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PERFIL DOS MORADORES DE SAN JOZÉ DO TAQUARI A PARTIR
DA RELAÇÃO DE MORADORES DE1784
THE RELATIONSHIP OF RESIDENTS OF 1784: A PROFILE OF THE
RESIDENTS OF SAN JOZÉ OF TAQUARY
Sandra Michele Roth Eckhardt
Graduanda/Universidade Federal de Santa Maria
RESUMO A existência de unidades agrícolas no sul do Brasil ao final do período colonial, cujo foco esteve na produção de
gêneros alimentícios destinados ao sustento de pessoas das unidades produtivas e também para o mercado
interno de abastecimento, já é conhecida para diversas regiões. Buscando-se atentar às lógicas próprias de
funcionamento dessas e uma decorrente autonomia em relação aos movimentos do mercado internacional de
exportação colonial, pretende-se investigar esses aspectos econômico-sociais em uma região de povoamento
açoriano. Para tanto, analisara-se o perfil demográfico e econômico dos moradores da Freguesia de San Jozé de
Taquary, no Rio Grande de São Pedro, ao final do período colonial. A partir da Relação de Moradores de 1784 é
possível verificar quem eram os sujeitos que estavam instalados nessa região e como esses obtiveram acesso aos
meios produtivos. Desse modo, podemos destacar a inserção dos imigrantes e descendentes de origem açoriana,
enquanto pequenos produtores, no mercado interno a partir da produção de gêneros alimentícios.
Palavras-chave: Mercado Interno. Relação de moradores. Taquary.
ABSTRACT The existence of farms in southern Brazil at the end of the colonial period, whose focus was on the production of
foodstuffs intended to keep people productive units and also for the domestic market supply, is already known
for different regions. In an attempt to look to their own logic of operation of these and a resulting autonomy in
relation to the movements of the international market for export colonial, we intend to investigate these aspects
socioeconomic in a region of settlement of the Azores. For both, analyzed the demographic profile and economic
support of residents of the Parish of San Jozé of Marburg, in Rio Grande de São Pedro, at the end of the colonial
period. From the Relation of Inhabitants of 1784 it is possible to check who were the subjects that were installed
in this region and as such gained access to the means of production. In this way, we can highlight the insertion of
immigrants and descendants of Azorean origin, while small producers in the domestic market from the
production of foodstuffs.
Keywords: Internal Market. The Relationship of Residents. Taquary.
Introdução
A proposta deste artigo é refletir e assinalar um perfil da produção agrícola praticada
por pequenos produtores no extremo sul da América Portuguesa, mais especificamente na
freguesia de Taquari, ao final do período colonial. A partir desses, apontar algumas
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possibilidades de pesquisa na história da agricultura, sobre a produção de gêneros alimentícios
destinados ao sustento de pessoas.
Ao observar a inserção desses pequenos produtores no mercado interno é possível
entender a sociedade colonial brasileira moldada não apenas nas relações entre grandes
senhores, donos de plantations e seus escravos. Mas também, por uma complexidade social
que guardava especificidades distantes dos modelos de produção escravista de exportação e
não se reduzida a vinculações de interesses externos.
O estudo da freguesia de San Jozé do Taquary pretende analisar e apontar questões
sobre a inserção da região sul do império português no mercado interno de alimentos. Os
moradores dessa freguesia ao final do período colonial eram pequenos proprietários, de áreas
de dimensões modestas se comparadas às estâncias, que encontraram na prática da agricultura
e na pequena criação de animais o necessário para o sustento da família e, quando havia,
comercializavam algum excedente no mercado regional e interno.
O lugar dos não afortunados na colônia do Império Português
Tentar entender a sociedade colonial brasileira moldada apenas nas relações entre
grandes senhores, donos de plantations e seus escravos é não perceber a complexidade social
que se formou na paisagem do período colonial e do século XIX.
Os apontamentos de Gilberto Freyre sobre a sociedade agrária brasileira gerou por
muito tempo uma visão calcada apenas na Casa Grande e Senzala, na qual a polaridade entre
senhores e escravos representaria a sociedade colonial1. No entanto, um gama de homens
livres pobres foram invisibilizados ou vistos como secundários. Espectro este que também foi
reproduzido por Caio Prado Jr, o qual atribuiu à população livre as dependências para com
grandes proprietários de terra e economicamente marginais à economia da plantation
escravista.
Uma nova historiografia dos anos 1970 e 1980 questionou esse modelo explicativo e
apontou grupos produtivos com organizações econômicas voltadas para o abastecimento de
alimentos e com verdadeira significação econômica e social, ainda que sua ligação com a
exportação fosse apenas indireta. Esses sujeitos estiveram conectados com o mercado interno
1 A obra desse autor apresenta traços muito marcantes da sociedade nordestina açucareira e ao generalizá-los
para toda América Portuguesa excluí uma imensidão sujeitos inseridos no mercado interno de alimentos.
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de alimentos e foram capazes de geral alguma acumulação de capital, a partir de suas próprias
práticas de interesses2.
A primeira renovação desse debate historiográfico se inicia a partir do interesse de
alguns pesquisadores preocupados em discutir o conceito de “modo de produção escravista
colonial”. Esses pesquisadores formularam hipóteses fora dos moldes da produção escravista-
colonial e buscaram explicações nas quais homens livres e pobres atuavam a partir de lógicas
próprias e não apenas sob os comandos dos interesses e poderes metropolitanos e grandes
proprietários de terras.
As abordagens críticas dos modelos explicativos gerais foram iniciadas por Ciro
Flamarion Cardoso, Jacob Gorender, Antônio Barros de Castro e Maria Yeda Linhares. Esses
autores propuseram explicações para além de esclarecimentos apenas políticos.
Aproximaram-se com outras áreas do conhecimento das ciências humanas, como a economia,
sociologia e antropologia e introduziram elementos dessas áreas no estudo das populações do
passado.
Pesquisadores inspirados no materialismo histórico e na história regional francesa da
“segunda fase” dos Annales, como Maria Yedda Linhares, João Fragoso, Francisco Carlos
Teixeira, Sheila de Castro Faria e Hebe Mattos, iniciaram nos anos 1970 um movimento
investigativo voltado para o estudo do mercado interno, a partir da sistematização de questões
metodológicas. Inovaram na utilização de documentos cartoriais, judiciais e eleitorais, dados
demográficos e fiscais, a fim de favorecer uma abordagem capaz de atender aos objetivos por
eles propostos3.
A partir dessa inovação metodológica apontaram novas problemáticas da história da
agricultura, particularmente os relacionados a sistemas de trabalho, uso da terra, produção de
alimentos, estrutura ocupacional, visões do cotidiano e das mentalidades. Como objetivos
principais propuseram compreender a história da agricultura composta de ritmos próprios de
sua prática, redefiniram conceitos, reformularam hipóteses e marcaram um movimento da
reprodução do mercado interno de alimentos da América Portuguesa, desconhecidos ou
ignorados até então.
Essa preocupação metodológica possibilitou a observação de sujeitos não inseridos no
modelo de produção escravista, caracterizados como formadores de uma produção
2 Especialmente o grupo de alunos ligados à pesquisadora Maria Yeda Linhares. Os quais buscaram enfatizar
uma presença camponesa no mercado interno de abastecimento colonial e do século XIX.
3 Essa inspiração se deu principalmente no racionalismo francês, a partir do qual criaram hipóteses e buscaram
fontes e fizeram uma história problema para a história da agricultura.
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fornecedora de mantimentos de primeira necessidade alimentar. Esses nem sempre possuíam
a propriedade da terra e mão-de-obra cativa como recurso de produção.
Esse perfil se assemelha ao que foi observado para os moradores da freguesia de San
Jozé do Taquary, os quais desenvolviam um sistema econômico misto, com maior presença de
atividades que envolviam a prática da agricultura e criavam pequeno número de animais.
Essas atividades eram praticadas de forma conjunta e a origem da fonte de sustento das
pessoas das próprias unidades e também poderiam inseriam os moradores dessa freguesia
num mercado interno local-regional.
A inclusão do Rio Grande de São Pedro aos interesses do Império Português na América
A inclusão do território localizado ao sul de Laguna, hoje município de Santa
Catarina, as possessões do rei de Portugal ocorreu a partir da expansão de algumas famílias de
bandeirantes paulistas que encontravam na mão-de-obra cativa do indígena uma das suas
principais bases de trabalho. Os paulistas conheciam a região desde o século XVII, pois esta
fazia parte do caminho para as Missões jesuíticas e, mais tarde, para as vacarias formadas com
a dispersão da criação de gado guarani4.
A ocupação da região mais ao extremo sul fazia parte da disputa entre as coroas
portuguesa e espanhola pela ocupação e definição dos limites territoriais de seus impérios.
Essa disputada somente veio a ser amenizada com o Tratado de Madri do ano de 1750, no
qual a ocupação portuguesa dos campos de Viamão é reconhecida pela coroa espanhola.
A chegada dos imigrantes açorianos se inicia a partir do final da primeira metade do
século XVIII, com o desembarque de famílias açorianas a partir de 1748 nos litorais de Santa
Catarina. No entanto, o cumprimento do Tratado de Madri não ocorreu de forma totalmente
efetiva, pois com a eclosão da Guerra Guaranítica em 1753 o encaminhamento dos migrantes
açorianos para o oeste teve de ser adiado e gerou o problema da dispersão desses e também
dos indígenas pelo continente de São Pedro.
Segundo Cleusa Maria Gomes Graebin (2006) “[...] uma vida em trânsito pelos
caminhos do Rio Grande de São Pedro foi o que a maior dos casais açorianos enfrentou desde
a sua chegada” (2006, pg. 207). Ao acompanhar algumas trajetórias dessa nova população,
através de justificações de matrimônio e registros de batismo, essa autora apontou as situações
4 KÜHN, Fábio. Gente da fronteira: família e poder no Continente do Rio Grande (Campos de Viamão 1720-
1800). São Leopoldo: Oikos, 2014.
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de arranchamento em que se encontravam os povoadores açorianos, na primeira década da
segunda metade do século XVIII.
O dispor dos casais e famílias açorianas que aguardavam por acomodações acabou se
dando a margem dos rios Guaíba, Jacuí e Lagos dos Patos, como uma medida provisória. No
entanto, enquanto aguardavam fixação esses acabaram se espalhando pelo continente e
envolvendo-se em um processo de espera pela posse efetiva das datas de terra que durou
cerca de duas décadas. Segundo Paulo Silveira e Sousa:
Em Santa Catarina, a distribuição de terras iniciou em junho de 1753 [...]. Contudo,
numa zona de fronteira como o Rio Grande do Sul, a promessa da Coroa demorava a
se tornar efetiva. Os casais de ilhéus tiveram que esperar 20 anos para tornarem-se
os legítimos senhores das suas dadas de terra, integrando-se a uma economia que
estava já estruturada em torno da pecuária da criação de gado e da produção e
comércio de couros e de carne salgada. (SOUSA, 2014, p. 88)
A observação desse autor reflete uma situação que os açorianos vieram a enfrentar
após a chegada ao extremo sul do Brasil, pois a ocupação da terra que lhes foi prometida pela
Coroa não ocorre de imediato.
Helen Osório (1990) em sua dissertação de mestrado, ao estudar o espaço platino do
século XVII e XVIII, explica que a ocupação dos territórios coloniais era determinada por
interesses externos, no entanto lembra que “os espaços coloniais guardavam especificidades e
suas estruturas internas possuíam uma lógica que não se reduzia a essa vinculação externa”
(1990, pg. 17). A realidade encontrada pelos açorianos recém-chegados ao Rio Grande é um
exemplo dessa divergência de interesses externos e realidades coloniais.
A aproximação de alguns ilhéus com grandes proprietários através de relações de
cooperação, que nem sempre eram harmônicos, possibilitou as primeiras ascensões aos meio
produtivos e a inserção desses na economia da América Portuguesa5.
Se a ação de ocupação do espaço e acesso aos meios produtivos, a terra em especial,
foi um processo conflituoso, o processo ocorrido em seguida foi a diferenciação social.
Luciano Gomes Costa (2012) em sua dissertação de mestrado estudou a estrutura econômico-
demográfica na formação de Porto alegre e apontou a fronteira agrária fechada naquele espaço
regional, entre 1772 e 1802, como um dos fatores de diferenciação social entre produtores
rurais. Essa diferenciação foi ressaltada a partir da existência de propriedades de dimensões
variadas e a concentração fundiária, verificada na análise da Relação de Moradores de 1784.
5 HAMEISTER, Martha. Para dar calor à nova povoação: estratégias sociais e familiares na formação da Vila do
Rio Grande dos Registros Batismais (c.1738-c. 1763). Rio de Janeiro: PPGHS - UFRJ, 2006.
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Quando se aponta domínios produtivos de menor dimensão do que as estâncias,
podemos pensar em pequenas unidades produtivas. No entanto, essas não empregaram apenas
a mão-de-obra familiar. É preciso atenção para o referencial adotado para definir o que é ser
grande, médio ou pequeno produtor, já que o uso da mão-de-obra cativa esteve bastante
difundido entre os produtores agrários do final do período colonial brasileiro6.
A Relação de Moradores e os pequenos produtores de San Jozé do Taquary
Solicitada ao Provedor da Fazenda do Rio Grande, Diogo Osório Vieira, pelo Vice-Rei
do Brasil, Luís de Vasconcelos e Souza, em 1784, a Relação de Moradores que tem campos e
animais no Continente do Rio Grande de São Pedro tinha como por objetivo conhecer a
situação da distribuição de terras no extremo sul do Brasil e a ocupação dos moradores. Essa
documentação é uma espécie de um censo agrário do final do período colonial. Existem dois
rascunhos dessa, localizados no Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul (AHRS) e uma
versão oficial localizada no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro (ANRJ).
Mesmo que a instalação das estâncias tenha sido fundamental na inserção da região sul
do Império português no mercado interno de alimentos, ao revelar a maior presença de médios
e pequenos lavradores que simultaneamente praticavam a agricultura e a pecuária, em escala
menor que a dos estancieiros, Osório (2007) verificou para o Rio Grande do Sul um cenário
longe de ser um amontoado de grandes produções pecuaristas.
A autora marcou um caráter produtivo amplamente dependente do trabalho familiar e
escravo e a não caracterização da extensiva ocupação da terra. A partir da análise da Relação
dos Moradores do Continente, de 1784, acompanhou a expansão econômica e demográfica do
Rio Grande e apresentou um esboço da estrutura agrária da região, ao final do período
colonial. Demostrou que em uma região até então apenas compreendida pelo domínio da
pecuária extensiva, havia uma ampla presença de domicílios de pequenos produtores
declarados como “lavradores”. Esses possuíam pequenos rebanhos, se comparados aos
montantes de animais dos estancieiros, e, muitos deles, uma média de poucos escravos7.
Ao analisar a Relação de Moradores de 1784, referente à freguesia de San José do
Taquary, atual município de Taquari, é possível verificar ampla presença de moradores que ao
6 Para o Continente de o Rio Grande ver caso de Porto Alegre estudado por Luciano Gomes Costa em sua
dissertação de mestrado -“Uma cidade negra: escravidão, estrutura e econômico-demográfica e diferenciação
social na formação de Porto Alegre, 1772 – 1802”.
7 OSÓRIO, Helen. O império português no sul da América: estancieiros, lavradores e comerciantes. Porto
Alegre: Editora da UFRGS, 2007.
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serem questionados sobre sua ocupação principal declararam “viver de suas lavouras”. Como
é possível verificar na tabela a seguir:
Tipo de economia
declarada
Número de Moradores Percentual %
Lavouras 102 95,3%
Lavouras e Criação 05 4,7%
Criação de animais 0 0% Tabela 1 Ocupações declaradas na Relação de moradores de 1784.
Fonte: Relação de Moradores que têm campos e animais no Continente.
Ao analisar os dados referentes a essa freguesia é possível concluir que a principal
atividade desenvolvida por seus moradores, ao final do período colonial esteve amplamente
ligada à prática da agricultura. No entanto, o desenvolvimento da pecuária não foi inexistente,
pois quase todos os moradores declararam presença de animais em suas propriedades, apenas
quatro moradores declararam não possuir nenhum animal8.
Desse modo, podemos caracterizar a freguesia de Taquary como formada por
moradores que desenvolviam um sistema econômico misto, com maior presença de atividades
que envolviam a prática da agricultura e criavam pequeno número de animais.
Se comparada a outras freguesias como, por exemplo, Santo Amaro, esse perfil
produtivos dos moradores de Taquari fica bastante evidente, como podemos perceber na
tabela abaixo.
Quantidade de animais
declarados
Taquari Santo Amaro
1-100 75% 5%
101-500 25% 29%
501-2000 0% 33%
Mais de 2000 0% 33%
Tabela 2 Distribuição das reses de gado entre os moradores de Taquari e Santo Amaro em 1784.
Fonte: Relação de moradores que têm campos e animais no Continente.
A partir das informações apresentadas na Relação de Moradores de 1784 é possível
verificar que os imigrantes e descendentes de origem açoriana instalados na freguesia de San
8 Três dos quatro moradores que não declararam animais ocupavam áreas denominadas “chácaras no rossio” e
não possuíam títulos de posse da terra. Desse modo, é difícil conhecer o real tamanho dessas áreas e avaliar se a
prática da pecuária seria possível.
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Jozé do Taquary, se caracterizam dentro do contexto produtivo colonial enquanto pequenos
produtores, cujo foco econômico esteve centrado no cultivo de lavouras e em pequenas
criações de animais.
Como já demostrou Luciano Gomes Costa (2012), para Porto Alegre, a produção dos
lavradores se destinava para o abastecimento de níveis locais e também comércios de maiores
distâncias que envolviam principalmente os portos do Rio de Janeiro. O autor também
demostrou que foi a partir dessa variação de destino dos produtos dos lavradores que esses
garantiram uma margem de autonomia mediante o mercado externo.
O envolvimento dos lavradores com comerciantes do Rio de Janeiro pode ser
observado nos inventários post-mortem, nos quais é possível verificar uma relação que
envolve negociação e comercialização de produtos agrícolas e mão-de-obra escrava. Essas
transações apontando uma capacidade acumulativa de capital oriundo dos gêneros alimentares
produzidos pela agricultura prática por esses pequenos produtores.
A escravidão esteve amplamente distribuída entre a população colonial e representava
a base econômica da sociedade, e no Rio Grande não foi diferente. Helen Osório (2007)
constatou a partir dos inventários post-mortem e encontrou ampla presença de escravos entre
os pequenos proprietários. No entanto, o tamanho da posse escrava se mantem inferior, em
79% dos casos, ao número de pessoas do núcleo familiar. A mão-de-obra familiar era a
principal força de trabalho entre os pequenos produtores e sua complementação ocorria com a
aquisição de escravos.
No Mapa de população de 1798 e 1802 a presença de pardos forros, pardos cativos,
pretos forros e pretos cativos aparece e demostra o uso da mão-de-obra cativa na freguesia de
Taquary. A existência de forros pode indicar uma presença e utilização da mão-de-obra
escrava anterior a da realização do mapa e/ou processos migratórios. A capacidade
acumulativa necessária para acessar a mão-de-obra cativa é tema a ser desenvolvido em
trabalhos futuros.
Segundo Helen Osório (2007), apesar de se caracterizarem como os mais
representativos habitantes do Rio Grande, os lavradores eram o grupo que detinha o menor
número de terras e encontravam mais dificuldades em acessá-las. A presença de moradores “a
favor” declarados na Relação de moradores pode ser verificado também na freguesia de
Taquary.
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Forma de acesso a Terra Número de Moradores
A favor 34
Doação 3
Compra 13
Concessão do Governador 32
Herança 15
Ocupação 02
Sem registro 22
Tabela 3: Forma de acesso à terra declarada na Relação de Moradores de 1784 – Taquari.
Fonte: Relação de moradores que têm campos e animais no Continente.
Os dados apresentados na tabela acima indicam que o acesso aos meios produtivos, a
terra, não se dava de forma facilitada quando tratamos de pequenos produtores que
sustentavam as unidades familiares com a prática da agricultura. A freguesia de Taquary foi
ocupada inicialmente por imigrantes açorianos e a partir dos dados apresentados na Relação
de Moradores, demostra que a ideia de um Rio Grande como território de pouca ocupação e
desmembrado da dinâmica econômica colonial não é compatível com a realidade encontrada
pelos imigrantes recém-chegados a América.
A existência da forma de acesso a terra via “compra” e “a favor” pode ser um
indicativo de que ao final do período colonial na freguesia de Taquary já ocorria um processo
de monopolização da terra e um possível fechamento da fronteira agrária.
A confiança de que foi o modelo da plantation que organizou e definiu a sociedade
colonial brasileira impediu a compreensão mais profunda da história da agricultura. Essa
visão não conseguiu explicar a existência de um mercado entre rural e urbano, logo, ignorou
toda uma rede de articulações econômicas inclinadas ao abastecimento local e regional.
Os pequenos produtores de Taquary são um exemplo de produção agrícola
desenvolvida em dimensões bem mais modestas que as das estâncias ou plantations, cujo
objetivo esteve no sustento de pessoas da propriedade e, quando houvesse ocorria a
comercialização de excedentes para mercados regionais e mercado interno colonial.
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Conclusão
Os objetivos desse trabalho buscaram perceber a inserção econômica de pequenos
produtores de alimentos ao sul da América Portuguesa, no mercado interno ao final do
período colonial.
Ao analisar, a partir da Relação de moradores de 1784, o perfil econômico dos
moradores da freguesia de San Jozé do Taquary foi possível perceber uma ampla presença de
moradores que encontraram na prática da agricultura e na pequena criação de animais, o seu
meio de sustento e inserção econômica no mercado interno colonial. Quando comparada com
outras freguesias, é plausível verificar uma maior presença dessas características, pois a da
criação de animais é bem menos acentuada em Taquary, e o número de moradores que se
declararam “viver de suas lavouras” é superior aos encontrados para outras freguesias.
As culturas que se cultivavam nas lavouras de Taquary e as formas como essas se
inseriam no mercado interno de alimentos é tema a ser explorado. Os possíveis níveis de
acumulação capital que esses obtiveram a partir da agricultura também é uma possibilidade de
pesquisa.
A participação e a difusão da mão-de-obra escrava nas atividades agrárias e na
formação social de Taquary podem ser conhecidas a partir do mapa de população de 1798 e
1802 e apontam uma possível conexão entre os moradores da freguesia e comerciantes os do
Rio de Janeiro. A forma como essas relações são estabelecidas e gerenciadas é mais uma
problemática de pesquisa a ser investigado.
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Relação de Moradores que tem campos e Animais no Continente, Códice 1198:
-Taquari
-Santo Amaro
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pelas freguezias actuais da mesma Capitania no anno de 1802. Projeto Resgate: documentos
manuscritos avulsos da Capitania do Rio Grande de São Pedro.
ANRJ (Arquivo Nacional do Rio de Janeiro)
Relação de moradores que têm campos e animais no Continente, Códice 104.
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