informal continue

funcionando.

Nas reuniões dos conselhos consultivo do PARNA do Jaú (dia 30/11/2010) e

deliberativo da RESEX (01/12/2010) foi apresentado o sistema de manejo adaptativo da

Reserva Biológica (REBIO) do Lago Piratuba, no Estado do Amapá, ao qual a gestora

Patrícia Pinha, juntamente com o pescador Fábio de Souza Vieira, apresentaram o termo de

compromisso formalizado entre pescadores usuários de um lago dentro dos limites da

REBIO. Esse termo era baseado na pesca tradicional do Pirarucu e foi formulado nos

mesmos moldes do acordo de pesca onde se estabeleceram regras de uso e acesso. Segundo

esse relato, a experiência de formulação do referido termo de compromisso entre

pescadores usuários da área, e que não residiam permanentemente no local, mudou a visão

dos pescadores sobre o órgão gestor ICMBio, que passou a ser parceiro ao invés de

Page 171: Pescadores sem águas

169

punitivo, aproximando pescadores de gestores públicos, tornoando-se um dos exemplos de

gestão adaptativa.

Outro evento ainda em Anavilhanas ocorre nos limites Norte do arquipélago, na

região denominada Ilha do Jacaré, mais especificamente na parte Sul da ilha, que está

inserida dentro dos limites do PARNA. Os Waimiri Atroari ocuparam essa ilha, que é

ambiente de pesca de muitos pescadores e tem realizado fiscalizações, não permitindo o

uso por pescadores. Mais uma vez os pescadores têm pautado essas questões no Conselho

Consultivo de Anavilhanas. O representante do Programa Waimiri Atroari alega que existe

um documento do Serviço de Proteção dos Índios, da década de 40, destinando a ilha aos

indígenas. Sem solução para esse conflito, algumas entidades da sociedade civil

ingressaram com um pedido junto ao Ministério Público Federal questionando a

apropriação da ilha pelos indígenas. Por outro lado, os indígenas argumentam a sua posse

tradicional.

Em Anavilhanas, o diálogo informal garante a sobrevivência de um determinado

número de pescadores de subsistência alimentar e de venda do excedente (rabeteiros), tido

como um dos principais marcos na região. Apesar dessa experiência na região, no caso do

Parque Nacional do Jaú, existem duas situações distintas: a dos Rios Jaú e Carabinani e a

do Rio Unini.

Ambos os rios estão dentro dos limites do Parna e existe uma base flutuante na Foz

do Rio Jaú. O rio Carabinani108

deságua no Rio Jaú, próximo a essa base, que permite o

controle desses dois rios, pois excluem usuários externos, favorecendo os moradores

locais, reforçando os seus regimes de propriedade. Por outro lado, restringe as opções de

trocas comerciais dos moradores residentes dentro desses rios. Apesar da FVA ter,

juntamente com o ICMBio, fomentado debates e discussões sobre a realização dos termos

de compromisso para formalizar acordos entre moradores dos rios e órgãos gestores, não

houve continuidade do processo devido às mudanças nas chefias das administrações que

tinham outros entendimentos desse processo.

É permitido, informalmente, aos moradores de ambos os rios realizar o comércio de

produtos agroextrativistas (Cultivos agrícolas e produtos florestais não madeireiros). Para a

pesca existe rigidez e só é permitida a pesca de subsistência alimentar. Caso algum

morador do Rio Jaú, dentro dos limites do Parque, necessite viajar para fora da UC,

108

O senhor Evandro Cordeiro (Colônia – AM 34) chegou a perguntar se era possível fazer um manejo no

Rio Carabinani; porém, parte do Rio pertence ao PARNA do Jaú.

Page 172: Pescadores sem águas

170

somente foi consentido levar 3 quilos de peixe109

. Essa viagem dura, às vezes, mais de dois

dias por trecho, o que faz dessa quantia insuficiente. Também, isso não quer dizer que não

existam tentativas de comércio de peixes e quelônio, ou até mesmo carne de caça, como às

vezes são apreendidos pelos fiscais na base flutuante. Essa restrição, por outro lado, fez

com que os estoques de pesca aumentassem e garantissem a subsistência das comunidades,

no seu interior.

A situação se torna mais complexa no momento em que a Comunidade do Tambor,

comunidade mais distante dentro do PARNA do Jaú, solicitou, em 2006, o título de

remanescente de quilombo, o que exigirá futuramente um termo de compromisso

específico ou outro instrumento jurídico que possibilite a co-gestão daquele território, pois

a terra remanescente de quilombo possui outro estatuto jurídico.

O sistema de gestão do PARNA do Jaú é esclarecido aos moradores pelos gestores

que, durante 2007 e 2008, têm estabelecido diálogos constantes a ponto de realizar

reuniões dos conselhos gestores nas comunidades para garantir a participação de mais

pessoas, além dos representantes conselheiros. Porém, mesmo assim, existe a tensão de

que, a qualquer momento, os moradores do interior sejam “obrigados” a se mudar por

conta da Lei. Por outro lado, alguns ex-moradores do Rio Jaú, que saíram por pressões do

órgão gestor nos anos 80 e 90, entraram na justiça para solicitar reparação dos danos

morais, o que ainda encontra-se em litígio.

Outra situação que envolve uma complexidade no que diz respeito às diferentes

modalidades de gestão envolvendo o Parque Nacional do Jaú e a RESEX do Rio Unini é

referente ao Espelho D’água do Rio Unini, já que suas águas representam uma

sobreposição entre o PARNA e a RESEX. Até o ano de 2010 foram realizadas tentativas

de negociações envolvendo ambas as gestões, porém, houve uma frustração por falta de

continuidade, e também impediu a celebração dos termos de compromissos para que

possibilitassem aos moradores do Rio Unini ter mais opções de manejo de recursos

naturais, como no caso da pesca manejada do Pirarucu, em processo de formação, ou a

pesca ornamental, que é realizada em pequena escala por alguns moradores, só para dar

dois exemplos. Tudo indica que essa situação será resolvida futuramente.

Na reunião do conselho consultivo do PARNA do Jaú, realizada no dia 30/11/2010,

foi apresentada uma proposta de termo de compromisso. O fato de a proposta conter mais

109

Observação durante reunião do Conselho Consultivo do PARNA do Jaú na comunidade Seringalzinho em

maio de 2008.

Page 173: Pescadores sem águas

171

de uma dezena de cláusulas de regulamentação de uso e acesso aos recursos, incluindo o

pedido de autorizações para realização de roçados, para retirada de madeira para

construção ou reparos de casa, entre outros, gerou desânimo nos representantes das

comunidades, pois baseava-se no excesso de normas e burocracias, para realizar cada

atividade que faz parte do dia-a-dia e dos ciclos ecológicos, como o tempo certo para

realizar abertura, broca, queima e plantio para os roçados de cultivos agrícolas, somente

para dar um exemplo.

O caso da gestão do Rio Unini envolve duas administrações federais, a da RESEX

e a do PARNA e uma Estadual, pois o Rio Unini prossegue para dentro da RDS Amanã,

incluída no processo de formalização do Mosaico, tendo em vista a perspectiva da gestão

integrada. Na prática, os gestores têm dialogado, mas os caminhos jurídicos ainda não se

consolidaram, sendo que uma das propostas é a recategorização da parte do PARNA que

pertence ao divisor de águas do Rio Unini, local onde também existem comunidades e/ou

suas áreas de uso110

.

O Rio Unini apresenta-se como um conjunto de sobreposições que envolvem parte

do PARNA do Jaú, da RESEX, da RDS do Amanã e do Acordo de Pesca, da intervenção

da justiça (contra empresários da pesca esportiva), além das áreas de uso das comunidades

e dos interesses dos pescadores esportivos, conforme comentado. Além disso, a Foz do Rio

Unini está afastada na base de fiscalização, o que facilita a entrada de pescadores

comerciais embarcados, principalmente da Comunidade Vila Nova, que desrespeitam os

limite das UC’s e o acordo de pesca, segundo comunicações pessoais com moradores da

Comunidade Lago das Pedras.

No Rio Jauaperi é proibida por decisão da justiça federal a pesca comercial,

esportiva e ornamental, salvo a pesca de subsistência das comunidades; além disso, existe

um pedido de RESEX que ainda não foi atendido pelo Governo Federal. Em 2009, no auge

da transição do término do prazo de vigência do acordo, houve uma mobilização de

representantes da Comunidade do Xixuaú, que solicitaram o apoio aos indígenas Waimiri

Atroari para expulsar pescadores comerciais. Isso se deve à ausência ou baixa presença dos

órgãos de fiscalização ambiental

Os Waimiri Atroari, assistidos pelo programa da FUNAI/ELETRONORTE, apóiam

a criação dessa RESEX, da mesma forma como são favoráveis à não existência da pesca

110

Observou-se que foram realizadas tentativas de se estabelecerem grupos de trabalho entre gestores e

comunidades para fazer este encaminhamento até dezembro de 2010.

Page 174: Pescadores sem águas

172

comercial. No Paranã da Floresta, que é área de trânsito entre o Rio Jauaperi e Rio Branco,

existe o controle das comunidades presentes que não permitem a pesca, exceto mediante

pagamento, o que poderia ser considerada uma modalidade de arrendamento, no valor

estimado em torno de R$ 4.000,00 (Quatro mil reais), mas principalmente, pode ser

considerada uma estratégia também de exclusão111

.

O Rio Puduari, por sua vez, faz limites entre duas UC’s estaduais, o Parque

Estadual Rio Negro – Setor Norte e a APA Margem Direita – Setor Puduari – Solimões.

Neste sentido, o núcleo de pesca do CEUC (Órgão gestor) apoiou a realização do acordo

de pesca. Existe o entendimento entre os pescadores de que parte do Rio Puduari

corresponda a berçários dos cardumes de Matrinchã que vêm do Rio Jaú, e é interesse de

comunidades e pescadores a sua preservação nos trechos entre as Cachoeiras do Fogo e do

Caniço e o Rio Preto, um afluente do Puduari, que está dentro dos limites do Parque

Estadual Rio Negro – Setor Norte. Portanto, a presença do Parque faz com que a relação

junto ao Rio Preto funcione como área protegida para os próprios pescadores, formando

uma sobreposição positiva, enquanto que o trecho citado que corresponde às cachoeiras,

além de um obstáculo natural para embarcações, é argumento de consenso para a

preservação das espécies de peixes naqueles trechos.

Figura 28 – Vista da região próxima da Comunidade Bom Jesus do Puduari.

111

Entrevista com liderança da pesca.

Page 175: Pescadores sem águas

173

De acordo com João Bosco Ferreira da Silva (Com. Pess.), caso não seja

formalizado o acordo de pesca do Igarapé do Juvêncio ao Rio Puduari, existe a

possibilidade das regras do acordo serem incorporadas no plano de gestão da APA, que

está em fase de planejamento para ser iniciado, e que incluirá os igarapés; dessa forma,

dando continuidade ao processo de implantação das regras negociadas. No entanto, na

região do Igarapé do Pacatuba existe uma solicitação da organização indígena Maku-Itá, de

Novo Airão, para reconhecimento de uma terra indígena naquela localidade. Durante a

assembleia intercomunitária, o representante indígena mostrou preocupação quanto à

existência de pesca na “futura” terra indígena. Em resposta, alguns pescadores afirmaram

ser indígenas e que, caso T.I. venha a ser reconhecida, o acordo poderia ser revisto, mas

que teria que ser encaminhado.

O Rio Cuieiras corresponde à outra área de sobreposições que incluem

comunidades, o PDS Apuaú-Cuieiras, à reivindicação de terra indígena, uma área militar,

além do Parque Estadual do Rio Negro, Setor Sul. Internamente, os moradores têm um

acordo que coíbe a realização da pesca comercial. Portanto, o fato de existir o Parque, no

que diz respeito aos recursos pesqueiros, faz com que co-exista uma sobreposição positiva,

pois a preservação dos recursos pesqueiros é demandada também pelos moradores.

Segundo comunicação com dois pescadores artesanais do Rio Cuieiras, existe um comércio

monetário e de trocas, que envolve a pesca dentro do rio. No ano de 2010, houve uma

reunião com gestores do CEUC, onde se sugeriu que as comunidades elegessem um

pescador para fazer essa atividade. Foi eleito um experiente pescador da Comunidade

Nova Esperança, que já era responsável pela pesca antes da combinação conjunta, o que

reforça um procedimento interno. Assim, as comunidades vizinhas, especialmente a de

Barreirinha, última do rio, permite que esse pescador transite para realizar essa

atividade112

.

No Rio Negro, na parte abrangida pelo mesmo Parque, foi realizada a mesma

combinação com pescador da Comunidade Bela Vista do Jaraqui. No entanto, as

comunidades do igarapé que as circunda proíbem a pesca comercial, ficando a cargo dos

moradores a captura do pescado destinado ao consumo local. Nos períodos de cheia do Rio

Negro, moradores do Rio Cuieiras denunciam a presença de barcos geleiros na foz do rio.

Esses barcos aguardam a saída dos cardumes do Jaraqui e Matrinchã que seriam

112

Informações concedidas por dois pescadores da Comunidade Nova Esperança e pescador da comunidade

de São Sebastião.

Page 176: Pescadores sem águas

174

capturados em pescarias “de lance”. Essa pescaria envolve a “limpeza” (desflorestamento)

das áreas de igapó no período do verão (da seca), como descrito anteriormente, o que

enfrenta a resistência dos moradores, que proíbem a limpeza de suas áreas.

Uma prática peculiar de exploração dos ambientes das Ilhas de Anavilhanas e que é

característica dos moradores do Rio Cuieiras é a coleta, nesse ambiente, de uma espécie de

minhoca que, no período das cheias, é encontrada na copa de algumas espécies de árvores.

Essa minhoca, também encontrada em alguns pontos dentro do Rio Cuieiras, ocorre em

maior abundância nas Ilhas de Anavilhanas, sendo utilizada como uma das principais iscas

para se pescar no rio113

. A importância dessa isca viva se deve ao fato de a pesca de

subsistência alimentar naquele Rio ser muito específica quanto às técnicas e espécies

capturadas, o que a diferencia dos demais rios.

De forma a realizar uma breve síntese no que diz respeito aos sistemas de manejo

da pesca artesanal, elaborou-se a tabela 11, abaixo:

Tabela 11 – Sistema de gestão da pesca no baixo rio Negro.

Áreas/Rios Sobreposição territorial Regime de Propriedade Sistema de gestão

Anavilhanas

PARNA de Anavilhanas Estatal Informal - clandestinidade;

Restrição com acordo de

regras

Áreas de uso de

comunidades

Comum Áreas de uso de comunidades

na proximidade

Áreas de uso de pescadores Comum Regras comuns

Waimiri Atroari (Ilha do

Jacaré)

Comum (Waimiri

Atorari)

Comum

Livre acesso Livre acesso Livre acesso de barcos de

pesca

Rio Unini

PARNA do Jaú Estatal Restrição permitida pesca

subsistência

RESEX Co-gestão Co-gestão

Acordo de Pesca Co-gestão Zoneamento, regras, cotas,

período (até aprovação do

plano de manejo)

Liminar na Justiça Estatal Restrição

Comunidades Comum Área de uso das comunidades

– indefinido (instável)

Foz do rio Comum; livre acesso e

Estatal

Indefinido

Rio Jaú

PARNA do Jaú Estatal Restrição somente para a

alimentação

Comunidades Comum Informal; restrição para a

alimentação

Remanescente de Quilombo

no Tambor

Comum/privado Comum; sobreposição

(Estatal e Comum)

Na parte do rio Negro

(limite sul da foz)

Comum/livre-acesso Comum, livre acesso

Rio Jauaperi Comunidades Comum Comum

113

Informação de Francisco da Silva Amorim (morador do Rio Cuieiras)

Page 177: Pescadores sem águas

175

Acordo de Pesca Co-gestão Restrição permitida a pesca de

alimentação

Liminar da Justiça Estatal Restrição; permitida a pesca

de subsistência

Waimiri Atroari Estatal e Comum Cooperação com moradores

na fiscalização

Rio Puduari

e igarapés

APA Margem Direita Estatal, privado e comum Comum

PAREST Rio Negro Estatal Comum com restrição para a

alimentação

Acordo de Pesca Co-gestão Zoneamento, regras, cotas,

rodízio, sazonalidade

Comunidades Comum Áreas de uso

Rio Cuieiras

PAREST Rio Negro Setor

Sul

Estatal Regras acordadas

informalmente

APA Margem Esquerda Estatal, privada e comum Comum

PDS Apuaú Cuieiras Estatal e comum Comum

Comunidades Comum Comum

Foz do rio Comum Comum/livre acesso

A presente tabela apresenta, sucintamente, diferentes regimes em alguns rios e nos

ambientes de Anavilhanas. Ou seja, demonstrou-se que de facto co-existem diferentes

sistemas de manejo entre diferentes instituições gestoras, comunidades, pescadores e

instituições ligadas à questão indígena e quilombola, além de acordos formais. Quanto aos

pescadores embarcados de Jaraqui e Matrinchã, houve um limite da pesquisa, uma vez que

tais pescadores não foram entrevistados, ainda que estivessem envolvidos nos sistemas de

manejo das pescarias. Na tabela 12, abaixo, descrevem-se as regras entre instrumentos de

gestão.

Tabela 12 – Tabela comparativa entre as regras referentes a pesca comercial.

Rios/Ambientes Sistemas de regras (cota, sazonalidade e

apetrechos)

Decreto Rio Negro Cota: barco de 5 toneladas (1 viagem por mês);

Restrição: proibida a pesca do tucunaré e aruanã

preta

Rio Unini (setor II do acordo de pesca) Cota: barco de até 3 toneladas (rodízio de 3 barcos

por mês/sorteio), período de setembro a dezembro.

Rios Jaú, Jauaperi, Unini (setor I) e Cuieiras Pesca de subsistência alimentar das comunidades

(trocas internas)

Igarapé do Juvêncio, Cachoeirinha, Cordo,

Cabeçudo e rio Puduari

Cota de barcos de até 5 toneladas (04 barcos por

mês) período de 01 de abril a 30 de outubro

Anavilhanas Canoas rabeta (duas caixas de isopor 170 l),

apetrechos manuais

Assim sendo, o território torna-se fluido pelo trânsito das águas, dos peixes e dos

pescadores, assim como das regras que são negociadas a cada caso e a cada situação. No

período de dez anos, de 2000 até o presente, as instituições da pesca e de gestão foram

reformuladas; pescadores e comunidades se organizaram formalmente e têm-se criado

Page 178: Pescadores sem águas

176

fóruns de diálogo, seja nos eventos organizados pelos movimentos sociais, nos conselhos

gestores das UC’s ou nos processos de formulação dos acordos de pesca.

O sistema de regras de gestão da pesca em cotas de barcos com capacidade máxima

ou apetrechos, insere-se na realidade local. Entrevistas sugerem que a realidade das

embarcações de pesca em Novo Airão e no Baixo Rio Negro não excede cinco toneladas-

gelo, salvo exceções. Os pescadores rabeteiros utilizam áreas no entorno de Anavilhanas e

no seu interior; portanto, do sistema de gestão negociado, incluindo tanto o trânsito

necessário dentro do PARNA como a pesca de subsistência e/ou venda do excedente,

mediante acordo informal. Neste sentido, sugere-se que exista um sistema de gestão

baseado em regras comuns adaptadas e negociadas.

Em cada micro-bacia se estabelecem relações sociais entre moradores locais e

pescadores não residentes e destes com os ambientes de pesca, dando origem a uma

territorialidade própria da pesca, tanto embarcada (barcos e rabetas) como de subsistência.

Esses sistemas sócio-ecológicos da pesca local também se amoldam às especificidades dos

ambientes, dos regimes de pluviosidade e das cheias e vazantes, do comportamento

ecológico das espécies e das negociações historicamente mantidas em cada localidade.

Tanto as UC’s, quanto os acordos de pesca, influenciam diretamente nas práticas de

manejo dos pescadores artesanais, mas no caso de peixes “de passagem” com a Matrinchã

e o Jaraqui, mesmo que existam UC’s de Proteção Integral, não garante o “livre acesso”, ao

contrário, comunidades presentes na beira do Rio Negro é que tem decidido sobre

permissão ou proibição da atividade de pescaria.

O comando-e-controle como principal instrumento de gestão não garante a

legalidade, ao contrário, promove a clandestinidade, conforme será argumentado no

próximo capítulo, associado à falta de outros instrumentos de gestão, especialmente que

garantem a participação direta dos atores envolvidos. Gestores públicos também não são

instrumentalizados para esta gestão, sendo que, tanto o IBAMA, quanto o IPAAM, ou o

MPA, não possuem uma política pública clara e efetiva para atuar neste âmbito. Por outro

lado, “acordos informais” têm sido instrumentos de facto da pesca. Outro fator é que os

corpos d’água são “loteados” por diferentes UC’s e instrumentos de gestão de pesca, e que

necessitam, também de facto, instrumentos ou arranjos participativos de gestão para

recursos de uso comum.

Page 179: Pescadores sem águas

177

7. AS ESTRATÉGIAS DE ADAPTABILIDADE

“La mayor parte de la vida pública de los grupos

subordinados sucede en un vasto territorio situado

entre los extremos de la oposición abierta y

colectiva contra los dctcntadores del poder y la total

obediencia hegemónica. Hasta ahora, al trazar el

mapa de ese território corremos el riesgo de creer

que comprende únicamente las actuaciones

convincentes (aunque tal vez falsas) que tienen lugar

"en escena" y un discurso oculto relativamente

desinhibido ... ” (SCOTT, 2000, p. 167).

7.1 O ARPÃO E O ANZOL

O presente capítulo visa responder a hipótese inicial da pesquisa: que pescadores

locais apresentam a tendência de abandono da pesca comercial frente ao movimento

controverso de incentivos e decinsentivos simultâneos: as restrições espaciais de acesso

aos recursos pesqueiros (áreas protegidas e o acordo de pesca do Rio Jauaperi e o acordo

de pesca do Rio Unini) e o reconhecimento frente ao Ministério da Pesca e Aquicultura

pela política do “Seguro Defeso”.

Em suma, são quatro formas de estratégias adaptativas dos pescadores artesanais:

desmobilização, mobilidade, clandestinidade e co-evolução. Essas estratégias operam de

forma combinada. Por exemplo: um pescador de Pirarucu mudou o foco para a pesca de

outras espécies de peixes, o quê pode considerar-se como uma desmobilização, mas

também é associada à mobilidade. Se eventualmente ele ainda pesca o Pirarucu, sem ser de

forma manejada, ele é também clandestino; e, se caso realize o manejo, trata-se de uma

forma de estratégia “co-evolutiva”.

Em outra situação, o observar das estratégias também depende do “foco”: a

adaptabilidade é uma interação dentro de um sistema e, portanto, não é unilateral o que em

outros dizeres denomina-se de sistema adaptativo. Se uma restrição espacial é inserida no

sistema, na resiliência socioecológica da pesca, e os pescadores continuarem pescando,

acarreta na situação de clandestinidade – que pode ser considerado um fator de resistência.

E neste sentido, o modelo de panarquia auxilia na reflexão sobre o movimento

contínuo de rupturas e adaptações – não passivas –, mas construídas para um “novo

Page 180: Pescadores sem águas

178

ambiente”. Portanto, território não deixa de ser um “território da pesca” com uma restrição,

o que acontece é a formação de “novos ambientes” e inter-relações criadas com a presença

das áreas protegidas.

Seguindo esta linha de raciocínio, as áreas protegidas fazem parte da dinâmica

socioambiental complexa, assim como a “pesca artesanal”. Os capítulos 5 e 6 apresentaram

distintos sistemas de gestão ou manejo dos recursos pesqueiros. Esses capítulos também

trazem argumentos para se discutir sobre as estratégias de adaptabilidade; por isso também,

o presente capítulo trata o tema mais sucintamente.

Nem todos manejam o arpão utilizado para pescar o Pirarucu, mas quase todos os

moradores no Baixo Rio Negro, especialmente de comunidades ribeirinhas,

independentemente da identificação auto-atribuída de pescador, manejam o anzol.

Lançados nas águas têm em comum o território e se distinguem pelos objetivos e pela

força empreendida: o primeiro, o arpão, deve perfurar o Pirarucu no ato em que ele boiar

para respirar; o segundo, o anzol, deve ser lançado com suavidade e sentido, como

sensibilidade, para que na hora em que estiver sendo fisgado, possa ser puxado e realizar a

pesca.

O fato de atualmente ser proibida a pesca de Pirarucu – mas que no passado

representou a história de uma modalidade de pesca – faz com que esteja presente na

memória de muitos pescadores. A memória não pode ser “simplesmente esquecida”. Um

modo de vida e visões sobre as formas e modalidades de pesca também não são

“abandonadas”.

O que pode acontecer é o abandono de um “modelo econômico”, que, citando ainda

o Pirarucu, fazia parte da história extrativista, com a relação com os regatões,

especialmente até os anos 60 e 70. Parte dos regatões, ou foram “substituídos” por

pescadores artesanais embarcados, ou se “adaptaram”. Por outro, o “abandono” de um

“modelo econômico” jamais é uniforme, mas interage com outros modelos, compondo

toques de clandestinidade e co-evolução.

Agora, retornando a reflexão sobre o Território do Baixo Rio Negro, as restrições

espaciais promovidas pela política ambiental de ordenamento territorial através do

“Decreto Rio Negro” –privilegia o setor empresarial da pesca esportiva – ou ainda, as

perspectivas de moradores de comunidades – que cada vez mais, tendem a não permitir

que a pesca comercial embarcada aconteça nos seus ambientes – formando novos desafios

para se compreender essa complexa dinâmica socioambiental.

Page 181: Pescadores sem águas

179

No entanto, por outro ponto de vista, se historicamente os pescadores artesanais

eram invisíveis nas políticas setoriais da pesca, nos últimos anos estão em evidência frente

ao reconhecimento, por conta do Ministério da Pesca e Aquicultura e a sua política pública

de ampliação do “Seguro Defeso”. Assim, arpões e anzóis convivem na memória e no

presente. Neste momento, convida-se o leitor a adentrar sobre a discussão das estratégias

de adaptabilidade.

7.2 A DESMOBILIZAÇÃO

A desmobilização consiste no abandono temporário ou permanente da atividade da

pesca frente ao contexto socioambiental. A desmobilização ainda pode ser no abandono da

atividade da pesca, no abandono da pesca de determinadas espécies, ou no abandono

espacial. Essas formas de abandono são estratégias que ocorrem com pescadores de barcos

regionais “geleiros” ou com os pescadores de determinados espaços, e não devem ser

vistas em uma perspectiva de “causa e efeito”, do tipo: é desvantajoso pescar, logo desisto.

Os motivos de abandono descritos pelos pescadores de barcos de pesca foram: o

risco do não retorno econômico da atividade da pesca; a restrição espacial ocasionada pelas

negociações entre empresários da pesca esportiva e comunidades, ou promovida pelas

comunidades, tendo em vista a exclubilidade, e que se trata também dos acordos de pesca

ou reivindicações de UC’s de uso sustentável; e a possibilidade desses moradores se

envolverem com outras atividades econômicas.

Na primeira situação, o pescador percebe que uma excursão mal sucedida pode

levar à falência ou ao endividamento, ou ainda ao baixo retorno financeiro para reinvestir

na atividade da pesca, como por exemplo, comprar novos materiais ou reformar o barco,

entre outras. Para os pescadores, a análise econômica de riscos de retorno dos

investimentos não está diretamente associada à diminuição dos estoques pesqueiros, mas

ao aumento do número de pescadores; ou seja, à maior subtrabilidade. Somente dois

entrevistados realizaram o abandono ainda no início dos anos 90: os senhores Olavo

Faustino e Francisco da Silva, ambos moradores do Rio Cuieiras. Para eles, ex-pescadores

artesanais e embarcados, a atividade da pesca representou um período de opção, mas

Page 182: Pescadores sem águas

180

também dentro de um conjunto de outras atividades que realizavam, especialmente os

cultivos agrícolas.

A restrição espacial, ao contrário do que era esperado, não foi primordialmente

ocasionada pela presença das unidades de conservação ou áreas protegidas na sua

totalidade. O que foi descrito no capítulo 6 é que os pescadores artesanais sentiram uma

pressão de restrição espacial, em determinados locais, como no Rio Baipendi, limite Norte

do Parna de Anavilhanas, que, por um período, era considerada pelos gestores como

fazendo parte da UC, mas que os limites finalmente foram esclarecidos. A retomada da

Ilha do Jacaré resultou em grande impacto na comunidade de pescadores, assim como o

controle dos limites do Parna do Jaú sobre o Rio Negro.

Portanto, as restrições de acesso livre aos ambientes pesqueiros tradicionais devem-

se, em maior grau às reivindicações territoriais das comunidades ribeirinhas no controle

dos Rios Unini e Jauaperi, que organizaram acordos de pesca, ou à reserva extrativista, no

primeiro caso; e no Médio Rio Negro, com as negociações entre moradores e

representantes empresariais da pesca esportiva.

A presença de novas atividades econômicas, como a piscicultura ou o turismo (que

inclui a pesca esportiva), ou a confecção de artesanato, também está associada à concepção

econômica e territorial. Nas comunidades ribeirinhas, a exemplo do Rio Jauaperi, o senhor

Rozan Dias da Silva, morador da Comunidade de Itaquera, abandonou a atividade da pesca

ao perceber o risco que a atividade representa com relação ao baixo retorno ou à sobre-

explotação dos recursos pesqueiros, mas teve como contrapartida a sua participação em

nova atividade econômica de produção de artesanato de fibras vegetais. Segundo esse ex-

pescador, os custos de seus materiais de pesca extrapolavam cinco mil reais. Desse modo,

comparado com o baixo retorno econômico da pesca, esse alto valor de investimento

tornaria a atividade pouco atrativa. No entanto, o retorno da atividade ligada ao artesanato

de fibras tem seu retorno compensado, além de conservar os recursos pesqueiros para a

subsistência das comunidades.

Outros pescadores artesanais do mesmo rio (Jauaperi) estão buscando alternativa

junto à pesca esportiva, especialmente frente ao risco de perderem o direito de receber o

Seguro Defeso como benefício social e renda importante. Essa mudança entre a pesca

artesanal para os trabalhos junto à pesca esportiva é em parte, uma negociação para que se

atinja um consenso em não mais abrir a possibilidade da pesca comercial no Rio Jauaperi.

Por outro lado, tais negociações entre moradores dos rios e empresários da pesca esportiva

Page 183: Pescadores sem águas

181

são permeadas por inúmeros conflitos, especialmente devido à restrição espacial

promovida pelos empresários ou no que diz respeito aos contratos de repartição de

benefícios.

No Rio Unini, após a aprovação do plano de manejo da RESEX, alguns pescadores

artesanais aguardam a possibilidade de realizar o manejo do Pirarucu, e já estão se

capacitando neste sentido.

Na situação que envolve o PARNA do Jaú, especialmente o Rio Jaú, discutir e

argumentar a estratégia de adaptabilidade relacionada a peca artesanal é mais complexo.

Por um lado, existem visões de que a presença permanente da base de fiscalização na foz

daquele rio tenha provocado um grau de isolamento e, por isso, ajudado a preservar os

“modos de vida”. Essa visão provém da ideia de que os moradores do Rio Jaú trabalhavam

com regatões que sobre-exploravam produtos de caça, pesca, coleta de quelônios e

produtos florestais não madeireiros, abordado por Creado (2006) e Caldenhof (2009).

Porém, por outro lado, as autoras questionaram o fato de que a maior parte dos moradores

(cerca de 90%) migrou após a presença da UC, mesmo que outros fatores tenham sido

influenciados, como o próprio êxodo rural promovido pela falta de assistência em saúde e

educação, ou almejando melhorias de qualidade de vida.

O parágrafo anterior foi formulado para dizer que talvez não se aplique a

modalidade de abandono da pesca naquele local, pois, pelos menos quatro pescadores

artesanais comerciais entrevistados (formalmente e informalmente) são oriundos desse rio

e migraram para outra região; para Novo Airão ou para comunidades – estratégia de

mobilidade. Ou ainda, existe o fato de que alguns moradores realizem a captura de

quelônios clandestinamente na região. Ambos os temas, serão retomados nos próximos

itens.

No município de Novo Airão, os pescadores entrevistados que abandonaram as

atividades, ou estão investindo para a mudança de atividade, estão se dedicando a

piscicultura e na prestação de serviços ligados a cadeia produtiva do turismo. Porém, no

caso da piscicultura, o senhor José Adimar relatou que, dos oito tanques de piscicultura que

construiu, somente um está licenciado, o quê faz com que essa atividade ainda não

represente o motivo de abandono da pesca. Ou seja, assim como neste exemplo, parte dos

pescadores que encaram a perspectiva de abandono está trabalhando paralelamente a pesca

junto com outras atividades econômicas, o que ainda mantém segurança financeira.

Page 184: Pescadores sem águas

182

Nas comunidades ribeirinhas, especialmente na Região do Tupé, Rio Cuieiras e

algumas comunidades da Margem Esquerda e Direita do Rio Negro, os moradores estão

criando peixes na modalidade tanque-rede, o que não substitui a pesca em si, e os

empreendedores dessa atividade não são necessariamente pescadores ou ex-pescadores.

Em suma, a pesca artesanal é uma atividade necessária, pois apesar do risco de uma

excursão representar pouco retorno financeiro, ela é conhecida e está construída na rede

interdependente, enquanto que a pesca esportiva apresenta conflitos e poucas

regulamentações sobre o seu ordenamento, da mesma forma que a piscicultura ainda

apresenta problemas de licenciamento, altos custos operacionais e baixo retorno de

investimentos, quando tratada em pequena escala.

Pescadores que estão na coordenação das entidades de pesca também costumam

parar as suas atividades de pesca para exercerem o novo papel de representantes e

articuladores de seus associados.

Outros aspectos ligados ao abandono referem-se não à atividade pesqueira de forma

geral, mas às determinadas espécies ou grupos, dentre os quais estão o Pirarucu e os

Quelônios, proibidos por leis ambientais, ou ainda a do Tucunaré, conforme citado, pois é

uma espécie de interesse da pesca esportiva. Esse aspecto está relacionado ao Médio Rio

Negro. Por isso também, é que a presença do conjunto de UC’s no Baixo Rio Negro, para

os pescadores comerciais embarcados, representa um elemento, mas não o motivo

principal de pressão ao abandono. Em outras palavras, as pressões relacionadas à pesca

esportiva, sejam através do Decreto Rio Negro ou das negociações entre os empresários e

as comunidades, afetam mais o setor do que o conjunto de UC’s, na sua totalidade.

Entretanto, dos pescadores artesanais que estão em vias de abandono ou ex-

pescadores, alguns encontram-se entre a faixa etária de 45 a 60 anos, o que talvez

represente uma perspectiva esperada em algumas situações, como no caso de Novo Airão,

e é realidade no Rio Jauaperi e Unini. Portanto, o abandono da atividade da pesca deve-se a

negociações no que tangem os regimes de propriedade dos territórios comunitários,

especialmente aquelas inseridas em Calhas de Rios (Jauaperi e Unini). Esses pescadores

possuem idade próxima de requererem aposentadoria (60 anos), a quem foi perguntado se

os filhos têm perspectivas de continuidade, utilizando o barco e apetrechos dos pais. Em

alguns casos sim; e em outros não. Isso por levar em conta o quadro restritivo ou por

desinteresse pessoal.

Page 185: Pescadores sem águas

183

Assim, no caso de pescadores citadinos, a situação é diversificada caso a caso,

dependendo das alternativas apresentadas, seja a piscicultura ou a rede de serviços de

turismo. A primeira alternativa (a piscicultura) é custosa e de difícil gestão, e, no segundo

caso, (a do turismo) a atividade é instável e temporária. Portanto, as informações sugerem

que a desmobilização é um fenômeno recente, mas pontual em pescadores itinerantes e

citadinos. Faz parte de estratégias de calhas dos rios, e talvez, mesmo que possa

representar uma tendência, é possível que represente mais um desincentivo, para que novos

pescadores embarcados se apresentem na região.

7.3 A MOBILIDADE

A mobilidade consiste na continuidade da realização das atividades de pesca,

porém, somente em locais permitidos. Tal atividade também engloba, em parte, os

pescadores embarcados com barcos do tipo geleiro, o que os leva a pescar especialmente

no Médio Rio Negro. Além do acesso em outros ambientes de pesca nas viagens pelo Rio

Negro, mais especificamente no médio curso do rio, um grupo de pescadores está se

associando para realizar os seus registros profissionais nas entidades de pesca de Barcelos,

tendo em vista o maior acesso às áreas de pesca e possibilidade mais presente de realizar

negociações de acesso na região. Assim, foi verificado que a mobilidade não se relaciona

apenas à capacidade de deslocamento, mas às estratégias políticas de acesso em outros

ambientes de pesca.

Entretanto, para os pescadores rabeteiros, a mobilidade consiste nos ambientes

aquáticos no entorno de Anavilhanas, como os igarapés, subindo pela Margem Direita até

próximo à Foz do Rio Jaú, e na margem esquerda na região próxima ao Rio Apuaú. Para

esse grupo de pescadores, a mobilidade é mais limitada pela distância a ser percorrida.

Uma possibilidade de mobilidade é a mudança do tipo de pesca, ou seja, mudar o

foco da pesca do Tucunaré e Cará para a pesca de cardumes de Jaraqui ou Matrinchã. No

entanto, ainda não foi observada, apesar de que já tenham sido feitas algumas experiências

por determinados pescadores. Outro fenômeno é a diminuição do tamanho das

embarcações, ou seja, a tendência é que, quando o acesso é em áreas protegidas, não se

utilizem barcos, mas canoas. Usualmente, alguns pescadores que têm barcos de pesca

Page 186: Pescadores sem águas

184

utilizam também canoas de rabeta para pescar. Apenas um caso de abandono do barco foi

registrado em função da adoção da pesca de canoa de rabeta, possibilitando o trânsito,

passando pelo interior de Anavilhanas.

Se for considerado que, segundo Cardoso e Freitas (2006), a pesca de rabeta é mais

rentável – e este argumento for associado ao “seguro desemprego” –, privilegia os

pescadores artesanais em regime familiar e não armadores (neste caso corresponde a

pescadores de Manaus e alguns de Novo Airão), e que esses tipos de pescadores têm maior

acesso aos ambientes de pesca, então é possível sugerir que o quê está acontecendo é um

desincentivo à pesca embarcada e um incentivo à pesca de rabeta. Em outras palavras,

existe a tendência de diminuição da quantidade de pesca em barcos e aumento da

quantidade de canoas a rabeta.

Conforme foi argumentado no parágrafo anterior, e ao longo da pesquisa, a pesca

artesanal, como é conhecida hoje, para os pescadores embarcados, representou uma

mobilidade de atividades econômicas, seja migrando da exploração da madeira para a

pesca (“das Fantasias”, Quelônios e Pirarucu), ou quando moradores das UC’s de proteção

integral migraram para a cidade ou para outras comunidades, passando a realizar a pesca

artesanal após esse fato. É importante explicar que a pesca de Pirarucu, ou a caça e captura

de Quelônios também podem ser consideradas artesanal ou tradicional. Mas, o sentido

dado é para o modelo de pescaria que ocorre atualmente, e foi descrita no capítulo 5.

Portanto, a mobilidade e a desmobilidade estão relacionadas entre si, pois, em

parte, a opção pela pesca foi devido a uma série de restrições ambientais ocorridas nos

anos 60 e 70, frente aos incentivos à pesca comercial naquele mesmo período. Da mesma

forma, como foi argumentado no trabalho, a presença das UC’s propiciou maior presença

institucional dos órgãos fiscalizadores, nos anos 80.

Por outro lado, fenômenos como aumento demográfico citadino e nas áreas rurais;

o acesso menos custoso a embarcações de menor porte (canoas e motor rabeta); o mercado

consumidor; a possibilidade de comprar gelo em Novo Airão; a obtenção de registro junto

à previdência; e, mais recentemente, o acesso ao “Seguro Defeso” – aliado ao modo de

vida, ao território e a sua identidade, e ainda à possibilidade de renda pescando – faz com

que os pescadores artesanais de canoas a rabeta tenham tido reconhecimento. E dessa

maneira, é possível ainda que possa existir uma mobilidade de pessoas que não se

denominavam pescadores anteriormente, se registrarem e passarem a ser considerados

pescadores profissionais.

Page 187: Pescadores sem águas

185

E neste sentido, as áreas de proteção integral presentes no Mosaico de Áreas

Protegidas do Baixo Rio Negro poderiam estar possibilitando um incentivo aos pescadores

artesanais em pequena escala, onde a exclusão de pescadores embarcados é maior, o que

propicia uma maior preservação das espécies de peixes. Por outro lado, como será

argumentada no próximo item, a atividade da pesca representa o uso direto dos recursos

naturais, proibida por Lei, o que força os pescadores a estarem em uma condição

clandestina.

7.4. A CLANDESTINIDADE

A clandestinidade consiste no uso e acesso dos pescadores artesanais em ambientes

de pesca dentro dos limites das UC’s do Mosaico, especialmente as de proteção integral e

as de uso sustentável, quando estão relacionados aos pescadores não residentes dessas

áreas. É denominada de clandestinidade pelo fato dessa atividade ser ilegal do ponto de

vista jurídico. No entanto, essa estratégia não é tratada como uma forma de “burlar” as

regras do regime de propriedade imposto, mas de uma combinação entre regimes de

propriedade.

No caso das UC’s de proteção integral, nas quais a tendência é o não

reconhecimento formal de um regime de propriedade comum, este pode ser regulado por

diálogos informais entre gestores e usuários, especialmente quando se trata dos ambientes

de trânsito do Rio Negro. Esses diálogos resultaram em negociações, onde foram

estabelecidas restrições e limites de captura através da determinação de cota por

quantidade de pescado medido em duas caixas de isopor (170l) com gelo e de apetrechos

permitidos, tais como zagaia, caniço e malhadeira, principalmente quando isso está

relacionado ao “direito de subsistência”.

Portanto, esse evento, citado no parágrafo anterior, representa um princípio de

formulação conjunta de conceito de subsistência do ponto de vista da pesca. Já do ponto de

vista da gestão, pode ser considerada uma forma de gestão adaptativa. Porém, na ausência

de um marco regulatório torna não só os pescadores clandestinos, como também em os

próprios gestores públicos das Unidades de Conservação.

Page 188: Pescadores sem águas

186

No caso do Parque Nacional de Anavilhanas, quando a negociação informal não

sustenta a possibilidade de se fazerem trocas de excedente, existe a opção de abandono

(desmobilização) da mobilidade (mudança da área de pesca) ou da desobediência civil

(resistência); esta última especialmente no caso do Parque Nacional do Jaú. A

desobediência civil é discutida neste contexto por Mendes (2009) não como um ato puro de

contrariar as leis do Estado, mas de resistir politicamente a nível individual, constitucional

(garantia política) ou de legitimação para se buscar um novo direito.

Alguns pescadores artesanais foram autuados nos limites do PARNA de

Anavilhanas e parte reconheceu que, no momento da autuação, estavam operando a pesca

na ilegalidade, principalmente pelo fato de estarem fora dos procedimentos dialogados

informalmente. Porém, outros se manifestaram contrariamente, como forma de um direito

de pescar. Berkes et al (2001) sustentam a ideia de que pescadores que operam na

clandestinidade calculam o fator de risco de serem apanhados. Esse cálculo faz com que tal

estratégia se sustente, especialmente quando as embarcações são pequenas, e, caso sejam

“apanhados”, o prejuízo, apesar de considerado grande pelos usuários, pode ser recuperado

em novas incursões. A geografia regional composta por rios em formato de delta,

arquipélagos, paranãs, lagos, furos, entre outras, faz com que as possibilidades de os

pescadores clandestinos não serem apanhados sejam ainda maiores.

Isto não quer dizer que não exista constrangimento ou medo por parte dos

pescadores, principalmente pelo fato de existir um histórico de gestão baseada

prioritariamente em ações rigorosas de comando-e-controle, até o início dos anos 2000.

Assim, o custo operacional por parte das instituições gestoras de realizar as operações de

comando-e-controle é financeiramente elevado, pois envolve articulações com policiais

militares e, apesar de constantes nos últimos anos, não abrangem a totalidade da geografia

regional e são socialmente conflituosas. E, caso não haja orçamento suficiente, culminando

na diminuição ou cancelamento temporário das rotinas de fiscalização, determinados

usuários clandestinos podem operar em uma situação de livre-acesso.

Por outro lado, o resultado de apreensões faz com que as instituições gestoras

tenham que se responsabilizar pelo material, ou repassam a obrigação de fiel depositário os

próprios pescadores. Além disso, os processos administrativos ou criminais provenientes

dessa forma de gestão dificilmente podem ser cobrados juridicamente, pois envolvem o

julgamento mediante a Lei de Crimes Ambientais, no qual é considerado o grau de

instrução, os tipos de delitos realizados, ou ainda o estado de necessidade. Portanto, ações

Page 189: Pescadores sem águas

187

de comando-e-controle nos espaços protegidos representam também um custo social para

ambos os lados: pescadores e gestores.

No caso do PARNA do Jaú, parte das atividades de pesca pela economia de trocas

ou vendas para fora da UC tem envolvido os Quelônios, que são inibidos na base de

fiscalização na foz do rio, nas operações de fiscalização, mediante denúncias, ou no

desembarque em Novo Airão. Rebelo e Pezzuti (2002) discutiram o hábito alimentar da

população com relação aos Quelônios, tanto nas comunidades do PARNA do Jaú quanto

no Município de Novo Airão. Portanto, o comércio de Quelônios é uma realidade e faz

parte de uma estratégia clandestina. Esse debate específico não é objetivo nesta pesquisa,

mas Rebelo (2002) sugeriu que fosse realizado o manejo das espécies de Quelônios. Esse

desafio, não se trata apenas do Rio Negro, uma vez que na Amazônia, de forma geral, os

hábitos culturais historicamente construídos não receberam opções alternativas, uma vez

que a criação de Quelônios é custosa, e não existe ainda uma regulamentação para o

manejo de subsistência alimentar ou comercial em pequena escala destes animais114

.

Não se tem o registro em números ou em estimativas sobre a realização da

atividade clandestina de captura e comercialização de espécies protegidas por lei, mas é

possível que sejam poucas pessoas que realizam esta atividade com fins econômicos

comerciais. Por outro lado, é difícil estabelecer uma fronteira que defina o que é ato ilícito

ou para saciar a fome, isto quando se refere a pescadores que transitam entre os ambientes

aquáticos, dentre os quais as áreas protegidas, com fins de desembarque em Novo Airão.

Existem relatos informais de que algumas pessoas que realizam essas atividades fazem

parte de um “esquema” que envolve antigos “patrões” que passaram a “ajudar” as pessoas

provindas de dentro das UC’s de proteção integral e, que, de certa forma, financiam as

atividades pelo aviamento, o que representa o sustento de extrativistas de pequena escala,

inseridas numa realidade de poucas alternativas de renda.

Outro exemplo é o caso da área de pesca da Foz do Rio Unini, muito utilizado por

diferentes grupos de pescadores, especialmente provenientes da Comunidade Vila Nova. A

comunidade, embora dentro da Resex do Rio Unini, tem solicitado a sua exclusão da área

da reserva. Como os moradores de Vila Nova também se utilizam de parte da área da

114

Informação informal dada por um analista do ICMBio que trata dessa temática na instituição.

Page 190: Pescadores sem águas

188

RESEX, suas atividades geram conflitos com os demais moradores, especialmente com os

moradores da Comunidade Lago das Pedras115

.

As formas clandestinas podem assim suscitar diferentes entendimentos. Por um

lado, como formas de resistência política frente aos regimes de propriedade estatais; por

outro, como uma forma de sobrevivência de modos de vida ou de uma economia de

extrativismo conflituosa juridicamente como modelo. O desafio é ainda maior quando se

almeja uma forma de reconhecimento ou gestão – seja de atividades pesqueiras que

envolvem espécies protegidas ou dentro de espaços protegidos, onde a gestão de territórios

ou de manejo de espécies é convencional e centralizada. Por outro lado, a experiência de

gestão adaptativa da Reserva Biológica do Piratuba, citada no capítulo 6, é inovadora, pois

estabeleceu acordos de gestão com uma comunidade pesqueira do Sucuriju, que realiza a

pesca do Pirarucu no interior da UC.

Para os pescadores artesanais que pescam nos limites do PARNA de Anavilhanas –

parte majoritária dos usuários – a clandestinidade oferece vantagens, pois garante a

subsistência e trocas de excedentes em pequena escala, quando realizada dentro das regras

informais estabelecidas; porém, outros questionam a sua estabilidade contratual, pois uma

mudança na filosofia da gestão da UC pode fazer com que esse direito seja perdido. Em

outras palavras, não se trata de uma clandestinidade de facto, apenas de júri, mas faz com

que, ao mesmo tempo, pescadores e regras informais se tornem invisíveis.

Tal invisibilidade, conforme dita, é uma vantagem para a pesca artesanal nos

últimos anos, mas uma desvantagem para se pensar a gestão ou o manejo adaptativo e

participativo para prazo maior, pois não permite a obtenção de informações acerca das

áreas utilizadas, do número de pescadores, ou da sazonalidade. A situação em que a maior

parte dos territórios pesqueiros encontra-se sob alguma forma de regime estatal proibitivo

faz com que, mesmo os pescadores que pescam em locais permitidos, não revelem as suas

estratégias de pesca. Walter de Souza, José Adimar, Nazareno Barroso, Evandro Cordeiro

e outros, sugeriram ampliar ainda mais as “decisões” estabelecidas pelo diálogo informal

entre a gestão anterior de Anavilhanas e pescadores, para o zoneamento, a fim de que se

permita o manejo de áreas do interior da UC; neste caso, considerando também a pesca

comercial embarcada.

115

Informações de entrevistas e Caldenhof (2009).

Page 191: Pescadores sem águas

189

A ideia de zoneamento, afirmada pelos pescadores artesanais, não deixa de ser uma

proposta de co-gestão, talvez extrapolando para o nível de Mosaico, pois os argumentos

também se aplicam aos limites do PARNA do Jaú sobre o Rio Negro, o rio Carabinani, e

trata-se da lógica operada nos acordos de pesca.

No que diz respeito à pesca clandestina de pescadores embarcados está relacionada

também a pesca de espécies protegidas por Lei; neste caso, para maioria que utiliza o

Médio Rio Negro e pesca o Tucunaré. Porém, isso cria um problema de gestão e de

controle, principalmente devido à grande dimensão geográfica do Médio e Alto Rio Negro.

E, ainda a proibição do Tucunaré faz com que apenas pescadores comerciais embarcados

de Manaus possam realizar a pesca de cardumes de outras espécies, como a Matrinchã e o

Jaraqui.

No que diz respeito à pesca do Pirarucu ou captura de Quelônios, os pescadores

comerciais embarcados, caso realizem essas atividades, podem sofrer sanções maiores e

prejuízos, como perda de barco e apetrechos, conforme registrado em dados de fiscalização

fornecidos pelo IBAMA. O comando-e-controle têm uma função importante no sistema,

especialmente quando é reivindicada pelos moradores de comunidades e os próprios

pescadores artesanais que denunciam ilegalidades, como a operação de barcos externos no

interior das UC’s, a retirada clandestina de madeira, a caça ilegal, somente para dar alguns

exemplos, mas conforme dito: o comando-e-controle não pode ser a única estratégia de

gestão social e ambiental.

7.5 A ADAPTABILIDADE CO-EVOLUTIVA

A estratégia co-evolutiva foi descrita ao longo da dissertação, e seguindo os

objetivos, especialmente nos capítulos 4, 5 e 6. Mais recentemente, o histórico que

envolve a relação entre UC’s e pescadores no que diz respeito aos aspectos co-evolutivos

de certa maneira foi desencadeado pelas reivindicações de acesso e manejo aos territórios

da pesca, a partir da I Oficina do Uso Adequado dos Recursos Naturais em 2003; e pelo

processo de democratização da gestão de UC’s, possibilitada com o advento do SNUC a

partir da formação de conselhos gestores, pelo qual, entre 2004 e 2005, quando

aconteceram decisões dialogadas.

Page 192: Pescadores sem águas

190

O fato de se desenvolverem instâncias de “negociação” pressionou ao acesso

“privilegiado” aos limites de Anavilhanas – quando dentro das normas acordadas – ou nos

acordos de pesca do Rio Unini, no caso do setor II, ou no Igaparé do Juvêncio ao Puduari,

para aqueles pescadores e entidades de pesca que participaram desses acordos, embora

ainda não estejam formalizados.

Além desses marcos que se estabeleceram no Baixo Rio Negro, no que dizem

respeito ao “Decreto Rio Negro”, a participação e articulação das entidades de pesca

permitiram com que estas continuem tendo acesso ao Médio Rio Negro, apesar de que

limitados ao uso, pois é proibida a pesca comercial do Tucunaré e Aruanã.

Se por um lado, conforme descrito, os pescadores são invisíveis do ponto de vista

de uso e acesso aos espaços ou ambientes de pesca, por outro são atualmente registrados

mediante a categoria profissional por meio da política pública do “Seguro Defeso”. Esse

benefício faz parte da economia regional, agregando aos pescadores um incentivo de

continuidade para as atividades de pesca. Porém, essa política foi desenhada partindo do

pressuposto de que o acesso aos recursos pesqueiros é livre. O benefício é concedido,

mesmo que o território seja restrito, e é claro, não são prerrogativas para se receberem os

benefícios dessa política. Ao contrário, esse benefício poderia ser repensado em uma

estratégia de construção participativa para o zoneamento e acordos no nível da região do

Mosaico e até as áreas de pesca no Médio Rio Negro.

Para se ter a continuidade de pagamento do benefício é necessário que os

pescadores exerçam a sua atividade, pois, conforme normas dessa política, eles precisam

comprovar por nota fiscal a sua produção; no entanto, até o momento essa lei não foi

exigida. Marinho (2009) e Maia (2009) citaram que, no pagamento do benefício, estão

envoltos práticas de assistencialismo. Por outro lado, mesmo que os representantes das

entidades de pesca conheçam parte dos pescadores artesanais de facto, em determinadas

situações têm dificuldades de negar o acesso ao benefício, ou ainda, têm dúvidas no que se

referem a fronteira entre o pescador e o agricultor, especialmente no modo de vida de

comunidades ribeirinhas, como ressaltou Scherer (2004).

Neste trabalho, com referência aos dados do MPA, o número de registros na sede

urbana de Novo Airão corresponde a 44% de filiados e, na zona rural, este percentual é de

56%. Para as comunidades ribeirinhas, justifica-se a existência da atividade da pesca em

seus territórios. Contudo, os pescadores de comunidades, como no Rio Cuieiras, Rio Unini

Page 193: Pescadores sem águas

191

e Jauaperi, que recebem o benefício do seguro defeso, e atualmente não existe a presença

da pesca comercial, como justificarão a continuidade da política do “Seguro Defeso”?

É neste sentido que essa política setorial da pesca, do “Seguro Defeso”, define o

“livre acesso”, sem haver nenhuma prerrogativa de monitoramento. Não se conhece se esta

política contribui para a conservação dos estoques pesqueiros e não indica um instrumento

que possibilite a participação mais ativa dos pescadores para propor formas próprias e

regionais de ordenamento da atividade da pesca artesanal.

Talvez falte um instrumento de controle social, por parte dos pescadores artesanais

e suas entidades de pesca, ou um arranjo institucional junto ao MPA, para que se possa

realizar a gestão desse benefício de modo que atenda aos pescadores de facto como por

exempo: possibilidades de decidirem a respeito das espécies de peixes a entrarem no

defeso, ou ainda, reformular esse benefício para outro viés, que se alinhe às demandas

históricas dos pescadores, à realidade do ordenamento territorial da pesca e à capacidade

de suporte do ecossistema.

Neste trabalho, não se discutiu a questão do monitoramento ou sobre os conceitos

que se tratam da capacidade de suporte. O recorte optado pelo referencial teórico propõe

que essas pautas devem ser discutidas de forma participativa com os pescadores e suas

organizações, e, portanto, que suas opiniões sejam consideradas.

7.6 ESTRATÉGIAS ADAPTABILIDADE DOS PESCADORES E DA GESTÃO

TERRITORIAL - PESQUEIRA

Primeiramente, a pesca artesanal comercial não possui uma tendência de se

extinguir devido à restrição promovida pelas áreas protegidas, mas por um conjunto de

dinâmicas territoriais combinadas entre si: controle dos territórios comunitários, onde se

incluem os acordos de pesca restritivos (Unini e Jauaperi); a influência do setor

empresarial da pesca esportiva, tanto na negociação junto às comunidades ribeirinhas

quanto na formulação de políticas públicas, como o Decreto Rio Negro ou nos incentivos

para atividade no rio Jauaperi; e, também as UC’s. As quatro proposições analisadas

referentes às estratégias de adaptabilidade (a desmobilização, a mobilidade, a

clandestinidade e a co-evolução) demonstraram que são combinadas entre si.

Page 194: Pescadores sem águas

192

Assim, esta tipologia de quatro grandes estratégias não quer dizer que se esteja

sugerindo categorias classificatórias mutuamente exclusivas: se um pescador está incluso

em uma delas, não poderia estar em outras. Trata-se de movimentos ou de dinâmicas, de

táticas de estratégias maiores, de um plano de “encontrar” o seu lugar em um território

gerido por sistemas de gestão permeados de regras de acesso e uso, distintos de “livre

acesso”. O livre acesso está considerado no âmbito legislativo das gestões dos recursos

pesqueiros (CASTRO e McGRATH, 2001; PEREIRA, 2004) ou da política setorial da

pesca que considera desenvolvimento numa perspectiva de aumento de produção e não

sobre as formas de gestão e manejo.

Se os pescadores buscam o seu lugar nas políticas setoriais da conservação da

biodiversidade, o Mosaico pode ser esse espaço de reflexão ou proposição regional, pois

considera também a sociodiversidade e o desenvolvimento na escala regional. A pesca

artesanal é seletiva, realizada de zagaia e caniço, também de malhadeiras, com

determinadas espécies chaves para o comércio local em Novo Airão, ou para a exportação

para frigoríficos de Manacapuru ou Manaus.

A lógica de preservação dos estoques pesqueiros é realizada pelo seu valor de uso,

seja dos moradores de comunidades, que almejam excluir usuários, para proteger os

estoques de pescados para o seu consumo alimentar, ou mediante novas oportunidades

econômicas advindas da pesca esportiva (cota zero), em que os pescadores passam a ser

empregados das empresas de turismo ou como a comunidade compensada com recursos

materiais ou financeiros.

Para os pescadores citadinos, a lógica de preservação é semelhante, pois garante a

subsistência alimentar e a venda do excedente. Para isso, utilizam uma grande variedade de

ambientes e de locais, constituindo uma “territorialidade negociada”.

Dois grupos distintos de pescadores artesanais se apresentam: os monovalentes e os

polivalentes. Os monovalentes são aqueles que realizam a pesca como sua única atividade,

enquanto que os polivalentes investem também em outras atividades (agroextrativistas ou

referentes às cadeias de produtos e serviços oferecidos na região, especialmente o turismo

e a piscicultura). Do ponto de vista dos pescadores polivalentes, a exemplo daqueles que

são agricultores, o “defeso” não corresponde ao período de proibição legal da pesca

comercial, mas sim ao período em que realizam atividades de cultivos agrícolas. Ou seja, a

lógica é do “descanso”: o pousio da terra, que é observado na agricultura de coivara e que

Page 195: Pescadores sem águas

193

consiste na lógica de descanso da terra para a formação de capoeiras e regeneração dos

solos, também acontece nos ambientes aquáticos da pesca116

.

Outra lógica também presente nos diálogos com os pescadores é o rodízio das

pescarias entre diferentes ambientes e locais, ditos em relação aos ambientes de

Anavilhanas, que são abertos, e comparados com os exemplos dos acordos de pesca na

várzea; ou no manejo de Pirarucu, desenvolvido na RDS do Mamirauá117

; ou na concessão

temporária para excursões de pesca, como proposto no Rio Carabinani, afluente do Rio

Jaú118

. Por outro lado, é unânime a proteção de habitats como locais de reprodução, a

exemplo das cachoeiras presentes no Rio Puduari, onde a Matrinchã que migra do Rio Jaú

se reproduz.

No entanto, a legislação ambiental, neste caso, está pautada em outra lógica – a da

administração jurídica – que atende aos objetivos da unidade de conservação, dentro de um

modelo de gestão centralizada e mais rígida em adequações, enquanto que no sistema da

pesca, a fluidez e a descentralização são uma característica da própria gestão. Por outro

lado, gestores das UC’s e usuários estabeleceram uma linha tênue de conciliação de

interesses por meio de diálogos, que se fizeram necessários, fazendo com que co-existam

modelos de gestão. Esse sistema pode ser considerado como positivo enquanto medida

emergencial e transitória, ou enquanto o sistema “funcionar”, auxiliando nos objetivos da

unidade de conservação, e excluindo usuários externos aos ambientes manejados

clandestinamente pelos pescadores. Este conjunto de estratégias é, ao mesmo tempo, uma

forma adaptável, enquanto negociação, e de estratégia de resistência, que permite o acesso

e o uso a um território histórico e culturalmente construído.

Os autores citados nos referenciais teóricos, assim como na literatura referente ao

tema, como Crawford (2002), Nindi (2007), Bené et al. (2000) e Tafida et al. (2011),

apesar de terem analisado estratégias e modos de vida de pescadores sob outras

perspectivas relacionadas à sobre-explotação da pesca, recomendam a diversificação de

atividades, quando está relacionada ao viés econômico e a necessidade de participação dos

pescadores nos processos de tomadas de decisão quanto à sua gestão. Cito este argumento,

pois, em muitas ocasiões, é vendida a ideia no Rio Negro de que o turismo é uma

alternativa frente ao extrativismo. Neste estudo, portanto, se mostrou que nem sempre

116

Comunicação pessoal com Eugênio (Tesoureiro da Colônia dos Pescadores AM – 34). 117

Walter de Souza (pescador), José Adimar (pescador) e Nazareno (Presidente da APNA) disseram que já

fizeram essa proposta em discussões sobre a pesca em Anavilhanas. 118

Comunicação pessoal de Evandro Cordeiro (Presidente da Colônia AM – 34).

Page 196: Pescadores sem águas

194

existe a possibilidade ou a opção de abandono, e por isso, não deveria ser entendida como

uma tendência de evolução linear e progressista, mas como interações. Ou seja, trata-se de

ver como a pesca e o turismo se relacionam e podem co-existir. Neste sentido, Berkes et al.

(2001) e McKean e Ostrom (2001) ressaltam também a necessidade de se reconquistar a

credibilidade e a confiança na gestão dos recursos naturais e, para isso, é necessária

abertura para que sejam compartilhadas decisões e responsabilidades entre as instituições

do Governo e os pescadores, em suas instituições formais e informais.

Page 197: Pescadores sem águas

195

8. CONSIDERAÇÕES E REFLEXÕES DA PESQUISA

8.1 A METODOLOGIA E OS PERCALÇOS

A metodologia dialógica e participativa trouxe informações que dizem respeito a

elementos históricos de formação da pesca artesanal, no que se referem à opção em meio a

um conjunto de mudanças na economia e nas leis refletidas no Baixo Rio Negro. Porém, os

depoimentos orais, ainda assim, correspondem a visões pessoais dos pescadores artesanais

interpretadas pelo pesquisador, e, sendo assim, este trabalho não pode servir de base

política para a gestão territorial ou para medidas administrativas do benefício do “Seguro

Defeso” ou para uso dos próprios pescadores artesanais para qualquer fim, pois, conforme

destacado, o território e as pessoas estão em movimento. As visões repassadas pelas

entrevistas concedidas e as interpretações do pesquisador, aliadas aos outros instrumentos

de pesquisa utilizados, são parciais dentro da proposta teórica e dos objetivos da pesquisa.

Neste sentido, recomenda-se, que caso existam pesquisas posteriores na região e

com o tema da pesca, que também se realizem etnografias, o que envolve a ida nas

excursões de pesca, a participação nos eventos religiosos ou o aprofundamento nos

aspectos mitológicos, e também a análise de discurso, que poderia trazer novos elementos

que dizem respeito à história oral e às estratégias da adaptabilidade e resistência, entre

outros. Esta última proposta vale ser destacada, pois, em diferentes depoimentos, houve

momentos de denúncia por parte dos entrevistados; em outros, houve preocupações na

condução de suas narrativas.

Também é importante que sejam realizadas pesquisas verticalizadas, focadas em

uma área mais delimitada, como um rio ou uma comunidade; ou ainda, nas áreas não

abrangidas neste estudo, como as Margens Esquerda e Direita do Rio Negro, especialmente

nas APA’s e na RDS do Rio Negro. Também, recomenda-se algum estudo que abranja os

pescadores comerciais de Manaus que são usuários do Rio Negro, ou ainda que se

comparem as dinâmicas ocorridas nesse trecho do rio com o de outros grandes rios

Amazônicos.

Estas informações, baseadas em outras abordagens metodológicas, ou recortes

teóricos e geográficos, ou até sociais, podem trazer novos elementos referentes aos

Page 198: Pescadores sem águas

196

aspectos históricos, de gestão, ou até mesmo sobre territorialidade, neste contexto

contemporâneo.

Sendo assim, talvez os maiores percalços refiram-se ao fato não ter participado de

nenhuma atividade prática da pescaria. Por outro lado, houve participação nos ambientes

políticos de discussões ao qual, esta vivência permitiu a linha de raciocínio estabelecida

neste texto.

Outra pesquisa poderia envolver diretamente os gestores públicos da pesca e das

UC’s e ainda empresários da pesca esportiva. Isto poderia trazer novas visões, informações

e debates.

No que diz respeito à ecologia e ao manejo dos ambientes dos pescadores

artesanais embarcados, apesar de não ter sido o objetivo relacionar ou aprofundar como

acontecem as relações com os diferentes ambientes e áreas de pesca, estas informações são

fundamentais para aprofundar a ideia desenvolvida nesta pesquisa, no que diz respeito à

adaptabilidade, pois não se sabe como um pescador artesanal reorganiza o seu

planejamento de incursões territoriais após a interdição de uma área antes utilizada. Será

que isso ocasionará a sobre-explotação da pesca em outra região?

Outras perguntas que vieram após o término da análise das entrevistas também

ficaram sem respostas: Por que o Tucunaré e o Cará são importantes comercialmente?

Como esse mercado é criado? E assim, também comparar com outras bacias a forma como

são construídas as aptidões para as tipologias de pescadores de determinadas espécies.

Talvez as respostas sejam simples; talvez permitam a formulação de novas perguntas.

8.2 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O fim é o modo de dizer que neste momento, a presente etapa da pesquisa está

finalizada, as reflexões e a continuidade de formulação de perguntas e construção de

caminhos para se obterem respostas estão apenas no começo. Portanto, no que se referem

às estratégias de adaptabilidade, pode se dizer que as UC’s formam parte do sistema dos

pescadores artesanais e que atuam nas quatro tipologias propostas.

A mobilidade de pescadores artesanais embarcados ocorre por razões históricas no

uso de ambientes no Médio Rio Negro, independentemente da presença das UC’s.

Page 199: Pescadores sem águas

197

Entretanto, a reconfiguração territorial, como a emergência dos territórios sociais

comunitários, e nesse caso, no Rio Unini e Jauaperi, mobilizou a exclusão de determinado

grupo de pescadores artesanais embarcados, nos principais rios utilizados no Baixo Rio

Negro. Nesses rios, e mais fortemente no Médio Rio Negro, adiciona-se a influência dos

empresários da pesca esportiva que negociam com as comunidades o uso exclusivo de

áreas de pesca, e tem influenciado nas políticas públicas, como a edição do “Decreto Rio

Negro” ou no foco de incentivos de atuação do IBAMA no Rio Jauaperi.

A mobilidade de pescadores artesanais comerciais rabeteiros, que são em maior

número, utilizam quase que na totalidade os ambientes inseridos no Mosaico, interstício e

entorno imediato. Isso faz com que, em parte, sejam clandestinos, salvo aqueles que

pescam exclusivamente em áreas fora das UC’s, mas de qualquer maneira, transitam no

território.

Neste sentido, a estratégia co-evolutiva fez com que os pescadores artesanais

reivindicassem nos conselhos gestores e fóruns da pesca o seu espaço. Uma evidência do

desejo de propor formas de manejo é a realização do processo do acordo de pesca do

Juvência ao Puduari. Nesse acordo, houve duas guinadas de posição política dos líderes

dos pescadores. Primeiramente favoráveis, para, em segundo momento, buscarem

“sabotar” o processo de elaboração, na justificativa de que mais uma vez teriam áreas de

pesca desapropriadas. No entanto, ao perceberem que se tratava de garantir o

reconhecimento de que existem pescadores e que existem áreas dos pescadores, fizeram

com que se aprovasse a proposta em plenário. Porém, o maior desafio na gestão territorial

neste é construir relações de confiança, uma vez que existe grande descrédito em processos

anteriores, como nos acordos de pesca, e assim por diante.

Por isto também, este trabalho traz importantes reflexões a respeito dos sistemas de

gestão co-existentes. Em primeiro lugar, o conjunto dos instrumentos, como os acordos de

pesca do Rio Unini, Juvêncio ao Puduari, trazem limites claros de rodízio de embarcações,

capacidade de carga, zoneamento e períodos de defeso específicos, assim com o Decreto

do Rio Negro, que também soma rodízio de barcos e capacidade de carga.

O desafio trata de refletir o modelo de gestão nos sistemas abertos do Rio Negro,

que incluem os ambientes dentro dos Parques Nacionais. No caso de Anavilhanas, somado

ao uso das áreas pelas comunidades, também existe trânsito de pescadores citadinos. Essa

realidade não pode ser vista como “ameaça” para os objetivos da UC, como destacado no

Plano de Manejo (IBAMA, 1999), mas, conforme discutido no capítulo 5 e 6, como um

Page 200: Pescadores sem águas

198

sistema que possa co-evoluir para outros modelos de gestão, que foram citados pelos

pescadores, como as propostas de zoneamento de várias áreas ou, em outras palavras, que

se possa discutir abertamente o “mapa social e ecológico da pesca”.

No entanto, esta proposta não poderia ser discutida isoladamente entre a gestão de

uma UC, pois outros elementos de “ordenamento territorial” devem ser analisados no

conjunto da “obra”. E neste sentido, sugere-se que seja feita uma reflexão sobre o período

de defeso, ou uma redefinição do que se trata em termos de conservação dos estoques

pesqueiros; isto para re-significar o conceito do defeso para o Rio Negro, para assim

também extrapolar novos sentidos dados ao benefício social do “Seguro Defeso”.

Para isto, sugere-se que as lideranças das entidades de pescadores reflitam sobre o

seu papel na gestão territorial, associado com a administração do “Seguro Defeso”, pois

tem focado mais neste último. Isto porque pode dar a sensação de que o MPA é dos

pescadores e é “bom”; e as UC’s são do ICMBio/CEUC e são “más”. Assim como, neste

sentido, para as políticas públicas da conservação da natureza, a visão de que “pescadores”

são “ameaças” aos objetivos de determinadas unidades, também poderiam ser repensados.

Para as lideranças, que por ventura defenda o “livre acesso”, deveriam refletir sobre os

diferentes sistemas co-existentes.

O ordenamento territorial também não poderia congelar regras e normas para

melhor objetivar o controle, mas de forma descentralizada, flexível e participativa,

envolver os diferentes usuários, historicamente situados, na construção de sistemas de

manejo e regras, pois essa gestão representa a gestão da vida das pessoas. É claro que não

se trata apenas de pensar em regras ou modelos únicos para a região, pois existem

especificidades locais nessa grande diversidade de situações, como por exemplo, a situação

de conflito entre a Vila Nova, que solicita a exclusão da RESEX do Rio Unini, mas insiste

em utilizar os ambientes internos. Quais as alternativas para esse caso? Um acordo

específico entre a gestão da Resex e os pescadores da Vila Nova? Aumento do rigor na

proibição da entrada destes pescadores?

Se argumentou que o conjunto de restrições que promovem a clandestinidade, seja

no Baixo Rio Negro, no caso das UC’s de proteção integral, ou através do “Decreto Rio

Negro”, que proíbe a pesca do Tucunaré, faz com que apenas pescadores comerciais de

Manaus tenham permissão para transitar e se utilizar dos cardumes de Jaraqui e Matrinchã.

Isso representa uma lógica excludente regional. Se existe a proposta de zoneamento por

parte dos pescadores no Baixo Rio Negro, no médio curso do rio, essa pauta já circunda há

Page 201: Pescadores sem águas

199

pelos menos quatro anos, citada na versão do decreto de 2007, e também comentada nas

audiências públicas em 2010 no município de Novo Airão.

Não existe uma solução para o “problema”, mas existem caminhos, e estes não

deveriam ser únicos. Comunidades ribeirinhas almejam controlar os seus territórios,

gestores administram juridicamente as UC’s, na cidade existe a demandas por alimento

(pescado) e trabalho (a atividade da pesca), o turismo e a piscicultura são estimulados, a

população aumento demograficamente, logo além refletir sobre outros modelos de gestão,

a diversidade de opções deveriam ser consideradas, visto que existem.

Por último, as “estratégias de adaptabilidade” descritas, aliadas às políticas setoriais

da pesca e da conservação da biodiversidade pela manutenção dos espaços protegidos, são

uma oportunidade para que se refletida também sobre a ideia de Mosaico e a sua gestão. E

finaliza-se com a pergunta: É possível valorizar “pescadores” em sua diversidade de

tipologias, capacidades de captura, identidades étnicas e no continuum entre a sede urbana

e áreas rurais? Como compatibilizar esses aspectos sociais com a conservação da

biodiversidade, também distinta no mosaico da paisagem? Que desenvolvimento regional

se almeja construir? Os elementos tratados aqui se referem apenas ao Rio Negro? Ou, que

Mosaicos são produzidos pelos pescadores artesanais?

Abaixo um foto de Oscar Sarcinelli.

Figura 29 – Por de Sol no Baixo Rio Negro. Fonte: Oscar Sarcinelli

Page 202: Pescadores sem águas

200

9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Page 217: Pescadores sem águas

215

ANEXO 01: TABELA COM AS TIPOLOGIAS DOS PESCADORES. FONTE:

SOBREIRO (2007)

Page 218: Pescadores sem águas

216

Page 219: Pescadores sem águas

217

ANEXO 02: CRONOLOGIA DA PESQUISA119

Análise Período Evidências

Mosaico

1ª. Reunião 15/04/2008 Participação no GT para organizar oficina do

Mosaico

Reunião com gestores 26/05/2008 Pesca é parte comum do território (ata)

I Oficina do Mosaico 12-

13/08/2008

Relatório (Status das UC’s)

II Oficina do Mosaico 27-

28/09/2009

Produzido Relatório (gestão Mosaico)

Reunião do conselho 06/05/2010 Gestão Mosaico (ata)

I Capacitação conselheiros

Mosaico

02 –

04/06/2010

Histórias e gestão (relatório)

II Capacitação conselheiros 05-

08/08/2010

Gestão e Mosaico (relatório)

III capacitação conselheiros 20-

23/10/2010

Gestão e Mosaico (relatório)

IV capacitação conselheiros 22-

26/03/2011

Gestão e Mosaico

Conselhos

PAREST Setor Norte

12 e

13/03/2008

28/08/2009

Contatos com participantes

Conflitos entre pescadores e ilha do Jacaré/entre

pescadores e mineração de areia (caderno de

campo)

ESEC/PARNA Anavilhanas

14/03/2008

11/07/2008

18–

9/08/2010

Formação do GT Pesca

Conflitos Pesca e ilha do Jacaré

Prioridade turismo

Workshop do comitê técnico e científico da ESEC

de Anavilhanas (17 e 18/10/2008)

PARNA Jaú

19-

20/07/2008

30/11/2010

Conflitos e gestão (caderno de campo/atas)

REDES Tupé 11/06/2008 Piscicultura (tanque rede); ecoturismo (caderno de

campo)

RESEX Rio Unini 31/11/2010 Pesca, conflitos (caderno de campo, ata)

Pesca

GT Pesca

14/03/2008

03/07/2008

09/07/2008

30/07/2008

11/09/2008

Um Relatório (Demanda por termo de compromisso

para pesca subsistência no interior da UC; Conflito

pesca X Waimiri (Ilha do Jacaré; Conflito mapa

(região Baipendi); Acordo de pesca não aprovado; e

Monitoramento/desembarque/feira (relatório)

Seminário de Pesca

(SEMMADES/NA) 23/04/2009

Um relatório (decreto rio Negro, interligação entre

pescadores e baixo rio Negro, Decreto rio Negro,

pesca esportiva)

Reunião Rede Rio Negro

(FVA) 12/08/2010

Fracasso acordo de pesca Jauaperi (demandas não

compridas – pesquisa e fiscalização – IBAMA)

Viagem ao rio Jauaperi 13 –

20/08/2009

Visitas a comunidades (relatório)

Reunião AQUABio 21/01/2010 Informações pesca e política pública (caderno de

campo)

Audiência pública dec Rio

Negro. 27/04/2010

Políticas públicas (ata)

119

Eventos registrados ou em caderno de campo ou com entrevistas gravadas.

Page 220: Pescadores sem águas

218

Reunião CEUC/Pesca UC’s 02/05/2010 Políticas públicas (caderno de campo)

Construção propostas decreto

rio Negro 08/05/2010

Políticas públicas (propostas)

Retomada acordo de pesca 21/08/2010 Políticas públicas, gestão, informações pesca (ata)

Audiência pública acordo de

pesca Jauaperi (MPA) 09/09/2010

Políticas públicas/conflitos/informações pesca

(digital, caderno de campo)

Acordo de pesca 28 –

29/10/2010

Políticas públicas/conflitos/informações de pesca

(caderno de campo)

Política territorial da Pesca

(Cáritas) 04/11/2010

Políticas públicas (caderno de campo)

Reunião Acordo de pesca 08/11/2010 Informações sobre pesca/pescadores (caderno de

campo)

Assembléia pescadores

Colônia Pescadores AM 34 15/11/2010

Estratégias (digital e caderno de campo)

Reunião comunidade Bom

Jesus do Puduari 20/11/2010

Estratégias (caderno de campo)

Reunião Sobrado 21/11/2010 Estratégias e conversas informais (caderno de

campo)

Reunião lideranças pesca 02/12/2010 Estratégias e pesca (caderno de campo)

Acordo de pesca 03/12/2010 Estratégias (digital)

Quilombolas 23/05/2008

23/06/2008

Sobre a importância do rio antes de fecharem

Audiência pública (menção a pesca pirarucu e

quelônios (caderno de campo)

Turismo 21/05/2008

01/06/2008

Investimentos em turismo/relação da pesca com o

turismo (caderno de campo)

Piscicultura 19/06/2008

Piscicultura incentivado IDAM/MDA em

comunidade APA MD. Rio Negro (caderno de

campo)

Reunião Sindicato

(Previdência) 14/09/2010

Previdência populações rurais (caderno de campo)

Audiência pública PAREST

Sul 16/08/2010

Proposta de redelimitação (caderno de campo)

Depoimentos

Participante 01(liderança) 27/08/2010 Depoimento oral (gravada e transcrita)

Pauletiene Horta(liderança) 27/08/2010 Idem

Acácio de Souza 14/09/2010 Idem

Ivani Ferreira (Deco)

(comercial) 14/09/2010

Idem

Pedro (liderança) 16/09/2010 Idem

Raimundo Valente (rabeteiro) 10/11/2010 Idem

Edival Valente 10/11/2010 Idem

José Pontes 14/11/2010 Idem

03 entrevistas 15/11/2010 Digital

Raimundo Camanaú 20/11/2010 Caderno de campo/digital

Moisés 20/11/2010 Caderno de campo

Pescador 21/11/2010 Caderno de campo

José Mendes do Nascimento 22/11/2010 Caderno de campo/gravação músicas

03 Entrevistas 22/11/2010 Caderno de campo

Loro Garcia 22/11/2010 Caderno de campo

Conversa informal pescador

do Jaú 30/11/2010

Caderno de campo

Conversa informal com

lideranças Vários dias

Caderno de campo

Conversa informal com fiscal 30/11/2010 Caderno de campo

Conversa informal com

pescadores rio Unini (focal) 25/03/2011

Digital

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ANEXO 03 – DOCUMENTO DE ANUÊNCIAS E AUTORIZAÇÕES

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