Temas/Habilidades em Medicina de Urgência
PERICARDITE AGUDA
*Daniel Valente Batista
INTRODUÇÃO
Pericardio é um lamina de tecido fibroelástico dividida em duas porções: visceral
e parietal, que envolve e protege o tecido miocárdico. Essas duas lâminas são
divididas por um espaço potencial onde habitualmente circulam cerca de 50 ml
de líquido seroso.
As afecções do pericárdio podem ser divididas em 4 entidades:
-Pericardite Aguda e a Recorrente
- Tamponamento Pericárdico
- Pericardite Constrictiva
- Tamponamento Pericárdico com repercussão Hemodinâmica
Iremos neste texto nos ater a Pericardite Aguda:
A pericardite aguda (PA) é a patologia mais comum envolvendo o pericárdio.
Resulta da inflamação do pericárdio, na maioria das vezes resultante de uma
infecção viral ou de causa idiopática, mas também podendo ser por conta de
afecção rematológicas, auto-imunes, trauma, tuberculose, dentre outras. No
Brasil, temos sempre que levantar a hipótese de Tuberculose devido a maior
prevalência dessa afecção em relação a outras localidades.
A pericardite aguda se refere a inflamação do saco pericárdico que pode,
inclusive, se extender ao tecido miocárdico, recebendo, assim, a denominação de
Miopericardite.
APRESENTAÇÃO CLÍNICA
Em geral, é um paciente que apresenta-se com dor torácica que tipicamente piora
com a ventilação ou tosse, tipo pontada e que melhora com o paciente ficando
sentado e com o tronco anteriorizado para frente. A dor,em geral, é descrita na
região anterior do tórax. Mais de 95% dos pacientes apresentam-se com dor e
esta é mais comum em doentes com quadro secundário a infecções. Em doentes
*Médico com Graduação pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará. Oficial do
Serviço de Saúde do Exército Brasileito. Ex-integrante da Liga do Coração- FaMed-UFC
com pericardite por doenças reumatológicas ou secundária a uremia, por exemplo
pode-se desenvolver um quadro de pericardite sem dor franca. Ao exame físico,
o sinal típico é o atrito pericárdico, um som semelhante ao retorcimento de couro,
melhor audível em bordo esternal esquerdo. Contudo, a depender do estágio e da
gravidade da doença, poderão ser notados estase de veias jugulares, taquicardia,
hipofonese de bulhas, pulso paradoxal e sinais de baixo débito cardíaco.
Em uma parcela considerável dos casos, contudo, os estigmas da doença de base
que originou a PA dominam o quadro e aparecem concomitantemente com a dor.
Por exemplo, febre baixa, perda de peso ,adinamia na Tuberculose. Alteração de
função renal, Hipertensão, Diabetes ou Doença Renal prévia, na pericardite
urêmica. História de neoplasias prévias, na infiltração neoplásica do pericárdio.
Febre alta, congestão nasal, tosse e mialgia nos quadro virais.
EXAMES INICIAIS
Frente a suspeita de PA devem-se solicitar, inicialmente, os seguintes exames:
Hemograma, PCR e VHS: como a pericardite é uma doença inflamatória,
marcadores inflamatórios que servem para acompanhar a evolução da doença e
sua diminuição ou normalização é utilizada como um dos índeces para cessar o
tratamento
Eletrocardiograma: O pericárdio é eletricamente inativo. Por isso, as alterações
que existem no ECG são secundárias a inflamação do epicárdio. Por isso, se
houver afecção do pericárdio mas a mesma não chegar a compromete ro
epicárdio, poderemos ver um ECG normal, como por exemplo nos casos de
pericardite urêmica. Classicamente, observam-se 4 estágios da pericardite:
1) Horas – Dias: supradesnivelamente difuso do ST, com infra do ST em V1 e
aVR e supra do aVR PR (por corrente de lesão atrial).
2) 1 semana após o quadro: normalização do ST e PR
3) Após fase 2, surgem inversões de ondas T de maneira difusa, mas essa fase
pode não ocorrer.
4) Normalização do ECG definitiva ou persistência indefinida das inversões de
ondas T ( ‘pericardite crônica’)
A presença de arritmias sugerem lesão de tecido miocárdico além do simples
acometimento pericárdico. No ECG deve-se procurar diferenciar as duas
principais entidades que podem confundir-se com os supras da PA: Isquemia por
Infarto e a Alteração de Repolarização Precoce, muito comum em homens
jovens. A correlação clínica da dor junto ao achado no ECG também é de muita
relevância. O paciente com síndrome isquêmica tem uma probabilidade bem
maior de apresentar-se com uma dor de inicio gradual, em localização típica e ter
fatores de risco associados bem como uma idade mais avançada, além de
melhorar com o uso dos nitratos, ao passo que um paciente com pericardite tem
uma dor mais súbita, que varia com respiração, que melhora com a posição
sentada com tórax anteriorizado, piora com o decúbito dorsal e não melhora com
nitratos.
Radiografia de Tórax em PA e Perfil: auxilia na detecção de complicações da
pericardite (cardiomegalia secundária a algum derrame) ou no diagnóstico
diferencial ao mostrar, por exemplo, um derrame pleural. Vale lembrar que pelo
menos uns 200 ml devem estar acumulados no saco pericárdico antes de haver
aumento nítido na silhueta. Por isso, um Raio-X sem alterações não invalida o
diagnóstico de pericardite.
Ecodopplercardiograma: é um exame excelente para avaliar função cardíaca e
detectar derrame pericárdico. Um Eco com derrame favorece muito o diagnóstico
de pericardite. Também pode ocorrer disfunção sistólica de maneira difusa,
raramente sendo segmentar. Porém, o exame normal de maneira alguma afasta o
diagnóstico, haja vista que o mesmo pode ser normal em até 40% dos casos.
Uréia: Lembrar da Pericardite Urêmica
Creatinina: Devemos ter noção da função renal, que pode ser prejudicada com o
uso dos anti-inflamatório
Figura 1 - Paciente com doença renal crônica e derrame pericárdico secundário
a uremia evoluindo com pericardite urêmica. Observe a cardiomegalia e o
coração em 'moringa' típico do derrame pericárdico volumoso. O paciente
evoluiu com pericardite constrictiva tendo sido submetido, posteriormente, a
pericardiectomia. Imagem: arquivo pessoal do autor.
Anti-HIV 1 e 2: Em casos selecionados, pode ajudar a esclarecer a etiologia do
quadro.
CK-MB massa e Troponinas I e T: As alterações dos biomarcadores cardíacos
levam ao diagnóstico de miopericardite, que requer melhor avaliação do quadro e
a melhor avaliação sobre a possibilidade de uma Síndrome Coronariana Aguda.
INDICAÇÕES DE INTERNAÇÃO
Febre associada a leucocitose, Evidência de tamponamento cardíaco, Derrame
pericárdico volumoso ( espaço livre no Eco maior de 20 mm), Pacientes
imunosuprimidos, Uso de Anticoagulantes Orais, Trauma agudo, Falha em
responder aos AINEs por sete dias, Elevação de marcadores cardíacos (sugerindo
miopericardite)
TRATAMENTO
O tratamento da doença é direcionado a causa base, na sua maioria de origem
viral ou idiopática. Nesses casos, a terapia sintomática com uso de Anti-
inflamatórios Não Esteroidais (AINEs) e a colchicina se mostram eficazes na
maioria das vezes. Contudo, pacientes evoluindo com derrame pericárdio
volumoso, com insuficiência cardíaca por restrição diastólica ou pericardite
constritiva poderão necessitar de drenagem do pericárdio ou pericardiectomia.
AINEs
O tratamento com AINEs deverá ser enquanto durarem os sintomas, o que
geralmente se encerra com 1 a 2 semanas. A falha em responder aos AINEs com
uma semana, demonstrada por: persistência da dor ventilatório dependente,
aumento de eventual derrame pericárdico, sinais de baixo débito ou persistência
da febre deverá levar a uma nova avaliação da etiologia do quadro, bem como a
internação hospitalar.
O Ibuprofeno é o AINE de escolha na pericardite. Sua dose varia de 400 a 800
mg de 8/8h por 7 a 14 dias, habitualmente, com um desmame secundário.
Apresentações: 200, 300, 400 e 600 mg.
O AAS também é uma opção alternativa. Contudo, em pacientes com Pericardite
associada a Infarto agudo do Miocárdio, ele passa a ser a 1ª Opção no tratamento
em doses que variam de 625-1000 mg de 6/6h a 8/8h por 7 a 14 dias
habitualmente. AAS também pode ser a primeira escolha em doente que já
estejam fazendo o uso dela, em doses baixas, por outros motivos. Por exemplo,
um paciente que usa doses baixas de AAS para prevenção secundária de IAM.
Apresentações: 100, 200 e 500 mg
Indometacina se faz na dose de 50 mg VO 3x/d. Apresentações: 25 e 50 mg
Em todos, um desmame mais lento pode ser feito após o período agudo (7-14
dias). Os marcadores inflamatórios (VHS e PCR) poderão guiar a velocidade em
que esse processo será feito.
Devemos lembrar os pacientes de que atividade física extenuante poderá servir
de gatilho para recorrência da pericardite. Dessa forma, deve-se evitar esforços
até a normalização dos exames e ausência dos sintomas. Em caso de
miopericardite, atletas profissionais deverão ficar afastados das práticas
competitivas por um período mínimo de 6 meses e desde que os exames
cardíacos: Holter, Ecodopplercardiograma, Enzimas cardíacas e Teste
Ergométrico não mostrem alterações.
Inibidores de Bomba de Prótons
Como a base do tratamento da Pericardite Aguda (PA) são os AINEs, não
podemos nos esquecer da proteção gástrica que se faz necessárias nestes
pacientes especialmente os maiores de 65anos, os que já fazem uso de
anticoagulantes orais, AAS ou AINEs e os que tem história de sangramento
digestivo alto ou gastrite. Sendo assim, recomenda-se o uso de Inibidores de
Bomba de Protóns enquanto for necessário o tratamento agudo:
Omeprazol 20 ou 40 mg V0 1x/d antes do café; Pantoprazol 20 ou 40 mg V0
1x/d antes do café; Lanzoprazol 15 ou 30 mg VO 1x/d antes do café
Colchicina
A maioria dos pacientes irá responder bem a terapêutica utilizando apenas os
AINEs, contudo, quando a colchicina é associada a eles, a diminuição dos
sintomas é mais rápida e as taxas de recorrência da pericardite são menores
(conforme resultados de alguns estudos, como o COPE), além de ser um droga
bem tolerada. Por isso, recomenda-se a associação de AINEs e Colchicina no
primeiro episódio de pericardite aguda. A colchicina tem apresentações com
comprimidos de 0,5 mg e deverá ser usada na dose de 0,5 mg VO 2 vezes ao dia
pelo período de 3 meses, sem a necessidade de desmame quando este tempo
findar.
Corticóides
O papel dos glicocorticóides, especialmente a Prednisona, no manejo do
pacientes com pericardite aguda parece se dar apenas naqueles que tem alguma
contraindicação formal ao Uso de AINEs (alergia, por exemplo) ou naqueles em
que o manejo inicial com essas medicações não está sendo efetivo. Além disso,
os estudos presentes são conflitantes em relação ao tempo de tratamento e a
posologia a ser administrada. O Consenso da Sociedade Européia de Cardiologia
(2004) aponta o uso de corticóides nas seguintes situações:
1) Pacientes com sintomas refratários
2) Pacientes com contra-indicações formais aos AINEs
3) Quando o quadro de Pericardite é por doença auto-imune
4) Pericardite Urêmica
A dosagem difere entre as sociedades. O uptodate (julho/2012) recomenda o uso
de doses baixas de prednisona 0,25 a 0,5 mg/kg/dia (comp de 5 e 20 mg) por 2
semanas e depois um desmame gradual. Que pode ser feito da seguinte forma:
Dose diária > 50 mg – diminua 10 mg/dia ao longo de 1 a 2 semanas
Dose diária 25-50 mg – diminua 5-10 mg/dia ao longo de 1 a 2 semanas
Dose diária 15-25 mg – diminua 2,5 mg/dia ao longo de 2 a 4 semanas
Dose diária <15 mg – diminua 1,25 -2,5mg dia ao longo de 2 a 6 semanas
Tabela 1 - TABELA RESUMO DO TRATAMENTO MEDICAMENTOSO DA
PERICARDITE AGUDA. Adaptado de: uptodate.com/online Treatment of acute
pericarditis 2012
Droga Dose Duração Desmame
Combinação Inicial na maioria dos doentes
Ibuprofeno 400-800 mg 3x/d 1-2 semanas Diminua semanalmente
OU
Indometacina 50 mg 3x/d 1-2 semanas Diminua semanalmente
ASSOCIADO
Colchicina 0,5 mg 2x/d 3 meses Sem necessidade
Combinação para pacientes com IAM
AAS 625-1000mg 3x/d 1-2 semanas Diminua semanalmente
ASSOCIADO
Colchicina 0,5 mg 2x/d 3 meses Sem necessidade
Para casos REFRATÁRIOS ou contra-indicações a AINEs
Prednisona 0,25-0,5mg/kg/d 2 semanas Gradual
ASSOCIADO
Colchicina 0,5 mg 2x/d 3 meses Sem necessidade *Sempre lembrar da necessidade de se usar o Inibidor de Bomba de Protons.
ABORDAGEM CIRÚRGICA
Na maioria dos casos, apenas a abordagem medicamentosa redundará no sucesso
terapêutico, porém, em algumas situações se pode fazer necessária um
abordagem cirúrgia que irá variar desde uma drenagem do pericárdio até a
pericardiectomia cirúrgica.Não é a intenção desse texto aprofundar o manejo e as
diferentes abordagens desses pacientes, dentre os quais destacam-se os que
evoluem com:
- Derrame Pericárdico volumoso
- Pericardites recorrentes
- Pericardite contrictiva
BIBLIOGRAFIA
1) Imazio M e cols.Treatment of acute pericarditis. Acessado em:
uptodate/online em julho de 2012
2) Imazio M, Bobbio M, Cecchi E, et al. Colchicine in addition to
conventional therapy for acute pericarditis: results of the COlchicine for
acute PEricarditis (COPE) trial. Circulation 2005; 112:2012.
Top Related