PAULO:
MULHER
E
HOMEM
EM
CRISTO
ÍNDICE
PAULO: MULHER E HOMEM EM CRISTO.............................................................................3
1 - INTRODUÇÃO...........................................................................................................................3
2 - A MULHER NA SOCIEDADE JUDAICA..............................................................................4
3 - INFLUÊNCIA DO IDIOMA E SUAS TRADUÇÕES.............................................................7
4 - PAULO: CITAÇÕES SOBRE SUA PERSONALIDADE, CARÁTER E TEMPERAMENTO
................................................................................................................................................................10
5 - MULHERES SUJEITAI-VOS A VOSSO MARIDO…........................................................15
6 - O VÉU COMO SÍMBOLO DE AUTORIDADE (1 CORÍNTIOS, 11: 3 A 16)...................27
7 - O SILÊNCIO DA MULHER NAS ASSEMBLÉIAS (1 TIMÓTEO, 2 : 8 A 15).................39
8 – CONCLUSÃO...........................................................................................................................45
BIBLIOGRAFIA:...........................................................................................................................50
PAULO: MULHER E HOMEM EM CRISTO
1 - Introdução
O objetivo deste estudo é analisar os textos de Paulo que dizem respeito à posição da
mulher e do homem em Cristo.
Não analisaremos todos os textos que dizem respeito ao assunto contidos em várias
cartas deste que sem dúvida é um dos maiores conhecedores da mensagem cristã, mas
os que julgamos mais oportunos de serem analisados neste momento.
Ao contrário do que habitualmente fazemos não vamos nos preocupar em fazer uma
análise pormenorizada dos versículos (estudo miudinho do Evangelho), mas apenas de
trechos que venham nos auxiliar no esclarecimento destes pontos polêmicos que têm
desafiado os estudiosos de todos os tempos.
É preciso tirar o espírito da letra, pois conforme orientação do próprio apóstolo, a
letra mata, e o Espírito vivifica1. Realizando desta forma, nada mais fazemos do que
tentar corrigir o que a nosso ver é uma injustiça, quando o venerável discípulo de
Gamaliel é tachado de machista.
Porém, para que possamos fazer uma análise espiritual é necessário antes
compreendermos determinadas características históricas, sociais e culturais que
influenciaram o evangelista na formação de seu pensamento.
Aliás, quando formos analisar um texto, seja ele qual for, necessário se faz
reconhecer quem é o autor, com qual objetivo escreveu, onde e quando o fez, quem são
os personagens, e quais suas raízes culturais, sociais, etc.
Tentaremos assim responder estas questões e aprofundar no sentido espiritual do
texto buscando sua universalidade e saber como a partir deste entendimento realizar a
tarefa auto-educativa que nos diz respeito.
1 2 Coríntios, 3: 6
2 - A mulher na sociedade judaica
O Novo Testamento tanto quanto o Velho, apesar de seu caráter universal e
atemporal, é literatura judaica. Por que assim dizemos? É que seus autores eram judeus2,
os personagens que o compõe na maioria deles também são, e toda a história vivida se
dá no âmbito da cultura judaica. Assim, é amplamente impossível abrir mão de
conhecermos esta cultura3 se quisermos fazer uma análise correta destes textos, que
mesmo quando escritos em grego foram na maioria das vezes vivido em hebraico ou
aramaico.
Dentro deste contexto perguntamos então, qual era a posição da mulher na sociedade
judaica do primeiro século da era cristã?
O lugar da mulher dentro do Judaísmo deve ser analisado à luz do
contexto histórico em que se desenvolveu. Na época bíblica, as
mulheres dos Patriarcas eram as Matriarcas, mulheres ouvidas,
respeitadas e admiradas. Havia mulheres profetisas e juízas. As
mulheres estavam presentes no Monte Sinai no momento em que Deus
firmou o Seu Pacto com o povo de Israel. Participavam ativamente
das celebrações religiosas e sociais, dos atos políticos. Atuavam no
plano econômico. Tinham voz, tanto no campo privado como no
público.4
Com o decorrer do tempo e por força das influências estrangeiras,
especialmente a grega, foram excluídas de toda atividade pública e
passaram a ficar relegadas ao lar. Essa situação das práticas
cotidianas daquela época foi expressa nas leis judaicas então
estabelecidas e permanece a mesma até hoje.5
Há no Talmud de Babilônia - Tratado "Menachot" 43 B um texto interessante, onde
está escrito:
O Rabi Meir disse: O homem deve recitar três bênçãos cada dia, e
elas são: Que me fizeste (do povo de) Israel; que não me fizeste
mulher; que não me fizeste ignorante. (Grifos nossos)
2 Mesmo Lucas, que não era um autêntico filho de Israel, sofria uma grande influência hebraica.3 Cf. O Livro dos Espíritos, questão 6274 Rabina Sandra Kochmann, O Lugar da Mulher no Judaísmo.5 Idem.
4
Isto nos mostra o quanto esta era uma sociedade patriarcal.
Portanto, as mulheres eram tidas como mães procriadoras; eram não só dependentes,
mas posse mesmo, primeiro do pai, e depois, quando casava, do marido. Eram
consideradas incapazes de dedicar-se a temas importantes que eram exclusividade dos
homens.
Assim, lembra–nos a Rabina já citada:
…a presença de uma mulher num lugar público - na rua, no mercado,
nos tribunais, nas casas de estudo, nos eventos públicos ou nos cultos
religiosos -, era considerada uma ofensa à sua dignidade de mulher.
Na prática, mulheres e escravos tinham as mesmas obrigações. A liberdade para usar
o tempo conforme lhe aprouvesse era prerrogativa só dos homens. Em hebraico a
palavra "marido" é baal, que significa "dono, patrão, proprietário e donos do mundo.”
Em Israel só os filhos de sexo masculino tinham direito à herança. As filhas que
herdavam, quando não havia descendentes masculinos, deviam se casar no clã. Quando
uma mulher ficava viúva e não tinha filhos se casava com parentes do primeiro marido.
Outras características da sociedade deste tempo em Israel:
• Um homem não devia olhar para uma mulher casada e nem
cumprimentá-la. Caso tivessem que aparecer em público elas
deviam usar um véu. Ninguém podia conversar com uma
mulher estrangeira.
• Sob o aspecto religioso, a mulher não era igual ao homem.
Estava sujeita a todas as proibições da Lei, a todo rigor da
legislação civil e penal e à pena de morte. Elas não eram
obrigadas a aprender a Lei. Alguns mestres julgavam que era
preferível queimar a Torá que ensiná-la às mulheres.
• Elas deviam se purificar quando dessem à luz. Se fosse um
menino o período de purificação era de quarenta dias. Se fosse
uma menina era de oitenta dias.
• O pai podia vender uma filha. A esposa não recebia nenhuma
herança do marido, dedicava-se às ocupações domésticas,
preparando a alimentação do marido. Devia lavar as mãos, o
5
rosto e os pés do marido e tinha grande crédito com ele se lhe
desse muitos descendentes do sexo masculino.
Poderíamos fazer muitas outras citações, porém pensamos que só estas já nos dão
subsídio para compreender a posição da mulher na sociedade judaica no tempo do
apóstolo Paulo.
Dito isto agora podemos ler um texto contido na Epístola aos Efésios e ver se ele está
de acordo com os costumes da época:
Vós, mulheres, sujeitai-vos a vosso marido, como ao Senhor; porque
o marido é o cabeça da mulher, como também Cristo é o cabeça da
igreja, sendo ele próprio o salvador do corpo.
De sorte que, assim como a igreja está sujeita a Cristo, assim também
as mulheres sejam em tudo sujeitas a seu marido.
Vós, maridos, amai vossa mulher, como também Cristo amou a igreja
e a si mesmo se entregou por ela, para a santificar, purificando-a
com a lavagem da água, pela palavra, para a apresentar a si mesmo
igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, mas
santa e irrepreensível.
Assim devem os maridos amar a sua própria mulher como a seu
próprio corpo. Quem ama a sua mulher ama-se a si mesmo.
Porque nunca ninguém aborreceu a sua própria carne; antes, a
alimenta e sustenta, como também o Senhor à igreja; porque somos
membros do seu corpo.
Por isso, deixará o homem seu pai e sua mãe e se unirá à sua mulher;
e serão dois numa carne.
Grande é este mistério; digo-o, porém, a respeito de Cristo e da
igreja.
Assim também vós, cada um em particular ame a sua própria mulher
como a si mesmo, e a mulher reverencie o marido.
Sem ainda aprofundarmos na análise podemos com segurança afirmar que Paulo não
era machista, aliás, na época não existia machismo, esta era a cultura e ponto final.
Paulo era um revolucionário, isto sim, era muito avançado para a época, pois pregava
com toda clareza:
Vós, maridos, amai vossa mulher, como também Cristo amou a igreja
6
e a si mesmo se entregou por ela…
Assim devem os maridos amar a sua própria mulher como a seu
próprio corpo.
Assim também vós, cada um em particular ame a sua própria mulher
como a si mesmo.
Qual ser humano comum que pensava deste modo naquela época? Qual o judeu que
se preocupava em manifestar amor e carinho por sua mulher?
E mesmo no polêmico texto da 1ª Carta a Timóteo:
A mulher aprenda em silêncio, com toda a sujeição. 6
Já notamos um avanço, pois conforme vimos anteriormente alguns mestres julgavam
que era preferível queimar a Torá que ensiná-la às mulheres, e aqui Paulo mostra–nos
que elas podiam aprender, isto é, estudar a Lei. Mais adiante trataremos melhor este
assunto quando falarmos da admiração que tinha de Abigail, e de seu ideal de mulher.
3 - Influência do idioma e suas traduções
Norbert Baumert, escritor e professor alemão, defendeu uma tese de doutorado e
posteriormente publicou um livro, Mulher e Homem em Paulo, em que trata deste
assunto que ora abordamos, e de muitos outros, mostrando-nos uma nova imagem de
Paulo.
Segundo este autor as traduções que temos não expressam de forma autêntica o
pensamento do Apóstolo, e para nos mostrar a real significação dos textos do
Convertido de Damasco, ele os retraduz valorizando não só o contexto judaico do
cristianismo do primeiro século, como também dando novas soluções para as
expressões idiomáticas tão comuns no idioma hebraico.
Assim, declara nos movimentos iniciais de seu livro:
Muitas acusações contra Paulo poderão ser enfraquecidas pela raiz.
Outras poderão ser interpretadas como temporalmente
condicionadas, de modo que a mensagem válida para todos os tempos
possa ser diferenciada de formulações atuais. (pág. 9)
Mais adiante:
O caminho muitas vezes tortuoso da análise de texto conduz a um
surpreendente mundo novo, revelando um Paulo... proclamador da
6 Timóteo, 2: 11
7
liberdade dos filhos e filhas de Deus. (idem)
E ao falar dos princípios hermenêuticos básicos afirma:
Exegese significa auscultar a mensagem imodificada por meio das
mudanças dos tempos, dos sistemas de pensamentos e de valor e aí
traduzi-las de forma nova. (pág. 251)
Para exemplificarmos o como uma tradução ou uma desconsideração dos valores
culturais de um povo podem influenciar na transmissão de seus textos a outros povos,
consideramos a seguir:
No hebraico temos quatro palavras para expressar “ser humano”. São elas:
Nefesh = garganta
Basar = carne
Ruah = vento
Leb = coração.
Nefesh - expressa o ser humano necessitado, que tem um grande desejo.7 Seja este
desejo material (fome, sede), seja espiritual (afeto, encontro, ajuda, etc.)
Basar – O ser humano finito, limitado. Tem um sentido de fraqueza, impotência
humana.
Ruah – É o ser humano potencializado. Podemos entender como características deste
ser humano, coragem, energia pessoal, força vital. Força tanto material quanto
espiritual.
Leb – O ser humano racional. É o ser humano diante de Deus em seu processo de
conhecimento e ação, consciência e meio.
Curioso que leb é coração, o que para nós é símbolo de sentimento e não de razão.
Quando tentamos colocar o sentimento expresso em um idioma em outro, iniciam-se
as dificuldades.
Nefesh (hebraico) psiquê (grego) alma (português)
Ruah (hebraico) pneuma (grego) espírito (português)
Em hebraico ruah significa tanto vento como espírito, em português temos estas duas
palavras diferentes para coisas diferentes, vento e espírito.
Psique não traduz um nefesh desejante.
Basar (hebraico) sarx ou soma (grego) carne ou corpo (português)
7 Para estas colocações me oriento por Baumert, pág. 233 a 236
8
Em nosso tempo atual, materialista, soma (corpo) expressa bem o sentido de
“pessoa”, pois para o ocidental o corpo é mais real, mais palpável; porém, para o hebreu
bíblico ruah/espírito era o que melhor designava o “ser”.
Na LXX (Bíblia grega) às vezes nefesh (alma) é traduzido por soma (corpo); há aí
uma ruptura com o pensamento hebraico apesar de ambas designarem “pessoa”.
Podemos a partir de então entender melhor o sentido das expressões soma e sarx em
Paulo.
Nas traduções comuns temos:
Romanos 8: 13: Porque se viverdes segundo a carne [sarx] morrereis; mas se pelo
espírito mortificardes as obras do corpo [soma], vivereis. (Almeida)
O mesmo texto com outro entendimento:
Porque se vocês viverem segundo a antiga natureza, com certeza morrerão; mas se
pelo espírito continuarem a matar as práticas do corpo, viverão. (Stern)
Portanto, carne = homem velho (antiga natureza); espírito = homem novo (nova
criatura).
Mais à frente, ainda em Romanos, 8: 27:
…e aquele que perscruta corações [leb/kardia] sabe qual o desejo do espírito.
(Bíblia de Jerusalém)
Noutra tradução mais judaica temos:
Aquele que investiga os corações conhece exatamente o pensamento do espírito.
(Stern)
Ou seja, é o coração racional, que pensa.
Neste ponto vamos citar novamente Baumert (pág. 240):
Não nos compete declarar um sistema antropológico como
“verdadeiro” e outro como “falso”; cada um tem o seu teor de
verdade. Mas temos de tentar entender o sistema hebraico, porque
nessa língua foi-nos transmitida a mensagem da salvação que está
por trás das palavras e pode ser traduzida para qualquer língua.
Porém, as “palavras” hebraicas sobre o ser humano nunca podem
ser distribuídas para o corpo e a alma em sentido grego, mas cada
qual pensa o ser humano como um todo de determinada perspectiva.
Não vamos continuar aprofundando este assunto, pois além de não termos autoridade
para tal, não é esse o tema de nosso estudo; se nele nos aventuramos um pouco, é só
9
para deixar claro o quanto é difícil traduzir e o quanto podemos nos enganar em relação
ao pensamento de Paulo ou de qualquer outro autor, caso este tenha sido mal traduzido.
Não dá para ler Paulo de uma forma afoita. Àqueles que quiserem aprofundar no
tema sugerimos a obra de Norbert Baumert citada em nossa bibliografia.
4 - Paulo: citações sobre sua personalidade, caráter e temperamento
Tendo sido visto já dois aspectos importantes para o trabalho de nosso tema, quais
sejam, a situação da mulher na sociedade judaica ao tempo de Paulo, e a influência do
idioma e de suas traduções na formação dos textos e da compreensão que temos dos
mesmos, resta-nos agora apontarmos para outras questões. Teria Paulo em sua
personalidade, ou em seu temperamento, ou ainda em seu caráter, características que
poderiam justificar um comportamento machista? Como descobrir isso?
Paulo é sem dúvida o personagem mais conhecido do Novo Testamento; temos o
livro Atos dos Apóstolos e todas as suas epístolas (quase a metade do todo Novo
Testamento) como material de pesquisa. Além disso, nós espíritas, temos o privilégio da
obra Paulo e Estevão de Emmanuel /Chico Xavier, que nos traz os bastidores da história
da vida do apóstolo tão bem contada por Lucas, no livro evangélico já citado.
Então, mãos à obra, analisemos alguns textos destas obras imprescindíveis para
conhecermos um pouco mais daquele que Jesus tinha por vaso escolhido.
Jovialíssimo, Saulo contou ao amigo que, de fato, se enamorara de
uma jovem da sua raça, que aliava os dotes de peregrina beleza aos
mais elevados tesouros do coração. Seu culto ao lar constituía um dos
mais santificados atributos femininos. ( Saulo fala ao amigo Sadoc
sobre Abigail.8)
A princípio este texto nada teria a acrescentar no estudo da personalidade de Paulo,
porém é bom notar aqui a sua sensibilidade (mesmo quando ainda Saulo), pois só quem
tem esta virtude percebe certos dotes em uma mulher como tesouros do coração ou
santificados atributos femininos. Saulo valoriza o lar e a família, isto é caracaterística de
Espíritos que já atingiram um certo padrão evolutivo.
Acolhido generosamente em sua casa, agora farta e feliz, ali conhece-
ra na jovem Abigail um terno coração de menina, dona dos mais be-
8 Paulo e Estevão, pág. 85 e 86.
10
los predicados morais que pudessem exornar uma filha da sua raça.
Era, de fato, o seu ideal de moço: inteligente, versada na Lei e, sobre-
tudo, dócil e carinhosa. (Ainda em conversa com Sadoc, sobre Abi-
gail.9)
Mesma sensibilidade citada no comentário anterior. Preocupação com os predicados
morais daquela que lhe seria esposa. E aqui um item importantíssimo para compreender
seu pensamento sobre a mulher. Saulo tinha por ideal de mulher uma que fosse
inteligente e, versada na lei.
Para uma época em que a mulher não podia estudar, ele tinha por ideal uma que era
conhecedora e estudiosa da Torá. Como conjugar isto com a interpretação usual da carta
em que ele fala que a mulher deveria silenciar e que não era permitido a elas falarem em
uma reunião da comunidade? (1 Coríntios, 14: 34)
Aqui falaríamos como Kardec na questão 59 de O Livro dos Espíritos:
“Dever-se-á daí concluir que a Bíblia é um erro? Não; a conclusão a
tirar-se é que os homens se equivocaram ao interpretá-la.”
Temos ainda sobre este assunto de lembrar que Saulo foi educado por uma mãe que
lia para ele textos da Torá (Cf. Paulo e Estevão, pág. 372). Ou seja, ele tinha uma
lembrança materna forte, onde esta figura tão importante para a formação de um filho,
tinha também o hábito de estudo dos textos sagrados.
Quem tem uma lembrança assim de uma mãe, e tem isso por importante, como ele
mostrava ser, pode ter por ideal uma mulher que não participa dos momentos mais
importantes de uma família?
Desde criança, com a sadia educação doméstica, guardava puros os
primeiros impulsos do coração, sem jamais contaminá-los na esteira
dos prazeres fáceis ou do fogo das paixões violentas, que soem deixar
na alma o carvão das dores sem esperanças.
...tivera o heroísmo sagrado de sobrepor as disposições da Lei às
próprias tendências naturais. Sua concepção de serviço a Deus não
admitia concessões a si mesmo. A seu ver, todo homem devia
conservar-se indene de contactos inferiores com o mundo, até que
atingisse o tálamo nupcial. O lar constituído haveria de ser um
tabernáculo das bênçãos eternas; os filhos, as primícias do altar do
9 Ibidem, pág. 86
11
Maior Amor, consagrado ao Senhor Supremo.
A vida do lar é a vida de Deus.
(Em conversa com Abigail na casa de Zacarias)10
Esta conversa com Abigail mostra-nos um Saulo altamente romântico. Tinha ele
tanta consideração pela mulher que se guardava sexualmente para sua eleita, mesmo
antes de conhecê-la. Em nosso português claro e atual, Saulo era casto.
Tinha o lar e a família como instituição sagrada, sabia o quão esta era importante
para a formação do Ser que devia caminhar consciente para Deus.
Em Paulo vamos ver que seu objetivo maior era fazer com que Jesus triunfasse dos
corações dos homens, para isso a família tinha importância fundamental em sua feição
educativa e disciplinadora.
Como em seu tempo tanto nos altos postos de Roma, quanto entre os pagãos gregos e
outros a família estava degenerando-se, justifica-se de forma clara a dureza de alguns
textos de Paulo em relação ao comportamento principalmente da mulher por ser esta a
primeira educadora e a principal responsável pela formação moral da família.
Não era ele um homem excessivamente sentimental, dado às efusões
dos carinhos que passam sem maior significação
Aqueles meses de convívio, quase diário, davam-lhe a conhecer o seu
temperamento indômito e inquieto, a par de um coração eminente-
mente generoso, onde uma fonte de ignorada ternura se retraía em
abismais profundezas. (Pensamento de Abigail sobre Saulo11)
Esta é uma opinião que deve ser levada em conta, pois é a opinião de Abigail que
além de ser a noiva do futuro apóstolo era um espírito de alta sensibilidade espiritual.
Segundo ela Saulo era generoso e terno. Em suas futuras epístolas vamos ver o quanto
era afetuoso. Seriam estas caracaterísticas de um homem machista e acusado de incenti-
vador de um comportamento misógino?
— Mulheres na cerimônia?12
10 Paulo e Estevão, pág. 99 e 10011 Ibidem, pág. 9412 Ibidem, pág. 182
12
A irmã de Saulo pergunta sobre a presença de Abigail na cerimônia do martírio de
Estevão, o que era proibido, pois não era permitido a uma mulher estar em determinadas
partes do templo.
…e ainda que isso constitua resolução de última hora, a critério dos
sacerdotes, a medida não poderá atingir decisão pessoal de minha
parte e eu desejo que Abigail participe do meu primeiro triunfo na de-
fesa dos nossos princípios soberanos.13
Saulo fere aqui uma tradição e um regulamento mesmo, ao querer que uma mulher
participe de uma cerimônia no templo. Demonstra o quanto era o seu desejo a participa-
ção de Abigail na cerimônia de Estevão, o que era para ele o seu primeiro triunfo. Ve-
mos aqui claramente que ele não era contrário à participação da mulher nos sucessos do
noivo ou marido, ou mesmo nas cerimônias religiosas.
Mas, diariamente, à noite, se reuniam, na casa singela onde
funcionava a célula do “Caminho”, grandes grupos de pedreiros, de
soldados paupérrimos, de lavradores pobres, ansiosos todos pela
mensagem de um mundo melhor. As mulheres de condição humilde
compareciam, igualmente, em grande número. (Sobre as reuniões em
Antioquia.)14
Já notamos aqui - nas reuniões da comunidade cristã de Antioquia - mulheres
estudando o Evangelho, o que não era comum àquele tempo.
Ali se reuniam, à noite, às ocultas, como se a verdadeira igreja de Je-
rusalém houvesse transferido sua sede para um reduzido círculo fa-
miliar. Observando as assembléias íntimas do santuário doméstico, o
ex-rabino recordou a primeira reunião de Damasco. Tudo era afabili-
dade, carinho, acolhimento. A mãe de João Marcos era uma das dis-
cípulas mais desassombradas e generosas. (Em Jerusalém, culto na
casa de Maria Marcos, mãe de João Marcos.)15
Maria Marcos, mãe de João Marcos era uma das discípulas (o que quer dizer que ha-
viam outras) mais participativas, ou seja, mesmo na igreja em Jerusalém onde o judaís-
mo era mais tradicional e influenciava o movimento de Jesus, havia participação dinâ-
mica de mulheres.
13 Idem14 Paulo e Estevão, pág. 38915 Paulo e Estevão, pág. 398
13
Fundação da igreja em Listra.
Lóide e a filha estavam radiantes. A cura do aleijado conferia aos
mensageiros da Boa Nova singular situação de evidência. Paulo
valeu-se da oportunidade para fundar o primeiro núcleo do
Cristianismo na pequena cidade. As providências iniciais foram
tomadas na residência da generosa viúva, que pôs à disposição dos
missionários todos os recursos ao seu alcance16.
Temos aqui a participação de mulheres na fundação de reuniões para estudos do
Evangelho. Líderes de movimento?
Fundação da igreja de Filipes
Enxugavam discretamente as lágrimas que lhes afluiam ao rosto, ao
receberem notícias do Mestre, e uma delas, chamada Lídia, viúva
digna e generosa, aproximou-se dos missionários e, confessando-se
convertida ao Salvador esperado, oferecia-lhes a própria casa para
fundarem a nova igreja.17
Mais uma vez uma igreja fundada na casa de uma mulher (Cf. Atos, 16:14)
Também através de suas epístolas vamos poder notar o carinho, o respeito e a consi-
deração que tinha por muitas mulheres que eram, conforme podemos notar, suas colabo-
radoras na disseminação do Evanagelho
Em Romanos capítulo 16 temos:
Recomendo-vos, pois, Febe, nossa irmã, a qual serve na igreja que
está em Cencréia. (Romanos, 16: 1)
Febe era grande colaboradora na igreja em Cencréia conforme podemos notar pelas
próprias palavras do apóstolo. Era mais uma mulher que participava ativamente no mo-
vimento cristão junto de Paulo.
Através de Emmanuel (Op. Cit., pág. 552) ficamos sabendo que foi ela a portadora
da Epístola aos Romanos, que Paulo escrevera na cidade de Corinto.
Paulo sabia por revelação do próprio Cristo sobre a importância destas cartas para o
movimento que se iniciava e para a cristandade de todas as épocas; sabedor que era ain-
da das dificuldades de transporte, e outros, será que ele encarregaria tal encomenda a
quem não fosse absolutamente de confiança?
16 Ibidem, pág. 45817 Ibidem, pág. 508
14
Portanto, fica mais uma vez confirmada a participação ativa de mulheres no movi-
mento, e também que elas assumiam tarefas de grande relevância.
Saudai a Priscila e a Áqüila, meus cooperadores em Cristo Jesus
(Romanos, 16: 3)
Priscila e Áquila eram amigos e colaboradores fiéis de Paulo. Priscila ajudava não só
na divulgação da Boa Nova, como era também companheira de trabalho como tecelã. É
mais uma vez a prova de mulheres participantes. Havia uma reunião também na casa
deles conforme depreendemos de Romanos, 16: 5.
Saudai a Andrônico e a Júnia, meus parentes e meus companheiros
na prisão, os quais se distinguiram entre os apóstolos e que foram an-
tes de mim em Cristo. (Romanos, 16: 7)
Este é um texto interessante visto que apóstolo significa enviado e no Novo
Testamento é normalmente usado para se referir aos doze primeiros discípulos de Jesus,
a Matias que substituiu Judas, ou ao próprio Paulo.
Aqui Paulo dá este título a Andrônico e a Junia que era uma mulher, ou seja, uma
colaboradora acima da média. O texto chocou tanto alguns estudiosos que muitos
chegaram a negar esta possibilidade, sendo que alguns tradutores, e de conceituadas
traduções, chegaram a propor que o nome era Júnias, um nome masculino. Porém, como
informa-nos Bart D. Ehrman em O Que Jesus Disse? O Que Jesus Não Disse? a crítica
textual está muito avançada e consegue hoje perceber estas alterações textuais; além
disso, comenta o mesmo autor, que enquanto Junia (no feminino) era um nome comum
à época, não há indício no mundo antigo de Júnias como nome masculino.18
Outros versículos poderiam ser citados para mostrar a participação de mulheres como
colaboradoras ativas de Paulo, entre eles, Colossenses, 4: 15 em que cita uma igreja na
casa de Ninfa, uma outra cooperadora. Porém para não nos tornarmos mais cansativos
com citações, achamos que estas já bastam para provar que havia participação ativa de
mulheres no cristianismo do primeiro século, principalmente como colaboradoras de
Paulo, o que inviabiliza a leitura deste como um judeu machista como é comentado por
muitos, inclusive nos meios cristãos atuais.
5 - Mulheres sujeitai-vos a vosso marido…
18 Para maiores informações sugerimos o livro citado, pag. 193ss
15
Antes de entrarmos mais propriamente no estudo das anotações de Paulo aos Efésios,
no capítulo 5 a partir do versículo 22, que trata da submissão da mulher, queremos
chamar a atenção para alguns pontos que podem funcionar como uma introdução para
compreendermos o que Paulo queria dizer.
No versículo 15 diz o autor da carta:
Vede, pois, cuidadosamente como andais...
Numa outra tradução temos:
Vede como estruturais vossa vida…
O que podemos compreender destas palavras? É Paulo nos convidando a uma visão
mais profunda; vede bem, ou seja, não é aquela visão de periferia como naturalmente
fazemos quando enxergamos somente o que nos interessa.
O tema que vai ser tratado a partir deste momento na epístola é bastante polêmico,
trabalha com profundidade as nossas dificuldades no campo da insubordinação, por isso
temos tanta dificuldade para compreender, sendo este o motivo de nossas lutas
incessantes.
E aí Paulo nos alerta: vede bem, vede com os olhos da alma, procure os interesses do
Espírito.
…como estruturais vossa vida; esta questão nos remete a pergunta feita por Kardec
aos Espíritos, a de número 132 de “O Livro dos Espíritos”: Qual o objetivo da
encarnação dos Espíritos?
Qual de nós já parou para meditar seriamente sobre esta questão? Por que estamos
aqui, qual o objetivo principal de nossa vida? Será que não temos vivido somente como
se estivéssemos a passeio?
O próprio Paulo nos alertara anteriormente, em Cristo, diz ele, não há judeu nem
grego, não há escravo nem livre, não há homem nem mulher…19
Porque então tanta luta, tanta divergência justamente em cima de textos daquele que
tão bem compreendeu o amor de Cristo?
Pensemos: como estamos estruturando nossa vida?
No versículo 16 deste capítulo 5 de Efésios, diz Paulo assim:
Remindo o tempo, nos convocando a aproveitar a oportunidade, tirando bom proveito
da chance que temos de remissão no tempo presente.
Mais à frente, no versículo 18, só para fechar esta breve introdução, diz ele:19 Gálatas, 3: 28
16
Não vos embriagueis com vinho, que é uma porta para devassidão,
mas buscai a plenitude do Espírito.
Estas palavras vêm ratificar a nossa interpretação de que Paulo nos convida a um
entendimento superior. O vinho traz a dissolução, a discórdia, o rompimento com a
unidade. Aqui pode muito bem representar a ilusão que deve ser evitada a qualquer
custo. Não somos maiores nem mais sábios do que ninguém, e Aquele que É, jamais
submeteu alguém. Então, por que nossa arrogância e desejo tão forte de poder?
Deixemo-nos, como diz o apóstolo, nos preenchermos com a realidade imperecível do
Espírito, busquemos a plenitude espiritual para a qual nos preparou Jesus.
O versículo 21 é o elo entre esta nota introdutória e o texto que vamos comentar a
seguir. Nele temos a condição que nos fará alcançar o entendimento pleno: submetei-
vos uns aos outros no temor de Cristo.
Aqui é preciso em primeiro lugar compreender o que seja temor de Cristo, pois esta é
a condição maior, tudo deve estar integrado nisto.
No Deuteronômio, 6: 1 e 2, o redator bíblico diz:
São estes os mandamentos, os estatutos e as normas que IHVH vosso
Deus ordenou ensinar-vos, para que coloqueis em prática na terra
para qual passais, a fim de tomardes posse dela, e, assim, temas a
IHVH teu Deus e observes todos os seus estatutos e mandamentos que
eu hoje te ordeno…
Deste modo entendemos que temer a Deus é manter a fidelidade à Aliança, é
observar (obedecer) os seus estatutos e mandamentos.
Paulo era conhecedor profundo desta matéria, e quando ele fala em temor de Cristo
ele está nos chamando a atenção para a fidelidade que devemos ter para com Ele, o que
podemos resumir como observar e vivenciar o Seu Evangelho.
Assim, ao interpretarmos estes textos, ou qualquer outro de Paulo, façamos a
seguinte analogia: a nossa interpretação está coerente com a mensagem do Sermão do
Monte? Se sim, aprofundemos nosso entendimento, se não, busquemos outra melhor.
Deste modo, submetamo-nos uns aos outros em Cristo, isto é, com o seu mais puro
amor.
Efésios, 5: 22 a 33:
22 Vós, mulheres, sujeitai-vos a vosso marido, como ao Senhor;
23 porque o marido é o cabeça da mulher, como também Cristo é o
17
cabeça da igreja, sendo ele próprio o salvador do corpo.
24 De sorte que, assim como a igreja está sujeita a Cristo, assim
também as mulheres sejam em tudo sujeitas a seu marido.
25 Vós, maridos, amai vossa mulher, como também Cristo amou a
igreja e a si mesmo se entregou por ela,
26 para a santificar, purificando-a com a lavagem da água, pela
palavra,
27 para a apresentar a si mesmo igreja gloriosa, sem mácula, nem
ruga, nem coisa semelhante, mas santa e irrepreensível.
28 Assim devem os maridos amar a sua própria mulher como a seu
próprio corpo. Quem ama a sua mulher ama-se a si mesmo.
29 Porque nunca ninguém aborreceu a sua própria carne; antes, a
alimenta e sustenta, como também o Senhor à igreja;
30 porque somos membros do seu corpo.
31 Por isso, deixará o homem seu pai e sua mãe e se unirá à sua
mulher; e serão dois numa carne.
32 Grande é este mistério; digo-o, porém, a respeito de Cristo e da
igreja.
33 Assim também vós, cada um em particular ame a sua própria
mulher como a si mesmo, e a mulher reverencie o marido.
Ao iniciarmos este estudo queremos antes de tudo lembrar dois pontos importantes.
O primeiro, o versículo da epístola de Pedro que diz:
…sabendo primeiramente isto: que nenhuma profecia da Escritura é
de particular interpretação.20
Isto porque a interpretação que daremos a este texto de Paulo é apenas uma, outras
poderão existir e até melhores que a nossa. Porém esta é o que de melhor pudemos fazer
neste momento.
Outro aspecto que queremos salientar é quanto a uma pergunta que nos é
constantemente dirigida, se não estaríamos divagando muito em nossas interpretações
do Evangelho. Teria o apóstolo realmente pensado nesta hipótese quando escreveu o
texto?
20 2 Pedro 1:20
18
É preciso que fique claro uma coisa, a Bíblia é uma revelação de Deus; segundo
Kardec o Antigo Testamento nos traz os textos da 1ª Revelação, e o Novo o da 2ª.
A primeira revelação previu a vinda da 2ª, do mesmo modo a 2ª nos apontou a
necessidade de uma 3ª que viria posteriormente, a do Consolador ou Paráclito.
Assim temos a unidade das revelações sob três aspectos ou momentos distintos. Isto
deixa–nos claro o seguinte fato, do mesmo modo que o Espírito de Verdade orientou o
advento da terceira revelação, também o fez com a primeira e a segunda. Assim, os
textos destas revelações também foram inspirados pelos Espíritos Prepostos do Cristo
encarregados de implantarem na Terra o Reino de Deus no coração dos homens.
Isto quer dizer que respeitadas as tradições, o contexto histórico, social e cultural em
que foram formados, todo texto revelado pelos Espíritos através destas revelações
transcendem tempo e espaço e podem na medida de nosso progresso espiritual revelar–
nos novos ângulos a auxiliar no processo reeducativo de todos o que estiverem
preparados para tal mister. Isto está de acordo com o versículo citado acima da epístola
de Pedro e nos deixa bem tranqüilo quanto às interpretações que temos feito do
Evangelho neste estudo que carinhosamente aprendemos a chamar de Estudo Miudinho
do Evangelho.
Costumamos dizer que um dos trechos mais importantes de toda esta revelação, é
que base para compreensão de toda a Bíblia, está contida no livro Deuteronômio, no
capítulo 6:
Ouve, Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único Senhor.
Amarás, pois, o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, e de toda a
tua alma, e de todo o teu poder.
E estas palavras que hoje te ordeno estarão no teu coração; e as
intimarás a teus filhos e delas falarás assentado em tua casa, e
andando pelo caminho, e deitando-te, e levantando-te.
Também as atarás por sinal na tua mão, e te serão por testeiras entre
os teus olhos.
E as escreverás nos umbrais de tua casa e nas tuas portas.21
Todo o texto da Bíblia gira em torno deste versículo anotado no livro atribuído a
Moisés. Pois a história contida na Bíblia nada mais é do que a da relação de Deus com a
humanidade, no livro, representado pelo povo hebreu, o Israel de Deus.21 Deuteronômio, 6: 4 a 9
19
Fidelidade e traição, estes os dois momentos distintos que fizeram toda a trama da
história e que representam bem toda a nossa trajetória evolucional.
Diz–nos os primeiros movimentos do livro Gênesis, que quando Deus criou o
homem, o colocou num Jardim no Éden, e fez com ele uma Aliança: “de toda a árvore
do jardim comerás livremente...22”. E ali havia vários tipos de árvores representadas
pelas que eram agradáveis à vista, as boas para comida, a árvore da vida que ficava no
meio do jardim e a árvore da ciência do bem e do mal. Mas, continuou o Senhor Deus,
da árvore da ciência do bem e do mal dela não comerás; porque no dia em que dela
comeres, certamente morrerás.23
Isto significa que Deus ao criar o homem deu a ele todas as condições para viver
bem, feliz, e saudável, mas para isso era preciso se manter na Aliança, fiel aos desígnios
do Senhor. Deus criara uma Lei para gerir o funcionamento do Cosmos, e era preciso
obedecê-la para manter a harmonia.
Já nos primeiros versículos do capítulo três deste mesmo livro, o homem inicia seu
processo de infidelidade. Notemos que Eva no diálogo com a serpente já deturpa o que
Deus dissera ao dizer que não deveria comer da árvore colocada no meio do jardim. (cf.
Gn, 3: 3). Ora, o que o Senhor dissera é que no meio do jardim estava a árvore da vida,
e a que não deveria ser comida era a da ciência do bem e do mal. É que Eva elegera
como centro de seus interesses a árvore da ciência do bem e do mal, quando o interesse
maior do ser humano deveria ser a da vida, aquela que mais tarde o Cristo viria trazer
como objetivo para todos nós.
Tendo valorizado mais o interesse pessoal que a obediência à harmonia universal,
outra não poderia ser a conseqüência, a queda moral do homem, o distanciamento de
Deus: “porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás.”24
Estava rompida a Aliança.
Todavia Deus é Misericórdia, e para fazer o homem voltar à vida renova a Aliança
com este através de Noé. (cf. Gn, 6: 18)
E mais uma vez o humano faz-se infiel e cai.
Porém Deus renova com Abraão o pacto. E mais uma vez o homem rompe; a aliança
é renovada com Moisés e a história se repete.
22 Gênesis, 2: 1623 Gênesis, 2: 1724 Idem
20
Por fim Deus envia à Terra Seu Filho maior, o Cristo, e através deste dá
oportunidade ao homem de refazer a Aliança e voltar à vida:
…eu vim para que tenham vida e a tenham com abundância.25
Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida. Ninguém vem ao Pai senão
por mim.26
Eu sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém comer desse pão,
viverá para sempre; e o pão que eu der é a minha carne, que eu darei
pela vida do mundo.27
*******
A literatura judaica, principalmente a partir dos profetas, tem representado a
manutenção da Aliança ou a relação de Deus com a humanidade, através do símbolo da
união conjugal onde Deus é o marido e a humanidade a esposa.
Entendamos que toda vez que os textos bíblicos falam do povo de Israel ou do povo
de Deus está se referindo a toda a humanidade que caminha consciente para Deus.
Vemos esta relação expressa nos livros dos profetas Oséias, Jeremias, Isaías,
Malaquias, entre outros.
O Novo Testamento retoma o tema em muitas passagens, podemos citar Mateus, 9:
15; 25: 1 a 15; Apocalipse, 21: 2, entre outras, inclusive a do encontro de Jesus com a
samaritana (João, 4).
O Povo de Israel (humanidade) é visto pelos profetas como sendo uma prostituta,
pois adulterou a relação com Deus; a humanidade é, então, a esposa que traiu seu
marido.
Interessante aqui notar que aquela que nos traz o filho do homem, que é quem
instrumentaliza-nos para a volta ao Criador e à manutenção da Aliança, é justamente a
virgem, ou seja, a que se manteve fiel ao Esposo, pois a virgem é antípoda em relação à
prostituta.
25 João, 10: 1026 João, 14: 627 João, 6: 51
21
Eis aqui a serva do Senhor; cumpra-se em mim segundo a tua palavra.28 Assim se
manifesta Maria expressando sua fidelidade.
Da mesma forma podemos dizer que Maria de Magdala foi uma virgem do
Evangelho e não uma prostituta, enquanto Judas Iscariotes, naquele momento evolutivo,
foi talvez a maior prostituta do Evangelho. E aqui cabe uma consideração, foi através de
uma virgem (Joana d’Arc) que Judas se redimiu e tornou-se fiel a Deus, no plano das
reencarnações.
Deste modo, quando Paulo, que dominava toda esta cultura judaica, e pensava como
um judeu de seu tempo, mesmo que transformado pelas luzes do Evangelho, dizia que a
mulher devia se submeter ao seu marido, é como se carinhosamente dissesse: “Ouve ó
Israel (humanidade) esteja sujeita a Deus”, e isto ele reforça quando diz: como ao
Senhor.
Ou seja, com uma fidelidade urgente a ser mantida, pois aquele que tem
amadurecimento das questões espirituais, sabe do quanto já erramos por adulterarmos
em relação aos propósitos divinos e quanto é bom mantermo-nos na segurança de um
Pai que é essencialmente misericórdia.
E o apóstolo aprofunda:
Porque o homem é o cabeça da mulher; cabeça aqui deve ser entendido como
origem ou fonte, e não como chefe ou dominador.29
Aliás, esta é a relação Deus – humanidade; Deus é a origem, a fonte, e não
dominador. Deus é amor, e amor pressupõe liberdade e não constrangimento, \por isso
educa-nos através do livre arbítrio.
Do mesmo modo Cristo é o cabeça, a origem da igreja, que aqui deve ser entendida
como “reunião da comunidade”, comunidade esta que surge para o estudo dos textos
originais do Evangelho, pressupondo participação de todos, inclusive das mulheres que
eram já neste tempo sempre presente nas reuniões e muitas vezes líderes e fundadoras
das igrejas. (Cf. Atos, 16: 14 e 15; Colossenses, 4: 15, entre outras referências.)
No versículo 24 deste capítulo Paulo afirma:
…como a igreja está sujeita a Cristo, assim também as mulheres
sejam em tudo sujeitas a seu marido.
28 Lucas, 1: 3829 Examinaremos melhor este assunto quando comentarmos 1 Coríntios, 11 a a partir do versículo 3
22
A grande dificuldade que temos de entender este texto está na nossa originária
rebeldia que faz com que detestemos sujeitar-nos ao que quer que seja. Queremos ser o
que manda, jamais o que obedece, mesmo após Jesus ter nos ensinado que aquele que
quiser estar no Reino do Pai deve servir e obedecer como Ele, que é o maior que esteve
entre nós, fez.
Neste ponto cabe uma reflexão e um entendimento, que tipo de sujeição é esta que
Cristo exige da igreja? Que tipo de submissão tem ela em relação a Ele?
É importante entendermos isto, pois é esta sujeição que segundo Paulo a mulher tem
que ter em relação ao seu marido.
Conforme temos analisado, segundo o pensamento de Paulo, o homem está para
Cristo do mesmo modo que Cristo está para Deus; a mulher está para a igreja, como esta
está para a humanidade.
Cristo representa o nosso superconsciente, é a meta que devemos alcançar. O homem
é a faixa atual em que nos movimentamos, o campo operacional que nos diz respeito
através do qual chegaremos ao Cristo e a Deus.
A mulher deve se sujeitar ao marido como a igreja está sujeita a Cristo. Deus é amor,
já dissemos anteriormente repetindo o discípulo amado; Cristo que é o cabeça da
criação representa o amor de Deus dinamizado, operacionalizado. Onde há amor não há
exigência, não há imposição nem constrangimento, portanto Deus não submete a
humanidade a nada, por isso ele faculta o livre arbítrio.
Alguns neste ponto podem dizer, “mas há o determinismo”; sim, há, mas o
determinismo é fruto do livre arbítrio, quando ele traz dor ou sofrimento é porque foi
violada a Lei Divina, não é Deus quem impõe, a criatura é que escolhe o caminho.
Portanto, se Deus não submete a humanidade, do mesmo modo o homem não deve
submeter a mulher; a humanidade consciente é que deve se submeter a Deus fazendo
uso de sua liberdade, ao que chamamos de “liberdade-obediência”, ou autonomia
madura (Baumert, pág. 205); pois ao caminhar nesta submissão liberta-se para
conquistas maiores.
Este é o significado da sujeição que Paulo cobra da mulher; não é a sujeição de lá
para cá como imposição, mas daqui para lá como elemento de libertação, de
desvinculação. A mulher aqui representa toda humanidade, inclusive nós os elementos
do sexo masculino.
23
Para que possamos fundamentar a exposição que aqui realizamos vamos citar um
texto de Paulo ao se dirigir à comunidade de Corinto:
Pois eu vos cortejo com o cativante amor de Deus; pois vos desposei,
para, como único esposo, entregar uma virgem pura ao Cristo.30
Ou seja, ele prepara a comunidade, a noiva, para que ela se torne uma virgem pura,
fiel, para unir-se ao seu esposo único, que é Cristo.
Desta forma, não vemos nesta carta nenhuma colocação para em Paulo lermos que a
mulher é inferior ao homem, não foi isto que ele quis dizer e nem é isso que mostra sua
personalidade conforme já citamos em textos tanto de suas epístolas, quanto do livro de
Emmanuel, “Paulo e Estevão”.
Na 1ª Carta aos Coríntios ele fala claramente desta igualdade dos dois sexos quando
responde aos destinatários da carta algumas questões sobre abstinência sexual. Em
determinado ponto ele diz:
Não vos recuseis um ao outro, a não ser de comum acordo… (grifo
nosso)
Como vemos, não prega a sujeição de um em relação ao outro, mas que estejam de
comum acordo, isto é, em estado de igualdade. E notemos que isto ele fala a respeito de
um dos temas mais delicados que é a comunhão sexual; se neste tema que é tão íntimo,
onde deve vigorar a mais pura verdade, assim deve ser, por que não deve ser em todas
manifestações exteriores?
Assim voltamos a reiterar, qual era o ser humano, que naquele tempo, numa cultura
extremamente patriarcal, onde a mulher nem era considerada, tratava com tanta
delicadeza a mulher em sua relação com o homem?
*****
Os leitores rápidos do Novo Testamento, refiro-me àqueles que lêem apenas
superficialmente e tentam tirar conclusões a respeito do que lêem como se fossem
definitivas, são os que têm usado estas anotações de Paulo para o tacharem de machista;
pois têm visto em suas colocações um incentivo à subserviência da mulher.
Talvez estes jamais tenham lido com atenção o versículo 25 deste capítulo 5 da carta
que ora comentamos. Nele o apóstolo propõe uma tarefa ao homem muito mais difícil
30 2 Coríntios, 11: 2
24
do que havia proposto à mulher. Isto analisando como eles o fazem apenas o sentido
literal.
Diz o converso de Damasco: maridos amai vossas mulheres…, e nós perguntamos, o
que é mais difícil para nós em nosso atual estágio de evolução, submeter-se ou amar?
Obedecer, ou viver na liberdade plena do amor?
Obedecer, mesmo que com muita dificuldade temos feito em nosso dia a dia. Assim
fazemos em relação ao pai, ao chefe, às injunções da vida, aos superiores de um modo
geral31. E amar, em algum momento temos expressado este sentimento com
profundidade?
E percebamos que Paulo orienta aos maridos que amem suas mulheres, mas não com
qualquer amor, pois diz: como Cristo amou a igreja, isto é, a assembléia, a humanidade,
e continua: e entregou-se (a si mesmo) por ela.
Portanto, o que Paulo exige dos homens é um amor total, integral, à sua mulher. Um
amor tão grande que o capacita a se entregar por ela, a dar a própria vida por ela, como
Cristo fez pela humanidade.
E a partir destas colocações podemos dizer que o autor deste texto é machista? Se
for, penso que todas as mulheres do mundo, que tenham um mínimo de sensibilidade,
vão querer ter ao lado um companheiro machista como Paulo.
Já dissemos, esta relação marido/esposa é a representação da relação de Deus com a
humanidade, da Aliança feita por IHVH com o povo de Israel.
Assim, podemos representar Deus pelo elemento masculino e a humanidade como
sendo o elemento feminino. Para que haja uma comunhão sexual perfeita é preciso que
Deus (elemento masculino) fecunde a humanidade (elemento feminino).
A fecundação é um ato de amor em seu momento positivo (ativo): maridos, amai
vossas mulheres, enquanto que no momento opositivo (passivo) a mulher é fecundada
pelo, isto é, recebe, submete-se ao, seu marido.
Isto é muito mais profundo do que podemos supor com uma simples leitura deste
texto, não diz respeito só a uma relação entre sexos opostos, mas fala-nos do próprio
processo educacional.
O mestre quando ensina a seu aluno, o conferencista quando em conferência,
representam o momento positivo, masculino, está fecundando o aluno ou a assembléia
que ouve. Esta por sua vez na função receptora é feminina, submete-se àquele que a
31 Apesar de não este o sentido do submeter-se desejado por Paulo
25
ensina. Lembrando Paulo, esta é a relação entre Cristo e a assembléia (humanidade).
Todavia o mestre ou o conferencista estão por sua vez numa posição feminina em
relação aos Espíritos que os intuem, ou como dizem outro grupamento religioso, ao
Espírito Santo, que neste caso é masculino, pois é quem fecunda, ensina, ama, dá de si
em favor do outro.32
Deste modo, sejamos humildes, aprofundemos nossa faixa de entendimento que na
maioria das vezes é tão acanhada. Reconheçamo-nos pequenos e aprendamos com o
apóstolo. Como já pudemos notar pelo andamento deste texto, ele que tinha por líderes
de comunidades várias mulheres, jamais podia desenvolver a idéia de subserviência
destas em relação aos homens, mas sempre um respeito mútuo conforme expressa o
próprio texto já comentado:
Submetei-vos uns aos outros no temor de Cristo.
Muitos podem alegar que estamos exagerando em nossas interpretações deste texto
paulino, porém toda esta carta é um convite à unificação através do Cristo, que
encabeça todas as coisas33; e cabeça da igreja, isto é, da reunião de pessoas que
comungam com o seu Evangelho34, e corpo desta comunidade. Os que estavam
separados, são agora tornados próximos.35
Outros versículos poderiam ser citados para fundamentar nossa exposição, porém,
não é objetivo deste trabalho senão fazer uma releitura de Paulo demonstrando que em
suas anotações nada há que justifique a sujeição da mulher ao homem num sentido de
que esta lhe é inferior. Diferentes são (cf. O Livro dos Espíritos, questão 822, item A),
porém não há entre eles relação de inferioridade e superioridade.
Aqueles que quiserem aprofundar mais sobre este tema, que estudem estas cartas
versículo por versículo como muitas comunidades cristãs de várias épocas fizeram, os
que assim fizerem só terão a ganhar; nós, porém para encerrarmos nossos breves
comentários sobre este trecho da epístola, nos ocuparemos apenas dos versículos 31 e
32 deste capítulo 5 da Carta aos Efésios:
Por isso deixará o homem seu pai e sua mãe e se ligará à sua mulher,
32 Por este motivo Deus é Pai (masculino), pois é Irradiador Sempre, Eternamente doador, fecundante,
não pode ser acrescentado em nada. Apesar de em sua essência não ser nem masculino nem feminino,
pois masculino e feminino limitam, e Deus é o Ilimitado.33 Efésios, 1: 1034 Ibidem, 1 2235 Ibidem, 2: 13; veja ainda Baumert, pág. 200.
26
e serão uma só carne. É grande este mistério: refiro-me à relação
entre Cristo e a sua Igreja.
Paulo não apenas cita o Gênesis, 2: 24, ele explica o texto e propõe novas
abordagens.
Para iniciar ele diz que é grande este mistério. Mistério é uma verdade profunda
(Baumert, 203), é algo que desafia o nosso entendimento, está além de nossa capacidade
de compreensão.
Na citação do Gênesis ele vê uma profecia no que diz respeito à união de Cristo e de
sua comunidade, é o casamento perfeito, a comunhão de homem e mulher
representando a integração da humanidade em Deus, a realização da Aliança.
Nesta relação não há sujeição de nenhuma das partes, ambas estarão em pé de
igualdade tornando-se uma carne. É o amante e o amado em perfeita comunhão;
lembrando Jesus, quando, segundo as anotações de João disse:
Eu e o Pai somos um36.
Ou ainda:
…para que todos sejam um. Como tu, Pai, estás em mim e eu em Ti,
que eles estejam em nós... para que sejam um, como nós somos um.37
Lembrando ainda que esta citação feita por Paulo, do Gênesis, espelha a relação
existente antes da queda, quando era plena a harmonia do éden. O domínio do homem
sobre a mulher só surgirá mais adiante com o rompimento da Aliança (Gênesis, 3: 16), o
que mais tarde os religiosos chamariam de pecado.
É a revelação do mistério.
Dito isto damos por encerrada esta parte buscando ainda avançar no entendimento de
outros textos do mesmo Paulo.
6 - O Véu Como Símbolo de Autoridade (1 Coríntios, 11: 3 a 16)
3 Mas quero que saibais que Cristo é a cabeça de todo varão, e o
varão, a cabeça da mulher; e Deus, a cabeça de Cristo.
4 Todo homem que ora ou profetiza, tendo a cabeça coberta, desonra
a sua própria cabeça.
5 Mas toda mulher que ora ou profetiza com a cabeça descoberta
36 João, 10: 3037 João, 17: 21 e 22
27
desonra a sua própria cabeça, porque é como se estivesse rapada.
6 Portanto, se a mulher não se cobre com véu, tosquie-se também.
Mas, se para a mulher é coisa indecente tosquiar-se ou rapar-se, que
ponha o véu.
7 O varão, pois, não deve cobrir a cabeça, porque é a imagem e
glória de Deus, mas a mulher é a glória do varão.
8 Porque o varão não provém da mulher, mas a mulher, do varão.
9 Porque também o varão não foi criado por causa da mulher, mas a
mulher, por causa do varão.
10 Portanto, a mulher deve ter sobre a cabeça sinal de poderio, por
causa dos anjos.
11 Todavia, nem o varão é sem a mulher, nem a mulher, sem o
varão, no Senhor.
12 Porque, como a mulher provém do varão, assim também o varão
provém da mulher, mas tudo vem de Deus.
13 Julgai entre vós mesmos: é decente que a mulher ore a Deus
descoberta?
14 Ou não vos ensina a mesma natureza que é desonra para o varão
ter cabelo crescido?
15 Mas ter a mulher cabelo crescido lhe é honroso, porque o cabelo
lhe foi dado em lugar de véu.
16 Mas, se alguém quiser ser contencioso, nós não temos tal
costume, nem as igrejas de Deus.
Os pontos polêmicos deste texto são:
• A obrigatoriedade do uso do véu pelas mulheres nas igrejas
(assembléias).
• O significado do véu como sendo o da mulher estar sob
autoridade do homem.
• O homem não foi criado para a mulher, mas a mulher para o
homem. Isto pressupõe que ela deva estar sempre dependente
do homem e a serviço dele.
28
Estes são aspectos que nos saltam às vistas quando da primeira leitura que realizamos
de acordo com as traduções comuns. Aqui usamos a de Almeida, revista e corrigida.
Antes de entrarmos em alguns pontos mais específicos do texto façamos algumas
análises.
A tradição judaico-cristã nos mostra ter sido o homem criado primeiro e depois a
mulher a partir dele, e com o objetivo de lhe servir.
Porém, será esta a melhor interpretação do texto?
Este fato por nós citado está no segundo relato da criação conforme a narrativa do
Gênesis capítulo 2.
Todavia esta não é a história narrada no capítulo 1 do mesmo livro quando do 1º
relato da criação.
Em Gênesis, 1: 27 Deus cria o homem à sua imagem, porém homem neste relato não
significa o elemento do sexo masculino, pois Adam em hebraico significa o filho da
terra; é um termo genérico englobando toda a humanidade, é o humano, o ser inteligente
que atingiu o reino hominal. E a seqüência do texto é clara: macho e fêmea os criou.
Portanto, cai por terra o primeiro argumento que motiva posição de submissão da
mulher, pois os dois, homem e mulher, foram criados à imagem de Deus.
Sendo assim, como entender o segundo relato da criação?
Para obtermos tal entendimento não podemos abrir mão dos ensinamentos espíritas.
A narrativa do capítulo primeiro do Gênesis nos fala do homem biológico, o que
surge com a evolução natural. É o homem nativo, o autóctone.
No segundo relato, que inicia no capítulo2, a partir do versículo 4b, surge o homem
já mais evoluído, apesar de ainda primitivo. É o homem “enxertado”, ou o Espírito
decaído, que veio de outros orbes por motivo de rebeldia. Por ele ter mais conquistas no
campo do intelecto veio para auxiliar o autóctone em seus primeiros passos no reino
hominal.
O primeiro grupo, a quem a tradição chamou Adão, representa os que chegaram
primeiro, mais comprometidos, mais dominados pela maldade, por isso vieram
completamente inconscientes. O versículo 21 deste capítulo 2 revela isso dizendo que
Deus fez cair um sono pesado sobre Adão, e que ele dormiu. Significa isto o
restringimento de Adão, seu alto grau de inconsciência.
O segundo grupo, a quem a tradição chamou Eva, era já um grupo mais adiantado na
área da sensibilidade. Simbolicamente seu surgimento da caixa toráxica de Adão,
29
significa um aperfeiçoamento do intelecto - pois para o semita esta região simboliza o
racional -, o capacitando para uma condição melhor no campo do sentimento. Este
grupo é semi-desperto, um pouco mais consciente. Tanto é assim que já sofre influencia
espiritual. A serpente não conseguiria influenciar Adão por falta de sintonia, já que ele é
inconsciente.
Portanto, Adão e Eva não significam homem e mulher, mas grupamentos distintos no
encaminhamento da evolução.
Desta forma, nada de pensar que a mulher foi feita para o homem, não é isso que diz
o Gênesis, não é isso que Paulo pensava a respeito.
Além disto, quando a Bíblia diz que a mulher seria uma adjutora (Gn, 2: 18), uma
ajudadora para o homem, é preciso compreender o sentido original da mensagem.
Em hebraico a palavra usada é ezer, que significa “socorro”, “ajuda”. Deus é,
segundo a narrativa bíblica, o ezer ou ajudador da humanidade (cf, Êxodo, 18: 4;
Deuteronômio, 33: 7). Portanto, a função da mulher é de caráter nobre, e não de uma
simples auxiliar dependente do marido.
Se formos avaliar de acordo com o Novo Testamento, ela é que está à frente, pois é
ela quem ajuda, é ela quem serve.
Mais uma vez cai por terra a interpretação machista das expressões usadas por Paulo,
não era este o sentido original dos textos.
Todavia poderá nos ser perguntado, mas como fica o dizer de Paulo, ele não é claro
ao dizer que a mulher provém do varão, e que ela foi criada por causa do varão? E a
questão do véu como significado de autoridade do marido em relação à mulher? Como
fica então?
É o que vamos tentar resolver a partir de agora com uma interpretação mais
detalhada de alguns versículos. Porém, como dissemos anteriormente, pode haver
dificuldade em relação às traduções. Assim, vamos citar a releitura do texto feita através
da tradução efetuada por Baumert, na obra já citada.38
3. Para mim é importante que vocês estejam conscientes de
que o cabeça de qualquer homem é Cristo, mas o cabeça
de uma mulher é o homem, e o cabeça de Cristo é Deus.
4. Assim como todo homem, quando, ao orar ou falar
profeticamente, ocupar-se com sua cabeça desonra seu
38 Págs. 169 e 170
30
cabeça (a saber, Cristo),
5. toda mulher que, ao orar (em voz alta) ou falar
profeticamente (na reunião) soltar seu cabelo, desonra seu
cabeça ( a saber, o homem); pois é como se ela tivesse
sido raspada.
6. Se, pois, uma mulher não cobre sua cabeça (com seus
cabelos), ela de fato deveria deixar cortar os cabelos. Se,
porém, é feio (inadequado) para uma mulher deixar cortar
os cabelos (fazê-los curtos) ou deixar raspar a cabeça,
então ela deve encobrir sua cabeça (com penteado).
7. Um homem, como vocês sabem, não está obrigado a
cobrir a cabeça, por ser imagem e brilho (manifestação,
brilho visível) de Deus; a mulher, porém, é brilho (objeto
de brilho e de glória) do homem.
8. Não é (existe) o homem a partir da mulher (ser masculino
a partir do feminino), mas a mulher a partir do homem
(feminino a partir do masculino);
9. e sabidamente não foi criado um homem com base na
mulher, mas uma mulher com base num homem.
10. por isso a mulher é obrigada a manter a cabeça decente
com base (na presença) de anjos.
11. Da mesma forma, (é) nem mulher sem homem nem homem
sem mulher no Senhor;
12. pois, assim como a mulher (Eva) a partir do homem
(Adão), assim também o homem (Cristo) por meio da
mulher – o todo, porém, a partir de Deus.
13. Julgai vós mesmos! É decente uma mulher orar
(publicamente) a Deus com cabelo solto?
14. Também a natureza não vos ensina que para um homem é
uma desonra deixar o cabelo cair longamente;
15. para uma mulher, ao contrário, é adorno (honra) deixar o
cabelo cair longamente; pois o cabelo é dado (para todos)
como manto (proteção).
31
16. Mas, se alguém quiser discutir, nós não temos tal costume,
nem mesmo as comunidades de Deus.
Para mim é importante que vocês estejam conscientes de que o cabeça de
qualquer homem é Cristo…
Em que sentido pode Paulo ter afirmado que o cabeça do homem é Cristo?
Muitas interpretações podem ser feitas aqui, e para tal vamos conjugar este texto com
outros.
Dissemos anteriormente que cabeça aqui deve ser interpretado como origem, fonte, e
não como chefe ou dominador.
A primeira palavra da Bíblia é bereshit, que foi traduzida para o português por “no
princípio”. Bereshit é formada pela preposição be e pelo substantivo réshit, que
significa começo, princípio, parte inicial. Réshit é por sua vez formado por rosh que
significa “cabeça”, mais it.
Portanto, a tradução de bereshit também poderia ser “na cabeça”, vindo daí o
entendimento de cabeça como origem ou fonte. Este entendimento é também
confirmado por Trebolle (pág. 606 e 607)39.
Também o Evangelho de João inicia da mesma forma, só que como foi escrito em
grego, temos en arké, e não bereshit, porém como João era judeu e falava o hebraico,
ele deve ter pensado em bereshit para expressar que no início, ou na origem era o logos.
Logos é também palavra grega que é usualmente traduzida por palavra ou verbo.
Porém, pensando no hebraico “davar” temos ainda como tradução, “inteligência,
informação criadora, poder criador”.
Huberto Rohden afirma que:
Os filósofos antigos da Alexandria e de Atenas, sobretudo, Heráclito
de Éfeso, designavam com Logos o espírito de Deus manifestado no
Universo. Logos seria, pois, o Deus imanente…40
Afirmando ainda:
Parece, pois, que as Potencias Creadoras (em hebraico Elohim) são
idênticas ao Logos, pelo qual foram creadas todas as coisas.41
39 A Bíblia Judaica e a Bíblia Cristã.40 Que Vos Parece do Cristo? Pág. 2441 Ibidem, pág. 25
32
No versículo 14 deste mesmo Evangelho de João, o autor liga este logos com Jesus
dizendo que “o logos se fez carne”, ou se corporificou.
Desta forma, temos que Jesus, o Cristo, estava na origem de nosso orbe conforme
veio nos esclarecer mais tarde Emmanuel, em sua belíssima obra “A Caminho da Luz”.
A partir deste breve comentário podemos assim compreender o que Paulo, como bom
judeu, conhecedor do hebraico, poderia estar pensando ao dizer ser o Cristo o cabeça do
homem, e em outros textos o cabeça da igreja, e mesmo de toda a criação.
…mas o cabeça de uma mulher é o homem, e o cabeça de Cristo é Deus.
Trabalhando a expressão o cabeça como origem, Paulo dá vazão à idéia dominante
da tradição de vir a mulher do homem, com isso, ele que é um exímio no jogo com as
palavras, prepara o que vai falar mais adiante (versículo 11) sobre a importância da
mulher na formação do homem redimido (Filho do homem). Se quisesse expressar uma
relação de autoridade, de liderança do homem sobre a mulher talvez usasse a palavra
senhor (em grego kyrios). Concluindo com excelente didática sua exposição nos fala de
ser Deus o cabeça de Cristo, como a verdadeira origem e fonte de todas as coisas.
Se fizermos o versículo em sentido contrário, isto é:
Deus Cristo Homem Mulher
Poderemos fazer uma analogia com a descida vibratória do Espírito até chegar mais
efetivamente em sua prisão na matéria.
Como já dissemos alhures não é objetivo deste trabalho uma análise versículo a
versículo deste texto de Paulo, mas analisar alguns conceitos que advieram de uma
interpretação, a nosso ver, errônea do mesmo.
Assim, temos o problema do véu como sinal de autoridade do homem sob a mulher e
de subordinação desta em relação àquele.
Este é um texto complexo, muito já se brigou por ele. Porém trata-se de um fato
cultural. A mulher na realidade cobria sua cabeça com os seus próprios cabelos, e era
um desrespeito ou uma atitude vergonhosa as mulheres orarem ou receberem uma
manifestação profética, o que modernamente chamamos de manifestação mediúnica,
com o cabelo solto. Pois ao tempo de Paulo, ou mesmo antes dele, as mulheres que
usavam o cabelo solto eram as prostitutas (cf. Números, 5: 18), as mulheres casadas
usavam o cabelo preso ou penteado para cima (Baumert, 168). Portanto, trata-se de uma
questão de vergonha.
33
É correto, porém, se fizermos uma interpretação literal, relacionar o cabelo como
cobertura da cabeça, através do penteado, uma questão de estar sob autoridade. Nós não
podemos esquecer que na sociedade patriarcal em que Paulo vivia, a mulher era posse
do marido, devia a ele se submeter, só que essa não era a mensagem que o Converso de
Damasco queria deixar para as gerações futuras. Tem na sua mensagem algo de especial
e muito mais profundo, que cabe a nós, hoje, penetrarmos na busca de seu componente
reeducativo mais importante.
O quarto versículo deste capítulo é claro, não deixa dúvidas sobre a sua
interpretação, todavia cabe aqui ver o quanto as duas traduções que citamos se
completam.
Todo homem que ora ou profetiza, tendo a cabeça coberta, desonra a
sua própria cabeça. (Almeida)
Assim como todo homem, quando, ao orar ou falar profeticamente,
ocupar-se com sua cabeça desonra seu cabeça (a saber, Cristo).
(Baumert)
Dentro desta exposição paulina o cabeça do homem é o Cristo, portanto, quando em
oração (conversa com Deus através do coração) ou em serviço de profecia (prática
mediúnica com o Evangelho), o homem (e mulher) não pode em hipótese alguma
deixar o Cristo encoberto, é preciso que Ele esteja acima de todas as coisas.
…nem se acende a candeia e se coloca debaixo do alqueire, mas, no
velador, e dá luz a todos que estão na casa42.
A tradução de Baumert completa por ser ainda mais explícita, pois relaciona sua
cabeça (interesse pessoal) com seu cabeça (Cristo). Quando em serviço em favor do
Bem, não podemos destacar nossa “cabeça” (interesse pessoal), mas o Cabeça (Cristo).
O trabalho é Dele, é Ele quem age por meio de nós, portanto, nada de destaque, nada de
chamar para si a glória. Talvez seja essa, em concordância com todo o trabalho que
realizou, a melhor mensagem que Paulo queria passar com este verso.
E dizia a todos: Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, e
tome cada dia a sua cruz, e siga-me. (Jesus) 43
Passemos adiante...
Mas toda mulher que ora ou profetiza com a cabeça descoberta
42 Mateus, 5: 1543 Lucas, 9: 23
34
desonra a sua própria cabeça, porque é como se estivesse rapada.
(Almeida)
…toda mulher que, ao orar (em voz alta) ou falar profeticamente (na
reunião) soltar seu cabelo, desonra seu cabeça ( a saber, o homem);
pois é como se ela tivesse sido raspada. (Baumert)
Aqui temos que trabalhar com os símbolos.
A mulher tem representado em nossa simbologia, o sentimento; o homem a razão.
Em se tratando da mulher cristã, aquela já convertida ao Cristo, diríamos que trata-se do
sentimento sublimado.
Temos aprendido principalmente em nossas obras espíritas vindas através da pena de
nosso querido Chico Xavier, o quanto um sentimento sublimado pode realizar. Basta
lembrarmos as experiências de Lívia no Romance Há Dois Mil Anos; Célia, em
Cinqüenta Anos Depois; Alcione em Renúncia; Matilde em Libertação, entre outras.
Deste modo podemos assim compreender, quando estivermos agindo com base num
sentimento sublimado (no texto representado pela mulher), deixemos a nossa razão
encoberta (aqui representado pelo seu cabeça, ou seja, o homem); ela (razão) nada terá a
acrescentar, pois um sentimento profundo vindo do coração (amor), transcende todas as
possibilidades da lógica e da razão. Não há como contabilizar um ato de amor.
Observemos, não estamos aqui dizendo que não devamos levar a razão em conta
quando agimos no campo do sentimento, não é isso, a razão e o sentimento conjugados
são dois componentes a serem equilibrados. Porém aqui Paulo, através da simbologia da
mulher cristã nos fala de um sentimento sublimado, o que vai para muito além de nossa
capacidade de quantificação.
Olhe que aqui temos um outro ponto a ser trabalhado, porém, isso faremos mais
adiante quando formos falar do silêncio da mulher nas reuniões de estudo (1 Timóteo, 2:
8 a 15). É o fato de à mulher ser dada a oportunidade de profetizar ou orar em voz alta
nas reuniões. Isso comentaremos depois.
Voltemos agora sobre a questão do véu como sinal de autoridade para que possamos
encerrar esta parte e partirmos para outras dentro deste mesmo texto que são também
importantes.
Temos a possibildade do ter véu neste texto nos versículos 6, 10, 13 e 15.
Vamos comentar por partes.
No 6 temos:
35
Katakalupto: cobrir para cima; ocultar ou cobrir o ego da pessoa.
Não se trata propriamente de véu, mas cobrir a cabeça com os próprios cabelos
(penteado) como era usado à época, como dissemos anteriormente, pela mulher casada.
É uma questão de respeito. Podemos compreender também como ocultar-se em favor do
próprio trabalho.
No 13:
Akatakaluptos, com a particular negativa significando não coberto. Aqui dentro do
contexto significa o cabelo solto que era usado por mulheres que não se davam ao
respeito.
É nesse sentido que Paulo pergunta:
Julgai entre vós mesmos: é decente que a mulher ore a Deus
descoberta? (com os cabelos soltos).
No 10 temos:
Exousia = poder, autoridade.
Sobre Exousian echein, que é a expressão completa, afirma Baumert (173):
…significa “receber poder sobre a cabeça, manter a cabeça em
disciplina” – e não desordená-la, por exemplo, soltando os cabelos.
E ainda sobre os cabelos soltos há outra informação do mesmo autor (167s):
O pano de fundo da exortação do apóstolo é o fato de que,
ocasionalmente, no meio de uma reunião de oração, o cabelo da
mulher se soltava quando ela orava em voz alta ou proferia palavra
profética. Isso chamava a atenção. Entre os gregos não era
desconhecido o fato de um profeta ou profetisa, talvez para relaxar a
tensão experimentada durante o êxtase ou para sublinhar o
significado de seu papel profético, muitas vezes soltar seu cabelo e
gesticular fortemente, de modo que o cabelo – de forma mais ou
menos impressionante – voava no rosto ou nas costas.
Assim podemos entender melhor o versículo:
…por isso a mulher é obrigada a manter a cabeça decente com base
(na presença) de anjos.
Se em determinado ponto fizemos a relação da mulher com o sentimento, aqui não é
menos correto relacioná-la com a vaidade. É preciso manter a cabeça decente, em
36
ordem, sob disciplina, e não chamando para si a atenção. O mais importante é a
mensagem, e não através de quem ela veio, seja o médium ou o Espírito comunicante.
Se assim não for, os anjos (Espíritos voltados para o bem) abandonam o médium à
sua própria sorte, ou à sua própria vaidade. Este não é o espírito cristão de serviço, e
Paulo sabedor dessa possibilidade, pois conhecia a natureza fraca do homem, tentava a
todo custo evitar a queda de qualidade do movimento em favor do Cristo.
Para encerrarmos este assunto, no versículo 15 temos:
Peribolaion, significando: uma coberta lançada ao redor de, uma envoltura, um
manto, ou um véu.
Só aqui literalmente podemos ter véu, porém, de acordo com o contexto talvez o
mais correto fosse manto, mesmo assim no sentido de proteção. Pois Paulo diz: pois o
cabelo é dado como manto (véu). E um dos objetivos do cabelo, não é principalmente
proteger?
Portanto mais uma vez o apóstolo chama a atenção, não é para usar o cabelo como
adorno, como honra, mas como proteção. E em termos espirituais, principalmente no
âmbito de uma reunião mediúnica, a melhor proteção não é estar em disciplina quanto
ao atuarmos de acordo com os princípios do Evangelho?
Portanto, concluindo temos, o véu como sinal de autoridade é em última instância
uma subordinação ao Cabeça Primário que é Deus, e como conseqüência ao Cristo,
nada mais do que isto, estejamos sujeitos ao Cristo pela vivência evangélica. Esta é a
mensagem primordial de Paulo.
Nos versículos 11 e 12 temos outros pontos importantes a serem comentados:
12. Da mesma forma, (é) nem mulher sem homem nem homem
sem mulher no Senhor;
13. pois, assim como a mulher (Eva) a partir do homem
(Adão), assim também o homem (Cristo) por meio da
mulher – o todo, porém, a partir de Deus.
Nos versículos anteriores Paulo faz uma abordagem a partir da tradição vigente à
época, nestes, ele lança através de um jogo de palavras, uma nova ordem.
Para tal ele usa uma expressão muito importante, no Senhor. É como se ele assim
dissesse:
Se antes havia uma relação de dependência da mulher ao seu marido devido à ordem
da criação, primeiro o homem, depois a mulher, agora, no Senhor, isto é, em Cristo, há
37
algo mais, nem a mulher é sem o homem, nem o homem sem a mulher. As diferenças
continuam existindo, porém diferença não é defeito e sim enriquecimento. Diferença
não pode determinar superioridade de um em relação ao outro, mas necessidade de
complementação onde cada um colaborando com a sua parte coopera na formação do
todo.
Guardemos estas palavras, pois elas são imprescindíveis para o entendimento
evangélico: colaboração e cooperação; pois no Senhor não há progresso efetivo sem
estas práticas.
Justificando sua exposição, já que é utilizada a história da criação contada no
Gênesis capítulo dois para explicar a situação da mulher, Paulo relaciona a mulher a
Eva, e o homem a Adão, porém na nova proposta (no Senhor) o homem é Cristo (último
Adão44), e a mulher é Maria, a que deu a luz ao Cristo.
Através de Adão entrou o pecado no mundo, o que quer dizer isto?
É quando o homem rompe a aliança com Deus, ou seja, dissocia de Seus desígnios
agindo por conta própria sem levar em conta Sua Lei visando exclusivamente o
interesse pessoal.
O resgate se dá por meio de Cristo que veio para nos ensinar o caminho de volta ao
Pai, caminho esse que é definido justamente pela obediência à Sua Lei
Jesus disse-lhes: A minha comida é fazer a vontade daquele que me
enviou e realizar a sua obra.45
Por sua vez Eva foi quem sofreu a influência da Serpente.
Dissemos anteriormente que Adão representa o primeiro grupo de Espíritos que
vieram deportados de outro Orbe para auxiliar os autóctones de nossa Terra; e que Eva é
a representação do segundo grupo, grupo este já mais sensibilizado a ponto de sofrer
influência espiritual da Serpente que seria o terceiro grupo formado por Espíritos que
não queriam encarnar, o que mais tarde fazem na figura de Caim.
Eva sofre desta forma uma influência espiritual negativa, o que dentro do
vocabulário espírita chamaríamos de mediunidade a serviço das trevas.
Maria realiza justamente o resgate de Eva na medida que faz nascer o Cristo
obedecendo a um chamado do plano espiritual superior, ou seja, usa a mediunidade a
serviço da Luz.
44 Cf. 1 Coríntios, 15: 4545 João, 4: 34
38
No primeiro caso temos a mediunidade gerando desobediência levando à queda. No
segundo a mesma faculdade sendo usada para a obediência conduzindo à redenção.
Concluindo, o Espírito, Ser inteligente (representado pelo primeiro homem), é levado
à queda pelo sentimento desequilibrado (representado pela primeira mulher); a redenção
se dá justamente pela mulher (sentimento sublimado) que gera o Cristo (Filho do
homem).
A primeira mulher induz Adão (primeiro homem) ao erro; a última mulher (Maria)
dá a oportunidade ao último Adão (Cristo) de realizar a redenção46.
Através destes símbolos Paulo conta-nos a história de queda e salvação da
humanidade dizendo-nos que tudo vem de Deus, Causa Primária de todas as coisas, para
onde tudo deve voltar, confirmando ele mesmo dezenove séculos depois, através da
mesma mediunidade santificada que, gravitar para a unidade divina eis o fim da
Humanidade; e que isto se daria tendo unidos o sentimento e a razão.47 Ou seja, mulher
e homem em Cristo.
7 - O silêncio da mulher nas assembléias (1 Timóteo, 2 : 8 a 15)
8 Quero, pois, que os homens orem em todo o lugar, levantando
mãos santas, sem ira nem contenda.
9 ¶ Que do mesmo modo as mulheres se ataviem em traje honesto,
com pudor e modéstia, não com tranças, ou com ouro, ou pérolas, ou
vestidos preciosos,
10 mas (como convém a mulheres que fazem profissão de servir a
Deus) com boas obras.
11 A mulher aprenda em silêncio, com toda a sujeição.
12 Não permito, porém, que a mulher ensine, nem use de autoridade
sobre o marido, mas que esteja em silêncio.
13 Porque primeiro foi formado Adão, depois Eva.
14 E Adão não foi enganado, mas a mulher, sendo enganada, caiu
em transgressão.
15 Salvar-se-á, porém, dando à luz filhos, se permanecer com
46 Não estaria aí a explicação de 1 Timóteo, 2: 15? Salvar-se-á, porém, dando à luz filhos, se
permanecer com modéstia na fé, na caridade e na santificação.47 Veja O Livro dos Espíritos questão 1009
39
modéstia na fé, na caridade e na santificação.
Este é um texto de difícil interpretação. Aqui os estudiosos têm tido grande
dificuldade para explicar para a mulher dos tempos atuais o que Paulo queria dizer nesta
carta.
Para compreendê-lo é preciso analisar com cautela.
A epístola foi escrita a Timóteo, porém para que fosse lida por toda a comunidade.
Paulo estava preocupado com certas pessoas que ensinavam aos cristãos de Éfeso uma
falsa doutrina, assim alertava o discípulo a quem encarregava de admoestar estes falsos
mestres. (Cf. Timóteo, 1: 3 a 7)
Éfeso era uma cidade da Ásia Menor de grande destaque. Em linguagem moderna
poderíamos dizer que tinha uma ótima logística por situar-se na junção de estradas
comerciais e ter como destaque o templo de Diana, que os gregos identificavam como a
deusa Ártemis.
Nela moravam muitos judeus que tinham ali uma sinagoga. A igreja cristã, segundo
Emmanuel (Paulo e Estevão, pág. 652), se compunha de elementos judaicos e gentios, e
era comum nas reuniões um grande número de polêmicas estéreis (Idem, pág. 539).
Éfeso foi também muito importante para o movimento cristão do primeiro século de
nossa era devido a Maria, mãe de Jesus, ter ali vivido seus últimos dias, em trabalho de
atendimento à comunidade carente desta cidade, enquanto João Evangelista trabalhava
na área da evangelização.
Assim temos dois pontos contrastantes que fazem de Éfeso um tema importante para
o nosso estudo com muitas oportunidades de edificação. O templo de Diana e o culto
pagão de um lado, e o trabalho de Maria e João em favor do Cristo de outro.
Feita esta breve introdução podemos agora comentar mais propriamente o texto em
questão, porém para isso vamos nos apoiar na tradução já citada de Norbert Baumert.
8. Quero, pois, que os homens em cada lugar tenham
mãos puras,sem fervor e sem dúvida;
9. da mesma forma (quero eu)48 que mulheres em postura
nobre (obediente) se enfeitem (se tornem elegantes, se
produzam) com sensibiidade e clareza, não com cabelo
trançado, ouro, pérolas ou ainda vestimentas caras,
48 Nestas traduções citada de Baumert, as palavras entre parênteses são para auxiliar na compreensão
do texto de acordo com o contexto, podendo o mesmo ser compreendido sem elas.
40
10. mas – o que cai bem a mulheres que tornaram a
piedade algo próprio de sua vida – com boas ações
(por meio do agir corretamente).
11. Uma mulher pode em plena (toda) tranqüilidade
aprender subordinação;
12. mas eu não permito a uma mulher ensinar, nem
dominar acima de um homem (agir de forma
autônoma), mas viver em paz (em sua situação social
de paz com o homem).
13. Adão foi constituído (formado) primeiro, depois Eva.
14. E Adão não foi enganado; mas a mulher, depois que
ele se deixou iludir, caiu em transgressão,
15. (mas) deverá receber salvação por meio do parir um
filho (o nascimento de um filho). Se elas permanecerem
em confiança (fé) e amor e santificação com (sob) bom
senso.
A polêmica já se inicia no versículo 8, pois enquanto para os homens há a
recomendação em apenas um versículo, para as mulheres há uma longa pregação moral.
(Baumert, 203).
O Versículo nono não é de difícil compreensão, porém já vamos notar algumas
diferenças quando analisamos as traduções:
9 Que do mesmo modo as mulheres se ataviem em traje honesto, com
pudor e modéstia, não com tranças, ou com ouro, ou pérolas, ou
vestidos preciosos… (Almeida)
9 da mesma forma (quero eu)49 que mulheres em postura nobre
(obediente) se enfeitem (se tornem elegantes, se produzam) com
sensibiidade e clareza, não com cabelo trançado, ouro, pérolas ou
ainda vestimentas caras… (Baumert)
O que Paulo está pedindo aqui é um cuidado das mulheres quanto à vestimenta para
que elas não venham a chamar a atenção por aspectos exteriores no que diz respeito à
vaidade.
49 Nestas traduções citada de Baumert, as palavras entre parênteses são para auxiliar na compreensão
do texto de acordo com o contexto, podendo o mesmo ser compreendido sem elas.
41
Devido à experiência no paganismo algumas mulheres deveriam estar se vestindo
incorretamente com trajes muito enfeitados e até sensuais, outras usando da vestimenta
para mostrar sua posição social superior.
O apóstolo sabia que a prática cristã depende de postura íntima e não de formalismos
e exterioridades, esta foi sempre a sua luta, divulgar a necessária transformação íntima
daquele que aceita o Cristo por Senhor.
Aqui, segundo a leitura de Baumert, Paulo pede às mulheres uma postura nobre, que
dentro do contexto da época passava também por obediência, e que se enfeitassem com
sensibilidade e clareza, e não, tendo por destaque as vestimentas caras.
Nos dias de hoje o cuidado deve ser o mesmo. No serviço cristão não pode haver a
distinção entre rico ou pobre, entre doutores ou leigos; o que deve caracterizar o
servidor do Evangelho é sua auto-iluminação, e sua capacidade de servir. As
vestimentas do Cristão devem ser simples, sem chamar muito a atenção, principalmente
no que diz respeito à sensualidade, cuidado este que devem ter principalmente as
mulheres, porém este chamamento de atenção vale tanto para os homens quanto para
elas.
No versículo 10 Paulo vem justamente confirmar a nossa interpretação, o que
caracteriza o seguidor de Jesus é o sentimento renovado conforme expressa: tornaram a
piedade algo próprio de sua vida, e amplia, com boas ações. Ou seja, é a atitude
iluminada pela fé que transforma o ser em uma criatura melhor. Não é simplesmente
fazer o bem, mas tornar-se bom, piedoso, generoso, fraterno. E mais uma vez dizemos,
não é só para a mulher o alerta, mas para ambos os sexos, pois tanto a mulher como o
homem em Cristo devem ser Nova Criatura.
No versículo 11 iniciam as dificuldades.
Pela tradução comum temos:
A mulher aprenda em silêncio, com toda a sujeição.
Mesmo se analisarmos do ponto de vista literal este versículo já é um avanço para
época, pois conforme vimos no início de nossas anotações, a presença de uma mulher
em reuniões de estudo era uma ofensa à sua dignidade, sendo que alguns mestres
achavam ser preferível queimar a Torá, que era o que havia de mais importante para o
judeu, do que ensiná-la a uma mulher. E Paulo, ao contrário era a favor de que a ela
aprendesse.
42
Quanto a aprender em silêncio é preciso examinar com um pouco mais de cautela
para saber se era esta mesma a idéia do ex-rabino, no sentido machista que comumente
entendemos.
A palavra grega que foi traduzida por silêncio é hesuchia. Hesuchia pode ser
silencio, mas também significa tranqüilidade, quietude. É nesse sentido que Baumert
entende a fala de Paulo, e parece ser o mais correto, pois a mulher normalmente já
ficava em silêncio nas reuniões, não sendo preciso que Paulo fizesse esta recomendação.
Portanto, aprender com tranqüilidade sugere um recepção da lição em harmonia
íntima, não se revoltando com a atitude exigida da mulher, de subordinação.
A lição é para todos nós nos dias de hoje de grande significação, visto que todo o
Evangelho tende a nos ensinar um novo comportamento fundamentado no desapego, na
inobservância do interesse pessoal, na desvinculação de coisas, posições e pessoas;
quando assim não procedemos com tranqüilidade, a vida nos cobra com uma dose maior
de sacrifício, que é quando nos rebelamos contrariamente ao que recomenda o apóstolo:
Estejamos em tranqüilidade no aprendizado de subordinação.
Esse é o grande desafio, nos sujeitarmos ao que quer que seja, mesmo a Deus, no
encaminhamento de Sua Magnânima Lei.
As dificuldades aprofundam ainda mais no versículo 12, porém, como iremos ver as
conclusões são as mesmas.
Não permito, porém, que a mulher ensine, nem use de autoridade
sobre o marido, mas que esteja em silêncio.
Ou ainda:
…mas eu não permito a uma mulher ensinar, nem dominar acima de
um homem (agir de forma autônoma), mas viver em paz (em sua
situação social de paz com o homem ).
Segundo este texto a mulher não pode ensinar, porém na prática há movimentos
contrários a este dito, e apoiado pelo próprio Paulo.
Em Atos, 18: 26, Priscila, mulher de Áquila, ensina a Apolo, junto com seu marido, o
caminho de Deus:
Ele começou a falar ousadamente na sinagoga. Quando o ouviram,
Priscila e Áqüila, o levaram consigo e lhe declararam mais
pontualmente o caminho de Deus.
Em Tito, 2: 3 e 4, Paulo diz que as mulheres idosas devem ensinar às mais jovens:
43
As mulheres idosas, semelhantemente, que sejam sérias no seu viver,
como convém a santas, não caluniadoras, não dadas a muito vinho,
mestras no bem, para que ensinem as mulheres novas a serem
prudentes, a amarem seus maridos, a amarem seus filhos...
Na primeira carta aos Coríntios, no cap. 11, texto que já comentamos, Paulo fala
claramente na possibilidade da mulher falar profeticamente em voz alta, o que não deixa
de ser uma forma de levar ensinamento:
Mas toda mulher que ora ou profetiza com a cabeça descoberta
desonra a sua própria cabeça, porque é como se estivesse rapada.
Há ainda como já vimos anteriormente mulheres que fundaram reuniões de estudo do
Evangelho em suas casas, o que pressupõe uma participação ativa destas nas reuniões.
Estariam ensinando?
Portanto, concluímos que não havia uma proibição destas ensinarem, mas sim de
ministrar ensinamento em determinadas situações.
Segundo Baumert (pág. 225), havia um sentimento geral dentro do âmbito cultural
helenístico, e mesmo no contexto judaico do cristianismo inicial de que as mulheres não
podiam ensinar em uma reunião pública, isto era uma realidade e devia ser respeitada.
Além do mais, como informa este mesmo autor, e que nós também já citamos neste
nosso texto, se a mulher não podia nem aprender a Torá, como ela ia poder ensinar?
Deste modo, ao analisarmos um texto de Paulo devemos levar tudo isso em
consideração.
Parece-nos que o que Paulo orientava é para que a mulher não afrontasse em público
a autoridade de seu marido. Lembremos que neste tempo o homem era o representante
legal de sua esposa e de sua família, era o senhor (kyrios) da mulher. Portanto era
simplesmente uma questão de respeitar os papéis de cada um, que são diferentes por se
tratarem de seres distintos.
O próprio Livro dos Espíritos, dezenove séculos depois define com clareza:
Assim sendo, uma legislação, para ser perfeitamente justa, deve
consagrar a igualdade dos direitos do homem e da mulher?
“Dos direitos, sim; das funções, não. Preciso é que cada um esteja no
lugar que lhe compete…”50
50 Questão 822, A
44
Portanto, não é machismo, mas um respeito à ordem social vigente, hoje não é mais
assim, se fosse na atualidade Paulo falaria de outro modo.
Desta forma podem dizer alguns, então o ensinamento de Paulo nesta carta está
ultrapassado, pois os tempos evoluíram. É aí que entra a importância de compreender o
que significa a letra mata e o espírito vivifica, é preciso tirar o espírito da letra.
Qualquer um de nós está sob autoridade. Seja do marido, da mulher, do pai, da mãe,
do chefe, do governo, ou numa questão mais profunda, do próprio destino como
conseqüência da lei de causa e efeito. Mesmo os que têm autoridade sobre nós, estão
sob autoridade de alguém ou de alguma situação.
Em última instância quem dá esta autoridade é Deus, sendo assim, querer ensinar ou
dominar (no sentido de revoltando querer inverter os papéis) quem está de posse de
autoridade maior é ir contrário ao próprio Deus que assim delegou que seja.
Destarte, estar em silêncio, ou viver em paz como colocam alguns tradutores é
assimilar a ordem que vige no Universo, ajustando-se à vontade de Deus
compreendendo-a, sabendo que Ele é o esposo a quem devemos sujeição
Conforme orienta-nos o versículo anterior, com tranqüilidade aprendamos
subordinação.
E isto vale tanto para a mulher quanto para o homem renovado em Cristo.
8 – Conclusão
Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive
em mim…51
Nisto [em Cristo] não há judeu nem grego; não há servo nem livre;
não há macho nem fêmea; porque todos vós sois um em Cristo
Jesus.52
Poderíamos ainda analisar outros textos de Paulo sobre o assunto que nos
propusemos comentar, porém isto talvez nos fizesse repetitivo e por demais cansativo.
O certo é que necessitamos fazer novas abordagens sobre as cartas do apóstolo
considerando o idioma em que viveu, aquele em que escreveu, considerando as
dificuldades de tradução. Em outras palavras, a cultura e a tradição de sua época de um
lado, e a atemporalidade de sua mensagem de outra.
51 Gálatas, 2: 2052 Gálatas, 3: 28
45
O próprio Pedro (apóstolo) já àquela época dizia que nas epístolas paulinas há
pontos difíceis de entender. (Cf. 2 Pedro, 3: 16)
Dentre estes, sem querer nos estender muito há o texto de 1 Coríntios, 14: 33 a 36 em
que Paulo claramente prega o silêncio da mulher nas reuniões da comunidade, o que de
certa forma já comentamos. Todavia, devido a este texto do capítulo 14 da primeira
carta aos coríntios ser um dos mais usados para a defesa da tese de um Paulo machista,
não podemos, mesmo que singelamente, deixar de dizer algo a respeito.
Muitos estudiosos têm analisado uma possível contradição destes versículos de 1
Coríntios, 14 em relação ao texto já por nós comentado da mesma carta no capítulo 11,
quando o autor da carta dizia da possibilidade da mulher orar e profetizar em voz alta
nas reuniões. Seria possível Paulo se contradizer em tão pouco espaço de tempo,
inclusive na mesma carta?
Esta possibilidade tem levado alguns exegetas a concluir que este texto do capítulo
14 talvez não tenha sido originalmente escrito por Paulo, mas que seja fruto de alteração
textual devido a pouca competência de copistas, o que era comum nas transmissões das
escrituras no período anterior à imprensa.
Para um estudo mais aprofundado desta possibilidade sugerimos aos interessados o
livro já citado e constante em nossa bibliografia, de Bart D. Ehrman.53
Porém, sempre que falamos em alteração das escrituras sugerimos aos nossos leitores
calma, e atenção ao que disse Emmanuel no livro O Consolador, quando nos informa
que com relação ao Evangelho em qualquer tradução o estudioso de boa vontade pode
extrair ensinamentos valiosos no campo auto-educativo, bastando para isso tirar da letra
o espírito.54
Sendo assim, como compreender esta possível contradição?
Havia no movimento cristão do primeiro século vários tipos de reunião. Do mesmo
modo, que hoje temos em nossas casas espíritas, reuniões públicas, reuniões de estudo
(num grupo menor e com estudos mais aprofundados), reuniões mediúnicas, reuniões de
diretoria, entre outras, havia entre os primeiros discípulos do Cristo, reuniões para culto
da palavra de Deus, partir do pão, refeição comunitária, ensino, aconselhamento e
decisão.55
53 Ver nota 18 de nosso texto.54 Cf. O Consolador, questão 32155 Para este tema me fundamentei em Baumert, op. Cit. Pág. 179.
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Se em algumas delas apesar de não ser comum a mulher podia orar em voz alta e
falar profeticamente, em outras, que alguns tradutores tratam por “reunião de
congregação”, não era permitido à mulher tomar a palavra em público. Este era o caso
da reunião citada neste capítulo 14 da primeira epístola aos coríntios, eram reuniões
onde eram analisadas as profecias e onde eram tomadas certas decisões que só cabiam
aos homens. Esta era a regra vigente na comunidade àquele tempo, é preciso que
compreendamos que não podia ser diferente. Já demonstramos anteriormente, e
pretendemos ainda voltar ao assunto nesta conclusão, que Paulo era mais avançado e
não concordava com este pensamento legalista, porém ele mesmo sabia não ser possível
romper com todas as tradições de uma hora para outra.
E aqui cabe uma reflexão para qualquer um de nós nos dias de hoje. Se em uma
oportunidade, mesmo que imaginária, fôssemos convidados a fazer uma exposição
evangélico-doutrinária em qualquer templo ligado a outra denominação religiosa, como
forma de fazer compreensível a filosofia que esposamos; não seria uma ótima
oportunidade irmos? Porém aqui cabe uma pergunta, para isso fazermos não seria
necessário levar em conta o respeito aos ritos e às regras que naquele ambiente são
comumente praticados? Podemos não concordar, mas para nos fazermos ouvidos, seria
bom abrirmos mãos do que para eles também não passam de verdades exclusivas de
nossa fé.
Deste modo, em Paulo também é preciso separar o que é fruto de época, da
mensagem que ele absorveu vindo das esferas do Cristo, e que é por isso mesmo
universal e atemporal. Sabendo que estas duas realidades estão intimamente conectadas
e magistralmente tornadas públicas através do lindo jogo de palavras usadas pelo
apóstolo, cabendo a qualquer estudioso em qualquer época da humanidade separar da
letra o espírito.
*******
Para que possamos compreender a literatura bíblica de um modo geral é preciso
levarmos em conta a seguinte realidade, o que nem sempre é feito pelos estudiosos,
mesmo os ligados a alguma crença religiosa.
A Bíblia relata a história do homem de um modo geral em busca de sua “salvação”, o
que modernamente denominamos redenção.
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Toda história desde a queda do Éden, até a Nova Jerusalém do Apocalipse gira em
torno disto.
O Antigo Testamento ou Bíblia hebraica, como preferem alguns, trata da formação
do homem biológico, daquele que chamamos de homem do mundo. Há ali além de
ensinos valiosos, toda uma norma de comportamento que diz respeito ao andamento
deste na construção de um Ser ético que amadurece no bate e rebate da vida.
O Novo Testamento da Bíblia Cristã por sua vez, através da vinda do Messias predita
nas escrituras hebraicas, nos traz o caminho para a construção do homem espiritual.
Aqui cessa a preocupação com os valores exclusivamente transitórios e o que passa a
ser levado em conta é o aperfeiçoamento do Espírito imortal.
A história do homem passa a ter então dois momentos distintos, antes e depois do
Cristo. Aqui é preciso não confundir esta idéia com o movimento do calendário que
também nos fala em antes e depois de Cristo, pois no primeiro caso o depois do Cristo
significa o Cristo Vivo na intimidade da criatura, ou seja, a adesão profunda ao Amor
do Novo Mandamento56, o que nos faz segundo a denominação paulina, uma Nova
Criatura.
Este era o entendimento de Paulo e o estado em que tinha como objetivo, como meta,
para toda a humanidade. Esta era a idéia que ele queria dar a compreender todos,
simbolizados por judeu ou grego, servo ou livre, macho ou fêmea.
Quando ele diz, em Cristo, ou, no Senhor, ele está se referindo justamente a este que
já atingiu este patamar de vivência.
A carta aos Gálatas, apesar de situar-se cronologicamente em meados de sua missão,
já mostra-nos um Paulo amadurecido a ponto dele poder dizer que já não vive, ele
Paulo, mas que Cristo é quem vive nele, o que a ele dá autoridade para afirmar que em
Cristo não há judeu ou grego, servo ou livre, macho ou fêmea.
Esse é o pensamento básico de nossa conclusão; Paulo não prega a igualdade entre os
diversos, mas a valorização da singularidade de cada um demonstrando-nos que para
Deus, ou no Senhor, não há acepção de pessoas. A diferença existe, a diversidade é uma
realidade e um bem, porém não há, dentro de um quadro hierárquico superior ou
inferior, melhor ou pior. Cada um é, segundo suas possibilidades um elo, um
componente do corpo de Cristo, que vivendo sob a autoridade do Cabeça, que em
56 Cf. João, 13: 34
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última instância é Deus, caminha para a formação de um Sistema Perfeito, onde há Paz,
Saúde, e Felicidade.
Cláudio Fajardo
Agosto de 2008
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