UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA - UNB
CENTRO DE EXCELÊNCIA EM TURISMO - CET
Programa de Pós-graduação em Turismo
Mestrado Profissional em Turismo
PATRIMÔNIO NATURAL E TURISMO VOLUNTÁRIO:
ÉTICA DO CUIDADO NA RELAÇÃO SOCIEDADE-NATUREZA
VITOR JOÃO RAMOS ALVES
Brasília – DF
2016
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VITOR JOÃO RAMOS ALVES
PATRIMÔNIO NATURAL E TURISMO VOLUNTÁRIO:
ÉTICA DO CUIDADO NA RELAÇÃO SOCIEDADE-NATUREZA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação - Mestrado Profissional em Turismo - do Centro de Excelência em Turismo - CET - da Universidade de Brasília - UnB - na linha de pesquisa Cultura e Sustentabilidade no Turismo, como requisito à obtenção do título de Mestre em Turismo. Orientador: Prof.º Dr.º Everaldo Batista da Costa
Brasília – DF
2016
Ficha catalográfica elaborada automaticamente, com os dados fornecidos pelo(a) autor(a)
AAL474p
Alves, Vitor João Ramos Patrimônio Natural e Turismo Voluntário: Ética doCuidado na relação Sociedade-Natureza / Vitor JoãoRamos Alves; orientador Everaldo Batista da Costa. - Brasília, 2016. 162 p.
Dissertação (Mestrado - Mestrado Profissional emTurismo) -- Universidade de Brasília, 2016.
1. Turismo. 2. Voluntariado. 3. PatrimônioNatural. 4. Ética do Cuidado. 5. Missão VolunteerVacations Onça-pintada. I. Costa, Everaldo Batistada, orient. II. Título.
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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA - UNB
CENTRO DE EXCELÊNCIA EM TURISMO - CET
Programa de Pós-graduação em Turismo
Mestrado Profissional em Turismo
PATRIMÔNIO NATURAL E TURISMO VOLUNTÁRIO:
ÉTICA DO CUIDADO NA RELAÇÃO SOCIEDADE-NATUREZA
Banca Examinadora:
_____________________________ Prof.º Dr.º Everaldo Batista da Costa
Orientador/Presidente da Banca CET/GEA - UnB
_____________________________ Prof.ª Dr.ª Marutschka Martini Moesch
Membro Interno CET - UnB
_____________________________ Prof.ª Dr.ª Liza Maria Souza de Andrade
Membro Externo FAU - UnB
_____________________________ Prof.º Dr.º Fernando Luiz Araújo Sobrinho
Membro Externo GEA - UnB
Brasília – DF
2016
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Ali por entre a folhagem, distinguiam-se as ondulações
felinas de um dorso negro, brilhante, marchetado de pardo;
às vezes viam-se brilhar na sombra dois raios vítreos e
pálidos, que semelhavam os reflexos de alguma
cristalização de rocha, ferida pela luz do sol.
Era uma onça enorme; de garras apoiadas sobre um
grosso ramo de árvore, e pés suspensos no galho superior,
encolhia o corpo, preparando o salto gigantesco.
(...)
— Pois Ceci desejou ver uma onça, Peri a foi buscar.
— Isto não é razão, continuou ela; porventura um animal
feroz é a mesma coisa que um pássaro, e apanha-se como
uma flor?
— Tudo é o mesmo, desde que te causa prazer, senhora.
O Guarani
José de Alencar
[1829-1877]
5
À minha irmã Lívia Ramos Alves
que sempre me incentiva e apoia
nas escolhas da vida.
À minha mãe Neusa Amélia Ramos
que está sempre comigo, mesmo distante,
como um exemplo de força,
coragem e determinação.
Às minhas avós
Neusa de Souza Ramos
e Izaura Teixeira Alves,
que sempre estão de braços abertos
me ofertando aconchego,
carinho e amor.
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AGRADECIMENTOS
A construção do conhecimento nunca é feita de forma solitária, principalmente
quando esse conhecimento é referente a um fenômeno humano como o Turismo.
Dessa forma, gostaria de agradecer a todos que contribuíram, direta ou indiretamente,
para a realização dessa pesquisa.
Ao meu Professor Orientador Dr.º Everaldo Batista da Costa que, com sua
competência e dedicação, me orientou e incentivou durante toda a trajetória, além de
me possibilitar a experiência na vida acadêmica.
À coordenadora do Programa de Pós-graduação em Turismo do CET/UnB,
Professora Dr.ª Marutschka Martini Moesch, por acreditar na capacidade de todos nós
alunos do Mestrado, pelo incentivo à pesquisa em Ciências Sociais e por me
apresentar aos pensamentos complexos, dialéticos e epistemológicos de Edgar Morin
e Michel Foucault.
Aos membros da Banca de Qualificação e da Banca Examinadora que
contribuíram com críticas construtivas para o aprofundamento da pesquisa.
Aos professores: Dr.º Neio Lucio De Oliveira Campos, Dr.ª Neusa de Farias
Araújo, Dr.º Mario Carlos Beni, Dr.ª Donária Coelho Duarte, Dr.ª Karina Dias e Dr.ª
Maria Elenita Nascimento que plantaram a semente do saber em cada aula
administrada e nos indicaram os caminhos que contribuem para práticas do Turismo,
de forma interdisciplinar e transversal, a fim de nos posicionar criticamente como
integrantes de uma sociedade diversificada e multicultural, na promoção do
aperfeiçoamento profissional e pessoal.
E por fim, não menos importantes, aos colegas da turma do Programa de
Pós-graduação em Turismo do CET/UnB, ano de 2015, que me proporcionaram
momentos de alegria e companheirismo, com oportunidade de aprendizado sobre o
“fazer-saber” do Turismo, além da vivência com a diversidade cultural de cada Estado
representado.
Mas, é preciso destacar, como profissional do Turismo e cumpridor do meu
dever de cidadão, que não deixo de lutar politicamente por meus direitos e agradeço
pelas oportunidades de participar, nesse ano de 2016, de cada ato político ocorrido.
Em uma época que todos sofremos um golpe contra a democracia, continuo
esperançoso de que a população brasileira desperte para a mudança de consciência,
a fim de continuarmos a luta por um Estado democrático, destinado à segurança do
exercício dos direitos sociais e individuais, à liberdade, ao bem-estar, à igualdade e à
justiça para cada cidadão brasileiro.
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RESUMO
O turismo, concebido pelo sistema capitalista vigente como uma mercadoria a
ser consumida pelos turistas, ao associar-se ao voluntariado é visto
ideologicamente como uma forma de proporcionar benefícios, por meio da
viagem, tanto para as comunidades visitadas quanto para os próprios turistas.
Quando direcionados à proteção do patrimônio natural, acredita-se ampliar
esses benefícios para os ambientes sociais e naturais envolvidos. Assim, essa
pesquisa propõe desvelar a fundamentação teórica para o entendimento da
relação turismo e atividade voluntária na preservação do patrimônio natural, por
meio do estudo de caso da Missão “Volunteer Vacations Onça-pintada”,
realizada pela Agência Volunteer Vacations, em parceria com a ONG No
Extinction – NEX, localizada no município de Corumbá de Goiás (GO). Por
meio da pesquisa do tipo qualitativa, do método dialético histórico-materialista e
das técnicas de triangulação de dados e análise de discurso, a pesquisa
identificou a existência de uma pseudoconcreticidade embutida na prática da
Missão “VV Onça-pintada”, avaliou a percepção dos turistas sobre a prática e
aferiu a possibilidade de construção de uma relação Sociedade-Natureza e de
uma Ética do Cuidado, a partir da conscientização do sujeito de ser/fazer parte
integrante da natureza, senti-la como totalidade, consciente de que suas ações
e reações interferem diretamente a si próprio e ao meio ao qual está inserido.
Palavras-chave: Turismo; Voluntariado; Patrimônio Natural; Ética do Cuidado;
Missão Volunteer Vacations Onça-pintada; ONG No Extinction.
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ABSTRACT
The tourism, designed by the current capitalist system as a commodity to be
consumed by tourists, to join volunteering is seen ideologically as a way to
provide benefits through the trip, both for the communities visited and for the
tourists themselves. When directed to the protection of natural heritage, is
believed to extend these benefits to the social and natural environments
involved. Thus, this research proposes to unveil the theoretical basis for
understanding the relationship between tourism and voluntary activity in the
preservation of natural heritage, through the mission case study "Volunteer
Vacations Onça-pintada" held by the Agency Volunteer Vacations, in
partnership with NGO No Extinction - NEX, in the Corumbá de Goiás (GO).
Through the qualitative study, the historical materialist dialectical method and
data triangulation techniques and discourse analysis, the study identified the
existence of a built pseudoconcreticity in practice the Mission "VV Onça-
pintada", assessed the perception of tourists on the practice and measured the
possibility of building a society-nature relationship and an Ethics of Care, from
the awareness of the subject to be / become an integral part of nature, feel it as
a whole, aware that its actions and reactions interfere directly itself and the
means to which it is inserted.
Keywords: Tourism; Volunteering; Natural patrimony; Ethics of Care; Mission
Volunteer Vacations Onça-pintada; NGO No Extinction.
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Características da Cultura Voluntária e seus Valores Norteadores .. 31
Figura 2: Área de ocupação de Panthera onca no Cerrado brasileiro, populações sugeridas (polígonos azuis) com a presença confirmada ou inferida (pontos amarelos).. .......................................................................................... 43
Figura 3: Variações do Turismo Alternativo ..................................................... 48
Figura 4: Destinos ofertados pela Agência Volunteer Vacations ...................... 53
Figura 5: Como funciona a viagem voluntária pela Agência Volunteer Vacations.......................................................................................................... 54
Figura 6: Página da Agência Volunteer Vacations no Facebook. ..................... 55
Figura 7: Localização da ONG No Extinction, parceira da Agência Volunteer Vacations.. ........................................................................................................ 57
Figura 8: Fazenda Preto Velho - sede da ONG No Extinction.......................... 57
Figura 9: Espaço de proteção e tratamento das onças. ................................... 57
Figura 10: O Estudo de Caso. .......................................................................... 61
Figura 11: Estratégias metodológicas para a construção da dissertação. ....... 63
Figura 12: Triangulação de dados. ................................................................... 68
Figura 13: Rubricas de Análise de Conteúdo. .................................................. 72
Figura 14: Representação comparativa da Missão VV Onça-pintada. ............. 92
Figura 15: Posicionamento da ONG NEX na região. ....................................... 96
Figura 16: Imagem de divulgação da Missão VV Onça-pintada no endereço eletrônico da Agência Volunteer Vacations. ................................................... 104
Figura 17: Imagem de divulgação da Missão VV Onça-pintada no Facebook............... ......................................................................................... 105
10
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Síntese da ação voluntária através do tempo. ................................ 28
Quadro 2: Populações de Panthera onca no Cerrado brasileiro e sua área estimada. .......................................................................................................... 43
Quadro 3: Operadores que atuam com o Turismo Voluntário no Brasil. .......... 50
Quadro 4: Quadro modelo para interpretação da análise do conteúdo referentes às entrevistas realizadas e documentos coletados. ......................................... 83
Quadro 5: Quadro interpretativo da análise do conteúdo referente à categoria Turismo Voluntário. .......................................................................................... 85
Quadro 6: Quadro interpretativo da análise do conteúdo referente à categoria Preservação do Patrimônio Natural. ................................................................. 86
Quadro 7: Quadro interpretativo da análise do conteúdo referente à categoria Relação e Interação Sociedade-Natureza. ....................................................... 87
Quadro 8: Distância linear da localização da ONG NEX para com os municípios limítrofes. .......................................................................................................... 96
Quadro 9: Formas Sociais de Consciência. ................................................... 109
Quadro 10: Senso Comum/Ideologia identificado na Analise de Discurso. .... 111
Quadro 11: Questões que rebatem o Senso Comum/Ideologia identificado na Analise de Discurso. ....................................................................................... 112
11
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CENAP Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros
IBAMA Instituto Brasileiro do Meio-Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
ICMBio Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
NEX ONG No Extinction
MTur Ministério do Turismo
OMT Organização Mundial do Turismo
TNV Turista que não participou da Missão VV Onça-pintada
TV Turista Voluntário que participou da Missão VV Onça-pintada
UNESCO United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
UNWTO United Nations World Tourism Organization – Organização Mundial do Turismo das Nações Unidas.
VV Volunteer Vacations
WWF World Wide Fund for Nature
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 14
1 O TURISMO E A RELAÇÃO: ATIVIDADE VOLUNTÁRIA NA PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO NATURAL ...................................................................................... 19
1.1 A COMPLEXIDADE DO TURISMO COMO FENÔMENO SOCIAL ............... 19
1.1.1 A responsabilidade que envolve o Turismo ....................................... 23
1.2 O VOLUNTARIADO COMO UMA CONSTRUÇÃO DE VALORES SOCIAIS 26
1.2.1 A trajetória histórica da atividade voluntária ..................................... 27
1.2.2 Os valores norteadores da atividade voluntária ................................ 30
1.3 O PATRIMÔNIO NATURAL: VALOR HUMANO OU VALOR MERCADOLÓGICO .................................................................................................. 32
1.3.1 A Natureza e as teorias de conservação do espaço natural ............. 32
1.3.2 O Valor Simbólico da Natureza e sua Patrimonialização .................. 38
1.4 O CAMPO CONCEITUAL DO TURISMO VOLUNTÁRIO E SUA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL ........................................................................................ 45
1.4.1 O Turismo Voluntário e suas formas de atuação no território brasileiro .............................................................................................................. 49
1.4.2 A Missão Volunteer Vacations Onça-pintada como Estudo de Caso da pesquisa .......................................................................................................... 52
1.4.2.1 A Missão Volunteer Vacations Onça-pintada e sua prática ............. 54
1.4.2.2 A atuação da ONG No Extinction – NEX na Missão VV Onça-pintada............. .................................................................................................. 56
1.4.2.3 A Instrução Normativa IBAMA Nº 7, de 30 de abril de 2015 ............ 57
2 A MISSÃO VOLUNTEER VACATIONS ONÇA-PINTADA NA PERSPECTIVA DA DIALÉTICA ................................................................................................................... 62
2.1 O ROTEIRO METODOLÓGICO PARA A DESCONSTRUÇÃO DA REALIDADE .............................................................................................................. 64
2.1.1 A triangulação dos dados coletados na pesquisa do Turismo Voluntário ............................................................................................................. 66
2.1.2 A técnica de Análise de Conteúdo e a ideologização do discurso .. 69
2.1.3 A Dialética Histórico-Materialista e as categorias de análise: teoria/ prática, ideologia/ ciência, totalidade/ fragmentação, contradição/ mediação, subjetividade/ objetividade, autonomia/ dependência e criticidade/ alienação.......... .................................................................................................... 73
2.1.3.1 As categorias dialéticas de análise necessárias para a desconstrução da realidade da Missão VV Onça-pintada ................................. 76
2.2 A CONTRADIÇÃO ENTRE O DISCURSO E A PRÁTICA DA MISSÃO VOLUNTEER VACATIONS ONÇA-PINTADA. ......................................................... 89
13
3 A CONSTRUÇÃO DA ÉTICA DO CUIDADO NA RELAÇÃO SOCIEDADE-NATUREZA .................................................................................................................. 99
3.1 O TURISTA VOLUNTÁRIO COMO ATOR SOCIAL QUE PROMOVE MUDANÇAS .............................................................................................................. 99
3.2 A RELAÇÃO SOCIEDADE-NATUREZA PELO TURISMO VOLUNTÁRIO NA MISSÃO VV ONÇA-PINTADA ................................................................................ 102
3.2.1 A formação social de consciência do turista voluntário ................. 107
3.3 A CONSTRUÇÃO DE UMA ÉTICA DO CUIDADO PELO TURISMO VOLUNTÁRIO ......................................................................................................... 114
3.3.1 A construção da Ética do Cuidado pelo ato de sentir ..................... 119
CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 124
REFERÊNCIAS .......................................................................................................... 128
ANEXOS ..................................................................................................................... 135
ANEXO I: INSTRUÇÃO NORMATIVA IBAMA Nº 7/2015, DE 30 DE ABRIL DE 2015..... ................................................................................................................... 136
ANEXO II: NOTÍCIA JORNALÍSTICA – G1: GLOBO.COM .................................... 137
APÊNDICES ............................................................................................................... 139
APÊNDICE I: ENTREVISTA REALIZADA COM A PRESIDENTE DA ONG NO EXTINCTION (NEX) EM 17 DE FEVEREIRO DE 2016. ........................................ 140
APÊNDICE II: ENTREVISTA REALIZADA COM A RESPONSÁVEL PELA AGÊNCIA VOLUNTEER VACATIONS EM 18 DE FEVEREIRO DE 2016. ............................. 142
APÊNDICE III: ENTREVISTA REALIZADA COM PROFISSIONAL TÉCNICO DO IBAMA EM 07 DE JUNHO DE 2016. ...................................................................... 143
APÊNDICE IV: ENTREVISTA REALIZADA COM TURISTA QUE PARTICIPOU DA MISSÃO VV ONÇA-PINTADA [TV1]. ...................................................................... 146
APÊNDICE V: ENTREVISTA REALIZADA COM TURISTA QUE NÃO PARTICIPOU DA MISSÃO VV ONÇA-PINTADA [TNV1]. ............................................................. 147
APÊNDICE VI: ENTREVISTA REALIZADA COM TURISTA QUE NÃO PARTICIPOU DA MISSÃO VV ONÇA-PINTADA [TNV2]. ............................................................. 148
APÊNDICE VII: ENTREVISTA REALIZADA COM TURISTA QUE NÃO PARTICIPOU DA MISSÃO VV ONÇA-PINTADA [TNV3]. ...................................... 149
APÊNDICE VIII: ENTREVISTA REALIZADA COM TURISTA QUE NÃO PARTICIPOU DA MISSÃO VV ONÇA-PINTADA [TNV4]. ...................................... 150
APÊNDICE VIII: ENTREVISTA REALIZADA COM TURISTA QUE NÃO PARTICIPOU DA MISSÃO VV ONÇA-PINTADA [TNV5]. ...................................... 151
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INTRODUÇÃO
O século XVIII, por meio da revolução industrial, promoveu grandes
mudanças nas relações do homem com a sociedade e a natureza. Tais
mudanças, oriundas do isolamento do indivíduo, separando-o da sociedade e
de seu ambiente natural, continuam a promover um desenvolvimento social-
econômico pautado na violência, na destruição, na exploração e na alienação
do homem, direcionando-o para a formação de uma sociedade de risco. Esta
nova sociedade, cercada de autoameaças em potencial, promove a
mercadorização das coisas, a desvalorização da coletividade, dissolve a
solidariedade e estimula a permanência do individualismo e do egoísmo em
seu meio. Com o crescente aumento da desigualdade social no país, surge a
necessidade de uma mudança de comportamento dos indivíduos, por meio da
promoção de atitudes mais responsáveis.
A natureza, subjugada e explorada por esse mesmo desenvolvimento,
é transformada em produto predeterminado e fabricado. Assim, torna-se
fragilizada, o que possibilita a ocorrência de riscos ecológicos, químicos,
nucleares e genéticos, produzidos industrialmente com o processo industrial
vigente na sociedade capitalista, além de ser tratada isoladamente, sem a
integração do ser humano e sem um questionamento a respeito do sentido
social e cultural do qual ela faz parte. Tal característica pode ser confirmada
pelo recente desastre ecológico ocorrido no último dia 5 de novembro de 2015,
com o rompimento da barragem de Fundão, localizada no município de
Mariana (MG) que afetou os Estados de Minas Gerais e Espírito Santo,
ocasionando um impacto ambiental de grande escala nas áreas afetadas
devido vazamento de minério de ferro e outros produtos químicos. A lama
gerada pela barragem provocou a morte de várias espécies de peixes e
animais de pequeno porte. A negligência e descaso nas investigações, para
avaliar as causas e o real impacto gerado pelo desastre, mostra o nível de
importância que o Homem vem dando ao meio ambiente e às áreas afetadas
pelo acidente. Tal situação também mostra a forma como a relação Homem-
Natureza acontece nos dias atuais, transformando o patrimônio natural em
mercadoria a ser meramente consumida pelo sistema de produção vigente. Tal
15
posicionamento confirma as abordagens feitas por autores como David Harvey
(2004) e Ulrich Beck (2010), ao afirmarem que o processo de mercantilização,
vigente no atual sistema capitalista, pode emergir por diferentes modalidades
de comportamento [competitivo, adaptativo ou colaborativo], pelas relações
humanas.
O turismo, também influenciado por esse processo de direcionamento
da sociedade, é absorvido pelo desenvolvimento técnico-econômico, que o
transforma em um fenômeno tecnológico-industrial e acaba comercializado
globalmente, como um produto. Tal processo de setorização econômica do
turismo promoveu uma abordagem reducionista em seu tratamento
epistemológico que, segundo a professora Dr.ª Marutschka Moesch (2002),
descaracterizou as relações humanas existentes no setor, com a complexa
redução da identidade “social” e “ambiental”, pelo reducionismo conceitual do
fenômeno.
Como respostas sociais, que muitas vezes são geradas como
oportunidades de promover mudanças comportamentais nos indivíduos e
tornam-se indutores de movimentos voltados à proteção e conservação
ambiental, surgem a filantropia e o voluntariado. Tais práticas podem ser
realizadas por meio de viagens e por utilização da infraestrutura turística,
envolvendo o turismo de forma direta. Sendo assim, a junção da atividade
voluntária com o turismo, hoje denominada por alguns autores de “Turismo
Voluntário”, promove, aos turistas que buscam essa nova forma de viajar, a
oportunidade de conhecer novas culturas, vivenciar novas experiências e
exercitar o sentido real de cidadania entre os que compartilham tal vivência.
Essa associação, por preocupar-se ideologicamente com a proteção do
ambiente visitado, com o respeito e o desenvolvimento da comunidade local
onde se é praticada, cresce a cada dia no Brasil e pode ser considerada hoje,
como uma alternativa ao desenvolvimento socioeconômico de localidades em
situações precárias. Ao mesmo tempo, torna-se um importante alvo de
investigações e estudos acadêmicos, por se tratar de um fenômeno social que
promove mudanças e gera múltiplas relações dialéticas que envolvem a
preservação e a mercantilização do patrimônio natural. Mesmo com esse
crescimento atual, o embasamento teórico sobre o tema ainda se encontra com
16
um quadro conceitual muito pouco desenvolvido, o que dificulta a construção
de uma análise mais abrangente sobre a atividade e suas consequências.
Por meio desse contexto introdutório, a presente dissertação tem como
problema de pesquisa, identificar se a prática do turismo voluntário na
preservação do patrimônio natural possibilita a construção de uma Ética do
Cuidado, ou se ela é apenas mais uma forma mercadológica de se fazer
turismo, a fim de atender aos interesses do sistema capitalista.
Nesse sentido, elegeu-se como objetivo geral: desvelar, por meio de
uma perspectiva dialética histórico-materialista, a fundamentação teórica para o
entendimento da relação turismo, atividade voluntária e patrimônio natural, e
consequentemente, identificar a possibilidade de se firmar a relação sociedade-
natureza e da promoção de uma Ética do Cuidado, por meio do estudo de caso
da Missão “Volunteer Vacations Onça-pintada”, realizada pela Agência
Volunteer Vacations em parceria com a ONG No Extinction, no município de
Corumbá de Goiás (GO).
Os objetivos específicos, elencados para a construção da pesquisa e
para atingir o objetivo geral foram: investigar a teoria que se apresenta hoje
sobre a prática do Turismo Voluntário na proteção do patrimônio natural;
identificar a existência de uma pseudoconcreticidade embutida na prática do
Turismo Voluntário na proteção do patrimônio natural; avaliar a percepção do
turista sobre a prática de Turismo Voluntário na proteção do patrimônio natural;
e, consequentemente, aferir como se apresenta, na prática, a relação
sociedade-natureza e se é possível a construção de uma Ética do Cuidado pelo
Turismo Voluntário.
Assim, para a análise das relações existentes na prática do Turismo
Voluntário na proteção do patrimônio natural, utilizou-se a perspectiva de
pesquisa qualitativa, de nível exploratório e interpretativo, uma vez que a
mesma permite a utilização de diferentes abordagens epistemológicas,
estratégias de investigação e métodos de coleta e análise de dados. Como
caminho metodológico para o desenvolvimento da pesquisa foi utilizado o
método dialético histórico-materialista. Dessa forma, a estrutura do trabalho foi
dividida dialeticamente em três partes: tese [levantamento da teorização
existente sobre os objetos de estudo]; antítese [identificação da
pseudoconcreticidade existente na prática da Missão VV Onça-pintada]; e por
17
fim, síntese [pela identificação de uma possível construção da Ética do Cuidado
pelo Turismo Voluntário]. A estrutura ainda teve uma subdivisão em quatro
etapas, conforme apresentado a seguir.
Nas etapas de construção da antítese [Etapa 2: Estratégia
Metodológica e Etapa 3: Análise de Conteúdo], foram utilizadas as técnicas de
Triangulação de Dados, Análise de Discurso e Estudo de Caso, as quais
serviram como roteiro metodológico para a análise da pesquisada e dos
discursos apresentados pelas pessoas chave entrevistadas durante o
processo. As entrevistas foram elaboradas a partir de um tópico livre,
centralizadas em um tema particular para cada entrevistado e, conforme o
desenvolvimento e evolução dos assuntos abordados, as questões foram
modificadas no decorrer do processo, a fim de atender aos objetivos
estipulados no trabalho.
A tese, representada pelo capítulo 1 - de título “O Turismo e a relação:
atividade voluntária na preservação do patrimônio natural” - apresenta o
referencial teórico pesquisado para o progresso da pesquisa, identificado como
noções introdutórias do senso comum, referentes ao turismo, à atividade
voluntária e ao patrimônio natural. A antítese, construída pelo capítulo 2 -
intitulado “A Missão Volunteer Vacations Onça-pintada na perspectiva da
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dialética” - apresenta as estratégias metodológicas percorridas para que os
objetivos propostos fossem alcançados, além de identificar a existência de uma
pseudoconcreticidade embutida na execução da Missão VV Onça-pintada. O
capítulo 3, identificado como síntese, afere como se apresenta, na prática, a
relação sociedade-natureza na Missão estudada e se há a possibilidade da
construção de uma Ética do Cuidado pelo Turismo Voluntário, tendo como
precedência a participação do turista voluntário na preservação do patrimônio
natural.
A maior contribuição dessa pesquisa, sintetizada nas considerações
finais, está na identificação da possível construção de uma Ética do Cuidado
pela prática do Turismo Voluntário, com base nas abordagens de Leonardo
Boff (2007), por meio da capacidade de “sentir”, de “ser afetado” e de “afetar”
do ser humano. Conforme o próprio autor, a existência jamais é pura
existência, é uma “co-existência”, sentida e afetada pela ocupação e pela
preocupação, pelo cuidado e pela responsabilidade do ser no mundo e com os
demais seres (BOFF, 2007, p. 36). Identifica-se, assim, a necessidade de uma
mudança de postura do turista voluntário para um “sentir” o mundo, os outros e
os demais seres, além do próprio “eu” individual, como uma totalidade única e
complexa.
Quanto mais o turista voluntário se assumir como sujeito, que promove
mudanças quando em prática na sociedade, o mesmo perceberá as razões de
se tornar capaz de mudar a sua realidade, de promover mudanças, no caso,
alterando seu próprio estado de “curiosidade ingênua” para o de “curiosidade
epistemológica”, conforme as abordagens de Paulo Freire (1996, p. 39).
Por fim, novas contribuições podem ser construídas em pesquisas
futuras, com intuito de identificar ações que promovam o Turismo Voluntário
como forma de desenvolvimento humano, identificando o turista como ser
integral e pertencente do meio que habita; além de trabalhar a abordagem
ontológica do “ser voluntário” na proteção do patrimônio natural, à medida que
se aprofunda mais nas teorias e conceitos envolvidos sobre o comportamento
humano. Pode-se, da mesma forma, aprofundar a análise do Turismo
Voluntário em outros direcionamentos, como na relação: Turismo Voluntário
associado ao patrimônio natural e as políticas públicas nacionais vigentes.
19
1 O TURISMO E A RELAÇÃO: ATIVIDADE VOLUNTÁRIA NA PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO NATURAL
“Nas ciências sociais a teoria não é um luxo para o pesquisador, é muito mais uma necessidade [...]:
‘Sem teoria não há ciência’.” (BRUYNE, 1982, p. 101)
O presente capítulo apresenta, como parte integrante do processo
metodológico, o referencial teórico pesquisado para o progresso da pesquisa,
identificado como: noções introdutórias do senso comum, referentes ao
turismo, à atividade voluntária e ao patrimônio natural. Atende assim, o objetivo
específico de desvelar a teoria que se apresenta hoje sobre a prática do
Turismo Voluntário na proteção do patrimônio natural.
1.1 A COMPLEXIDADE DO TURISMO COMO FENÔMENO SOCIAL
Considerado como um fenômeno humano mais significativo nos dias
atuais, o turismo envolve em sua epistemologia questões econômicas, sociais,
culturais e ambientais. Tal proporção surgiu a partir do século XX, após a
Revolução Industrial, com os inúmeros avanços gerados pelo capitalismo e
expandiu, a partir de 1960, como atividade de lazer.
Tomando como embasamento inicial a conceituação teórica de Luis
Fernandez Fuster (1971), a raiz desta evolução teve como causas “a
industrialização progressiva, a aglomeração urbana com sua vida artificial, as
condições de trabalho e a angústia psicológica de viver o cotidiano” e como
fatores determinantes “a facilidade das comunicações e a conquista social de
um nível de vida mais elevado” (FUSTER, 1971, p.13).
A conceituação de turismo construída por Fuster (1971) mostra ainda a
complexidade do assunto, que merece ser destacado conforme a seguir:
O Turismo é, por um lado, um conjunto de turistas, que estão se tornando mais numerosos; por outro lado, são os fenômenos e relações que essa massa produz como resultado de suas viagens. O Turismo é os hotéis da equipe receptora inteira, agências de viagem, transporte, espetáculos, guias-intérpretes, etc., o que deveria permitir ao núcleo atender o fluxo turístico que o invade - e que não promoveria se não recebesse. O Turismo é toda organização pública
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ou privada que surge para promover a infraestrutura e expansão do núcleo; campanhas de propaganda que devem planejar, implementar e divulgar; criação de Oficinas de Informação; criação de escolas para o ensino de Turismo; estudo do Turismo para criar linhas gerais da política a ser seguida; promoção do Turismo Social. O Turismo é também todo efeito positivo ou negativo que ocorre em populações de acolhimento - econômico, social, religiosa, etc. - pelo "contágio" de estrangeiros e entre estes últimos; e que por sua vez é produzido por essas unidades populacionais com o próximo, embora este último não receba turistas - uma espécie de efeito multiplicador moral ou cultural; e, para finalizar esta lista, sem limitação, o Turismo é também, paradoxalmente, o efeito ocorrente em um núcleo receptor quando a temporada turística é curta. Isto é, ele pode dar-se efeitos turísticos - negativos - sem turistas1 (FUSTER, 1971, p. 32-33).
A apropriação do turismo como objeto de estudo, ocorreu no período
entre a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e a Segunda (1939-1945), tendo
em vista o surgimento de inúmeros estudos e conceituações feitos por
economistas de países como Alemanha, Suíça, França e Inglaterra, originando
escolas de análise e estruturação do turismo, conforme apresentado por
Moesch (2004, p.19) em sua tese de doutorado de título “Epistemologia Social
do Turismo”. A autora também defende, em sua publicação de 2002, de título
“A Produção do Saber Turístico”, que “o turismo é um processo humano e
ultrapassa o entendimento como função de um sistema econômico. Como um
processo singular, necessita de ressignificação às relações impositivas, aos
códigos capitalísticos e aos valores, colocados como bens culturais”
(MOESCH, 2002, p.15), aprimorando o conceito de turismo conforme a
definição apresentada a seguir:
O Turismo é uma combinação complexa de inter-relacionamento entre produção e serviços, em cuja composição integram-se uma prática social com base cultural, com herança histórica, a um meio
1 Texto original: “Turismo es, por un lado, conjunto de turistas, que cada vez son más
numerosos; por el otro, son los fenómenos y relaciones que esta masa produce a consecuencia de sus viajes. Turismo es todo el equipo receptor de hoteles, agencias de viajes, transportes, espectáculos, guías-intérpretes, etc., que el núcleo debe de habilitar para atender a las corrientes turísticas que lo invaden – y que no promovería si no las recibiese –. Turismo es las organizaciones privadas o públicas que surgen para fomentar la infraestructura y la expansión del núcleo; las campañas de propaganda que hay que planear, ejecutar y difundir; la creación de Oficinas de Información; la creación de escuelas para la enseñanza del Turismo para deducir las líneas generales de la política a seguir; la promoción del Turismo social. También es Turismo los efectos negativos o positivos que se producen en las poblaciones receptoras – económicos, sociales, religiosos, etc. – por el “contagio” de los extranjeros y entre estos últimos; y el que a su vez se produce por el de estas poblaciones con las próximas, aunque estas últimas no reciban turistas – una especie de efecto multiplicador moral o cultural –; y, para terminar esta lista, no limitativa, Turismo es también, por paradoja, el efecto que se produce en un núcleo receptor cuando se corta la afluencia turística. Es decir, que pueden darse efectos turísticos – negativos – sin turistas (FUSTER, 1971, p. 32-33).
21
ambiente diverso, cartografia natural, relações sociais de hospitalidade, troca de informações interculturais. O somatório desta dinâmica sociocultural gera um fenômeno, recheado de objetividade/subjetividade, consumido por milhões de pessoas, como síntese: o produto turístico (MOESCH, 2002, p. 9).
Entretanto, alguns autores da área do turismo o concebem apenas
como um produto, uma mercadoria a ser consumida pelos turistas, tendo em
vista sua importante contribuição econômica como fonte de recurso financeiro e
investimento para o desenvolvimento de vários países. Tal posicionamento
pode ser observado no sítio eletrônico da Organização Mundial de Turismo,
disponível em <http://www2.unwto.org/es>, na sessão de “comunicación” que
publica notícias com atualizações dos dados estatísticos e econômicos
relacionados ao turismo, como o do dia 15 de abril de 2015 que notificou um
aumento das receitas do turismo internacional em 48 milhões de dólares norte-
americanos no ano de 2014 para um recorde de 1.245 milhões de euros. O
noticiário também apontou que o transporte internacional de passageiros gerou
outros 221 mil dólares, elevando o total de exportações geradas pelo turismo
internacional para 1,5 bilhões. Da mesma forma, as receitas geradas por
visitantes internacionais que gastam em alojamento, alimentação e bebidas,
entretenimento, compras e outros bens e serviços aumentaram a um número
estimado de 1.245 milhões de dólares (937 milhões de euros) em 2014,
conforme o noticiário. Esses valores representaram um aumento de 3,7% em
termos reais (levado em conta as flutuações das taxas de câmbio e inflação), o
que comprova a importância do fenômeno turístico para a geração e
movimentação de recursos financeiros para o mercado internacional, conforme
afirmação: “o turismo internacional é um componente cada vez mais importante
do comércio internacional, como visto em receitas de exportação de turismo
internacional e transporte de passageiros, que atingiu 1,5 bilhões dólares
americanos em 2014” (OMT, 2015).
Um dos autores que merece destaque nesse posicionamento do
turismo como indústria é Jafar Jafari (1994, p. 10), o qual apresenta que: “na
atualidade, o turismo é considerado uma força econômica mundial sumamente
importante e uma indústria de gigantescas proporções2”. Ao mesmo tempo, o
2 Texto original: “En la actualidad, el turismo es considerado una fuerza económica mundial
sumamente importante y una industria de gigantescas proporciones” (JAFARI, 1994, p.10).
22
autor aponta a importância de se ampliar o estudo científico do turismo pelas
comunidades acadêmicas, pelas instituições que outorgam subsídios, pelos
entes turísticos governamentais e também pelas organizações de viagens e a
“indústria turística” propriamente dita (JAFARI, 1994, p.28), o que eleva o
status do turismo como um “fenômeno”, nos círculos acadêmicos e na
sociedade em geral.
Essa setorização econômica do turismo, como apresentado, ocasiona
seu tratamento como uma “indústria turística”, produtora de atrativos a serem
comercializados pelo mercado em geral. O surgimento desse modelo
econômico se deu, segundo Sérgio Molina (2000) em sua obra
Conceptualización del Turismo, a partir da Segunda Guerra Mundial como uma
opção para diminuir as distâncias econômicas e sociais entre a periferia e os
centros urbanos, ação esta, induzida pela intervenção do Estado, que tinha
como intuito aglutinar esforços ao marco de planificação do desenvolvimento
(MOLINA, 2000, p. 54). O autor cita também, como modelo de indústria
turística, países incluindo: México, Panamá, Brasil, Venezuela, Colômbia,
Argentina, Uruguai e Chile.
Entretanto, tais processos de industrialização e setorização econômica
do turismo promoveram um reducionismo, uma abordagem restrita, ao
tratamento epistemológico do fenômeno turístico, que segundo Moesch (2002,
p.12), deixou de lado, nesse processo, as relações humanas e as
complexidades oriundas dessa interação.
Molina, em sua obra já referenciada, afirma que a Indústria Turística
não é um sinônimo de turismo, ou seja, “pode-se afirmar que o turismo é o todo
e que uma das formas em que se manifesta é a denominada Indústria3”, e
ainda complementa que “a indústria turística se relaciona com o negócio do
turismo, com a parte operativa de um todo maior chamado Turismo4” (MOLINA,
2000, p. 52). Segundo o sociólogo Edgar Morin (2011), “esquece-se que no
econômico, por exemplo, há necessidades e os desejos humanos. Atrás do
dinheiro, há todo um mundo de paixões, há a psicologia humana”, afirmando
3 Texto original: “Puede afirmarse que el turismo es el todo y que a una de las formas en
que se manifiesta se le denomina industria” (MOLINA, 2000, p. 52). 4 Texto original: “La industria turística no es sinónimo de turismo. Puede afirmarse que el
turismo es el todo y que a una de las formas en que se manifiesta se le denomina industria” (MOLINA, 2000, p. 52).
23
ainda que “a dimensão econômica contém as outras dimensões e não se pode
compreender nenhuma realidade de modo unidimensional” (MORIN, 2011,
p.69).
Dessa forma, uma epistemologia social, cultural e também ambiental
do Turismo precisa ser construída, de forma crítica e emancipatória, pelos
pesquisadores e estudiosos do Turismo, conforme os embasamentos trazidos
por Moesch (2004, p. 70). Tal construção permitirá elevar o tratamento do
fenômeno turístico para além das abordagens simplistas e superficiais
mercantilistas do fato, o que permitirá a identificação do turismo como um
processo humano complexo e interdisciplinar, ou seja, um fenômeno social.
1.1.1 A responsabilidade que envolve o Turismo
Pensar o turismo de forma responsável tornou-se um desafio para os
profissionais que atuam na área, pois ainda não há uma concreta definição do
que se entende por responsabilidade no turismo. Autores como Goodwin
(2011), Leslie (2012) e Spenceley (2008) contribuem para a construção e
fortalecimento dessa abordagem, por meio de estudos de caso e pesquisas
que retratam as experiências de países preocupados com a responsabilidade
no turismo, o qual se destaca o continente africano, onde são desenvolvidas
práticas voltadas a um turismo preocupado e ocupado com a responsabilidade
social.
Goodwin (2011, p. 1), em sua obra Taking Responsibility for Tourism,
apresenta que o início da discussão sobre a responsabilidade no turismo surgiu
com a reflexão de alguns dos problemas potenciais relacionados ao turismo,
temas estes que foram discutidos por mais de uma década, tais como: os
impactos que o turismo promove sobre as populações locais a serem visitadas
e os impactos gerados pela prática turística sobre o meio ambiente. O autor
aprofunda a ideia de que o “Turismo Responsável” tem, em seu núcleo
principal, o imperativo de assumir-se uma responsabilidade diante de atos e
atitudes na prática do turismo, tanto para quem consome, quanto para os
fornecedores, gestores e políticos envolvidos com o fenômeno “Turismo” e
apresenta como “uma resposta ao desafio da sustentabilidade para uma área
24
particular de consumo; trata-se de assumir a responsabilidade por tornar o
consumo e a produção de turismo mais sustentável” (GOODWIN, 2011, p.1).
Conforme a teorização de Leslie (2012, p. 20), a responsabilidade que
envolve o turismo representa uma forma de “planejamento, política e
desenvolvimento do turismo, buscando assegurar que os benefícios sejam
distribuídos de forma optimizada entre as populações impactadas, governos,
turistas e investidores locais”.
Spenceley (2010, p. 4), em sua obra Responsible Tourism, levanta os
elementos-chaves do turismo tratado de forma responsável, como um conjunto
de tarefas a serem realizadas de forma a prover a quem o realiza a
dinamização e o rejuvenescimento de setores sociais e econômicos, como um
motor do crescimento. Tais elementos são apresentados a seguir:
assegurar que as comunidades envolvidas se beneficiem do
turismo; fazer responsável o mercado turístico, respeitando os ambientes
locais, naturais e culturais; envolver a comunidade local no planejamento e na tomada de
decisões; utilizar os recursos locais de forma sustentável; ser sensível à cultura hospedeira; manter e incentivar diversidade natural, econômica, social e
cultural; e proceder à avaliação dos impactos ambientais, sociais e
econômicas como um pré-requisito para o desenvolvimento do turismo (SPENCELEY, 2010, p. 4).
Goodwin (2011, p. 5), em suas análises sobre a responsabilidade,
destaca dois importantes acontecimentos para a abordagem da
responsabilidade no turismo. O primeiro deles é a Conferência de Manila,
ocorrida em 1980 e organizada pela OMT – Organização Mundial do Turismo,
que foi um dos primeiros eventos ligados à solidariedade e ao denominado
“desequilíbrio Norte-Sul”, contra o paradigma do desenvolvimento do
consumismo. Tal conferência aparece como um marco nas discussões sobre a
responsabilidade. O segundo acontecimento, também importante para o
turismo, ocorreu em 2002, na Europa, denominado como a Conferência de
Cape Town. Nesta conferência, a abordagem da responsabilidade associada
ao turismo ainda não era tão discutido pelos profissionais do setor. Já
Spenceley (2010, p. 6) cita em suas pesquisas sobre a responsabilidade no
turismo, um terceiro evento significativo para a estruturação e fortalecimento
25
deste assunto, que foi a “Segunda Conferência de Turismo Responsável”,
ocorrida em 2008, na cidade de Kochi, Índia. Conforme a autora, a conferência
auxiliou no fortalecimento dos princípios delineados pela Declaração de Cape
Town (2002), onde reconhece que o termo relacionado para esta abordagem, o
“Turismo Responsável”, não é um produto, e sim “uma abordagem que pode
ser usada por viajantes e turistas, operadores turísticos, fornecedores de
alojamento e de transporte, gerentes de atrativos, autoridades de
planejamento, governo nacional, regional / provincial e local” (SPENCELEY,
2010, p. 6).
Os conceitos de responsabilidade e respeito, ambos discutidos na
Conferência de Cape Town, desempenham um papel central na formação dos
princípios fundadores do termo “Turismo Responsável”, o qual Goodwin (2011,
p. 28) considera relevante e destaca como sete áreas foco, conforme a seguir:
minimizar os impactos econômicos, ambientais e sociais negativos e
maximizar os positivos; gerar maiores benefícios econômicos para as populações locais e
melhorar o bem-estar das comunidades de acolhimento, melhorar as condições de trabalho e de acesso para a indústria;
envolver a população local, ao lado de outras partes interessadas, nas decisões que afetam suas vidas e oportunidades de vida;
certifique-se de que o turismo, a indústria e os consumidores, faz contribuições positivas para a conservação do património natural e cultural e para a manutenção da diversidade do mundo;
fornecer mais agradável, autêntico, experiências para os turistas através de conexões mais significativas com as pessoas locais, e garantir que eles obter uma maior compreensão de questões culturais, sociais e ambientais locais;
proporcionar o acesso das pessoas com deficiência e os mais desfavorecidos; e
certifique-se de que o turismo é culturalmente sensíveis, mutuamente gratificante, gera respeito entre turistas e anfitriões, e constrói o orgulho local e confiança (GOODWIN, 2011, p. 28).
Para Goodwin (2011, p.29), todas essas questões que envolvem a
prática da responsabilidade no turismo devem, em última instância, ser
realizadas com a participação e envolvimento da comunidade local, embora
alguns itens apresentados sejam questões de competência nacional, regional
ou mesmo internacional. Dessa forma, os princípios trabalhados pelas
Conferências e eventos voltados à responsabilidade no turismo, objetivam a
uma prática do turismo de forma responsável. Promovem também a redução
ou eliminação dos impactos econômicos, ambientais e sociais negativos,
26
produzidos pelo turismo, nas comunidades locais, além da promoção e geração
da qualidade de vida, da melhoria das condições de trabalho e das facilidades
e competências para a produção local do “Fazer-Turismo”.
Assim, contextualiza-se esse item 1.1, com a afirmação de que o
turismo, enquanto campo do saber, ainda se encontra fortemente entendido
como uma atividade econômica, baseada em índices e projeções estatísticas,
guiada por ideologias de promoção do progresso, desenvolvimento e melhoria
econômica. Enquanto prática, seus produtores e consumidores permanecem
produzindo, comercializando e consumindo, de forma contínua, com o intuito
de satisfação do próprio benefício individual de quem o promove ou pratica. Tal
distinção faz com que se manifestem, dialeticamente, as categorias teoria-
prática, e ao mesmo tempo, ideologia-ciência.
Nesse sentido, o maior desafio conferido aos envolvidos com a prática
do turismo é o de compatibilizar o posicionamento mercadológico a ele aferido,
tanto pelo campo do saber quanto prático, tratando-o como um complexo
fenômeno social, cultural e econômico, promovendo assim, novas práticas que
transpassem a ética, o respeito e a proteção ambiental.
1.2 O VOLUNTARIADO COMO UMA CONSTRUÇÃO DE VALORES SOCIAIS
O termo voluntariado é, muitas vezes, associado à geração de
benefícios sociais e por contribuir na construção do bem comum. O sítio
eletrônico dos Voluntários da Organização das Nações Unidas apresenta o
conceito de voluntariado como:
O voluntariado é uma poderosa forma de envolver os cidadãos para enfrentar os desafios do desenvolvimento, e poder transformar o ritmo e a natureza do mesmo, beneficiando tanto a sociedade em geral e os próprios voluntários, fortalecendo a confiança, a solidariedade e a reciprocidade entre as pessoas e criando oportunidades de participação apropriada5 (UNV, 2015).
5 Texto original: “El voluntariado es una forma poderosa de involucrar a los ciudadanos
para hacer frente a los desafíos en materia de desarrollo, y capaz de transformar el ritmo y la naturaleza del mismo. El voluntariado beneficia tanto al conjunto de la sociedad como a los voluntarios, fortaleciendo la confianza, la solidaridad y la reciprocidad entre las personas y creando oportunidades de participación apropiadas” (UNV, 2015). Disponível em: <http://www.unv.org/how-to-volunteer/online-volunteers.html>. Acessado em: nov. 2015.
27
Em sua obra “Voluntariado: uma ação com sentido”, Meister (2003)
retrata que o voluntariado reconhece e exige o contato com as pessoas, com
suas capacidades, qualidades e potencialidades, promovendo o
desenvolvimento pessoal de todos os envolvidos na ação. Essa ação nasce da
experiência de encontro com a realidade do outro, “porque há uma
necessidade de respostas, perante situações de desigualdade e injustiça
social” (MEISTER, 2003, p. 38).
A Lei da Presidência da República nº 9.608 de 18 de fevereiro de 1998,
considera serviço voluntário, a “atividade não remunerada, prestada por pessoa
física a entidade pública de qualquer natureza, ou a instituição privada de fins
não lucrativos, que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos,
recreativos ou de assistência social, inclusive mutualidade.” (BRASIL, 2015). É
importante destacar que a atividade, conforme a Lei nº 9.608, não gera vínculo
empregatício, nem obrigação de natureza trabalhista previdenciária ou afim.
A definição de “voluntário”, sujeito ativo na ação, é construída por
Meister (2003, p. 37) como sendo “aquele que transpõe o superficial, para
chegar à elaboração de outras instâncias especialmente daquelas onde a
(outra) pessoa está desprezada”. É também aquele que “aprende a trabalhar
em equipe, onde cada um age em complementaridade, onde todos são
importantes; porém, ninguém é imprescindível” (MEISTER, 2003, p. 37). O
autor também apresenta que o voluntário não só se compadece com os outros,
mas reconhece o outro como pessoa, como ser, que tem capacidades,
qualidades e potencialidades em si mesmo.
1.2.1 A trajetória histórica da atividade voluntária
Como apontado por Meister (2003), não está claro o surgimento da
ação voluntária na evolução da espécie humana muito provavelmente devido à
falta de registros históricos específicos. Tais registros perdem-se no tempo,
remete o autor, levantando a hipótese de que “o voluntariado surgiu no ser
humano, quando este adquiriu a capacidade de sentimento. Quando passou a
sentir e ver que sofrer não é bom, que podemos ajudar uns aos outros”
(MEISTER, 2003, p.103). Conforme o autor, o início de muitas organizações
humanitárias surgiu por meio das atividades realizadas sem fins lucrativos,
28
voluntariamente, com intuito de ajuda e cooperação, por professores,
enfermeiros, bombeiros entre outras, a partir da identificação das necessidades
sociais.
A respeito da trajetória histórica do voluntariado, Mônica Corullón
(2015), em seu trabalho “Planejamento e Gerenciamento de Programas de
Voluntários” produzido pelo Programa “Voluntários do Conselho da
Comunidade Solidária”, discute que a ação voluntária é “um produto histórico
em permanente evolução” e identifica quatro momentos bem definidos do
processo evolutivo do pensamento e da ação voluntária, conforme o quadro a
seguir.
Quadro 1: Síntese da ação voluntária através do tempo.
MOMENTO DE ORIGEM DO
VOLUNTARIADO PERÍODO CARACTERIZAÇÃO
Benemerência Início do século XX
Teve origem nas manifestações caridosas de origem religiosa que sempre existiram durante o século XIX. Os indivíduos denominados pela igreja como “em desgraça”, que não tiveram oportunidade de reintegrar-se à sociedade, necessitavam da caridade organizada dos religiosos e das famílias mais abastadas e “livres” das preocupações cotidianas de subsistência, a fim de mudar a situação em que encontravam. Esse “voluntariado da beneficência” era incipiente, ilustrado, moralizador, feminino e baseado em valores morais, devido ao contexto social paternalista, rigoroso, excludente da época.
O estado do bem-estar social
Iniciou-se após a II Guerra Mundial
Neste momento, pregava-se a solução de todas as questões sociais por meio de políticas de assistência pública financiadas pelos setores produtivos. Dessa forma, o voluntariado pouco se desenvolveu, pois cabia ao Estado a responsabilidade de solucionar todas as questões sociais, favorecendo o individualismo em prejuízo das iniciativas voluntárias ou associativas, ocasionando a queda dessa concepção no início dos anos 70.
Voluntariado combativo e a transformação da sociedade
Início dos anos 70
Com as transformações de comportamento do movimento voluntário, ocasionadas durante a década de 60, houve um questionamento das estruturas e da politização da vida social da época, levando o voluntariado a ter um caráter combativo e comprometido com a transformação radical da comunidade, tornando-se auto gestionário, que não concordava em aliar-se ao setor público ou ao privado. A sua ação baseava-se no pressuposto de uma mudança da ordem social e situava-se, muitas vezes, no âmbito do protesto.
29
MOMENTO DE ORIGEM DO
VOLUNTARIADO PERÍODO CARACTERIZAÇÃO
O modelo dos anos 80
Na metade da década de 80
Neste período, houve uma descentralização devido o neoliberalismo que surgia como concepção político-econômica-cultural no Ocidente. Os Estados enxugaram seus governos, ajustaram seus orçamentos e diminuíram os financiamentos privados ou os retornavam para as mãos dos antigos beneficiados. Assim, o voluntariado esforçou-se em diminuir as necessidades dos que não eram contemplados com o sistema, preenchendo os espaços deixados pelo Estado. Foi um voluntariado de muitas conquistas concretas, ações assistenciais de atenção primária que atuava nos efeitos emergenciais, mas que se esqueceu de combater as causas.
Fonte: Adaptado de Corullón (2015) e Meister (2003).
A partir da década de 1990, conforme a construção histórica realizada
por Corullón (2015), abriu-se a possibilidade de um novo pensar para entender
a ação voluntária, de modo que valorizasse o sujeito voluntário e o
considerasse “como um cidadão que, motivado por valores de participação e
solidariedade, doa o seu tempo, trabalho e talento de maneira espontânea e
não remunerada em prol de causas de interesse social e comunitário”
(CORULLÓN, 2015, p. 19). Esse novo modelo se baseia no envolvimento e na
participação da comunidade por meio de um princípio que a autora chama de
aproximação vital: “quanto mais próximos de um problema estiverem a
instituição, os recursos humanos e os serviços, mais adequada será a solução
e maior a participação das pessoas na busca de soluções” (CORULLÓN, 2015,
p.19).
Em apoio a este argumento, o sociólogo Joaquín Garcia Roca (1994,
p.31) apresenta, em sua obra Solidaridad y Voluntariado, que essa postura de
mudança do “voluntariado moderno”, nasce com o tempo livre do indivíduo,
tempo esse que “se substancia sobre uma racionalidade que não é
estritamente econômica; não nasce do tempo vazio, que se usa em atividades
de evasão, nem do tempo parado, que tem a amargura da impotência, mas do
tempo disponível” do voluntário. O autor ainda apresenta que o voluntário
renovado necessita descobrir a complexidade dos processos sociais que são
tecidos por múltiplos fatores, e que “saber estar em uma sociedade complexa
30
dispondo de uma boa informação é uma qualidade essencial do voluntariado
hoje” (ROCA, 1994, p. 265).
Márcia Pereira Cunha (2010) em sua obra “Os andaimes do novo
voluntariado”, ao tratar das mudanças ocorridas na atividade voluntária desse
novo período, identifica como responsável pela transformação das ações, das
relações e das formas de entendimento de questões sociais, o cidadão
brasileiro que, decorrente de um Estado esgotado, busca renovar as ideias de
colaboração e necessidade de ação direta na sociedade. Segundo Cunha
(2010), o novo voluntariado faz-se em relação à mudança de postura dos
indivíduos que “esperavam do Estado, tradicionalmente centralizador, a
concessão do que reivindicavam; reivindicação feita pela crítica negativa, pela
interpelação” e que hoje, buscam decifrar a complexidade dos processos
sociais, por meio de “uma nova forma de ver e estar na sociedade” (CUNHA,
2010, p. 152).
A transformação do novo voluntariado, inserido em um cenário político
e social de constantes mudanças, busca uma centralidade no indivíduo, que
lança mão da imagem construída de si, como um cidadão solidário, propenso
ao bem e à solidariedade comum, que em um passado próximo agia de
maneira pontual e dispersa, mas que, hodiernamente, em consequência a
transformação de visão própria, busca o exercício de sua cidadania de modo
positivo e ativo na totalidade em benefício da matriz social que integra.
1.2.2 Os valores norteadores da atividade voluntária
Ao se basear nessa construção do Novo Voluntariado, já em processo
na sociedade atual, torna-se importante identificar os valores que norteiam a
atividade voluntária e que são descobertos pelo indivíduo nas relações
estabelecidas durante sua execução.
Meister (2003) em sua obra “Voluntariado: uma ação com sentido”
aborda sobre o processo de formação individual do Homem, apontando que “a
pessoa é um ser que se faz e se educa. Não é somente alguém que tem que
chegar a ser. A educação, a ética e a religião, são os impulsos iniciais e muito
importantes para ajudar as pessoas” na formação de valores sociais
(MEISTER, 2003, p. 37). Segundo o autor, os atores sociais são educados para
31
viver “os valores e com os valores” e complementa, “a educação para os
valores possibilita que se resgate nas pessoas a vivência de responsabilidades
pessoais e sociais. Cabe assim, a formação, a busca da promoção e o
desenvolvimento dos indivíduos, para que estes tornem-se pessoas e
estabeleçam relações valiosas” (MEISTER, 2003, p. 39). De acordo com o
autor, a partir da ação voluntária ocorre o desenvolvimento de anseios e
valores latentes no indivíduo que condicionam e sustentam a visão social, os
problemas, as atuações e até mesmo o tipo de sociedade a ser construída, e
que “os valores voluntários tem como intuito nos conduzir a uma cultura
voluntária” (MEISTER, 2003, p. 41). Essa cultura é caracterizada pela análise
da Desigualdade da realidade em que vivemos, pela Sensibilização do
indivíduo, como alimento constante da ação voluntária, pela Organização frente
a um impulso individualista que visa a inserção e melhoria da qualidade de vida
dos destinatários, e pelo Itinerário, o qual deve seguir o voluntariado, como um
processo, frente a espontaneidade.
Identificada como uma “tarefa transcendente”, essa cultura também
promove a implicação da comunidade por meio da solidariedade, do altruísmo,
da generosidade, da participação nos ideais comunitários, entre outros, visando
à construção de espaços reais de acolhida, com a construção de espaços
humanizados (MEISTER, 2003, p. 42), conforme demostrado na figura 1.
Figura 1: Características da Cultura Voluntária e seus Valores Norteadores
Fonte: Adaptada de Meister (2003).
32
Paula Bonfim (2010), ao pesquisar sobre a cultura do voluntariado no
Brasil, identifica que o voluntariado opta por ações imediatas e pragmáticas no
que se referem ao enfrentamento dos chamados problemas sociais, onde os
indivíduos que se voluntariam desenvolvem atividades em prol de uma causa
comum, baseadas nos princípios de igualdade, liberdade e justiça, a fim de
estabelecer a Cultura do Voluntariado (BONFIM, 2010, p. 13). Nesse sentido, a
autora conceitua a Cultura do Voluntariado como o “resultado de uma dinâmica
social complexa, permeada de contradições, em que o componente ideológico
é decisivo para sua expansão e efetivação” (BONFIM, 2010, p. 15).
O voluntário torna-se então responsável pela construção da cultura
voluntária e dos valores que a norteiam, e multiplicador de tais valores nas
diferentes realidades em que está inserido, por meio da atividade voluntária, a
fim de viver e transmitir valores recíprocos e mútuos, para atuar no exercício da
cidadania e na responsabilidade da sociedade civil pelo bem comum.
1.3 O PATRIMÔNIO NATURAL: VALOR HUMANO OU VALOR MERCADOLÓGICO
1.3.1 A Natureza e as teorias de conservação do espaço natural
A vida na Terra, como abordado por Fritjof Capra (2006, p. 174),
iniciou-se por volta de 3,5 bilhões de anos por seres pouco complexos e
microscópicos. Plantas e animais emergiram do microcosmo há menos de um
bilhão de anos e mais de 99 por cento de todas as linhagens de espécies que
existiram no planeta foram extintas ou deram origem a novas linhagens,
conforme sua história evolutiva.
Edgar Morin (2005, p. 52), acrescenta que a vida emerge no planeta
como emanação e criação da Terra, “se espalha nos mares, alastra-se nos
solos que se formam e se cobrem de árvores e plantas, voa nos ares com os
insetos e as aves”. Obedecendo a segunda lei da termodinâmica, os
ecossistemas evoluem por desorganizações e reorganizações: “nossas eras se
sucedem através de uma dialética de inovações, acidentes, catástrofes”,
estabelecendo nesse movimento evolutivo “uma extraordinária cooperação”
33
entre os seres. A vida, portanto, nascida no Planeta, é solidária. Para o autor,
“toda vida animal tem necessidades de bactérias, plantas, outros animais”
(MORIN, 2005, p. 53), sendo assim, há uma “solidariedade ecológica”, onde
nenhum ser, até mesmo o Homem, pode libertar-se da biosfera.
Ao se iniciar uma análise mais detalhada sobre a natureza, encontra-se
em artigo publicado por Lucas Angioni (2015), de título “Sobre a definição da
Natureza” a seguinte teorização trabalhada por Aristóteles, no início do livro II
de sua Física, em 192b 20-23, que define a noção de “natureza” como
“princípio (ou causa) interna de mudança”. O autor apresenta que o objetivo
mais imediato no texto de Aristóteles era o de caracterizar a natureza em
oposição a outro tipo de princípio de mudança, que era a causalidade técnica.
Conforme Angioni (2015):
[...] acredita-se que a definição de natureza estabeleceria apenas dois requisitos, o primeiro dos quais seria uma propriedade compartilhada com a noção de técnica, ao passo que o segundo marcaria a especificidade da natureza. Ambas, natureza e técnica, seriam princípios de mudança, mas a natureza seria um princípio interno à coisa que sofre a mudança, em contraste com a técnica, que é um princípio externo à coisa que sofre a mudança (ANGIONI, 2015, p. 22).
O autor propõe em seus estudos que a definição de “natureza” poderia
ser entendida pela conjunção de apenas dois requisitos: o primeiro trata a
natureza como um “certo princípio ou causa de mudança”; e o segundo trata a
natureza como o “princípio ou causa de mudança que pertence intrinsecamente
à coisa que sofre a mudança” (ANGIONI, 2015, p. 36).
O princípio de natureza é também tratado por Milton Santos (2009, p.
129) quando apresenta, em sua obra “A natureza do espaço”, enriquecida
pelas teorizações de Whitehead, que “o mundo natural, mediante as trocas de
energia entre os seus elementos, conhece um movimento perpétuo, pelo qual
sua identidade se renova enquanto se modificam os seus aspectos”. Análise
esta, bastante semelhante à “solidariedade ecológica” tratada por Edgar Morin.
Dessa forma, quando a natureza ainda era inteiramente natural, ou seja, sem
nenhuma interferência antrópica, conforme Santos (2009, p. 131) havia uma
diversificação da natureza em estado puro, onde “o movimento das partes,
causa e consequência de suas metamorfoses, deriva de um processo devido
unicamente às energias naturais desencadeadas”. É dizer, o desencadeamento
34
das energias naturais se dá com a presença do Homem na natureza, conforme
apresentado a seguir:
A primeira presença do Homem é um fator novo na diversificação da natureza, pois ela atribui às coisas um valor, acrescentando ao processo de mudança um dado social. Num primeiro momento, ainda não dotado de próteses que aumentem seu poder transformador e sua mobilidade, o Homem é criador, mas subordinado. Depois as invenções técnicas vão aumentando o poder de intervenção e a autonomia relativa ao Homem, ao mesmo tempo em que se vai ampliando a parte da “diversificação da natureza” socialmente construída (SANTOS, 2009, p. 131).
Para Santos (2009), a história das relações entre sociedade e natureza
parte da substituição de um meio natural por um lugar habitado, lugar este
artificializado ou sucessivamente instrumentalizado por uma determinada
sociedade. O movimento de uma situação à outra, realizado por esta relação,
dá-se de maneira particular, distinta, partindo do “natural” para o “artificial”
(SANTOS, 2009, p. 233). Essas transformações antrópicas impostas às coisas
naturais, como apresenta o autor, eram promovidas pelo trabalho e pelas
técnicas já utilizadas para o exercício da vida. Entre estas, também
denominada pelo autor como “técnica”, está, a título de exemplo, a
domesticação de plantas e animais, que surge como um momento marcante na
história, tendo o Homem como promotor de mudanças na Natureza, impondo-
lhe leis (SANTOS, 2009, p. 235).
A transformação da natureza pelo Homem, para modificação do
espaço, é também descrita por Everaldo Costa (2010) ao referenciar a cidade,
como sendo “a natureza ressignificada pela ação social histórica sobre o
território” e que “agrega objetos e ações humanas” (COSTA, 2010, p. 16). O
autor considera ainda que, com essa relação ocorre uma “mudança de postura
ideológica da sociedade em relação ao seu patrimônio cultural e natural” que
“revela novos universos simbólicos” e “perfazem um processo contínuo de
alterações de valores” (COSTA, 2010, p. 16). Assim, ao se analisar as inter-
relações entre a natureza e o Homem, exige-se uma reflexão mais apurada
sobre a postura comportamental do indivíduo, como agente responsável do
curso de suas práticas cotidianas, impondo uma reformulação de
planejamentos e estratégias a respeito da forma como é considerada a
natureza hoje.
35
A partir do século XIX, com a “idade de ferro planetária” (Morin e Kern,
2005), uma ampliação do desenvolvimento tecnológico e industrial acontece
associada às consequências do imperialismo e do colonialismo explorador
massificado, de modo a fortalecer a ruptura do Homem da natureza. Conforme
as teorizações de Ulrich Beck (2010, p. 9), nesse período, a natureza passou a
ser “subjugada e explorada” e assim, transformada de “fenômeno pré-
determinado” em um “fenômeno fabricado”, a fim de ser absorvida pelo sistema
industrial e torna-se indispensável para o modo de vida industrializado, não
importando os riscos consequentes.
Muitas florestas e áreas virgens foram destruídas para fins comerciais
nesse período, o que originou uma preocupação crescente com a proteção da
vida selvagem, em que demonstrava que a onda de destruição do mundo
natural ameaçava a própria existência do Homem sobre a terra. Em sua obra
“O Mito Moderno da Natureza Intocada”, Antônio Carlos Sant’ana Diegues
(2000) apresenta o surgimento de duas visões de conservação do mundo
natural, a visão Conservacionista e a visão Preservacionista, sintetizadas pelas
propostas de Gifford Pinchot e John Muir.
A visão Conservacionista, criada por Gifford Pinchot, criou o movimento
de conservação dos recursos, apregoando o seu uso racional, por meio de um
posicionamento de transformação da natureza em mercadoria. Acreditava-se,
segundo Diegues (2000, p. 29), que a conservação deveria basear-se em três
princípios: “o uso dos recursos naturais pela geração presente; a prevenção de
desperdício; e o uso dos recursos naturais para benefício da maioria dos
cidadãos”. Essas ideias foram precursoras do conceito hoje denominado de
“desenvolvimento sustentável”.
Já a visão oposta ao Conservacionismo, criada por John Muir como
Preservacionista, é descrita como “a reverência à natureza no sentido de
apreciação estética e espiritual da vida selvagem” (DIEGUES, 2000, p. 30) e
tem como premissa a proteção da natureza contra o desenvolvimento
moderno, industrial e urbano. Dentro dessa perspectiva, qualquer intervenção
humana na natureza era visto de forma intrinsicamente negativa.
As teorias sociais do século XIX e também as modificações do século
XX, transformaram a natureza em algo predeterminado, subjugado, a ser
explorado e transformado pelo Homem em um produto de consumo, sem levar
36
em consideração a questão da destruição, mas sim a questão da manutenção
da dinâmica econômica, política e social do indivíduo. Com isso, o Homem
perde sua identidade individual e passa a seguir os padrões comportamentais
impostos pelo sistema produtivo.
Milton Santos (2007, p. 51), em suas análises, esclarece que o sistema
de produção industrializado, com foco não mais no Homem, senão no
mercado, gera “fenômenos históricos condicionados pelos seus próprios
interesses específicos”, de modo a capturar o Homem nas armadilhas
denominadas “bens de consumo”. O autor, ao se apropriar do conceito
trabalhado por Navarro Britto (SANTOS, 2007, p. 52 apud BRITTO, 1977, p.
344) conceitua a alienação como “o processo de fragmentação do
conhecimento e, consequentemente, distorção da realidade humana”,
apresentando em seguida sua própria definição como sendo “consequência da
contraposição do Homem, de um lado, e da economia, da política, da técnica,
da cultura etc., de outro lado”. Nesse panorama social, o sentido da vida muda
de forma. Parte dos valores éticos e comportamentais para os valores de posse
e acúmulo. Os produtos ganham sentido na vida do Homem e incentivam-no ao
acúmulo dos bens materiais, não para sua sobrevivência, mas para a
satisfação do prazer criado e incentivado pelo sistema industrial. O trabalho
perde o seu significado inicial, o da condição humana, e passa a escravizar o
Homem conforme se dá o “desenvolvimento” econômico e social. Assim, a
transformação ou “produção” da natureza em produtos a serem consumidos
pelo Homem, pelo sistema de produção vigente nos dias de hoje, gera novos
ambientes, em rápida escala produtiva, os quais podem, segundo Harvey
(2004, p. 276), emergir em “diferentes modalidades de comportamentos
competitivos, adaptativos ou colaborativos” nos seres humanos.
Maria Adélia Aparecida de Souza (2009, p. 25) apresenta em seu artigo
intitulado “Meio ambiente e desenvolvimento sustentável – As metáforas do
capitalismo” que, nos dias atuais, o conceito de natureza e meio ambiente,
além das questões relacionadas com o desenvolvimento e a sustentabilidade,
ainda não são discutidas suficientemente do ponto de vista epistemológico e
metodológico (teórico e conceitual). O que ocorre são processos geográficos,
biológicos e processos geológicos interagentes que podem e devem ser
37
cientificamente estudados, segundo a autora, mas que ainda estão sendo
tratados como metáforas, discursos políticos e não como temas científicos.
A questão ambiental tem-se confundido epistemologicamente,
misturando em suas abordagens a história da natureza (natureza naturata) com
a história do mundo (segunda natureza) e a sustentabilidade hoje é
interpretada como um discurso político poderoso e falacioso, conforme a autora
(SOUZA, 2009, p.23), semelhante ao conceito de desenvolvimento, o qual os
países pobres acreditam se beneficiar, mas que na verdade, tem como
prioridade a preocupação com o mercado e o capital, não com a humanidade,
ou seja, a vida no planeta.
Edgar Morin (2005, p. 82) também retrata que, atualmente, se vê uma
“tecnicização generalizada, a industrialização generalizada, a urbanização
generalizada, com seus efeitos ambivalentes, sem que ainda se saiba quais
irão prevalecer”, o que deixa o Homem em um posicionamento incerto, sem
saber como mudar a situação, como dialogar com tais questões e como corrigir
as falhar ou combater os riscos gerados, principalmente em relação à natureza,
com uma postura de deixar o controle na mão do sistema produtivo.
Ao buscar compreender as relações sociais da natureza, Costa et al.
(2015) apresentam que são várias as atitudes dos Homens face à natureza,
resultantes de diversas concepções de mundo projetadas sobre ela, as quais
são citadas as concepções: “selvagem, sublime, pura, divina, objeto de
conhecimento, útil, recurso, etc.” (COSTA et al., 2015, p.2). Dessa forma, a
natureza se presta a atender aos apelos do imaginário do indivíduo, tornando-a
como estímulos para a prática das atividades cotidianas, estímulos estes,
quando relacionados ao turismo, que alimentam os mitos dos ecoturistas, as
preocupações dos ecologistas e dos ambientalistas, as fantasias dos que
idealizam a natureza como sagrada, além de atender aos interesses dos que a
utilizam como uma mercadoria. Os estímulos gerados pelo turismo citados
pelos autores são: “os recursos naturais - para diversas práticas desportivas -;
a contemplação e a naturofilia6 - enquanto disposição afetiva contemporânea
em relação à natureza -” (COSTA et al., 2015, p.3).
6 Naturofilia, segundo Maria Geralda Almeida, é um termo usado por Roger Béteille na obra
“Le tourism vert” do ano de 2000, que expressa a “disposição afetiva, contemporânea, em
38
Embora o entendimento sobre o natural tenha se ampliado, ainda
permanece um posicionamento alheio à intervenção social, como o
padronizado pelo o sistema capitalista vigente. O capital promove uma relação
mercadológica com tudo e todos os inseridos em seus processos e, da mesma
forma, aplica um “valor de troca” aos homens e à natureza. Logo, essa relação
deixa de ser “interação” e passa a ser uma “alienação”. Essa posição alienada
do indivíduo direciona o Homem a uma “sociedade de risco”, como tratado por
Ulrich Beck (2010) em seu trabalho “Sociedade de risco: Rumo a uma outra
modernidade”, a qual incentiva, cada vez mais, o Homem ao acúmulo e
consumo de bens supérfluos e descartáveis, promovendo uma superficialidade
às questões relacionadas ao ambiente natural e à natureza, que ainda são
tratados como metáforas, discursos políticos e não como temas científicos, que
podem e devem ser cientificamente estudados, conforme o embasamento dado
por Souza (2009), já citado anteriormente.
1.3.2 O Valor Simbólico da Natureza e sua Patrimonialização
A contínua exploração do ambiente natural pelo Homem, originado a
partir do modo de produção capitalista, pelo domínio das atividades agrícolas e
posteriormente com a evolução das técnicas industriais, distanciou cada vez
mais a vida cotidiana do Homem à do meio ambiente. A natureza passou
assim, a ser vista como fornecedora de matéria-prima e transformada em
recurso natural. A partir de então, o Homem, considerado “o rei da criação” por
Diegues (2000, p. 23), iniciou o processo de desvalorização do “mundo
natural”, tornando-se alienado e dominado pelo sistema de produção, o que
promoveu uma valorização estética da natureza, ou como denomina Diegues
(2000, p. 53), um “simbolismo estético”.
A distância que separa a sociedade da natureza faz com que os
homens, alienados, não visualizem os fenômenos sociais, políticos ou
econômicos existentes nessa relação e, os mesmos, passam a ver o ambiente
natural apenas como uma imagem romantizada, um mundo natural intocado e
intocável. Toma-se então, uma atitude de contemplação da natureza selvagem,
relação à natureza, sobretudo instigada pelas práticas do turismo que, paradoxalmente, é produtor e consumidor do ambiente” (ALMEIDA, 2008, p. 78).
39
tornando-a como “um lugar de reflexão e de isolamento espiritual”, conforme
tratado por Diegues (2000, p.24).
O símbolo de “paraíso perdido” remete o Homem urbanizado à ideia de
uma beleza primitiva, da apreciação de uma natureza anterior à intervenção
humana, da apreciação do belo, do harmonioso, da paz interior proveniente da
admiração da paisagem intocada (DIEGUES, 2000, p. 59).
Esse aspecto simbólico da natureza, transformada em arquétipo de um
paraíso perdido da humanidade, promoveu o avanço do movimento de
patrimonialização do espaço natural. O patrimônio [identificado como o
reconhecimento de um espaço delimitado e legalmente protegido, espaço este
o qual incluem tanto edificações e obras (patrimônio histórico cultural) como
locais de interesse paisagístico e ecológico (patrimônio natural)] é relacionado
conforme os parâmetros levantados pela Organização das Nações Unidas para
a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO –, desde 1948, como:
[...] monumentos históricos, conjuntos urbanos, locais sagrados, obras-de-arte, parques naturais, paisagens modificadas pelo Homem, ecossistemas e diversidade biológica, tesouros subaquáticos, objetos pré-históricos, peças arquitetônicas e tradições orais e imateriais da cultura popular. (BO, 2003, p.17)
A natureza, recebendo o tratamento de “Patrimônio Natural” pela
UNESCO desde 1970, por meio do processo de tombamento, devido seu valor
simbólico e de importância preservacionista e histórica para o ambiente natural
e o Homem, passou a ser entendida como parte integrante da sociedade,
ligada às práticas sociais e à memória cultural da coletividade, conforme as
abordagens de Simone Scifoni (2006) em sua tese de Doutorado “A construção
do patrimônio natural”.
Segundo a autora, o patrimônio natural surge como um produto
relacionado à cultura e é possível perceber duas direções no sentido de sua
construção teórica. A primeira no plano mundial, firmando-se como expressão
de grandiosidade e beleza, com valor afetivo, e que, por sua vez, advém de um
sentido de monumentalidade como preocupação estética. A segunda
pressupõe a intocabilidade, ou seja, os grandes testemunhos da natureza
monumental e espetacular que foram poupados da intervenção humana
(SCIFONI, 2006, p. 27).
40
Vale também destacar a abordagem trazida por Costa et al. (2015,
p.14) afirmando que “a natureza é revelada como ponto de interpretações,
atrações, representações e transcendências” e que sua patrimonialização
supõe a emergência da cultura do estético que a alinha à natureza social. Tal
cultura traduz-se em “consumo visual e representa um empoderamento (às
avessas) massivo da e na natureza natural, cuja consciência ou imaginários
são reproduzidos no contexto do discurso de fuga das novas angustias ou
tormentos urbanos” (COSTA et al., 2015, p. 3).
Para uma melhor visibilidade sobre o que é considerado patrimônio
natural, apontam-se os itens relacionados no artigo segundo da Convenção
para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural7, de 16 de novembro
de 1972, conforme a seguir:
Para fins da presente Convenção serão considerados como patrimônio natural:
os monumentos naturais constituídos por formações físicas e biológicas ou por grupos de tais formações com valor universal excepcional do ponto de vista estético ou científico; as formações geológicas e fisiográficas e as zonas estritamente delimitadas que constituem habitat de espécies animais e vegetais ameaçadas, com valor universal excepcional do ponto de vista da ciência ou da conservação; e os locais de interesse naturais ou zonas naturais estritamente delimitadas, com valor universal excepcional do ponto de vista a ciência, conservação ou beleza natural (CONVENCIÓN, 2016).
O termo Monumento Natural foi estabelecido no Brasil, pela primeira
vez, na Constituição Federal de 1937, promovendo um avanço nas análises a
respeito do assunto, conforme apresentado no artigo 134 a seguir:
Artigo 134: os monumentos históricos, artísticos e naturais, assim como as paisagens ou os locais particularmente dotados pela natureza, gozam de proteção e dos cuidados especiais da nação, dos Estados e municípios. Os atentados contra eles cometidos serão equipados aos cometidos contra o patrimônio nacional (BRASIL, 2016a).
Também no ano de 1937, pode-se ter como referência a primeira
legislação federal específica, o Decreto-Lei Nº 25, de 30 de novembro de 1937,
7 A Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, também
conhecida como Recomendação de Paris, é um compromisso internacional elaborado pela UNESCO e apresentada na Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura, realizada em 17 de outubro a 21 de novembro, em Paris, no ano de 1972.
41
que organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, que em
seu artigo primeiro, parágrafo segundo, identifica os monumentos naturais
como sujeitos a tombamento, “bem como os sítios e paisagens que importe
conservar e proteger pela feição notável com que tenham sido dotados pela
natureza ou agenciados pela indústria humana” (BRASIL, 2016b).
No Brasil, encontram-se como “Patrimônio Natural Mundial” as
formações geológicas e regiões que constituem habitat de espécies de animais
e vegetais ameaçadas de extinção, com valor científico ou de conservação,
como o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros e o Parque Nacional das
Emas, no Estado de Goiás, ambos criados no ano de 1961 e incluídos na Lista
da UNESCO como patrimônio natural em 2001.
Nesse contexto de ressignificação de lugares, tendo como fator
propulsor o empoderamento da natureza natural, merece destaque o processo
de votação que vem sendo realizado pela Câmara dos Deputados e pelo
Senado Federal para a aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição,
a PEC 504/2010, que altera o parágrafo 4º do artigo 225 da Constituição
Federal, com fim de incluir o Cerrado brasileiro e a Caatinga entre os biomas
considerados patrimônio nacional, promovendo a regulamentação do uso
desses biomas, dentro de condições que assegurem a preservação do meio
ambiente e a melhoria da qualidade de vida da população (BRASIL, 2016c).
O Cerrado é considerado hoje como sendo um dos ecossistemas
tropicais que mais sofrem com o aumento das taxas de destruição nas regiões
brasileiras, conforme informações do Ministério do Meio Ambiente (2005).
Embora seja o segundo bioma brasileiro em extensão, cobrindo quase um
quarto do território nacional, trata-se da mais rica e ameaçada savana tropical
do planeta, possuidora de uma rica biodiversidade ainda muito pouco
estudada.
Nessa mesma linha argumentativa, o Instituto Chico Mendes para
Conservação da Biodiversidade – ICMBio – vem promovendo um esforço
conjunto com representantes do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação
de Mamíferos Carnívoros – CENAP – realizando capacitações visando
consolidar uma rede de especialistas e colaboradores em prol da conservação
da espécie felina onça-pintada.
42
Conforme o documento estruturado pelo ICMBio e pelo Ministério do
Meio Ambiente, denominado “Plano de Ação Nacional para Conservação da
Onça-pintada” (2013), o estabelecimento de uma rede capacitada para a
conservação da espécie reforça a missão institucional do órgão de “proteger o
patrimônio natural e promover o desenvolvimento socioambiental na forma de
um compromisso pactuado junto à sociedade para perpetuar às gerações
futuras o nosso maior patrimônio, a biodiversidade” (ICMBIO, 2013, p. 54).
A justificativa pela escolha da onça-pintada pelo Projeto foi por ser
considerada o maior carnívoro da América do Sul, o terceiro maior felino
vivente do mundo e por ser o único representante do gênero Panthera no
continente americano, espécie dos leões, leopardos e tigres, sendo encontrada
por todo o Brasil. O animal é considerado, desde os tempos pré-colombianos,
um símbolo de força e poder, representado culturalmente pela música, pela
literatura brasileira e pelas manifestações folclóricas, além de ser apontado
como um dos animais mais populares do Brasil, da Guiana e da Colômbia.
Apesar de sua importância biológica e também cultural, a espécie encontra-se
ameaçada pela degradação de seu hábitat, principalmente pela expansão
agropecuária, e pela caça, o que exige uma mobilização da sociedade e de
todas as esferas governamentais em torno de sua conservação, como símbolo
do patrimônio natural brasileiro.
A fim de enriquecer as abordagens sobre a presença da onça-pintada
no Cerrado brasileiro, o “Plano de Ação Nacional para a Conservação da Onça-
pintada” (ICMBIO, 2013, p. 55) também apresenta um estudo estatístico
referente à área de ocupação do animal, o qual apresenta que foram
identificadas 11 subpopulações da espécie no bioma citado, com um total
aproximado de 250 indivíduos, e que a área de ocupação da espécie foi
estimada em 54.000 km2, conforme apresentado no quadro 2 e na figura 2 a
seguir.
A extensão de ocorrência (EOO) da onça-pintada no Cerrado como um
todo é, segundo o ICMBio (2013, p. 54), estimada em 157.500 km2. Essa
extensão abrange as Unidades de Conservação apresentadas no quadro 2,
com suas respectivas áreas delimitadas, e identifica, na figura 2, os pontos
compilados pela Wildlife Conservation Society que confirmam a presença de
jaguares ou apenas dão indícios atuais de suas passagens pelas áreas.
43
Quadro 2: Populações de Panthera onca no Cerrado brasileiro e sua área estimada.
NÚMERO LOCALIDADE ÁREA (KM2)
1 Espinhaço de Minas Gerais 1.841,35
2 Sertão Veredas Peruaçu 8.417,97
3 Goiás e Tocantins 9.056,02
4 Nascente Parnaíba 10.250,40
5 Mirador 2.980,61
6 Araguaia 7.920,94
7 Emas 1.081,58
8 Bodoquena 963,74
9 Sapezal (MT) 1.693,05
10 Chapada dos Guimarães 2.888,15
11 Norte do Maranhão 1.075,40
Área Total = 48.169,21 .Fonte: ICMBio (2013, p. 56).
Figura 2: Área de ocupação de Panthera onca no Cerrado brasileiro, populações sugeridas
(polígonos azuis) com a presença confirmada ou inferida (pontos amarelos).
Fonte: ICMBio (2013, p. 56).
44
Nesse contexto, ao abordar a importância do bioma Cerrado e da
espécie onça-pintada como símbolo da patrimonialização da natureza natural,
não se pode deixar de referenciar o turismo e seu processo de turistificação.
Pois, enquanto atrativos, os elementos naturais aqui analisados, são
consumidos como mercadorias turísticas, tornando-os, segundo Almeida (2008,
p. 80), “dessacralizados, objetivados e manipulados pela sociedade capitalista”,
além de reencantar-se com valores antológicos. Ou seja, o discurso da
conservação das espécies e da proteção ambiental do Cerrado, aqui
abordados, fazem emergir novas leituras sobre a natureza, novos interesses
embutidos nesse processo de patrimonialização e novas abordagens
valorativas dos mesmos. A natureza, assim, é reinventada pelo turismo e pela
sua patrimonialização, devido seus valores culturais, de recursos naturais, e
principalmente, a valoração econômica a ela embutida.
Costa et al. (2015) e Almeida (2008) ainda reforçam esse
posicionamento com a afirmativa:
Aquilo que é tratado por bem cultural ou natural não tem em si valor ou identidade, mas significados que os grupos sociais lhes impõem. O objeto turístico, em si, não existe, é uma invenção para e pelo turismo. (COSTA et al., 2015, p. 2-3).
Trata-se assim, não apenas de considerar o bioma Cerrado e a onça-
pintada como um patrimônio natural, ou seja, como um processo de
tombamento e preservação do espaço natural e da espécie aqui apontada; ou
até de possibilitar a criação de novos atrativos turísticos a serem
comercializados ou tratados como recursos reservados e protegidos, que
podem ser explorados futuramente, pois o turismo, da forma como se é
praticado hoje, já o promove, especulativa e mercadologicamente. Mas sim,
deve-se considera-los como um processo de socialização da natureza, ou seja,
uma forma de reaproximação do Homem ao seu ambiente natural, a fim de
promover uma reconquista da natureza como elemento do qual o Homem faz
parte.
O item 1.4 a seguir, nesse contexto, analisa o conceito de Turismo
Voluntário a fim de identificar se há uma contribuição do mesmo para esse
processo de socialização da natureza, uma vez que o Voluntariado, já
abordado no item 1.2, apresenta uma ideologia altruísta e filantrópica.
45
1.4 O CAMPO CONCEITUAL DO TURISMO VOLUNTÁRIO E SUA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL
A relação entre o turismo e a atividade voluntária se iniciou por volta de
1915, impulsionado pelas necessidades de sensibilização do Homem para
questões sociais e ambientais globais da época, segundo Stephen Wearing
(2001, p.2) em sua obra Volunteer Tourism: Experiences That Make a
Difference. Além disso, tanto o surgimento de organizações de voluntariado
quanto o aumento do número de jovens europeus e do Reino Unido que
buscavam experiências de voluntariado durante o ‘Gap Year’ (i.e. um ano antes
do início dos estudos universitários) foram importantes para o fortalecimento da
relação turismo e voluntariado, conforme Wearing (2001). O autor cita como
exemplo, o surgimento da Organização Peace ‘Corps Volunteers’, criada em
1961 nos Estados Unidos, com o objetivo de promover viagens ligadas a
realização de trabalhos assistenciais em aldeias, vilas e cidades da América e
ao redor do mundo, tendo em vista o discurso realizado no ano de 1960 por
John F. Kennedy, em sua campanha eleitoral, para 5.000 estudantes da
Universidade de Michigan, desafiando-os a contribuir, em um período de dois
anos, para ajudar pessoas em países em desenvolvimento. Viagens de estudo
no exterior e de voluntariado internacional eram, e continuam sendo, muito
procuradas por estudantes universitários e jovens recém-formados, que
buscam experiências fora de seu país de origem e visam aperfeiçoamento no
currículo profissional.
Atualmente, as experiências de voluntariado são realizadas em um
período menor, com passeios mais curtos, que incorporam atividades
voluntárias ao turismo e sua infraestrutura, em benefício de comunidades e
localidades em situações precárias em geral. Essa associação, do Voluntariado
com o turismo, vem aumentando nos últimos 10 anos, conforme os estudos
realizados por Wearing (2001, p. 3), a fim de atender a crescente procura dos
turistas que visam novas formas de se viajar, adaptando ao processo, o tempo
reduzido de lazer com recursos limitados da maioria dos estudantes.
Do ponto de vista do turista, o turismo voluntário proporciona, àquele
que se voluntaria, “experiências que fazem a diferença”, conforme o trabalho
realizado por Wearing (2001, p. 3) em seus estudos sobre o tema. Ao tratar a
46
relação turismo e voluntariado, Wearing (2001, p. 2) afirma que a prática é vista
como uma forma de proporcionar benefícios, por meio da viagem, tanto para a
comunidade que acolhe quanto ao voluntário que realiza a experiência,
“atraindo pessoas que estão buscando uma experiência turística que é
mutuamente benéfica, mas que também contribui não só para o
desenvolvimento pessoal, mas também, positivamente e diretamente, para os
ambientes sociais, naturais e/ou econômicos em que participam”.
No sítio eletrônico da organização ‘Voluntourism’
<http://www.voluntourism.org/> (2015) o “Turismo Voluntário” é definido como
“a combinação consciente, perfeitamente integrada, de serviço voluntário para
um destino e os melhores elementos tradicionais de viagens – artes, cultura,
geografia, história e recreação – nesse destino”. Segundo o Portal eletrônico
Voluntário Global <www.voluntarioglobal.org> (2015) o “Turismo Voluntário é
em si mesmo uma experiência social e de intercâmbio direto que nos permite
conhecer as diferentes realidades e compreende-las em seu entorno”, tendo
como motivação “um desejo real de conhecer, de ajudar e fazer parte da
cultura que se visita, de conserva-la e respeita-la”.
Por outro lado, com uma visão mercadológica, a abordagem trazida por
Helena Costa (2013, p. 69) em sua obra “Os andaimes do novo voluntariado”, o
conceito de ‘Voluntourism’ é “uma forma de produzir e vender a atividade
turística que combina motivações altruístas com a busca por aventura,
entretenimento e autodesenvolvimento por parte dos turistas”. É uma nova
modalidade de turismo, voltada especificamente à responsabilidade social e
ambiental, explicada pelos “desejos de imersão cultural” dos turistas e “de fazer
a diferença”, conforme a autora. Esta prática tem as suas raízes na atividade
voluntária, o qual os indivíduos oferecem os seus serviços, de forma gratuita,
para mudar positivamente alguns aspectos da sociedade, exercitando a
solidariedade, o altruísmo, a caridade e a boa vontade.
A partir desse contexto referente à prática do Turismo Voluntário ou
“Voluntourism”, buscou-se identificar a origem conceitual do termo. Identificou-
se assim, durante a pesquisa, que mesmo com uma crescente procura desta
nova prática binominal turística, hoje considerada como uma ferramenta
poderosa para o desenvolvimento socioeconômico de localidades em situações
precárias, e, ao mesmo tempo, alvo de investigações e estudos acadêmicos, o
47
embasamento teórico sobre o tema ainda encontra-se restrito, principalmente
no Brasil. Entretanto, identificou-se que a expressão usada por alguns autores
da área do saber do Turismo, tem como proposta a combinação de viagens
(tourism) com a atividade voluntária (volunteer), em comunidades que
necessitem de alguma contribuição material ou imaterial e em projetos de
preservação ou readaptação da fauna silvestre.
David Leslie (2012) em seu livro Responsible tourism: concepts, theory
and practice, trata em um dos seus capítulos, a respeito do surgimento de
novas terminologias para designar as distintas segmentações turísticas hoje
existentes, conforme as especificações presentes em suas práticas8.
A título de exemplo, o surgimento dos segmentos turísticos voltados à
natureza, ou denominados “produtos verdes”, tornaram-se, segundo Leslie
(2012), sinônimos de bens de consumo e modismo a partir da década de 1980.
Uma vez que esta ideia foi adotada para rotular as práticas turísticas
existentes na época, surgiram outras variações como o Turismo do tipo
Sustentável, o Turismo Ecológico, o Turismo Adaptado, o Turismo Cultural, o
Turismo Responsável e o Turismo Alternativo (LESLIE, 2012, p. 19). Essas
variações ocorreram, devido o processo de industrialização dos equipamentos
turísticos e da visão mercadológica embutida no turismo, como propulsor de
desenvolvimento e crescimento econômico, e gerador de emprego e renda.
Conforme os estudos de Leslie (2012, p. 20), o Turismo Alternativo
também é visto como um “guarda-chuva” que engloba todos os outros
conceitos, tais como o Turismo Verde, o Eco Turismo, o Turismo Cultural, o
Turismo Social, o Turismo Ético ou Responsável e o Turismo Sustentável.
Ao aceitar esse ponto de vista abordado por Leslie (2012), pode-se
afirmar que o Turismo Voluntário ou ‘Voluntourism’ também faz parte desse
processo de construção conceitual, sendo uma das variações do Turismo
Alternativo, conforme apresentado na figura 3 a seguir.
8 As obras encontradas pelo pesquisador sobre o Turismo Voluntário intercalam as
abordagens referentes ao campo do saber com a sua prática, por se tratar de uma proposta ainda muito recente e colocada em prática apenas em nichos específicos do turismo.
48
Figura 3: Variações do Turismo Alternativo
Fonte: Adaptada de Leslie (2012).
Assim, conforme já observado, o conceito de “Turismo Voluntário” é
originário do Turismo Alternativo e pode relacionar-se ou ser confundido com
as demais categorias teóricas de Turismo existentes hoje. Leslie (2012, p. 20)
identifica tais variações como o resultado do aumento da demanda dos
segmentos de nicho de mercado do turismo, relacionando-o a uma variedade
de perfis dos turistas existentes nos dias atuais, e associando-o também à
ampliação do marketing produzido pelo mercado turístico, para atender as
mudanças da sociedade ocidentalizada.
O Turismo Voluntário, nesse sentido, permite futuras análises
aprofundadas a respeito de sua contextualização teórica e sua prática,
objetivando a aquisição de habilidades e competências, tanto para o meio
acadêmico, no trato do Turismo como um fenômeno social, para planejadores e
gestores do turismo, em suas abordagens mercadológicas, quanto para os
próprios turistas, que almejam práticas menos impactantes nos ambientes
naturais e que acreditam nas promessas, ainda utópicas, de uma prática
sustentável que beneficie as comunidades visitadas, tanto de forma ambiental,
social, cultural e econômica.
49
1.4.1 O Turismo Voluntário e suas formas de atuação no território brasileiro
A junção do turismo com a prática do voluntariado tem se tornado mais
comum em países do Continente Africano, da Ásia e da América Latina, uma
vez que estes contêm patrimônios turísticos atrativos e oferecem oportunidade
de realização de atividades filantrópicas que envolvem, por exemplo,
construção de casas populares, assistência a orfanatos e hospitais, assistência
a crianças em situações de risco, entre outros. Além disso, tais localidades
comumente desenvolvem projetos de conservação e readaptação da vida
silvestre, conforme estudos realizados por Costa (2013, p.69). O Brasil,
considerado um dos destinos mais procurados por turistas estrangeiros,
promove atividades voluntárias voltadas aos trabalhos em barracões de
escolas de samba, a projetos sociais e a instituições de ensino como creches e
escolas localizadas em regiões carentes.
Atualmente, existem várias Organizações Não-Governamentais e
Empresas Sociais que prestam serviços turísticos associados ao voluntariado e
ofertam oportunidades de atuação do tipo doação de recursos materiais ou de
tempo e habilidades para a realização de algum trabalho sem fins lucrativos. A
revista de turismo Boa Viagem do Jornal O Globo (2015, p. 14), do exemplar
emitido no dia 17 de setembro de 2015, trouxe uma grande reportagem a
respeito do “Turismo Voluntário” no Brasil, apresentando as operadoras que
realizam tais atividades, com algumas entrevistas. Na reportagem, as
atividades realizadas no Brasil com o “Turismo Voluntário” são, em sua maioria,
voltadas para a preservação da cultura e o desenvolvimento econômico de
uma região ou de um povo, denominado como “Turismo Solidário”, o qual a
atuação do turista se dá pelo incentivo em atividades de apoio ao trabalho das
comunidades, pelo consumo de produtos locais e na preservação da cultura
regional por meio de projetos de imersão no cotidiano da comunidade visitada9.
9 O GLOBO. Turismo Voluntário: experiências de viajantes que dedicam o tempo livre a fazer o bem. Revista Boa Viagem, p. 18. Rio de Janeiro. Publicação de 17 de setembro de 2015.
50
O Correio Brasiliense, um dos principais jornais locais que circulam na
Capital Federal, em seu encarte Revista do Correio, lançado no dia 29 de
novembro de 2015, apresentou como reportagem de capa alguns depoimentos
de brasileiros que residem em Brasília e que já realizaram viagens voltadas
para o voluntariado e programas de intercâmbio voluntário. A ideia principal em
fazer esse tipo de viagem, segundo um dos entrevistados, não é apenas viajar
e conhecer um lugar novo, mas em envolver-se com os problemas sociais da
localidade, incluindo os ambientais, sendo necessárias algumas exigências e
preparo antecipado do viajante quando na realização do planejamento para a
viagem.
O turista que pretende realizar uma viagem turística associada às
práticas voluntárias precisa, primeiramente, buscar informações importantes
sobre a localidade a ser visitada, o tipo de atividade voluntária que mais se
adequa com o seu perfil pessoal e o grau de envolvimento, inclusive emocional,
que o turista terá com a tarefa voluntária. Entretanto, os benefícios adquiridos
com o trabalho voluntário em uma viagem turística, segundo a reportagem da
Revista do Correio (2015), vão além da sensação do dever cumprido: permite
que o turista se sinta, verdadeiramente, parte integrante da sociedade visitada,
além de promover uma reflexão sobre os próprios comportamentos e formas de
pensar e agir em situações futuras que ocorrerão com o visitante na sociedade
de uma forma geral. Apesar do significativo número de agências e operadoras
existentes hoje em Brasília (quadro 3), o Turismo Voluntário ainda é muito
pouco difundido entre os turistas brasileiros e o número de viagens associadas
ao voluntariado dentro do país são bem reduzidas.
Quadro 3: Operadores que atuam com o Turismo Voluntário no Brasil.
OPERADORES DESCRIÇÃO
Agência Volunteer Vacations
Promovem trabalhos voluntários voltados ao cuidado da fauna silvestre em extinção e com crianças em Zanzibar, na Tanzânia e outros países; duas semanas, com acomodação e três refeições por dia, por US$2,4 mil. Sítio eletrônico: www.volunteervacations.com.br
CI Intercâmbio e Viagens
Trabalho com crianças carentes na África do Sul por duas semanas. Acomodação e refeições a US$715. (www.ci.com.br)
Endereço: SCLN, 211 - Bloco B, s/n - Loja 6 - Asa Norte, Brasília - DF, 70863-520 - Telefone: (61) 3340-2040 Horas: Aberto hoje · 09:00 /19:00
51
OPERADORES DESCRIÇÃO
Experimento Intercâmbio
Pacote para quatro semanas em projetos de música, ensino de informática ou inglês, com acomodação em casa de família, por US$1.782. (www.experimento.com.br)
Endereço: SHS Quadra 1, Bloco A, loja 10 - Galeria do Hotel Nacional - Asa Sul - Asa Sul, Brasília - DF, 70322-900 Telefone: (61) 3321-2133 - Horas: 09:00 / 19:00
Raízes do Desenvolvimento Sustentável
Com base em Minas Gerais, oferece pacotes de turismo solidário com roteiros de imersão cultural pelo Vale do Jequitinhonha, incluindo oficina de artesanato, acomodação e refeições, por R$2.870,00. (www.localraizesds.com.br)
Rede Tucum A organização divulga e discute projetos de turismo comunitário e solidário no Brasil, principalmente pelo Nordeste. (www.tucum.org)
Brazil Eco-Travel A agência organiza expedições para grupos em projetos em Minas e no estado do Rio de Janeiro. (www.brazil-ecotravel.com)
World Study Agência de turismo
Empresa de Educação Intercultural, que oferece diversas opções para quem deseja estudar e trabalhar no exterior. (www.worldstudy.com.br)
Endereço: Business Point - Setor de Autarquia Sul, Quadra 3, Bloco C, Lote 2, s/n - 12 - Asa Sul, Brasília - DF, 70070-934 Telefone:(61) 3321-0366 - Horas: 09:00 /19:00
STB Intercâmbio
Empresa que organiza cursos no exterior, intercâmbio cultural, carteiras estudantis internacionais e outras informações sobre viagem. (www.stb.com.br)
Endereço: SCLS, 104 - Bloco A, Loja 5 - Asa Sul, Brasília – DF Telefone: (61) 3223-1919 - Horas: 10:00 / 19:00
Egali Intercâmbio
Empresa de Educação Intercultural, que oferece diversas opções para quem deseja estudar e trabalhar no exterior.
Endereço: SHS Quadra 06, Lote 01, Bloco E Sala 420 Complexo Brasil 21 - Brasília, Brasília - Federal District, 70316-000 - Telefone: (61) 3039-8115 - Horas: 09:00–19:00
TravelMate Intercâmbio e Turismo
Empresa que organiza cursos no exterior e intercâmbio cultural, com mais de 15 anos de atuação. (www.travelmate.com.br)
Endereço: Sqn 403 Bloco C - Brasília, DF, 70835-030 - Telefone: (61) 3222-2221 - Horas: Aberto hoje · 09:00 / 18:00
Birds Intercâmbio
Empresa de Educação Intercultural, que oferece diversas opções para quem deseja estudar e trabalhar no exterior.
Endereço: SCN Quadra 01 Bloco C sobreloja 106/107, Brasília - DF, 70711-902 - Telefone: (61) 3326-9499
Fonte: Adaptado de Revista Boa Viagem (O GLOBO, 2015) e Revista do Correio (CORREIO
BRASILIENSE, 2015).
52
De fato, a restrição na difusão do Turismo Voluntário no Brasil pode
estar relacionada a um paradigma cultural. O brasileiro parece não identificar-
se com a ideia de doar tempo disponível ou de pagar para realizar algum
trabalho voluntário em benefício social. Apenas um número muito restrito de
pessoas pratica o Turismo Voluntário, apesar de que, como abordado na
entrevista do Jornal O Globo (2015), exista uma aparente tendência de
mudança cultural com um franco crescimento das atividades voluntárias.
1.4.2 A Missão Volunteer Vacations Onça-pintada como Estudo de Caso da pesquisa
No ano de 2013, com uma parceria entre André Fran, Mariana Serra e
Alice Ratton, que se uniram para criar um sítio eletrônico voltado para a
divulgação e compartilhamento das experiências de viagens do grupo, surgiu a
Agência Volunteer Vacations. No projeto inicial, uma parte da página eletrônica
era reservada para compartilhar a vivência do grupo nas práticas de Turismo
Voluntário, mas após as primeiras experiências, o foco todo do trabalho passou
a ser: o de viajar e ajudar a quem precisava, além de motivar outras pessoas
que também quisessem viajar e, ao mesmo tempo, praticar o bem.
Segundo o sítio eletrônico da agência,
<www.volunteervacations.com.br>, o perfil do viajante que faz esse tipo de
viagem ainda não é definido, mas, normalmente, são aqueles que
compartilham o desejo de “fazer o bem” e que buscam conhecer destinos que
geralmente estão fora dos roteiros tradicionais. Não é necessária nenhuma
formação específica para quem deseja viajar como voluntário, apenas boa
vontade e força de trabalho voluntário, conforme apresentado na descrição da
agência em seu sítio eletrônico. Os turistas precisam apenas identificar e
sugerir as opções que sejam mais adequadas ao seu perfil, o que torna a
experiência mais proveitosa para todos os envolvidos.
Hoje, o mercado turístico oferece aos viajantes pacotes de intercâmbio
que incluem o trabalho voluntário por longos períodos, geralmente de 3 a 12
meses. A proposta da Agência Volunteer Vacations é ofertar um produto
diferenciado, viagens de períodos mais curtos e associadas a alguma atividade
voluntária.
53
Para o turista se cadastrar e vivenciar a experiência por meio da
agência precisa-se acessar o site “www.volunteervacations.com.br”, escolher a
opção “destinos” e identificar a viagem que mais se adequa ao seu perfil de
turista. Em cada um dos destinos oferecidos pela agência, há uma parceria
firmada com ONGs que oportunizam a realização de trabalhos voluntários, com
distintas observações e propriedades. Os destinos oferecidos pela Volunteer
Vacations são: Afeganistão, África do Sul, Costa Rica, Estados Unidos, França,
Gana, Haiti, Índia, Indonésia, Quênia, Tailândia, Tanzânia, Zanzibar, além de
missões em Estados brasileiros, conforme apresentado na figura 4.
Figura 4: Destinos ofertados pela Agência Volunteer Vacations
Fonte: Sítio eletrônico www.volunteervacations.com.br (Acessado em 19 nov. 2015).
Todos os contatos e planejamentos para as viagens, feitos entre o
turista e a equipe da Agência Volunteer Vacations, são virtuais, ou seja, por
mensagens eletrônicas ou por telefone. A agência fornece um treinamento
antes da viagem para todos os participantes. Orienta sobre como a viagem e o
trabalho voluntário será realizado, esclarece as etapas a serem seguidas pelo
turista até a chegada ao destino escolhido, orienta também sobre vacinas
exigidas pelo país escolhido e vistos a serem retirados, quando necessários,
além de fornecer todas as instruções de como será o cotidiano do turista
quando em realização da atividade voluntária, conforme descrito na figura 5, a
seguir.
54
Etapas de preparação da viagem:
1 – o turista escolhe uma ONG ou um destino no sítio eletrônico da Agência;
2 – o turista clica em “Quero Participar” e preenche um formulário;
3 – a Agência envia um e-mail de aprovação e mais detalhes sobre a viagem para o turista;
4 – o turista aceita os termos de compromisso da Agência e paga a taxa de inscrição;
5 – define-se com o turista os últimos detalhes da viagem voluntária;
6 – em poucos dias o turista recebe o dossiê com um manual completo da Volunteer Vacations;
7 – o turista precisa comprar a passagem, reservar o hotel se necessário, tomar as vacinas exigidas para a viagem e retirar o visto de entrada no país de destino;
8 – paga-se a taxa de serviço pela consultoria e planejamento da viagem; e 9- Boa viagem!
Figura 5: Como funciona a viagem voluntária pela Agência Volunteer Vacations.
Fonte: Sítio eletrônico www.volunteervacations.com.br (Acessado em 19 nov. 2015).
1.4.2.1 A Missão Volunteer Vacations Onça-pintada e sua prática
A Missão VV Onça-pintada, criada pela Agência Volunteer Vacations, é
uma prática turística que possibilita a realização de atividades voluntárias, com
o intuito de preservar e proteger a fauna silvestre do Cerrado brasileiro e
promover a educação ambiental. É realizada no município de Corumbá de
Goiás (GO), em parceria com a Organização Não governamental No Extinction
(NEX, 2016) que resgata, abriga e trata de grandes felinos da fauna brasileira,
como a onça-pintada, até que estes estejam prontos a serem reintroduzidos ao
seu habitat natural. Além de possibilitar aos turistas que se voluntariam
conhecer melhor como vivem as onças, suas reações, suas histórias e suas
55
características biológicas, a missão permite um contato diferenciado com a
natureza local e os moradores do entorno da sede da ONG NEX.
Figura 6: Página da Agência Volunteer Vacations no Facebook.
Fonte: Sítio eletrônico www.facebook.com/volunteervacations (Acessado em 19 nov. 2015).
Conforme informações de Alice Ratton, responsável pela Agência
Volunteer Vacations (ANEXO III) a primeira Missão, ocorrida em 17 a 21 de
maio de 2015, contou com a participação de cinco turistas voluntários. Já a
segunda edição, ocorrida nos dias 25 a 30 de julho do mesmo ano, levou seis
turistas voluntários a realizar atividades com os felinos.
A Missão VV Onça-pintada é feita em um período de seis dias,
organizados pela equipe da Volunteer Vacations, com hospedagem na cidade
de Corumbá de Goiás (GO) e com atividades de trabalho voluntário voltadas
para a proteção dos animais da ONG No Extinction. As tarefas realizadas
durante esse período são variadas, como cuidar, alimentar e interagir com os
animais, além de auxiliar na construção e reforma dos espaços de adaptação
das onças. As taxas a serem pagas para a agência são referentes à inscrição,
ao apoio constante da equipe VV aos turistas, às acomodações na ONG para a
atividade voluntária, três refeições durante o período do programa, ‘transfer’ de
56
ida e volta do aeroporto para a ONG, custos de administração, de comunicação
com os voluntários, ‘marketing’ do programa e ‘country manager’ da agência.
Os turistas voluntários ainda recebem um Book da VV em formato de guia com
informações do país e da ONG onde realizarão as atividades voluntárias e uma
camisa da VV. Não estão incluídos custos de passagens aéreas e seguro
saúde, um item obrigatório para a realização da missão.
Ao participar da Missão VV Onça-pintada, o turista aprende sobre a
atividade voluntária, a importância da proteção e preservação dos felinos em
extinção, das formas de cuidar, alimentar e interagir com as espécies a serem
readaptadas à natureza, além do combate à caça, exploração, maus tratos, e
até sobre queimadas e desmatamentos.
1.4.2.2 A atuação da ONG No Extinction – NEX na Missão VV Onça-pintada
Localizada na Fazenda Preto Velho, no município de Corumbá de
Goiás (GO), a 80 km de Brasília, a ONG No Extinction tem como missão:
proteger o Cerrado brasileiro, a fauna silvestre e promover a educação
ambiental. Tem, como foco principal de atuação, a preservação e defesa dos
Felídeos da fauna silvestre brasileira, em processo de extinção, e prioriza as
espécies: panthera onca (onça-pintada), felis concolor (onça-suçuarana),
leopardus pardalis (jaguatirica), leopardus wiedii (gato maracajá), hepailurus
yagouaroundi (jaguarundi), oncifelis colocolo (gato palheiro), oncifelis geoffroyi
(gato do mato grande) e o leopardus tigrinus (gato do mato pequeno).
A ONG ainda realiza um papel social com o projeto “Onça ajudando
gente” ao oportunizar que locais, que residem próximos ao entorno da Fazenda
Preto Velho, atuem como guias nas atividades da ONG, no cultivo de produtos
também consumidos pela ONG e na produção dos alimentos servidos pelo
restaurante da instituição. Caracterizada como área rural, a proximidade da
fazenda possui pequenos vilarejos carentes e desassistidos pela administração
pública local, segundo o próprio sítio eletrônico da ONG (NEX, 2016)
<www.nex.org.br>, que apresenta como exemplo o povoado de Aparecida de
Loyola, formado por 87 famílias que ali fixaram residência, com
aproximadamente 465 pessoas que vivem em condições críticas de pobreza,
desemprego e absoluta falta de perspectivas.
57
Figura 7: Localização da ONG No Extinction, parceira da Agência Volunteer Vacations.
Fonte: Sítio eletrônico www.nex.org.br/quemsomos (Acessado em 27 jan. 2016).
Figura 8: Fazenda Preto Velho - sede da ONG No Extinction.
Figura 9: Espaço de proteção e tratamento das onças. Fonte: Sítio eletrônico www.nex.org.br/quemsomos (Acessado em 27 jan. 2016).
Segundo a presidente da ONG No Extinction, o órgão não possui um
registro oficial do número de turistas que frequentavam o santuário, mas
recebiam entre três a quatro grupos por mês, com aproximadamente 20
pessoas por grupo, sendo a maioria deles estrangeiros e alunos de
universidades e escolas (Anexo II).
1.4.2.3 A Instrução Normativa IBAMA Nº 7, de 30 de abril de 2015
Ao analisar o processo de patrimonialização como aquele que faz
emergir novas significações à natureza, quando associado ao turismo,
transformando-a em recurso mercadológico, e juntamente com o Turismo
58
Voluntário, promovido com o objetivo de proteger o ambiente natural, mas que
ainda apresenta um viés voltado aos interesses do capital. Surge assim, no
contexto dessa análise dialética apresentada, a Instrução Normativa do IBAMA
Nº 7/2015, de 30 de abril de 2015 (ANEXO I), a fim de regulamentar e instituir
as categorias de uso e manejo da fauna silvestre em cativeiro. Dessa forma,
esse item realiza uma contextualização da origem e da necessidade dessa
instrução normativa.
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis – IBAMA – é uma autarquia vinculada ao Ministério do Meio
Ambiente, órgão federal, criado pela Lei nº 7.735 de 22 de fevereiro de 1989.
Seus objetivos são a preservação, a melhoria e a recuperação da qualidade
ambiental, além de assegurar o desenvolvimento econômico, com o uso
sustentável dos recursos naturais e tem a responsabilidade de execução da
Política Nacional do Meio Ambiente, estabelecida pela lei nº 6.938/81. O órgão
também é responsável de conceder ou não licenciamento ambiental de
empreendimentos, ao controle da qualidade ambiental, à autorização de uso
dos recursos naturais e pela fiscalização, monitoramento e controle ambiental.
Dessa forma, o órgão atua diretamente com o patrimônio natural
brasileiro, promovendo a proteção do espaço natural, conforme o trecho
identificado a seguir:
A proteção, o uso sustentável e o manejo da fauna silvestre em busca do equilíbrio ambiental podem e devem ser feitos pelo Governo e a Sociedade de forma integrada no sentido de defender o que é de todos: Patrimônio Natural do Brasil, Bem de Uso Comum dos brasileiros e garantia para as futuras gerações10 (IBAMA, 2016).
Ao buscar identificar a relação do IBAMA com o turismo, verificou-se
que o mesmo considera os complexos turísticos e de lazer, inclusive parques
temáticos, como atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de
recursos ambientais, conforme observado em seu sítio eletrônico
<www.ibama.gov.br>, no item ‘serviços online’. As diretrizes apresentadas no
sítio eletrônico orientam que todas as entidades que exerçam atividades
potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos ambientais e/ou se
10 Trecho obtido no sítio eletrônico do órgão IBAMA, disponível em:
<http://www.ibama.gov.br/fauna-silvestre/fauna-silvestre-pagina-inicial>. Acessado em: ago.2016.
59
dedicam a atividades e instrumentos de defesa ambiental devem se inscrever
nos Cadastros Técnicos Federais, realizados pelo IBAMA, obrigatórios tanto
para pessoas físicas quanto para pessoas jurídicas, para fins de controle e
fiscalização ambiental. Observa-se, nesse ponto, a preocupação do órgão com
a atividade turística, compatível com as abordagens apresenta no item 1.1.1,
as quais apresentam a construção da responsabilidade que envolve o turismo.
Cabe destacar, conforme já identificado no item 1.3.2 referente ao valor
simbólico da natureza, a forma como o turismo é percebido por Costa et al.
(2015, p. 2): “o turismo visa ao consumo das coisas naturais (...) o discurso da
conservação das espécies e dos atrativos turísticos naturais faz emergir outras
leituras sobre a natureza”. Dessa forma, modifica-se a valoração da natureza
natural, que no presente estudo de caso se refere à onça-pintada, a qual é
relacionada tanto à ideia de preservação da espécie, por se encontrar em
extinção, quanto relacionada ao valor de atrativo promotor da atividade turística
ligada ao voluntariado, ou seja, o Turismo Voluntário na Missão VV Onça-
pintada. Observa-se, nesse aspecto, uma relação dialética entre a preservação
e a exploração do animal como um atrativo para a atividade em si, a ser
abordada mais adiante nessa dissertação.
Nesse sentido, em 06 de maio de 2015, o órgão analisado publicou no
Diário Oficial da União a Instrução Normativa do IBAMA Nº 7/2015, de 30 de
abril de 2015 (ANEXO I), que institui e normatiza as categorias de uso e
manejo da fauna silvestre em cativeiro e define os procedimentos autorizativos
para as categorias estabelecidas, “visando atender as finalidades
socioculturais, de pesquisa científica, de conservação, de exposição, de
manutenção, de criação, de reprodução, de comercialização, de abate e de
beneficiamento de produtos e subprodutos”, constantes dos Cadastros
Técnicos Federais (IBAMA, 2016). Conforme as diretrizes da própria instrução
normativa, esta legislação se aplica apenas aos processos de autorização de
empreendimentos de fauna silvestre iniciados no IBAMA anteriormente à
edição da Lei Complementar Nº 140, de 9 de dezembro de 2011, e que não
foram repassados aos órgãos ambientais estaduais, obrigando assim, a todos
os processos, cuja solução administrativa ainda não foi definida pelo órgão,
seguirem os procedimentos regulamentados nesta Instrução Normativa. Esta
Lei Complementar Nº 140, fixa normas para a cooperação entre a União, os
60
Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas relativas
à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao
combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas,
da fauna e da flora.
O importante a ser destacado para esta pesquisa na Instrução
Normativa IBAMA Nº 7/2015, é o seu artigo de nº 32, que apresenta mudanças
nas visitas monitoradas dos centros de reabilitação e dos criadouros para fins
de preservação da fauna silvestre, regulamentadas pelo IBAMA, conforme
descrito a seguir.
Art.32. Os criadouros científicos para fins de conservação e mantenedouros somente poderão ser objeto de visitas monitoradas de caráter técnico, didático ou para atender programas de educação ambiental da rede de ensino formal, e desde que não mantenham espécimes dos grupos elencados no artigo anterior (I – felinos do gênero Panthera; II – espécimes da família Ursidae; III – primatas das famílias Pongidae e Cercopithecidae; IV – espécimes da família Hippopotamidae; e V – espécimes da ordem Proboscidae). Parágrafo único. As visitas monitoradas deverão ser objeto de aprovação junto ao órgão ambiental competente mediante apresentação de projeto de visitação, sendo vedada a cobrança de qualquer taxa aos visitantes (IBAMA, 2015).
Assim, o artigo 32 atinge diretamente a ONG NEX, por se tratar de uma
organização não governamental, legalmente constituída como associação civil
sem fins lucrativos, de natureza jurídica denominada “Instituto de Preservação
e Defesa dos Felídeos da Fauna Silvestre do Brasil em Processo de Extinção”
e de registro no IBAMA como Criadouro Conservacionista de nº 232423.
Afetando, da mesma forma, a Missão VV Onça-pintada que atua em parceria
com a ONG NEX na estruturação das práticas turísticas associadas ao
voluntariado para a preservação da onça-pintada.
Para uma melhor compreensão de como a Missão VV Onça-pintada se
estrutura e funciona, da mesma forma como a Instrução Normativa IBAMA Nº
7/2015 afeta a funcionalidade tanto da ONG NEX quanto da própria Agência
Volunteer Vacations que promove a Missão, a figura 10 a seguir ilustra a forma
de atuação das entidades envolvidas e o efeito causado após a homologação
da normativa citada.
61
Figura 10: O Estudo de Caso.
Fonte: Elaborado pelo autor (2016)
Assim, a partir da publicação da Instrução Normativa, não é mais
permitida visitação de turistas na ONG NEX, a não ser com aprovação junto ao
órgão ambiental competente mediante apresentação de projeto de visitação,
sendo vedada a cobrança de qualquer taxa aos visitantes, inviabilizando assim,
a realização da Missão VV Onça-pintada.
62
2 A MISSÃO VOLUNTEER VACATIONS ONÇA-PINTADA NA PERSPECTIVA DA DIALÉTICA
“[...] o mundo que se manifesta ao Homem na práxis fetichizada, no tráfico e na manipulação, não
é o mundo real, embora tenha a ‘consistência’ e a ‘validez’ do mundo real: é ‘o mundo da aparência’.”
(KOSIK, 1976, p. 15)
Após o desvelar, no capítulo anterior, da teoria que se apresenta hoje
sobre o Turismo Voluntário, analisado nesta pesquisa como uma prática social
na preservação do patrimônio natural, o intuito deste capítulo 2 é o de
apresentar as estratégias metodológicas percorridas para que os objetivos
propostos fossem alcançados, além de identificar a existência de uma
pseudoconcreticidade embutida na execução da Missão Volunteer Vacations
Onça-pintada. Para tal proposta, utilizou-se a investigação do tipo qualitativa,
de nível exploratório e interpretativo, por meio do processo discursivo da
dialética com a utilização dos modos de investigação do tipo: Triangulação de
Dados, Análise de Conteúdo e Estudo de Caso da “Missão VV Onça-pintada”,
realizada no município de Corumbá de Goiás (GO), pela agência virtual
Volunteer Vacations.
Sabe-se que a prática científica não se reduz simplesmente a uma
tecnologia de produção do conhecimento com sequencia de operações,
procedimentos e protocolos. Segundo Paviani (2009, p.12), toda pesquisa
científica é uma construção que envolve relações entre teoria, método e
problema científico. Como tal, requer ação e prática, além de conhecimentos,
imaginação e pensamentos críticos. Principalmente a pesquisa em Turismo,
que deve ser uma conquista transdisciplinar, que, segundo Moesch (2004,
p.336), em cada momento exige-se do pesquisador uma quebra e ruptura dos
sistemas de relações que formam o fenômeno, “requer um questionamento
sistemático de tudo que envolve o fazer-saber turístico, e do que se quer fazer”.
A ideia de método, conforme Paviani (2009, p.61), nasce da metáfora
que indica “caminho, orientação, percurso de uma ação ou meios para alcançar
um fim”. Dessa forma, a escolha do método e das técnicas a serem utilizadas
para a realização desta pesquisa científica em Turismo foi de suma relevância
63
para iniciar a busca de sentido do Turismo Voluntário na preservação do
patrimônio natural.
Portanto, com a finalidade de uma melhor organização e clareza no
processo de construção e realização desta pesquisa científica, foram
esquematizadas quatro etapas estratégicas de execução para se atingir os
objetivos propostos, representado pela figura 3 a seguir.
Figura 11: Estratégias metodológicas para a construção da dissertação.
Fonte: Elaborada pelo autor (2016).
As etapas também foram classificadas em tese, síntese e antítese
tendo em vista a abordagem dialética ser citada nos itens relativos ao turismo
(1.1) e ao patrimônio natural (1.3), além de ser escolhida como roteiro
metodológico para essa pesquisa.
A fim de evidenciar as etapas 2 e 3, na figura apresentada, referentes
ao processo discursivo e os modos de investigação adotados, o presente
capítulo foi subdividido em seções, as quais se pode verificar detalhadamente o
roteiro metodológico seguido pelo pesquisador.
64
2.1 O ROTEIRO METODOLÓGICO PARA A DESCONSTRUÇÃO DA REALIDADE
Para a análise das relações existentes na prática do Turismo Voluntário
na preservação do patrimônio natural pela Missão VV Onça-pintada, foi
utilizada a perspectiva de pesquisa qualitativa, uma vez que esta permite a
utilização de diferentes abordagens epistemológicas, estratégias de
investigação e métodos de coleta e análise de dados, conforme a teorização de
Schwandt (2011, p.194), que apresenta a pesquisa qualitativa como o método
que possibilita a “fidelidade em relação ao fenômeno, o respeito pela
experiência de vida e a atenção aos finos detalhes do cotidiano”.
A pesquisa qualitativa, amplamente utilizada na área de ciências
sociais, busca explicar a realidade em termos de conceitos, comportamentos,
percepções e avaliações pessoais e pode caracterizar-se por sua flexibilidade
de adaptação durante o seu desenvolvimento, inclusive no que se refere à
construção progressiva do próprio objeto a ser investigado e, por sua
capacidade de se ocupar de objetos complexos no processo investigativo,
como é o fenômeno turístico, conforme as abordagens de Triviños (2012, p.
109).
O nível de profundidade proposto para a pesquisa foi o exploratório,
tendo em vista o Turismo Voluntário ainda ser pouco difundido entre os turistas
brasileiros e o número de viagens associadas ao voluntariado dentro do país
ainda se posicionar de forma tímida em sua execução, o que incentivou o
investigador à busca de experiências em torno do problema proposto. Também
foi utilizado o nível interpretativo que permitiu ao pesquisador analisar, indagar
e descrever, de forma clara e crítica, como o fenômeno do Turismo se
relaciona com o voluntariado na proteção do patrimônio natural.
Acreditou-se adequada a utilização da técnica de pesquisa de Estudo de
Caso por se tratar de uma investigação empírica que, segundo Yin (2010,
p.39), “investiga um fenômeno contemporâneo em profundidade e em seu
contexto de vida real, especialmente quando os limites entre o fenômeno
(Turismo Voluntário) e o contexto (a proteção do patrimônio natural) não são
claramente evidentes”. Tal técnica de pesquisa possibilitou o reconhecimento
da forma de atuação da Missão VV Onça-pintada (item 1.4.2), realizada no
65
município de Corumbá de Goiás (GO) pela Agência Volunteer Vacations, por
meio da atividade voluntária na proteção do patrimônio natural, antes e após a
homologação da Instrução Normativa do IBAMA Nº 7/2015 (anexo I), o que
permitiu a identificação da existência de uma pseudoconcreticidade em relação
à teoria sobre a atividade e a prática do fenômeno pesquisado.
A escolha da técnica citada também é justificada pelo embasamento
dado por Bruyne (1982, p. 225) ao trata-la como uma tentativa de descobrir
problemáticas novas, renovar perspectivas existentes ou sugerir hipóteses
fecundas, preparando assim o caminho para pesquisas subsequentes, o que
está proposto pelos objetivos da pesquisa. O estudo em profundidade de casos
particulares, conforme o autor, também reúne informações tão numerosas e tão
detalhadas que é possível apreender a totalidade de uma situação, de forma a
possibilitar ao pesquisador, recorrer a múltiplas técnicas de coleta das
informações igualmente variadas, como as observações em campo,
entrevistas, questionários e análises de documentos.
Assim, as principais fontes de evidências utilizadas na pesquisa foram:
a) pesquisa bibliográfica, artigos, notícias jornalísticas e sítios eletrônicos,
que possibilitaram a junção de um número significativo de informações
sobre as teorias, conceitos e a práxis turística referente ao Turismo
Voluntário, com foco na preservação do patrimônio natural. Essa etapa
contribuiu para desvelar a teoria que se apresenta hoje sobre a atividade
estudada; e
b) entrevistas semiestruturadas com “pessoas chave”, coordenadores e
responsáveis pelas entidades e organizações envolvidas:
i. ONG NEX e Agência Volunteer Vacations, (APÊNCICE I e
APÊNDICE II) a fim de captar um melhor embasamento sobre a
Missão VV Onça-pintada e sua prática;
ii. Órgão Federal IBAMA, com intuito de melhor compreender a
necessidade de homologação da Instrução Normativa nº 7/2015,
em 30 de abril de 2015 (ANEXO I), inserida no contexto da
preservação do patrimônio natural, a qual institui e normatiza as
categorias de uso e manejo da fauna silvestre em cativeiro e
define os procedimentos autorizativos para as categorias
66
estabelecidas pela legislação, o que proíbe assim, a atividade de
visitação pública na ONG NEX e a prática da Missão analisada.
iii. E por fim, entrevistas com turistas que já realizaram ou teriam
interesse em realizar o Turismo Voluntário, a fim de avaliar a
percepção sobre a atividade voltada para a preservação do
patrimônio natural e, consequentemente, aferir se há
possibilidade de uma construção de uma ética do cuidado na
relação sociedade-natureza.
As entrevistas foram elaboradas a partir de um tópico livre, mas
centralizadas em um tema particular para cada entrevistado. Conforme o
desenvolvimento e evolução dos assuntos abordados, as questões foram
modificadas no decorrer das entrevistas, possibilidade essa descrita por Bruyne
(1982, p.211). Nesse sentido, inclui-se o posicionamento do autor que permite
a utilização de entrevista não diretiva por possibilitar ao entrevistado
“desenvolver suas opiniões e informações da mesma maneira que ele estimar
conveniente” (BRUYNE, 1982, p.210). Nesse caso, o pesquisador
desempenhou apenas a função de orientar e estimular a atuação do
entrevistado durante a aplicação das entrevistas.
A análise das entrevistas foi feita a partir da transcrição das mesmas,
com fim de sistematizar as falas dos entrevistados, o que possibilitou a
identificação de ideias, paradigmas, concepções e ideologias nelas presentes e
que determinaram a busca pela existência da pseudoconcreticidade embutida
na prática da Missão VV Onça-pintada.
2.1.1 A triangulação dos dados coletados na pesquisa do Turismo Voluntário
A triangulação de dados é um conceito aprofundado pelas ciências
metodológicas que a considera uma forma de integrar diferentes perspectivas
na estrutura de uma pesquisa científica e uma forma de descoberta de
paradoxos e contradições, ao se estudar um fenômeno.
Segundo pesquisas realizadas por Duarte (2009, p.21) o conceito de
“triangulação” não surgiu nas ciências sociais, mas nas áreas da navegação e
67
da topografia, ciências estas que se baseiam cientificamente, em seu maior
número, nas pesquisas quantitativas. É um conceito importado e apropriado
por Norman Denzin, professor da College of Communications Scholar, nos
Estados Unidos, e considerado uma das maiores autoridades em pesquisa
qualitativa e crítica natural no meio acadêmico. Duarte (2009, p.11-12)
apresenta que a triangulação é considerada por Denzin como sendo dividida
em quatro tipos diferentes:
a) a “triangulação de dados”: refere-se à escolha de dados recorrendo
a diferentes fontes;
b) a “triangulação do investigador”: os investigadores recolhem dados,
independentemente, uns dos outros sobre o mesmo fenômeno
estudado e procedem à comparação dos resultados;
c) a “triangulação teórica”: são usadas diferentes teorias para
interpretar um conjunto de dados de um estudo, verificando-se a
sua utilidade e capacidade; e por fim,
d) a “triangulação metodológica”: onde são utilizados múltiplos
métodos para se estudar um determinado problema de investigação
ou a utilização de um único método em diferentes ocasiões.
A triangulação constitui, dessa forma, de novas perspectivas no campo
metodológico para se pesquisar um fenômeno, o que possibilita a combinação
de vários métodos entre si, qualitativos ou quantitativos. Duarte ainda
acrescenta que na técnica de triangulação:
[...] mais do que testar teorias, procura-se descobrir novas teorias empiricamente enraizadas; a seleção dos casos privilegia a sua importância para o tema em estudo ao invés da sua representatividade; a complexidade é aumentada pela inclusão do contexto, e não reduzida (DUARTE, 2009, p.7).
A utilização dessa técnica visa, conforme Triviños (2012), abranger a
máxima amplitude na compreensão e descrição do objeto ou fenômeno a ser
pesquisado, tendo como princípio a impossibilidade de conceber a existência
isolada de um fenômeno social, por exemplo, sem raízes históricas,
significados culturais e vinculações estreitas e essenciais com a macro
realidade social.
68
A escolha dessa técnica de pesquisa para o estudo do Turismo
Voluntário e suas evidenciações empíricas na prática da Missão VV Onça-
pintada, deu-se pela possibilidade de se trabalhar com teorias distintas, mas
que se relacionam entre si, a fim de identificar os principais temas que
envolvem o fenômeno pesquisado, e por permitir a utilização de múltiplos
métodos de análise. Tal escolha gerou a representação temática, utilizada na
análise de conteúdos, conforme figura 12 a seguir.
Figura 12: Triangulação de dados.
Fonte: Elaborado pelo autor (2016).
O esquema construído representa, por meio da técnica de
Triangulação de Dados, o conjunto de temas que medem e constroem o
fenômeno do “Turismo Voluntário”, enquanto prática e fenômeno social,
associado à “preservação do patrimônio natural”, enquanto uma prática e, ao
mesmo tempo, uma ideologia gerada pelo senso comum, e que, ambos os
conceitos, estão intrínsecos, mutuamente, com a “relação e interação
sociedade-natureza”, enquanto prática envolvendo a práxis.
Associado à Triangulação de Dados, utilizou-se também, como
estratégia metodológica, a técnica de Análise de Conteúdo descrita a seguir, a
fim de identificar as categorias e subcategorias relacionadas à pesquisa.
69
2.1.2 A técnica de Análise de Conteúdo e a ideologização do discurso
Edgar Morin (2011, p. 111) em seu livro “Introdução ao pensamento
complexo”, inicia o capítulo de título “Paradigma e ideologia” com a seguinte
afirmação: “conhecer é produzir tradução das realidades do mundo exterior”.
Para o autor, cooperamos com o mundo exterior e essa coprodução dá-nos a
objetividade do objeto. Assim, por meio dessa teoria objetiva do sujeito, o
pesquisador buscou coletar informações específicas, diretamente com os
sujeitos envolvidos, para compreender o Turismo Voluntário como prática e
suas vertentes na preservação do patrimônio natural.
Dando sequência ao pensamento de Morin (2011), devem-se levar em
consideração duas particularidades na busca e análise de conteúdo com
origem no sujeito, que são: o paradigma e a ideologização do discurso.
Segundo o próprio Morin (2011, p. 112) um paradigma “é um tipo de
relação lógica (indução, conjunção, disjunção, exclusão) entre certo número de
noções ou categorias mestras”, capaz de controlar a lógica e a semântica do
discurso. O paradigma instaura relações primordiais, conforme o autor, que
“constituem axiomas, determina conceitos, comanda discursos e/ou teorias”
(MORIN, 2011, p. 112). Um paradigma também pode ao mesmo tempo elucidar
ou cegar, revelar ou ocultar, e até determinar o modo de ver o mundo.
Já a palavra ideologia, ainda com embasamento em Morin (2011),
refere-se a uma teoria, doutrina ou filosofia, que “tem um sentido inteiramente
neutro”, caracterizando-a como “um sistema de ideias” (MORIN, 2011, p. 112).
Entretanto, alguns autores aprofundam a análise sobre ideologia,
baseando-se nos conceitos históricos desde os cientistas da Revolução
Francesa até as obras de Marx e Engels. Dois desses autores são Stuart Hall e
Roisín McDonough (1983, p. 16) que apresentam a ideologia por meio de
alguns princípios, incompatíveis entre si, tais como: a relação entre história e
pensamento, o qual concebe a ideologia como historicista; e a promoção de
certas ideias que seriam “verdadeiras” qualquer que fosse a conjuntura
histórica em que estivessem situadas.
Independente dos princípios que originaram o termo, torna-se claro
para o pesquisador observar a relação entre conhecimento e ideologia. A
concepção de Lukács, quando embasada pelas teorias de Marx, citado por Hall
70
(1983, p. 54), aponta que o conhecimento, sob a pressão deformadora da
ideologia, faz do sujeito suscetível a construção de uma visão ilusória ou
distorcida da realidade, o que o faz querer lutar para uma afirmação de suas
convicções, de forma a recorrer a “verdades” na realização de escolhas e
decisões que lhes permitam manter atuantes no mundo.
McDonough (1983) ao retratar os pensamentos de Lukács sobre a
teoria de consciência de classe, também observada por Marx [quando
analisadas as classes burguesa e operária], apresenta que:
[...] a ideologia dominante em qualquer sociedade é a ideologia da classe dominante, interpretada como a saturação do todo social pela essência ideológica de uma simples classe-sujeito, que por sua vez é representada como um simples reflexo das condições de vida e das concepções do mundo da dita classe. Cada classe-sujeito tem uma concepção do mundo em que vive e esta domina o período histórico durante o qual governa. Mais do que isso, essa concepção não apenas domina, mas também permeia o todo da sociedade, excetuando-se aqueles bolsões ocultos e intocados de consciência de classe “atribuída” ou revolucionária que são os precursores de um novo tipo de sociedade (MCDONOUGH, 1983, p. 54).
Por identificar no “ato de trabalhar” a base ontológica da ideologia, o
que lhe direciona um sentido amplo a respeito, e por fazer a distinção entre
ideologia e falsa consciência, a qual define como função na reprodução social,
enquanto ato humano efetivamente existente e operante sobre os conflitos do
cotidiano, Georg Lukács trata, segundo os autores (1983), de uma questão
relacionada ao acesso ao conhecimento (teoria), que diretamente acarretaria
uma mudança no sujeito (práxis), ou seja, uma modificação em sua situação de
classe. Conhecimento e ação, teoria e práxis se fundiriam, conforme as
abordagens dos autores.
Ideologia, nesse sentido, é um sistema de representação da relação
entre as condições reais de existência do Homem e do imaginário criado por
ele dessas condições. Assim, identifica-se que a realidade não é facilmente
legível. As ideias e teorias divulgadas e transmitidas pelas entrevistas e
documentos coletados pelo pesquisador, não refletiriam a realidade, mas
traduziriam em uma ideia particular de cada sujeito. A complexidade presente
nas respostas das entrevistas revela então, a necessidade do pesquisador de
saber interpretar a realidade e compreender a incerteza do real, pelas
71
informações coletadas. Pois, sempre há algo embutido e ainda invisível na
realidade pesquisada, pronta para ser desvelada.
Baseado nesse contexto inicial, o pesquisador utilizou da técnica de
Análise de Conteúdo para o procedimento de análise das informações obtidas
por meio de entrevistas realizadas, documentos observados e notícias
jornalísticas identificadas como relevantes para a compreensão do fenômeno
pesquisado. Tal escolha ocorreu por se tratar de um recurso metodológico
capaz de identificar, completa e objetivamente, frases e trechos dos registros
feitos pelos entrevistados e/ou selecionados nos documentos levantados, a fim
de permitir uma qualificação e categorização das informações necessárias para
a análise.
Triviños (2012), em sua obra “Introdução à pesquisa em ciências
sociais”, tendo como referencial teórico os estudos de Bardin, autor francês de
L’analyse de contenu, publicado em 1977, recomenda o uso desta técnica
porque:
[...] ela se presta para o estudo das motivações, atitudes, valores, crenças, tendências e, acrescentamos nós, para o desvendar das ideologias que podem existir nos dispositivos legais, princípios, diretrizes etc., que, à simples vista, não se apresentam com a devida clareza. Por outro lado, o método de análise de conteúdo, em alguns casos, pode servir de auxiliar para instrumento de pesquisa de maior profundidade e complexidade, como o é, por exemplo, o método dialético. Neste caso, a análise de conteúdo forma parte de uma visão mais ampla e funde-se nas características do enfoque dialético. (TRIVIÑOS, 2012, p. 159-160).
Semelhante às pontuações de Triviños, as abordagens do Professor
francês Roger Mucchielli revelam que a Análise de Conteúdo é um conjunto de
técnicas que promove um “exame objetivo, minucioso, metódico e, se possível,
quantitativo, de um texto ou de um conjunto de informações, a fim de retirar
termos significativos em relação aos objetivos da pesquisa” (MUCCHIELLI,
2012, p. 123).
Possível de ser utilizada tanto em pesquisas quantitativas como na
investigação qualitativa, a técnica é um meio de análise de mensagens, nas
formas de linguagem escrita e oral, com ênfase no conteúdo transmitido, a qual
o pesquisador tem como responsabilidade: a classificação, a codificação e a
categorização dos conceitos abordados.
72
Seguindo esses princípios, três etapas foram seguidas pelo
pesquisador para a análise dos conteúdos referentes a esta pesquisa.
A primeira, denominada por Triviños (2012, p. 161) como “pré-análise”,
consistiu-se na organização do material, ou seja, transcrição das entrevistas e
catalogação dos documentos e notícias jornalísticas encontradas durante o
processo de construção teórica.
A “descrição analítica”, segunda etapa da técnica, submeteu o
conteúdo pré-analisado a um estudo cauteloso e aprofundado, com
procedimentos de codificação, classificação e categorização, como já citados,
os quais permitiram a identificação de rubricas e categorias de análise,
embasadas nos temas levantados pela triangulação de dados e com foco na
ideologização do discurso dos entrevistados, categorias estas, importantes
para a construção do quadro referencial de análise, apresentado mais adiante
(Quadro 4).
As rubricas de análise de conteúdo, identificadas a partir dos temas
estruturantes da triangulação de dados, dessa segunda etapa da pesquisa
foram:
Figura 13: Rubricas de Análise de Conteúdo.
Fonte: Elaborado pelo autor (2016).
73
A “interpretação referencial”, última etapa da técnica utilizada na
pesquisa e identificada pelas abordagens de Triviños (2012, p. 162), iniciou-se
na etapa da “pré-análise”, a qual exigiu do pesquisador uma reflexão dialética
crítica com embasamento nos materiais empíricos tratados pelo referencial
teórico inicial, somados com o conteúdo identificado na técnica descrita.
Dessa forma, as contradições presentes nos discursos dos
entrevistados serviram como elementos para o desvelamento da concepção e
dos rumos do Turismo Voluntário na preservação do patrimônio natural, que se
baseiam na relação e interação sociedade-natureza aqui apresentados, já que
os entrevistados tiveram a liberdade de opinar sobre as experiências vividas na
prática da Missão VV Onça-pintada ou em outras atividades voluntárias,
quando realizadas, além de se posicionarem a respeito da preservação
ambiental.
2.1.3 A Dialética Histórico-Materialista e as categorias de análise: teoria/ prática, ideologia/ ciência, totalidade/ fragmentação, contradição/ mediação, subjetividade/ objetividade, autonomia/ dependência e criticidade/ alienação
A busca da identificação de uma aparência superficial da realidade na
prática exercida pela Missão VV Onça-pintada, denominada como “a
pseudoconcreticidade embutida na práxis” por Kosik (1976), desafiou o
pesquisador na escolha e utilização do método dialético histórico-materialista
na presente pesquisa. Tal escolha é justificada, inicialmente, pela própria
origem do termo “dialética”, encontrada na obra de Haguette et al. (1990, p.
12), a qual apresenta a necessidade do diálogo para sua construção. Dialética
e diálogo seriam “irmãos gêmeos”, segundo o autor, ambos provêm do prefixo
dia, que indica reciprocidade, e de lêgein ou lógos, que representam o verbo e
o substantivo do discurso da razão.
Assim, a origem da dialética nasceu por meio do diálogo e da
incorporação das razões do sujeito, que para Haguette:
[...] ela trata de uma compreensão do Homem na natureza e na história e de sua constituição como ser social pensante, ético e agente, bem como de suas condições de existência como ser social,
74
político e cultural. Enfim, do Homem histórico enquanto ser teórico e prático. (HAGUETTE, 1990, p. 12).
A visão de Haguette vai ao encontro da relação sociedade-natureza,
proposta pela abordagem teórica inicial, que buscou tratar e analisar o retorno
do Homem à natureza, como parte integrante da mesma e como ser social e
responsável, provocador de mudanças.
O método materialista acoplado à dialética, para Haguette (1990, p.
161) reconhece a primazia da matéria (o ser, a natureza, o objeto) como
elementos determinantes, por oposição ao idealismo (o pensamento, a
consciência, o espírito, o sujeito) que defende a anterioridade do pensamento
sobre a matéria no processo de conhecimento. Essa associação, também
estudada por Henri Lefebvre e Lukács11, é citada por Haguette (1990) como
sendo uma das características de observação da dialética como ciência. Por tal
associação, segundo o autor, a dialética adquire um significado muito mais
amplo, “ela passa a estar em toda parte: na natureza, na história, na mente, no
método e no partido, isto é, ela se constitui numa ontologia geral” (HAGUETTE,
1990, p.16), que se denomina “materialismo dialético”.
Nesse contexto, as ciências naturais e as ciências da história e do
Homem obedeceriam a um mesmo conjunto de leis científicas de um tipo geral,
que governariam a natureza, a sociedade e o pensamento, a serem abordadas
mais adiante.
Na tentativa de compreender o conceito da dialética histórico-
materialista escolhida, identificou-se em Alexandre Cheptulin (1982, p.1), em
sua obra “A Dialética Materialista”, a seguinte definição: “o materialismo
dialético estuda as formas gerais do ser, os aspectos e os laços gerais da
realidade, as leis do reflexo desta última na consciência dos homens”.
Para Brühl (1990, p. 43), o materialismo dialético não se conforma em
apenas permitir a concepção de uma verdade absoluta e final, que declare que
qualquer opinião, depoimento ou teoria seja de caráter subjetivo, somente
válido e verdadeiro para uma pessoa, grupo ou época específica. Existe sim,
uma necessidade intrínseca de formular resultados científicos como verdades,
11 Não foram aprofundadas as leituras em obras de autores clássicos como Marx, Engels e
Lukcács devido o curto espaço de tempo para a realização da pesquisa, tendo em vista o pesquisador atuar profissionalmente durante o processo de realização do Mestrado em Turismo.
75
quando firmados na racionalidade (lógico) e na historicidade (história). Para tal,
é necessário procurar as limitações das verdades encontradas no processo
histórico em que, qualquer realidade, se encontra.
Brühl (1990) ainda considera que “nenhum pensamento, na perspectiva
dialética, pode construir um dualismo dos mundos com objetividades
diferentes: um que existe na realidade como natureza e história e outro que
será o mundo de nossas construções intelectuais” (BRÜHL, 1990, p. 43).
Nesse caso, exige-se do pesquisador a distinção das teorias e metodologias
dos objetos que se propõe decifrar, por meio da observação, experimento e
cálculo dos segredos da própria natureza.
A escolha da dialética como método de pesquisa também teve seu
embasamento em Bruyne que apresenta três aspectos a ser considerado:
a) o movimento concreto, natural e sócio-histórico, da própria
realidade estudada [sentido objetivo]; b) a lógica do pensamento que se pretende conhecimento
adequado dos processos históricos das mudanças e dos conflitos sociais [sentido subjetivo]; e
c) a relação entre o objeto construído por uma ciência, o método empregado e o objeto real visado por essa ciência [sentido metodológico] (BRUYNE, 1982, p. 65).
Ao relacionar o objeto de pesquisa desse trabalho, a prática da Missão
VV Onça-pintada na preservação do patrimônio natural, ao método dialético
histórico-materialista, identificou-se que a natureza não pode ser considerada
como algo imóvel, imutável, um conglomerado de objetos e fenômenos
desligados e isolados entre si, mas sim, reconhecida como um conglomerado
de objetos e fenômenos orgânica e dialeticamente vinculados uns aos outros,
como partes integrantes do sujeito, que se desenvolve, se articula e se renova,
quando observado em sua complexa totalidade. O todo está na parte como a
parte está no todo, como abordado por Edgar Morin (2011).
Assim, partindo da concepção de sociedade-natureza presente na
forma de atuação do Turismo Voluntário pela Missão VV Onça-pintada,
buscou-se identificar a essência escondida, ou que se manifesta de forma
parcial, no fenômeno que, por meio da abordagem dialética histórico-
materialista, indica algo que não é ele mesmo e vive apenas graças ao seu
contrário.
76
O mundo da pseudoconcreticidade é descrito por Kosik (1976, p.11)
como sendo um claro-escuro, um duplo sentido, “o complexo dos fenômenos
que povoam o ambiente cotidiano e a atmosfera comum da vida humana” e
que, ao penetrar a consciência dos indivíduos, assume um aspecto
independente e natural. A esse mundo pertencem: os fenômenos externos; o
tráfico e a manipulação, isto é, a “práxis fetichizada”; as representações
comuns, que são projeções dos fenômenos externos na consciência dos
homens; e por fim, os objetos fixados que dão a impressão de condições
naturais.
Assim sendo, a finalidade proposta foi de compreender como a própria
realidade da Missão VV Onça-pintada se apresenta em sua dialética, haja vista
a relação sociedade-natureza ser um processo que se modifica
permanentemente.
2.1.3.1 As categorias dialéticas de análise necessárias para a desconstrução
da realidade da Missão VV Onça-pintada12
O processo de analise por meio da dialética histórico-materialista exige
do pesquisador a construção de uma conexão entre a teoria e a prática,
conforme os estudos realizados por Bruyne (1982), pois “se o método dialético
se esforça por descobrir eventuais contradições nos próprios fatos que ele
estuda, é na prática da própria dialética que será necessário procurar o critério
da verdade científica” (BRUYNE, 1982, p. 72).
Ao se considerar como ideia essencial da dialética a interação do
sujeito e do objeto no conhecimento, surge a necessidade da identificação de
categorias que visem estabelecer uma verdade, sempre relativa, da teoria
estudada. Entretanto, caso essa teoria não leve à prática, conforme análise de
Pedro Demo (2004, p. 77), não se pode considera-la teoria, pois não passa de
discurso irreal ou alienante, tornando-se ideológica.
12 Utilizou-se nesse item obras de autores contemporâneos para facilitar a compreensão da
temática da dialética Histórico-Materialista, haja vista a familiaridade do pesquisador com os autores citados, tais como Bruyne (1982), Demo (2004), Triviños (2012), Netto (2011) e Morin (2005), que foram estudados durante as disciplinas ofertadas pelo Programa de Mestrado Profissionalizante em Turismo do CET/UnB.
77
Assim, para a identificação dessas categorias dialéticas que visem a
analise da teoria relacionada à prática pesquisada, vale ressaltar as
considerações levantadas por Cheptulin (1982) quando em relação a cada
indivíduo, como sujeito do conhecimento, o autor considera as categorias como
“formas da atividade do pensamento próprias da consciência social anterior a
qualquer experiência de conhecimento, anterior a toda ação cognitiva, a priori”
(CHEPTULIN, 1982, p.10), e complementa que, é apenas assimilando-as que o
indivíduo conhece a realidade que o rodeia, por pensar de acordo com sua
época. Ao se conhecer o objeto, o sujeito o concebe pela síntese categorial já
formada em sua consciência, a qual coloca em evidência as propriedades e as
ligações próprias desse objeto, além das formas específicas de sua
manifestação concreta da realidade, categorizando-o.
Entretanto, o autor ainda rebate que o sujeito real do conhecimento não
é o indivíduo, mas a sociedade, e as categorias em relação a esta, são “formas
do reflexo da realidade, que se formaram no decorrer do processo da atividade
prática e do desenvolvimento, a partir dela, do conhecimento” (CHEPTULIN,
1982, p.10). Seu conteúdo, conforme o raciocínio do autor, não é determinado
pela consciência, mas pela atividade objetiva, ou seja, a prática.
Para propor um conceito que define “categoria” para este trabalho,
utilizou-se a definição de Triviños (2012, p. 55) que a trata como “formas de
conscientização nos conceitos dos modos universais da relação do Homem
com o mundo, que refletem as propriedades e leis mais gerais e essenciais da
natureza, a sociedade e o pensamento”.
José Paulo Netto (2011, p. 46), em suas análises sobre o estudo do
método de Marx, apresenta que o objetivo das pesquisas de Marx seria o de
conhecer as categorias constituintes da articulação interna da sociedade,
especificamente da burguesa. Tais categorias são, conforme a abordagem do
autor, objetivas, reais, históricas e transitórias, e que, as mesmas, só têm
validez plena em seu contexto, o que exige do pesquisador um estudo da
origem histórica de cada categoria a ser utilizada em suas próprias pesquisas.
Por isso, o autor reforça que “o estudo das categorias deve conjugar análise
diacrônica (da gênese e do desenvolvimento) com a análise sincrônica (sua
estrutura e função na organização atual)” (NETTO, 2011, p.49).
78
A partir do exposto, buscou-se utilizar nessa pesquisa as categorias da
dialética histórico-materialista, já identificas e trabalhadas pelo enfoque do
Marxismo, como a teoria/prática, ideologia/ciência, totalidade/fragmentação,
contradição/mediação, subjetividade/objetividade, autonomia/dependência e
criticidade/alienação, descritas na sequência a seguir.
A categoria dialética relativa à “teoria/prática” tem como princípio,
seguindo o raciocínio de Pedro Demo (2004, p.76), as abordagens voltadas
para as ciências sociais, as quais afirmam que uma teoria desligada da prática
não chega a ser uma teoria e que é nesse sentido que muitos autores afirmam
ser a prática o “critério da verdade teórica”. O autor ainda expõe que se uma
teoria não leva à efetivação da prática, nunca foi sequer uma teoria, e sim um
discurso irreal ou até mesmo alienante. Dessa forma, pode-se observar que de
uma teoria, sempre caracterizada como generalizante, pode surgir versões
concretas e exclusivistas de uma prática. Pedro Demo (2004, p. 77) acrescenta
ainda que “a teoria usa conceitos universalizantes, mesmo porque esta é a
marca própria de qualquer conceito em sentido lógico”. Já a prática, possui um
caráter limitante, por não ultrapassar a condição histórica de versão teórica.
Para o autor, “toda prática, ao mesmo tempo em que realiza a teoria, também a
limita, no sentido de que não consegue esgotar todas as potencialidades
teóricas” (DEMO, 2004, p.78).
Para que a prática ocorra, exige-se uma postura ativa do sujeito, como
observado nas analises de Paulo Netto (2011, p.25), que, segundo as teorias
de Marx, o sujeito é identificado como o “capaz de mobilizar um máximo de
conhecimentos, criticá-los, revisá-los e deve ser dotado de criatividade e
imaginação”. O sujeito, dessa forma, apodera-se do objeto, seus pormenores,
suas diferentes formas de desenvolvimento e conexões distintas, promovendo,
dessa forma, mudanças. Tal análise vai ao encontro do tratamento dado por
Cheptulin (1982, p. 137) quando descreve as categorias enquanto graus do
desenvolvimento da prática social, onde apresenta que “o conhecimento das
formas universais do ser dá-se no decorrer da atividade prática, no processo
da transformação, orientada em direção a uma meta e à realidade”.
Seguindo a estruturação das categorias de análise, identificou-se a
importância de utilizar a categoria “ideologia/ciência”, a fim de aprofundar as
discussões sobre a ideologização do discurso e identificar as verdades por trás
79
das palavras. Seguindo os preceitos de Badiou e Althusser (1986, p.15) “o
objeto próprio do Materialismo Dialético é o sistema das diferenças pertinentes
que separa e une ao mesmo tempo a ciência e a ideologia”. Para o autor, a
ciência é a prática produtora de conhecimentos, cujos meios de produção são o
conhecimento. A ideologia, entretanto, é um sistema de representações, uma
articulação do vivido, um resultado do reconhecimento, ou até, um processo de
reduplicação, cuja função é prático-social e que se autodenomina dentro de um
conjunto de noções.
Dessa forma, a escolha dessa categoria deu-se por não permitir a
separação imediata das diferenças práticas e dos discursos, mesmo sendo
contradições a serem analisadas, e, ao mesmo tempo, não posicionar
abstratamente a ciência contra a ideologia. Por ter uma função prático-social,
permitiu-se uma análise da prática como uma relação de produção que implica
forças produtivas e relações das formas ideológicas existentes, ou seja, com
uma visão de produção, semelhante à realizada por Marx e Engels sobre o
capitalismo.
Para a categoria “totalidade/fragmentação”, buscou-se, como
embasamento teórico, a abordagem realizada por Kosik (1976), na qual
apresenta que a o método dialético não pretende conhecer todos os aspectos
da realidade, totalizando-a, mas sim, partindo do “todo” para as “partes” e das
“partes” para o “todo”, em um processo de correlações em espiral, no qual
todos os conceitos entram em movimento recíproco e se elucidam
mutuamente, quando se atinge a concreticidade (KOSIK, 1976, p. 41-42). O
autor destaca ainda que o Homem capta a realidade como um “fotógrafo da
situação” e dela se apropria, com todos os seus sentidos. Faz-se assim, com
que os conceitos oriundos dessa realidade não permaneçam intactos no
caminho do conhecer. É um processo em espiral de mútua compenetração e
elucidação dos conceitos, o qual a compreensão dialética significa que as
partes se encontram, não só em uma relação interna de interação, mas sim em
uma conexão entre si e com o todo, o que torna possível a relação totalidade e
fragmentação.
Pode-se tomar como exemplo, a teoria social de Marx a respeito da
sociedade burguesa que, conforme José Paulo Netto (2011, p. 56), identifica-a
como sendo uma “totalidade concreta inclusiva e macroscópica, de máxima
80
complexidade, constituída por totalidades de menor complexidade”, e não
como um “todo” constituído por “partes” funcionalmente integradas. Para o
autor, a sociedade burguesa é uma totalidade dinâmica, com movimento de
caráter contraditório de todas as demais totalidades constituintes. Sem essas
contradições, não haveria totalidade, conforme o autor. Assim, o desafio do
pesquisador é descobrir as relações existentes entre os processos ocorrentes
pela totalidade concreta e as totalidades fragmentadas, relações essas que
formam a realidade do objeto estudado.
Desse caráter contraditório das totalidades, identifica-se a categoria de
“contradição/mediação”, haja vista que para ocorrer relações entre partes
conectas, exige-se uma polarização de interesses contrários entre as mesmas.
A contradição como unidade e luta dos contrários é trabalhada por
Cheptulin (1982, p. 286) como sendo os aspectos cujos sentidos de
transformação são opostos e cujas interações constituem a contradição ou a
“luta dos contrários”, como denomina o autor, por excluírem-se reciprocamente,
como em estado de luta, devido as existentes tendências opostas em suas
relações. Entretanto, os contrários não são divergentes e não se destoem
mutuamente, mas sim interpenetram um ao outro, são unidos e representam a
unidade dos contrários, ou melhor, uma “essência diferenciada”.
Cheptulin (1982) ainda aponta que o materialismo dialético considera
as contradições como a origem do movimento e do desenvolvimento. A
contradição, ao resgatar o pensamento de Hegel, é o que realmente move o
mundo, é a raiz de todo movimento e de toda vitalidade. Seguindo os preceitos
de Marx e Engels o autor cita: “o que constitui o movimento dialético é a
coexistência de dois lados contraditórios, sua luta e sua fusão em uma nova
categoria” (CHEPTULIN, 1982, p.301). Assim, a contradição representa a
interação dos aspectos e das tendências contrárias do fenômeno pesquisado.
A dialética histórico-materialista tem como referencial teórico, criado
por Marx e Engels, o modo de produção da vida material ao processo da vida
social, política e espiritual em geral, conforme os apontamentos de Haguette
(1990, p.160). Nesse contexto, na tentativa de compreender a categoria
“subjetividade/objetividade”, pode-se observar a não possibilidade de
separação da objetividade e da subjetividade, pois os componentes subjetivos
fazem parte da prática histórica, no esforço realizado pelo sujeito em
81
compreender a teoria e dispor de uma transformação criativa para essa prática.
Seguindo a perspectiva dialética citada por Moesch, encontra-se:
[...] o componente subjetivo joga num rol preponderante na vivencia da prática histórica, no esforço por sua compreensão teórica e na disposição transformadora e criadora. A subjetividade se converte, assim, em um dado objetivo da realidade histórico-social, e constitui num fator ativo, transformador [e recriador] das situações objetivas (MOESCH, 2002, p.55).
Assim, a subjetividade [interpretada como um fator ativo da
transformação histórica] passa a ter o significado de um instrumento para a
construção da uma ética na vivência, firmada em novos significados e valores
humanos, que se expressam na modificação de atitudes individuais e coletivas.
Tal processo permite, dessa forma, a transformação da realidade a qual o
sujeito está inserido.
As próximas duas categorias a serem descritas estão diretamente
ligadas a uma postura ativa do sujeito, categorias estas que possibilitaram na
identificação das percepções referentes ao turista voluntário quando em prática
na Missão VV Onça-pintada.
O sujeito aprende a pensar por meio da comunicação, na forma escrita
e falada, com os demais ao seu redor. De acordo com o contexto de sua
realidade, essa relação dos sujeitos pensantes não ocorre de forma individual e
específica, está sempre relacionada com os objetos, por meio da interação
parcial e concreta, aceita pela sociedade ou grupo social o qual estão
inseridos. Essa interação promove o surgimento da categoria
“autonomia/dependência”.
As abordagens de Edgar Morin (2005, p. 66) permitem observar que a
noção da autonomia humana é um processo complexo, como todos os demais
que envolvem o Homem, já que ela depende de condições culturais e sociais
para existir. Essa autonomia, segundo o autor, se alimenta da dependência e
vice versa. Depende-se de uma educação, de uma linguagem, de uma cultura,
de uma sociedade, e até de um cérebro para a construção de um refletir de
maneira autônoma. Ao seguir esse raciocínio, o autor faz uma comparação
com a liberdade, relativa, pertencente ao Homem, que o permite a desenvolver
suas próprias ideias, examinar hipóteses de conduta, fazer escolhas e tomar
decisões, dependendo de sua base teórica construída pelo conhecimento
82
adquirido. Esse processo de teorização e construção do conhecimento não é
um reflexo direto e mecânico da realidade no plano do pensamento, mas sim o
resultado de um trabalho complexo no esforço de conhecer a realidade, por
meio da teoria e da prática. Ele se estabelece na relação entre o sujeito que
conhece e o objeto a ser conhecido.
Conforme as abordagens de Boaventura de Sousa Santos (2011, p.
29) todo o ato de construção do conhecimento é uma trajetória de um ponto “A”
que o autor designa por ignorância para um ponto “B” denominado o próprio
conhecimento, o saber. O fim desse percurso é identificado pelo autor como
sendo duas formas de conhecimento: o conhecimento-regulação cujos pontos
distintos são o caos e a ordem; e o conhecimento-emancipação cujos pontos
seriam o colonialismo e a solidariedade. O autor ainda apresenta uma
característica essencial para se compreender o posicionamento atual da matriz
da modernidade eurocêntrica, a qual o conhecimento-regulação veio dominar
totalmente o conhecimento-emancipação. Tal processo de domínio pode ser
comparado com a relação autonomia/dependência, e só pode ser modificado
com uma teria crítica pós-moderna. E para a construção dessa teoria crítica é
necessário, segundo o autor (SANTOS, 2011, p.30-31), que “todo o
conhecimento crítico tem de começar pela crítica do conhecimento”.
E por fim, a categoria “criticidade/alienação” reflete o pensamento de
Boaventura Santos (2011, p. 30) com o propósito de promover o
reconhecimento do outro como sujeito e não como objeto. Segundo o autor, a
solidariedade, ou o conhecimento-emancipatório, “é uma forma de
conhecimento que se obtém por via do reconhecimento do outro, que só pode
ser reconhecido enquanto produtor de conhecimento”, por meio da criticidade
em oposição a corpos teóricos já pré-estabelecidos.
O contexto da alienação deve ser levado para o posicionamento do
sujeito na falta de consciência e compreensão da sociedade em que vive, e dos
mecanismos e fatores que o posicionam em sua conjuntura social. Entretanto,
Marx e Engels abordam a questão por meio da associação do termo alienação
com o movimento do capitalismo e o trabalho, especificamente. As abordagens
de Laymert dos Santos (1982, p.35) apresentam que o processo de alienação
segundo os autores citados começa quando “o objeto que o trabalho produz
deixa de ser um meio de subsistência direta e uma confirmação da existência
83
do trabalhador e passa a ser fonte de um lucro” (SANTOS, 1982, p. 35).
Laymert (1982) ainda acrescenta que a própria atividade de produção é
alienante, por significar a perda da realidade pelo operário enquanto no período
em que se executa o trabalho.
De retorno ao processo com foco no sujeito, Morin (2000, p. 29) ao
abordar sobre a noologia como forma de possessão, o autor trata do
surgimento dos mitos, dos deuses e o extraordinário dos seres espirituais que
impulsionaram o Homem a delírios, massacres, adorações e êxtases, com
base nas formas criadas pela inteligência e pensamento. Tal processo torna o
Homem inconsciente, capaz de morrer ou de matar por um deus, por uma
ideia. Aprofundando ainda mais a respeito, ao tratar que a sociedade
domestica os indivíduos por meio desses mitos e ideias, entretanto, o mesmo
que se torna alienado pela sociedade tem a capacidade de, reciprocamente,
domesticar as ideias e ao mesmo tempo controlar a sociedade que os controla.
Diante da complexidade apresentada de cada categoria referente à
dialética histórico-materialista, tornou-se um desafio ao pesquisador referenciá-
las com as categorias a priori levantadas pela análise do conteúdo com os
temas apontados pela triangulação dos dados. Para tal prática foi utilizado
quadro modelo, conforme apresentado a seguir.
Quadro 4: Quadro modelo para interpretação da análise do conteúdo referentes às entrevistas
realizadas e documentos coletados.
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CATEGORIAS A PRIORI
(Obtidas pela análise dos conteúdos levantados pela etapa de teorização)
CATEGORIAS DIALÉTICAS HISTÓRICO-MATERIALISTAS
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Categorias Concepções Avanços
Fonte: Priscilla Silva (2013, p.104), adaptado pelo autor (2016).
84
Assim, utilizando-se da técnica de triangulação de dados, a qual foi
possível identificar as categorias a priori – Turismo Voluntário; Preservação do
Patrimônio Natural; e Relação e Interação sociedade-natureza – associada à
análise de conteúdo e suas rubricas, além da contextualização temática, a
partir do referencial teórico, foi possível a construção dos quadros para
interpretação da análise do conteúdo, conforme a seguir (quadros 5, 6 e 7). Os
dados obtidos para a construção dos quadros foram retirados das entrevistas
realizadas, conforme Apêndices apresentados ao final desse trabalho.
Para a interpretação das informações estruturadas nos quadros de
análise a seguir, foram levados em consideração os posicionamentos dialéticos
citados durante o referencial teórico construído inicialmente, tanto no item
relativo ao turismo (item 1.1) quanto no do patrimônio natural (item 1.3), o qual
apresenta o movimento dialético entre a preservação e a exploração do animal
como um atrativo para a atividade em si, para e pelo Turismo Voluntário.
Quadro 5: Quadro interpretativo da análise do conteúdo referente à categoria Turismo Voluntário.
Fonte: Elaborado pelo autor (2016).
86
Quadro 6: Quadro interpretativo da análise do conteúdo referente à categoria Preservação do Patrimônio Natural.
Fonte: Elaborado pelo autor (2016).
87
Quadro 7: Quadro interpretativo da análise do conteúdo referente à categoria Relação e Interação Sociedade-Natureza.
2.2 A CONTRADIÇÃO ENTRE O DISCURSO E A PRÁTICA DA MISSÃO VOLUNTEER VACATIONS ONÇA-PINTADA.
A fim de compreender a composição da essência fenomênica embutida
na Missão VV Onça-pintada, tornou-se obrigatório ao pesquisador transpor a
simplificação da apreciação objetiva dos fatos ocorridos na sua prática, além de
exercitar um olhar crítico sobre os interesses camuflados pelos atores
participantes. Conforme as abordagens de Kosik (1976, p.12) “captar o
fenômeno de determinada coisa significa indagar e descrever como a coisa em
si se manifesta naquele fenômeno, e como ao mesmo tempo nele se esconde”.
A busca dessa pseudoconcreticidade, estudada por Karel Kosik (1976), que
obstrui a autenticidade das ações praticadas pela Missão pesquisada, torna-se
uma prática analítica, reflexiva, criteriosa e, sobretudo subjetiva, pois mesmo
chegando a uma determinada análise dos fatos reais, nunca se compreenderá
o fenômeno por inteiro, sempre permanecendo algo mais a ser revelado. O
autor ainda cita que a realidade não se apresenta aos homens, à primeira vista,
“sob o aspecto de um objeto que cumpre intuir, analisar e compreender
teoricamente”, mas apresenta-se “como o campo em que se exercita a sua
atividade prático-sensível, sobre cujo fundamento surgirá a imediata intuição
prática da realidade” (KOSIK, 1976, p. 10).
Dessa forma, as entrevistas realizadas com a ONG NEX, a Agência
Volunteer Vacations e o órgão federal IBAMA, juntamente com o conteúdo
teórico apresentado no capítulo 1 desta dissertação, possibilitaram a efetivação
da análise do conteúdo apresentado no item referente à metodologia adotada
para a pesquisa, a fim de identificar a existência de uma pseudoconcreticidade
oculta na prática da Missão VV Onça-pintada.
Conforme observado nas pesquisas bibliográficas a respeito do tema, o
turismo hoje é visto como uma prática mercadológica por alguns autores da
área que o concebem como um produto ou como indústria, haja vista sua
importante contribuição econômica, como fonte de recurso financeiro e
investimentos para o desenvolvimento das localidades. Destaca-se a
contribuição de Jafar Jafari, o qual posiciona o turismo como “uma força
econômica mundial sumamente importante e uma indústria de gigantescas
proporções” (JAFAR JAFARI, 1994, p. 10). Essa setorização econômica do
90
turismo, como apresentado, ocasiona seu tratamento como uma “Indústria
Turística”, produtora de atrativos a serem comercializados pelo mercado em
geral.
Ao se efetuar a análise de conteúdo, esquematizada pelos quadros 5,6
e 7 já apresentados, observou-se que o turismo permanece, em sua
completude, sendo observado e praticado com uma forte visão mercadológica,
o que valoriza a “mercadorização” dos elementos envolvidos. O turismo é
percebido, tanto pelos responsáveis da ONG NEX quanto da Agência
Volunteers Vacations, como uma opção de se obter doações para auxiliar nas
atividades da ONG, conforme o trecho apresentado na pesquisa:
O impacto foi o pior possível, tanto para os beneficiados, direta e indiretamente, quanto para nossas remotas chances de receber alguma doação de alguém que ficasse sensibilizado pela causa. O NEX não tem nenhuma ajuda mais, exceto do Ministério Público, muito esporadicamente, através das TACs. [...] Sem a visitação, como enfatizei, qualquer possibilidade de doação fica distante. Ninguém ajuda o que não conhece13. (APÊNDICE I, 2016).
Esse posicionamento vai de encontro com a abordagem feita do
turismo como um fenômeno social, atualmente defendido pelos educadores do
Centro de Excelência em Turismo – UnB –, como apresentado pela Professora
Doutora Marutschka Moesch (2002, p. 15) a qual afirma que o turismo é um
processo humano e ultrapassa o entendimento como função de um sistema
econômico, além de defini-lo como uma “combinação complexa de inter-
relacionamento entre produção e serviços, em cuja composição integra-se uma
prática social com base cultural”.
Da mesma forma, a prática do Turismo Voluntário, mesmo
caracterizado como de uma abordagem social [por meio da atividade
voluntária] com fins de auxiliar e promover melhorias no meio em que se é
praticado, ainda é observado com o escopo mercadológico, conforme
identificado no discurso da responsável pela Agência Volunteer Vacation
(APÊNDICE II) ao se referir da Instrução Normativa Nº7, homologada pelo
IBAMA: “(...) achamos que é de extrema importância ressaltar os impactos
que uma medida tomada sem o devido estudo como essa Instrução Normativa
pode causar” (APÊNDICE II).
13 Destaque em negrito feito pelo pesquisador para enfatizar o trecho de análise.
91
A Instrução Normativa citada inviabiliza a prática de visitação pela
Missão VV Onça-pintada, que atua diretamente com turistas voluntários na
preservação da Onça-pintada dentro da ONG NEX, conforme já apresentado
anteriormente nesse trabalho. Os “impactos” referidos na entrevista são
relacionados com o impedimento de realização de divulgação e promoção de
ações voltadas à educação ambiental, que supostamente, a prática da Missão
VV Onça-pintada possibilitaria realizar. Também foi reforçada no discurso a
perda financeira que era gerada: “dessa forma, [com a participação dos turistas
voluntários] era possível para a ONG receber subsídios de mais pessoas
para continuar a sustentar toda a estrutura, pesquisas...” (APÊNDICE II).
Assim, observa-se na análise dos discursos levantados a presença de
uma ideologia voltada para a realização do Turismo Voluntário como forma de
apoio à preservação e readaptação das onças-pintadas ao ambiente natural,
mas com uma perspectiva mercadológica fragmentada e embutida no discurso,
com uma visão de aquisição de recursos para a continuidade da atividade.
Os animais que permanecem na ONG, aqueles que não possuem as
condições necessárias para serem soltos à natureza, acabam se tornando um
atrativo para os turistas, a fim de promover a realização das atividades
voluntárias e servir de divulgação para a Missão. Dessa forma, ao se
sensibilizarem com a causa, pagam a taxa de visitação e passam a realizar
doações financeiras a fim de contribuírem para a manutenção e continuidade
da prática, mesmo a ONG já receber recursos do próprio governo federal.
A representante do órgão justifica a medida, dizendo que a verba
recebida acaba não sendo suficiente, conforme observado no trecho seguinte:
“O NEX não tem nenhuma ajuda a mais, exceto do Ministério Público,
muito esporadicamente, através das TAC’s” (APÊNDICE I).
Ao se aprofundar na análise dos embasamentos feitos por Marx e
Engels a respeito do modo de produção capitalista, que objetiva a
transformação da relação social entre homens para uma relação social entre
coisas, transformação essa ocasionada pelo “trabalho”, identificou-se a
existência de um interesse material e a prioridade de um fator econômico na
prática da Missão VV Onça-pintada. Tal afirmação é embasada nas teorias de
Kosik (1976, p. 103) ao analisar os problemas atinentes à produção e à
distribuição dos bens materiais na sociedade capitalista.
92
O autor acima citado afirma que:
[...] nesta sociedade [capitalista] os homens estabelecerão determinadas relações de produção, e que também aqui a produção terá um caráter social. Desaparecerá o fetichismo da economia e o caráter retificado do trabalho, será eliminado o penoso trabalho físico, o que permitirá aos homens se ocuparem predominantemente em atividades não produtivas, isto é, não econômicas, mas a estrutura econômica como fundamento das relações sociais ainda conservará o seu primado (KOSIK, 1976, p. 103). .
Nesse sentido, o pesquisador associou as categorias analisadas nos
estudos de Marx e Engels e comparou com a estrutura da Missão VV Onça-
pintada, de forma esquemática, conforme ilustrado na figura a seguir.
Figura 14: Representação comparativa da Missão VV Onça-pintada.
Fonte: Elaborado pelo autor (2016).
O conceito apresentado pela Lei da Presidência da República de Nº
9.608, de 18 de fevereiro de 1998, considera o voluntariado como a “atividade
não remunerada, prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer
natureza, ou a instituição privada de fins não lucrativos, que tenha objetivos
cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência social,
93
inclusive mutualidade.” (BRASIL, 2015). Com esse embasamento, o trabalho
voluntário ofertado pela Missão VV Onça-pintada, pode ser associado às
abordagens realizadas por Marx e Engels quando estabelece a relação
“trabalho” e “capitalismo”. A associação da “atividade voluntária” com o
“trabalho não remunerado” é embasada pelo referencial teórico encontrado na
obra “Alienação e capitalismo” de Laymert Santos (1982), a qual o autor cita a
filosofia de Hegel, e apresenta que “o mundo dos homens é construído pelo
trabalho humano, que a realidade histórica é a obra coletiva dos próprios
homens, o fruto desse trabalho” (SANTOS, 1982, p.21) e ao citar Marx constata
que “o trabalho não produz mercadorias apenas; produz a si mesmo e produz o
operário enquanto ‘mercadoria’ e isso na medida em que produz mercadorias
em geral” (SANTOS, 1982, p. 35).
Kosik (1976) também auxilia na ampliação da análise quando destaca:
O trabalho é procedimento ou ação em que de certo modo se constitui a unidade do Homem e da natureza na base da sua recíproca transformação: o Homem se objetiva no trabalho, e o objeto, arrancado do contexto natural original, é modificado e elaborado. O Homem alcança no trabalho a objetivação, e o objeto é humanizado. Na humanização da natureza e na objetivação [realização] dos significados, o Homem constitui o mundo humano. O Homem vive no mundo [das próprias criações e significados], enquanto o animal é atado às condições naturais (KOSIK, 1976, p. 184).
O sistema capitalista vigente promove, nesse sentido, uma relação
mercadológica com tudo e todos os inseridos em seus processos e, da mesma
forma, aplica um “valor de troca” aos homens e à natureza. Logo, essa relação
deixa de ser “interação” e passa a ser uma “alienação”. Essa posição alienada
do indivíduo direciona o Homem a uma “sociedade de risco”, como já
referenciado no capítulo 1 desse trabalho. Ulrich Beck (2010) em seu trabalho
“Sociedade de risco: Rumo a uma outra modernidade”, afirma que o sistema de
produção hoje vigente, incentiva, cada vez mais, o Homem ao acúmulo e
consumo de bens supérfluos e descartáveis, promovendo uma superficialidade
às questões relacionadas ao ambiente natural e à natureza, que ainda são
tratados como metáforas, discursos políticos e não como temas científicos, que
podem e devem ser cientificamente estudados.
Nesse contexto, o trabalho voluntário faz da onça-pintada um atrativo
para os turistas que se voluntariam na prática da Missão VV Onça-pintada, o
94
que faz do animal um objeto humanizado – domesticado –, ou seja, ser tratado
como uma mercadoria a ser consumida. Dessa forma, observa-se que a
prioridade não é a readaptação da onça-pintada ao seu ambiente natural, mas
de mantê-la próxima ao Homem, a fim de gerar a oportunidade de se ofertar a
atividade como um produto para o mercado do turismo, o que reduz
simbolicamente o valor da onça-pintada para apenas um objeto a ser visto e
fotografado.
Observa-se esse posicionamento também na reportagem do sítio
eletrônico da Globo.com – G1 – “Sacrifício de onça exibida em passagem da
tocha olímpica por Manaus revela drama de espécie ameaçada14”, a qual o
animal selvagem, tratado como mascote do Batalhão do Exército, foi
acorrentado e exibido ao público como mascote durante a cerimonia de
passagem da tocha olímpica. Segundo a reportagem, o animal foi morto com
um tiro de pistola, após a cerimônia, ao se sentir acuado e avançar sobre um
dos soldados presentes no evento.
O Exército mantém várias onças em cativeiro na Amazônia. Os felinos ─ bem como animais de outras espécies ─ costumam ser adotados pelo órgão ao serem encontrados em cativeiro ou em poder de caçadores. Muitas onças, como Juma, se tornam mascotes dos batalhões e passam por sessões de treinamento. Em Manaus, os felinos são presença frequente em desfiles militares, prática condenada por biólogos e veterinários15 (ANEXO II, 2016).
Esse posicionamento levanta uma reflexão sobre a domesticação do
animal selvagem, no caso a onça-pintada. Na entrevista realizada com o
representante do órgão IBAMA (APÊNDICE III) sobre a prática do Turismo
Voluntário na ONG NEX, considerada um criadouro conservacionista de
categoria científica, para fins de pesquisa e readaptação de animais à
natureza, foi identificada a preocupação em se alterar o hábito do animal com a
constante presença humana, como pode ser observado no trecho em
destaque:
Particularmente, eu acredito também que o excesso da presença humana pode gerar uma domesticação do animal. Isso é ruim para os animais que já estão livres na natureza quanto para os que serão readaptados, como é o caso da ONG NEX, que propõe a
14 Disponível em <http://g1.globo.com/natureza/noticia/2016/06/ofimtragicodaoncajuma
exibidaempassagemdatochaesacrificadaaposfuga.html>. Acessado em 21 de junho de 2016. 15 Destaque em negrito feito pelo pesquisador para enfatizar o trecho de análise.
95
readaptação dos animais capturados. Você já deve ter ouvido falar do ataque de onças que ocorrem no Pantanal, não? As imagens são chocantes. Mas por que isso acontece? Há uma hipótese de que os organizadores que recebem turistas matam jacarés para colocar a carne na beira dos rios, atraindo as onças para mais próximo dos turistas. Isso é uma alimentação artificial do animal. As onças então acabam se acostumando com a presença humana e indo para os vilarejos em busca de comida. Será que o turismo então pode prejudicar? Não sei afirmar. É preciso muito estudo a respeito. Essa domesticação do animal pelo turismo pode ser prejudicial.16 (APÊNDICE III, 2016).
Conforme já observado no capítulo anterior, a onça-pintada é
considerada o maior carnívoro da América do Sul, o terceiro maior felino
vivente do mundo e que [apesar de sua importância biológica e também
cultural] encontra-se ameaçada pela degradação de seu hábitat e pela caça. A
legislação referente à proteção da espécie é bastante rigorosa conforme
identificado na entrevista com o responsável técnico do IBAMA (APÊNDICE III)
e exige uma mobilização da sociedade e de todas as esferas governamentais
em torno de sua conservação como símbolo do patrimônio natural brasileiro.
A legislação para essas espécies de animais é rigorosa e precisa ser mantida para beneficiar a preservação e só permite a visitação gratuita e monitorada, com fins de pesquisa. Sendo assim, eles [ONG NEX] só podem receber visitação pública com esse intuito: pesquisa e fins científicos. Caso eles desejem ampliar a visitação, eles podem mudar de categoria, ou seja, poderiam realizar a cobrança de ingresso e ser caracterizado como zoológicos. Eles desejam mudar de categoria? Essa mudança para zoológico, conforme artigo nº 10 da Lei Nº 7.173, de 14 de dezembro de 1983, exigirá a obrigatoriedade de assistência profissional permanente de, no mínimo, um médico-veterinário e um biologista, o que encareceria os custos ainda mais para o estabelecimento. Manter um veterinário e um biólogo durante 40 horas semanais, na maior parte do tempo sem atividade, para atender a exigência da legislação ficaria muito custoso. E acredito não ser esse o objetivo da ONG. (APÊNDICE III, 2016).
Com a preocupação de continuar a reflexão sobre a relação sociedade-
natureza, do ponto de vista da prática da Missão VV Onça-pintada na ONG
NEX, prioridade desse capítulo, buscou-se também um posicionamento sobre a
localização dos municípios limítrofes ao redor da estrutura física da ONG.
Sabe-se que o objetivo fim da ONG NEX é a readaptação do animal à
natureza. Dessa forma, tornou-se interessante o levantamento da distância
linear da ONG com as cidades e distritos mais próximos, o que possibilitou ao
16 Destaque em negrito feito pelo pesquisador para enfatizar o trecho de análise.
96
pesquisador uma reflexão sobre o quão distante da sociedade está a onça-
pintada que, em alguns casos, já teria sido readaptada à natureza.
Segundo as informações obtidas pelo sistema Google Earth, pode-se
observar que os animais soltos não estão tão distantes assim do Homem.
Quadro 8: Distância linear da localização da ONG NEX para com os municípios limítrofes.
MUNICÍPIOS LIMÍTROFES DISTÂNCIA LINEAR
Águas Lindas de Goiás / GO 23 km
Alexânia / GO 25 km
Santo Antônio do Descoberto / GO 25 km
Cocalzinho de Goiás / GO 32 km
Corumbá de Goiás / GO 36 km
Ceilândia / DF 39 km
Pirenópolis / GO 51 km Fonte: Google Earth (2016).
Ao representar esses dados em imagem, tem-se a figura a seguir:
Figura 15: Posicionamento da ONG NEX na região.
Fonte: Google Earth, 2016.
Essa aproximação do animal às cidades do entorno pode fazer com
que o animal volte a se aproximar do Homem, colocando em risco sua própria
97
segurança e liberdade novamente, o que faz do processo um ciclo de riscos
para o próprio animal quando não readaptado de forma segura.
Identifica-se, nesse caso, a necessidade de uma análise futura, que
não está incluída no escopo dessa pesquisa, em relação à readaptação da
onça-pintada à natureza. Pesquisar se realmente é eficaz e benéfica para o
animal a forma como ele é readaptado e solto novamente à natureza. Como se
observa nos dois trechos dos discursos, a seguir apresentados:
Acredito que qualquer trabalho com animais silvestres deve ser cuidadosamente desenvolvido para não prejudicar a ambientação do animal no seu habitat natural, mas acho também que, em áreas urbanas, trabalhos assim sejam importantes devido à proximidade com a cidade. O que eu acho que seria interessante, e não sei se é feito ou não, é a conscientização da população quanto à existência de animais silvestres nas redondezas [como agir quando se deparar com um, para quem ligar etc.] (APÊNDICE VII, 2016). Acredito que só a preservação em cativeiro é um trabalho "restrito" no sentido da preservação, pois manter os habitats naturais da onça numa grande reserva, tipo os grandes parques onde acontecem os safaris da África do Sul, seria a melhor opção para realmente preservar o animal17 (APÊNDICE VIII, 2016).
Diante do suposto, tais informações apresentadas nesse capítulo
reforçam o posicionamento atual da forma como se é planejado e praticado o
Turismo Voluntário, tratado com uma marcante significação mercadológica, a
qual modifica o valor de uso e de troca dos elementos agregados à sua prática,
nesse contexto, a natureza natural.
Por uma abordagem dialética histórico-materialista, identifica-se o
processo com a frase: “preserva-se hoje para um uso comercial no futuro”. Indo
ao encontro das abordagens realizadas por Costa et al.(2015) e Almeida
(2008), já citados anteriormente. O turismo é um redefinidor de valores e
significados da paisagem natural, seguindo os interesses mercadológicos e
financeiros que envolvem a prática turística. Entretanto, sendo o turismo um
fenômeno complexo, que envolve outros fenômenos [como sociais, culturais e
econômicos] da sociedade contemporânea, transformar a onça-pintada em um
produto capitalista do patrimônio natural, um atrativo turístico a ser consumido
pelos turistas, é uma contradição que promove a refuncionalização do
17 Destaque em negrito feito pelo pesquisador para enfatizar o trecho de análise.
98
patrimônio natural na prática turística, por meio de uma ideologia embutida, que
envolve o Turismo Voluntário, com fins filantrópicos e preservacionistas.
Tal questão pode ser embasada por meio da teorização de David
Harvey (2004, p. 271) ao tratar da “capacidade do Homem de transformar o
mundo por meio do trabalho e dessa forma, transformar a si mesmo”.
A relação dialética e metabólica que temos com a natureza e, por meio dela, com uma natureza distintivamente humana (com suas qualidades e seus significados especiais) tem, por conseguinte, de estar na base daquilo que nós, na qualidade de arquitetos de nosso futuro e de nosso destino, podemos e queremos realizar (HARVEY, 2004, p. 271).
Conceber o Homem como arquiteto de seu próprio destino é adotar
uma postura responsável de agente no curso de suas práticas cotidianas e, por
meio delas, efetivamente preservar, construir e reconstruir seu modo de vida.
A postura do turista voluntário, nesse sentido, tem uma relevância a ser
analisada e debatida no processo dialético e prático do Turismo Voluntário, o
qual, ao mesmo tempo em que pretende uma retomada da natureza,
objetivando uma preservação, comercializa a onça-pintada como atrativo
turístico, como observados pelos capítulos anteriores e os referenciais teóricos
apresentados nessa dissertação. O capítulo 3 a seguir, propõe uma analise da
possível construção de uma Ética do Cuidado, partindo, assim, das atitudes do
próprio turista.
Nesse contexto, conclui-se esse capítulo, reafirmando que as
informações aqui abordadas, representam não uma crítica à ONG NEX ou à
Agência Volunteer Vacations e suas atividades, mas à forma como o turismo é
idealizado e praticado em sua totalidade nos dias atuais. Idealização essa que
permite identificar uma antítese da sistematização teórica da prática da Missão
VV Onça-pintada, a qual pode ser denominada como o oposto da
“romantização das representações comuns”, conforme as abordagens de Kosik
(1976, p.16), ou seja, de uma prática invertida do conceito teórico apresentado
sobre o Turismo Voluntário na preservação do patrimônio natural.
99
3 A CONSTRUÇÃO DA ÉTICA DO CUIDADO NA RELAÇÃO SOCIEDADE-NATUREZA
“Minha presença no mundo não é a de quem a ele se adapta, mas a de quem nele se insere.
É a posição de quem luta para não ser apenas objeto, mas sujeito também da História.”
(FREIRE, 1996, p. 54)
No capítulo anterior, buscou-se identificar a pseudoconcreticidade
embutida na prática da Missão VV Onça-pintada, a qual possibilitou a reflexão
de alguns pontos importantes sobre a prática do Turismo Voluntário. Após essa
análise prática da Missão, o presente capítulo tem como objetivo identificar se
há uma possibilidade de construção da Ética do Cuidado pelo Turismo
Voluntário, tendo como prioridade a participação do turista voluntário na
preservação do patrimônio natural e a perspectiva da relação sociedade-
natureza, pelo estudo de caso da Missão VV Onça-pintada.
3.1 O TURISTA VOLUNTÁRIO COMO ATOR SOCIAL QUE PROMOVE MUDANÇAS
O sujeito, identificado como responsável por suas próprias escolhas,
atuante socialmente nas relações em sociedade, capaz de adotar uma postura
responsável em resposta às suas ações e práticas em atividades semelhantes
às do voluntariado, é caracterizado por Karel Kosik (1976, p.9) como um ser
que age objetiva e praticamente na sociedade. Este posicionamento social
caracteriza-o como um “indivíduo histórico que exerce a sua atividade prática
no trato com a natureza e com os outros homens, tendo em vista a consecução
dos próprios fins e interesses, dentro de um determinado conjunto de relações
sociais”.
O autor ainda aborda que a realidade dos fatos, não se apresenta aos
homens à primeira vista, ou seja, de forma imediata, sob o aspecto de um
objeto que cumpre intuir, analisar e compreender-se teoricamente, mas que
exige um esforço, um détour (desvio, curvas), para sua compreensão,
revelando assim, a realidade, por uma forma correlativa, não linear (KOSIK,
1976, p. 9).
100
Dessa forma, caracteriza-se o turista voluntário como parte integrante e
importante do processo de se “fazer-turismo”, torna-se sujeito responsável por
reinventar novas relações “mais benevolentes e sinergéticas com a natureza e
de maior colaboração entre os vários povos, culturas e religiões”, conforme
interpretação feita de Leonardo Boff (2003, p. 150), por meio do cuidado, da
solidariedade, da compaixão e da responsabilidade social e ecológica, quando
em viagem. A fim de identificar as responsabilidades do sujeito que viaja, Jost
Krippendorf (2009) em sua obra “Sociologia do Turismo”, propõe a
humanização do turismo e aponta novas possibilidades de lazer e viagens
turísticas com foco no próprio turista. O autor apresenta que os turistas buscam
viajar por meio de “férias longe do eu” ao invés de tirarem “férias em direção do
eu” (KRIPPENDORF, 2009, p. 181). Afirma ainda que “somos nós mesmos –
pela nossa própria conduta, nossa própria maneira de abordar as coisas – que
determinamos se ganhamos ou perdemos algo [durante as viagens], se as
construímos ou as destruímos” (KRIPPENDORF, 2009, p. 180).
Leonardo Boff (2007), ao analisar as questões relacionadas com o
“cuidar”, aponta que “o ser humano é um ser de cuidado, mais ainda, sua
essência se encontra no cuidado. Colocar cuidado em tudo o que se projeta e
faz, eis a característica singular do ser humano” (BOFF, 2007, p. 35). Para o
autor, cuidar é mais que um ato, é uma atitude que acompanha o ser humano
enquanto se peregrina pelo tempo. “O cuidado é o caminho histórico-utópico da
síntese possível à nossa finitude” (BOFF, 2007, p. 83). Dessa forma, o
indivíduo que viaja, tem a responsabilidade de executar aquilo que lhe
compete, observar e direcionar seu comportamento e atitudes para o sucesso
da viagem, priorizar a valorização e o cuidado dos espaços, da diversidade
biológica, do patrimônio histórico cultural e dos indivíduos que interagem com
ele durante o percurso.
Paulo Freire (1996, p. 77) também amplia a análise sobre a ação do
indivíduo no mundo quando retrata a capacidade do ser de intervir na
realidade, tarefa incomparavelmente mais complexa e geradora de novos
saberes do que simplesmente a de se adaptar a ela. O filósofo ainda
complementa que “ninguém pode estar no mundo, com o mundo e com os
outros de forma neutra”. Ao reconhecer a capacidade de cada sujeito de
observar, de comparar, de avaliar, de escolher, de decidir, de intervir, de optar,
101
torna-os seres éticos com a probabilidade de intervenção no mundo (FREIRE,
1996, p. 77).
Nesse intuito, a responsabilidade do turista durante a viagem resgata,
por exemplo, a tese de Immanuel Kant (2007), sobre a ética na prática que se
baseia na liberdade e na autonomia do sujeito. Segundo Kant, a
responsabilidade do que se deve ser feito surge por meio da moral,
relacionando o dever, que compete a cada um, com a imposição de agir
somente por respeito à lei. “Toda a gente tem de confessar que uma lei que
tenha de valer moralmente, isto é, como fundamento de uma obrigação, tem de
ter em si uma necessidade absoluta” (KANT, 2007, p. 15). Tal premissa reforça
a responsabilidade do turista, ao planejar sua viagem, de observar
necessidades absolutas e ações a fim de executar aquilo que lhe compete
como dever e priorizar a ética, sem prejudicar moralmente os que, com ele, irão
se relacionar no decorrer da viagem de modo a respeitar as tradições, crenças,
os espaços e os patrimônios visitados.
Com esse posicionamento ético do turista responsável e cuidador,
Krippendorf (2009) apresenta alguns passos relacionados a essa postura:
[...] aceitar a nossa condição de turista. Essa exigência é indispensável a uma atitude mais consciente durante as viagens. Mesmo que nos defendamos, mesmo que fujamos dos outros turistas, mesmo que queiramos nos disfarçar para não parecer turistas e mesmo que pensemos ser mais autóctones que turistas... somos e permaneceremos turistas – e a priori, não somos melhores, como tais, do que os outros. Se chegarmos a essa tomada de consciência e acabarmos por nos considerar como turistas, chegaremos ao ponto de partida para um comportamento mais aberto, mais tolerante, mais modesto e mais sociável durante a viagem (KRIPPENDORF, 2009, p. 157).
Esse posicionamento de aceitação do indivíduo que viaja na condição
de “turista” tem como referência uma postura de humildade e simplicidade
perante a ação de relacionar-se com o próximo. Tais características identificam
o “turista responsável” e, de acordo com Krippendorf (2009), tornam-no um
consumidor crítico quando:
(...) demonstra uma atitude crítica não apenas no que se refere à vida cotidiana, mas também quanto à escolha da viagem. Ele se mostra crítico tanto em relação às diversas ofertas quanto em relação a si mesmo. Ele estuda, compara e vai ao âmago das coisas antes de fazer a escolha. Tenta ver além das promessas mirabolantes. Escolhe a região para onde vai com todo conhecimento de causa. Rebela-se contra a prática do mercantilismo turístico, em que os
102
preços são mais importantes que o país receptor. Medita sobre as consequências que suas compras e seu comportamento poderiam causar e pergunta-se a quem beneficia e a quem prejudica a viagem. Não se deixa, necessariamente, seduzir pelo preço mais baixo, não procura pagar ainda menos em todas as ocasiões e pechinchar ainda mais, pois sabe que esses preços favoráveis só são obtidos pela exploração de outras pessoas. (...) escolhe de propósito formas de viagem que respeitem as populações e as culturas dos países visitados tanto quanto possível e lhes propiciem um lucro mais elevado. Consagra sistematicamente o dinheiro à compra de produtos e serviços dos quais conhece a origem e sabe que as receitas serão creditadas, isto é, sustentarão, antes de tudo, a população local. Age de acordo com esses princípios o tempo todo, quando escolhe o alojamento e o restaurante, o meio de transporte, quando participa de manifestações locais e quando compra suvenires. Ele fica o maior tempo possível em cada lugar visitado, para poder realmente aprender alguma coisa (KRIPPENDORF, 2009, p. 184).
Além disso, Krippendorf (2009) aponta que: “um turista responsável
rebela-se contra o mercantilismo irrefletido e o nivelamento, praticados pela
maioria dos métodos do turismo. A essa enorme maquinaria montada, ele opõe
a própria atitude, visando não à exploração, mas à ação responsável”
(KRIPPENDORF, 2009, p. 185). É bem dizer que a atuação responsável e ética
do turista em viagem impetra a este o retorno à sua essência, como elemento
integrante de um todo universal – que também inclui o espaço visitado –
realizando, dessa forma, as viagens em direção ao “eu” interior. Torna-se,
então, necessário, buscar a promoção e ampliação de práticas de atitudes
responsáveis, que envolvam o “cuidado” para com a convivência em
sociedade, com a proteção da Terra e dos seres que nela habitam, e com a
valorização do turismo como um fenômeno interdisciplinar e transversal,
tratado simultaneamente de forma econômica, cultural, social e ambiental.
3.2 A RELAÇÃO SOCIEDADE-NATUREZA PELO TURISMO VOLUNTÁRIO NA MISSÃO VV ONÇA-PINTADA
Sendo o turismo uma prática transdisciplinar, “que nasce no espírito do
filósofo e na luta do sujeito pela liberdade” segundo Moesch (2004, p. 399),
buscou-se, na complexidade existente entre a relação teoria e prática,
compreender como o turista voluntário se relaciona com a natureza durante a
prática da Missão VV Onça-pintada.
Ao resgatar os conceitos já abordados no capítulo 1, item 1.3,
identificou-se o atual posicionamento da relação sociedade-natureza por meio
103
dos embasamentos de Everaldo Costa (2010), Milton Santos (2009), Edgar
Morin (2005) e Diegues (2000) os quais indicam que as teorias sociais do
século XIX e também as modificações do século XX apontam para uma
transformação da natureza em algo explorado e transformado em produto, a
ser consumido. Tal posicionamento não leva em consideração as questões
práticas da preservação ou proteção, que são identificadas por Maria Adélia
Souza (2009) como um discurso político falacioso nos dias de hoje, mas sim, a
questão da manutenção da dinâmica econômica e política do capital. Com isso,
o Homem perde sua identidade individual e se permite seguir padrões
comportamentais impostos pelo sistema produtivo.
Ao interpretar o posicionamento do turista voluntário em relação à
onça-pintada, conforme o quadro interpretativo da análise do conteúdo
referente à categoria “Relação e Interação Sociedade-Natureza” (Quadro 7), foi
identificado, junto aos entrevistados, uma evidente preocupação a respeito da
preservação do patrimônio natural, mas ao mesmo tempo, mostrou-se uma
postura contrária enquanto prática.
Nesse sentido, Roisín McDonough (1983, p.49) ao interpretar os
pensamentos de Lukács sobre a essência do Marxismo científico apresenta
que “os homens fazem a história, mas com uma falsa consciência, e para
compreender a história temos que compreender a falsa consciência”. Para
essa compreensão, o autor apresenta dois passos: o primeiro, identificar a
racionalidade e validade subjetiva para os atores envolvidos; e o segundo,
observar como ela é produzida e como se relaciona com a sociedade em que
ocorre.
Assim, a racionalidade e validade subjetiva para os atores envolvidos
na prática da Missão VV Onça-pintada estão relacionadas à busca do
conhecimento de preservação, por meio da experiência, conforme identificado
nos trechos do discurso em destaque.
Com toda certa contribui, pois a partir do momento que percebemos a importância da preservação, não nos contentamos mais em ficar imparciais diante da realidade de hoje. E voltamos para casa querendo mudar o mundo e passamos a preservar mais a natureza ao nosso redor. Disseminamos todas as informações aprendidas aos nossos vizinhos e familiares. Não vejo nenhuma desvantagem, a experiência nos desenvolve valores e faz com que sejamos pessoas melhores. [...]
104
Além de o local ser lindo e amar os animais, queria ter a experiência de atuar em prol de uma causa especial. [...] Conhecer a cultura do local, aprender o comportamento dos animais, repensar minhas escolhas e estilo de vida, desenvolver valores como generosidade. Realizar algo novo e ter total contato com a natureza18 (APÊNDICE IV, 2016).
A turista acredita que ao participar da Missão, já está contribuindo para
a preservação da onça-pintada, pois retornam da atividade “querendo mudar o
mundo”, não mais “imparciais diante da realidade de hoje”. Entretanto, ao
observar os registros fotográficos realizados pelos próprios turistas voluntários
durante a prática, observou-se uma postura diferenciada, ou seja, não
compatível com a teorização sobre a preservação, como pode ser observado
nas duas imagens a seguir. A prática realizada durante a Missão não condiz
com a teoria que todos os entrevistados apresentaram já ter (APÊNDICES).
Na primeira imagem, encontrada no sítio eletrônico de divulgação da
Missão VV Onça-pintada, observa-se que: é colocado um pé na grade de
proteção do espaço onde a onça é tratada.
Figura 16: Imagem de divulgação da Missão VV Onça-pintada no endereço eletrônico da
Agência Volunteer Vacations.
Fonte: Disponível em: http://volunteervacations.com.br/destinos/brasil/ (2016).
A segunda imagem, encontrada na mídia social da própria Agência
Volunteer Vacations no Facebook, a turista voluntária aponta uma mangueira
18 Destaque em negrito feito pelo pesquisador para enfatizar o trecho de análise.
105
azul jorrando água para dentro da grade onde a onça recebe os cuidados. A
mangueira chega a tocar o animal, e se a turista forçar um pouco mais a
mangueira para dentro da grade, a impressão é de que poderá ferir a onça.
Figura 17: Imagem de divulgação da Missão VV Onça-pintada no Facebook.
Fonte: Disponível em: http://www.facebook.com/volunteervacations/photos/ (2016).
Ao se deparar com tais imagens, surge o questionamento sobre o tipo
de preservação que vem sendo incentivada pela Missão e se essa prática
realmente respeita e protege o animal. Por meio das análises de conteúdo já
apresentadas nos quadros 5 a 7, comprovou-se também um domínio do
Homem sobre a natureza, o qual prevalece em sua prática, ou seja, a onça-
pintada ainda é tratada como uma concepção cartesiana que a define como um
simples “objeto” a ser visitado, com os olhos do sistema manufatureiro,
camuflado pelo Turismo Voluntário, apontado dialeticamente nos itens
anteriores.
Dessa forma, compreende-se que a prática da Missão VV Onça-pintada,
da forma como estava sendo realizada, não promovia uma transformação da
situação objetiva pelo turista voluntário. A teoria permanecia distinta da prática,
por meio de uma “falsa consciência preservacionista”. O turista voluntário
então, retornava para o seu destino de origem com uma “falsa consciência” de
ter contribuído para a preservação da onça-pintada, postura essa presente, em
106
sua maioria, nas atuais práticas de preservação ofertadas pelo mercado
turístico. Assim, a Missão VV Onça-pintada, com todo o seu contexto social de
voluntariado na preservação do patrimônio natural, ainda não promovia um
“religar” do Homem à natureza. Não promovia um retorno da ideia do Homem
como parte integrante da natureza, conforme abordado pelo capítulo 1, item
1.3.1, desse trabalho.
Contrapondo tal posicionamento, conforme os embasamentos de
Mészáros (2009, p. 20), a modificação do modo de pensar a respeito do
“domínio do Homem sobre a natureza”, tem por consequência uma “mudança
na forma de produção e domínio prático da natureza pelo Homem”, conforme o
trecho em destaque retirado das argumentações de Marx, no Discurso do
método:
É possível [aplicando o método que introduziu na filosofia] atingir conhecimentos muito úteis à vida e chegar a uma filosofia prática que substituirá aquela filosofia especulativa aprendida nas escolas [modelo cartesiano]. Através dessa filosofia prática, que nos leve a conhecer a força e os efeitos do fogo, da água, do ar, dos astros e de todos os demais corpos que nos cercam, de maneira tão clara quanto conhecemos os diversos ofícios de nossos artesãos, nós poderíamos utilizá-los com a mesma eficiência e para todos os fins a que são adequados e assim nos tornar senhores e possuidores da natureza e contribuir para aperfeiçoar a vida humana (MÉSZÁROS, 2009, p. 20).
Mészáros (2009) ainda relaciona sua análise com a forma como a
humanidade poderia alcançar o domínio consciente das condições materiais e
humanas da reprodução social, ou melhor, “o domínio dos homens sobre si
mesmos”, suas condições sociais de existência e sobre o intercambio humano,
que, conforme o autor (MÉSZÁROS, 2009, p. 20), “inegavelmente afeta, frustra
e, em última análise, chega a anular também a realização da tarefa mais
limitada de domínio do Homem sobre a natureza”, o que equivale apenas a
obedecer cegamente aos imperativos do valor de troca.
O autor também apresenta que as práticas produtivas vigentes,
identificadas como dominantes, estão ligadas indissoluvelmente às práticas das
ciências naturais sob o domínio da lógica do capital, dos interesses do valor de
troca e da ideologia que permeia o “avanço social” em suas propostas. Tais
pontos de vista têm como base de interesse, relacionados diretamente à
economia política, conforme os embasamentos do autor, a expansão produtiva,
107
por meio da ciência e da conformidade ideológica desse avanço social
(MÉSZÁROS, 2009, p. 25).
Uma das principais características que define esse modo de produção
aqui analisado, o qual autentica diretamente o plano da consciência social, é a
tendência geral ao “formalismo abstrato do horizonte global” imposta pela
prática, conforme definido por Mészáros (2009, p. 27-28). Para o autor, os
interesses ideológicos que dão base a essa tendência universalista estão
direcionados à transformação abstrata / redutora das relações humanas
hierarquizadas e protegidas pelo sistema produtivo e distributivo capitalista; à
articulação consistente e difusora de “igualdades” ou “equiparações”,
requeridas para o funcionamento prático do mecanismo produtivo e distributivo
do capital; além da eliminação da dimensão histórica da vida socioeconômica
do campo de visão, graças a metamorfoses das categorias resultantes das
práticas abstratas / redutoras.
O formalismo, também observado na prática da Missão, tem como
função uma efetiva mudança conceitual, que visa transferir os problemas e as
contradições da vida real, transpostos do plano social para a esfera legislativa
da razão, para formas universais válidas ou conflitos opostos de maneira
formalista (MÉSZÁROS, 2009, p. 28).
Por meio dessa interpretação, pode-se concluir que o termo “Turismo
Voluntário”, identificado nesse estudo de caso, surgiu como uma “mudança
conceitual” de Turismo, a fim de atender a uma ideologia pautada na
beneficência, mas com uma intrínseca personificação do capital, atendendo
interesses ainda apenas mercadológicos.
3.2.1 A formação social de consciência do turista voluntário
Ao se buscar compreender as razões pelas quais a Missão VV Onça-
pintada não promovia uma “mudança preservacionista” junto ao turista
voluntário que a praticava, foi necessário ampliar os conhecimentos a respeito
da formação social da consciência do ser humano.
Conforme as abordagens de Divaldo Franco (2013, p. 32) adquirir
consciência, em um sentido mais profundo, é: “despertar para o
equacionamento das próprias incógnitas, com o consequente compreender das
108
responsabilidades que a si mesmo dizem respeito”. Para o autor, o ser
consciente é um indivíduo livre e realizador do bem operante, que tem por meta
a própria plenitude por meio da plenificação da Humanidade (FRANCO, 2013,
p. 32). Não consciente das respostas da vida, o ser obedece aos
“automatismos”, por permanecer adormecidos em relação aos seus deveres, o
que o torna instrumento de sofrimento para si mesmo, como para outros, no
caso, a própria onça-pintada. Para tal, exige-se uma aquisição do
conhecimento de si, o aprofundamento da busca da sua realidade,
desvendando os complicados mecanismos viciosos que o impedem à marcha
do progresso. A noção de consciência, nesse sentido, está associada à
responsabilidade.
Nas observações de Lukács, conforme os embasamentos teóricos de
McDonough (1983, p. 49), pode-se observar uma abordagem sobre a
“consciência”, não como uma consequência empírica de indivíduos ou de uma
classe como um todo, mas sim, fazendo um ensaio teórico da consciência de
classe tratada por Hegel e Marx, com foco no que a mesma pode se tornar.
Conforme o autor, “nada acontece na história sem um propósito consciente ou
um objetivo intencional, porque não existe nenhuma força oculta estranha aos
homens”, e complementa, “a compreensão da história tem que ir além da
consciência dada dos atores que participam do processo” (MCDONOUGH,
1983, p. 49). A partir do instante que a concepção de mundo não é crítica, o
indivíduo torna-se manipulado, ou como o próprio autor denomina: “homens-
massa”. A filosofia, o saber, deve ser a superação das paixões bestiais e
elementares por uma concepção de necessidade que forneça à própria ação
uma direção consciente. Assim, entende-se que consciência, não é mais do
que o resultado da relação social existente entre classes, onde as classes
subalternas participam de uma visão de mundo que é imposta pelas classes
dominantes.
Alberto H. Hitomi (1996), em seus estudos a respeito das formas
sociais de consciência, por meio dos embasamentos teóricos de Antonio
Gramsci, mostrou como se estabelece uma unidade histórica, filosófica e
política das formas sociais de consciência, do próprio Homem e da sociedade
por meio do conceito de “bloco histórico”, além de observar: de que modo o
109
processo de tomada de consciência pode ser entendido como um momento do
processo de constituição ontológica.
Assim, Hitomi (1996, p. 34) afirmou que o Homem tem dois tipos de
consciência, uma “implícita na ação” [que o une a outros homens na
transformação prática da realidade]; e outra “verbal ou explícita” [que herda do
passado, acolhe sem crítica, além de liga-lo a um grupo social determinado e
influi-lo sobre sua conduta moral]. Nesse sentido, o autor afirma existir uma
dialética em cada indivíduo, ou seja, um contraste entre o pensar (firmada em
palavras) e o agir (que se manifesta na ação efetiva). Tais apontamentos vão
ao encontro com a análise realizada nesta pesquisa, no item 3.2, em reação à
postura do turista voluntário na prática da Missão VV Onça-pintada.
Ainda tratando desse contexto, os estudos de Gramsci indicam a
existência de uma “filosofia espontânea peculiar a todo mundo”, contida na
linguagem, no senso comum, no bom senso, na religião popular e no folclore,
ou seja, modos de pensar que estruturam a concepção de mundo do indivíduo.
Tais formas sociais de consciência são caracterizadas por Hitomi (1996, p. 36-
46), conforme quadro a seguir.
Quadro 9: Formas Sociais de Consciência.
FORMAS SOCIAIS DE CONSCIÊNCIA
DEFINIÇÃO
Folclore
Entendido como concepção de mundo e de vida, é a concepção não elaborada e não sistemática de um povo. É reflexo das condições da vida cultural. Também definido por Gramsci como “aglomerado indigesto de fragmentos de todas as concepções de mundo e de vida que se sucederam na história”.
Senso Comum
Definido por Gramsci como “o folclore da filosofia”, o qual se apresenta em inumeráveis formas. É uma concepção “desagregada, incoerente, inconsequente, adequada à posição social e cultural das multidões, das quais ele é a filosofia”. Cada camada social tem seu próprio senso comum e seu bom senso, que são, no fundo, a concepção de vida e do Homem mais difundida.
Bom Senso Definido como uma concepção de mundo com uma ética adequada à sua estrutura. É o núcleo sadio do senso comum.
Religião
Representa a unidade de fé (estímulo à ação) entre uma concepção de mundo e uma norma de conduta adequada a ela. O autor ainda apresenta que a religião foi e continua a ser uma ‘necessidade’, uma forma determinada de racionalidade do mundo e da vida, fornecendo os quadros gerais para a atividade prática real. Consciência social organizada e hierarquizada pelas igrejas.
Ideologia
Baseado em Gramsci, do ponto de vista gnoseológico, ideologia é o terreno no qual os homens adquirem consciência dos conflitos fundamentais oriundos das relações sociais, do mundo econômico e da posição social, por exemplo. Em sentido geral, é toda concepção
110
FORMAS SOCIAIS DE CONSCIÊNCIA
DEFINIÇÃO
Ideologia (cont.)
particular dos grupos internos da classe que se propõem a resolver problemas imediatos e restritos. Uma concepção de mundo que produz uma atividade prática e uma vontade.
Filosofia
Concepção de mundo que representa a vida intelectual e moral de todo um grupo social, segundo seus interesses atuais e imediatos, mas também futuros e mediatos. Entendida também como uma unidade da atividade teórica e prática dos homens. Através da concepção de mundo, o indivíduo se vincula a um determinado grupo social, representa um modo de compartilhar, de uma mesma maneira de pensar e agir. Se expressa tanto na ação quanto no discurso, e podem estar em contradição. Somente a crítica da própria concepção de mundo permite coerência e unidade, consciência daquilo que se é.
Fonte: Hitomi (1996, p. 36-46), adaptado pelo autor (2016).
Tais formas sociais de consciência, descritas no quadro 9, constituem
uma teoria do conhecimento, segundo Hitomi (1996, p. 47-48), por
descreverem o modo como a consciência social atinge um conhecimento do
real, a princípio no campo da ética, depois no da política. Tais elementos foram
considerados essenciais para auxiliar na compreensão do estudo proposto e na
avaliação de uma possível construção da Ética do Cuidado, um dos objetivos
dessa pesquisa, haja vista a motivação dos turistas voluntários para realizarem
a prática da Missão VV Onça-pintada estar pautada em uma ideologia
preservacionista, como já identificado.
Cornelius Castoriadis (in PENA-VEGA; ALMEIDA [Org.], 1999) em
suas análises sobre a obra de Edgar Morin, ao posicionar o indivíduo como
construtor de seu próprio “mundo”, como um ser complexo e organizável que o
é, aponta que, o mesmo, tem a capacidade de construir, selecionar, classificar,
estabelecer propriedades e criar relações com as informações ao seu redor. O
autor (1999, p.67) ainda afirma que esse “mundo” construído é uma criação
absoluta e acarreta o aparecimento de entidades novas e tipos de relações e
leis novas. Com todo esse conjunto de elementos expostos, ele faz surgir
imagens, quer sejam como representações do mundo real ou a sua totalidade.
Essas imagens são formadas pelas formas sociais de consciência aqui já
apresentadas. Tais imagens se remetem à abordagem já realizada no item 1.3
- referente ao patrimônio natural e à valoração da natureza natural.
111
Nesse contexto, identificaram-se nos quadros da análise de discurso
(quadros 5 a 7) alguns trechos apresentados pelos turistas e responsáveis
técnicos das instituições em questão, que traduzem um “senso comum” ou uma
“ideologia”, voltados à preservação, a partir das entrevistas realizadas no
decorrer da pesquisa, conforme quadro a seguir.
Quadro 10: Senso Comum/Ideologia identificado na Analise de Discurso.
MISSÃO VV ONÇA-PINTADA
ONÇA-PINTADA TURISTA VOLUNTÁRIO
“(...) turismo como uma atividade potencialmente poluidora e utilizadora de
recursos ambientais” (IBAMA) ...
“(...) impactos da Instrução Normativa tomada sem o
devido estudo” (VV) ...
“O objetivo da NEX não é exclusivamente a visitação”
(VV) ...
“Nunca permitimos que receber pessoas virassem nossa prioridade” (NEX)
... “Podemos fazer
enriquecimento ambiental” (NEX)
... “Educar e conscientizar toda
a sociedade” (VV) ...
“Objetivo das visitas: educação ambiental e
render um dinheiro extra” (NEX)
“Transformar as onças em embaixadoras da própria
causa” (NEX) ...
“(...) quebrar a rotina do animal com brincadeiras”
(NEX) ...
“(...) reeduca-los para a vida selvagem” (VV)
... “As onças (...) se tornam
dependentes dos cuidadores” (G1)
... “(...) onças como mascote” “Os felinos são presença
frequente em desfiles militares” (G1)
...
“(...) tem um valor maior, já que a onça está em extinção, como muitos outros animais” (TNV1)
“Os voluntários se tornam vetores de
conscientização, passar adiante todo conhecimento
adquirido” (VV) ...
“Aprender o comportamento dos
animais, repensar minhas escolhas e estilo de vida,
desenvolver valores como generosidade” (TV1)
... “(...) ter experiência de atuar em prol de uma causa especial” (TV1)
... “(...) desenvolve valores
faz com que sejamos pessoas melhores” (TV1)
... “(...) conscientização da
população quanto à existência de animais
silvestres nas redondezas” (TV1)
Fonte: Elaborado pelo autor (2016).
Também merece destaque como forma social de consciência, não
identificado pela análise de discurso, a importância cultural que recai sobre a
onça-pintada em todo o território brasileiro, por meio do folclore nacional.
Em busca de uma análise dialética sobre o discurso apresentado,
foram identificados trechos que rebatem os discursos referentes ao “senso
112
comum” ou a “ideologia”, conforme o quadro a seguir, a fim de uma melhor
compreensão das questões relacionadas à relação sociedade-natureza.
Quadro 11: Questões que rebatem o Senso Comum/Ideologia identificado na Analise de
Discurso.
MISSÃO VV ONÇA-PINTADA
ONÇA-PINTADA TURISTA VOLUNTÁRIO
Turismo como fenômeno social, econômico e também ambiental. (Referencial teórico)
... “Alteram o comportamento
dos animais” (IBAMA) ...
“A atividade deve proporcionar algum
aprendizado, oferecer uma experiência singular (contato com a natureza, contato com
diferentes culturas e costumes, experimentação de diferentes estilos de vida...) e
ser realmente útil para a realidade em questão” (TNV2)
... “Só a preservação em
cativeiro é um trabalho restrito no sentido da preservação” (TNV4)
“Excesso da presença humana pode gerar uma
domesticação do animal” (IBAMA)
... “Tratar as onças como
animais domesticáveis” (G1)
... “Mudança de hábitos da
espécie” (IBAMA) ...
“Não é saldável nem recomendável submeter
um animal a uma situação como essas, com barulho
e muitas pessoas em volta” (G1)
... “Ameaçada pelo
desmatamento (...) para abrir espaço para a
expansão da atividade agropecuária” (G1)
... “situação cada vez mais precária para a espécie, listada como ameaçada
no Brasil pelo Ibama em 2003. É um animal que exige extensas áreas
preservadas para sobreviver caçando
espécies como capivaras e jacarés” (G1)
A prática ainda não está compatível com o discurso
apresentado.
Fonte: Elaborado pelo autor (2016).
Identifica-se, dessa forma, que a concepção de mundo de cada
indivíduo, apresentada pela pesquisa como formas sociais de consciência,
influencia na prática do Turismo Voluntário, por ter embutido o reflexo da ética
[contida no “bom senso”]; do estímulo à ação [contida na “religião”, que revela
certa culpa cristã]; além de uma produção prática gerada pela vontade
113
[intrínseca na ideologia preservacionista que envolve a Missão VV Onça-
pintada]. A Missão VV Onça-pintada é observada como uma forma de
retomada à natureza natural, um “religar” do Homem ao seu espaço natural,
ainda feita de forma superficial, mas observada durante a pesquisa como uma
etapa inicial positiva de sua completude, haja vista a postura do turista ainda
não condizer com a filosofia apresentada nos itens 1.4.2 e subsequentes. A
prática ainda não é compatível com o discurso ideológico relativo à
preservação da espécie.
A Onça-pintada, reconhecida pelo IBAMA como uma das espécies
mais vulneráveis e de possível extinção no Brasil, é considerada uma ameaça
pelos pecuaristas e tratada pelo e para o turismo, especificamente no presente
contexto do Turismo Voluntário, como um atrativo turístico, com uma tipologia
característica do consumo, a fim de satisfazer o desejo do turismo de
colaborar, mesmo que de forma superficial, da preservação do animal.
Da mesma forma que a visão mercadológica [distorcida e limitada do e
pelo turismo] também as crenças e ideologias “fetichizadas” da concepção de
mundo do turista voluntário promovem um replicar de ações sem
transformação no espaço atuado, o que alimenta uma estabilidade e
continuidade do modo de produção turística vigente com foco no consumo e no
desenvolvimento do mercado turístico atual.
Nesse sentido, a postura do turista voluntário precisa ser repensada,
discutida e avaliada, a fim de se compatibilizar a teorização já presente nos
discursos levantados pelas entrevistas, com a prática, o que possibilitará uma
promoção efetiva de transformações na situação atual da preservação do
patrimônio natural. Ou seja, promover práticas do Turismo Voluntário que
sustentem os ideais apresentados, com efetivo combate à degradação
ambiental, realizada hoje de forma alienante, e que trate a onça-pintada como
um legítimo animal selvagem, que exige espaço e respeito como tal, além de
não tentar domesticá-la ou transformá-la em atrativo para vender viagens
turísticas com ideologia altruísta.
A contradição dialética, identificada entre o discurso e a ação [revelada
pela prática da Missão], também é um item relevante no resultado da pesquisa.
Fator este que interfere na criação de uma cultura do cuidado. Tal cultura, só
será promovida a partir de uma crítica da própria concepção de mundo
114
individual do turista voluntário, a qual permitirá coerência e consciência do que
se pretende pela prática da Missão VV Onça-pintada, a ser analisado no item a
seguir.
3.3 A CONSTRUÇÃO DE UMA ÉTICA DO CUIDADO PELO TURISMO VOLUNTÁRIO
Compreender a complexidade humana a fim de encontrar elementos
que auxiliem na identificação de uma possível construção da Ética do Cuidado
na prática da Missão VV Onça-pintada possibilitou a construção do item 3.3, o
qual navega por conceitos que englobam o cuidado e a conexão humana com
a natureza. Para tanto, este item se inicia a partir de uma perspectiva do
“cuidado”, trabalhada pelo escritor Leonardo Boff (2007), o qual apresenta que:
“o que se opõe ao descuido e ao descaso é o cuidado. Cuidar é mais que um
ato; é uma atitude” (BOFF, 2007, p. 33).
Ao promover uma análise fenomenológica, Boff (2007) afirma que o
“cuidado” se torna um fenômeno para a “consciência do ser humano”, se
mostra na experiência e molda a prática. Nesse sentido, trata-se de pensar e
falar a partir do cuidado como é vivido e estruturado no íntimo do ser humano.
E ainda completa que o cuidado está intrínseco no indivíduo, possui uma
dimensão ontológica que faz parte da constituição do ser (BOFF, 2007, p. 89).
Alguns estudiosos derivam o termo “cuidado” do latim cura, que se
escrevia coera e era usado em um contexto de relações de amor e amizade. O
termo expressava também a atitude de cuidar, de desvelo, de preocupação e
de inquietação por outra pessoa ou por um objeto de estima, conforme as
análises de Leonardo Boff (2007, p. 91). Dessa forma, o “cuidado” surge
quando há uma relação de importância entre os seres, relação essa que
permeia a empatia, a dedicação, o desvelo, a preocupação e a participação na
vida do outro, ou por meio da atenção pela própria vida do indivíduo, o cuidado
de si mesmo.
Michel Foucault, ao participar de uma entrevista concedida em 20 de
janeiro de 1984 para Howard Becker (1984, p. 267-269), reflexiona sobre a
ética e o cuidado de si, da seguinte forma:
115
O cuidado de si constitui, no mundo greco-romano, o modo pelo qual a liberdade individual – ou a liberdade cívica, até certo ponto – foi pensada como ética. Se se considerar toda uma série de textos desde os primeiros diálogos platônicos até os grandes textos do estoicismo tardio – Epicteto, Marco Aurélio... – ver-se-á que esse tema do cuidado de si atravessou verdadeiramente todo o pensamento moral. É interessante ver que, pelo contrário, em nossas sociedades, a partir de um certo momento – e é muito difícil saber quando isso aconteceu – o cuidado de si se tornou alguma coisa um tanto suspeita. Ocupar-se de si foi, a partir de um certo momento denunciado de boa vontade como uma forma de amor a si mesmo, uma forma de egoísmo ou de interesse individual em contradição com o interesse que é necessário ter em relação aos outros ou com o necessário sacrifício de si mesmo. Tudo isso ocorreu durante o cristianismo, mas não diria que foi pura e simplesmente fruto do cristianismo. A questão é muito mais complexa, pois no cristianismo, buscar sua salvação, é também uma maneira de cuidar de si. Mas a salvação no cristianismo é realizada através da renuncia a si mesmo. Há um paradoxo no cuidado de si no cristianismo, mas este é um outro problema. (BECKER, 1984, p. 267-269).
A ética tratada do ponto de vista de Foucault também é analisada por
Boff (2003, p. 27) como sendo parte da natureza humana, presente em cada
indivíduo. Para viver como humanos, é necessário a “criação de certos
consensos, coordenar certas ações, coibir certas práticas e elaborar
expectativas e projetos coletivos”. Essas ações necessárias devem ser
pautadas em exigências éticas e morais mínimas para a coexistência pacífica
de todos.
Presente na construção do processo evolutivo humano, a ética é
originada do termo grego ethos, que significa: a morada, o abrigo permanente,
seja de animais ou seres humanos. Os embasamentos de Boff (2003), a
respeito de tal conceito, apresentam que: a “morada” para o ser humano
representa o “enraizamento da realidade”, dá-lhe segurança e permite sentir-se
bem no mundo. “É uma realidade da ordem dos fins: viver bem, morar bem.
Ética tem a ver com fins fundamentais, com valores imprescindíveis, com
princípios fundadores de ações” (BOFF, 2003, p. 28).
Dessa forma, observa-se que a relação sociedade-natureza tem como
princípio básico a ética, ou seja, o cuidado e a construção da morada do ser
humano. Leonardo Boff (2007, p. 36) ainda esclarece que a natureza é um
“conjunto articulado de todas as energias cósmicas em processo de
materialização ou desmaterialização” a qual o ser humano possui nela um lugar
singular. Merece destaque, para facilitar a análise, o trecho a seguir:
116
O ser humano possui nela [natureza] um lugar singular. Ele desempenha uma dupla função. Por um lado, está dentro, é parte da natureza, inserido no imenso processo de evolução natural e cibiôntica. Por outro, está de frente, é um vis-à-vis à natureza. Por sua consciência e por seu saber técnico, intervém nela, fazendo-se seu plasmador. Nem por isso deixa de ser parte da biosfera e geologicamente um objeto bem concreto. O ser humano é sempre parte da natureza e interventor da natureza. A relação ser humano-natureza é dialética, quer dizer, ambos se encontram indissoluvelmente intrincados um no outro, de tal forma que o destino de um se transforma no destino do outro (BOFF, 2007, p. 36-37).
Nesse contexto, o ser humano se encontra enraizado na natureza e se
posiciona como parte integrante da mesma, como um “ser-no-mundo”, que
interage com outros seres, por meio da convivência, com capacidade de
exteriorizar o movimento do cuidado, da responsabilidade por sua vida e pela
vida dos demais, além de construir o seu próprio futuro.
Dando continuidade aos embasamentos tratados por Leonardo Boff
(2007, p. 39), pode-se registrar que há atualmente, no campo da ética e da
moral, seis formas principais de argumentação a respeito da criação de valores
para a construção de uma ética planetária, válidos para todos. São eles: o
utilitarismo social; as éticas do discurso comunicativo e da justiça; a ética
baseada na natureza; a ética enraizada nas tradições religiosas da
humanidade; a ética fundada no pobre e no excluído; e por fim, a ética fundada
na dignidade da Terra.
Tendo como foco de pesquisa a relação sociedade-natureza e o
turismo voluntário, além das questões observadas nos itens anteriores desse
capítulo, é válido explorar as análises de Leonardo Boff a respeito da ética
baseada na proteção da natureza.
Para o autor (2007, p. 51-55), o clássico formulador da argumentação
ética pela lei natural é Tomas de Aquino, que teve como base teórica os
embasamentos de Aristóteles. A moral católica, especificamente retratada nos
documentos do magistério pontifício, direciona os indivíduos por meio dessa
tendência, com base na convicção de que a autonomia dos sujeitos deve tomar
em conta quilo que se adapte, convém e se coordena com os
condicionamentos objetivos da natureza humana. A partir dessa natureza
humana, pode-se distinguir o ser humano dos animais, das plantas e demais
seres vivos, definindo-o como uma espécie que possui um comportamento
singular, propriamente humano, caracterizado pela razão, pela fala, pela
117
liberdade, pela responsabilidade, pela criatividade, pelo afeto, pelo cuidado e
por sua vez, pela interação com o outro, com o mundo e sua totalidade.
É importante ressaltar que essa capacidade única do ser humano se
estabelece enquanto conceito operacional frente a tudo que possa ser
considerado ameaçador e perigoso, objetivando, sobretudo, a autopreservação
e a sobrevivência humana, e ou também, a sobrevivência do mundo animal ou
ambiental. Desse modo, o “cuidado”, considerado nessa pesquisa como uma
ação de cuidar, situa-se enquanto comportamento, ação explícita ou implícita,
pelo pensar e agir humanos. É tanto a expressão de um sentimento afetivo
como de uma reflexão racional, ambas entendidas como determinantes da
capacidade e potencialidade humana.
O “cuidado” é, portanto, uma atividade ou atitude que envolve
mecanismos psicológicos – afetivo, racional, comportamental – que promovem
concordâncias e contradições sociais, as quais permeiam a esfera da
identidade, do ser como indivíduo social, e que se expressa enquanto
configurações sociais nas dimensões qualitativas do campo de abrangência da
conexão humana e da empatia.
Esse processo de socialização humana começa, conforme os estudos
de Castoriadis (1999), com o nascimento e termina com a morte do indivíduo, e
o autor ainda acrescenta:
Ele [o processo] faz do ser humano uma entidade que fala, tem uma unidade social, um estado social, é habitado e determinado por regras, valores, fins e possui mecanismos de motivação que são sempre mais ou menos adequados à manutenção da sociedade existente (CASTORIADIS in PENA-VEGA; ALMEIDA [Org.], 1999, p. 43).
Ao identificar a possibilidade de construção de uma ética do cuidado pela
Missão VV Onça-pintada, é necessário resgatar a postura dos turistas
voluntários reveladas pela pesquisa e apresentada no item 3.2 desse trabalho.
A maioria dos turistas voluntários entrevistados acredita que, ao
participar da Missão, já está contribuindo para a preservação da onça-pintada,
pois a maioria retorna da atividade “querendo mudar o mundo”, não mais
“imparciais diante da realidade de hoje”. Entretanto, a pesquisa demonstra que
a prática da Missão, não promove uma postura compatível com a proteção
ambiental. As imagens apresentadas no item anterior (Figura 16 e Figura 17)
118
comprovam que os turistas voluntários, mesmo já com uma construção teórica
sobre a importância de se preservar o espaço natural, permanecem com uma
postura contrária, não praticando o que se é assimilado teoricamente. Esse
posicionamento é observado pelo quadro 10 e quadro 11, já apresentados.
A reflexão crítica sobre a prática realizada pela Missão se torna uma
exigência na relação sociedade-natureza, enquanto Teoria e Prática, sem a
qual a teoria se transformaria em um discurso falacioso e a prática, um
atavismo, como já observado a respeito da sustentabilidade no item 1.3.1. Esse
movimento dinâmico, dialético, entre o “fazer” e o “pensar criticamente sobre o
fazer” é muito bem abordado por Paulo Freire (1996) em sua obra “Pedagogia
da Autonomia”.
Conforme os embasamentos do autor:
É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática. O próprio discurso teórico, necessário à reflexão crítica, tem de ser tal modo concreto que quase se confunda com a prática. (FREIRE, 1996, p. 38-39).
Quanto mais o turista voluntário se assume como sujeito que promove
mudanças quando em prática na sociedade, o mesmo percebe as razões de
ser tornar capaz de mudar a sua realidade, de promover mudanças, no caso,
alterando seu próprio estado de “curiosidade ingênua” para o de “curiosidade
epistemológica”, segundo as ideias de Paulo Freire (1996, p. 39).
O que importa, na prática realizada, não é a repetição mecânica do
gesto, sem reflexão ou crítica a respeito, mas a compreensão dos valores dos
sentimentos, das emoções, do desejo, da insegurança a ser superada, do
medo que, ao ser “educado”, vai gerando coragem. Posicionamento este que
vai ao encontro das abordagens de Krippendorf (2009), já tratado no item 3.1.
Surge, assim, uma necessidade de conscientização do próprio turista
voluntário quando em prática em qualquer Missão de Turismo Voluntário. A
conscientização é uma exigência humana, é um dos caminhos para que seja
possível a construção da prática da “curiosidade epistemológica” citada por
Paulo Freire, o que promove, assim, a construção de uma Ética do Cuidado.
119
3.3.1 A construção da Ética do Cuidado pelo ato de sentir
Ao identificar o “cuidado” como sendo a relação existente entre o ser
humano e as questões relativas à ética e à moral, implica-se uma
responsabilidade ao sujeito - turista - de construir a Ética do Cuidado, quando
em prática no Turismo Voluntário na preservação do patrimônio natural. Assim,
encontra-se nas abordagens de Leonardo Boff (2007, p. 79-86), a proposição
raiz para se atingir tal objetivo, por meio do fator identificado inicialmente, ou
seja, a capacidade de “sentir”, de “ser afetado” e de “afetar” do ser humano.
Segundo o autor (BOFF, 2007, p. 81), a existência jamais é pura
existência, é uma “co-existência”, sentida e afetada pela ocupação e pela
preocupação, pelo cuidado e pela responsabilidade do ser no mundo e com os
demais seres. Exige-se, assim, um “sentir” o mundo, os outros, os demais
seres, além do próprio “eu” individual, como uma totalidade única e complexa,
inserido no mundo, como parte dele e, ao mesmo tempo, que interage com ele.
O sentimento, conforme Boff (2007, p. 85), também é uma forma de
conhecimento, mas de natureza diversa. Engloba dentro da razão,
transbordando-a por todos os lados.
Nesse contexto, ao resgatar a relação sociedade-natureza, o Homem
precisa promover a sua “conscientização” de ser/fazer parte integrante da
natureza, senti-la como totalidade, consciente de que suas ações e reações
interferem diretamente a si próprio e ao meio o qual está inserido. Tal
conscientização também pode ser interpretada como uma “socialização da
natureza”, como já apresentado nos itens relativos ao patrimônio natural (item
1.3.1 e item 1.3.2) pelas abordagens feitas por Costa et al. (2015) e Almeida
(2008), que propõem, por meio da comunhão entre o indivíduo e a natureza
natural, a realização de uma série de operações simbólicas que visem à
concretização e robustez da identidade social tanto do indivíduo quanto da
própria natureza.
Os autores (COSTA et al., 2015, p. 50) questionam em seus
apontamentos, se será possível ocorrer uma prática do turismo sem destruir as
especificidades ambientais e culturais, hoje consideradas como bens
patrimoniais turísticos. E concluem que no sistema capitalista vigente, sistema
esse regido pela lógica da construção destrutiva do patrimônio, há casos
120
reveladores de valorização do lugar, por meio de uma maior participação
comunitária na definição do tipo e do planejamento do turismo a ser
desenvolvido na localidade. Além de registrarem procedimentos de parcerias
entre os atores públicos, privados e associativos na busca de estratégias que
conciliem a preservação do patrimônio natural com a prática do turismo.
Tal responsabilidade de participação comunitária na definição e
planejamento das ações a serem tomadas, pode ser associada aos
embasamentos de Amartya Sen (2010), quando em sua obra
“Desenvolvimento como liberdade”, o autor associa a liberdade individual com
um comprometimento social de todos os envolvidos no processo criador. Como
seres humanos competentes, segundo o autor (SEN, 2010, p. 359), o mesmo
não se pode furtar da tarefa de julgar o modo como as coisas são e da
responsabilidade de se fazer o que precisa ser feito para a melhoria das
mesmas. Essa responsabilidade, diz o autor, “não é tanto uma questão de ter
regras exatas sobre como exatamente devemos agir, e sim de reconhecer a
relevância de nossa condição humana comum para fazer as escolhas que se
nos apresentam” (SEN, 2010, p. 360).
Amartya Sen (2010) em sua obra analisa o desenvolvimento como forma
de expansão das liberdades reais que as pessoas desfrutam, denominada pelo
autor como liberdades humanas, as quais dependem de outros determinantes,
como as disposições sociais e econômicas [liberdade à educação e saúde] e
os direitos civis [liberdade de participar de discussões e averiguações públicas].
Já que o Turismo Voluntário ainda se apresenta, de forma prática,
arraigado aos interesses capitalistas, o qual promove uma ressignificação do
patrimônio natural em atrativo a ser consumido, conforme tratado pelos itens
1.1 e 1.4, nada mais justificável que tentar reverter esse modelo definido pelo
capital, com a centralização no ser humano, ou seja, partindo dele, por meio de
um investimento do “capital humano”. Não o “capital humano” destinado ao
aumento das possibilidades de produção mercantil, mas sim, no propósito de
educar e potencializar sua capacidade humana de fazer escolhas, de agir e
promover mudanças que valorize e melhore sua interferência no território e no
próprio meio ambiente, o qual pertence.
É importante ressaltar que essa estratégia de construção da Ética do
Cuidado, por meio do “capital humano”, implica, ao mesmo tempo, em
121
demonstrar a constatação de variáveis cognitivas e comportamentais, que
exigirá do ser que a realiza, uma capacidade de trabalhar com a complexidade
e a subjetividade de tais questões, principalmente sobre si mesmo, o que
exigirá um esforço ao autoconhecimento. Conhecimento este milenar, que
frente às necessidades do cuidar de si e do outro, humano ou não humano
(animais, plantas, minerais), envolve inúmeros tipos outros de conhecimento,
estruturados e sistematizados atualmente nas mais diversas áreas do
conhecimento científico.
Edward O. Wilson (2012, p. 437), em sua obra a respeito da diversidade
da vida, apresenta que o progresso humano não é apenas determinado pela
razão, mas também pelas emoções características de sua espécie: seres
humanos. Para Wilson (2012, p. 437), o Homem ainda não tem a plena
compreensão do verdadeiro significado de sua própria natureza humana,
devido sua complexidade e subjetividade. Dessa forma, o saber se relacionar
com o ambiente natural, o qual faz parte, observando-o como parte integrante
de sua natureza humana, torna-se essencial.
Merece destaque o trecho que o autor complementa suas abordagens
sobre a ética ambiental:
Nós não desembarcamos neste planeta como alienígenas. A humanidade é parte da natureza, uma espécie que evoluiu ao lado de outras espécies. Quanto mais nos identificarmos com o restante da vida, mais rapidamente seremos capazes de descobrir as origens da sensibilidade humana e de adquirir o conhecimento sobre o qual fundamentar uma ética durável, um verdadeiro senso de direção. (WILSON, 2012, p. 437).
O imperativo para a construção dessa ética, portanto, deve ser
orientada com a devida prudência, acima de tudo. Pois, deve-se levar em
consideração toda espécie viva hoje no planeta, cada partícula da
biodiversidade existente. Enquanto se constrói a Ética do Cuidado, deve-se
buscar a compreensão, o aprendizado e a forma mais segura de utilização da
natureza para a própria subsistência humana.
Não se pode perder a oportunidade de derivar as relações
potencializadas pelas abordagens aqui levantadas sobre o sentido do “cuidado”
com o do verbo “aprender”. Aprender o conhecimento, aprender a sentir,
aprender a cuidar, aprender a voluntariar, aprender a preservar a onça-pintada.
122
Tal derivação é possível por meio do documento já conhecido na área da
educação denominado “Relatório Jacques Delors”, resultante dos trabalhos da
Comissão Internacional sobre a Educação para o século XXI, o qual representa
o pensamento pedagógico oficial da humanidade neste final de milênio,
produzido e publicado pela Organização das Nações Unidas para a Educação,
Ciência e Cultura – UNESCO (2010).
A literatura citada propõe que a construção do conhecimento deve
organizar-se em torno de quatro pilares fundamentais: aprender a conhecer
[para adquirir os instrumentos da compreensão], aprender a fazer [para agir
sobre o meio envolvente], aprender a conviver [para participar e cooperar com
os outros em todas as atividades humanas] e por fim, aprender a ser [via
essencial que integra as três precedentes] (UNESCO, 2010, p. 31). Nesse
propósito, o pilar “aprender a ser” torna-se, por uma análise dialética, a
condição necessária para os demais “aprenderes”, ou seja, não há como
aprender a conhecer, fazer e conviver se não aprendemos a ser, que
diretamente se relaciona com o “sentir” e o “cuidado”. Compreende-se, dessa
forma, que o termo “ser” não parte do substantivo que se refere ao indivíduo,
mas do verbo que dimensiona a ação, o eixo existencial da vida.
O “cuidado” e a “reconexão humana” em relação à natureza, portanto,
se estabelecerão enquanto necessidade de sobrevivência, e
concomitantemente, se constituirão como elementos da cognição humana,
envolvendo as esferas racional e afetiva, decorrente de um processo de
relações sociais, políticas, econômicas, históricas e culturais.
Ao se “sentir” parte da natureza, por meio da construção da Ética do
Cuidado, o turista voluntário não colocará mais o pé na grade que o separa da
onça-pintada, ou posicionará uma mangueira de água na direção do animal em
extinção, mas sim, o respeitará e o valorizará como ser integrante da natureza
que é. A partir de então, cuidará para que o animal se sinta seguro e em
condições de se adaptar realmente à liberdade, promovendo um equilíbrio na
relação entre ambos. Responsabilizará em divulgar, acompanhar, multiplicar o
conhecimento adquirido na prática realizada e atuará na busca do equilíbrio
entre os interesses econômicos e sociais da sociedade como um todo.
A prática exige de cada ser humano, conforme os embasamentos de
Boff (1996, p. 54), uma definição, uma tomada de posição, uma decisão. O que
123
promove uma ruptura na postura perante a vida. Sua presença no mundo não
será a de quem a ele se adapta, mas sim, a de quem nele se insere, de forma
participativa e compromissada. Terá uma posição de quem luta para não ser
apenas “objeto” manipulado pelo sistema capitalista, mas “sujeito” participante
e construtor da própria História.
Merece também destaque as abordagens feita por Eduardo Giannetti
Fonseca (2005), em sua obra intitulada “Auto-engano”, ao refletir o viés
antropológico no espelho da natureza, onde propõe:
A natureza é também um espelho. Ao refletir a selva intrincada e luxuriante de enganos que nela encontramos, a natureza não está somente refletindo aquilo que ela, em larga medida, possivelmente é; ela está ao mesmo tempo refletindo de volta para o homem aquilo que nós somos – projetando sobre a humanidade o seu próprio reflexo no mundo. [...] conhecer tentativamente o outro, por mais distante e alheio que ele pareça, é conhecer tentativamente a si mesmo. A volta é a continuação da ida. Pensar o homem a partir da natureza pressupõe pensar a natureza a partir do homem. (FONSECA, 2005, p. 32).
Por isso, o sentimento de pertencimento e parentesco universal,
permitirá uma integração bem-sucedida da existência humana em relação à
natureza. Haverá respeito e valorização para com todos os elementos,
especialmente para com os seres vivos e para com o planeta.
O ser humano é fundamentalmente um ser de cuidado mais que um ser de razão e de vontade. Cuidado é uma relação amorosa para com a realidade, com o objetivo de garantir-lhe a subsistência e criar-lhe espaço para o seu desenvolvimento. Em tudo os humanos colocam e devem colocar cuidado: na vida, no corpo, no espírito, na natureza, na saúde, na pessoa amada, em quem sofre e na casa. Sem cuidado, a vida perece (BOFF, 2003, p. 82).
Conclui-se esse capítulo, com a afirmação de que a Ética do Cuidado e
a socialização da natureza são, seguramente, as práticas mais imperativas nos
dias atuais, dado o nível de descuido que paira como uma ameaça ao Homem
sobre a Terra. O aprendizado de tais práticas promoverá uma postura de
preocupação com o próprio ser humano e com a natureza, possibilitando,
assim, surgir o sentimento de responsabilidade, capaz de salvaguardar a Terra
como um sistema vivo e complexo, proteger a vida e garantir a convivência em
sociedade, por meio da solidariedade, da compreensão, da compaixão e do
amor aos seres humanos e por toda criatura viva no planeta.
124
CONSIDERAÇÕES FINAIS
“Nenhuma solução é definitiva. Toda vitória é parcial, cada avanço traz novos desafios e qualquer conquista é passível de retrocesso. A prevenção do
mal ajuda, mas não sacia o desejo humano de encontrar o bem. Navegar é preciso. Ouvidos
abertos, olho na bússola, mastro à mão.” (FONSECA, 2005, p. 201)
A construção do conhecimento científico exposto nessa dissertação,
com o propósito de responder as indagações levantadas no projeto inicial de
pesquisa apresentado ao Programa de Pós-graduação em Turismo do
CET/UnB, nasceu da sensibilidade do pesquisador em querer discutir e
compreender os propósitos sociais e o conceito epistemológico do Turismo
Voluntário direcionado à proteção do patrimônio natural, especificamente
quando relacionado à onça-pintada, animal reconhecido pelo IBAMA como
espécie em estado de extinção. Durante a busca pelos conceitos e significados
da relação turismo e atividade voluntária, surgiram desdobramentos relativos à
postura do turista voluntário e suas responsabilidades perante a prática
realizada. Postura essa, identificada pela teorização de Karel Kosik (1976, p.
9), que posiciona o sujeito como um ser que age, objetiva e praticamente, na
sociedade, posicionando-o como responsável por suas próprias escolhas,
atuante socialmente nas relações em sociedade, capaz de adotar uma postura
responsável em resposta às suas ações e práticas em atividades semelhantes
às da atividade voluntária.
No atual mundo capitalista, regido pela lógica do mercado, o turismo é
promovido como um enorme potencial de desenvolvimento econômico e
gerador de emprego e renda. Ao mesmo tempo, promove a exploração do
ambiente natural e ressignifica-o como atrativo turístico.
Como observado durante a construção dessa pesquisa, a prática do
Turismo Voluntário, realizada pela Missão VV Onça-pintada, por meio da
Agência Volunteer Vacations em parceria com a ONG NEX, em Corumbá de
Goiás (GO), trata o patrimônio natural [o qual se refere à onça-pintada] como
uma mercadoria a ser consumida pelos turistas. Além disso, o turismo, mesmo
associado a uma atividade voluntária, é percebido, tanto pelos responsáveis da
125
ONG NEX quanto pela Agência Volunteer Vacations, como uma opção de se
obter doações para auxiliar nas atividades da ONG e se obter algum lucro para
as instituições envolvidas.
Dessa forma, o desafio maior para planejadores e empreendedores do
turismo, a fim de promover o Turismo Voluntário como fenômeno humano, será
o de utilizar a potencialidade e capacidade de tomada de decisões dos turistas
voluntários na elaboração de práticas turísticas menos impactantes e que
permitam a relação sociedade-natureza mais compassada, respeitando o
território, a sociedade e o patrimônio natural. Deve-se considerar o patrimônio
natural como um processo de socialização da natureza, ou seja, uma forma de
reaproximação do Homem ao seu ambiente natural. Tal direcionamento pode
gerar diretrizes locais e articulação de políticas públicas mais democráticas,
associadas à Ética do Cuidado e a socialização da natureza, visando efetivar a
preservação do patrimônio natural, aqui representado tanto pelo bioma Cerrado
quanto pela espécie onça-pintada.
Esse desafio implica também em uma retomada de debates críticos e
reflexões participativas sobre a promoção de novas posturas, éticas e morais,
que norteiem a prática do turismo, direcionando-as à educação do sujeito que a
pratica. Dessa forma, o Turismo Voluntário deve ser pautado em uma prática
emancipatória, que promova mudanças de atitudes e comportamentos, bem
como que promova uma participação coletiva e altruísta do turista na
preservação do patrimônio natural. Exige-se assim, a necessidade de
multiplicar as práticas sociais, por meio da criação de espaços de convivência
que desencadeiem mudanças estruturais e congruentes, relações de
interdependência, adaptação e organização ecossistêmica, integrando a
sociedade novamente à natureza.
Rever o posicionamento e a postura do turista voluntário torna-se
essencial para uma transformação do modo de se fazer turismo, a fim de
influenciar e modificar epistemologicamente o turismo enquanto campo do
saber e como fenômeno social. O turista também precisa exercer um papel
ativo, interativo e relevante durante a prática do turismo voluntário no ambiente
visitando, a fim de promover um “religar” aos valores simples e profundos do
Homem como parte integrante da natureza.
126
Acredita-se que uma pesquisa como essa, caracterizada como
qualitativa e de nível de profundidade exploratória e interpretativa, contribua
para uma construção sólida de material teórico, por meio do idioma português,
sobre a temática do Turismo Voluntário e o patrimônio natural, agregando
contribuições e críticas positivas na reflexão do tema proposto. Tais discussões
favorecem análises a respeito da prática do turismo como um fenômeno social,
e não apenas econômico. Também é válido ressaltar que a realização desse
trabalho foi feita dentro das limitações impostas, tanto pelos dados extraídos
das entrevistas realizadas quanto ao número reduzido de turistas voluntários
que realizaram a Missão VV Onça-pintada. Todavia, a realização das
entrevistas, as trocas de conhecimento por meio das orientações com o
professor orientador e a efetiva análise feita dos referenciais teóricos
levantados permitiram ao pesquisador alcançar os objetivos propostos
inicialmente formulados e possibilitaram uma gama de vivências, tanto teórica
quanto prática, que contribuíram para a ampliação e consolidação do
conhecimento relacionado à área da pesquisa durante o Mestrado.
Como sugestão para pesquisas posteriores, identificou-se como tema
que não foi abordado dentro do contexto do trabalho, mas que merece atenção
dos pesquisadores em turismo no Brasil, a relação do Turismo Voluntário
associado ao patrimônio natural e as políticas públicas. Estudar o Turismo
Voluntário com foco na adoção desse termo em políticas públicas voltadas à
preservação do patrimônio natural e que evidenciem a Ética do Cuidado e a
socialização da natureza, por exemplo. Ou pesquisar a existência de políticas
públicas, hoje vigentes, que já abordem os conceitos aqui tratados por essa
dissertação, a fim de analisar os resultados obtidos no contexto nacional. Ou
até mesmo examinar o próprio turista voluntário sob uma ótica comportamental
e ontológica, com foco nas razões embutidas na escolha de se tornar um
turista voluntário na preservação do patrimônio natural.
Finaliza-se esse item reforçando a importância de uma conscientização
na preservação do patrimônio natural com os dizeres de Leonardo Boff: “para
cuidar do planeta precisamos todos passar por uma alfabetização ecológica e
rever nossos hábitos de consumo. Importa desenvolver uma ética do cuidado.”
(BOFF, 2007, p. 134).
127
Quando a sociedade reconhecer
que o seu patrimônio natural mais valioso
é o próprio Homem, o turismo
será observado, na sua essência,
como fenômeno humano
e já teremos iniciado uma nova Era...
a “Era do Cuidado”!
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INSTRUÇÃO NORMATIVA IBAMA Nº 7, de 30 de abril de 2015Institui e normatiza as categorias de uso e manejo da fauna silvestre em cativeiro, e define, no âmbito do Ibama, os procedimentos autorizativos para as categorias estabelecidas.
O PRESIDENTE DO INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS - IBAMA, nomeado pelo Decreto de 16 de maio de 2012, publicado no Diário Oficial da União de 17 de maio de 2012, no uso das atribuições que lhe conferem o inciso V do art. 22 do Anexo I do Decreto nº 6.099, de 26 de abril de 2007, que aprovou a Estrutura Regimental do IBAMA, publicado no Diário Oficial da União de 27 de abril de 2007, e o inciso VI do art. 111 do Regimento Interno do Ibama, aprovado pela Portaria GM/MMA nº 341, de 31 de agosto de 2011, publicada no Diário Oficial da União de 1º de setembro de 2011,
Considerando o disposto na Lei nº 5.197, de 3 de janeiro de 1967, na Lei n° 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, na Lei Complementar nº 140, de 8 de dezembro de 2011, no Decreto nº 6.514, de 22 de julho de 2008; Considerando que o recadastramento e a necessidade de registro da situação dos empreendimentos utilizadores de recursos faunísticos é medida essencial para o cumprimento integral dos Acordos de Cooperação Técnicos de repasse da gestão dos recursos faunísticos da esfera federal para a estadual;
Considerando os processos administrativos nº 02001.002807/93-66, 02001.005418/2007-11, 02001.005592/2013-02 e 02001.003577/2014-01, RESOLVE:
CAPÍTULO I - DO OBJETO E ABRANGÊNCIAArt. 1º Instituir e normatizar as categorias de uso e manejo da fauna silvestre em cativeiro, visando
atender às finalidades socioculturais, de pesquisa científica, de conservação, de exposição, de manutenção, de criação, de reprodução, de comercialização, de abate e de beneficiamento de produtos e subprodutos, constantes do Cadastro Técnico Federal de Atividades Potencialmente Poluidoras ou Utilizadoras de Recursos Naturais - CTF.Parágrafo único. Esta Instrução Normativa se aplica aos processos inciados no Ibama anteriormente à
edição da Lei Complementar nº 140, de 8 de dezembro de 2011, nos casos de delegação previstos no art. 5º, bem como para as hipóteses de supletividade admitidas no art. 15, ambos da Lei Complementar em referência.
Art. 2º Para os efeitos desta Instrução Normativa, adotam-se as seguintes definições:I - animal de estimação ou companhia: animal proveniente de espécie da fauna silvestre nativa,
nascido em criadouro comercial autorizado para tal finalidade, mantido em cativeiro domiciliar, sem finalidade de abate, de reprodução, uso científico, uso laboratorial, uso comercial ou de exposição;
II - espécie: conjunto de indivíduos semelhantes e com potencial reprodutivo entre si, capazes de originar descendentes férteis, incluindo aqueles que se reproduzem por meios assexuados;
III - espécime: indivíduo vivo ou morto, de uma espécie, em qualquer fase de seu desenvolvimento, unidade de uma espécie;
IV - fauna doméstica: conjunto de espécies da fauna cujas características biológicas, comportamentais e fenotípicas foram alteradas por meio de processos tradicionais e
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sistematizados de manejo e melhoramento zootécnico tornando-as em estreita dependência do homem, podendo apresentar fenótipo variável, mas diferente da espécie silvestre que os originou;
V - fauna silvestre exótica: conjunto de espécies cuja distribuição geográfica original não inclui o território brasileiro e suas águas jurisdicionais, ainda que introduzidas, pelo homem ou espontaneamente, em ambiente natural, inclusive as espécies asselvajadas e excetuadas as migratórias;
VI - fauna silvestre nativa: todo animal pertencente a espécie nativa, migratória e qualquer outra não exótica, que tenha todo ou parte do seu ciclo de vida ocorrendo dentro dos limites do território brasileiro ou águas jurisdicionais brasileiras;
VII - parte ou produto da fauna silvestre: pedaço ou fração originário de um espécime da fauna silvestre que não tenha sido beneficiado a ponto de alterar sua característica, forma ou propriedade primária, como por exemplo: carcaça, carne, víscera, gordura, ovo, asa, pele, pelo, pena, pluma, osso, chifre, corno, sangue, glândula, veneno, entre outros;
VIII - subproduto da fauna silvestre: pedaço ou fração originário de um espécime da fauna silvestre beneficiado a ponto de alterar sua característica, forma ou propriedades primárias;
Art. 3º Ficam estabelecidas exclusivamente as seguintes categorias uso e manejo da fauna silvestre em cativeiro para fins desta Instrução Normativa:I - centro de triagem de fauna silvestre: empreendimento de pessoa jurídica de direito público ou
privado, com finalidade de receber, identificar, marcar, triar, avaliar, recuperar, reabilitar e destinar fauna silvestres provenientes da ação da fiscalização, resgates ou entrega voluntária de particulares, sendo vedada a comercialização;
II - centro de reabilitação da fauna silvestre nativa: empreendimento de pessoa jurídica de direito público ou privado, com finalidade de receber, identificar, marcar, triar, avaliar, recuperar, reabilitar e destinar espécimes da fauna silvestre nativa para fins de reintrodução no ambiente natural, sendo vedada a comercialização;
III - comerciante de animais vivos da fauna silvestre: estabelecimento comercial, de pessoa jurídica, com finalidade de alienar animais da fauna silvestre vivos, sendo vedada a reprodução;
IV - comerciante de partes produtos e subprodutos da fauna silvestre: estabelecimento comercial varejista, de pessoa jurídica, com finalidade de alienar partes, produtos e subprodutos da fauna silvestre;
V - criadouro científico para fins de conservação: empreendimento de pessoa jurídica, ou pessoa física, sem fins lucrativos, vinculado a plano de ação ou de manejo reconhecido, coordenado ou autorizado pelo órgão ambiental competente, com finalidade de criar, recriar, reproduzir e manter espécimes da fauna silvestre nativa em cativeiro para fins de realizar e subsidiar programas de conservação e educação ambiental, sendo vedada a comercialização e exposição;
VI - criadouro científico para fins de pesquisa: empreendimento de pessoa jurídica, vinculada ou pertencente a instituição de ensino ou pesquisa, com finalidade de criar, recriar, reproduzir e manter espécimes da fauna silvestre em cativeiro para fins de realizar ou subsidiar pesquisas científicas, ensino e extensão, sendo vedada a exposição e comercialização a qualquer título;
VII - criadouro comercial: empreendimento de pessoa jurídica ou produtor rural, com finalidade de criar, recriar, terminar, reproduzir e manter espécimes da fauna silvestre em cativeiro para fins de alienação de espécimes, partes, produtos e subprodutos;
VIII - mantenedouro de fauna silvestre: empreendimento de pessoa física ou jurídica, sem fins
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lucrativos, com a finalidade de criar e manter espécimes da fauna silvestre em cativeiro, sendo proibida a reprodução, exposição e alienação;
IX - matadouro, abatedouro, e frigorífico: empreendimento de pessoa jurídica, com a finalidade de abater, beneficiar e alienar partes, produtos e subprodutos de espécimes de espécies da fauna silvestre;
X - jardim zoológico: empreendimento de pessoa jurídica, constituído de coleção de animais silvestres mantidos vivos em cativeiro ou em semiliberdade e expostos à visitação pública, para atender a finalidades científicas, conservacionistas, educativas e socioculturais.
§ 1º Os empreendimentos das categorias a que se refere o caput devem estar cadastradas no Cadastro Técnico Federal de Atividades Potencialmente Poluidoras ou Utilizadoras de Recursos Naturais - CTF e autorizadas no Sistema Nacional de Gestão de Fauna – SisFauna.
§ 2º As categorias de empreendimentos estabelecidas neste artigo estão correlacionadas com os códigos das Atividades do CTF descritas no Anexo I desta Instrução Normativa.
§ 3º Os empreendimentos cujas categorias não estejam previstas neste artigo deverão apresentar ao órgão ambiental proposta de adequação a uma das categorias vigentes no prazo de 180 (cento e oitenta) dias a partir da vigência desta Instrução Normativa.
CAPÍTULO II - DAS AUTORIZAÇÕESArt. 4º O Poder Público, no exercício de sua competência de controle, expedirá as seguintes
autorizações ambientais para uso e manejo de fauna:I - Autorização Prévia (AP): ato administrativo emitido pelo órgão ambiental competente que
especifica os dados e a finalidade do empreendimento e aprova a sua localização, bem como as espécies escolhidas. A AP não autoriza a instalação ou a operacionalização do empreendimento;
II - Autorização de Instalação (AI): ato administrativo emitido pelo órgão ambiental competente que autoriza a instalação do empreendimento de acordo com as especificações constantes dos planos, programas ou projetos aprovados, estabelecendo as medidas de controle e demais condicionantes a serem cumpridas, mas não autoriza a operação do empreendimento;
III - Autorização de Uso e Manejo (AM): ato administrativo emitido pelo órgão ambiental competente que permite o manejo e o uso da fauna silvestre em conformidade com as categorias descritas no art. 2º desta Instrução Normativa.
§ 1º O órgão ambiental competente manifestar-se-á conclusivamente no prazo de 90 (noventa) dias a partir do recebimento de todos os documentos e informações solicitadas ao interessado, em cada fase do processo autorizativo.
§ 2º As autorizações poderão ser expedidas isolada ou sucessivamente, de acordo com a natureza, características e fase do empreendimento ou atividade.
§ 3º A emissão das autorizações de que tratam os incisos I, II e III não dispensa os empreendimentos ou atividades do licenciamento ambiental, quando exigível pelo órgão competente, e nem de outros atos administrativos necessários para a sua implantação e funcionamento.
§ 4º É vedada a manutenção de empreendimentos de categorias diferentes que mantenham as mesmas espécies no mesmo endereço, excetuando-se as combinações entre os empreendimentos dos incisos I e II ou entre a combinação dos empreendimentos dos incisos III, IV, VII, e IX do art. 3º.
§ 5º Os processos administrativos iniciados em data anterior à edição da Lei Complementar 140, de 2011, serão encaminhados ao órgão ambiental competente após a análise e emissão da
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Autorização de Uso e Manejo - AM.
Art. 5º Não são sujeitos à obtenção das autorizações mencionadas no artigo anterior, os seguintes casos:I - empreendimentos que utilizam, exclusivamente, espécimes da fauna doméstica;II - empreendimentos que utilizem, exclusivamente, peixes, invertebradosaquáticos, exceto os classificados como jardins zoológicos;III - criações de insetos para fins de pesquisa ou de alimentação animal, desde que já existentes na
área do empreendimento, exceto quando se tratar de espécies da fauna silvestre brasileira pertencentes à lista nacional de espécies ameaçadas de extinção, ou de espécie pertencente à lista estadual da Unidade da Federação em que se localiza o empreendimento;
IV - criações de invertebrados terrestres considerados pragas agrícolas, vetores de doenças ou agentes de controle biológico;
V - meliponicultores que mantenham menos de cinquenta colmeias de abelhas nativas, conforme resolução Conama nº 346, de 16 de agosto de 2004;
VI - restaurantes, bares, hotéis e demais estabelecimentos que revendam carne ou produtos alimentares de origem na fauna silvestre, desde que mantidas as notas fiscais que comprovem a sua aquisição legal;
VII - estabelecimentos que produzam, vendam ou revendam artigos de vestuário, calçados e acessórios cujas peças contenham no todo ou em parte couro ou penas de animais silvestres criados ou manejados para fins de abate, desde que mantidas as notas fiscais que comprovem a sua aquisição legal, ou ainda, a partir de importações devidamente registradas nos sistemas de controle do comércio exterior;
VIII - atividade que atue exclusivamente na importação e exportação de fauna silvestre nativa e exótica, ou ainda de suas partes, produtos e subprodutos.
Parágrafo único. A inexigibilidade das autorizações referida no caput não dispensa a atividade ou empreendimento da inscrição no Cadastro Técnico Federal de Atividades Potencialmente Poluidoras ou Utilizadoras de Recursos Ambientais e do licenciamento ambiental, quando exigível pelo órgão competente, e nem de outros atos administrativos necessários para a sua implantação e funcionamento.
Art. 6º A Autorização Prévia deverá ser solicitada por meio do preenchimento de formulário eletrônico disponível no SisFauna.
Art. 7º Para solicitar a Autorização de Instalação, o interessado deverá preencher o formulário de solicitação de AI no SisFauna e apresentar os seguintes documentos:I - cópia ou número da AP;II - cópia dos documentos de identificação do representante legal do empreendimento (Carteira de
Identidade - RG e Cadastro de Pessoa Física - CPF);III - cópia do estatuto, contrato social e eventuais alterações, registrado na Junta Comercial do
Estado, ou outro documento que comprove a constituição da empresa, e do Comprovante de Inscrição e de Situação Cadastral de Pessoa Jurídica - CNPJ, no caso de pessoa jurídica;
IV - CNPJ de produtor rural ou comprovante de inscrição estadual, se produtor rural;V - requerimento do representante legal da instituição, no caso de criadouro científico de fauna
silvestre para fins de pesquisa;
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VI - documento da propriedade ou contrato de locação;VII - certidão da Prefeitura Municipal, ou do órgão competente do Distrito Federal, declarando que o
local e o tipo de empreendimento ou atividade estão em conformidade com a legislação aplicável ao uso e ocupação do solo;
VIII - autorização ou anuência prévia emitida pelo respectivo órgão gestor, caso o empreendimento ou atividade esteja localizado em unidade de conservação ou terra indígena;
IX - Licença Ambiental Prévia - LP, ou ato administrativo emitido pelo órgão ambiental competente, conforme Resolução Conama n° 237, de 19 de dezembro de 1997;
IX - croqui de acesso à propriedade;X - planos e projetos, conforme a categoria pretendida, e especificados nos arts. 8º, 9º e 10.§ 1º Os documentos apresentados devem ser autenticados ou assinados pelo responsável pelo
empreendimento ou atividade, e serão autuados em processo administrativo próprio.§ 2º Os projetos técnicos deverão ser elaborados por profissionais legalmente habilitados e
registrados nos respectivos conselhos de classe.§ 3º Na ausência de quaisquer dos documentos supracitados o interessado terá o prazo de 30 (trinta)
dias a contar da notificação para sanar a pendência, sob pena de indeferimento da solicitação.
Art. 8º Para a análise da solicitação de Autorização de Instalação para a categoria comerciantes de animais vivos, será exigido projeto técnico composto por:I - memorial descritivo das instalações especificando piso, substrato, barreira física, abrigos, sistemas
contra fuga, dimensões e equipamentos e as medidas higiênico-sanitárias estruturais;II - plano de trabalho contendo:
a) plantel pretendido;b) dieta oferecida aos animais de acordo com seu hábito alimentar;c) medidas de emergência para casos de fuga de animais;d) medidas higiênico-sanitárias; ee) medidas de manejo e contenção.
Art. 9º Para a análise da solicitação de Autorização de Instalação para a categoria de jardim zoológico, o projeto técnico deverá ser composto por:I - projeto arquitetônico, contendo:
a) planta de situação, planta baixa e planta de cortes em escala compatível com a visualização da infraestrutura pretendida;
b) memorial descritivo das instalações (piso, substrato, barreira física, abrigos e ninhos, sistemas contra fugas, sistemas de comedouros e bebedouros, sistemas de resfriamento e aquecimento quando necessários, dimensões dos recintos e equipamentos, dados sobre espelho d´água se a espécie exigir, etc);
c) cronograma físico da obra, elaborado por profissional competente;d) identificação dos recintos de acordo com as espécies pretendidas com indicação da densidade
máxima de ocupação por recinto; e e) medidas higiênico-sanitárias estruturais.II - plano de trabalho contendo:
a) plantel pretendido;
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b) sistema de marcação utilizada;c) plano de emergência para casos de fugas de animais, quando couber;d) medidas higiênico-sanitárias;e) dieta oferecida aos animais de acordo com seu hábito alimentar;f) medidas de manejo e contenção;g) controle e planejamento reprodutivo;h) cuidados neonatais;i) modelo de fichas para acompanhamento diário dos animais (procedimentos clínicos e
cirúrgicos, necrópsia e nutricional); ej) quadro funcional pretendido por categoria.
III - declaração de capacidade econômica com base em estudo de viabilidade financeira de manutenção do empreendimento ou atividade.
Parágrafo único. Os requisitos do projeto técnico deverão, também, observar as especificações contidas no Anexo III.
Art. 10. Para a análise da solicitação de Autorização de Instalação para os empreendimentos das categorias descritas nos incisos I, II, V, VI, VII e VIII do art. 3º, o projeto técnico deverá ser composto por:I - projeto arquitetônico, contendo:
a) planta de situação, planta baixa e planta de cortes em escala compatível com a visualização da infraestrutura pretendida;
b) memorial descritivo das instalações especificando piso, substrato, barreira física, abrigos e ninhos, sistemas contra fuga, sistemas de comedouros e bebedouros, sistemas de resfriamento e aquecimento quando necessários, dimensões dos recintos e equipamentos, dados sobre espelho d´água se a espécie exigir, etc;
c) cronograma de implantação do empreendimento;d) identificação dos recintos de acordo com as espécies pretendidas com indicação da densidade
máxima de ocupação por recinto; ee) medidas higiênico-sanitárias estruturais.
II - plano de trabalho contendo:a) plantel pretendido ou, no caso de centro de triagem de fauna silvestre e centro de reabilitação
da fauna silvestre nativa, capacidade de recebimento;b) sistema de marcação utilizada;c) plano de emergência para casos de fugas de animais, quando couber;d) medidas higiênico-sanitárias;e) dieta oferecida aos animais de acordo com seu hábito alimentar;f) medidas de manejo e contenção, quando couber;g) controle e planejamento reprodutivo;h) cuidados neonatais, quando for o caso;
§ 1º As especificações dos projetos técnicos previstos neste artigo poderão ser ajustados considerando o grupo animal a ser mantido e o porte do empreendimento, a critério do órgão ambiental.
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§ 2º Para os centros de triagem o projeto deverá, também, considerar as exigências do Anexo V.§ 3º Para os criadouros científicos de fauna silvestre para fins de conservação, o interessado deverá
apresentar, além do disposto nos incisos I a VII deste artigo, projeto de conservação para as espécies pretendidas, caso não haja programas oficiais de conservação para as espécies a serem criadas.
§ 4º Para os criadouros comerciais de quelônios relacionados no Anexo III o projeto técnico deverá, também, considerar o disposto naquele Anexo.
Art. 11. A autoridade ambiental terá o prazo de 90 (noventa) dias para análise e manifestação que, de forma motivada, poderá ser:I - pela emissão da Autorização de Instalação;II - pela exigência de complementação na forma de adequações e informações adicionais;III - pelo indeferimento da solicitação.§ 1º As exigências de complementação oriundas da análise da solicitação serão definidas e
comunicadas pela autoridade competente uma única vez ao empreendedor, ressalvadas aquelas decorrentes de fatos novos ou da não apresentação dos documentos relacionados no art. 7º.
§ 2º As exigências de complementação de informações, documentos ou estudos feitas pela autoridade competente interrompe o prazo de aprovação, que será reiniciado após o atendimento das exigências e reenvio da solicitação pelo empreendedor.
§ 3º A não apresentação das complementações no prazo estabelecido pela autoridade ambiental, desde que não justificada, ensejará no indeferimento e arquivamento da solicitação de autorização.
Art. 12. A Autorização de Instalação será emitida via SisFauna e terá a validade de 24 (vinte e quatro) meses, podendo ser renovada nos termos do § 4º do art. 14 da Lei Complementar 140, de 2011, mediante justificativa e apresentação de novo cronograma pelo interessado.
Art. 13. Após a conclusão das instalações, o empreendedor deverá solicitar a vistoria técnica por meio do SisFauna dentro do prazo de validade da AI.§ 1º A vistoria terá por objetivo avaliar o atendimento ao projeto técnico aprovado.§ 2º Não se aplica a realização de vistoria à categoria estabelecidas nos incisos IV e IX do art. 3º.§ 3º A não comunicação da conclusão das obras da AI implicará no cancelamento das AP e AI e no
arquivamento do processo.§ 4º A aprovação da vistoria é condicionante para a solicitação da AM.
Art. 14. Para solicitar a Autorização de Uso e Manejo, o interessado deverá preencher o formulário de solicitação de AM no SisFauna e apresentar os seguintes documentos:I - Licença Ambiental de Instalação - LI, ou ato administrativo emitido pelo órgão ambiental
competente, conforme Resolução Conama n° 237, de 19 de dezembro de 1997, quando couber;II - para Jardins Zoológicos: declaração de responsabilidade técnica pelo empreendimento, assinada
por profissional legalmente habilitado e cópia do contrato de assistência permanente de médico veterinário, biólogo, tratadores e segurança;
III - para os Centros de Triagem e Centros de Reabilitação: declaração de responsabilidade técnica pelo empreendimento, assinada por profissional legalmente habilitado e cópia do contrato de assistência profissional permanente de profissional legalmente habilitado, tratadores e segurança;
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IV - para Mantenedouros, Criadouros e Comerciantes de Animais Vivos: declaração de responsabilidade técnica pelo empreendimento, assinada por profissional legalmente habilitado;
V - para Abatedouro: declaração de responsabilidade técnica pelo empreendimento, assinada por profissional legalmente habilitado.
Art. 15. A autoridade ambiental terá o prazo de 90 (noventa) dias para análise da solicitação e manifestação que, de forma motivada, poderá ser:I - pela emissão da Autorização de Uso e Manejo;II - pela exigência de complementação na forma de adequações e informações adicionais;III - pelo indeferimento da solicitação.§ 1º As exigências de complementação oriundas da análise da solicitação serão definidas e
comunicadas pela autoridade licenciadora uma única vez ao empreendedor, ressalvadas aquelas decorrentes de fatos novos ou da não apresentação dos documentos relacionados no artigo anterior.
§ 2º As exigências de complementação de informações, documentos ou estudos feitas pela autoridade licenciadora interrompe o prazo de aprovação, que será reiniciado após o atendimento das exigências e reenvio da solicitação pelo empreendedor.
§ 3º A não apresentação das complementações no prazo estabelecido pela autoridade ambiental, desde que não justificada, ensejará no indeferimento e arquivamento da solicitação de autorização.
Art. 16. A Autorização de Uso e Manejo será emitida via SisFauna, com validade de 24 (vinte e quatro) meses a contar da data de deferimento no sistema.§ 1º Para as categorias de empreendimentos sujeitas à de taxa de registro constante do Anexo da Lei
nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, a emissão da AM só ocorrerá após o pagamento da taxa devida.§ 2º As Autorizações de Uso e Manejo emitidas pelo Ibama em data anterior à publicação desta
Instrução Normativa terão o prazo de validade de 24 (vinte e quatro) meses a contar do início da vigência desta norma.
§ 3º A renovação da autorização deverá ser solicitada ao órgão ambiental estadual competente conforme § 4º do art. 14 da Lei Complementar 140, de 2011.
CAPÍTULO III - DOS EMPREENDIMENTOS JÁ AUTORIZADOSArt. 17. Para os empreendimentos já autorizados pelo Ibama e recadastrados nos termos da Instrução
Normativa 14, de 3 de outubro de 2014, será emitida Autorização de Uso e Manejo Precária - AMP no Sisfauna.§ 1º A AMP será válida até a análise e conferência do processo autorizativo com os dados declarados
no recadastramento, sendo substituída pela AM a que se refere o art. 16, ou revogada.§ 2º Para os casos previstos no art. 5º não será realizada a substituição a que se refere o § 1º e, após a
análise e conferência, as AMPs já emitidas serão tornadas sem efeito.§ 3º A análise a que se refere o § 1º deve observar a categoria e as espécies ou grupos taxonômicos
anteriormente autorizados.§ 4º Os criadouros comerciais anteriormente autorizados em nome de pessoa física deverão, no prazo
de 180 (cento e oitenta) dias a partir da emissão da AMP, adequar-se mediante a apresentação de:
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I - cópia do estatuto, contrato social e eventuais alterações, registrado na Junta Comercial do Estado, ou outro documento que comprove a constituição da empresa, e do Comprovante de Inscrição e de Situação Cadastral de Pessoa Jurídica - CNPJ, no caso de pessoa jurídica;
II - CNPJ de produtor rural ou comprovante de inscrição estadual, se produtor rural;III - número do Cadastro Técnico Federal, quando a adequação for para pessoa jurídica.§ 5º Os empreendimentos que não atenderam ao recadastramento de que trata a Instrução Normativa
nº 14, de 3 de outubro de 2014, terão suas autorizações de funcionamento ou licença suspensas, conforme art. 8º da referida Instrução Normativa.
§ 6º Os empreendimentos suspensos, conforme §5º, que não realizarem o recadastramento em 90 (noventa) dias a contar a publicação desta Instrução Normativa terão suas autorizações ou licenças cassadas.
Art. 18. As solicitações de inclusão de espécies que tenham sido protocolizadas anteriormente à edição da Lei Complementar nº 140, de 2011, serão realizadas diretamente por solicitação de atualização da Autorização de Uso e Manejo - AM pré-existente, quando atender aos seguintes critérios:I - o empreendimento já possuir AM;II - a inclusão de espécies não implicar na ampliação das instalações já existentes;III - a apresentação de projeto técnico de adequação à nova situação pretendida.
CAPÍTULO IV - DO PLANTEL INICIAL PREEXISTENTE
Art. 19. Poderá ser reconhecido como plantel inicial preexistente, aquele que tiver sido originado:I - a partir do depósito ou destinação de espécimes realizado pelo Ibama ou qualquer outro órgão
integrante do Sisnama;II - a partir de depósito de espécimes realizado por órgãos de segurança pública ou depósito judicial;
eIII - de aquisição a partir de criadouros comerciais, comerciantes de animais vivos ou importação
autorizada;IV - de aquisição a partir de zoológicos, conforme art. 16 da Lei nº 7.173, de 14 de dezembro de
1983.
Art. 20. Serão considerados documentos hábeis para fins de comprovação de origem do plantel inicial preexistente:I - autorizações e licenças para captura;II - autorização de transporte emitida por órgão ambiental competente;III - termo de depósito ou destinação emitido por órgão integrante do Sisnama ou de segurança
pública ou judicial;IV - documentos fiscais emitidos por criadouros ou comerciantes autorizados, e licenças de
importação;V - termos de transferência de animais adquiridos com Nota Fiscal, emitidos à época da transação; eVI - registros em processos administrativos, declarações e expedientes emitidos por órgãos do
Sisnama ou de segurança pública, que indiquem que a origem do plantel se deu por qualquer das formas previstas no art. 19.
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Parágrafo único. A autorização de transporte a que se refere o inciso II deve indicar expressamente o criadouro de origem, ou se os espécimes transportados foram provenientes do órgão do Sisnama.
Art. 21. Os animais recebidos pelo criadouro nos termos do art. 19, constituirão o plantel inicial preexistente do criadouro e serão considerados matrizes e reprodutores indisponíveis para transações que envolvam a transferência entre interessados, salvo por autorização do órgão ambiental competente.§ 1º O plantel inicial preexistente deverá ser marcado em conformidade com as normas vigentes.§ 2º Excetuam-se do disposto no caput: I - os animais adquiridos a partir de criadouros comerciais, de comerciante de animais vivos da fauna
silvestre ou de importação autorizada.II - os animais capturados na natureza mediante autorização do órgão ambiental competente para
comporem o plantel de criadouro comercial que adota o sistema de criação do tipo ranching.
Art. 22. Os espécimes das espécies de aves exóticas reproduzidas em cativeiro de empreendimentos dos incisos VII, VIII, X do art. 3º serão reconhecidos como plantel inicial preexistente.
CAPÍTULO V - DO ENCERRAMENTO DAS ATIVIDADES
Art. 23. No caso de encerramento da atividade do empreendimento, o titular ou seus herdeiros deverão apresentar Plano de Encerramento de Atividades com cronograma de execução, e solicitar o cancelamento da licença, autorização ou registro.§ 1º O Plano de Encerramento de Atividades será avaliado, podendo serem estabelecidas
condicionantes à sua implementação.§ 2º Para empreendimentos que operam com partes, produtos e subprodutos que não se enquadram
nos casos previstos no art. 5º, o plano de encerramento deverá conter cronograma de suspensão de novas aquisições e de baixa do estoque, se for o caso.
§ 3º No caso de empreendimentos que operam com animais vivos, o plano de encerramento deverá conter cronograma de suspensão da reprodução e de novas aquisições, bem como da destinação dos animais remanescentes, se for o caso.
§ 4º Os animais que não forem passíveis de comercialização deverão ser destinados a jardim zoológico, mantenedor ou criadouro autorizado pelo órgão ambiental, sendo que a transferência será às expensas do titular ou seus herdeiros, salvo acordo com o adquirente.
§ 5º O titular do empreendimento ou seus herdeiros são responsáveis pela adequada manutenção dos animais em cativeiro até a sua destinação.
§ 6º A destinação dos animais de que trata o § 3º fica sujeita à prévia emissão de Licença de Transporte pelo órgão ambiental competente.
§ 7º O cancelamento da licença ou autorização somente se dará após o efetivo encerramento das atividades pelo empreendedor.
CAPÍTULO VI - DA MUDANÇA DE TITULARIDADE OU RAZÃO SOCIAL, E DA ALTERAÇÃO DE ENDEREÇO
Art. 24. Em caso de venda ou transmissão do empreendimento ou ainda, de morte do titular do empreendimento, o transmitente ou seus herdeiros deverão solicitar ao órgão ambiental competente a
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transferência da titularidade do empreendimento.§ 1º A solicitação deve estar acompanhada de documentação que comprove a transferência ou
alienação do empreendimento. § 2º O novo titular deverá estar registrado no CTF, e deverá solicitar a emissão de nova Autorização
de Uso e Manejo - AM contemplando as mesmas espécies e instalações, sem contudo necessitar de novas AP e AI.
3º O processo de transferência da titularidade será instruído em processo administrativo próprio em nome do novo titular, caracterizando a continuidade da AM vigente, mantendo-se as condições e prazo de validade originais.
§ 4º A AM do transmitente será cancelada após a emissão da AM do novo titular.
Art. 25. Em caso de alteração de endereço de empreendimento em funcionamento e com AM, o interessado deverá solicitar e obter nova Autorização de Manejo via SisFauna.§ 1º A alteração de endereço que não envolva a mudança de localidade, será analisada no processo
administrativo referente à AM vigente, caracterizando a continuidade da AM, mantendo-se as condições e prazo de validade originais.
§ 2º A alteração de endereço que envolva a mudança de localidade, caracteriza novo empreendimento sujeito à obtenção das autorizações previstas no art. 4º.
§ 3º Após a obtenção de AM para o novo empreendimento de que trata o § 2º, o interessado deverá solicitar o encerramento do antigo empreendimento, conforme art. 23.
CAPÍTULO VII - DAS DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 26. O interessado deverá manter seus dados e atividades desenvolvidas atualizados no sistema do Cadastro Técnico Federal.
Art. 27. Os criadouros comerciais e comerciantes de fauna silvestre sujeitos ao processo autorizativo estabelecido por esta norma deverão manter a Autorização de Uso e Manejo em local visível.
Art. 28. O desligamento do responsável técnico deverá ser oficializado ao órgão ambiental competente, devendo o empreendedor apresentar, no prazo máximo de 30 (trinta) dias a partir do desligamento, cópia do novo contrato de assistência profissional. Parágrafo único. A AM será suspensa em caso de constatação da inexistência de Responsável
Técnico quando exigível para a categoria de empreendimento.
Art. 29. As categorias previstas nos incisos do art. 3º podem fornecer material biológico para fins científicos, desde que com identificação de origem e que não impliquem em maus tratos.Parágrafo único. O fornecimento de material biológico para fins científicos, por si só, não autoriza o
acesso ao patrimônio genético, que deverá respeitar legislação específica.
Art. 30. O decurso dos prazos sem a manifestação do órgão ambiental competente, conforme previsto nos art. 11 e 15, não implica na emissão tácita da autorização.
Art. 31. Os mantenedouros que mantiverem espécimes dos grupos listados neste artigo deverão cumprir também os requisitos referente aos recintos estabelecidos no Anexo IV:
I - felinos do gênero Panthera;II - espécimes da família Ursidae;
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III - primatas das famílias Pongidae e Cercopithecidae;IV - espécimes da família Hippopotamidae; eV - espécimes da ordem Proboscidae.
Art. 32. Os criadouros científicos para fins de conservação e mantenedouros somente poderão ser objeto de visitas monitoradas de caráter técnico, didático ou para atender programas de educação ambiental da rede de ensino formal, e desde que não mantenham espécimes dos grupos elencados no artigo anterior.Parágrafo único. As visitas monitoradas deverão ser objeto de aprovação junto ao órgão ambiental
competente mediante apresentação de projeto de visitação, sendo vedada a cobrança de qualquer taxa aos visitantes.
Art. 33. Além de atender ao disposto nesta Instrução Normativa, os seguintes empreendimentos deverão cumprir as exigências contidas nos respectivos anexos, considerando a etapa do processo autorizativo:I - Criadouros Comerciais de Crocodilianos - Anexo II;II - Criadouros Comerciais de Quelônios de água doce - AnexoIII;III - Jardins Zoológicos - Anexo IV;IV - Centros de Triagem de Animais Silvestres - Anexo V.
Art. 34. Novos criadouros comerciais com finalidade de animal de estimação de espécies silvestres nativas somente serão autorizados a partir da publicação da lista a que se refere a Resolução Conama nº 394, de 6 de novembro de 2007.Parágrafo único. Excepcionalmente será admitida e analisada a solicitação de mudança de localidade
nos termos do § 2º, do art.. 25, quando: I - protocolizada anteriormente à edição da Lei Complementar nº140, de 2011; eII - não envolver acréscimo de espécies a serem criadas.
Art. 35. Fica revogada a Portaria 139-N, de 29 de dezembro de 1993; a Portaria nº 108, de 6 de outubro de 1.994; a Portaria Ibama nº 138-N, de 14 de novembro de 1997; e a Instrução Normativa nº 169, de 20 de fevereiro de 2008.
Art. 36. Os casos omissos serão resolvidos pela Diretoria de Uso Sustentável da Biodiversidade e Florestas - DBFLO.
Art. 37. Esta Instrução Normativa entra em vigor na data de sua publicação.
VOLNEY ZANARDI JÚNIOR
Publicação: D.O.U de 06.Mai.2015, seção I, pág. 55-59Retificação: D.O.U de 11.Mai.2015, seção I, pág. 75-85
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ANEXO II: NOTÍCIA JORNALÍSTICA – G1: GLOBO.COM SACRIFÍCIO DE ONÇA EXIBIDA EM PASSAGEM DA TOCHA POR MANAUS REVELA DRAMA DE ESPÉCIE AMEAÇADA Onça mascote do Exército foi morta com um tiro de pistola após avançar sobre soldado; ela havia sido acorrentada e apresentada ao público durante cerimônia. Juma foi morta com um tiro de pistola após fugir e avançar sobre soldado; ela havia sido acorrentada e apresentada ao público durante cerimônia (Foto: Jair Araújo/Diário do Amazonas). A morte de Juma, a onça que participou de uma cerimônia com a tocha olímpica em Manaus na segunda-feira (20/06/2016), revela o drama de uma espécie ameaçada de extinção e gera questionamentos sobre a manutenção de animais selvagens em centros do
Exército na Amazônia. A onça Juma foi abatida com um tiro de pistola no Centro de Instrução de Guerra na Selva (Cigs) logo após ser exibida no evento olímpico. Como outra onça, apelidada de Simba, ela havia sido acorrentada e apresentada ao público durante a cerimônia. O Exército mantém várias onças em cativeiro na Amazônia. Os felinos ─ bem como animais de outras espécies ─ costumam ser adotados pelo órgão ao serem encontrados em cativeiro ou em poder de caçadores. Muitas onças, como Juma, se tornam mascotes dos batalhões e passam por sessões de treinamento. Em Manaus, os felinos são presença frequente em desfiles militares, prática condenada por biólogos e veterinários. Em 2014, durante gravação de um documentário em Manaus, militares do Cigs mostraram Juma, a mascote do centro, à BBC Brasil. Na época, explicaram que a onça havia sido resgatada com ferimentos após sua
mãe ter sido morta. Foi levada para o centro e ali cresceu sob os cuidados de tratadores. O destino trágico de Juma chama a atenção para a situação cada vez mais precária da espécie, listada como ameaçada no Brasil pelo Ibama em 2003. É um animal que exige extensas áreas preservadas para sobreviver, caçando espécies como capivaras e até jacarés. Ela vem sendo ameaçada pelo desmatamento, não apenas na Amazônia como também no Pantanal e no Cerrado, para abrir espaço para a expansão da atividade agropecuária.
Onça Simba também participou de cerimônia (Foto: Jair Araújo/Diário do Amazonas)
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Tiro de pistola Em nota enviada ao site da agência local de notícias Amazônia Real, o Comando Militar da Amazônia (CMA) diz que, após a solenidade olímpica na segunda, Juma escapou dentro do zoológico do centro do Exército. O órgão afirma que um grupo de veterinários e militares tentou recaptura-la com tranquilizantes, mas que, mesmo atingido, o animal avançou sobre um soldado. "Como procedimento de segurança, visando a proteger a integridade física do militar e da equipe de tratadores, foi realizado um tiro de pistola no animal, que veio a falecer", diz o órgão. Segundo o diário “Amazônia Real”, dois militares seguravam a corrente presa a Juma durante todo o evento. O site diz que muitas pessoas tiraram fotos com a onça na cerimônia. Ela teria fugido logo após a exibição, quando os militares tentavam coloca-la numa caminhonete. O Exército diz que abriu um processo administrativo para investigar a morte do felino. Segundo o diário “Amazônia Real”, o Instituto de Proteção Ambiental do Estado do Amazonas (Ipaam) não havia autorizado a participação de Juma no evento e poderá multar a corporação. Indomesticável Para João Paulo Castro, biólogo com mestrado em comportamento animal pela Universidade de Brasília, Juma pode ter fugido após se estressar durante o evento. “Não é saldável nem recomendável submeter um animal a uma situação como essas, com barulho e muitas pessoas em volta", ele diz à BBC Brasil. "Muitas vezes a onça já vive numa situação precária e estressante no cativeiro, o que é agravado num cenário de agitação". Castro diz que muitos batalhões do Exército na Amazônia mantêm onças em cativeiro. Ele afirma ter visitado um centro que mantinha um felino em Cruzeiro do Sul (AC) em condições "bem toscas". Segundo Castro, é um erro tratar onças como animais domesticáveis. Ele afirma que são necessárias várias gerações em cativeiro para que uma espécie se acostume a conviver com humanos. O biólogo diz que, idealmente, onças apreendidas devem ser devolvidas à natureza ou levadas a refúgios, onde possam ficar soltas em amplos espaços. Segundo ele, a soltura de felinos é um processo complexo, mas há casos bem sucedidos pelo mundo ─ como o de tigres devolvidos a florestas na Ásia. Horas antes da morte de Juma, a BBC Brasil pediu ao Exército detalhes sobre a manutenção de animais selvagens em dependências do órgão na Amazônia. Não houve resposta até a publicação desta reportagem. Um veterinário de Manaus que já trabalhou com o Exército e pediu para não ser identificado defendeu o órgão das críticas. Segundo ele, ao cuidar de animais resgatados, a corporação assume uma função que deveria ser de outros órgãos públicos. Ele diz que os militares são muito cuidadosos com os animais e que a burocracia impede que muitos sejam devolvidos à natureza. O veterinário afirma ainda que grande parte das onças resgatadas chegam ao órgão ainda filhotes e se tornam dependentes dos cuidadores, o que torna difícil sua soltura. Notícia divulgada pelo sítio eletrônico G1 - Globo.com, disponível em: http://g1.globo.com/natureza/noticia/2016/06/ofimtragicodaoncajumaexibidaempassagemdatochaesacrificadaaposfuga.html Acessado em 21 de junho de 2016, 11:30m.
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APÊNDICE I: ENTREVISTA REALIZADA COM A PRESIDENTE DA ONG NO EXTINCTION (NEX) EM 17 DE FEVEREIRO DE 2016. As questões apresentadas a seguir foram encaminhadas para a Presidente da ONG No Extinction - NEX - e respondidas em 17 de fevereiro de 2016. 1) A coordenação da ONG No Extinction teria o registro do número de turistas que a frequentavam antes e depois da homologação da Instrução Normativa do IBAMA Nº 7/2015? Resposta: Não tenho o registro oficial. Tentamos fazer um livro de assinaturas, mas, não funcionou. Recebíamos entre três a quatro grupos por mês. Uma média de 20 pessoas por grupo. A maioria, estrangeiros. Nunca fizemos nenhuma publicidade. Foi boca a boca mesmo e levou tempo para estabilizar. 2) Além do projeto "Onça ajudando gente" e "Missão VV Onça-pintada" teria algum outro projeto que levasse os turistas a visitar a ONG? Resposta: Sim, as visitas de universidades e escolas. Trabalhávamos apenas com grupos pré-agendados de turistas, pois nunca permitimos que ‘receber pessoas’ virasse nossa prioridade. Já que nossas atividades são diversificadas. O objetivo das visitas era ‘educação ambiental’ (transformar as onças em ‘embaixadoras’ da própria causa) e render um dinheiro extra para as pessoas da comunidade que participavam do "Projeto Onças ajudando Gente". Mas, as visitas de turmas e professores das universidades, geravam alguns trabalhos importantes. Mesmo as escolas comuns, sempre levavam os alunos para desenvolver tema sobre preservação da biodiversidade. Esta perda não é mensurável financeiramente. 3) Quais os impactos gerados após a homologação da Instrução Normativa para a ONG? Resposta: O impacto foi o pior possível, tanto para os beneficiados, direta e indiretamente, quanto para nossas remotas chances de receber alguma doação de alguém que ficasse sensibilizado pela causa. O NEX não tem nenhuma ajuda mais, exceto do Ministério Público, muito esporadicamente, através das TACs. Um exemplo: um grupo que reúne pessoas do corpo diplomático de Brasília ouviu ótimas referências sobre o trabalho do NEX, agendou uma visita. Depois de conhecerem o NEX, me convidaram para dar uma palestra na sede de uma embaixada em Brasília. Organizaram tudo, dei a palestra para um auditório lotado e, posteriormente, perguntaram o que eu estava precisando. Pedí ampolas de Zoletil (sedativo que precisamos ter sempre à mão para qualquer procedimento). Compraram do distribuidor e ganhamos 20 vidros de 100ml. Cada ampola (quando o medicamento está disponível no mercado) custa perto de 200,00. Sem a visitação, como enfatizei, qualquer possibilidade de doação fica distante. Ninguém ajuda o que não conhece. SOBRE A MISSÃO VV ONÇA-PINTADA 4) Quantas missões ocorreram? E quando ocorreram? Resposta: Foram apenas duas missões, com pouco intervalo de tempo.
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5) Qual o número de turistas em cada uma delas? Resposta: Estávamos apenas começando. O primeiro grupo (de 17 a 21/05) foi de cinco pessoas. O segundo, de seis pessoas (de 25 a 30/07). 6) Quais os benefícios gerados para a ONG e para a comunidade em cada missão? Resposta: Para os animais o benefício é grande porque são pessoas que vão exclusivamente para ajudar na quebra de rotina: transformamos, juntos, a ambientação de alguns recintos. Construímos objetos interessantes com caixas e cheiros. Fabricamos redes com mangueiras doadas pelos bombeiros. Brincamos com as onças. Infelizmente, só com grupos que estejam lá exclusivamente para isso, podemos fazer enriquecimento Ambiental. Os tratadores não têm tempo para isso. Os felinos interagem muito com qualquer tipo de desafio que os tire da rotina. As pessoas que, prestando serviços de hospedagem, alimentação e acompanhamento aos voluntários, ganham extra. Para o NEX, cobertos os custos de materiais de limpeza e descartáveis, a ajuda era para a manutenção (que é muito frequente e dispendiosa). Onças destroem o que podem todos os dias. Os felinos interagem muito com qualquer tipo de desafio que os tire da rotina. 7) Com a Instrução Normativa, a missão não poderá mais ocorrer. Seria apenas pela restrição do perfil do objeto de visitação monitorada para os técnicos e cientistas ou teria outra razão? Resposta: Fosse apenas isso, a Instrução Normativa não teria sido tão incrivelmente detalhista: visitas técnicas e qualquer outro tipo de visitação foram proibidos. E a Cesima, Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do estado de Goiás, para a qual o NEX também se reportará daqui em diante, já notificou que permanece a IN 7/2015 do IBAMA. Estou à disposição para todas as informações necessárias e, adiantando o expediente, podem se comunicar com a proprietária da Volunteer Vacations que se colocou à disposição de vocês, assim como os voluntários. Obrigada pelo incentivo! Agradeça pessoalmente ao prof. Everaldo Costa. Presidente da ONG NO EXTINCTION – NEX
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APÊNDICE II: ENTREVISTA REALIZADA COM A RESPONSÁVEL PELA AGÊNCIA VOLUNTEER VACATIONS EM 18 DE FEVEREIRO DE 2016. As questões apresentadas a seguir foram encaminhadas para a responsável da Agência Volunteer Vacations e respondidas em 18 de fevereiro de 2016. 1) Quantas Missões VV Onça-pintada foram realizadas em parceria com a ONG NEX? E quando ocorreram? 2) Quantos turistas participaram de cada Missão? Resposta: Oi Vitor, Tudo bem? A Cristina chegou a comentar sobre seu trabalho conosco. A VV ficou bastante contente em saber da sua pesquisa, achamos que é de extrema importância ressaltar os impactos que uma medida tomada sem o devido estudo como essa Instrução Normativa pode causar. Nós estávamos apenas começando com o projeto da Missão VV Onça pintada. Nós realizamos duas Missões em parceria com a NEX: uma em maio (17 a 21 de maio) e outra em julho (25 a 30 de julho). No total, 11 voluntários participaram. 3) Quais os benefícios gerados para a ONG e para a comunidade em geral? 4) Houve algum impacto ambiental? Resposta: O que o IBAMA precisa entender é que o conceito e a forma de funcionamento da NEX são completamente diferentes de zoológicos e muito similares aos santuários com os quais também trabalhamos fora do Brasil. O objetivo da NEX não é exclusivamente de visitação. O trabalho deles é não somente de resgatar aqueles animais que de alguma forma sofreram um trauma e reeducá-los para a vida selvagem, como também de educar e conscientizar toda sociedade. Os voluntários além de poderem ajudar a ONG a realizar trabalhos de enriquecimento ambiental, ambientação de recintos (somente possível com grupo de pessoas e mais frequente durante as missões), aprendiam muito e ajudavam a recolher dados para pesquisas. A sociedade ainda desconhece muitos aspectos que envolvem a preservação da fauna e flora do nosso país e mundo. Esses voluntários se tornam vetores de conscientização podendo passar adiante todo conhecimento adquirido através de suas mídias sociais, estudos, encontros, etc. Dessa forma, é possível para a ONG receber subsídios de mais pessoas para continuar a sustentar toda a estrutura, pesquisas... Outro aspecto positivo é que a comunidade do entorno é, de alguma forma, beneficiada. A ONG quando recebe grupos de voluntários necessita de mais mão de obra e recorre às pessoas que vivem ali. Espero ter ajudado de alguma forma. Se precisar de mais algum dado, não hesite em entrar em contato. Abraços. Responsável pela Agência Volunteer Vacations
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APÊNDICE III: ENTREVISTA REALIZADA COM PROFISSIONAL TÉCNICO DO IBAMA EM 07 DE JUNHO DE 2016. As questões apresentadas a seguir foram encaminhadas para o responsável técnico da Divisão de Fauna Silvestre do IBAMA e respondidas em 08 de junho de 2016. 1) Por que a Instrução Normativa IBAMA nº 7/2015 foi elaborada? Resposta: A instrução normativa foi elaborada com intuito de instituir e normatizar as categorias de uso e manejo da fauna silvestre em cativeiro, com base nas Legislações já vigentes, tais como a Lei Nº 7.173, de 14 de dezembro de 1983 que dispõe sobre o estabelecimento e funcionamento de jardins zoológicos e da Lei Complementar Nº 140, de 8 de dezembro de 2011, que ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora. O Criadouro NEX é um criadouro conservacionista de categoria científica, para fins de pesquisa e readaptação de animais à natureza, que lida com grandes mamíferos que exigem um rigor maior, segundo a legislação vigente, no cuidado e na proteção, conforme listagem do próprio artigo nº 31 e 32 da Instrução normativa. A legislação para essas espécies de animais é rigorosa e precisa ser mantida para beneficiar a preservação e só permite a visitação gratuita e monitorada, com fins de pesquisa. Sendo assim, eles só podem receber visitação pública com esse intuito: pesquisa e fins científicos. Caso eles desejem ampliar a visitação, eles podem mudar de categoria, ou seja, poderiam realizar a cobrança de ingresso e ser caracterizado como zoológicos. Eles desejam mudar de categoria? Essa mudança para zoológico, conforme artigo nº 10 da Lei Nº 7.173, de 14 de dezembro de 1983, exigirá a obrigatoriedade de assistência profissional permanente de, no mínimo, um médico-veterinário e um biologista, o que encareceria os custos ainda mais para o estabelecimento. Manter um veterinário e um biólogo durante 40 horas semanais, na maior parte do tempo sem atividade, para atender a exigência da legislação ficaria muito custoso. E acredito não ser esse o objetivo da ONG. Essa legislação é muito antiga. Ela é de 1983 e está vigente até hoje. Precisa ser seguida. Seguindo a análise da legislação vigente, temos também a Lei Complementar nº 140, de 8 de dezembro de 2011, que em seu artigo 8º altera as responsabilidades das ações administrativas da União e dos Estados, indicando nos incisos XVIII e XIX que o Estado fica responsável em controlar a apanha de espécimes da fauna silvestre, ovos e larvas destinadas à implantação de criadouros e à pesquisa científica, ressalvado o disposto no inciso XX do art. 7º e a aprovar o funcionamento de criadouros da fauna silvestre. Ou seja, não é mais responsabilidade do IBAMA fiscalizar e controlar as atividades da ONG NEX. Todo o trâmite e ações administrativas, a partir desta Lei, ficam a cargo do Estado de Goiás, já que a ONG está localizada no município de Corumbá de Goiás. O IBAMA não responde mais pelas ações do criadouro. Um exemplo bom para lhe explicar melhor é o Estado de São Paulo que tem legislação própria para o controle da fauna silvestre. Compete agora ao Estado de Goiás estruturar suas legislações próprias. O IBAMA apenas auxilia com a falta de legislação
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própria dos Estados. O órgão é criado para auxiliar, somos parceiros da ONG NEX, não queremos ser os vilões, mas a legislação precisa ser cumprida. 2) Qual a sua opinião a respeito do Turismo associado à atividade voluntária para a proteção do patrimônio natural? Resposta: Acredito que esse tipo de Turismo, associado ao voluntariado, é feito com indivíduos que possuem um nível de conhecimento elevado e que, assim, podem colaborar na proteção do patrimônio natural, por terem um nível técnico bem maior que aqueles que não os possuem. Essa é uma opinião particular minha, o IBAMA não trata desses assuntos. O IBAMA caracteriza o turismo como uma atividade potencialmente poluidora e utilizadora de recursos ambientais e que exige um tratamento mais rigoroso na questão ambiental. Muitas pessoas acabam não entendendo ou interpretando a visão do órgão de forma equivocada ou incompleta, pois observam apenas um trecho do termo, a parte inicial: “atividade potencialmente poluidora” o que leva para uma interpretação incompleta. O turismo também é visto como uma atividade “utilizadora de recursos ambientais” e deve ser analisado como um todo. O órgão não possui nenhum documento ou legislação que regulamente as atividades de visitação ou especificamente voltado para a atividade turística, pois não é competência do IBAMA tratar do turismo. Essas questões estão inseridas de forma muito genérica nas legislações como as já citadas, ou seja, a de regulamentação dos zoológicos e a própria Instrução Normativa analisada em seu estudo. Particularmente, eu acredito também que o excesso da presença humana pode gerar uma domesticação do animal. Isso é ruim para os animais que já estão livres na natureza quanto para os que serão readaptados, como é o caso da ONG NEX, que propõe a readaptação dos animais capturados. Você já deve ter ouvido falar do ataque de onças que ocorrem no Pantanal, não? As imagens são chocantes. Mas por que isso acontece? Há uma hipótese de que os organizadores que recebem turistas, matam jacarés para colocar a carne na beira dos rios, atraindo as onças para mais próximo dos turistas. Isso é uma alimentação artificial do animal. As onças então, acabam se acostumando com a presença humana e indo para os vilarejos em busca de comida. Será que o turismo então pode prejudicar? Não sei afirmar. É preciso muito estudo a respeito. Essa domesticação do animal pelo turismo pode ser prejudicial. Com certeza você já deve ter visitado o Parque da Água Mineral e viu os vários macacos pregos que lá habitam, não? Eles aprenderam a roubar alimentos e objetos dos visitantes. Por que isso acontece? A presença humana e o incentivo à alimentação artificial desses animais pode ter gerado uma mudança de hábito da espécie. Com o passar das gerações e o aumento do contato com humanos, os animais adquiriram esse hábito que não é próprio deles, alterando então o comportamento dos animais. Acho que tem um estudo a respeito dessa mudança comportamental desses animais. Dê uma procurada, pode lhe ajudar. Hoje, eles já atuam em bandos. Chegam todos juntos, gritando, assustando os visitantes, que se afastam com medo e assim eles podem roubar os alimentos expostos nos locais com mais facilidade.
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Culpa do Turismo? Talvez sim, talvez não. Precisa-se de mais estudos a respeito. Não sei se o ICMBio teria algum documento que lhe ajudasse mais sobre o assunto. Bom, espero ter lhe ajudado com algumas informações. Não fazemos atendimento ao público dessa forma, mas como estou envolvido com essa questão da ONG NEX eu abri uma exceção para lhe auxiliar. Responsável Técnico Divisão de Fauna Silvestre IBAMA Links relacionados com a entrevista: http://www.ibama.gov.br/servicos/autorizacao-de-empreendimentos-utilizadores-de-fauna-silvestres-sisfauna http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1980-1988/L7173.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp140.htm Acessado em 07 de junho de 2016 às 17:40.
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APÊNDICE IV: ENTREVISTA REALIZADA COM TURISTA QUE PARTICIPOU DA MISSÃO VV ONÇA-PINTADA [TV1]. As questões apresentadas a seguir foram encaminhadas para o turista voluntário que participou da Missão VV Onça-pintada e respondida em 24 de maio de 2016. 1) O que é Turismo Voluntário para você? Resposta: Realizar uma viagem e não se contentar em apenas conhecer os pontos turísticos, mas oferecer nosso tempo e trabalho em prol do local que necessite de nossas habilidades, sem recebermos remuneração financeira por isso, mas sim a troca de experiências e valores pessoais. 2) Quais as motivações que lhe ajudaram na escolha do Turismo Voluntário na proteção do patrimônio natural (com animais)? Resposta: Além de o local ser lindo e amar os animais, queria ter a experiência de atuar em prol de uma causa especial. 3) Quais os benefícios adquiridos com a prática do Turismo Voluntário na preservação do patrimônio natural (com animais)? Resposta: Conhecer a cultura do local, aprender o comportamento dos animais, repensar minhas escolhas e estilo de vida, desenvolver valores como generosidade. Realizar algo novo e ter total contato com a natureza. 4) Você acredita que esta prática de Turismo Voluntário na proteção do patrimônio natural contribui efetivamente para uma prática preservacionista? Vê alguma desvantagem? Por quê? Resposta: Com toda certa contribui, pois a partir do momento que percebemos a importância da preservação, não nos contentamos mais em ficar imparciais diante da realidade de hoje. E voltamos para casa querendo mudar o mundo e passamos a preservar mais a natureza ao nosso redor. Disseminamos todas as informações aprendidas aos nossos vizinhos e familiares. Não vejo nenhuma desvantagem, a experiência nos desenvolve valores e faz com que sejamos pessoas melhores.
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APÊNDICE V: ENTREVISTA REALIZADA COM TURISTA QUE NÃO PARTICIPOU DA MISSÃO VV ONÇA-PINTADA [TNV1]. As questões apresentadas a seguir foram encaminhadas para o turista que não participou da Missão VV Onça-pintada, mas que já realizou ou realiza trabalhos voluntários, respondida em 05 de junho de 2016. 1) Você já realizou ou realiza algum trabalho voluntário? Qual? Resposta: Sim, trabalhos relacionados à igreja. 2) Já imaginou unir a atividade voluntária com uma viagem turística? Resposta: Sim. Seria interessante. Pois já existe o Turismo Voluntário na preservação do patrimônio natural. A Agência Volunteer Vacations realizou algumas viagens nesse sentido, denominadas “Missão VV Onça-Pintada”, as quais os turistas atuavam como voluntários em uma ONG preservacionista da espécie Phantera-Onca, no município de Corumbá de Goiás (GO). Os turistas auxiliam na alimentação, montagem e manutenção da ambientação de alguns recintos, construção de objetos para a distração dos animais etc. Caso queira maiores detalhes acesse: http://volunteervacations.com.br/destinos/brasil 3) Você faria uma viagem como essa? Resposta: Sim. Instigante. Não sabia da existência desse tipo de viagem. 4) Que motivações lhe levariam a realizar esse tipo de turismo? Resposta: O contato com o animal e a importância do trabalho de preservação. Quando fazemos algum trabalho voluntário, trabalhamos nossos valores, nossa percepção perante o outro. Voltado para a proteção da natureza então, tem um valor maior, já que a onça está em extinção, como muitos outros animais. 5) Qual a sua opinião sobre esse tipo de prática: ela ajuda na preservação do animal ou prejudica? Por quê? Resposta: Sim. Ajuda bastante, o indivíduo tende a se sensibilizar a preservação quando conhece e se envolve com a causa.
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APÊNDICE VI: ENTREVISTA REALIZADA COM TURISTA QUE NÃO PARTICIPOU DA MISSÃO VV ONÇA-PINTADA [TNV2]. As questões apresentadas a seguir foram encaminhadas para o turista que não participou da Missão VV Onça-pintada, mas que já realizou ou realiza trabalhos voluntários, respondida em 10 de junho de 2016. 1) Você já realizou ou realiza algum trabalho voluntário? Qual? Resposta: Sim, atividades de recreação em creches em áreas carentes e em hospitais públicos. 2) Já imaginou unir a atividade voluntária com uma viagem turística? Resposta: Sim, para ajudar na construção de casas de vítimas de desastres naturais em áreas carentes. Pois já existe o Turismo Voluntário na preservação do patrimônio natural: A Agência Volunteer Vacations realizou algumas viagens nesse sentido, denominada “Missão VV Onça-Pintada”, as quais os turistas atuavam como voluntários em uma ONG preservacionista da espécie Phantera-Onca, no município de Corumbá de Goiás (GO). Os turistas auxiliam na alimentação, montagem e manutenção da ambientação de alguns recintos, construção de objetos para a distração dos animais etc. Caso queira maiores detalhes acesse: http://volunteervacations.com.br/destinos/brasil/ 3) Você faria uma viagem como essa? Resposta: Depende do tipo de atividade que seria desenvolvida. Não me interessaria fazer o trabalho pelo trabalho ou apenas uma experiência superficial de entretenimento que usa a realidade em questão como produto (ex: passeio na favela do Rio). A atividade deve proporcionar algum aprendizado (cunho educacional), oferecer uma experiência singular (contato com a natureza, contato com diferentes culturas e costumes, experimentação de diferentes estilos de vida...) e ser realmente útil para a realidade em questão. 4) Que motivações lhe levariam a realizar esse tipo de turismo? Resposta: Para mim, os motivos que me levaria a fazer uma viagem como essa seria: uma experiência interessante e ajudar, genuinamente, a realidade em questão. 5) Qual a sua opinião sobre esse tipo de prática: ela ajuda na preservação do 7 animal ou prejudica? Por que? Resposta: Depende. Se for tratada, estritamente, na lógica mercadológica de venda, a questão do voluntariado vira apenas um produto e não contribui realmente para as problemáticas da realidade em que atua. Mas, se for vinculada a um conceito de preservação a atividade de voluntário pode sim contribuir. A questão maior é como administrar a relação Homem-natureza para que essa interação seja contributiva e não agressiva ou até nociva para o objetivo central que é a preservação do animal.
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APÊNDICE VII: ENTREVISTA REALIZADA COM TURISTA QUE NÃO PARTICIPOU DA MISSÃO VV ONÇA-PINTADA [TNV3].
As questões apresentadas a seguir foram encaminhadas para o turista que não participou da Missão VV Onça-pintada, mas que já realizou ou realiza trabalhos voluntários, respondida em 11 de junho de 2016.
1) Você já realizou ou realiza algum trabalho voluntário? Qual? Resposta: Sim, já realizei trabalho voluntário em dois momentos na minha vida. Um com um grupo que visitava principalmente orfanatos para fazer festinhas para as crianças carentes, e em outro momento participei de um grupo que toda semana contava histórias no Hospital de Base de Brasília. 2) Já imaginou unir a atividade voluntária com uma viagem turística? Resposta: Uma vez considerei ajudar na reconstrução de casas quando houve o furacão no Haiti, mas os planos acabaram não indo para frente por diversos motivos. Pois já existe o Turismo Voluntário na preservação do patrimônio natural: A Agência Volunteer Vacations realizou algumas viagens nesse sentido, denominada “Missão VV Onça-Pintada”, as quais os turistas atuavam como voluntários em uma ONG preservacionista da espécie Phantera-Onca, no município de Corumbá de Goiás (GO). Os turistas auxiliam na alimentação, montagem e manutenção da ambientação de alguns recintos, construção de objetos para a distração dos animais etc. Caso queira maiores detalhes acesse: http://volunteervacations.com.br/destinos/brasil/ 3) Você faria uma viagem como essa? Resposta: Acho muito interessante para quem é da área ou se interessa pela preservação da fauna. Eu, particularmente, nunca me envolvi em projetos ambientais, mas acredito que com o devido incentivo e propaganda seria algo que eu cogitaria fazer. 4) Que motivações lhe levariam a realizar esse tipo de turismo? Resposta: Talvez propagandas que mostrassem a necessidade do programa de preservação e explicação de como os turistas poderiam contribuir para a causa. Mostrar que esse tipo de atividade não demanda tanto tempo, e que apenas um dia de auxílio já faz diferença. 5) Qual a sua opinião sobre esse tipo de prática: ela ajuda na preservação do animal ou prejudica? Por que? Resposta: Eu, na realidade, não conheço muito do assunto. Acredito que qualquer trabalho com animais silvestres deve ser cuidadosamente desenvolvido para não prejudicar a ambientação do animal no seu habitat natural, mas acho também que, em áreas urbanas, trabalhos assim sejam importantes devido à proximidade com a cidade. O que eu acho que seria interessante, e não sei se é feito ou não, é a conscientização da população quanto à existência de animais silvestres nas redondezas (como agir quando se deparar com um, para quem ligar etc.).
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APÊNDICE VIII: ENTREVISTA REALIZADA COM TURISTA QUE NÃO PARTICIPOU DA MISSÃO VV ONÇA-PINTADA [TNV4].
As questões apresentadas a seguir foram encaminhadas para o turista que não participou da Missão VV Onça-pintada, mas que já realizou ou realiza trabalhos voluntários, respondida em 12 de junho de 2016. 1) Você já realizou ou realiza algum trabalho voluntário? Qual? Resposta: Sim, já fiz alguns trabalhos voluntários com crianças. Quando adolescente fui voluntária numa creche e cuidei fazendo brincadeiras com crianças de até 7 anos. Quando morei nos Estados Unidos, fui voluntária, por quatro anos, na escola dos meus filhos, correspondente ao fundamental 1, onde ajudava nas diversas feiras (flores, musicais, culturais, artes, comidas), e nos “field days” dias de atividade recreativa esportiva, ao ar livre. Há poucos anos fiz um trabalho de leitura, uma vez por semana, com crianças da Aldeia SOS do Itapoã – DF. 2) Já imaginou unir a atividade voluntária com uma viagem turística? Resposta: Sim, tenho vontade de fazer uma viagem desse tipo. Imagino que se eu pudesse estar em contato com uma nova cultura e que eu pudesse colaborar ajudar, deixar um pouquinho da minha energia e assim assimilar muito mais do local. Pois já existe o Turismo Voluntário na preservação do patrimônio natural: A Agência Volunteer Vacations realizou algumas viagens nesse sentido denominada “Missão VV Onça-Pintada”, as quais os turistas atuavam como voluntários em uma ONG preservacionista da espécie Phantera-Onca, no município de Corumbá de Goiás (GO). Os turistas auxiliam na alimentação, montagem e manutenção da ambientação de alguns recintos, construção de objetos para a distração dos animais etc. Caso queira maiores detalhes acesse: http://volunteervacations.com.br/destinos/brasil/ 3) Você faria uma viagem como essa? Resposta: Sim, apesar de preferir trabalhos com crianças, gosto do contato com animais. Essa questão de cuidar da montagem e manutenção da ambientação dos recintos tem relação com minhas experiências profissionais, e a construção de objetos pra os animais brincarem, eu creio que é próxima do que já fiz com as crianças. Sim, seria uma boa experiência. 4) Que motivações lhe levariam a realizar esse tipo de turismo? Resposta: Como já falei, acredito que poderia realmente fazer algo pelas onças no cativeiro, e o contato com a natureza, em geral me leva a entender melhor alguns aspectos da vida. 5) Qual a sua opinião sobre esse tipo de prática: ela ajuda na preservação do animal ou prejudica? Por que? Resposta: A princípio acho que ajuda, mas confesso que não sei muito sobre as onças, nem sobre o trabalho dessa ONG. Acredito que só a preservação em cativeiro é um trabalho "restrito" no sentido da preservação, pois manter os habitats naturais da onça numa grande reserva, tipo os grandes parques onde acontecem os safaris da África do Sul, seria a melhor opção para realmente preservar o animal.
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APÊNDICE VIII: ENTREVISTA REALIZADA COM TURISTA QUE NÃO PARTICIPOU DA MISSÃO VV ONÇA-PINTADA [TNV5]. As questões apresentadas a seguir foram encaminhadas para o turista que não participou da Missão VV Onça-pintada, mas que já realizou ou realiza trabalhos voluntários, respondida em 15 de junho de 2016. 1) Você já realizou ou realiza algum trabalho voluntário? Qual? Resposta: Já realizei. Quando viajei para Fernando de Noronha e fiquei por 10 dias, auxiliei voluntariamente no projeto Tamar em auxílio às tartarugas. 2) Já imaginou unir a atividade voluntária com uma viagem turística? Resposta: Foi perfeito, pois além de conhecer o lugar que é lindo, pude mergulhar e aprender o quanto as tartarugas são importantes para o ecossistema. 3) Você faria uma viagem como essa? Resposta: Com toda certeza e pretendo fazê-la novamente. 4) Que motivações lhe levariam a realizar esse tipo de turismo? Resposta: Preservar o meio ambiente, os animais. Ajudar a divulgar a importância do cuidado com a natureza. Como exemplo no meu trabalho voluntário, foi muito gratificante ver que meu apoio auxiliou as tartarugas a darem continuidade ao seu ciclo de vida. Nos faz bem para alma, muda nossa forma de pensar na vida, muda nossos valores. 5) Qual a sua opinião sobre esse tipo de prática: ela ajuda na preservação do animal ou prejudica? Por que? Resposta: Com toda certeza ajuda na preservação, pois aprendemos a importância do animal dentro do ecossistema. Como por exemplo, no trabalho voluntário com a equipe do Tamar, percebi que as tartarugas são de extrema importância para o ecossistema, pois são fonte de alimentos para os predadores marinhos, terrestres e inclusive para o Homem e são importantes consumidores de organismos marinhos, servindo como substrato para outras espécies. Se todas as pessoas soubessem disso talvez com toda certeza, pensariam duas vezes antes de jogar lixo no mar por exemplo. Então, com toda certeza, ajuda na preservação.
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