106 0 ESPIRITO E A PULSAO
Resumo
A obra de W. Wundt e analisada e nquanto importante marco da hist6ria da partilha contemporanea entre os saberes do social e do psiquismo. Ob- ' serva-se, sobretudo, o jogo das oposic;:oes entre (a) o "fisico" e o "moral" na constituic;:ao do humano; (b) o "individual" e o "coletivo" na experiencia hist6rica; e (c) a fragmentac;:ao implicada no conhecimento cie ntffico e a necessidade de reconhecimento da totalidade da "experiencia" humana. Contra o pano de fundo das influencias diretas do ensino e da obra de Wundt sobre o pensamento antropol6gico (particularmente Durkheim, Mauss, Boas e Malinowski), estar-se-a comprometido aqui com a explicitac;:ao de um n6dulo significativo da redefinic;:ao integrada das representac;:oes da Cultura e da Pessoa ao final do seculo XIX. Explorase, sobretudo, a proposta de integrac;:ao dinamica entre a aspirac;:ao universalista ea atenc;:ao "romantica" englobada ao "espfrito" (Geist) e as "pulsoes" (Triebe) legada por Wundt as conte mporaneas ciencias humanas.
Abstract
The work of W. Wundt is here analysed as an important historical landmark of .the contemporary divide betwee n the theories of the social and the self. Our attention is focused mainly upon the oppositions between (a) the "physical" and the "moral" in the human constitution; (b) the "individual" and the "collective" in historical experience ; and (c) the fragmentation entailed by scientific knowledge and the necessary recognition of the embedded characte r of human "experience''. It consists at the same time in an interpretation of the great changes in the connected representations of Culture and the Person that took place around W. Wundt's teaching and work (including its influence on Durkheim, Mauss , Boas, and Malinowski). Especial emphasis is placed on Wundt's proposal of a dynamic integration between the universalistic horizon and the "romantic " and encompassed attention to the "mind" (Geist) and the "drives" (Triebe).
so important to contemporary developments in the human sciences.
MANA l(I J, 107-1 40. 1995
0 MITO COMO HISTORIA: UM PROBLEMA DE TEMPO,
REALIDADE E OUTRAS QUESTOES
Joanna Overing•
Os Piaroa sao apaixonados pela hist6ria . Dizer que um povo que habita as florestas tropicais tern um interesse intenso pela hist6ria e contrariar "ideias geralmente aceitas" 1 . Como os povos amazonicos apegam-se a seus costumes especificos e supostamente nao dao muito valor ao "progresso", conclui-se que eles nao tern interesse pela hist6ria e sao, portanto, "a-hist6ricos" . Quando afirmci o contrario, nao estou me referindo a consciencia hist6rica que os Piaroa porventura tenham adquirido a partir de suas interac;oes com as instituic;oes do Estado venezuelano no ultimo quarto de seculo. 0 interesse dos Piaroa pela hist6ria nao e um fenomeno recente que possa ser atribuido a passagem de uma forma de vida indigena para uma outra, moderna e hist6rica, a medida que aumenta seu envolvimento com um Estado. nacional e uma economia de mercado. Nao foram suas interac;oes com a sociedade industrial que os iniciaram na hist6ria. Ainda que tais contatos !hes tenham apresentado uma hist6-ria e uma historicidade especificas, antes dos mesmos os Piaroa nao eram um "povo sem hist6ria". Na verdade, entretanto, decidimos se um povo e "hist6rico" ou "a-hist6rico" dependendo do conceito de hist6ria que ado
tamos. Em Society against the State, Clastres (1977:16) apresenta-nos uma
versao particularmente interessante da defesa da "a-historicidade" quando elabora um modelo de poder politico centrado em dois modos diferentes - o coercitivo e o nao-coercitivo. Clastres parte da premissa de que o poder politico entre OS povos amaz6nicos e nao-coercitivo. Em seguida, associa o poder politico coercitivo aquelas sociedades em que o poder provem da inovac;ao social. Segundo o au tor, "o poder politico como coerc;ao ou violencia e a marca das sociedades hist6ricas, ou seja, das sociedades que contem em si a causa da inovac;ao, da mudanc;a, da historicidade" (Clastres 1977:16; enfase do autor). Por outro !ado, as sociedades onde 0 pod er politico e do ti po nao-coercitivo sao sociedades sem hist6-
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ria (Clastres 1977:16). Como faz parte de sua argumentai;ao a ideia de 9ue a inovai;ao esta na base da coeri;ao politica, os Piaroa teriarn concor
.dado com ela, em parte, pelo menos no passado, porem discordariam do veredicto - segundo o qual, por esse motivo, eles nao teriarn interesse pela hlst6ria.
A mais famosa de todas as formulai;oes da a-hlstoricidade dos povos indigenas ea de Levi-Strauss em The Savage Mind, onde ele estabelece sua tainosa distini;ao (muitas vezes entendida de modo equivocado) ~ntre sociedades "quentes" e "frias" (Levi-Strauss 1966:233; 1973): Ao estabelecer esse contraste, o autor separa os povos dotados de hist6ria dos que nao a possuem. Ele argumenta que estes ultimos deliberadarnente subordinam a hist6ria ao sistema e a estrutura, e por causa dessa subordinai;ao as sociedades onde eles vivem podem ser chamadas de "frias". Ele observa que, ao contrario da nossa sociedade "quente" (e hlst6rica). caracterizada pela cren<;a na eficacia do progresso e pela necessidade avida de mudan<;as, a "sociedade fria" e obstinadamente fiel a um passado concebido como um modelo atemporal e nao como uma etapa do processo hist6rico. Levi-Strauss afirma que as "sociedades frias" combinam o tempo mitico com o tempo presente; assim, para elas, ha uma coexistencia, em um "regime atemporal" , de seres mitol6gicos com seres humanos, ,que "viajamjuntos pelo tempo" (Levi-Strauss 1966:233). Essa atemporalidade, segundo ele, e um principio que visa a eliminar;ao da hist6ria, de tal modo que os homens nao podem ser outra coisa que nao imitadores de um mundo anterior composto de seres criadores (Levi-Strauss 1966:236).
Marx defende posii;:ao semelhante quando distingue, em Precapitalist
Economic Formations, duas visoes da hist6ria radicalmente diferentes ao longo do desenvolvimento das formai;:oes sociais. Ele estabelece um contraste entre, de um lado, o compromisso das sociedades pre-capitalistas com a tradii;:ao, a comunidade e a hist6ria repetitiva, e, de outro, o valor atribuido pelo capitalismo ao progresso e a hist6ria cumulativa. No caso daquelas, 0 processo e 0 progresso sao subordinados a estrutura ea continuidade.
E verdade que os Piaroa, e os povos amazonicos em geral, nao costumam definir a hist6ria social humana em termos de uma sucessao evolucionaria de etapas. Tanto Levi-Strauss quanto Marx tern razao quando afirmam que esses povos nao dariam valor a uma tal concepi;ao. De fato, a visao piaroa de sua pr6pria hist6ria tern uma caracteristica "involutiva". Segundo eles, todos os seres (inclusive os Piaroa) perderam, a~ ·final do tempo de criai;:ao, muitos dos poderes. tecnol6gicos que haviam criado e adquirido antes. Na exegese dessa hist6ria realizada pelos ruwatu (lide-
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0 MITO COMO HISTDRIA
res especialistas dos Piaroa), a perda <lesses poderes teve ·um efeifo posi
tivo sobre o desenvolvimento ulterior da vida social piaroa. E a nossa hlstoricidade que tende a associar hist6ria social a desenvolviriiento tecno-16gico, e em seguida a identificar ambos com o Mprogresso". Em consequencia das associa<;oes feitas entre historicidade e progresso social e tecnol6gico, as q'uais estao profundamente arraigadas no nosso pensam~nto social, por um processo mental muito simples passamos a ver aqueles que nao compartilham da nossa concepi;ao muito especifica de hlsto- . ricidade (que nao passa de uma questao da nossa hist6ria) coma membros de sociedades estaticas e a-hist6ricas. Tendo feito essas observai;oes, certamente nao surpreenderei o leitbr ao afirmar que, a meu ver, e um equivoco rotular de "povos sem hist6ria" os povos amazonicos.
O que vai nos levar a concluir se os amerindios se interessam pela
historia OU se nao possuem tal interesse e apenas a defini<;aO de historia que resolvermos aceitar, a deles ou a nossa. Quanto a esta questao, e muito importante assumir uma postura relativista (modificada), _como a de Vernant (1982). para quern tipos diferentes de ordem cultural implicam praticas hist6ricas diferentes . Ou, como observa Sahlins em Islands of
History, onde ele examina uma historicidade polinesia muito especifica: culturas diferentes, historicidades diferentes! (Sahlins 1985:X). Porem, uma tal postura relativista tern suas ramificai;oes: Por exemplo, o pr6prio ato de afirmar a possibilidade de varia<;ao nos modos de produ<;ao da hist6ria tern conseqiiencias expressivas para a questao do tempo e sua conceitua<;ao . Segundo esta concep<;ao, cada historicidade contem, de uma forma ou de outra, uma noi;:ao de tempo que !he e especifica. A historicidade que Clastres e Levi-Strauss atribuem as "sociedades hist6ricas" traz em seu bojo nossa concep<;ao familiar de tempo linear e progressivo. Para esses dois autores, tal como para Marx, a alta valorizai;:ao dos aspectos lineares e progressivos do tempo no. pensamento modemo tern saliencia social. Tambem o tempo social e visto como linear e progressivo, donde a inova<;ao social e a mudani;:a serem encaradas como a pr6pria essencia da hist6ria. Por outro lado, uma vez que aceitamos que os modos de produi;:ao da hist6ria podem variar, segue-Se que e possfvel predicar hist6-rias especificas com base em concepi;:oes diferentes do tempo. Pode-se, entao, explorar a importancia do tempo como valor variavel na cria<;ao da historicidade. Assim, antes que se possa emitir um juizo valido a respeito de uma "historicidade" amazonica,. deve-se examinar com muita ateni;:ao 0 modo complexo como os amerindios veem a relai;:ao entre hist6ria, tempo e processo social. 0 tempo, tal como a hlstoricidade, tern seu
lado social.
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Mitologia como realidade fantasma, ou: Existira uma metafisica indigena?
Ao examinar a "hist6ria her6ica" dos polinesios, Sahlins (1985 :cap. 2) defende sua historicidade especifica. Ele observa que ela e especifica em parte por ser formulada em uma cosmologia peculiar a cultura polinesia. E atraves da mitologia polinesia que um estrangeiro consegue ter acesso a essa cosmologia, pois o mito e o genera por meio do qual a cosmologia indigena se re vela. E por intermedio do mito que os postulados referentes ao universo se exprimem e se explicam. Os ciclos miticos abordam quest6es metafisicas basicas a respeito da hist6ria e do desenvolvirnento dos tipos de coisas ou seres que ha no mundo, e tambem suas modalidades de sere relacionamentos. A historicidade polinesia torna-se ainda mais especffica na medida em que se associa a uma teoria social que e caracteristica do modo de vida polinesio . Assim, Sahlins (1985:cap. 2) demonstra, com relai;:ao aos polinesios, que tanto a mitologia/cosrnologia quanto a teoria social podern ser constitutivas de uma modalidade. especffica de historicidade. Pode-se argumentar de modo analogo corn rela
i;:ao ao que designarei como a "hist6ria dos deuses faliveis" dos Piaroa. O fa to de seus deuses serem falfveis e nao her6icos e coerente com o ethos
da Amazonia , rnais igualitario que a teoria social polinesia, que envolve um conceito de hierarquia.
A analise feita por Sahlins da historicidade polinesia e, no sentido mais positivo, uma abordagem radical. Isto porque ha na antropologia fortes preconceitos que, por vezes, tornam diffcil para n6s reconhecer tanto a historicidade do mito quanto a teoria e pratica sociais que sao constitutivas do mesmo. Por exemplo, partimos do pressuposto de que o
mito se op6e a hist6ria. Segundo nossa visao do rnundo, a hist6ria diz res peito a eventos veridicos que seguem um percurso linear e progressivo, enquanto os eventos da mitologia nao passam de realidades fantasrnas, as quais sao relativamente pouco relevantes quanto a qualquer rnundo
real de ai;:ao e experiencia . N ossos pr6prios conceitos de realidade tendem a fornecer o padrao com base ao qual exarninamos os conteudos dos rnitos, e e por esse motivo que boa parte da discussao geral sobre o mito gira em torno de quest6es que, de outro modo, seriam inexplicaveis. Assim, os eventos miticos sao contrapostos nao apenas a hist6ria, corno
tarnbem as descobertas cientificas modernas referentes as propriedades fisicas do universo. A base da confusao e o fato de que teorias da existencia , cujo teor e essencialmente social, sao contrastadas corn teorias a respeito do universo fisico que sao "a-sociais" no que diz respeito tanto a
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seu alcance quanto a seu prop6sito. Nao adrnira, pois, que o evento miti. co, uma vez despido de sua significai;:ao social, moral e hist6rica, seja vis
to como deficiente. Afirmo, porem, que o "problerna" do rnito nao e uma . questao de deficiencia, e sim de excesso.
Ha um preconceito contra a mitologia particularmente evidente nos escritos de Levi-Strauss, que nos volumes de suas Mythologiques apresenta um estudo rnagistral de sua estrutura. Embora ele veja uma continuidade entre o empreendirnento da hist6ria e o da mitologia, nao se deve irnaginar que Levi-Strauss esteja afirmando que o conteudo da mitologia deve ser levado a serio, nem por nos nem pelos povos indigenas. Na verdade, ele sustenta nao ter muita confiani;:a na hist6ria ocidental, e assevera que ela inevitavelmente cria fici;:6es (Levi-Strauss 1966:242-243) . Masse o conteudo da hist6ria (ocidental) nao e rnuito bem-visto dentro do esquema geral levi-straussiano, 0 que ele diz SObre OS possfveis meritOS da rnitologia e ainda mais critico. No capitulo final de The Naked Man,
ele conclui que "temos de nos resignar ao fato de que os mitos nada nos dizern de instrutivo a respeito da ordern do mundo, a natureza da realidade ea origem e o destino da humanidade" (Levi-Strauss 1981:639). De
urna perspectiva diferente da levi-straussiana, po.demos reformular o dilerna de rnodo a perguntar: o que , exatarnente, querernos incluir no mundo real? Porem, para Levi-Strauss, que tern rnais certezas quanto a essas quest6es, o rnundo real e aquele que e revelado pelo empreendimento cientifico . Assim, para ele, os eventos apresentados pela mitologia sao, em relai;:ao a esse mundo real revelado pela ciencia, irracionais e falsos, e portanto comparaveis "apenas a hist6ria rnenor, menos importante: a hist6ria dos cronistas mais obscuros " (Levi-Strauss 1981:242-243).
A hist6 ria que para Levi-Strauss seria um saber minimo e, para os Piaroa, repleta de saber. Como, pois, encarar contradii;:oes tao fortes entre os julgamentos dos investigadores ocidentais e os dos povos indigenas? Ate que ponto e de que modo po.demos levar a serio as conclus6es dos Piaroa quanto a validade de seu pr6prio sisterna de conhecimento? Basicarnente, o que Levi-Strauss esta dizendo e que, ao menos quanto a mitologia, nao devemos levar os julgamentos dos indigenas nem um pouco a serio. Sua argumentai;:ao baseia-se no pressuposto de que a mitologia e irrelevante para aquela realidade que e conhecida e mapeada pelas ciencias naturais e por nossa filosofia da ciencia. Porem, nao seria de se esperar que se desse o contrario, uma vez que todos concordam que na metafisica indigena muitas das proposii;:oes basicas referentes as modalidades de estar no mundo sao incompativeis com rnuitas das proposii;:oes que sao pressupostas pelos bi6logos e fisicos mo.demos.
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Do ponto de vista do cientista, os postulados indigenas a respeito da realidade sao fantasmag6ricos. Por exemplo: a ideia piaroa de que os ani
mais vivem como seres humanos em seus lares primordiais do tempo mitico, debaixo da terra, certamente seria uma afronta a sensibilidade cientifica. 0 mesmo pode-se dizer da ideia de que os poderosos lideres piaroa
(os ruwatu) tern o poder de andar no "tempo-antes" do passado mitico,
ou a de que espiritos monstruosos semelhantes a ogros, com armaduras de conquistadores espanh6is, foram criados no tempo mitico para guardar hoje os recurses da selva. Esses postulados sabre a realidade nao sao compativeis com as teorias cientificas referentes ao real. Seja como for,
as ·afirmativas de Levi-Strauss a respeito da natureza do real implicam
que existe uma unica realidade, e que apenas a ciencia pode revela-ia . Como o mundo que e apresentado pelos ciclos miticos e considerado fantastico pelos canones dessa realidade, a mitologia dos povos indigenas e
um equivoco. Como muitos de seus postulados sobre a realidade se exprimem mediante a exegese do mito, conclui-se, pois, que nao se pode falar com propriedade de uma metaffsica indigena.
A visao unitaria da realidade: o dilema materialista
Tal visao unitaria da realidade e semelhante a que e expressa claramen
te por Gell (1992:esp. 54-56) em seu recente estudo da metaffsica do tem
po em sua obra The Anthropology of Time. Segundo ele, o tempo linear e progressivo e universalmente 0 unico modo de experimentar 0 tempo e tambem, ao que parece, de exprimi-lo. Gell ataca o relativismo cultural
de Durkheim e Levi-Bruhl e as afirmar;:oes de antrop6logos como Leach, Levi-Strauss e R. Barnes, em suas anillises de culturas "nao-tecnol6gicas" (para empregar o termo de Gell). no sentido de que os membros de
tais culturas teriam concepr;:oes pr6prias e diversas do tempo - por exemplo, tempo ciclico, sincr6nico ou invertido (Gell 1992:caps. 1, 3, 4 e 5) .
Segundo Gell, tais autores dao a entender que os povos "nao-tecnol6gicos" conseguiram criar postulados metafisicos que podem ter aplicar;:ao
geral, ao lado dos nossos, e que portanto sao tao validos quanta os nos
sos. Ele acusa Durkheim e outros relativistas culturais de estarem desse modo fazendo metafisica, o que nao seria atribuir;:ao do cientista social. Para Gell (1992:55). a metafisica deve permanecer nas maos de fil6sofos
e metafisicos ocidentais; e os antrop6logos, quando analisam a diferenr;:a, devern limitar-se a descrever as "crenr;:as contingentes" dos povos indi-
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genas - isto e, crenr;:as que nao teriam efeito sabre 0 tempo linear uni
versalmente valido, nem sobre qualquer outra categoria de uma metafisica materialista moderna. Quern nao age assirn esta errado, pois da a entender que uma outra metafisica e possivel.
Assim, Gell (1992:55) faz uma distinr;:ao entre os "sistemas de cren
r;:as contingentes" dos sujeitos da etnografia, que nao sao validos, e as "teses metafisicas racionalmente expostas" pelos fil6sofos ocidentais, "coma as defendidas por Kant em sua Critica da Razao Pura", que sao
validas. Com rela~ao a essa distinr;:ao, Gell afirma que as crenr;:as que sao culturalmente relativas sao contingentes e dependem das crenr;:as mais gerais que tern a caracteristica de ser universalmente verdadeiras corn
relar;:ao a experiencia humana do rnundo. Como, de acordo com Gell (1992:56), as crenr;:as contingentes a respeito do mundo sao por definir;:ao
invalidas, elas tarnbem nao dao nenhuma contribuir;:ao a nossa compreensao (correta) da verdade, necessidade, 16gica e tempo. Para ele, tais cren
r;:as contingentes sao "expressas, cornpreendidas e levadas a pratica a luz de premissas 16gico-metafisicas uniformes, porem implicitas, e apenas a luz delas" (Gell 1992:56; enfase minha). Para Gell, o tempo, por exemplo, "e inteirarnente unitario em todas as culturas" (Gell 1992:esp. 54) .
Assim, ele argurnenta que existe apenas urna metafisica do tempo valida, a qual e absoluta e universalmente adotada - ainda que de modo
implicito ou subconsciente. Gell conclui que a tarefa da metafisica e declarar verdades a respeito do mundo: pode haver "sistemas metafisicos verdadeiros", mas nao falsos. Os considerados falsos (do ponto de vista cientifico) nao seriam metafisicos e sim contingentes.
Gell afirma tambern que cabe ao antrop6logo dizer ao nativo - o qual aceita um postulado falso - que ele esta enganado. Segundo o
autor, "o mapa do mundo do sujeito etnografico s6 pode ser avaliado (vista tal como e) a luz do mundo ao qual ele supostamente se refere, que e o mundo real, e nao um mundo imaginario que seria real se o mapa do
sujeito etnografico fosse verdadeiro" (Gell 1992:324). Os inhames nao danr;:am a noite; as borboletas nao sao feiticeiras. E o tempo tern um fluxo
natural, linear, que nao pode ser alterado: nao ha ritual que possa faze-lo se comprimir, saltar para tras ou para a frente. Gell conclui que seria
"pura condescendencia" da parte do observador externo nao criticar as ilusoes do sujeito etnografico. 0 observador externo, prossegue ele, e
"detentor de conhecimentos codificados [a respeito do mundo real] a~umulados por meio de estrategias de pesquisa objetivas" (Gell 1992:325) as quais sao "inacessiveis" aos sujeitos nativos, que "se lirnitam a manipular'premissas culturais de modo pratico" (Gell 1992:325). 0 observa-
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dor externo, ao contrario do nativo, ve-se portanto na posi<;ao de poder
fazer uma critica racional dessas prernissas culturais baseada nas desco
bertas da ciencia.
Gell defende uma descric;:ao unitaria da existencia, e deste modo
tambem promove a popular filosofia do materialismo. Deve-se observar
que o materialismo, como qualquer outro sistema metafisico, afirma prin
cipios fundamentais referentes a natureza do mundo os quais teui forc;:a
prescritiva. Faz parte do credo do materialista a crenc;:a na onicompeten
cia das ciencias naturais . Como explica Walsh (1967 :303), o materialista
ve o mundo como um imenso mecanismo, e compreende tudo que acon
tece como resultado de causas naturais. Todos os outros fen6menos, como
os que caracterizam a vida psicol6gica, social, religiosa ou moral, devem ·
ser avaliados e compreendidos com base nessa perspectiva.
Mais uma vez nos vemos diante do grande divisor de aguas da teo
ria ocidental: a distinc;:ao entre natureza e cultura. Neste caso, a natureza
e vista como objetiva, mecanica e unitaria, enquanto a tradic;:ao (por sua
subjetividade e diversidade) e considerada nao-natural, e portanto nao
real. Esta visao de mundo materialista cria serios problemas para a antro
pologia. Como observa Shweder (1991:52-56) ao de fender uma "antro
pologia p6s-nietzscheana", nosso campo infelizmente adquiriu os atribu
tos de uma realidade fantasma. Para esse autor, o dilema e o seguinte :
cultura, tradic;:ao e sociedade passaram a ser vistas como coisas imagina
rias, sem nenhuma referenda, portanto, a qualquer mundo real. Ele
observa que uma saida (entre muitas) adotada pelos antrop6logos para
escapar do dilema mate rialista e reduzir o cultural aos fatos "concretos"
do natural (Shweder 1991:56). E esta a saida adotada por Gell. Tal solu
<;ao parte do pressuposto de que os dem6nios e os deuses nao tern nenhu
ma relac;:ao com a realidade, enquanto as leis do pensamento (que per
tencem a natureza), por exemplo, sao reais. Nao admira, pois, que quase
sempre haja uma divergencia entre a avaliac;:ao dos fatos feita pelo mate
rialista e a que e realizada por alguem que pratique a religiao ou siga o
credo moral em questa o.
Reduzir a cultura a d e terminantes externos - ou, de outro ponto de
vista (mas que da no m esmo). ao imaginario - e um a maneira de esqui
var-se de responder a pergunta: como devemos interpretar as afirmativas
das pessoas que manifestam uma forte convicc;:ao de que deuses e dem6-
nios nao apenas existem como tambem sao seres dotados de eficacia? De
modo geral, as pessoas nao se convencem de que seus postulados de rea
lidade sao ilus6rios ou m eras manifestac;:oes de falsa consciencia2. Para
elas, tais postulados (p. ex ., quando um sogro fica zangado ele se trans-
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forma em uma onc;:a para atacar o genro) nao ,apenas esclarecem a expe
riencia, mas tambem constituem uma forma de conhecimento do mundo.
E quanta a este ponto, em particular, que a posic;:ao materialista atua no
. sentido contrario da tarefa da antropologia de compreender os julgamen
tos de conhecimento feitos por pessoas que defendem expressamente
prernissas a respeito da existencia do mundo que sao diferentes das mate
rialistas .
O que fazemos com o realmente construido? Duas visoes
Na introduc;:ao de seu livro Mimesis and Alterity, Taussig (1993:XV) per
gunta, em tom de brincadeira, por que motivo o que nos parece mais
importante na vida e construido - nao e nada mais, nada menos que "um
construto social". Ele prossegue: "Como seria born se este real de verda
de se abrisse . Como eu queria [ .. . ] esta cumplicidade com a natureza da
natureza! Mas quanta mais a quero, mais me dou conta de que jamais
vou consegui-la. Nern eu, nem voce" (Taussig 1993:XVII). 0 autor deci
de entao examinar o poder social do faz-de-conta, ou a realidade do real
mente construido atraves do qual todos n6s somos obrigados a viver nos
sas vidas (Taussig 1993 :IX) . Desse modo, Taussig assume uma posic;:ao
quanta a uma discussao crucial na antropologia.
Desde o inicio, boa parte da discussao em antropologia gira em tor
no da tentativa de resolver o dilema de como interpretar a convicc;:ao das
pessoas de que deuses, dem6nios e espfritos existem de fato. Porem, ate
o momenta, nao ha nenhum sinal de consenso a respeito de como enten
der esses "pressupostos de realidade fantasma", como Shweder os deno
mina ironicamente. A tend~ncia e a cristalizac;:ao em duas posic;:oes rigi
das, polarizadas e intransigentes, expressas cada vez mais em termos de
posic;:oes extremas de universalismo e relativismo cultural. Por exemplo,
para Shweder os antrop6logos devem descartar a ideia ultrapassada de
que existiria uma unica realidade uniforme, e aceitar a coexistencia de
"mundos obj e tivos multiplos". Em outras palavras, os deuses dos nativos
sao tao reais quanta as verdades do fisico (Shweder 1991:68-69). Um born
exemplo da posic;:ao oposta ea visao de Gell (1992 :324-325). para quern
ca be ao antrop6logo realizar uma "critica da cultura" . Gell simplesmente
nao leva a se rio a visao dos nativos, e s6 aceita como realmente reais as
verdades dos fisicos . Pelo visto, voltamos a estaca zero. Ou bem (1) afirmamos que o sujei
to etnografico , embora plenamente capaz de exercer ac;:oe~ praticas, e
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incapaz de desenvolver raciocinios filos6ficos e prernissa,s culturais a respeito do mundo que sejam corretas; ou hem (2) sustentamos que os postulados metafisicos locais a respeito da realidade (p. ex.: os deuses existem) devem ser interpretados do mesmo modo que os da fisica : ambos sao projec;oes parciais e ate certo ponto imaginarias, e portanto nao ha porque dizer que urn e menos verdadeiro que o outro:
Nao nos veriamos em urna situac;ao tao absurda se, a partir do seculo XVII, a filosofia nao tivesse comec;ado a elirninar de seu carnpo de interesses todas as questoes praticas, e juntamente com elas todo 0 particular, o local, o temporal. Costume, tradic;ao, sociedade, palavras, canc;oes, rituais - tudo isso passou a ser encarado com desconfianc;a, a ser visto como ilusao, em oposic;ao ao mundo real e objetivo da natureza fisica . o mundo humano e visto como irreal. E desse dilema que Taussig tenta escapar. Shweder tern toda razao quando afirma que o tema da antropologia, tal como esta disciplina costurna ser concebida, consiste em postulados de realidade fantasma sustentados por 9utras pessoas . Todo aquele que defende - ainda que com urna atitude modesta - uma perspectiva modernista e incapaz de respeitar a diversidade e a multiplicidade: tudo se reduz a construc;oes sociais, a invenc;oes da tradic;ao, e portanto a irrealidades.
Gell, ao rejeitar a multiplicidade em um gesto calculadarnente imodesto, esta seguindo um tema que, segundo Toulmin (1992 :33 -44). e comum na filosofia moderna desde Descartes. Este tema e a afirmac;ao da irrelevancia da etnografia e da hist6ria para a investigac;ao verdadeiramente filos6fica. Segundo se costurna afirmar, problemas que na verdade sao filos6ficos devem ser expressos em terrnos que sejam independentes de qualquer situac;ao hist6rica ou concreta. Em outras palavras, questoes de epistemologia, filosofia natural e metafisica devem ser mantidas fora do alcance da analise contextual, onde, por exemplo, e de se esperar que as experiencias desta ou daquela cultura sejarn relevantes. Esta e a posic;ao de Gell quando ele repreende seus colegas antrop6logos por se rneterem a fazer metafisica. E claro que ele pr6prio esta fazendo metafisica quando assume a posic;ao categ6rica que defende . A meu ver, ao evidenciar sua pr6pria posic;ao metafisica, Gell da um passo admiravel, na rnedida em que a maioria dos antrop6logos nao explicita seus postulados metafisicos contingentes. Buscando esta claridade, espero no decorrer deste texto explicitar me.us pressupostos e reflexoes a respeito de tais questoes, explicai;ido, por exemplo, por que me sinto a vontade para falar de uma rnetafisica - ou de uma ontologia ou cosmologia _ indigena3.
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0 MITO COMO HISTORIA
Como o temporal, o local e o pratico foram expulsos da filosofia
Em sua obra recente Cosmopolis, Toulmin estabelece urn contraste entre OS posicionamentos filos6ficos dos seculos XVI e XVII. Ao faze-lo, 0 autor diz muita coisa relevante sobre as atitudes presentes e passadas quanto a relac;ao entre o .empreendimento etnogrAfico e o filos6fico. Toulmin afirma tambem que as realizac;oes dos hurnanistas do seculo XVI forarn revo-1 ucionarias o suficiente para que sejam colocadas, ao lado das realizac;oes mais te6ricas do seculo seguinte, como responsaveis pelo desenvolvimento do modernismo. Segundo ele, a criac;ao do modernismo seguiu duas linhas, uma humanista e a outra racionalista. Embora nao fosse inevitavel que elas se desenvolvessem como linhas mutuamente excludentes dentro do pensamento europeu, foi o que de fato ocorreu. Isto se deu devido ao estreitamento e a descontextualizat;Cio radicais que ocorrerarn em boa parte da filosofia seiscentista - o que Toulmin (1992:17-20) ve mais como uma estrategia de defesa contra-renascentista do que corno um gesto revolucionario.
Evidentemente, as discussoes que se travam atualmente no campo da antropologia nao sao novas. No contexto da polemica em questao, a posic;ao relativamente pluralista de Taussig e Shweder alinha-se com o clima intelectual do humanismo quinhentista, enquanto a de Levi-Strauss e Gell estao de acordo com a visao mais unitaria do pensamento seiscentista. Por volta do inicio do seculo XVII, houve uma acentuada mudanc;a da modestia intelectual dos humanistas em relac;ao ao comprornisso dos seiscentistas com a busca da Certeza (Toulmin 1992:36 -44). Como esta mudanc;a e relevante para a atual discussao que se trava no seio da antropologia com relac;ao as discordancias quanto a avaliac;ao - e portanto a compreensao e a comunicac;ao - do conhecirnento indigena, vale a pena resumir aqui a visao que Toulmin tern dessas epocas no campo da hist6-ria das ideias.
Segundo Toulmin, no seculo XVI , em que a atitude geral era a de que "nada do que e humano me e estranho"' a etnografia fornecia munic;ao para o debate filos6fico . 0 temperamento especulativo e te6rico dos estudiosos renascentistas, observa o autor, "coexistia com o gosto pela variedade da experiencia concreta" (Toulmin 1992:27). Montaigne, por exemplo, argumentava que o melhor erase dedicar a acurnular experiencias tanto no mundo natural quanto no hurnano, hem corno visoes diversas desses mundos, e nesse interim nao pronunciar julgamentos referentes a questoes de teoria geral. Assim, a reac;ao de muitos humanistas leigos (como Montaigne) ·aos relatos dos exploradores europeus foi a de
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incluir as descobertas de novas populac;oes no cabedal geral de depoimentos sabre a vida humana, de ta! modo que houvesse lugar no esquema geral de conhecimentos para informac;oes etnogrcificas. Segundo Toulmin (1992:27-28). o respeito desses estudiosos pelas possibilidades racionais da experiencia humana, vivenciada por meio de exemplos concretos, e um dos maiores meritos do humanismo renascentista. Esse res
peito pela diversidade concreta tinha implicac;oes para as possibilidades de criac;ao de uma teoria abstrata. No projeto de construc;ao de teorias, esses seguidores quinhentistas do ceticismo classico impuseram limites as possibilidades de fazer generalizac;oes com base na experiencia, que !hes parecia possivelmente infinita. Por esse motivo, eles encaravam com tolerancia a existencia de uma diversidade de posic;oes referentes tanto as questoes humanas quanta ao mundo natural. Para eles, as posic;oes filos6ficas especfficas nao permitem provar nem refutar nada (Toulmin 1992:29-30)4.
No seculo XVII, muitas das colocac;oes e dos interesses mais emancipadores dos humanistas foram deixados de lado. Por exemplo, tanto a etnografia quanta a hist6ria comec;aram a perder valor. No Discurso sabre
o Metodo, Descartes confessa que quando jovem sentia fascfnio pela etnografia e a hist6ria, mas explica que conseguiu deixar para tras o interesse por tais assuntos. Caminhando no sentido contrario ao do pensamento renascentista, Descartes desvalorizou as ideias tradicionais em favor de universais culturais, cujo status seria garantido pela "clareza e distinguibilidade" que se manifestariam para todos os pensadores reflexivos (Toulmin 1992:32-33, 189). A tolerancia e o pluralismo, tipicos valores humanistas do Renascimento (exemplificados pelos escritos de Montaigne), que previam a possibilidade de, por intermedio da discussao racional, os individuo's chegarem ao menos a concordar civilizadamente que estavam em desacordo, tornou-se no seculo XVII uma opc;ao intelectual inaceitavel (Toulmin 1992:55). Em um contexto de busca da Certeza, o pluralismo e a multiplicidade sofreram uma desvalorizac;ao absoluta. O pensamento intelectual europeu, antes marcado pelo interesse nas questoes "locais, t~mporais, praticas", cada vez mais passou a adotar uma visao exclusivamente "geral, atemporal e te6rica" (Toulmin 1992:36;
enfases do autor). Toulmin ve uma ligac;ao entre a expulsao categorica de todas as
preocupac;oes praticas da filosofia e os disturbios sociais e politicos crescentes do seculo XVII. 0 autor observa que, de acordo com estudos recentes sabre a hist6ria socioeconomica do inicio do seculo XVII, a partir de 1610 generalizaram-se os disturbios sociais e o retrocesso. Nesse clima
0 MJTO COMO HISTORIA
de extrema intranqiiilidade, a busca da certeza converteu-se em recurso politico. No inicio do seculo, o confronto religioso entre protestantes e cat6licos tornou-se altamente politizado, intensificando-se em toda a Europa e explodindo na violencia brutal da Guerra dos Trinta Anos. Ate certo ponto, a aceitac;ao humanista da incerteza, ambigi.iidade e diferenc;a de opiniao foi .responsabilizada pelo desenvolvimento dessa intranqiiilidade. Em um periodo de turbulencia, "o ceticismo filos6fico tornou-se menos atraente, enquanto a certeza tornou-se mais atraente" (Toulmin 1992:71; enfases do autor). Segundo Toulmin, o raciocinio era mais ou menos o seguinte: "Se a incerteza, a ambigiiidade e a aceitac;ao do pluralismo levaram na pratica a intensificac;ao da guerra religiosa, chegou a hora de descobrir um metodo racional de demonstrar que uma dada doutrina filos6fica, cientifica ou teol6gica e essencialmente correta ou err6-nea" (Toulmin 1992:55; enfase do autor). Os fil6sofos passaram a julgar irrelevante, dada a especie de construc;ao de teoria que lhes interessava, qualquer tipo de conhecimento pratico que, por sua pr6pria natureza, nao pudesse ser senao contextual. Assim, descartaram o oral, o especifico, o locale o temporal. Nas palavras de Toulmin, "os axiomas abstratos
estavam in, a diversidade concreta estava out" (Toulmin 1992:33; enfases
do autor). Ate mesmo a etica passou a abstrair das circunstancias concretas.
No Renascimento, os fil6sofos abordavam as questoes morais por meio da analise de casos. Acreditava-se que o born julgamento moral se baseava no respeito as circunstancias detalhadas de tipos especificos de casos. Porem, a partir da decada de 1650, os platonicos de Cambridge, por exemplo, passaram a tratar a etica como um campo de teoria geral abstrata, "divorciada dos problemas concretos da pratica moral" (Toulmin 1992:31-32). 0 que e notavel, do ponto de vista antropol6gico, e que a filosofia moral moderna tende a continuar se interessando por princfpios atemporais e universais de teoria etica, com base no pressuposto de que
0 Borneo Justo, tal como a Mente ea Materia, obedecem a princfpios que podem ser afirmados em termos gerais (Toulmin 1992). Agir de outra forma seria negar o status da etica como filosofia, a qual por definic;ao se transformou em um programa descontextualizado, onde e necessario afir
mar os problemas como verdadeiros para qualquer contexto ou situac;ao
hist6rica. Embora a filosofia moral pretenda limitar seus interesses ao univer-
sal, seu status e o de um campo de estudos menor, ou menos racional, do que a epistemologia. Isto porque os cientistas do seculo XVII restringiram o pr6prio conceito de "racionalidade" a argumentos te6ricos que
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atingissem uma certeza quase matematica (e e provavelmente por isto que Gell, em sua analise da questao do tempo, restringe a discussao "metafisica" do t6pico aos argumentos "racionais", e portanto formais, da filosofia moderna). Assim, para o fil6sofo dogmatico, a fisica te6rica seria um campo para o estudo ea discussao racionais, mas nao a etica, o social, o direito. Foi essa a transformac;ao ocorrida na filosofia modema:
negar a ideia renascentista de que a compreensao da epistemologia envolve nao apenas questoes intelectuais, mas tambem questoes' morais (Toulmin 1992:41). Se a ciencia modema separou o fato do valor, a filosofia modema fez o mesmo. De muitas maneiras, a filosofia tambem eliminou do repert6rio de seus interesses diversos aspectos do que significa viver como ser humano - um ser social e cultural.
A diversidade do certo e as versoes conflitantes
Nas ciencias naturais hoje em dia, as discussoes a respeito de quais modelos da realidade sao apropriados vao de vento em popa. Segundo Toulmin, a "modernidade" nas ciencias naturais, desenvolvida a partir do racionalismo rigido e da visao unitaria da natureza promovidos pelos influentes cientistas e fil6sofos do seculo XVII, es ta "morta e enterrada" (Toulmin 1992:10). Os principios e pressupostos que para Kant se aplicavam a ciencia natural em geral se revelaram, no final das contas, especificos da fisica newtoniana5 . Nas ciencias naturais, o desenvolvimento dos metodos sempre esteve associado a pratica e a solU<;: ao de problemas . Assim, como Toulmin (1992:10-11) observa, uma evolw:;ao constante das ideias e metodos modemos dentro das ciencias naturais tern dado origem a toda uma nova gerac;ao de ideias a respeito do metodo cientifico que escapam das criticas fatais dirigidas as concepc;oes estreitas que os cientistas do seculo XVII tinham dos metodos da ciencia, inextricavelmente ligadas a sua busca da certeza absoluta. Shweder enfatiza que, se muitos aspectos do programa da ciencia atual - que visa descobrir a realidade - SaO inevitavelmente subjetivos OU arbitrarios, isto nao e motivo para apreensao (Shweder 199.1=66).
Todo um setor influente da filosofia segue o exemplo das ciencias naturais, de modo que a filosofia analitica, com base na observac;ao da pr6.tica cientifica, conseguiu firmar o principio de que niio ha motivos para se crer na existencia de principios necessarios universais - fora das investigac;oes puramente formais -, senao com relac;ao a um conj unto
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0 MITO COMO HISTORIA
especifico de pressupostos6. Se Kant pressupunha a existencia de um unico esquema conceitual fixo que teria de ser adotado por toda mente racional, para muitos dos fil6sofos que Shweder (1991:59) chama de "p6s-positivistas", o conhecimento depende da teoria. Para epistem6logos "pe-naterra" como Wittgenstein, Quine, Nelson Goodman, I. Lakatos, Mary Hesse e Paul Feyerabend, a ideia de que ha uma unica realidade objetiva,
ou uma unica teoria da realidade a que todas as outras teorias podem ser reduzidas, nao faz mais sentido. A ideia de que o mundo objetivo pode ser representado por completo se for representado de um unico ponto de vista nao seria aceita por tais epistem6logos. Eles admitem uma pluralidade de conhecimentos, cada um dos quais s6 pode oferecer uma visao parcial; assim, o fisico pode perfeitamente trabalhar ora com "um mundo de ondas", ora com "um mun do de particulas", conforme for mais adequado a seus prop6sitos (Goodman 1984:278). Em segundo lugar, eles aceitam a ideia de que todas as teorias da realidade sao, ate certo ponto, atos de projec;ao imaginativa7 • Em suma, ha muito tempo que um elemento interpretativo foi incorporado as concepc;oes filos6ficas da ciencia enquanto atividade que busca a objetividade, como se percebe, por exemplo, nos textos filos6ficos a respeito da utiiizac;ao critica da metafora nas ciencias naturaisa.
Mais ainda: nao ha por que supor que uma postura de pluralismo
metafisico resulte em "bagunc;a relativista" ou "confusao filos6fica", como poderiam argumentar, em causa pr6pria, os que seguem uma orientac;ao mais unitaria. Em primeiro lugar, a metafisica e um campo de natureza notadamente (ou lamentavelmente, dependendo do ponto de vista) especulativa, quer "nas maos" do fil6sofo ocidental, quer nas do cosm6-logo indigena. Os postulados metafisicos nao sao aprioristicos nem tampouco tern base empirica. Eles necessariamente sao defendidos com argumentos ret6ricos e/ou 16gicos; sao esclarecedores e iluminadores, porem - tal como ocorre nas discussoes liter arias -, nunca e passive! chegar a uma conclusao aparente, senao dentro da versao de mundo que esta sendo apresentada. Nao existem dados absolutamente neutros aos quais possamos recorrer para atacar ou defender uma dada teoria metafisica9. Como observa Walsh (1967), em metafisica quase tudo e discuti
vel; assim, nao admira que haja tantas variedades diferentes da nossa metafisica ocidental: realismo, irrealismo, idealismo, materialismo, naturalismo, racionalismo, relativismo, essencialismo, nominalismo etc. Como foi observado tanto por Wittgenstein quanta por Goodman (1978). ha diversas linguagens ou teorias (da ciencia, da psicologia, das artes, da moralidade) por meio das quais vivenciamos o mundo, e seria absurdo
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supor que e possfvel reduzi-las a uma so (p. ex., a ffsica newtoniana) a fim de propor a descric;ao definitiva do mundo. Como diz Goodman a respeito da posic;ao que ele proprio defende em Ways of Worldmaking, "passamos de uma verdade (mica e um mundo fixo e descoberto para uma diversidade de certezas e ate mesmo versoes ou mundos em formac;ao conflitantes" (Goodman 1978:X).
Em suma, mesmo dentro da nossa propria tradic;ao filosofica, nao existe uma metaffsica (mica, em particular com respeito ao complexo e fascinante tema do tempo. Trata-se de uma area em que cada nova teoria rapidamente substitui a anterior. No momento, os mais brilhantes cosmologos ffsicos es tao gerando teorias do tempo - como a teoria das "ondulac;oes" ["ripple" theory of time] - que, quanto aos postulados gerais, parecem mais proximas a teoria amazonica dos mundos possfveis do que dos relatos unitarios dos materialistas. Nesta teoria recente, temos universos pais e universos filhos, cada um existindo dentro de sua zona de tempo especffica, de vez em quando esbarrando um no outro - o que gera caos geral, e talvez esplendor criativo.
Enquanto a ciencia e a filosofia ha muito tempo deixaram para tras
o compromisso estreito com a busca da certeza, tal como se desenvolveu atraves do racionalismo intransigente dos filosofos e cientistas do seculo XVII, os conceitos que os antropologos tern tanto dos metodos quanto da filosofia da ciencia estao muitas vezes bastante desatualizados. Nao e raro encontrar visoes ultrapassadas da pratica cientffica tanto entre os que criticam quanto entre os que defendem a metodologia cientffica10.
Muitos antropologos continuam desejando atingir o ideal positivista -ou seja, obter o que lhes parece ser o status de cientista de verdade den
tro da comunidade cientffica, ao ser capaz de desvelar a verdadeira realidade - tal como faz o cientista 11 . Devido a forte tendencia positivista que ha na aritropologia, os antropologos continuam a buscar a verdadeira realidade a fim de atingir aquela cumplicidade com a natureza que tanto desejam. Isto leva muitos deles a desconfiarem profundamente do tema que estao estudando, que e, ao mesmo tempo, exatamente o topico distintivo da antropologia: a tradic;ao. Nosso tema reduz-se a meros "pos
tulados de realidade imaginarios" ou a crenc;as contingentes (nao-naturais). E essa situac;ao ironica que leva Shweder (1991:cap. 1) a se julgar na obrigac;ao de defender o desenvolvimento de uma antropologia "p6spositivista" e "pos-nietzscheana", a qual, necessariamente, estara mais em harmonia com a pratica e a teoria da ciencia atual.
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0 MITO COMO HISTORIA
A volta ao especifico, o local e o temporal
Para Gell, a etnografia em nada ajuda a filosofia a resolver seus problemas .. Segundo ele, os antropologos nao devem enveredar por especulac;oes metafisicas, nem mesmo involuntariamente. As questoes que esse autor levanta sao serias, e portanto precisam ser (mais uma vez) trazidas a baila. Na verdade, se ele estiver com a razao, muitos de nos estamos cometendo graves equfvocos em nossas descric;oes das cosmologias e metaffsicas indfgenas e dos conceitos indfgenas de tempo, espac;o etc. Porem a pergunta permanece: ate que ponto devemos levar a serio a crf
tica de Gell, se tanto dentro da antropologia quanta fora dela ha muitos que nao concordam com esse autor quando ele afirma que o contexto deve ser eliminado? Assim, por exemplo, um antropologo como Witherspoon sente-se perfeitamente a vontade para afirmar que "os Navajo tern uma contribuic;ao significativa a dar ao estudo filosofico da linguagem e da arte, e a nossa compreensao das relac;oes entre fenomenos mentais e fenomenos ffsicos" (Witherspoon 1977:12). Na filosofia, Charles Taylor (1986) apresenta seu projeto em Philosophical Papers como "antropologia filos6fica", enquanto Toulmin, tambem um destacado filosofo, observa que agora, no final do seculo XX, nao acreditamos mais que os estudos de etnografia e historia "nao possam nos ensinar nada que seja intelectualmente relevante a respeito, por exemplo, da natureza humana" (Toulmin 1992:188). E afirma que ha poucos ramos da filosofia que podem se dar ao luxo de ignorar as contribuii;oes dessas disciplinas (Toulmin
1992:189). Ainda no campo da filosofia, Alistair Macintyre (1985) dedica um
livro inteiro, After Virtue, a tarefa de demonstrar a importancia da contextualizac;ao cultural e historica dos problemas filosoficos. 0 autor da enfase, particularmente (mas nao exclusivamente). a etica, e Ve OS SeCUlos XVIII e XIX, marcados pela preocupac;ao com as generalizac;oes em forma de lei e com a descontextualizac;ao, como seculos caracterizados por "uma forma curiosa de cegueira" do ponto de vista do desenvolvimento moderno da teoria social (Macintyre 1985:92). Macintyre apela para a antropologia ea historia para levantar no campo da filosofia discussoes sobre as diversas maneiras como os problemas morais sao debatidos e abordados neste ou naquele contexto cultural e historico12 . Segundo ele: "Uma moralidade que nao seja a moralidade de alguma sociedade em particular, nao existe em lugar algum" (Macintyre 1985:265-266). Suas posic;oes contra a universalidade e sua defesa da contextualizac;ao vao alem das fronteiras da etica, estendendo-se tambem aos poderosos
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mundo elas nao estao em harmonia com os postulados de realidade de um metaffsico kantiano, ou com os do fisico ou bi6logo modemos, uma vez que nao ha nenhuma correla<;ao entre tais afirmativas e o modo como as pessoas vivenciam o mundo na vida cotidiana.
Tome-se como exemplo a questao da rela<;ao entre alguns dos postulados dos Piaroa a respeito da realidade e o modo como eles vivenciam essa realidade. Os Piaroa_ sustentam (primeiro postulado de realidade) que os animais eram/sao humanos no "tempo-antes" dos eventos miticos. Sustentam tambem (segundo postulado de realidade) que os animais s6 vivem na selva hoje porque seus ruwatu (xamas especialistas) transformam os seres humanos do "tempo-antes" (que agora vivem com seus pais primordiais sob a terra) em animais e em seguida os transferem para a superficie da terra, para a selva. Portanto, a ingestao de came animal e considerada um ato de canibalismo, e os Piaroa nao comem came que nao tenha sofrido uma transforma<;ao, desta vez da forma animal para a vegetal (terceiro postulado de realidade). realizada pelos ruwatu. Os
ruwatu realizam ambas as transforma<;oes - de seres humanos em ani mais e de animais em vegetais - atraves de sua melopeia ritualistica, a noite. Os Piaroa me informaram - nao sem um toque de humor ir6nico - que na verdade eles eram vegetarianos. De fato, o termo generico que empregam para designar alimento e "comida vegetal" (kwawa). Por fim (quarto postulado de realidade), eles afirmam que adoeceriam se comessem carne que nao tivesse sido transformada em batata.
0 que pode o antrop6logo dizer a respeito da rela<;ao entre tais postulados e o modo piaroa de vivenciar o mundo? Em primeiro lugar, nao podemos pressupor que nao haja nenhuma rela<;ao entre as duas coisas. Por mais que queiramos acreditar que os Piaroa vivenciam o mundo do
mesmo modo que nos - e a meu ver eles de fato tern muitissimas experiencias em comum conosco -, nao podemos partir desse pressuposto e chegar a conclusao de que os Piaroa nao acreditam no que dizem. Entao, como diferenciar o que eles dizem ser sua vivencia do que eles nao vivenciam, embora afirmem o contrario? Por exemplo, quando um Piaroa diz
que esta na verdade comendo uma batata (ou, em um outro nivel, um ser humano). se o que ele .esta comendo para mim tern toda a aparencia e o
sabor de came de caititu, o que significa vivenciar? Como se da a articula<;ao entre o fisico e o conceitual? Eis um enigma para o qual nao tenho nenhuma resposta.
0 que a mim, como antrop6loga, cabe demonstrar e de que modo os postulados que enumerei acima (que eram constantemente e de diversas
formas reafirmados pelos Piaroa que conheci como verdades a respeito
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do mundo) se relacionam com atos especificos do cotidiano dos Piaroa. Recapitulando, os quatro postulados sao: (1) os animais que vemos na selva eram, e ainda sao, seres humanos no "tempo-antes" dos eventos miti
. cos; (2) os animais s6 podem povoar a selva se o ruwang (xama) os evo-car de seus !ares humanos subterraneos e atribuir-lhes formas animais; (3) os animais sofrem em seguida uma outra transforma<;ao realizada pelo
ruwang, para a forma vegetal. ap6s a qual os membros de sua comunidade podem come-los; e (4) se um Piaroa comer came que nao tiver sido transformada em vegetal, ele adoecera. As articula<;oes entre estes quatro postulados e a pratica cotidiana sao surpreendentemente numerosas: OS postulados estao re[acionados a programa<;ao das atividades do dia-adia, aos habitos de ca<;a e consumo, as praticas comerciais, as estruturas gramaticais, as explica<;oes das doen<;as, a vida politica, as normas de propriedade e a inumeras outras areas da esfera cotidiana , inclusive aos rituais diarios. Ao apontar para essas articula<;oes, estou tambem mostrando que os postulados tern de fato uma rela<;ao concreta com as prciticas dos Piaroa e - por intermedio delas - com o modo como eles vivenciam a realidade. Alem disso, na comunidade .em que morei, as pessoas passavam boa parte do tempo agindo em conformidade comesses postulados. Limitar-me-ei aqui a alguns exemplos 6bvios que dizem respeito ao planejamento ea prepara<;ao da ca<;a e do consumo de animais.
Todas as noites, o lider ruwang realizava um demorado ritual cujo objetivo era transformar a came animal da ca<;a em alimento vegetal, mais saudavel; todos os homens da comunidade participavam como coro, durante muitas horas de melopeia. 0 ritual ocorria dentro da habita<;ao coletiva [communal house]. de modo que as mulheres e as crian<;as ouviam pelo menos duas horas de cantoria antes de dormir. Todas as
manhas, todos os membros da comunidade bebiam a agua ou o mel sobre o qua! o ruwang havia pronunciado intermitentemente, durante o ritual noturno, as palavras protetoras de seu encantamento. Quando encontravam algum animal na floresta, nao o ca<;avam se o ritual especifico para a especie em questao nao tivesse sido realizado. Somente depois que o
ruwang cantava para proteger os membros de sua comunidade dos perigos daquele animal em particular, e depois que todos bebiam suas palavras, e que o animal era ca<;ado. Normalmente, o ruwang tomava o cuidado de planejar seu ritual de modo a prever as especies que deveriam ser encontradas na selva naquela epoca do ano, mas nem sempre isso se dava. Por exemplo, uma vez, durante minha estada entre os Piaroa, umas crian<;as que se embrenharam na mata encontraram inesperadamente alguns tatus, mas s6 foi enviada uma expedi<;ao de ca<;a para pegar os
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animais de pois de o ruwang passar varias noites executando o ritual apropriado que permitiria aos membros de sua comunidade comer came de tatu sem perigo. As vezes, antes da cac;:ada, alguma outra comunidade dis
punha da agua e do mel ja preparados que eram apropriados a situac;:ao, e o especialista em rituais da segunda comunidade fornecia-os a primeira.
0 que e importante ressaltar nesses poucos exemplos de ac;:oes relacionadas com os postulados de realidade dos Piaroa:, quanta ao~ processos de transformac;:ao envolvidos no consumo de came de cac;:a, e que se trata de uma pratica importante e di6ria. Na verdade, o que esta em j'ogo aqui e a organizac;ao do tempo, o centro em torno do qua! a vida social dos Piaroa gira. Nesse contexto, o antrop61ogo percebe uma ligac;:ao evidente entre os postulados de realidade dos Piaroa (que sao claramente estranhos a nossa metaffsica) e o modo coma eles vivenciam a realidade cotidiana. Em outras palavras, a pratica e um importante aspecto da vivencia que o antrop6logo e capaz de comunicar.
A pratica inclui o ritual, que no caso nao e uma ocorrencia eventual e sim uma atividade que leva horas, sendo norrnalmente realizada todas as noites. Do ponto de vista dos Piaroa, esse ritual e uma atividade pratica que tern resultados praticos. Assim, se estabelecessemos uma distinc;ao rigida entre, de um lado, o tempo e o comportamento do ritual e, do outro, os do cotidiano, e impusessemos uma dicotomia sagrado/profcino a vivencia piaroa do mundo, estariamos distorcendo a pratica piaroa. Para ficar em um unico exemplo: a cac;:a, como pratica piaroa, nao e apenas uma questao de se embrenhar no mato e matar um animal. Pelo contrario, trata-se de um processo que exige outras habilidades que vao alem do uso da zarabatana e a preparac;:ao de armadilhas. E igualmente importante o trabalho rit~al do ruwang, que transporta para a floresta os seres humanos que ele transformou em animais, para que se tornem presas dos cac;:adores. E tamb~m atraves de rituais di6rios e demorados que o ruwang
transforma a carne animal em alimento vegetal, deste modo tornando-a menos perigosa para os membros de sua comunidade. Por intermedio de tais praticas rituais, o ruwang e reconhecido coma um cac;:ador poderoso, e em seu papel de praticante do ritual ele e considerado o cac;:ador mais capacitado da comuriidade. 0 antrop6logo muitas vezes tenta separar as praticas rituais das praticas cotidianas, o tempo ritual do tempo cotidiano, mas na pratica piaroa uma coisa e constitutiva da outra. 0 que ocorre a noite no ritual esta intimamente associado ao que e feito durante o dia na selva.
Do mesmo modo, a pratica cotidiana dos Piaroa tambem inclui o pr6-prio ato de afirmar postulados cosmol6gicos a respeito do mundo, o que
0 MITO COMO HISTORIA
pode ser associado ao fato de que a pratica cotidiana dos Piaroa e constitutiva de uma metafisica especifica, a qual inclui uma metaffsica do tempo tambem especifica. Ainda que essas observac;:6es parec;:am 6bvias, muitas vezes se esquece - principalmente nas abordagens que tentam separar as praticas sociais ilus6rias das realmente reais (o que e muito cornum quando o assunto em questao e a fala ritual) - que o ato de pronunciar palavras e uma forma de pratica, de modo que a pafovra em si e sempre um aspecto da realidade social, e portanto constitui experiencia. Em suma, e legitimo falar-se da relac;:ao entre a palavra e a experiencia rio mundo. A forc;:a da palavra nao se lirnita ao proposicional; ela faz mais do que simplesmente dizer algo que e verdadeiro (ou £also) a respeito da realidade. A palavra tern efeito sobre a pratica no mundo esteja ou nao em harmonia com as nossas proposic;:oes a respeito do mesmo. 0 realmente construfdo tambem e real, e portanto tern efeito real sabre as ac;:oes no mundo.
Podemos julgar mundos valorativos do ponto de vista de um mundo objetivo?
Ha mais um problema que se coloca para a visao unitaria, que visa resolver a diversidade postulando universais da experiencia: e muito dificil estabelecer uma correspondencia legitima entre os postulados de um mundo unitario e objetivo e os de um cosmos indigena sul-americano de mundos multiplos. Em primeiro lugar, o universo indigena de mundos multiplos e composto de mundos valorativos, ao contrario de nosso mundo objetivo unitario. Os mundos valorativos nao podem ser entendidos (pelo menos nao em termos indigenas) atraves dos postulados do nosso mundo objetivo, que sao - ou ao menos pretendem ser - livres de valores. Assim, o mundo valorativo nao pode ser reduzido ao mundo objetivo.
Eu diria rnesmo que quase nenhum dos postulados da teoria do mundo valorativo pode ser reduzido a postulados a tespeito de um unico mundo objetivo. Por exemplo: e verdade que quase todos os seres humanos do mundo reconhecem e vivenciam o ciclo de dia e noite; mas isto nao quer dizer que nossos postulados de realidade referentes aos movimentos dos planetas sejam os unicos postulados realmente reais que explicam a alternancia de dia e noite. Tambem nao se esta dizendo que os povos ihdigenas nao podem incorporar com facilidade alguns postulados do mundo objetivo a seu· esquema conceitual. Por exemplo, os Piaroa
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aceitaram tranqi.iilamente o papel dos antibi6ticos na cura da coqueluche. Mas esta aceita<;ao foi parcial. De acordo com o conhecimento piaroa, nao pode haver uma rela<;ao direta entre morrer de coqueluche e a nao utiliza<;ao de antibi6ticos. Isto porque, segundo a visao piaroa da doen<;a e da morte, as crian<;as nao podem morrer de coqueluche, pois todas as mortes sao provocadas pela feiti<;aria. Foi-me explicado, de modo enfatico, que a coqueluche pode tomar a crian<;a V'ulneravel ao,s efeitos da feiti<;aria, mas a coqueluche em si, coma doen<;a, nao pode causar a morte. 0 que ma ta e 0 poder dos pensamentos malevolos, e nao 0 poder da doen<;a.
Como os Piaroa nao consideram o mundo humano parte de um mundo natural, eles nao podem aceitar a ideia de que a coqueluche e a causa · real da morte. Tanto dentro da visao popular <las coisas quando da cientifica, tendemos aver a existencia coma um processo natural - nas palavras de M. Strathem, referindo-se especificamente a visao inglesa, "a vida [tal coma a morte] e encarada coma uma condi<;ao do corpo natural"
(Strathem 1992:66). Para OS Piaroa, a vida nao e um processo "natural"' e a morte tambem nao o e. Dentro de sua visao das coisas, a capacidade humana de vida na terra e atribuida as a<;oes de deuses e pessoas, e a causa decisiva da morte exclusivamente a a<;ao de feiticeiros humanos .
Do mesmo modo, os Piaroa nao veem o tempo coma um processo natural linear e progressivo. As vezes 0 tempo e linear, as vezes nao. Dentro da metafisica (e portanto da historicidade) dos Piaroa, o tempo tern um contexto, e coma a natureza do tempo e contextual. nao ha nada de contradit6rio na ideia de que o tempo ora e linear, ora nao. Alem disso, o tempo tambem nao e necessariamente progressivo. Como observa Strathern (1992:67), de acordo com a nossa visao popular, o tempo desloca-se para a frente, enquanto na teoria piaroa ele pode tambem saltar par cima do fluxo dos eventos, ou acontecimentos que - de um ponto de vista linear - pertencem a periodos hist6ricos diferentes podem se fundir. 0 tempo pode ser caleidosc6pico, fragmentar-se e recombinar-se em novas configura<;oes. 0 futuro pode ate alterar os eventos passados. Mais uma vez, nao ha aqui nenhuma contradi<;ao, ja que nao ha um "mundo natural" cuja ordem esteja sendo violada.
Por exemplo, dentro da visao piaroa, a morte nao e um processo inteiramente linear. Os mortos nao pertencem ao passado, coma a mem6-ria pode dar a entender, pois do ponto de vista das pessoas vivas, terrenas, os mortos vivem no presente . Como seres eternamente presentes, ainda que.normalmente vivam em moradias fora das habita<;oes humanas terrenas, os mortos podem interferir (com efeitos desastrosos) nas ativida-
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des terrenas. Par outro lado, nossos mortos pertencem mais categoricamente ao passado, pois eles estao naturalmente mortos. De modo geral, eles tambem sao mais velhos do que n6s. Podemos calcular que idade
. eles teriam se ainda estivessem vivas - talvez cem ou cento e cinqi.ienta anostJ. Os mortos dos Piaroa nao envelhecem, pelo contrario, perrnane
cem eternamente muito jovens, cada um sofrendo uma transforma<;ao quando sua alma passa a fixar residencia perrnanente fora do corpo. Ainda que sejam ancestrais no sentido linear do termo, esses jovens nao podem ter podeJ legftimo algum sabre os vivas.
Segundo a nossa teoria linear do tempo, a causalidade segue o fluxo do tempo para a frente, de modo que as causas precedem os efeitos. Acredita~se que aquilo que vem antes tern poder sabre aquilo que vern depois. O corolario social desse postulado e o de que os pais tern poder sabre os filhost4, ou ode que os mais velhos tern poder sabre os mais jovens. Um principio hierarquico e facilmente associado a nosso postulado, aparentemente natural, referente ao tempo linear e progressivo - o individuo tern poder sabre o outro que vem depois dele (assim e que falamos de lideres e seguidores) 15 . Os mais velhos naturalmente tern precedencia sabre os mais jovens e os influenciam. Na Amazonia, a institucionaliza<;ao desse principio nao e generalizada. Nao e tao comum encontrar institui<;oes do tipo de um conselho de anciaos com poderes decis6rios sabre OS mais jovens. Alem disso, O principio segundo 0 qual e "natural" OS pais terem poder sabre os filhos nao se evidencia muito. Na literatura etnografica sabre os povos amaz6nicos, da-se muita enfase ao fato de que os pais tern pouco poder e controle direto sobre os filhos 16. Urn dos motivos pelos quais esses povos nao dao muita irnportancia ao poder dos pais sabre os filhos, dos velhos sabre os jovens, e que eles tern ideias sabre a rela<;ao entre o tempo e as rela<;oes de pocl.er que sao diferentes das nossas. O fato de o tempo linear nao ocupar uma posic;:ao de destaque em suas teorias sabre a realidade faz corn que o conceito de tempo nao seja considerado riaturalrnente relevante para a teoria e a prcitica sociais.
0 elemento progressivo da teoria do tempo que e dorninante entre n6s tern mais uma conotac;:ao, tarnbem de natureza hierarquica: trata-se
da ideia de que a passagern do tempo tern efeito cumulativo. Dai a noc;:ao de que o que vem depois pode ser encarado coma melhor. Essa crenc;:a no poder concedido pelo tempo linear progressivo tern irnplicac;:oes para a teoria politica: dela deriva-se a ideia de que e natural que OS Estados nacionais se tornem maiores e as civiliza<;6es se tornem melhores . Segundo a doutrina colonialista, os maiores e rnais podercisos sao os rnais avanc;:ados, nao apenas em tecrio!Ogia mas tarnbem na seqi.iencia temporal;
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roa nao e 0 tempo passado (morto e enterrado). e, em um certo sentido, um tempo onipresente, que tern efeito continuo sobre o atual. Alem disso, como os deuses e os outros seres do tempo mitico tern eternamente o poder de agir sobre o tempo presente, o efeito do tempo mitico sobre o atual e tao imprevisivel quanto as intenr;oes especificas de agentes miticos individuais . Assim, a historicidade piaroa nao pode pressupor uma base s6lida de eventos lineares.
Criticar os postulados de realidade associados a esse exemplo especifico de historicidade amaz6nica com base no ponto de vista de um universo kantiano, que obedece a leis universais e naturais, seria, se nao politicamente absurdo, sem duvida logicamente impr6prio . Como argumenta Macintyre (1985:267 -269), a superioridade do universo newtoniano faz parte de uma hist6ria especifica que e tipificada por um conjunto especifico de interesses programaticos - isto e, problemas que se esta interessado em resolver 17 . Tais interesses sao, de modo geral, diversos dos dos povos amaz6nicos, cuja hist6ria e distinta . E em parte porque os interesses do fisico newtoniano sao muito diferentes dos do especialista amaz6nico, que sao diferentes as enfases que eles dao ao conteudo de seus respectivos universos . Para aquele, o universo e feito de materia; para este, o universo e composto de ar;oes de agentes, muitas vezes com intenr;oes personalizadas. No caso dos Piaroa, a realidade dos seres humanos como seres sociais e morais e constitutiva dos postulados do ruwang sobre a realidade . Dizer que o ruwang esta equivocado em suas afirmar;oes sobre a realidade fisica equivaleria a dissociar esses postulados de seu valor social, morale politico - o que seria absurdo, pois e justamente a isto que eles dizem respeito . Assim, nao podemos dizer que o ruwang esta errado quando postula suas teorias a respeito do mundo, sem ao mesmo tempo julgar que ele esta errado em suas teorias sobre a realidade dos seres humanos como seres sociais e morais . Qualquer julgamento desse tipo seria valorativo e nao objetivo.
0 fato e que OS postulados metafisiCOS locais referentes a realidade (p. ex .. os feiticeiros e os deuses existem, o tempo nao se desloca apenas de modo linear) nao devem ser interpretados do mesmo modo e segundo os mesmos padroes que utilizamos para interpretar os postulados da fisica. Como se trata de postulados incomensuraveis, com interesses diferentes e pertencentes a hist6rias diferentes, e necessario utilizar padroes
de julgamento diferentes. Por outro lado, nao ha como discordar de Shweder quando ele afirma que um conjunto de postulados e tao verdadeiro quanto o outro. Porem, o saber especializado associado a cada um desses conjuntos diz respeito, de modo geral, a aspectos diferentes da realidade.
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Um deles, como afirmou Horton a prop6sito da Africa "tribal" (Horton
1979; Overing 1985b), volta-se para a realidade contextualizada do mundo humano dos relacionamentos interpessoais18, enquanto o outro se interessa por uma realidade fisica totalmente descontextualizada do pessoal, bem como de muitos outros aspectos da experiencia humana. Por fim, como Weber obserllou ha muito tempo, qualquer tentativa de reduzir a ra
cionalidade da visao objetiva unitaria a valorativa - ~vice-versa - fatalmente resultara em uma indiscemibilidade de julgaI!1.entos, a da loucura.
Recebido para publicac;ao em 20 de marc;o de 1995
Traduc;ao: Paulo Enriques Britto
Joanna Overing e professora da Universidade de Saint-Andrews, Gra-Bretanha. Entre outras publicai;oes, e autora do livro The Piaroa: A People of the
Orinoco Basin e organizadora da coletanea Reason and Morality.
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Notas
• Este artigo e parte do livro The Creativity of Power: An Amazonian Aesthetic of Productivity, atualrnente em elaborac;ao .
1 Cf. J. D. Hill (1988). o qua! explora a historicidade dos povos da Amazonia. Sua enfase, po rem, recai basicamente nas reac;6es dos indigenas aos ' processos hist6ricos modernos, e portanto as mudanc;as sociais vivenciadas e expressas pelos povos indigenas a medida que sao incorporados a economia de mercado e ao Estado nacional.
2 Ver, tambem, Shweder (1991:58) para uma abordagem semelhante.
3 Ver, por exemplo, Overing (1985a; 1986), onde defendo a mesma posi<;iio.
4 Ver, tambem, por exemplo, "Da Experiencia", de Montaigne (1993).
5 Ver, por exemplo, Macintyre (1985:266), onde se prop6e que, tanto na fisica quanto na etica, a teoria por sua pr6pria natureza depende do contexto.
6 Em Consequences of Pragmatism, Richard Rorty (1982:215-216) observa que, nos departamentos de filosofia dos Estados Unidos, ha hoje em dia, na's areas centrais da filosofia analitica - epistemologia, filosofia da linguagem e metafisica - "tantos paradigmas quantos siio OS principais departamentos de filosofia". Ao contrario da situa<;iio em 1960, quando havia um consenso em torno do programa do positivismo 16gico, hoje praticamente nao ha nos Estados Unidos nenhum consenso a respeito dos problemas e metodos da filosofia.
7 Ver, tambem, Shweder (1991:59-69). onde a maioria das posi<;6es defendidas e semelhante as minhas. Estou tambem plenamente de acordo com a maior parte do que Shweder diz sobre a importancia da filosofia recente para a antropologia.
8 Ver, por exemplo, Black (1962). Ricoeur (1978), Goodman (1968). Feyerabend (1975). De Man (1978) e Kuhn (1979), a respeito das rela<;6es entre a metafora e a investiga<;iio cientifica.
9 Quanto a essas questoes, ver, por exemplo, o artigo de Walsh (1967). Esta seria tambem a postura da maioria dos fil6sofos p6s-positivistas, como Nelson Goodman, Mary Hesse, Stephen Toulmin, Paul Feyerabend e muitos outros.
10 Ver M. Hesse (1972). que no artigo "In Defense of Objectivity" tentou informar aos criticos da ciencia que sua visao desta estava atrasada mais ou menos em um .seculo! Ela observa que as descri<;6es feitas pela fisica das essencias do mundo real nao sao nao-cumulativas nem convergentes. Por exemplo, as teorias
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·do atomo oscilam entre continuidade e descontinuidade, concep<;6es de campo e concep<;6es de particula, "e mesmo, em termos especulativos, entre diferentes tipologias do espac;ol' (Hesse 1972:282).
11 As expressoes mais categ6ricas que conhe<;o desse ideal sao as apresentadas por Levi-Strauss na conclusao de The Naked Man (1981) e por Gell (1992) em The Anthropology of Time.
12 Ver, tambem, em Toulmin (1992:188), uma abordagem semelhante da necessidade de incorporar a etica os estudos de caso especificos fornecidos pela hist6ria e a etnografia.
13 Ver, mais uma vez, a interessante analise feita por Strathern (1992) das crenc;as populares dos ingleses a respeito do tempo e do significado do envelheci_mento. Ela afirma a correla<;iio que ha em tais cren<;as entre as ideias sobre o mundo e as ideias sobre as pessoas.
14 Ver Strathern (1992), para quern um ta! principio e altamente pertinente para a maneira inglesa de entender as rela<;6es de parentesco.
1s Os dados etnograticos referentes ao modo como a rela<;iio entre lideres e membros de suas comunidades se exprime apresentam diferenc;as interessantes.
-Ver Belaunde (1992); Levi-Strauss (1967).
15 Vero estudo de Gow (1991) sobre o Bajo Urubamba; ode Lizot (1985) sobre os Yanomami etc.
11 O autor defende a relevancia do contexto social e hist6rico de julgamento e ataca a ideia de padr6es gerais atemporais. Assim, por exemplo, ele propoe que a fisica newtoniana s6 pode ser considerada racionalmente superior dentro do contexto hist6rico em que ela pode resolver problemas cientificos especificos que seus predecessores, a fisica de Galileu ea de Arist6teles, nao conseguiram resolver segundo seus pr6prios interesses programaticos.
1s Trata-se de um pequeno detalhe, mas para os Piaroa tanto os feiticeiros quanto os deuses pertencem a categoria dos seres humanos.
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