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OS PROCESSOS DE TRABALHO DO/A ASSISTENTE SOCIAL: ALGUNS
APONTAMENTOS SOBRE A ATUAÇÃO NO CAMPO DA ONCOLOGIA
PEDIÁTRICA
Larri Padilha Viega1
Isveda Gomes Carvalho2
Resumo: O presente artigo discute os processos de trabalho do/a assistente na área da saúde –
especificamente no campo da oncologia pediátrica – e para tanto aborda alguns elementos
para reflexão sobre as características deste campo, o trabalho social realizado com usuários
dos serviços e familiares, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), além dos
rebatimentos da doença no contexto familiar. O estudo foca no trabalho à luz dos limites e
possibilidades de atuação, apresentando elementos para refletir sobre o cotidiano no qual
estão inseridos os autores. Estabelece a importância do trabalho na perspectiva da
intersetorialidade, da participação dos movimentos sociais de saúde no tenciosamento da atual
conjuntura, além da relevância do controle social diante da atual conjuntura que se apresenta
como um retrocesso no que se refere à garantia dos direitos sociais conquistados na Carta
Magna de 1988.
Palavras-chave: Saúde. Oncologia pediátrica. Processos de trabalho. Sistema Único de
Saúde.
1 INTRODUÇÃO
Quando do surgimento do Serviço Social na área da saúde, sua demanda estava
relacionada ao trabalho com as famílias e usuários dos serviços. Contudo, nesta época a
perspectiva de trabalho pautava-se na referência funcionalista, entendendo que a situação
apresentada refletia do comportamento daqueles considerados “clientes” e a proposta era de
um trabalho que objetivava a mudança de hábitos para reversão do quadro apresentado. Assim
como as demais profissões, a atuação do/a assistente social ficava restrita ao que era delegado
pelo médico, agindo desta forma para o aperfeiçoamento do seu trabalho.
Tendo em vista o aprofundamento teórico do Serviço Social e o processo de
construção de uma identidade da categoria profissional devidamente regulamentada e
estabelecida em legislação específica, na atualidade o trabalho do/a assistente social não mais
1 Assistente Social do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. E-mail: [email protected]
2 Acadêmica do curso de Serviço Social da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. E-mail:
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coaduna com esta perspectiva de atuação, dado que o acúmulo teórico construído nos 80 anos
do Serviço Social no Brasil nos capacita e exige uma reflexão crítica sobre o papel da
profissão na sociedade. Nos marcos de uma sociedade capitalista, a categoria profissional
reconheceu como objeto de intervenção as expressões da questão social. Segundo Iamamoto:
O atual debate brasileiro acerca da questão social relacionada ao Serviço
Social foi impulsionado no processo coletivo de construção das diretrizes
curriculares para o ensino superior na área, que teve lugar nas duas últimas
décadas. Ele buscava rigor teórico-metodológico e acompanhamento da
dinâmica societária, que permitissem atribuir um estatuto teórico e ético-
político ao exercício profissional capaz de responder aos desafios da história
presente. (IAMAMOTO, 2008, p. 181)
Tal afirmativa se fundamenta no reconhecimento da forma como a sociedade está
organizada, tendo como norteador o processo de produção capitalista, responsável por
introduzir no cotidiano do trabalho profissional demandas que necessitam ser compreendidas
como fenômenos excludentes que impedem com que grande parte da sociedade se aproprie do
que é produzido coletivamente.
Um marco significativo de mudança, no que se refere à área da saúde, remonta a
década de 1980 quando, com o processo de democratização política, novos sujeitos sociais
participaram da discussão sobre o tema em questão, interferindo na forma como as propostas
do Estado passaram a ser concebidas. Dentre as pautas requisitadas, Bravo (2009) destaca: a
universalização do acesso, a concepção de saúde como direito social e dever do Estado, além
da reestruturação do setor através da estratégia do Sistema Único de Saúde (SUS).
A discussão sobre a questão de saúde no Brasil alçou relevância na 8ª Conferência
Nacional de Saúde que ocorreu em março de 1986 em Brasília – Distrito Federal3. O fato
mais representativo deste evento foi a participação de diversas entidades representativas da
sociedade o que contribuiu para a superação da análise endógena da questão e possibilitou o
reconhecimento da relevância dos fatores problematizados e requisitados pela proposta da
Reforma Sanitária.
No ano de 1988 com a promulgação da Constituição Federal houve avanços que
objetivaram corrigir as injustiças sociais acumuladas ao longo da história brasileira, contudo,
3 As temáticas centrais problematizavam: Saúde como direito inerente à personalidade e à cidadania;
Reformulação do Sistema Nacional de Saúde e Financiamento do setor. Além disso, tanto a Constituição
Federal de 88 quanto a luta pela Reforma Sanitária e a criação do SUS foram responsáveis por inspirar
outros processos emancipatórios.
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apenas parte das reivindicações do movimento sanitarista foi atendida. Outro fato relevante
diz respeito à dimensão da política social e refere-se à adoção do conceito de seguridade
social, englobando em um mesmo sistema as políticas de saúde, previdência e assistência
social, o que ficou conhecido como o “tripé da seguridade social”. Também ficou estabelecida
a ampliação da base de financiamento, incorporando no orçamento os impostos pagos pela
sociedade e contribuições sociais vinculadas. Apesar destas conquistas, em 1990, na
sequência da promulgação da Carta Magna, ocorre o redirecionamento do papel do Estado,
tendo em vista as políticas de cunho neoliberal, que se caracterizam, segundo Toledo:
[...] principalmente, pela separação entre o Estado e a economia e pela
tentativa de reduzir a política à chamada sociedade política, isto é, por tentar
despolitizar as relações econômicas e sociais. Ao tentar separar a política da
economia, o Estado liberal definirá, por um lado, um conceito de sociedade
reduzida aos produtores, e aos cidadãos, por outro lado, ambos, faces da
mesma moeda, mas separados por esferas de atuação. (TOLEDO, 2008, p.
72)
Como consequência tivemos uma legislação que na prática não foi operacionalizada
em sua totalidade. Mesmo transcorrido mais de duas décadas, o que podemos observar é que a
Seguridade Social, como centro do sistema de proteção social brasileiro, não teve
oportunidade de ser devidamente implantada, tanto do ponto de vista organizacional como
financeiro.
2 O SERVIÇO SOCIAL E O TRABALHO NO CAMPO DA ONCOLOGIA
PEDIATRICA
A inserção do/a assistente social nos hospitais surge a partir da demanda de construção
do que seria um elo da instituição com o usuário e familiares. O objetivo, segundo Pinheiro
(1985, apud MATOS, 2013, p. 57) buscava garantir a continuidade do tratamento após a alta
hospitalar, assim como trabalhar considerando o impacto das condições desfavoráveis
presentes no cotidiano desta família e possíveis repercussões no tratamento de saúde indicado.
Dentre as diversas inserções dos/as assistentes sociais na área da saúde, o campo da
oncologia pediátrica se apresenta como um dos mais complexos. Tal assertiva se justifica no
fato de que envolve a assistência a familiares e pacientes em um contexto de uma doença
crônica permeada por um tratamento longo e com significativos impactos nos contextos
familiar, social e econômico.
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Conforme informação disponível no site do Instituto Nacional de Câncer José de
Alencar Gomes da Silva (INCA), o câncer infantil corresponde a um grupo de várias doenças
que têm em comum a proliferação descontrolada de células anormais e que podem ocorrer em
qualquer parte do organismo. Os tumores mais frequentes na infância e na adolescência são a
leucemia, os do sistema nervoso central e linfomas. Também, segundo o INCA,
[...] existe uma variação na proporção dos vários tipos de câncer infanto-
juvenil nas populações. Em alguns países em desenvolvimento, onde a
população de crianças chega a 50%, a proporção do câncer infantil representa
de 3% a 10% do total de neoplasias. Já nos países desenvolvidos, essa
proporção diminui, chegando a cerca de 1%. (INCA, 2015)
As origens do câncer podem ser externas ou internas ao organismo e nem sempre
existem elementos hereditários associados à doença, ainda que o fator genético seja um dos
elementos que influenciam, todavia dificilmente as situações de câncer são unicamente razões
hereditárias (INCA, 2016). O que os estudos apontam é o aumento no número de diagnóstico
de câncer no mundo inteiro, representando um dos mais importantes problemas de saúde
pública mundial, sendo que existe uma relação direta entre os diversos tipos de câncer e as
características de cada região.
No que se refere à mortalidade devido à doença oncológica, é sabido que nos países
desenvolvidos, o óbito por neoplasia é considerado a segunda causa de morte na infância,
correspondendo entre 4% e 5% (crianças de 1 a 14 anos de idade), em países em
desenvolvimento essa proporção é bem menor, cerca de 1%, haja vista que as doenças
infecciosas são as principais causas de óbito. No Brasil, as neoplasias configuram-se como a
doença de maior letalidade. No ano de 2013, ocorreram cerca de 2.800 óbitos por câncer em
crianças e adolescentes (de 0 a 19 anos) o que representa a segunda posição dentre as causas
de mortes ocorridas em 2013 para este mesmo nicho populacional, ficando abaixo somente
dos óbitos por causas externas.
O exercício profissional reflete a expressão material e concreta dos processos de
trabalhos do/a assistente social, exige o compromisso ético-político defendido pela profissão e
o reconhecimento da condição de sujeitos de direitos daqueles com e para os quais realizamos
a nossa intervenção. Inserido em uma equipe multidisciplinar o/a assistente social tem o
trabalho pautado na perspectiva da recognição das especificidades de cada família
considerado a realidade social no qual está inserida e as características da sociedade
capitalista e excludente as quais está submetida.
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Na área da saúde este é um verdadeiro imperativo, não somente pela relevância do
campo e do impacto da doença no contexto familiar, como já pontuado anteriormente, mas,
sobretudo, porque esta é uma área em que pulsam “[...] valores humanos candentes e onde
trabalhamos com a vida em suas múltiplas manifestações, desde o nascimento, passando pela
infância, juventude, vida adulta, processo de envelhecimento, até a finitude” (SPOTORNO,
2014, p. 14).
Neste cenário de limites, as possibilidades também estão presentes. Compete ao
profissional reconhecer as capacidades que podem ser desenvolvidas no contexto hospitalar e
no próprio território de moradia dos usuários dos serviços de saúde, projetando que as redes
de solidariedade e sociabilidade construídas ao longo da vida, sejam capazes de possibilitar a
proteção social necessária neste momento em que não só o paciente em tratamento, mas
também as famílias se encontram mais vulneráveis. A respeito da pertinência da categoria
território, Rodrigues salienta que:
Se de um lado o território - cenário das relações sociais -, pode ser essencial
para investigar a apropriação/dominação do espaço e sua relação com a
saúde, de outro, torna-se importante para o planejamento de ações que
permitam diminuir os impactos dessa apropriação na vida das pessoas.
(RODRIGUES, 2013, p. 3)
Ao sinalizar a importância do estudo de situações concretas, Matos (2014) aponta as
especificidades deste campo de trabalho profissional, alertando para as peculiaridades que
necessitam ser desveladas no cotidiano dos serviços, reconhecendo como fundamental
compreender os determinantes de saúde e seus rebatimentos no trabalho desenvolvido na
instituição e na vida dos usuários dos serviços.
Os pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) analisaram a evolução do perfil
das pessoas que utilizaram os serviços de saúde no Brasil entre o período de 2003 e 2008. À
época, o SUS respondia pela saúde de 190 milhões de indivíduos enquanto os planos de saúde
privados respondiam por 49,2 milhões. Esses últimos representam uma cobertura duplicada
para 25,9% da população (são cobertos tanto pelo SUS quanto pelo plano privado).
Ao analisar o financiamento dos atendimentos utilizados em 2008 pela população
ordenada por renda, verificou-se que o SUS é predominante utilizado pela população mais
carente, sendo 88% dos atendimentos realizados aqueles enquadrados como os mais pobres.
Não obstante o hiato temporal entre a pesquisa e o hodierno, o cenário de prática nos permite
problematizar que o SUS continua sendo o principal responsável pela assistência à população
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brasileira nos atendimentos efetuados em ambulatórios e, mais ainda no caso das internações.
Outra problematização suscitada diz respeito ao fato que pouco se avançou no alcance dos
princípios norteadores do SUS: universalidade, integralidade e equidade.
O trabalho desenvolvido pelo/a assistente social na Unidade de Oncologia Pediátrica
deve buscar um processo de autoconstrução permanente que possibilite escolhas conscientes
em relação ao que determina o projeto ético-político profissional. O ambiente hospitalar e a
dimensão da doença na vida dos usuários e familiares se configuram como desafiadores, ainda
mais nos tempos atuais em que uma onda de retrocesso dos direitos sociais se estabelece
como algo factível no cotidiano dos serviços, quer seja pela precarização das condições de
trabalho quer seja pela indisponibilidade de acesso universal ao direito à saúde4.
Como elemento de indução de uma intervenção crítica e promotora de mudança nesta
dura realidade, Vasconcelos nos convoca a reflexão já que é:
[...] na busca de práticas mediadas pelo projeto profissional, a análise
concreta de situações concretas torna-se um processo fundamental que
contribui para que, individual e coletivamente, os assistentes sociais possam
identificar categorias racionais válidas para a apreensão da realidade
institucional, concebida como totalidade – totalidade de maior complexidade
– em permanente transformação e para a apreensão da essência e da lógica da
atividade prática dos assistentes sociais. (VASCONCELOS, 2015, p.565)
No que se refere ao trabalho do/a assistente social cabe registrar que se estabelece no
campo das políticas sociais. Nesta perspectiva, o acolhimento dos usuários e familiares se
apresenta, via de regra, como o primeiro contato do profissional com o usuário/familiares e
tem como objetivo a orientação a respeito dos direitos do paciente em tratamento oncológico,
lembrando que parte deles é extensiva aos pais e/ou responsáveis5. Embora a Constituição
atual tenha asseverado de forma enfática a saúde como um direito, existe uma lacuna entre
este e o exercício empírico deste direito, ou seja, o acesso não se realiza em sua plenitude.
Ao investigar a realidade que envolve a situação de trabalho do familiar/cuidador da
criança e do adolescente após diagnóstico onco-hematológico, Spotorno concluiu que:
4 A Portaria nº 1.482 de 4 de agosto de 2016 instituiu um Grupo de Trabalho para discutir projeto de Plano de
Saúde Acessível. O objetivo real deste grupo é propor mudanças na lei que regula os planos de saúde no país e
acabar com a exigência de cobertura mínima.
5 Possibilidade de saque das contas vinculadas ao FGTS – Fundo de garantia e tempo de serviço e das cotas do
Programa de Integração Social (PIS) /Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP).
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[...] embora as famílias das crianças com câncer tenham potencial estratégico
para acessar a política de assistência social, nota-se que nenhuma das famílias
encontrava-se com critérios de elegibilidade para acessar os recursos da
política de assistência social, visto que sua concessão visa responder às
necessidades sociais sob critérios de rentabilidade econômica. (SPOTORNO,
2014, p. 14)
Por tratar-se de uma doença crônica, o acompanhamento do paciente pela equipe
multiprofissional ocorre durante um período mínimo de cinco anos a contar do início do
tratamento. Neste intervalo de tempo é possível observar que ocorrem mudanças no cotidiano
familiar e que são muitas as consequências e impactos vivenciados a partir do diagnóstico da
doença. Como exemplo, podemos citar o longo período de internação, necessário em alguns
casos, o deslocamento para realização de exames e consultas ambulatoriais, sendo que, por
tratar-se de crianças e adolescentes, em ambas as situação, se faz necessária a presença de um
responsável. Outra questão que merece destaque diz respeito ao afastamento do trabalho,
pelos pais ou responsáveis6, como o objetivo de acompanhar o tratamento de saúde da
criança/adolescente, exigindo uma reorganização familiar, por vezes impactando
significativamente tanto a condição econômica como a social.
Os processos de trabalho, diante desta realidade, exigem a necessária articulação da
dimensão ética do/a profissional do Serviço Social no trato com aspectos que por vezes estão
para aquém daqueles direcionados exclusivamente com as questões que envolvem o
tratamento. Na mediação do trabalho social é necessário que sejam desenvolvidas ações que
promovam a transformação do sujeito, fortalecendo-o para que busque a construção de sua
própria história, com vistas a sua inclusão, emancipação e autonomia, mesmo diante de um
quadro de sofrimento. Conforme Vasconcelos,
Os assistentes sociais atuam junto a sujeitos sociais que guardam, na sua
história de vida, as dimensões universais e particulares da questão social.
Questão social cujas expressões históricas e contemporâneas personificam o
acirramento das desigualdades sociais e da pobreza na sociedade brasileira.
(VASCONCELOS, 2009, p. 254)
A Lei n. 8.069 de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), prescreve logo em seu artigo 3º:
A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes
à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei,
assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e
6 Esta atribuição geralmente fica sob a responsabilidade da mãe, mesmo sendo, muitas vezes, a provedora da
família.
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facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral,
espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. (ECA, 1990)
E no artigo 11°:
É assegurado acesso integral às linhas de cuidado voltadas à saúde da criança
e do adolescente, por intermédio do Sistema Único de Saúde, observado o
princípio da equidade no acesso a ações e serviços para promoção, proteção e
recuperação da saúde. (ECA, 1990)
Diante de uma intervenção profissional pautada no reconhecimento dos direitos sociais
dos usuários do SUS e na perspectiva de conquistas sociais, Martinelli nos convoca à reflexão
de que:
No atendimento direto aos usuários, trabalhamos com pessoas fragilizadas
que nos pedem um gesto humano: um olhar, uma palavra, uma escuta atenta,
um acolhimento, para que possam se fortalecer na sua própria humanidade.
(MARTINELLI, 2011, p. 499)
Com respeito à área hospitalar, Carvalho nos convida a pensar que:
[...] o Serviço Social hospitalar como um domínio do Serviço Social, que
recorrendo ao conhecimento das ciências sociais e humanas, e ao seu próprio
conhecimento, visa a promoção e proteção da saúde, isto e, a promoção e
proteção dos direitos do doente, no processo de reabilitação e cura. Nesse
processo o profissional de Serviço Social torna-se um mediador privilegiado
entre e organização doente/família/contexto social e equipe de saúde,
valorizando a relação humana e técnica, a nível pessoal e societal. Determina
necessidades e potencialidades transformando-as em políticas sociais que
possibilitam a melhoria do sistema de cuidados de saúde e o seu
aperfeiçoamento, tendo em conta os princípios da cidadania. (CARVALHO,
2003, p. 33).
No que se refere aos processos de trabalho do/a assistente social cabe registrar que
sendo as múltiplas expressões da questão social o objeto de trabalho do/a assistente social, é
mister o deciframento de suas repercussões no cotidiano das famílias, uma vez que se busca a
consonância entre o trabalho dos assistentes sociais na saúde com os projetos de Reforma
Sanitária e ético-político profissional, imprimindo maior qualidade ao atendimento prestado à
população usuária dos serviços de saúde, o protagonismo crítico dos usuários dos serviços
além do rompimento com a realidade vivida, forjando formas de resistência e a de defesa da
vida. Na área da saúde, o reconhecimento dos determinantes sociais como elementos que
compõe a discussão sobre o que se entende por saúde contribui para esta necessária
intervenção já que amplia a discussão sobre o tema, contudo é necessário compreender que os
determinantes sociais de saúde podem ser diferentes conforme os diversos grupos
socioeconômicos.
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A conjunção entre as dimensões ético-politica, teórico-metodológica e técnico-
operativa, tendo como background o movimento da sociedade, possibilitará a elaboração de
estratégias criativas e intervenções emancipatórias. Busca-se, dessa maneira, trabalhar as
situações da realidade de forma comprometida com a população usuária dos serviços de saúde
considerando a perspectiva de totalidade, configurando-se como procedimentos fundamentais:
Análise crítica, elencando as contradições que por vezes fetichizam a realidade;
Proposição de uma intervenção que tenha o alcance e a afetividade possíveis diante
desta realidade observada;
Realização de análise e interpretação junto com os usuários dos serviços, favorecendo
um movimento que possibilite ao próprio sujeito o reconhecimento de seu
protagonismo;
A análise conjunta, entre profissional e usuário com o intuito de ressignificar espaços,
dando visibilidade às fragilidades, na tentativa de superá-las, desvendando processos
de alienação.
Destaca-se que o produto obtido através dos processos de trabalho do/a assistente
social está diretamente relacionado com o objetivo esperado pela instituição assim como
depende dos espaços nos quais está inserido, especificamente nesta problematização, entende-
se como a equipe multidisciplinar da Unidade de Oncologia Pediátrica, lembrando que a
contradição é categoria presente no mundo do trabalho e desta forma, outras possibilidades
devem ser almejadas.
Os processos de trabalho do/a assistente social na saúde estão relacionados com a
afirmação da saúde como um direito conquistado com e pelo movimento da sociedade,
permeado também pela luta para a garantia do acesso ao fundo público. Cabe lembrar que se
por um lado o trabalho do/a assistente social apresenta possibilidades de contribuição para a
luta pelo acesso e ampliação dos direitos sociais, por outro lado, também se vê condicionado
aos ditames do Estado e do mercado, contribuindo, muitas vezes, para a reprodução da
ideologia dominante.
Os processos de trabalho dos/as assistentes sociais na política de saúde, realizados por
meio de instrumentos que buscam o reconhecimento da realidade dos usuários e da concepção
de saúde como direitos visam a organização de propostas de superação das vulnerabilidades
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sociais presentes no cotidiano das crianças/adolescentes em tratamento oncológico. A
realização de reuniões com a rede socioassistencial presente no território dos usuários se
constitui como importante elemento de problematização, contudo muito ainda é necessário
fazer para superação da realidade encontrada neste movimento de articulação das políticas
sociais e para o fortalecimento das redes socioassistenciais.
3 CONCLUSÕES
A contra-reforma do Estado impõe cotidianamente à área da saúde, principalmente por
meio das proposições de restrição do financiamento público, muitos desafios para a classe
trabalhadora. Em nome de uma suposta crise cada vez mais é exigido da população esforço no
sentido de “contribuir para a retomada do crescimento do país”, contudo este discurso
obscurece a ideia central de que a solução para a saída da crise é proposta com a retirada dos
direitos da população trabalhadora, enquanto muitos dos privilégios daqueles que sugerem
este caminho permanecem inalterados.
Neste cenário, as demandas da população usuária dos serviços precisam ser
consideradas em sua totalidade sendo o movimento da sociedade observado como pano de
fundo das relações sociais que se estabelecem cotidianamente. A intervenção crítica por parte
do/a assistente social também é perpassada por este cenário, exigindo do profissional uma
postura em sintonia com o projeto ético-politico da categoria e os princípio da Reforma
Sanitária. A proposta inscrita na Carta Magna de um sistema público universal ainda
encontra-se em construção e neste momento é possível considerar que alguns avanços foram
alcançados, contudo muito ainda é necessário progredir para a efetivação do direito universal
à saúde.
O/A assistente social sofre os impactos desta nova ordem em construção com
rebatimentos nas condições de trabalho, na ampliação da demanda dos serviços, nas relações
institucional, com os usuários dos serviços e com os demais profissionais. Se não bastassem
tais situações, o agravamento das vulnerabilidades sociais conjugado com uma doença
crônica, como o câncer, nos desafia a uma intervenção crítica que supere a perspectiva de dar
respostas aos usuários. Muitas vezes, os profissionais são identificados como uma referência
para a solução das situações vivenciadas diante da doença e dos seus rebatimentos, contudo o
importante é a proposição de uma reflexão que possibilite a identificação de possibilidades no
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contexto vivido, considerando as especificidades presentes e a participação de todos os
envolvidos na situação.
Como estratégia de superação, identificamos a articulação com os movimentos sociais
de saúde e os espaços de controle social como potencialmente capazes de contribuir diante
desta realidade. O trabalho na perspectiva da intersetorialidade requisita aos profissionais a
conjugação de forças de todos os agentes de politicas sociais com o intuito de realizar ações
que fortalezam a articulação entre as politicas de seguridade social para a superação da
fragmentação dos serviços e do atendimento às necessidades sociais.
Mesmo diante de um contexto de adoecimento, a melhor estratégia é a resistência
política e coletiva pautada por intervenções que possam permitir a superação desta realidade
cruel que se intensifica no cotidiano das famílias assistidas nos serviços de saúde. Espaços de
direito que têm, no discurso factoide de organização dos serviços, excluído de muitos o acesso
ao direito à saúde conquistada constitucionalmente. Devemos observar que é inconcebível
pensar em desenvolvimento de um país sem um sistema de proteção social que seja capaz de
garantir a todos a saúde como um direito.
No discurso neoliberal que prevê a redução do papel do Estado na economia e na
garantia de direitos sociais, identificamos uma conjuntura política que, em sintonia com uma
ofensiva conservadora e antidemocrática, propõe uma mudança na visão do Estado como
agente de proteção social e no caso da saúde, objetiva, entre tantos desmontes, a fragmentação
do SUS. Como realidade objetiva temos um compromisso com a atenção aos usuários do
sistema público de saúde, dado o impacto na vida da classe que vive do trabalho, tanto para
aqueles que se inserem neste campo como profissionais, quanto para os que se inserem como
usuários dos serviços.
Compreender esta gênese exige dos profissionais do Serviço Social, no trabalho social
com famílias e paciente em tratamento oncológico, algumas estratégias de superação de uma
intervenção que reproduza a lógica neoconservadora, pois conforme já sinalizado, os
rebatimentos neste campo são ainda mais devastadores, exigindo, inclusive, a desconstrução
do grau de tolerância que possa existir em alguns usuários que diante dos obstáculos para
exigirem seus direitos, naturalizam o descaso que sofrem. Parte desta assertiva se exemplifica
na atual necessidade de judicialização das questões de saúde vivenciadas pela população que
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para ter acesso à consulta, medicamentos e insumos para o tratamento necessitam recorrer ao
Poder Judiciário já que o Estado não garante o acesso na forma como deveria.
É tempo de luta, é tempo de romper com o estabelecido e exigir nenhum direito a
menos. Nossa participação diante desta convocação parte do compromisso ético-político da
categoria profissional e no reconhecimento de que a sociedade que vivemos não é a mesma
que entendemos como possível e para tanto precisa ser combatida e superada a lógica que a
estabelece como status quo.
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