UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS CAMPUS PALMAS
PROGRAMA DE MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL E AGRONEGÓCIO
CÍNTIA SOUZA DANTAS DA SILVA
OS IMPACTOS SOCIOTERRITORIAIS NO
ASSENTAMENTO RURAL PADRE JOSIMO I e II E NO MUNICÍPIO DE CRISTALÂNDIA-TO E ENTORNO
PALMAS 2009
CÍNTIA SOUZA DANTAS DA SILVA
OS IMPACTOS SOCIOTERRITORIAIS NO ASSENTAMENTO RURAL PADRE JOSIMO I e II E NO
MUNICÍPIO DE CRISTALÂNDIA-TO E ENTORNO
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional e Agronegócio da Universidade Federal do Tocantins – Área de concentração: Desenvolvimento Regional, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre.
Orientador: Prof. Dr. Elizeu Ribeiro Lira.
PALMAS 2009
Ficha Catalográfica elaborada pelo Serviço Técnico de Biblioteca e Documentação da
UFT – Campus de Palmas
G116p Dantas, Cíntia Souza Dantas da Silva. Os Impactos Socioterritoriais do Assentamento Padre Josimo I e II no Município de
Cristalândia-TO e Entorno / Cíntia S. Dantas – Palmas - TO: [s.n.], 2009 117 f., il. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Tocantins - UFT, Campus de Palmas
Orientador: Elizeu Ribeiro Lira
1. Reforma Agrária. 2. Impactos Socioterritoriais. 3. Movimentos Sociais. 4. Assentamentos Rurais. 5. Cristalândia.
I. Dantas, Cíntia S. Dantas da Silva. II. Elizeu Ribeiro Lira. III. Título. CDD (18.ed.) 910
Universidade Federal do Tocantins
Campus Palmas Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional e Agronegócio
A comissão Examinadora, abaixo assinada, aprova a Dissertação de Mestrado
OS IMPACTOS SOCIOTERRITORIAIS NO ASSENTAMENTO RURAL PADRE JOSIMO I e II E NO MUNICÍPIO DE CRISTALÂNDIA-TO E ENTORNO
Elaborada por
Cíntia Souza Dantas da Silva
Como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Desenvolvimento Regional e Agronegócio
COMISSÃO EXAMINADORA:
Prof. Dr. Elizeu Ribeiro Lira - Orientador Doutor em Geografia (UFT – Porto Nacional)
Prof. Dr. Roberto de Souza Santos Doutor em Geografia (UFT – Porto Nacional)
Prof Dr. José Ramiro Lamadrid Marón Doutor em Geografia (UFT – Palmas)
Aprovação: Palmas, 27 de maio de 2009.
Dedico esse trabalho aos meus pais.
AGRADECIMENTOS
À minha mãe pelo estímulo e amor oferecidos. Ao meu pai pelas opiniões e idéias que colaboraram nesse trabalho.
Ao meu irmão, David Jr., pelo apoio, indispensável para a conclusão dessa dissertação. Ao Prof. Elizeu pela dedicação e o acompanhamento na orientação da pesquisa.
Aos colegas, companheiros na 1ª. turma do mestrado: Adriana, Anna Paula, Andréia, Fabiano, Fernando, Gilberto, Graça, José Anunciação, Marcos e Patrícia pelos ótimos momentos de discussão e diversão; em especial a Cacau e Frank pela parceria durante as disciplinas e a Gleys durante as pesquisas de campo. Aos assentados do Pe. Josimo I e II que contribuíram respondendo ao questionário e relatando um pouco de suas vidas no assentamento. Ao pessoal do INCRA-TO, em especial ao Flávio e ao Geraldino, pela atenção e contribuição na pesquisa. Aos muito mais que colegas de trabalho, grandes amigos, Carina, Carla, Gleisy, Marcelo e Magali, pelo estímulo e companherismo. Às amigas de sempre, Aline, Nícia e Tatiana, pelo carinho e a torcida.
RESUMO
Dissertação de Mestrado
Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional e Agronegócio Universidade Federal do Tocantins
OS IMPACTOS SOCIOTERRITORIAIS NO ASSENTAMENTO RURAL PADRE
JOSIMO I e II E NO MUNICÍPIO DE CRISTALÂNDIA-TO E ENTORNO
AUTORA: CÍNTIA SOUZA DANTAS DA SILVA ORIENTADOR: PROF. DR. ELIZEU RIBEIRO LIRA
Data e Local da Defesa: Palmas, 27 de maio de 2009.
Este estudo tem como objetivo abordar os impactos socioterritorias do/no assentamento rural Padre Josimo I e II no município de Cristalândia-TO e entorno. Os impactos são resultados das ações dos sem-terra por meio da ocupação de latifúndios e da conquista da terra. Os assentamentos representam, primeiramente, o processo de reordenação territorial através da formação de pequenas unidades produtoras e, como conseqüência, o processo de fortalecimento da agricultura camponesa. A discussão inicial parte do processo de modernização da agricultura, a partir de 1960, que agravou as desigualdades socioeconômicas causando expropriação camponesa, concentração de terras e renda. Esse processo também levou ao surgimento de movimentos sociais no campo, que passaram a reivindicar a distribuição e a desconcentração fundiária. Também destacamos, neste estudo, a temática socioterritorial que compreende mudanças provocadas pelos movimentos sociais envolvidos na luta pela terra. Trabalhamos o estudo em três dimensões (social, política e econômica) a fim de apresentarmos algumas contribuições para a compreensão dos impactos socioterritoriais no processo de formação do assentamento, como também nos processos de espacialização e territorialização na luta pela terra.
Palavras-chaves: Reforma Agrária, Impactos socioterritoriais, Assentamentos Rurais, Cristalândia.
ABSTRACT
Dissertation of Master Degree
Pos-Graduation Program in Regional Development and Agribusiness Federal University of Tocantins
THE SOCIOTERRITORIAL IMPACTS IN THE RURAL ESTABLISHMENT PADRE
JOSIMO I AND II AND IN CRISTALANDIA-TO AND ADJACENT CITIES
AUTHOR: CINTIA SOUZA DANTAS DA SILVA ADVISER: PROF. DR. ELIZEU RIBEIRO LIRA
Date and Defense Place: Palmas, May 27th, 2009
The aim of this study is to aproach the socioterritorial impacts of/in the rural establishment Padre Josimo I and II in Cristalandia-TO and adjacent cities. The impacts result from the actions of the landless people in both, land occupation and conquer. The establishment represent in a first moment the territorial reorganization process through the formation of small productive units and, consequently, the process of strengthening of rural agriculture. The initial discussion starts with the modernization of agriculture, in 1960, and it aggravated the socioeconomic discrepancies causing rural expropriation as well as land and income concentration. This process also led to the beginning of rural social movements, and they started to demand land distribution. We also highlight in this study the socioterritorial issue in regards to the changes caused by the social movements involved in the fight for the land. We have elaborated this study in three perspectives ( social, political, and economic) so we can present some contributions to the understanding of the socialterritorial impacts in the process of the establishment formation as well as spatialization and territorialization processes in the fight for the land. Key words: Agrarian Reform, Socioterritorial Impacts, Rural Establishments, Cristalandia
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Quadro 1 Processos geográficos ........................................................ 35 Quadro 2 Principais características, semelhanças, diferenças e
significados dos movimentos sociais e movimentos socioterritoriais........................................................................
38 Quadro 3 Movimentos socioterritoriais que atuaram no estado do
Tocantins no período de 2000 a 2007 ................................................................................................
42 Quadro 4 Processo de reforma agrária .................................................. 48 Figura 1 Impactos socioterritoriais dos assentamentos ....................... 51 Quadro 5 Impactos socioterritoriais: dimensões e indicadores .............. 57 Figura 2 Síntese do método na concepção materialista e dialética ..... 59 Mapa 1 Localização dos municípios de Cristalândia e Nova
Rosalândia e do Assentamento Pe. Josimo I e II ..................
61 Foto 1 Sede da antiga fazenda ......................................................... 73 Gráfico 1 Formas de aquisição do lote .................................................. 75 Gráfico 2 Estados de origem das famílias assentadas .......................... 76 Foto 2 Alta ocupação do transporte escolar ...................................... 89 Foto 3 Interior do transporte escolar em condições precárias .......... 89 Foto 4 Van que transporta os estudantes ......................................... 90 Foto 5 Cachoeira localizada no assentamento ................................. 95 Foto 6 Casa construída com recurso do crédito habitação ............... 97 Foto 7 Casa comum ao período de organização em agrovila ........... 98 Foto 8 Bovinos criados no assentamento ......................................... 102 Foto 9 Pequizeiro (Caryocar brasiliense Camb.) .............................. 103
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Ocupações realizadas pelos movimentos socioterritoriais na
região Norte em 2007 ............................................................
43 Tabela 2 Mudanças da estrutura fundiária no Brasil por classes de
área 1992, 1998 e 2003 .........................................................
44 Tabela 3 Distâncias e rodovias de acesso dos Municípios de
Cristalândia e Nova Rosalândia de outros centros urbanos ..
62 Tabela 4 Estrutura Fundiária do Município de Cristalândia em 2004 ... 71 Tabela 5 Distribuição da população do assentamento por faixa etária
e gênero .................................................................................
75 Tabela 6 Documentação por faixa etária .............................................. 77 Tabela 7 Distribuição da população com relação aos estudos ............. 83 Tabela 8 Número de estabelecimentos de ensino na região de
influência do assentamento ...................................................
86 Tabela 9 Créditos disponibilizados às famílias assentadas .................. 105
LISTA DE ANEXOS
Anexo A Planta do assentamento Pe. Josimo I e II 116
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ADAPEC Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Tocantins AESCA Associação Estadual de Cooperação agrícola ANMTR Associação Nacional das Mulheres Trabalhadoras Rurais BASA Banco da Amazônia CDH Centro de Direitos Humanos CEB Comunidade Eclesiais de Base CLT Consolidação das Leis do Trabalho CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil CONTAG Confederação Nacional dos Trabalhadores na agricultura CPT Comissão Pastoral da Terra EJA Educação de Jovens e Adultos GEBAM Grupo Executivo de Terras do Baixo Amazonas GETAT Grupo Executivo das Terras do Araguaia-Tocantins IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IF-TO Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária MAB Movimento dos Atingidos por Barragens ITEPAC Instituto de Ensino Professor Antônio Carlos MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário MPA Movimento dos Pequenos Agricultores MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra NATURATINS Instituto da Natureza do Tocantins OTC Organização dos Trabalhadores no Campo PCB Partido Comunista Brasileiro PDA Plano de Desenvolvimento do Assentamento PRONAF Programa Nacional de Agricultura Familiar PROTERRA Programa de Redistribuição de Terras e estímulos à
Agroindústria do Norte e Nordeste PSF Programa de Saúde da Família RURALTINS Instituto de Desenvolvimento Rural do Tocantins SEBRAE Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas SUS Sistema Único de Saúde TDR Territorialização, Desterritorialização, Reterritorialização UCT Universidade Católica do Tocantins UFT Universidade Federal do Tocantins ULBRA Universidade Luterana do Tocantins ULTAB União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas UNIRG Fundação Universidade Regional de Gurupi UNITINS Fundação Universidade do Tocantins UTI Unidade de Terapia Intensiva
SUMÁRIO INTRODUÇÃO .............................................................................................. 11 1. A QUESTÃO AGRÁRIA BRASILEIRA: MODERNIZAÇÃO DA
AGRICULTURA E PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE ....................
15 1.1. A QUESTÃO AGRÁRIA E A PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE
BRASILEIRA .....................................................................................
15 1.2. TRASFORMAÇÕES RECENTES NA AGRICULTURA: O
PROCESSO DE MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA BRASILEIRA .....................................................................................
21 2 ASSENTAMENTOS RURAIS E O PROCESSO DE
TERRITORIALIZAÇÃO DA LUTA PELA TERRA NO TOCANTINS ............................................................................................................
27 2.1. COMPREENDENDO O TERRITÓRIO A FIM DE SE ENTENDER A
TERRITORIALIZAÇÃO E A ESPACIALIZAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO CAMPO ..............................................
27 2.2. O MST COMO MOVIMENTO SOCIOTERRITORIAL QUE
TERRITORIALIZOU NO TOCANTINS ........................................
41 3. IMPACTOS SOCIOTERRITORIAIS: DA LUTA PELA TERRA À
PERMANÊNCIA DOS ASSENTADOS RURAIS NO ASSENTAMENTO Pe. JOSIMO I E II ...............................................
45 3.1. IMPACTOS SOCIOTERRITORIAIS: QUESTÕES TEÓRICAS DE
ANÁLISE ...........................................................................................
45 3.2. ASPECTOS METODOLÓGICOS DE ANÁLISE ................................ 54 3.2.1. Materialismo Histórico Dialético como Método ............................ 58 3.2.2. Caracterização da Área de Estudo ................................................ 60 4. OS IMPACTOS SOCIOTERRITORIAIS NO ASSENTAMENTO
PADRE JOSIMO I E II E EM CRISTALÂNDIA E ENTORNO ..........
64 4.1. HISTÓRICO DA TERRITORIALIZAÇÃO DO ASSENTAMENTO Pe.
JOSIMO I E II ....................................................................................
65 4.2. DIMENSÃO POLÍTICA: DE TERRITÓRIO DO LATIFÚNDIO A
TERRITÓRIO CAMPONÊS ...............................................................
69 4.2.1. Concentração Fundiária, Organização Territorial e Social.......... 69 4.2.2. Poder Local, Participação Política e Políticas Públicas .............. 74 4.3. MUDANÇAS SOCIAIS COMO RESULTADO DA
IMPLANTAÇÃO/CONSOLIDAÇÃO DO ASSENTAMENTO ..............
81 4.3.1. Educação .......................................................................................... 81 4.3.2. Transporte ........................................................................................ 88 4.3.3. Saúde ................................................................................................ 91 4.3.4. Cultura e Lazer ................................................................................. 94 4.3.5. Moradia ............................................................................................. 96 4.4. OS IMPACTOS DO ASSENTAMENTO SOB UMA PERSPECTIVA
ECONÔMICA ....................................................................................
100 4.5. OS IMPACTOS SOCIOTERRITORIAIS E A CONSTRUÇÃO DE
NOVAS TERRITORIALIDADES ........................................................
106 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 108 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................. BIBLIOGRAFIA .............................................................................................
110 114
ANEXOS Anexo A – Planta do assentamento Pe. Josimo I e II ..............................
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INTRODUÇÃO
A situação agrária no Brasil é resultado de questões relacionadas à
propriedade da terra, presentes desde a primeira fase de ocupação de seu território.
Hoje, essa problemática faz com que a questão agrária continue como tema
importante em discussões de políticas públicas para o campo, concomitante a
discussões a respeito da modernização da agricultura.
O Estatuto da Terra, de 1964, período do governo militar, deu respaldo legal a
uma política de modernização da agricultura. A partir de então, a Reforma tem
figurado como um discurso político de sucessivos governos. No entanto, em lugar de
uma efetiva mudança, o que ocorre, na prática, são apenas medidas paliativas, que
tentam solucionar conflitos locais no campo.
Somado a isso, o desenvolvimento da agricultura tem se apresentado como
um modelo de desenvolvimento capitalista, valorizando a grande produção, o uso de
novas tecnologias e o assalariamento da produção no campo.
Com o fim do Regime Militar, os movimentos sociais no campo passaram a se
rearticular, e as primeiras ocupações começaram a ocorrer somente na década de
1970. Porém, esses movimentos só adquiriram solidez após 1985, com a criação do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que se tornou o maior
movimento social organizado do país.
O MST, por meio de suas ações e medidas, trouxe novos elementos à
questão agrária brasileira. Assim, ele se transformou e ressurgiu através de
impactos na configuração socioeconômica, política, cultural e territorial do país. O
movimento tem como emblema, e uma de suas principais lutas, a realização de uma
ampla Reforma Agrária, de caráter popular, em que o acesso à terra seja garantido a
todos que nela queiram trabalhar: desde os camponeses que retornam à terra até as
pessoas que tenham sido desfavorecidas pelo sistema capitalista.
Desse modo, a partir de ocupações de latifúndios, caminhadas, invasões de
prédios públicos, acampamentos e outros meios de reivindicação das famílias sem-
terra, o MST traz alterações significativas para a sociedade nos âmbitos
socioeconômico, político, cultural e territorial.
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Nesse contexto, os assentamentos representam a efetivação de mudanças no
campo e em seu entorno, gerando alterações tanto locais quanto regionais,
destacando-se por:
Modificações na distribuição da terra, alterações na estrutura produtiva e mudanças nas relações socioeconômicas e políticas devido ao aumento populacional. Por fim, não se pode esquecer a dinamização da economia atribuída ao aumento do consumo, não só de insumos e alimentos, mas também de serviços, o que resulta na geração de empregos (BUTH; CORRÊA, 2006, p. 154).
Os assentamentos indicam a possibilidade de reconstrução do território a
partir de mudanças - nas relações estabelecidas no espaço - que promovam
rearranjo no processo produtivo, diversificação da produção e introdução de novas
atividades.
No Tocantins, o MST tem operado sua territorialização, desde 1998, fazendo
com que se busque uma reflexão sobre a reconfiguração territorial que esse
movimento está provocando, desde suas motivações até as transformações delas
decorrentes.
Com o intuito de contribuir para o entendimento desse processo no estado,
elegemos como objeto, nesta investigação, os impactos socioterritoriais de um
assentamento sobre as dinâmicas do campo e dos núcleos urbanos à sua volta.
Para uma análise de tal objeto, foi necessário realizar um recorte que
priorizou o assentamento rural Padre Josimo I e II, situado no município de
Cristalândia -TO, abrangendo terras do município de Nova Rosalândia e próximo ao
município de Oliveira de Fátima. É relevante, portanto, que se analisem as relações
de tais localidades com a origem do assentamento e as transformações decorrentes
de sua implementação.
Assim, esta dissertação apresenta um estudo de levantamento dos impactos
socioterritoriais do assentamento rural Pe. Josimo I e II, no município de Cristalândia
e em seu entorno. Abordamos tais impactos em três dimensões: dimensão social –
abrangendo temáticas como: procedência das famílias; demandas relativas à saúde,
educação, transportes, moradia e cultura; ações tanto dos assentados quanto dos
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poderes públicos em atenção a essas demandas; identificação da implementação de
infra-estrutura básica para atender ao assentamento. Dimensão política – verificando
tanto a participação das famílias na organização do assentamento, suas relações
políticas, bem como a distribuição da terra, a área ocupada, número e tipos de
propriedades e as dinâmicas territoriais ocorridas. Enfim, a dimensão econômica -
tratando da organização dos assentados para o trabalho e a produção; fontes de
renda e a participação desses sujeitos nos âmbitos financeiro e comercial da região.
Entendemos os “impactos socioterritoriais” como mudanças promovidas por
um fato social em um determinado lugar que resultam em reconfiguração
significativa de sua dinâmica. Nesse caso, mais especificamente, são mudanças
sucessivas e simultâneas, resultantes dos processos de reterritorialização e
ressocialização das famílias do assentamento Pe. Josimo I e II. Mudanças essas
significativas para a vida dos assentados no interior de sua comunidade, nas
relações entre os membros e entre assentados-assentamento e, ainda, nas relações
extra-assentamento.
Assim, nossa análise busca identificar as principais mudanças ocorridas com
a nova estrutura do território, que passa de “território dos latifundiários” a “território
do camponês”. Para tanto, no primeiro capítulo, iniciamos nossa reflexão teórica a
partir de considerações gerais a respeito da participação da sociedade, com
destaque para a participação dos trabalhadores rurais, na questão agrária brasileira.
Enfocamos, também, as transformações relacionadas aos processos de
modernização e de industrialização da agricultura no país.
No capítulo seguinte, procuramos compreender o território e os processos
geográficos, a fim de entendermos a territorialização e a espacialização dos
movimentos sociais no campo, inseridos no processo de modernização da
agricultura brasileira.
Em seguida, no terceiro capítulo, tratamos de questões teóricas a respeito
dos impactos socioterritoriais. Também apontamos os indicadores dos impactos
observados neste trabalho, referentes ao assentamento e suas relações. Os
impactos socioterritoriais, bem como as dimensões e os indicadores, são mais
detalhados nesse capítulo através da apresentação dos aspectos metodológicos
presentes neste estudo.
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Por fim, no quarto capítulo, considerando as abordagens teóricas
apresentadas, realizamos uma discussão específica sobre os impactos identificados
no assentamento Pe. Josimo I e II, nas dimensões social, política e econômica.
Ressaltamos que tais dimensões foram analisadas parcialmente, através dos
indicadores selecionados e que subsidiaram as reflexões. Buscamos articular a
discussão teórica aos dados coletados durante a pesquisa de campo, às
observações e entrevistas realizadas no assentamento, no INCRA, no IBGE e nas
Prefeituras Municipais de Cristalândia, Nova Rosalândia e Oliveira de Fátima.
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1. A QUESTÃO AGRÁRIA BRASILEIRA: MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA E
PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE
1.1. A QUESTÃO AGRÁRIA E A PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE
BRASILEIRA
O direito à terra é uma problemática que sempre esteve presente no Brasil.
Uma herança do período do Império, desde a invasão do território, instituiu um
sistema fundiário concentrador e explorador. Salvo o período inicial de três décadas,
em que Portugal fez levantamento das potencialidades a serem exploradas –
grandes espaços férteis, produtos florestais comercializáveis e mão-de-obra a ser
escravizada -, o Império explorou a terra e, através de dispositivos da Lei das
Sesmarias (1375), garantiu, por doação, a posse de grandes propriedades a quem
as ocupasse e explorasse. Nasceu, então, o processo de dominação dos latifúndios.
Paralela às Sesmarias, ocorria, também, a apropriação de pequenas porções
de terra por pessoas de poucos recursos (posseiros), que se instalavam em áreas
menos acessíveis e implantavam suas roças. Em sua maioria, eram obrigados a
entregar as terras a senhores de prestígio no Governo Colonial.
O Governo do Império acreditou que, com a resolução de 1822 – substituída
em 1850 pela Lei de Terras, que dizia respeito ao acesso à propriedade da terra
pela compra e venda, garantiria o direito à posse e, assim, os problemas relativos à
terra e aos posseiros estariam resolvidos. No entanto, “estes não dispunham de
condições para fazer valer os seus direitos perante os grandes senhores e as
autoridades, sendo pequeno o número dos que se beneficiaram dos favores da lei”
(ANDRADE, 2004, p. 55).
O fim da escravidão e o medo de que os libertos se valessem dessa lei; a
concessão de datas, que eram pequenos lotes entregues aos grupos imigrantes que
vieram trabalhar nas lavouras e constituir suas colônias no país, e, ainda, a
constante defesa dos “direitos” da elite latifundiária agroexportadora são fatores que
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levaram à promulgação da Lei de Terras (1850). Esta estabelecia o processo de
compra e venda de propriedades como única opção de acesso a terras devolutas; ”a
diferença agora, em relação ao antigo regime, era de que, do ponto de vista formal,
a concessão processar-se-ia a título oneroso, não mais gratuito” (LARANJEIRA,
1983, p. 20). Ficou, assim, cada vez mais marcada a restrição do “direito” à posse da
terra pelas camadas pobres da população. Sobre isso, Andrade afirma que:
O impedimento do acesso à posse da terra por grande parte da população rural pobre criou problemas entre proprietários e não proprietários, que já eram muitos no início do século XIX, e que tendiam a se intensificar ainda mais com a abolição da escravatura. Daí políticos mais abertos a mudanças terem proposto a realização de uma política de democratização da terra, como Joaquim Nabuco que defendia uma Reforma Agrária, já em 1884, como André Rebouças que falava em uma política de democracia social, e João Alfredo que procurava completar a abolição da escravatura com a desapropriação, para colonização, de terras situadas nas margens dos rios navegáveis e das ferrovias a serem construídas. (ANDRADE, 2004, p. 56).
Apesar dessas iniciativas e da promulgação da República, as questões
relacionadas ao quadro fundiário brasileiro eram ainda marcadas pelos latifúndios.
Com a pressão dos latifundiários, a lei de 1850 acaba possibilitando a manutenção
da concentração fundiária e a disponibilidade de mão-de-obra.
Assim, ao se iniciar o Período Republicano, o quadro fundiário brasileiro era
formado pela grande propriedade (fazendas de gado ou produtoras de artigos para
exportação), que ocupava a maior extensão de terras, principalmente nas áreas
beneficiadas por acesso ao transporte. Era formado, também, por numerosas
pequenas propriedades, que se localizavam em áreas menos acessíveis, destinadas
à produção para consumo interno.
Durante a Primeira República (1889–1930), à medida que crescia a
população e que novos espaços eram incorporados aos latifúndios, as questões
fundiária e agrária foram se agravando. Nesse contexto, “a apropriação seletiva era
feita tanto nas terras tradicionais, ocupadas desde o período colonial, como nas que
iam sendo conquistadas aos indígenas. [...] havia sempre o domínio da grande
propriedade associada ao sistema de exploração dos recursos naturais” (ANDRADE,
2004, p. 58).
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Em tal período, foi estabelecido um contraste entre as áreas que eram
dominadas pela pequena e média propriedade - voltadas ao autoconsumo e ao
mercado nacional - e as áreas de latifúndios, principalmente os pecuários - voltados
a exportações para outras regiões e outros países.
Ainda durante esses anos, o problema agrário, herança do Período Colonial,
tornou-se um problema crônico. A grande preocupação econômica era, então, a
melhoria da qualidade dos produtos a serem exportados, deixando a questão agrária
como problemática a ser resolvida no futuro.
A partir da Revolução de 1930 e início da Segunda República (1930-1946),
importante acontecimento foi a conciliação do grupo da indústria e do comércio, que
dominava as cidades, com o grupo agrário-exportador, que se consolidou com a
permanência do latifúndio e o desenvolvimento urbano e industrial.
Com base no exposto até o momento, propomos não só tratar de questões
sobre os beneficiados da problemática agrária no Brasil, mas também, e com
destaque, sobre os excluídos, suas ações e repercussões para a Reforma Agrária
hoje.
É equivocada a idéia difundida de que, ao longo da história, os excluídos não
tenham reagido a seus opressores. Exemplo disso são os indígenas, que, desde o
início, reagiram aos colonizadores que os expropriavam e lhes tiravam a liberdade.
Eles eram “combatidos, espoliados, explorados e desapropriados de suas terras”
(ANDRADE, 2004, p. 80). Outro exemplo são os negros, que lutaram contra a
escravidão desde seu continente de origem, passando pelos quilombos, pela
Cabanagem, a Balaiada. Hoje, existem os quilombolas, com sua resistência e
tradição, e os ativistas na defesa dos interesses afro-descendentes.
Exemplo, também, é a reação, ao longo do tempo, dos trabalhadores rurais
contra a evolução do capitalismo no campo (as formas de exploração e de expansão
da produção em moldes capitalistas), que modificou significativamente as relações
de trabalho e de produção e, também, as sociais. Cada vez mais os trabalhadores
foram afastados do controle dos meios e instrumentos de produção, e sua força de
trabalho passou a ser assalariada.
No entanto, um fator relevante, apontado por Andrade (2004, p. 82), foi a
difusão dos meios de comunicação, que propiciou fortalecer o caráter organizativo e
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contestador da classe trabalhadora, destacando-se, nesse aspecto, os trabalhadores
rurais. No Brasil, mesmo com inúmeras resistências apresentadas pelos indígenas e
escravos, o tema da Reforma Agrária só passou a ser apresentado com algum
destaque para o público em meados do século XX, com a formação das Ligas
Camponesas e a aprovação do Estatuto da Terra em 1964, logo após o início do
Regime Militar - período marcado pelo desenvolvimento do capitalismo e pela
organização dos trabalhadores rurais.
No campo político, além das Ligas Camponesas, o intervalo entre a Lei das
Terras (1850) e o Estatuto da Terra (1964) marcou o avanço de discussões políticas
do Partido Comunista Brasileiro (PCB) contra o latifúndio. Marcou, ainda, a
inspiração dos movimentos sociais com a Revolução Cubana (1959), dentre
diversas movimentações dos trabalhadores rurais na tentativa de se organizarem.
Principalmente após a redemocratização do país, a partir de 1946, tais
trabalhadores buscaram se organizar em ligas, associações profissionais e
sindicatos. Entre as reivindicações dessas organizações estava a aplicação de leis
favoráveis a eles, já existentes - porém não cumpridas -, no Código Civil (1916) e na
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de 1943 que, na verdade, mantinham
dispositivos da Lei de Terras de 1850.
A década de 1940 e o fim do período ditatorial do Governo Vargas (1930-
1945 e 1951-1954) marcaram a fase do começo da organização dos trabalhadores
rurais em movimentos e entidades. Nessa época, o Partido Comunista Brasileiro
(PCB) obteve destaque como mobilizador dos camponeses. Cientes da necessidade
de mudanças estruturais agrárias no país, eles foram auxiliados pelo PCB nas bases
e documentações necessárias para formular suas reivindicações. Em tal período,
também começam a ser organizados os sindicatos de trabalhadores rurais. Porém,
essa organização era dificultada pela intensa burocracia implantada pelo Ministério
do Trabalho.
As Ligas Camponesas, surgidas em 1945, se expandiram por todo o país e
conseguiram eleger alguns de seus líderes para cargos públicos municipais e
estaduais. A ligação partidária das Ligas dava sustentação e publicidade ao
movimento. No entanto, as decisões referentes às questões dos camponeses
ficavam sob a aprovação dos comunistas do partido. Tanto que, para coordenar as
ações camponesas, o PCB criou, em 1954, a União dos Lavradores e Trabalhadores
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Agrícolas (ULTAB).
Nos anos de 1962 e 1963, houve o fortalecimento da organização dos
trabalhadores rurais em sindicatos. Marcos disso foram a regulamentação do
Governo quanto ao direito de organização sindical dos trabalhadores rurais, em
1962, e, no ano seguinte, a aprovação, pelo Congresso Nacional, do Estatuto do
Trabalhador Rural. Importante, também, em 1963, foi a união de sindicatos da
ULTAB a setores da Igreja Católica, na criação da Confederação Nacional dos
Trabalhadores na Agricultura (CONTAG).
Outro tema importante, relacionado ao destaque dado à Reforma Agrária no
país, foi a aprovação do Estatuto da Terra, em 1964, que “defendia a idéia de que as
terras apropriadas, os latifúndios por dimensão, deveriam ser divididos e entregues a
trabalhadores e que os salários deviam ser melhorados” (ANDRADE, 2004, p. 84).
Entretanto, o Estatuto acabou sendo um instrumento para manter a questão agrária
sob o controle do Estado e não uma efetiva redistribuição de terras.
Fazendo um balanço sobre o Estatuto da Terra, Mendonça (2006) afirma que,
com essa regulamentação, determinados termos como latifúndio e minifúndio
atingiram politização no decorrer da década de 1960. Eles “adquiriram o estatuto de
categorias legais, com critérios precisos de definição quanto à dimensão de área,
modalidades e graus de utilização da terra, natureza das relações de trabalho e
outros” (MENDONÇA, 2006, p. 71). Ainda lembra que, “ao mesmo tempo, com os
movimentos sociais reprimidos, lideranças perseguidas e sindicatos sob intervenção,
a nova lei acabou por significar muito pouco em termos de medidas efetivas em prol
das demandas por terra dos trabalhadores rurais” (ibid, p. 71).
Um fato importante quanto à organização dos trabalhadores rurais foi a
presença da Igreja no campo brasileiro. Presença marcante tanto quando apoiou o
Golpe de 64 como também, anos mais tarde, setores católicos iniciaram a
Comunidade Eclesiais de Base (CEB), incentivando os trabalhadores urbanos e
rurais a traçarem estratégias de organização e reivindicação. Vale ressaltar,
inclusive, que setores ligados à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
trabalharam na alfabetização e formação política de trabalhadores do campo.
Resultado marcante da presença da Igreja no campo foi a criação, em 1975,
da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Essa comissão, que foi considerada braço
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agrário e progressista da Igreja Católica, iniciou suas ações com discursos a favor
dos direitos humanos frente aos conflitos entre posseiros e fazendeiros; discutindo,
também, a Reforma Agrária. A Igreja foi importante, ainda, como admite hoje o
movimento, pelo surgimento do MST, em 1984, com o apoio de padres, bispos e
agentes de pastoral.
O MST surgiu num momento em que, com o processo de modernização da
agricultura e o final do processo de industrialização nas regiões urbanas, o
desemprego crescia no campo. Os primeiros encontros e reuniões foram realizados
no período de 1979 a 1984, quando, então, o MST nasceu como movimento. Esses
encontros eram estimulados pela CPT, havendo uma referência básica: “sempre
procurávamos refletir a partir das experiências das organizações que haviam
existido antes. Ou seja, havia uma vontade de querer aprender com os que nos
antecederam” (STEDILE, 2006, p. 184-185). Nesse sentido, as experiências das
Ligas ajudaram muito na constituição do MST. Desse modo, “os movimentos sociais,
como o MST e outros, são processos de organização social, coletivos” (STEDILE,
2006, p. 184-185).
O MST assume, cada vez mais, desde a sua criação, o papel de questionador
da função social da propriedade e da necessidade de reformulação das políticas
sociais no país; mostrando, assim, que a sociedade organizada é a raiz para a
justiça social.
Quando nos propomos a enfatizar o caráter não institucional da questão
agrária brasileira, intencionamos falar da sociedade civil ligada a essa questão, suas
organizações e mobilizações - como o sindicalismo, os movimentos de base ligados
à Igreja, o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), o Movimento dos Atingidos
por Barragens (MAB), a Associação Nacional das Mulheres Trabalhadoras Rurais
(ANMTR), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), dentre
inúmeros outros. Ou seja, “apesar de os movimentos se constituírem contra formas
distintas de expropriação da terra, envolvendo desse modo categorias variadas de
trabalhadores rurais, essas lutas forjam como classe diferentes frações do
campesinato em clara oposição à expropriação imposta pela expansão capitalista”
(GONÇALO, 2001, p. 70).
Vale lembrar que inúmeras questões, que não eram discutidas em relação ao
meio ambiente ou mesmo em relação a dimensões simbólicas relativas à posse da
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terra, só deixaram de ser “impensáveis” com a emergência dos movimentos sociais,
trazendo em suas agendas discussões como essas.
A partir dessas considerações mais gerais sobre a participação da sociedade
- com destaque para a participação dos trabalhadores rurais – na questão agrária
brasileira, direcionamos nosso enfoque para o entendimento das transformações
relacionadas aos processos de modernização e de industrialização da agricultura
brasileira. Tais processos tanto fortaleceram alguns setores da agricultura quanto os
grandes capitais, de modo que reforçaram a expropriação da propriedade familiar.
1.2. TRANSFORMAÇÕES RECENTES NA AGRICULTURA: O PROCESSO
DE MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA BRASILEIRA
Dando continuidade à nossa reflexão sobre a questão agrária brasileira,
enfatizamos o modelo de desenvolvimento agropecuário adotado no país e suas
repercussões para o campo a partir do processo de modernização da agricultura. Ao
traçarmos um histórico da agricultura brasileira, devemos lembrar que essa história
compreende uma trajetória de ocupação e uso da terra caracterizados por
concentração e exploração.
A monocultura para exportação; a exploração da mão-de-obra tanto indígena
quanto escrava; o trabalho imigrante e o complexo cafeeiro, que propiciou o trabalho
livre e o posterior trabalho assalariado, são alguns fatos fundamentais para se
caracterizar a questão agrária no Brasil.
Ressaltamos que transformações recentes na agricultura brasileira fizeram
consolidar sua modernização e, posteriormente, impulsionar o processo de
industrialização da agricultura e de consolidação dos Complexos Agroindustriais.
Fizeram, ainda, firmar a territorialização e a espacialização dos movimentos
socioterritoriais no campo.
As transformações recentes, às quais nos referimos, estão compreendidas,
principalmente, no período de 1965 a 1985 - marcado pela instauração, por parte
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dos governos militares, de uma política de desenvolvimento agropecuário.
Discutindo o modelo de desenvolvimento agropecuário instaurado durante o
Regime Militar, Fernandes (1996, p. 29) ressalta que essa política deve ser
compreendida a partir da intensificação do desenvolvimento do capitalismo no país e
da necessidade de constituição de um mercado consumidor interno. Assim, esse
modelo buscava acelerar o progresso do capitalismo no campo, criando condições
para o desenvolvimento de uma política agrária que privilegiasse as grandes
empresas por meio de incentivos financeiros, propiciando que elas ocupassem a
agropecuária do país.
Ainda para Fernandes (1996, p. 33), a viabilidade da política agrária dos
governos militares era garantida pelo controle do Estado. O Estatuto da Terra
dificultava para os camponeses o acesso a propriedades familiares e o propiciava
aos que tinham o interesse de criar a propriedade capitalista.
Assim, sem alterar a estrutura fundiária do país, a estratégia era solucionar os
conflitos sociais com o deslocamento dos trabalhadores para os projetos de
colonização, criando mão-de-obra barata e permanente para o desenvolvimento de
projetos de exploração extrativista.
Outro importante elemento a ser ressaltado quanto aos projetos e programas
até então implantados é a intensificação do já histórico processo de concentração
fundiária no Brasil. Exemplo disso foi a criação, em 1971, do Proterra (Programa de
Redistribuição de Terras e Estímulo à Agroindústria do Norte e Nordeste).
A partir dessa mudança na política fundiária, projetos agropecuários de
grandes empresas foram instaurados na Amazônia. No Centro-Sul e Nordeste, foi
desenvolvida uma rápida industrialização na agricultura, através de uma política em
que se privilegiava o capital monopolista, acentuando a concentração de terras, a
expropriação e a exploração, multiplicando os conflitos por terra (FERNANDES,
1996, p. 37).
Outro exemplo foi a implantação, em 1980, como política de desenvolvimento
agropecuário, do GETAT (Grupo Executivo das Terras do Araguaia-Tocantins) e do
GEBAM (Grupo Executivo de Terras do Baixo Amazonas), instrumentos de
manutenção da aliança entre o governo militar e os empresários.
Com base no exposto, podemos apontar como principais fatos relacionados à
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lógica da política agrária dos governos militares: a garantia da apropriação de
significativas extensões de terra por grandes empresas, aumentando – em número e
extensão – os latifúndios; o financiamento da tecnologização da produção através de
incentivos e créditos, gerando uma diferenciação socioterritorial; a criação de
mecanismos para a consolidação e a territorialização do capital no campo, alterando
significativamente a situação dos trabalhadores rurais, e a garantia de mecanismos
para a repressão de diversas formas de luta e resistência da classe trabalhadora
(RAMALHO, 2002, p. 23).
Partindo desse panorama do modelo de desenvolvimento agropecuário
brasileiro, direcionamos nosso enfoque para o entendimento das transformações
relacionadas aos processos de modernização e industrialização da agricultura no
país.
A modernização da agricultura pode ser usada como conceito “para designar
o processo de transformação na base técnica da produção agropecuária no pós-
guerra a partir das importações de tratores e fertilizantes num esforço de aumentar a
produção” (GRAZIANO DA SILVA, 1996, p. 19). Isso, num contexto que se iniciou
em meados da década de 1960, quando a dinâmica da agricultura passa a ser
determinada pelo padrão de acumulação industrial. Novamente segundo Ramalho
(2002, p. 24), o papel do Estado era, então, o de orientar rumo à integração da
agricultura, em “um novo circuito produtivo liderado pela indústria de insumos e
processamentos de matérias-primas, gerando as condições infra-estruturais
necessárias à expansão do conjunto do setor e resultando na reorganização das
formas de trabalho das diferentes classes na agricultura”.
Com essa visão, até o final da década de 1960, a capacidade de expansão
agrícola brasileira estava diretamente relacionada à incorporação de novas áreas,
num crescimento horizontal. A produção passava lentamente por algumas
transformações, em um processo de intensificação e diversificação de produtos.
Essas modificações foram resultado da reestruturação econômica do país, que se
iniciou após a crise de 1929.
A produção agrícola se redefinia, portanto, a partir da constituição de um
mercado interno e da integração do mercado nacional. Elementos que, em
decorrência do desenvolvimento das forças produtivas, indicavam uma grande
mudança no processo produtivo e nas relações de trabalho e produção.
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Nesse contexto, no que se refere à modernização da agricultura, é relevante
destacar alguns de seus elementos. Um deles é a consolidação desse processo
poder ser datada historicamente a partir da década de 1950, no seio da
reestruturação do próprio país. Deve ser compreendida, ainda, como um processo a
partir das próprias transformações inclusas na expansão do capitalismo no Brasil,
associado à dinâmica expressa na constituição do mercado interno, na consolidação
do processo de industrialização que alterou, de modo fundamental, as relações de
trabalho e de produção. Outro fator em destaque é a transformação na base técnica
da produção, que deve ser entendida no interior de uma diferenciação social – pela
inserção de agentes sociais nesse processo – e de uma diferenciação territorial -
com maior incidência da consolidação em algumas partes do país, como na região
Centro-Sul (RAMALHO, 2002, p. 25).
Outro elemento ressaltado pela pesquisadora é o fato de esse processo estar
limitado à capacidade de importação de maquinários e insumos. Assim, mesmo a
produção exercendo ênfase na dinâmica do mercado interno, a modernização
estava delimitada pelas dificuldades de internalização do setor industrial, produtor de
bens de capital e insumos básicos. O que fez com que as preocupações
governamentais estivessem focadas no sentido de potencializar um aumento da
produtividade agrícola a partir da utilização de técnicas modernas, principalmente no
segundo período Vargas, com o reconhecimento da necessidade de uma indústria
doméstica de fertilizantes e máquinas agrícolas.
No entanto, as condições para tal operacionalização eram limitadas,
principalmente no que se refere à produção de máquinas, já que, a partir de 1953,
iniciou-se uma substituição, ainda não significante, da importação de fosfato como
fertilizante. Só no período Kubitscheck (1951-19540) – com o Plano de Metas – foi
possível a substituição das importações de fertilizantes, fortalecendo a produção
natural. Quanto aos maquinários, o processo de internalização, iniciado na década
de 1950, só começou a dar resultados na década seguinte.
É necessário ressaltar que esse processo de modernização se traduz pela
transformação da base técnica da produção, que se expressa pela complexificação
do processo produtivo à medida que intensifica as trocas entre os setores. A
agricultura fica gradativamente integrada (e mesmo subordinada) às indústrias
produtoras de maquinários e insumos, deixando o setor agropecuário longe de ser
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um setor autônomo.
Ramalho (2002, p. 25-26) analisa esse processo de complexificação entre
setores produtivos, indicando que, depois de iniciado, passou a dar espaço a uma
dinâmica que resultou na formação dos Complexos Agroindustriais - consolidados
apenas nos anos 1970. Mostrava-se, então, uma agricultura subordinada às
indústrias fornecedoras e ainda dependentes das importações, o que dificultava as
trocas entre os setores, mais especificamente, dificultava que a agricultura
funcionasse como fornecedora de matérias-primas para a agroindústria.
A pesquisadora ainda ressalta que o primeiro indício desse complexo, que se
iniciou com a modernização da agricultura, foi o aumento do uso de tratores nas
plantações na década de 1950, aumento ainda maior nas duas décadas seguintes.
Outro indício foi a elevação do consumo intermediário, ou seja, do consumo de
insumos para o processo de produção - como sementes, fertilizantes, defensivos -,
além do aluguel de máquinas, excetuando-se os gastos com mão-de-obra.
Na década de 1960, o processo de modernização, até então horizontal (por
ocupação de terras), passou a ser marcado pela integração setorial verticalizada
(por acumulação industrial), redefinindo, assim, o processo de produção e,
conseqüentemente, as relações de trabalho e de produção. Desse modo,
Agora a dinâmica da agricultura estará determinada pelo padrão de acumulação industrial, centrado no desenvolvimento dos complexos agroindustriais e ação do Estado nesse contexto orienta-se para a modernização da agricultura, visando integrá-la ao novo circuito produtivo liderado pela indústria de insumos e processamento de matéria-prima e gerando as condições infra-estruturais necessárias à expansão do conjunto do setor (GRAZIANO DA SILVA, 1996, p. 23).
A constituição dos Complexos Agroindustriais, na década de 1970, significou
maior complexidade intersetorial; isso sob o controle do capital industrial, sendo a
expressão concreta dos processos de modernização e industrialização da agricultura
brasileira. Esses processos estão presentes na consolidação de um padrão agrícola
próprio do cenário brasileiro. Tal padrão é caracterizado: por profundas mudanças,
numa reorganização do trabalho agrícola, expresso pelo modo de controle do
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processo produtivo; por mudanças na rotina e nos procedimentos de trabalho; pela
expansão do trabalho assalariado no campo; dentre outros fatos que deixam clara a
reprodução do capital no campo.
Assim, as transformações recentes na agricultura brasileira, às quais nos
referimos, acabaram por intensificar a desigualdade social, econômica, política e
territorial. Transformações que procuraremos detalhar – baseados em um universo
delimitado – no decorrer desta dissertação.
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2. ASSENTAMENTOS RURAIS E O PROCESSO DE TERRITORIALIZAÇÃO DA
LUTA PELA TERRA NO TOCANTINS
2.1. COMPREENDENDO O TERRITÓRIO A FIM DE SE ENTENDER A
TERRITORIALIZAÇÃO E A ESPACIALIZAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO
CAMPO
Atualmente, vivemos em tempos de globalização entendida como um ciclo de
desenvolvimentos em que o capitalismo ingressou, em escala mundial; um vasto e
complexo processo que se concretiza em diferentes níveis e múltiplas situações.
A globalização traz, assim, implicações mundiais com “contradições
dinâmicas”: integração, fragmentação, nacionalismo e regionalismo, globalismo e
localismo, holismo e individualismo, visão macro e micro, melhoria da qualidade de
vida para uns e pauperização para outros. (IANNI, 2004). Ainda, “envolve o local, o
nacional, o regional e o mundial, tanto quanto a cidade e o campo, os diferentes
setores produtivos, as diversas forças produtivas e as relações de produção” (IANNI,
2004, p. 101).
É nesse momento em que se intensifica o processo da globalização que,
mesmo que pareça paradoxal, há o desenvolvimento de movimentos sociais locais,
aumentando o interesse das diversas ciências pelo estudo de movimentos sociais
com nítida dimensão espacial.
Os movimentos locais – como é o caso do MST - conseguem influenciar na
determinação das identidades territoriais e no processo de transformação social em
todas as escalas. Isso porque, com o progresso desses movimentos, “os
acontecimentos na escala local, os conflitos do cotidiano, têm capacidade de influir
na ordem instituída em outras escalas: a da região e a do espaço social global”
(BECKER, 1990, p. 126 apud MARTIN, 1997, p. 3).
E é diante de constantes mudanças políticas, econômicas, sociais, culturais e
ambientais, de escala local a mundial, e a fim de melhor compreendê-las, que
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questões relativas ao território apresentam destaque em diversas áreas de estudo -
Geografia, Sociologia, Economia, Ciência Política, Psicologia e Antropologia. Afinal,
o território apresenta-se como:
uma referência globalizante, algo que está sendo construído em paralelo ao conceito de globalização, opondo-se por vezes a este pelas possibilidades que oferece de reconhecer e valorizar as especificidades locais e regionais no enfrentamento à pretensão uniforme da idéia de globalização. Outras vezes a idéia de território oferece chances de inclusão do particular no global, pelas oportunidades de desenvolvimento de potencialidades locais e regionais que as valorizam e lhes dão visibilidade (GEHLEN; RIELLA, 2004, p. 20).
“Território” é um conceito que tem sido utilizado tanto pelas ciências naturais
quanto pelas sociais. Nas naturais, foi formulado no século XVI, através de estudos
botânicos e zoológicos, e significava a área de dominação de um determinado grupo
de espécie animal ou vegetal. Nas ciências sociais, a primeira apresentação
sistematizada do conceito partiu, no século XIX, do geógrafo Friedrich Ratzel, que
colocou no centro de suas análises a necessidade do domínio territorial por parte do
Estado. Nesse viés, o território significava, também, o espaço dominado por uma
sociedade através de suas condições de trabalho e existência.
Antes de tratar da territorialização e da espacialização dos movimentos
sociais no campo, é importante esclarecer o que entendemos sobre os conceitos de
“espaço”, “território” e “movimento socioterritorial”. Procuraremos trabalhá-los sob
uma perspectiva multidimensional da realidade, tentando evitar uma leitura
fragmentada ou setorizada dos assentamentos, objetos deste estudo.
Nas ciências sociais, ao se estudar o território, tende-se a trabalhar focando
mais as relações sociais do que as transformações que tais relações ocasionam em
determinado local. O espaço social é apenas uma das dimensões do espaço e é
para se evitar esse tipo de equívoco que buscamos investir na
multidimensionalidade das relações da sociedade no espaço.
Do conceito de território depende a definição dos processos geográficos
como a territorialização. No entanto, há uma enorme polissemia na utilização do
conceito pelos autores que o discutem, não ficando clara, em alguns casos, a noção
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de território com a qual estão trabalhando (HAESBAERT, 2004). Sobre essa
amplitude do conceito nas diversas ciências, Haesbaert (2004, p. 37) afirma, em
linhas gerais, que, enquanto o geógrafo tende a enfatizar a materialidade do
território, o cientista político enfatiza sua construção a partir de relações de poder. Já
o economista prefere a noção de espaço à de território, percebendo-o como um fator
locacional ou como uma das bases de produção. Na Antropologia, há destaque para
sua dimensão simbólica no estudo, principalmente, de sociedades tradicionais. A
Sociologia, por sua vez, enfoca-o a partir da intervenção nas relações sociais, em
sentido lato, e a Psicologia, enfim, incorpora-o na construção da subjetividade ou da
identidade pessoal.
Mesmo sendo conceito central para a Geografia, também nela a
compreensão do território apresenta grande polissemia. Diversas são as acepções
encontradas, assumindo vertentes variadas, quais sejam: política, cultural e
econômica.
Dentre as várias concepções, Souza (1995, p. 78) compreende o território
como “um espaço definido e delimitado por e a partir de relações de poder [...]”.
Nessa visão, grupos sociais disputam a apropriação, ainda que efêmera, de um
espaço ou a apropriação superposta de mais de um espaço. No caso particular dos
movimentos sociais no campo, haveria uma disputa de um espaço específico, a
terra, com seus recursos naturais.
Utilizando a noção de configuração territorial, na qual a existência social, ou
seja, real do território, somente é dada pelas relações sociais, Santos (2002, p. 62)
entende o território como resultado de um processo histórico de construção do
espaço por agentes sociais, imprimindo nele suas características socioculturais. A
construção do território, para o mesmo autor, se processa a partir da projeção do
trabalho sobre o espaço. Em suas palavras: “é o uso do território, e não o território
em si mesmo, que faz dele objeto de análise social” (1996, p. 15).
Complementando essa linha de raciocínio, Andrade (1984, p. 34) afirma que é
esse uso do território que determina e reflete, conjuntamente, a divisão social do
trabalho. Assim, a complexidade atingida pela divisão do trabalho é acompanhada
por modificações nas formas de organização do espaço, constituindo novas
territorialidades.
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Entendemos territorialidade como o processo subjetivo em que a população
de determinado território toma consciência de fazer parte dele. Desse modo, as
novas territorialidades constituem-se como novas manifestações dos movimentos
das relações sociais. E ainda: “além de incorporar uma dimensão estritamente
política, diz respeito também às relações econômicas e culturais, pois está
intimamente ligada ao modo como as pessoas utilizam a terra, como elas próprias
se organizam no espaço e como elas dão significados ao lugar” (HAESBAERT,
2005, p. 6776). Assim, as novas territorialidades mudam a paisagem e a
organização das relações de trabalho existentes que, por sua vez, são estruturantes
dos territórios.
Com base no exposto, entendemos que o território é, portanto, resultado da
interação das relações sociais estabelecidas em determinado espaço e do controle
do mesmo - ou seja, das relações de poder nele presentes, tanto de dominação
quanto de apropriação.
E, ainda conforme aponta Haesbaert (2004), o território deve ser
compreendido fugindo de visões unidimensionais. Evidencia-se, portanto,
a necessidade de uma visão de território a partir da concepção de espaço como um híbrido – híbrido entre sociedade e natureza, entre política, economia e cultura, e entre materialidade e “idealidade”, numa complexa interação tempo-espaço. [...] Tendo como pano de fundo esta noção “híbrida” (e, portanto, múltipla, nunca indiferenciada) do espaço geográfico, o território pode ser concebido a partir da imbricação de múltiplas relações de poder, do poder mais material das relações econômico-políticas ao poder mais simbólico das relações de ordem mais estritamente cultural (HAESBAERT, 2004, p. 79).
Assim, Haesbaert amplia o conceito de território, afirmando ser resultado
tanto das relações sociais quanto das relações de poder (dominação e apropriação),
interagindo no espaço. O território seria, portanto, nessa acepção, uma construção
política, econômica, cultural e natural. Não sendo exclusiva de apenas um desses
aspectos.
Para o autor, a construção dos territórios através dessas múltiplas
imbricações leva a uma análise sob a perspectiva do “híbrido”. Também Santos
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(2002) considera tal perspectiva para compreender o espaço, o qual seria um misto,
uma união indissociável de sistemas de objetos e de ações. Os primeiros são as
configurações territoriais (territórios) e as segundas, as atitudes dos sujeitos sobre
essa materialidade; dando às formas uma vida sempre renovada, transformando-as
em formas-conteúdo e fazendo com que participem dialeticamente da evolução do
espaço.
Importa esclarecer que espaço e território não são termos equivalentes. É
“essencial compreender bem que o espaço é anterior ao território. O território se
forma a partir do espaço, é resultado de uma ação conduzida por um autor
sintagmático, (autor que realiza um programa) em qualquer nível” (RAFFESTIN,
1993, p. 143 apud ALVES; FERREIRA; SILVEIRA, 2007, p. 114).
O conceito de espaço é bastante amplo e, por isso, utilizado de modos
distintos, causando, muitas vezes, sua incompreensão. Para se evitar equívocos é
preciso esclarecer que “o espaço social está contido no espaço geográfico, criado
originalmente pela natureza e transformado continuamente pelas relações sociais,
que produzem diversos outros tipos de espaços materiais e imateriais como por
exemplo: políticos, culturais, econômicos e ciberespaço” (SILVA; FERNANDES,
2006, p. 8).
O espaço é uma completude, parte da realidade, portanto, “multidimensional”.
É uma “composicionalidade”, ou seja, “compreende e só pode ser compreendido em
todas as dimensões que o compõem” (FERNANDES, 2005, p. 274). Numa
simultaneidade em movimento, manifesta suas propriedades de “ser produto e
produção, movimento e fixidez, processo e resultado, lugar de onde se parte e
aonde se chega” (FERNANDES, 2005, p. 274). O espaço tem, também, a
característica de “completitude”, ou seja, possui a qualidade de ser um todo, mesmo
sendo uma parte (ibid, p. 274).
As características dos espaços são desafiadoras para os que neles vivem e
procuram compreendê-los:
O espaço é multidimensional, pluriescalar ou multiescalar, em intenso processo de completibilidade, conflitualidade e interação. As relações sociais, muitas vezes, realizam leituras e ações que fragmentam o espaço. São análises parciais, unidimensionais, setoriais, lineares, uniescalar,
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incompletas e, portanto, limitadas, porque necessitam delimitar. Essas leituras espaciais fragmentárias promovem desigualdades e diferentes formas de exclusão. A superação dessa visão de mundo exige ponderabilidade na criação de métodos que desfragmentem o espaço e que não restrinjam as qualidades composicionais dos espaços (SILVA; FERNANDES, 2005, p. 275).
Desse modo, o social e o espaço são indissociáveis. As expressões
socioespacial ou espaço, socioterritorial ou território representam modos de
referência e não diferenças.
Ainda, o espaço geográfico é constituído por todos os tipos de espaços
sociais, produzidos pelas relações entre as pessoas em suas dimensões sociais
(cultura, política e economia) e entre as pessoas e a natureza. As pessoas
transformam o espaço geográfico, modificando a paisagem e construindo territórios,
regiões e lugares. O território como espaço geográfico, portanto, contém os
elementos da natureza e os espaços produzidos pelas relações sociais.
É importante reforçar que o espaço, visto como fragmento ou fração, é uma
representação, construída a partir de uma determinação interagida pela
receptividade e constituída por uma relação social. Essa representação exige uma
intencionalidade, que é uma forma de compreensão unidimensional do espaço,
reduzindo suas qualidades. Assim, ele é apresentado apenas como político,
econômico ou cultural. Essa compreensão se efetiva ainda que tais espaços sejam
multidimensionais e completivos do espaço geográfico.
A intencionalidade, segundo Lefebvre (1991), é um modo de compreensão
que um grupo, uma nação, uma classe social e mesmo uma pessoa utilizam para se
realizarem, ou seja, se materializarem no espaço. É uma visão de mundo ampla,
porém, una de ser, de existir. Ou seja, a intencionalidade delimita e determina o
espaço, transforma a parte em todo e o todo em parte. Assim, o espaço passa a ser
compreendido segundo a intencionalidade da relação social que o criou: “a relação
social em sua intencionalidade cria uma determinada leitura do espaço, que
conforme o campo de forças em disputa pode ser dominante ou não. E assim, criam-
se diferentes leituras socioespaciais” (SILVA; FERNANDES, 2006, p. 10).
As relações sociais se materializam e se reproduzem, criando espaços e
territórios em movimentos desiguais e combinados, denominados de processos
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geográficos. A teoria do desenvolvimento desigual e combinado formulado por
Trotsky (1979) na tentativa de explicar as modificações e lógicas das contradições
econômicas e sociais dos países do capitalismo periférico - é utilizada para se
compreender o tipo de dominação que o capital exerce nas formações sociais em
que subsistam relações pré-capitalistas. A teoria explicita que o desenvolvimento
desigual e combinado é a lei mais geral do processo histórico e que não se revela,
em parte alguma, com a evidência e a complexidade com que o demonstra o destino
dos países atrasados que, por questões materiais, vêem a necessidade de “avançar
aos saltos”. Dessa lei deriva outra, a do desenvolvimento combinado, em referência
à aproximação das distintas etapas do caminho, à combinação de diferentes fases e
à mistura de formas arcaicas e modernas.
A lei do desenvolvimento desigual e combinado esclarece, ainda, as distintas
proporções no crescimento da vida social e a correlação concreta destes fatores,
desigualmente desenvolvidos no processo histórico. Essas variações, entre múltiplos
fatores, dão a base para o surgimento de um fenômeno novo, no qual as
características de uma etapa inferior de desenvolvimento social se misturam com as
de outra, superior.
Essas combinações têm caráter contraditório e apresentam acentuadas
peculiaridades. Segundo essa lei, elas podem se desviar muito das regras e efetuar
tal oscilação de modo a produzir um salto qualitativo na evolução social, capacitando
os povos “atrasados” para superar, durante certo tempo, os mais avançados.
Transportando essa teoria para a compreensão do desenvolvimento do
capitalismo no campo, em especial no campo brasileiro, deve-se levar em conta que
o processo de desenvolvimento do modo capitalista de produção no Brasil é
contraditório e combinado. Isto quer dizer que:
Ao mesmo tempo em que esse desenvolvimento avança reproduzindo relações especificamente capitalistas (implantando o trabalho assalariado através da presença no campo do 'bóia-fria'), o capitalismo produz também, igual e contraditoriamente, relações camponesas de produção (através da presença e do aumento do trabalho familiar no campo) (OLIVEIRA, 1999, p. 36).
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Os processos geográficos são, portanto, também processos sociais. As
relações sociais a partir de suas intencionalidades produzem espaços, lugares,
territórios, regiões e paisagens. “Ao produzirem seus espaços e neles se realizarem,
as relações sociais também são produzidas pelos espaços. Essa indissociabilidade
promove os movimentos dos espaços sociais e dos territórios nos espaços
geográficos” (FERNANDES, 2005, p. 278). Nesses movimentos, as propriedades
dos espaços e territórios são manifestadas em ações, relações e expressões
materiais e imateriais, que são:
expansão, fluxo, refluxo, multidimensionamento, criação e destruição. A expansão e ou a criação de território são ações concretas representadas pela territorialização. O refluxo e a destruição são ações concretas representadas pela desterritorialização. Esse movimento explicita a conflitualidade e as contradições das relações socioespaciais e socioterritoriais. Por causa dessas características, acontece ao mesmo tempo a expansão e a destruição; a criação e o refluxo. Esse é o movimento do processo geográfico conhecido como TDR, ou territorialização – desterritorialização – reterritorialização (FERNANDES, 2005, p. 276).
Como exemplos de TDR, Fernandes (2005, p. 276) apresenta os movimentos
das empresas capitalistas, que se instalam e mudam de cidades e países
respondendo a conjunturas políticas e econômicas; movimentos do agronegócio e
da agricultura camponesa, que modificam as paisagens, a estrutura fundiária e as
relações sociais. Outro exemplo se dá quando o comando do tráfico em determinado
setor da cidade é detido pela polícia e, pouco depois, é reorganizado, ou quando um
paradigma entra em crise ou é refutado, sendo retomado tempos depois.
Os processos geográficos (QUADRO 1) são tanto movimentos das
propriedades espaciais quanto das relações sociais. São quatro os processos
geográficos primários: espacialização, espacialidade, territorialização e
territorialidade. E quatro são os processos geográficos procedentes:
desterritorialização, reterritorialização, desterritorialidade e reterritorialidade.
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QUADRO 1 – Processos geográficos Processos Primários Processos Procedentes
Espacialização movimento concreto das ações e sua reprodução no espaço geográfico e no território, é movimento presente.
____
____
Espacialidade movimento contínuo de uma ação na realidade ou o multidimensionamento de uma ação, é subjetiva.
____
____
Territorialização resultado da expansão do território, contínuo ou interrupto.
Desterritorialização resultado da fragilidade no controle exercido sobre algum espaço, através da mobilidade das pessoas, bens, capitais ou informações (apropriação) ou mesmo através da imobilidade (dominação).
Reterritorialização incorporação de novos territórios e construção de novas territorialidades por um grupo desterritorializado.
Territorialidade manifestação dos movimentos das relações sociais mantenedoras dos territórios que produzem e reproduzem ações ou propriedades.
Desterritorialidade impedimento de alguma ação de uso do território.
Reterritorialidade retorno ao uso do território que havia sido impedido anteriormente.
Fonte: FERNANDES (2005) e HAESBAERT (2004). Organizado pela autora.
Enquanto a territorialização é o resultado da expansão do território, contínuo
ou interrupto, a territorialidade é a manifestação dos movimentos das relações
sociais mantenedoras dos territórios, que produzem e reproduzem ações ou
propriedades. Existem dois tipos de territorialidades, a local e a deslocada, que
podem acontecer simultaneamente.
A local pode, ainda, ser simples ou múltipla, dependendo dos usos que as
relações mantenedoras fazem do território. Um hospital cujo espaço é utilizado
unicamente para seu fim próprio é um exemplo de territorialidade local simples. Já
uma rua que seja utilizada tanto para o trafego de veículos quanto para o
funcionamento de feiras livres nos finais de semana é exemplo de territorialidade
local múltipla, que se caracteriza pelos usos dos territórios em diferentes momentos.
A desterritorialidade acontece quando há o impedimento de qualquer dessas ações,
e a reterritorialidade se forma com o retorno de uma delas.
Já a territorialidade deslocada caracteriza-se por ações e relações ou
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expressões próprias de um território que acontecem em outros. Exemplares disso
são o consumo do chimarrão em lugares do Norte do país ou pessoas dançando
tango em São Paulo - resultados de interação e convivência com diferentes culturas.
Já a espacialização é o movimento concreto das ações e sua reprodução no
espaço geográfico e no território. É movimento presente que, ao contrário da
territorialização, não é de expansão; são fluxos e refluxos da multidensionalidade
dos espaços. Portanto, não existe “desespacialização” - uma vez acontecido, o
movimento não pode ser destruído, como é o caso das marchas do MST.
Já a espacialidade é o movimento contínuo de uma ação na realidade ou o
multidimensionamento de uma ação. Por ser subjetiva, não se concretiza como a
espacialização – são exemplos as propagandas e as lembranças da memória. Os
processos geográficos também são conjuntos indissociáveis e podem acontecer
simultaneamente:
Um mesmo objeto pode ser parte de diferentes ações no processo de produção do espaço. Ou diferentes objetos e sujeitos podem produzir diferentes processos geográficos. Desse modo espacialidade e espacialização podem acontecer concomitantemente. Todavia, territorialização e desterritorialização não acontecem ao mesmo tempo e no mesmo lugar, mas podem acontecer simultaneamente em lugares diferentes (FERNANDES, 2005, p. 277).
Assim como o conceito de território, a desterritorialização também é percebida
sob diferentes interpretações. Souza (1995) a entende como a exclusão de um
grupo que apropriava um espaço. Já para Santos (2002), a desterritorialização
representa o estranhamento do indivíduo em relação ao lugar, uma espécie de
desculturalização. Na visão de Haesbaert (2004), ela resultaria da fragilidade no
controle exercido sobre algum espaço, através da mobilidade das pessoas, bens,
capitais ou informações, numa apropriação ou mesmo através da imobilidade, pela
dominação.
Dentro desta perspectiva, ao processo de desterritorialização procede-se o de
reterritorialização, ou seja, incorporação de novos territórios e construção de novas
territorialidades por um grupo desterritorializado. A essa seqüência de fenômenos,
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37
Santos (2002) e Haesbaert (2004) concordam que, à medida que os territórios são
destruídos e novas territorialidades são construídas, uma dinâmica territorial se
processa indistintamente em todos os setores da sociedade, inclusive no campo.
Também os estudos referentes às ações dos movimentos sociais contam com
diferentes possibilidades de interpretação. Tudo depende de o referencial teórico
utilizado ser de origem sociológica, econômica, histórica ou geográfica.
Todos os movimentos produzem algum tipo de espaço. No entanto, de acordo
com Raffestin (1993 apud FERNANDES, 2005, p. 276), parte-se da premissa de que
para alguns movimentos o território é o trunfo, a razão de sua própria existência
como movimento.
Acreditamos que pela leitura geográfica é possível analisar tanto as formas de
organização, relações e ações sociais, que acontecem no espaço em todas as suas
dimensões – político, econômico, ambiental, cultural - quanto os espaços e territórios
construídos e reconstruídos pelos movimentos.
Cabe esclarecer que consideramos movimento social e movimento
socioterritorial como um mesmo sujeito social, organizado em defesa de seus
interesses e participante de conflitos para transformação de um modo de vida.
Concebemos, assim, movimentos sociais por uma perspectiva sociológica e
movimentos socioterritoriais por uma perspectiva geográfica. Como podemos
comparar no QUADRO 2, a seguir:
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QUADRO 02 – Principais características, semelhanças, diferenças e significados dos movimentos sociais e socioterritoriais
Movimento Social Movimento Socioterritorial Conceito Sociológico Conceito Geográfico Espaço entendido como produto Espaço entendido como processo As análises voltam-se aos estudos das formas e das relações sociais
As análises voltam-se aos estudos dos processos de criação de espaços e de transformação em/do território
A constituição do movimento social é articulatória com a aglutinação de participantes
A constituição do movimento ocorre por meio dos trabalhos de bases nas comunidades e dos espaços de socialização política
Ênfase nas transformações das demandas e reivindicações coletivas
Ênfase na espacialização e territorialização das reivindicações
As reivindicações são concluídas quando são conquistadas e superadas as situações de carências econômicas, políticas e sociais
Luta de resistência
Contribuição ao entendimento do processo de mudança social
Contribuição ao entendimento da transformação do espaço em território caracterizado pela mudança social
Análise das reivindicações das ações realizadas no âmbito local e/ou em rede
Análise das reivindicações espacializadas e territorializadas por meio de processos interativos em vários locais ao mesmo tempo
Ações coletivas: organização, identidade, persistência
Ações coletivas, resistência nos espaços interativos, comunicativos e de luta etc
Organizados a partir das contribuições sociais, por meio de uma luta dialética marcada por avanços e retrocessos
O território é resultante de lutas de classes por isso ocorre a T – D – R (t= territorialização; d= desterritorialização; r= reterritorialização)
Compreensão da forma do movimento e o espaço como produto
Compreensão do movimento em movimento (ação) pelo processo T – D - R
Fonte: LEAL (2003, p.45). Adaptado pela autora.
Sob a perspectiva geográfica, existem movimentos socioespaciais e
movimentos socioterritoriais tanto no campo quanto na cidade. Vejamos sua
diferenciação:
Os movimentos socioterritoriais têm o território como trunfo, mas este é essencial para sua existência. Os movimentos camponeses, os indígenas, as empresas, os sindicatos e os estados podem se constituir em movimentos socioterritoriais e socioespaciais. Porque criaram relações sociais para tratarem diretamente de seus interesses e assim produzem seus próprios espaços e seus territórios. [...] As organizações não governamentais trabalham com representações de interesses. Defendendo desde os interesses de uma multinacional aos interesses de um movimento indígena. Portanto, só podem se constituir como movimentos socioespaciais, uma vez que não possuem um território definido. O fato de defenderem uma ou outra intencionalidade não lhes dá o status de movimentos socioterritoriais. [...] As igrejas podem ser movimentos socioespaciais e ou movimentos socioterritoriais, dependendo das relações sociais com as quais trabalham podem ser agências de mediação ou
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defender seus próprios interesses (FERNANDES, 2005 p.279-280).
A idéia de socioterritorial, no caso dos movimentos no campo, compreende
desde a luta pela terra, a produção agropecuária, a organização política e a infra-
estrutura até a comercialização dos produtos, a escola, o transporte, a saúde e
todos os conhecimentos e técnicas necessárias ao funcionamento e
desenvolvimento dos assentamentos. Essas são, dentre outras, dimensões que
precisam ser pesquisadas ao se estudar os impactos socioterritoriais provocados
pelos assentamentos nas regiões onde se encontram localizados.
No Brasil, o MST, por ter como foco a terra e por se organizar de modo a
realizar ações combinadas em diferentes lugares, é um exemplo de movimento
socioterritorial. A atuação concomitante em espaços distintos possibilita a
espacialização das ações do movimento, caracterizando-o também como
socioespacial. Nesse contexto, os sem-terra podem ser considerados indivíduos
desterritorializados que, ao fazerem parte de movimentos sociais como o MST,
buscam a reterritorialização.
Assim, a publicidade buscada por parte do movimento, à ocupação de uma
propriedade, por exemplo, se caracteriza como um modo eficaz de demonstrar sua
forma de organização. Dessa maneira, a ocupação das terras, além de territorializar
o movimento, representa uma forma de notoriedade perante a sociedade. Pode
representar, ainda, mudanças nas relações de poder ao se alterar o direito à posse
da terra numa intervenção direta a ela.
Os acampamentos, resultado das ocupações, podem ser considerados como
o início do processo de territorialização do movimento. Segundo Fernandes (2000, p.
76), eles se configuram em “espaços e tempos de transição na luta pela terra”, já
que, “além de espaços de politização e socialização, criam pontos de tensão”.
O campo brasileiro ocupa destaque nas discussões e no foco de políticas
públicas atuais, tendo experimentado diversas mudanças. Apresenta uma formação
social diversa (pequenos produtores, meeiros, parceiros, posseiros, desempregados
urbanos, latifundiários, sem-terra), com diferentes interesses e demandas. Muitas
vezes, essa sobreposição de demandas resulta em conflitos, cuja mediação sofre
atuação do Estado. São confrontos entre grandes produtores rurais, grandes
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empresas, setor financeiro, movimentos de trabalhadores rurais, polícia, movimentos
de atingidos, dentre outros.
Nesse contexto, os assentamentos representam, no sentido de resolver o
problema agrário, a resposta do Estado a essas pressões e o fim de um ciclo
iniciado com as ocupações e os acampamentos. No entanto, outro ciclo se inicia
com a permanência ou não desses trabalhadores na terra. Se permanecem,
inaugura-se um processo de estruturações e negociações: desde a divisão dos
lotes, definição das formas de produção e organização do trabalho até os
financiamentos do governo, obras de infra-estrutura, ações de saúde e educação,
dentre outras. Somando-se a esses aspectos, a reconstrução do território passa por
modificações nas relações socioespaciais existentes.
Assim, os assentamentos podem se apresentar como agentes reconstrutores
do campo. Mesmo sendo as políticas públicas no Brasil, em sua maioria, voltadas à
produção em grande escala, tem-se nos assentamentos uma tentativa de conter as
tensões no setor. No entanto, tal tentativa deve ser considerada apenas como
medida que compense a não-efetivação de uma verdadeira Reforma Agrária.
Os assentamentos constituem a reterritorialização da população assentada,
traçando outras delimitações no campo:
A luta pela terra é um processo social de reforço de vínculos locais e de relações de pertencimento a um determinado lugar, se constituindo em um processo de reterritorialização que situa as pessoas em um espaço geograficamente bem delimitado. O assentamento (e as próprias parcelas e lotes) é caracterizado por limites e fronteiras, resultado de conflitos e lutas sociais que dão identidade e sentimentos de familiaridade a seus habitantes [...] (SAUER, 2003, p. 19).
Eles, ao reconstruírem o território, imprimem novas configurações aos limites
e fronteiras existentes, alterando, assim, relações de trabalho, produção e poder
local. Portanto,
[...] a construção/reconstrução de seu espaço social [dos assentados] constitui-se num novo modo de vida, que se dá tanto a partir dos
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referenciais que cada assentado traz em sua história de vida, como a partir de referenciais coletivos reelaborados na luta pela conquista da terra, de forma que o assentamento continua a ser espaço de recriação cultural, de continuação e emergência de uma nova cultura política e, acima de tudo, por ser um espaço de vivência de relações sociais diferenciadas e por desenvolver no cotidiano concreto fragmentos significativos de uma nova sociedade modificada, tornando-se uma força instituinte no social-histórico, possibilitando a instituição de um novo modo de viver no campo (SCHWENDLER, 2000, p. 6).
Então, conforme exposto, percebemos que os assentamentos trazem novos
ingredientes para a construção de uma nova dinâmica.
2.2. O MST COMO MOVIMENTO SOCIOTERRITORIAL QUE SE
TERRITORIALIZOU NO TOCANTINS
Para se abordar o MST como movimento socioterritorial e seu envolvimento
na luta pela terra, foi necessário apresentar as principais diferenças entre movimento
social e movimento socioterritorial, buscando esclarecer as peculiaridades deste
último.
O MST redefiniu o espaço de luta no campo brasileiro na década de 1990,
territorializou suas ações, resultando na implantação de assentamentos rurais. Para
tanto, apresentou em sua estrutura uma articulação, por meio de assembléias,
reuniões e atos públicos, com os trabalhadores sem-terra. A fim de organizar e
reunir participantes na luta pela terra, a formação decorre da realização de trabalhos
de base em comunidades. As ações do MST têm como referenciais a reorganização
social e espacial. Exerce sua função através da realização de ações diferentes, em
pontos diversos do território, seguindo uma organicidade por meio das
coordenações estaduais e regionais.
Sobre esse aspecto, Fernandes (2000) afirma que os movimentos
socioterritoriais ou territorializados constituem diferentes categorias, e suas
estruturas têm duas formas: movimento social e movimento sindical. Assim, segundo
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o autor, por meio de articulações e alianças, esses movimentos recebem apoios
políticos e econômicos de diferentes instituições. Conforme mencionamos, eles se
articulam em diferentes lugares – cidades e estados – ao mesmo tempo.
Podemos comprovar isso a partir de dados do DATALUTA (2008), que
demonstram a ação de 93 diferentes movimentos, entre sociais e sindicais, agindo
simultaneamente no período de 2000 a 2007, em diferentes pontos do país.
Desses dados podemos abstrair que, no estado do Tocantins, nesse período,
agiram, simultaneamente, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na
Agricultura – CONTAG, o MST e, ainda, uma OTC – Organização dos Trabalhadores
no campo (QUADRO 3). A sigla OTC foi criada pela Comissão Pastoral da Terra
(CPT) para designar associações, movimentos e organizações ocasionais ou
localizadas que surgem da luta no campo, mas que ou não têm alcance nacional ou
não se mantêm perenes. Tanto que, ainda segundo dados do DATALUTA (2008), a
partir de 2007 não foram identificadas ações de OTCs no estado.
QUADRO 3 – Movimentos socioterritoriais que atuaram no estado do Tocantins no período de 2000 a 2007
Sigla Nome do movimento Estados em que atuaram CONTAG
CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA
AL, BA, CE, DF, ES, GO, MA, MG, MS, MT, PA, PE, PI, RJ, RN, SC, SE, SP, TO
MST
MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA
AL, BA, CE, DF, ES, GO, MA, MG, MS, MT, PA, PB, PE, PI, PR, RJ, RN, RO, RR, RS, SC, SE, SP, TO
OTC
ORGANIZAÇÃO DOS TRABALHADORES NO CAMPO
CE, GO, MG, PA, PR, RO, RS, SP, TO
Fonte: DATALUTA (2008). Adaptado pela autora.
As ações do MST no Tocantins, as quais nos interessam nessa investigação,
iniciaram-se em 1998 e têm como referência a organização social e o espaço
geográfico. Devido a isso, cada vez mais, as ações atingem novas frações do
território, caracterizando sua territorialização.
As ações do movimento, na região mencionada, podem ser evidenciadas pela
trajetória de ocupações e pela efetivação de assentamentos ao longo do tempo.
Desse modo, o MST foi responsável pela maioria das ocupações no país (289) e
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por um número significativo de ocupações na região Norte do país e no estado do
Tocantins no ano de 2007, como pode ser visualizado na TABELA 1:
TABELA 1 – Ocupações realizadas pelos movimentos socioterritoriais na região Norte em 2007 MST FETRAF CONTAG Ocupações
conjuntas Outros Total
Ocup. Fam. Ocup. Fam. Ocup Fam Ocup Fam. Ocup Fam. Ocup. Fam. Norte 11 1.849 18 2.679 6 332 1 80 13 1.114 49 6.054 AC - - - - - - - - - - - - AM - - - - - - - - - - - - AP - - - - - - - - - - - - PA 6 1.475 18 2.679 3 240 1 80 9 1.032 37 5.506 RO 3 234 - - - - - - 1 22 4 256 RR 1 60 - - - - - - - - 1 60 TO 1 80 - - 3 92 - - 3 60 7 232 Total/país
289 45.249 32 4.547 22 2.967 59 7.003 89 6.523 533 69.769
Fonte: DATALUTA (2008). Adaptado pela autora.
Também é possível evidenciar um dos primeiros impactos dessas ações, que
são as mudanças na estrutura fundiária. No país, conforme levantamento do
DATALUTA (2008), realizado nos anos de 1992, 1998 e 2003 (TABELA 2), houve o
aumento progressivo das propriedades consideradas pequenas, em todas as suas
categorias (de menos 1 a 200 ha), o que reforça a expansão da pequena
propriedade e da produção familiar. Houve, ainda, a redução das grandes
propriedades, principalmente as que possuem área acima de 10.000 ha. Essa
redução é ainda mais evidente na comparação entre as averiguações de 1998 e
2003.
A territorialização do MST através dos assentamentos inaugura um momento
de reivindicações ainda mais amplo. São reivindicações por escola, energia elétrica
e estradas, dentre outras demandas diversas, carregando o sentido de luta por meio
de novas ocupações e da formação de novos grupos de famílias, em busca de
conquistas individuais e como grupo.
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44
TABELA 2 – Mudanças da estrutura fundiária no Brasil por classes de área 1992, 1998 e 2003 1992 1998 2003 Classes de Áreas
No. de Imóveis
Área (ha) No. de Imóveis
Área (ha) No. de Imóveis
Área (ha)
TOTAL 2.924.204 310.030.752,20 3.586.525 415.548.886,60 4.290.531 418.483.332,30 Menos de 1
47.034 24.483,10 68.512 35.181,90 81.995 43.409,10
1 a menos de 2
88.408 120.422,40 118.926 160.875,80 1414.481 191.005,50
2 a menos de 5
343.539 1.168.374,60 440.708 1.483.892,60 559.841 1.874.158,80
5 a menos de 10
428.783 3.116.262,60 515.823 3.737.828,60 626.480 4.530.025,20
10 a menos de 25
804.376 13.081.255,30 939.198 15.265.972,30 1.109.841 18.034.512,20
25 a menos de 50
477.439 16.679.065,90 573.408 20.067.945,60 693.217 24.266.354,60
50 a menos de 100
319.256 22.205.515,70 403.521 27.902.893,30 485.956 33.481.543,23
Pequena
100 a menos de 200
191.539 26.032.300,20 239.219 32.260.122,40 272.444 36.516.857,80
200 a menos de 500
133.506 41.147.556,90 166.686 51.491.978,60 181.919 56.037.443,20
500 a menos de 1.000
48.873 33.812.939,40 62.643 43.317.666,40 68.972 47.807.934,80
Média
1.000 a menos de 2.000
22.374 30.767.926,40 30.325 41.651.744,70 35.281 48.711.363,10
2.000 a menos de 5.000
13.982 41.222.330,50 20.120 59.497.823,80 26.341 77.612.461,90
5.000 a menos de 10.000
3.190 22.414.364,90 4.758 33.839.004,90 5.780 41.777.204,40
10.000 a menos de 20.000
1.187 16.269.632,00 1.648 22.485.749,70 635 8.600.834,20
20.000 a menos de 50.000
537 15.610.841,20 768 22.468.684,80 294 8.502.361,60
50.000 a menos de 100.000
113 7.604.137,20 154 10.504.269,00 32 2.181.546,40
Grande
100.000 e mais
68 18.753.343,90 108 29.377.251,20 22 8.314.316,30
Fonte: DATALUTA (2008). Adaptado pela autora.
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3. IMPACTOS SOCIOTERRITORIAIS: DA LUTA PELA TERRA À PERMANÊNCIA
DOS ASSENTADOS RURAIS NO PADRE JOSIMO I e II
Entendemos que os impactos socioterritoriais referem-se a mudanças
provocadas por um fato social que se territorializa e se espacializa num determinado
lugar, reconfigurando, de modo significativo, sua dinâmica. Neste trabalho, mais
especificamente, procuramos entender que os impactos socioterritoriais foram
mudanças significativas, provocadas pelo assentamento rural Pe. Josimo I e II nos
municípios de Cristalândia, Nova Rosalândia e Oliveira de Fátima.
A análise nos oportuniza a compreensão de que tais impactos são oriundos
das lutas dos sem-terra, no Tocantins, contra as oligarquias agrário-latifundiárias. Os
sem-terra e os latifundiários são atores antagônicos nessa dinâmica de domínio
sobre os territórios - lugares de construções e reconstruções de relações sociais
para os camponeses.
Nesse sentido, nossa preocupação é refletir sobre os impactos a partir de
diferentes momentos de transformações socioterritoriais, desencadeadas com a
implantação dos assentamentos. Inicialmente, abordaremos a história da região, as
primeiras organizações da luta pela terra e o desencadeamento dos conflitos.
Passaremos, então, à intervenção do Estado nesses conflitos, focalizando o
momento de instalação e reprodução do assentamento, durante o qual, novas
necessidades, demandas e negociações surgiram para seus integrantes.
3.1. IMPACTOS SOCIOTERRITORIAIS: QUESTÕES TEÓRICAS DE
ANÁLISE
O termo “impacto”, no senso comum, transmite a idéia de colisão, choque,
denotando uma mudança brusca ou mesmo uma força que leva à transformação.
Vemo-lo ser bastante utilizado reportando à idéia de impactos ambientais,
econômicos e sociais, geralmente ligados à avaliação de conseqüências previstas
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para projetos, numa análise custo-benefício.
Ao se trabalhar as transformações socioterritoriais, procurando entender os
elementos da questão agrária brasileira, o termo impacto - como “força que força a
transformação” (FERNANDES; LEAL, 2002, p. 7) - também é escolhido para analisar
o processo de conquista ou obtenção da terra nesse conflito social e histórico.
No Brasil, o campo foi apropriado e construído com características específicas
que o diferenciam bastante dos processos ocorridos em outros países como a
Rússia, a Alemanha e a Itália. Aqui, o próprio modo capitalista de produção gerou e
reproduziu o produtor familiar.
No que se refere, em específico, à produção agropecuária familiar, existem
diferentes abordagens de estudo. Oliveira (1991), ao discutir vertentes teóricas que
estudam a questão agrária no Brasil, aponta três grupos de pesquisadores. Um dos
grupos é o daqueles que vêem, no processo de desenvolvimento do modo
capitalista de produção, a generalização das relações de produção tipicamente
capitalistas no espaço rural. Nessa compreensão, através do assalariamento ou da
transformação do camponês em abastado, o campesinato estaria em extinção.
Outro grupo acredita na penetração do capitalismo no campo, de modo que
acabe com as relações comunitárias, tornando-as mercantis e transformando o
camponês em proletário. Sobre esses pontos de vista, Fernandes e Leal (2000)
afirmam que:
A questão para o camponês é: ou ele se metamorfoseia em agricultor familiar e se integra ou se mantém como ele mesmo e se desintegra. Nestes referenciais não há futuro, porque não há perspectiva desse sujeito continuar sendo camponês. Na verdade, ele é visto como um estorvo para os que vêem sua desintegração, considerando que do campesinato podem surgir o capitalista ou o proletário. Igualmente é visto como estorvo para os que vêem sua integração, porque o camponês desenvolve, também, a luta contra o capital (FERNANDES; LEAL, 2002, p. 4).
Voltando à discussão de Oliveira (1991), o terceiro grupo de pesquisadores
compreende as relações não tipicamente capitalistas no espaço rural como produto
das contradições do próprio modo capitalista de produção. Assim, o Modo
Capitalista de Produção acontece territorialmente e através da conjugação de suas
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características sociais fundamentais: suas relações tipicamente capitalistas –
assalariamento, mecanização, produção voltada ao mercado – e as relações não
especificamente capitalistas - como trabalho familiar, baixos investimentos em
produção, pouca produção de mercadorias.
É sob essa perspectiva que se fundamenta a presente investigação, refutando
a idéia de destruição do camponês e enfatizando a sua recriação “na reprodução
capitalista das relações não capitalistas de produção e por meio da luta pela terra e
pela Reforma Agrária” (FERNANDES, 2000, p. 279-280 apud FERNANDES; LEAL,
2002, p. 5).
Contrárias a isso, inúmeras teses e pesquisas importantes e referenciais
sobre a Reforma Agrária no Brasil não teriam conseguido explicar questões às quais
se propuseram a compreender, nem teriam razão de existir pesquisas desenvolvidas
atualmente sobre essa temática.
É importante salientar que as relações interligadas e inerentes ao processo de
expansão do modo capitalista de produção acontecem num movimento contraditório
e desigual. Ao mesmo tempo em que promovem a reprodução de atividades
familiares, também fortalecem as ações dos agentes do capital, gerando tramas
territoriais – des/re/territorialiazação - no campo.
Nesse viés, o MST, através dos assentamentos, se territorializa, ou seja,
ocupa uma fração dos espaços transformados pelo trabalho. Assim, através da
territorialização camponesa no espaço dos latifúndios, o campo vem sofrendo
alterações em sua estrutura fundiária e socioeconômica.
Importante também é salientar o que se entende pelos conceitos de
“camponês” e “agricultor familiar”. Inúmeros trabalhos ou tratam esses conceitos
como iguais ou os utilizam sem a necessária reflexão teórica, o que faz o camponês
(agricultor de subsistência) aparecer como agricultor familiar e vice-versa.
Em linhas gerais, os teóricos da agricultura familiar, como Veiga e
Abramovay, apresentam argumentos que destacam a integração ao mercado, o
papel determinante do Estado no desenvolvimento de políticas públicas e a
incorporação de tecnologias. Viés esse que leva à destruição do campesinato.
(VEIGA, 1991, p. 190-192; ABRAMOVAY, 1992, p. 21-22)
Esses argumentos são contrários à visão que temos de que não é o mercado
48
48
que possibilita a recriação do campesinato, mas sim a luta política desenvolvida por
meio das ocupações, principal forma de acesso à terra hoje em dia.
Exemplo da visão semelhante a dos teóricos em agricultura familiar é o
esquema apresentado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), ilustrando
o Processo de Reforma Agrária (QUADRO 4), segundo o qual “os sem-terra
aparecem do nada, entram no processo de implantação de assentamentos e saem
como agricultores familiares” (FERNANDES; LEAL, 2002, p. 3). Para esses
pesquisadores, fica evidente, no esquema, o interesse do governo de transformar o
“sem-terra” em “agricultor familiar”.
QUADRO 4 – Processo de reforma agrária
Processo de Reforma Agrária
Sem-terra Assentado
Obtenção: Criação do PA:
° Avaliação ° PDA Pronaf linha “A”
° Vistoria ° Topografia Infra-estrutura
° Decreto ° Créditos ARCOS
° Ajuizamento ° Assistência Técnica Titulação
° Imissão de posse
Consolidação
De 10 meses a 1 ano
1 ano 1 ano
3 anos em média Fonte: http://www.incra.gov.br/reforma/recordes1.htm. Acesso em: 10 out. 2008. Adaptado pela autora.
Uma das razões desse interesse é que as ocupações não são comuns aos
agricultores familiares. Assim, o MDA, desde que foi criado em 1990, e o Governo
Federal incorporam o modelo de agricultura familiar a suas políticas públicas, que
“tiveram como referência a integração ao mercado, e especialmente no mercado de
terras, com a criação do Banco da Terra, procurando pôr fim às lutas políticas (...)”
(FERNANDES; LEAL, 2002, p.4). Criaram, ainda, medidas provisórias para
criminalizar as ocupações e a implantação de linhas de crédito seletivas, visando à
capitalização e eliminando as linhas de crédito que foram debatidas e criadas com a
1 ano
Saída
Entrada Agricultor Familiar
49
49
participação dos trabalhadores.
Sob essa visão, ainda segundo os autores, os teóricos da agricultura familiar
procuram construir um método de análise em que o desaparecimento do camponês
está no processo que o metamorfoseia em agricultor familiar. E, quando não
conseguem comprovar a destruição do camponês, procuram refutar o conceito como
tendo perdido seu poder explicativo.
Ignoram, então, que a luta pela terra e o desemprego estrutural são
elementos relevantes para a análise do campo hoje. Nesse contexto, inúmeras
políticas vêm sendo implementadas no sentido de repensar a relação campo-cidade,
o que tem sido denominado de “desenvolvimento sustentável”, tanto em escala local
quanto regional. No entanto, esse conceito apresenta-se, segundo Fernandes e Leal
(2002), como uma forma de substituição do termo “questão agrária”.
Como possibilidade de se compreender os elementos da questão agrária para
o desenvolvimento de novos referenciais de análise, Fernandes e Leal (2002)
apresentam o conceito “impactos socioterritoriais”, entendido da seguinte maneira:
Mudanças que ocorrem no território através das ações dos sem-terra, do Estado e dos latifundiários. Essas ações são resultantes das ocupações de latifúndios, de caminhadas, de ocupação de prédios públicos, da implantação de assentamentos, ou seja, das reivindicações das famílias participantes na luta pela terra. (FERNANDES; LEAL, 2002, p.7)
Para analisar a extensão das principais mudanças realizadas com a
transformação causada pelos assentamentos, os pesquisadores propõem um
método de análise em que procuram compreender as dimensões e os indicadores
dos impactos socioterritoriais.
As dimensões são mudanças no âmbito social, como acesso à educação e à
saúde; no âmbito político, como reivindicações aos poderes públicos para
implantação de infra-estrutura nos assentamentos e entorno, e no âmbito
econômico, por intermédio da intensificação da produção, de autoconsumo e da
comercialização agrícola.
Nessa proposta de análise, os indicadores das dimensões são variáveis
50
50
quantitativas e qualitativas da análise das mudanças. Eles são verticais e
horizontais, suas variáveis estão nos espaços geográficos e nas relações sociais. Os
verticais seriam caracterizados pelas ações entre as famílias, no interior das
unidades de produção, com o município, com a micro e a messorregião. E os
indicadores horizontais se caracterizariam pelas diferentes relações entre as famílias
nos assentamentos.
Desse modo, a principal abordagem dos impactos é compreendida a partir
das mudanças nas vidas das famílias sem-terra, bem como do espaço geográfico
estudado. Nesse processo, o conceito “impactos socioterritoriais” é contextualizado
por alguns indicadores como educação, saúde, cultura, organização do trabalho e da
produção, renda, organização sociopolítica, dentre outros.
Tendo o assentamento Pe. Josimo I e II, em Cristalândia – TO, como objeto
de estudo dessa investigação, procuramos identificar sua formação e os processos
de reestruturação e ressocialização sociopolítica e econômica, causados pela
transformação do latifúndio em assentamento de sem-terra. Por outro lado,
observamos que as ocupações de terra são vistas como os principais elementos
geradores desses impactos. Pelos latifundiários, são consideradas como causadoras
de desordem econômica, social e desequilíbrios regionais. Pelo Estado,
criminalizadas como forma de controle sobre as políticas públicas relacionadas à
questão agrária.
Nos impactos socioterritoriais é possível identificar tanto as potencialidades
políticas, econômicas e sociais, como também a construção de projetos públicos.
Isso porque os assentamentos representam a ressocialização das famílias
assentadas, através de acesso à saúde, educação, infra-estrutura, transporte,
produção agropecuária e da transformação do “território dos latifúndios” em
“território do camponês”. Esses impactos também são sentidos pelas famílias não-
assentadas - aquelas das comunidades circunvizinhas - através do não recebimento
desses benefícios geradores de possibilidades de transformações.
Desse modo, a partir da trajetória de luta pela terra e da ocupação como
processo de territorialização na conquista de assentamentos rurais, é possível
compreender os impactos socioterritoriais ocorridos nesses espaços. A luta pela
terra seria, portanto, o início das transformações no processo dos impactos
socioterritoriais, conforme representado na FIGURA 1, a seguir:
51
51
FIGURA 1 – Impactos socioterritoriais dos assentamentos
Fonte: FERNANDES; LEAL, 2002, p. 8. Adaptado pela autora.
Sob essa ótica, procuramos identificar os impactos, abordando três diferentes
momentos da trajetória do assentamento, sendo eles, como propõem Medeiros e
Leite (1998): o histórico da região, a ação do Estado e o momento de instalação e
reprodução do assentamento.
O primeiro deles, ao trazer o histórico de luta pela terra, localiza conflitos,
lideranças, alianças e oposições. As ocupações, além de darem partida a conflitos,
alteram paisagens e mobilizam a opinião pública. São processos longos, marcados
por mudanças de local, pela difícil adaptação à rotina de acampado, pela árdua
negociação com fazendeiros e Estado. E, também, um período em que, vivendo à
beira da estrada, os acampados estão expostos a julgamentos e pareceres da
opinião pública.
Os acampados se apresentam como uma “nova” questão àquela região,
como “problema” político, no sentido de que forças políticas locais e o Estado – em
diferentes esferas: executivo, legislativo e judiciário – passam a reconhecer a
existência da tensão. Há, também, a pressão da opinião pública, o que ajuda a
constituir uma necessidade de se buscar respostas para o conflito.
Esse momento se caracteriza pela ação do Estado que, ao intervir no conflito,
passa a ter que considerar as condições de ocupação, organização, produção,
relações sociais e políticas existentes; além de buscar a regularização ou
Impactos Socioterritoriais
Implantação de assentamentos rurais Transformações sociais, políticas e econômicas
Desenvolvimento das unidades de produção familiar
Trabalho de base, ocupações
de terra e acampamentos
Trabalho de base, ocupações de terra e acampamentos
Conflitos e negociação MST – latifundiários e Estado
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desapropriação de terras, delimitação das áreas dos assentados, fornecimento de
linhas de crédito, dentre outras formas de intervenção.
Mais uma vez, ocorre, agora numa intervenção pública, uma reordenação de
relações sociais e políticas no plano local. Isso porque “assentar significa reconhecer
uma situação de conflito, determinados agentes sociais, demandas, muitas das
quais até então ignoradas, e, possivelmente, permitir sua transformação em direitos,
o que implica trazer uma mediação legal para o conflito, etc.” (MEDEIROS; LEITE,
1998, p.10)
É desse ponto que derivam as primeiras transformações do que se pode
chamar “impacto dos assentamentos”, e que se inauguram os direitos relativos à
terra, dos quais surgem outros direitos – reconhecidos e a serem conquistados -,
bem como a legitimidade de negociação com o Estado. Começa, então, uma fase
que representa uma nova situação, com novas relações sociais e políticas, numa
ruptura com a situação anterior - os “territórios dos latifundiários” tornam-se
“territórios de camponês assentado”, transição que se reflete claramente nas
relações de poder local.
Num terceiro momento, também marcado por transformações características
dos impactos dos assentamentos, há a instalação e a reprodução do assentamento,
no qual novas necessidades, demandas e negociações surgem para seus
participantes. Vejamos o que Ramalho escreve sobre essa questão:
O segundo impacto socioterritorial inicia-se após esse processo de luta, com a conquista da terra, com as novas necessidades que surgem para os assentados. É necessário continuar lutando para permanecer na terra: luta-se por moradia, água, luz, estradas, postos de saúde, escolas, condições eficazes para produzir. Nessa luta constrói-se a relação assentado-assentamento e assentado-município (que muitas vezes ultrapassa essa escala municipal, pois os assentados mantêm relações comerciais, financeiras e pessoais em outras cidades, estados) (RAMALHO, 2002, p. 2).
Em nossa pesquisa, por exemplo, constatamos que os assentados do Pe.
Josimo I e II realizam suas atividades cotidianas - escola, lazer, compras e outras
transações - não só no município a que pertence o assentamento (Cristalândia), mas
também em outros municípios vizinhos: Nova Rosalândia e Oliveira de Fátima.
53
53
Assim, a área de abrangência dos impactos socioterritoriais do assentamento
em estudo, que compreende os três municípios, não foi eleita por um critério que
privilegie aspectos físicos ou ambientais. Buscou-se, sim, resgatar dimensões e
relações sociais, culturais, políticas e econômicas entre os assentados e os
municípios supracitados.
Medeiros e Leite (1998, p. 8) salientam que a necessidade de traçar
parâmetros para qualificar “região” levou-os a considerar referências tanto
geográficas quanto sociológicas. Tais referências acabaram por indicar que a
análise regional deve ser considerada, cada vez mais, sob um prisma
multidimensional. Assim, não se trata de privilegiar aspectos físicos, ambientais
econômicos, mas de resgatar as dimensões sociais, culturais e políticas.
Os autores reforçam isso citando Alentejano (1997, apud MEDEIROS; LEITE,
1998, p. 9), ao afirmar que “a literatura nos leva a perceber que o que se considera,
em cada caso, como sendo uma região é uma construção do pesquisador, em
função de variáveis que considera relevantes e que, uma vez destacadas,
confirmam certas redes de relações que têm uma determinada delimitação”. A
região pode ser vista, também, como “uma construção social a partir dos
enfrentamentos históricos entre diferentes atores sociais e diferentes projetos”
(ALENTEJANO, 1997, apud MEDEIROS; LEITE, 1998, p. 9).
A respeito disso, os autores consideram, ainda, que o desafio para os
pesquisadores, ao mesmo tempo em que têm como pano de fundo diferentes
recortes regionais, constituídos por determinadas instituições – como IBGE, INCRA,
Secretarias de Agricultura, dentre outras –, é de buscar
Equacionar possíveis delimitações de regiões construídas a partir dos assentamentos, entendidas como área de influência e de constituição de uma determinada rede de relações econômicas, sociais e políticas (que podem coincidir com um município, com um conjunto de municípios, ou com partes deles). Com isso, estamos assumindo que há processos múltiplos a serem considerados que antecedem o assentamento, são concomitantes a ele e o sucedem (MEDEIROS; LEITE, 1998, p. 8).
Em suma, ao falarmos de impactos socioterritoriais dos assentamentos
54
54
rurais, procuramos perceber diferentes aspectos das relações sociais, políticas,
culturais e econômicas que se desenvolvem num processo. Evitamos analisar
apenas um desses aspectos individualmente, a fim de não perdermos a
possibilidade de construir uma análise multidimensional da realidade. É também
nossa preocupação avaliar os impactos não apenas a partir de sua expressão nos
assentamentos rurais, mas procurar compreendê-los inseridos em um processo
ininterrupto de luta e resistência social e política, no qual os seus desdobramentos
recaem sobre uma diversidade de dimensões e indicadores socioterritoriais.
A idéia de socioterritorial que procuramos seguir aqui compreende desde a
luta pela terra, as unidades de produção familiar, a organização política até a
obtenção de infra-estrutura básica, de crédito e de conhecimentos e tecnologias
necessárias ao desenvolvimento dos assentamentos. A idéia de socioterritorial traz
esses e diversos outros aspectos que pesquisamos ao estudar os impactos
socioterritoriais provocados pelo assentamento Pe. Josimo I e II nos municípios de
Cristalândia, Nova Rosalândia e Oliveira de Fátima.
3.2. ASPECTOS METODOLÓGICOS DE ANÁLISE
Para a realização da pesquisa, na fase exploratória, fizemos uma revisão
bibliográfica em meio impresso e digital acerca dos assuntos estudados: questão
agrária brasileira, território e processos territoriais, assentamentos rurais e processos
de territorialização do espaço, movimentos socioterritoriais no campo e impactos
socioterritoriais, dentre outros.
Nessa fase, além de pesquisa bibliográfica para delinear o aparato teórico,
foram também realizadas reuniões com a coordenação geral e de grupos de famílias
do assentamento, a fim de apresentar os objetivos da pesquisa e levantar
informações primárias a respeito do movimento e suas ações.
As entrevistas, realizadas com a coordenação geral e com os coordenadores
de núcleo de famílias, tiveram o objetivo de ampliar a busca por informações com
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55
outros atores sociais, os quais exercem influência no pensamento e nas ações
cotidianas do assentamento. Procuramos, através das conversas, abranger três
dimensões: a econômica, a política e a social; para, a partir daí, definirmos os
indicadores a serem analisados em cada dimensão. Tentamos, também, identificar
as relações do assentamento com os municípios do seu entorno. Isso com a
finalidade de estabelecer um levantamento qualitativo da realidade do
assentamento, coletando informações dentro das três dimensões (social, política e
econômica). Nessa fase, como ferramenta de coleta de informações, foi organizado
um levantamento sobre a linha histórica do assentamento. Nesse passo, houve a
identificação de informantes qualificados - pessoas internas e externas ao
assentamento que têm alguma influência sobre a dinâmica organizativa e/ou
possuem informações importantes a serem sistematizadas sobre a realidade
pesquisada.
Dentre os informantes internos identificamos: lideranças jovens, mulheres
ativas politicamente, responsáveis pelas famílias, pessoas que conhecem a região
ou a história de exploração da Fazenda Jatobá (desapropriada pelo INCRA para a
implantação do assentamento). Dentre os informantes externos, encontramos:
funcionários do INCRA-TO, das Prefeituras Municipais de Cristalândia, Nova
Rosalândia e Oliveira de Fátima, de órgãos do setor financeiro e comercial, bem
como lideranças regionais.
Na fase investigativa, com o objetivo de colher dados para análise global,
analisamos documentos históricos, estatísticos e cartográficos do assentamento
junto ao IBGE, ao INCRA-TO, às Prefeituras Municipais e às Associações dos
assentados, dentre outros.
Para a colheita de dados mais específicos, numa pesquisa qualitativa, a fim
de captar mudanças ocorridas intra e extra-assentamento, desde a sua
implementação, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas entre assentados,
comunidades vizinhas e representantes de órgãos pertinentes ao estudo. Com isso,
pudemos delinear trajetórias pessoais e de grupo, e constatar as relações entre eles.
A pesquisa de campo aconteceu em dois momentos: primeiramente, no
assentamento (em outubro e novembro de 2008), através de entrevistas semi-
estruturadas. Depois (de janeiro a março de 2009), nos municípios de Cristalândia,
Nova Rosalândia e Oliveira de Fátima, onde entrevistamos pessoas ligadas ao
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56
poder público municipal, ao setor financeiro e comercial.
Dentre o grande número de variáveis possíveis, que poderiam ser
averiguadas quanto aos impactos de um assentamento na dinâmica do campo e de
seu entorno, para a análise desse processo referente ao assentamento Pe. Josimo I
e II, destacamos as seguintes escalas de variáveis (QUADRO 5): A) Aspectos
sociais, abordando temáticas como: procedência das famílias, demandas relativas à
saúde, educação, transportes, moradia e cultura; ações tanto dos assentados
quanto dos poderes públicos em atenção a essas demandas; identificação da
implementação de infra-estrutura básica para atender o assentamento. B) Aspectos
políticos: verificando a participação das famílias na organização do assentamento,
suas relações políticas, a distribuição da terra, a área ocupada, número e tipos de
propriedades e as dinâmicas territoriais ocorridas. C) Aspectos econômicos: tratando
da organização dos assentados para o trabalho e a produção, fontes de renda e a
participação dos assentados nos âmbitos financeiro e comercial de seu entorno.
É relevante ressaltar que pretendemos averiguar tais variáveis buscando
traçar um paralelo entre os dados estatísticos e as informações reveladas pelos
entrevistados. Mesmo observando que as informações obtidas nem sempre são
reais, na maioria das vezes são impressões individuais, constando de suposições e
aproximações, é preciso entender que tais informações são relevantes para
identificar – em conjunto com os dados coletados – o momento histórico do
assentamento.
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QUADRO 5 – Impactos socioterritoriais: dimensões e indicadores
Fonte: Organizado pela autora a partir de pesquisa de campo.
Vale salientar, também, que classificar os impactos em três dimensões -
social, política e econômica - não significa, de modo algum, que os estamos
entendendo de forma fragmentada. Essas dimensões são indissociáveis e foram
estudadas parcialmente, utilizando-se alguns indicadores de análise. Na dimensão
social os indicadores eleitos foram: saúde, educação, transporte, moradia e cultura.
Na dimensão política, a organização territorial e o poder local, participação política e
políticas públicas. Já a dimensão econômica teve como indicadores a organização
do trabalho e da produção e as fontes de renda. De modo que uma não se
apresentou, nem teria condições, de forma dissociável da outra.
Dimensões Indicadores
SOCIAL
Saúde
-Local e transporte para atendimento -Fonte de abastecimento de água -Programas específicos de saúde rural -Principais dificuldades encontradas para atendimento -Acesso à infraestrutura- condições sanitária e de saúde
Educação
-Grau de escolaridade - Qualidade do ensino -Outras práticas educativas -Adequação para atendê-los
Transporte
-Meios, números e qualidade do transporte - estradas (condições, responsabilidades)
Moradia
-Construção e condição de Moradias e áreas comuns -Crédito habitação (valor e uso) -Infraestrutura elétrica e telefônica
Cultura
-Formas de lazer e atividades culturais das famílias assentadas -Uso de espaços comunitários
POLÍTICO
Poder local, participação
política e políticas públicas
-Participação na organização do assentamento -Eleições, Alianças políticas com partidos, MST e outros movimentos -Relacionamento assentamento-governo -Relacionamento assentamento/órgãos responsáveis
Organização
Territorial
-Tempo em acampamento e ocupações de terras -Volume e origem da população assentada -motivo para ingresso no movimento
ECONÔMICO
Organização do
trabalho e da produção e fontes
de renda
-experiência de trabalho anterior ao assentamento -Acesso a bens de consumo -Acesso a políticas sociais compensatórias ou distributivas -Produção, extração e comercialização - Formas de organização para o trabalho -Fontes de renda -
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3.2.1. Materialismo histórico dialético como método
Sob a perspectiva dos impactos socioterritoriais, analisamos a atuação do
assentamento Pe. Josimo I e II no que concerne às possibilidades de reconfiguração
no campo. Demos destaque especial ao que se refere ao rearranjo socioterritorial e
ao processo produtivo que se reflete em mudanças locais e/ou regionais.
Para estudo, coube, portanto, a utilização do materialismo histórico dialético
como método de investigação, conforme proposto por Marx em seu texto “O Método
na Economia Política” (1977). Sua contribuição é importante por ser uma abordagem
possível para a interpretação da realidade, caracterizada por buscar descobrir (pelo
movimento do pensamento) as leis fundamentais que definem a forma organizativa
dos homens em sociedade através da história.
Convém, nesse momento, distinguir a concepção de Marx para “método”: não
um conjunto de procedimentos ou passos aprioristicamente selecionados pelo
investigador para buscar a confirmação ou negação de hipóteses, mas um
instrumento de mediação entre o homem que deseja conhecer e o objeto
desconhecido.
No enunciado do método de Marx, há uma síntese do próprio método, com
base na concepção materialista e dialética da realidade. Assim, segundo o
enunciado, o processo se efetiva em duas fases. A primeira seria o “caminho de
ida”, caracterizado por ser o ponto de partida do real – concreto e caótico. Isto é, um
conceito idealizado que, através de um processo de afastamento e abstração, leva a
conceitos e determinações cada vez mais simples e a abstrações cada vez mais
tênues. A segunda fase seria o “caminho de volta”, um retorno ao real, com rica
totalidade de determinações e relações diversas. Esse “caminho de ida e volta”
aconteceria como na FIGURA 2, a seguir:
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FIGURA 2 – Síntese do método na concepção materialista e dialética
Fonte: MORAIS (2004, p. 85). Reproduzido pela autora.
A figura ajuda a representar o pensamento de Marx de que “o real é
empírico”. O que difere do pensamento de Hegel (apud MORAIS, 2004, p. 85), para
quem o concreto é uma categoria do pensamento, sendo o empírico apenas a
aparência e o fenômeno. Assim, para Marx, o concreto como categoria do
pensamento constitui a maneira – a única possível – pela qual o pensamento
reproduz o real conforme ele é: uma totalidade de muitos pensamentos interligados.
Além do concreto e do abstrato, no método de Marx aparecem também os
conceitos de “historicidade” e “totalidade”. Para ele, a premissa de toda a história
humana é a existência de indivíduos humanos viventes que, como seres sociais,
fazem história. A totalidade é composta por atos singulares e pela relação que esses
atos estabelecem entre si. Portanto, para se conhecer o real é necessário que a
subjetividade percorra o objeto em sua totalidade.
Voltemos à concepção de método como um instrumento que auxilia o homem
na construção do processo de conhecimento do objeto pelo sujeito. Como ambos –
objeto e sujeito – são históricos, e o conhecimento é a objetivação dessa relação,
todo conhecimento elaborado traz em si uma parcela desconhecida. À medida que
amplia as possibilidades de percepção do real, apresenta novos elementos que
exigem novos olhares e elaborações teóricas. Assim, novas determinações objetivas
vão surgindo como resultado do próprio movimento histórico e dialético da vida
social.
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Cabe lembrar que o conhecimento, nessa concepção, não é apenas um
reflexo do real na mente. Assim, a pesquisa deve dispor de uma bagagem teórica
que permita antever o percurso e fazer suposições razoáveis frente às várias
alternativas de incursão no objeto. Desse modo, quanto mais rica e intuitiva a
subjetividade, maiores as chances de se apreender os nexos internos do concreto
investigado.
Esse instrumento de reflexão pode, portanto, ser adotado para a realidade
dos assentamentos. Isso porque, associado aos conceitos de abordagem territorial,
é um instrumento que ajuda a explicar de que modo os camponeses assentados
organizam sua sociedade no espaço, e como o modo de concepção e uso do
espaço por eles realizado trazem mudanças. Estas ocorrerão desde que os
latifundiários ocupem um território que, mais tarde, sofrerá a ocupação dos sem-
terra, os quais, ao tomar posse do território, nele permanecerão.
3.2.2. Caracterização da área de estudo
Visto que a pesquisa foi baseada na identificação de elementos que estão
relacionados à forma de vida das famílias assentadas no Pe. Josimo I e II, no que
diz respeito aos aspectos econômico, social e político, convém que caracterizemos o
município e a área de influência do assentamento. Assim, é possível identificar a
região e suas características socioeconômicas e territoriais, bem como as questões
relacionadas às novas territorialidades, estabelecidas no cotidiano das famílias
assentadas.
O assentamento Pe. Josimo I e II, localizado no sudeste do estado, município
de Cristalândia, é formado por 161 famílias assentadas. No mesmo município, ainda
estão localizados mais quatro assentamentos: o Cristal, com 46 famílias assentadas;
o Chapada Vermelha, com 34 famílias; o São Francisco de Assis, com 63, e o
Virgínia, com 16 famílias assentadas (INCRA, 2008).
O Pe. Josimo I e II, além de pertencer ao município de Cristalândia, tem
61
61
proximidade com os municípios de Nova Rosalândia e Oliveira de Fátima, com os
quais também mantém relações sociais, políticas e econômicas.
Possui uma área total de 8.146,0683 ha. Sua abrangência territorial
(destacada em vermelho no MAPA 1) penetra em áreas de dois municípios: parte no
município de Cristalândia, no qual está oficialmente registrado no INCRA, e parte no
município de Nova Rosalândia.
MAPA 1 – Localização dos municípios de Cristalândia e Nova Rosalândia e do Assentamento Pe. Josimo I e II
Escala 1 : 1.000.000
Fonte: SEPLAN (2003); PDA (2008). Adaptado pela autora.
Segundo consta no Plano de Desenvolvimento do Assentamento Pe. Josimo I
e II (PDA/2008), Cristalândia é delimitado ao norte pelo município de Pium, ao sul
por Santa Rita do Tocantins, a leste pelos municípios de Nova Rosalândia, Oliveira
de Fátima e Fátima e a oeste pelo município de Lagoa da Confusão. Possui 1.848
km² de área e situa-se nas coordenadas geográficas Lat. 10º 36’ 01” S, Long 49º 11’
62
62
35” W, a uma distância de 140,1 km da capital, Palmas.
Nova Rosalândia, por sua vez, é delimitado ao norte pelos municípios de
Pugmil e Pium, a leste pelo município de Porto Nacional, a oeste pelo município de
Cristalândia e ao sul pelo município de Oliveira de Fátima. Possui 489 km² de área,
encontrando-se nas coordenadas Lat 10º 34’ 00” S, Long 48º 54’ 51” W, à distância
de 108,4 km de Palmas.
As rodovias de acesso aos municípios de Cristalândia e Nova Rosalândia e
as distâncias que os separam de outros centros urbanos estão apresentados na
TABELA 3, a seguir:
TABELA 3 - Distâncias e rodovias de acesso dos Municípios de Cristalândia e Nova Rosalândia de outros centros urbanos
Cristalândia Nova Rosalândia Cidades da região Distância Rodovia Distância Rodovia
Palmas 140 km TO-225 BR-153 TO-080
49,6 km TO-255 BR-153
Fátima 108,4 km BR-153 TO-080 34,1 km BR-153
Pugmil 47,7 km TO-255 BR-153 16,1 km BR-153
Pium 7,72 km TO-255 TO-164 48 km BR-153
TO-354 Fonte: SEPLAN (2007). Adaptado pela autora.
Conforme levantamento registrado no PDA/2008, foram identificadas áreas
que recebem influência do assentamento. Tais áreas são classificadas em: área de
influência indireta (AII), sendo composta pelos municípios que fazem parte da região
da Zona I – Javaés e que sofrerão indiretamente os impactos advindos do
assentamento; e área de influência direta (AID) ou área diretamente afetada (ADA),
destinada à implantação do assentamento.
A AII é formada por municípios considerados indiretamente afetados por
serem pólos de atração na região, seja por serviços básicos de atendimento (saúde,
por exemplo), seja por oferta de produtos realizada pelos municípios diretamente
afetados. São, ainda, lugares que podem ser pontos de escoamento de insumos
produzidos pelo assentamento. Ei-los: Oliveira de Fátima, Fátima, Pium, Pugmil,
Santa Rita do Tocantins, Paraíso do Tocantins, Porto Nacional, Lagoa da Confusão
63
63
e Palmas, sendo este último, além de capital do estado, um ponto de apoio médico-
hospitalar da região.
A AID é composta por municípios circunvizinhos e pólos que recebem os
produtos do assentamento. São também os municípios que recebem as demandas
por serviços básicos como atendimento hospitalar e educação. Nesse aspecto, o
PDA/2008 identificou os municípios de Cristalândia e Nova Rosalândia. No entanto,
em nossa pesquisa de campo (out. e nov./2008 e jan. a mar./2009), identificamos
também forte relação das famílias assentadas com o município de Oliveira de
Fátima, conforme será detalhado no quarto capítulo.
Os dados informativos e institucionais e as informações obtidas em
entrevistas com a coordenação geral do assentamento, coordenações de núcleos de
famílias e famílias assentadas justificaram a análise das diferentes facetas (social,
política e econômica) dos impactos causados pelo assentamento Pe. Josimo I e II,
nos municípios de Cristalândia, Nova Rosalândia e Oliveira de Fátima.
64
64
4. OS IMPACTOS SOCIOTERRITORIAIS NO ASSENTAMENTO PADRE JOSIMO I
E II EM CRISTALÂNDIA E ENTORNO
Os impactos socioterritoriais dos assentamentos rurais possuem
potencialidades tanto no aspecto social quanto no político e no cultural. Além de
buscar resolver suas necessidades econômicas e de infra-estrutura, os assentados,
através de relações extra-assentamento, acabam interferindo no cotidiano do lugar,
instaurando um novo rearranjo territorial local.
Esse rearranjo altera a ordem local e se reflete na esfera regional, através de
formas alternativas de produção e de trabalho, além de alternativas sociais,
econômicas e ambientais.
Cabe lembrar que os assentamentos, mesmo com alguns insucessos,
representam a possibilidade de realizações pessoais dos assentados, conquistas de
grupo, fortalecimento de atividades produtivas em estrutura familiar, possibilidades
de inserção social, expansão das possibilidades de emprego, renda e consumo.
Além de fatores que possam determinar melhores indicadores sociais, políticos e
econômicos da escala local à regional.
É sob esse prisma que, nesse capítulo, analisamos o assentamento Pe.
Josimo I e II quanto aos impactos socioterritoriais e suas influências nos núcleos
urbanos à sua volta, resgatando diferentes momentos da trajetória do assentamento.
Assim, num primeiro momento, trazemos o histórico da luta das famílias pela terra,
desde sua organização em acampamento às margens da BR-153, sua entrada na
terra até a situação atual. Hoje, Pe. Josimo I e II é considerado como assentamento,
vinculado ao programa de Reforma Agrária do Governo Federal.
No momento seguinte, consideramos a ação do Estado e suas políticas
públicas de Reforma Agrária, ao intervir no conflito, passando a imprimir uma
reordenação de relações sociais e políticas no plano local. Entendemos que é desse
ponto que derivam as primeiras transformações do que chamamos de “impacto
socioterritorial dos assentamentos”.
E, num terceiro momento, investigamos de que maneira se deu a instalação
das famílias no assentamento, inaugurando na vida delas um período de novas
demandas e negociações. Um período de transformações que também se
65
65
caracterizam como “impacto socioterritorial dos assentamentos”.
Cabe lembrar que o assentamento em questão, além de pertencer ao
município de Cristalândia, ocupa parte do território de Nova Rosalândia e tem
proximidade com o município de Oliveira de Fátima, com os quais mantém relações
sociais, políticas e econômicas. É a partir dessa peculiaridade que procuraremos
analisar, neste capítulo, os impactos socioterritoriais do assentamento sobre os
núcleos urbanos desses três municípios, dentro das esferas citadas.
Lembramos que a luta dos assentados se constrói na relação assentado-
assentamento e assentado-município. Nesse caso particular, ultrapassa a escala
municipal, pois, como mencionamos, os assentados do Pe. Josimo I e II mantêm
relações comerciais, financeiras e pessoais com mais de uma cidade em seu
entorno.
4.1. HISTÓRICO DA TERRITORIALIZAÇÃO DO ASSENTAMENTO Pe.
JOSIMO I E II
Após várias reuniões com os movimentos ligados à questão da Reforma
Agrária no Tocantins como o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra), o MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens) e a CPT (Comissão
Pastoral da Terra e Sindicatos Rurais), constatou-se uma tendência de organização
e apoio a acampamentos de sem-terras por todo o estado. Foi a partir dessas ações
dos movimentos que surgiu, no dia 31 de julho de 2003, o acampamento Pe.
Josimo, às margens da BR 153, a 10 km de Nova Rosalândia e a 3 km de Oliveira
de Fátima. Era formado, inicialmente, por cerca de 330 famílias, as quais, nesse
período de formação, receberam do MST formação política: participando de reuniões
nos grupos de famílias, ocupando órgãos públicos, fazendo parte de marchas,
mobilizações e de outras atividades de cunho político.
É nesse período de grande movimentação que, no acampamento, organizado
através de uma coordenação do MST sobre os grupos de famílias, funcionavam
66
66
também setores de educação, saúde, abastecimento, segurança, esporte e religião.
Essa forma setorizada contribuía no momento de buscar, junto às prefeituras,
atendimento para tais áreas.
Outra maneira de organização existente nesse período era a das
assembléias, que aconteciam com freqüência no acampamento e durante as quais
eram discutidos assuntos relevantes para as famílias acampadas.
Nessa fase, as famílias, em especial os homens, buscavam garantir o
sustento principalmente através da venda da força de trabalho - em fazendas da
região - ou em atividades temporárias - em cidades como Nova Rosalândia, Porto
Nacional, Palmas, Araguaína e Miranorte.
Com o tempo, algumas famílias foram desistindo do acampamento. O que
acontecia, geralmente, por dificuldades causadas tanto por questões financeiras
quanto pela falta de infra-estrutura - escola, atendimento médico, saneamento
básico etc.
Para aprofundarmos essa discussão a respeito das ocupações de terra,
utilizamos dados coletados na pesquisa de campo realizada no assentamento. Pela
análise dos dados, constatamos que a maioria das famílias participou do processo
de ocupação, ali permanecendo durante toda a fase de acampamento - cerca de 23
(vinte e três) meses.
Ainda pudemos averiguar que os motivos que os levaram a tomar parte no
movimento são os mais diversos. O retorno ao trabalho no campo, através da
propriedade da terra, é justificativa forte, inclusive para aqueles que estavam
trabalhando em outras atividades nas cidades, mas que nutriam o desejo de retornar
ao campo para trabalhar, conforme faziam na infância e a exemplo de seus
antepassados. Também, muitos viram, nessa oportunidade, um modo de escapar da
dinâmica das cidades, à qual não se habituaram e onde não queriam que seus filhos
fossem criados. Algumas dessas pessoas apontam a violência e a incerteza do
sustento da família como os fatores mais marcantes para a decisão de participar do
movimento.
Fica-nos claro, assim, que a cidade não foi capaz de absorver a grande
massa de camponeses que foram expulsos, de diversas formas e por motivos
variados, de suas localidades no campo. Geralmente, foram impulsionados para as
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67
periferias das grandes e médias cidades brasileiras, numa espécie de migração
forçada. Esse quadro, em apenas uma década (1960), transformou a população
brasileira “da noite para o dia”: de uma população tradicionalmente rural para uma
“despreparadamente” urbana.
Diante desse contexto, entendemos a ocupação da terra como forte impacto
socioterritorial na vida dos trabalhadores. Sobre esse assunto, Ramalho (2002, p.
81) afirma que “os acampamentos nas beiras das estradas, as famílias debaixo das
lonas pretas, as organizações internas nos acampamentos, os despejos, as
reintegrações de posse, as negociações entre sem-terra, fazendeiros e Estado até a
conquista da terra, são ações sociais pensadas politicamente, que geram alterações
no território”.
E foi durante esse tempo de acampados que as famílias, oriundas de diversas
cidades de Tocantins e de outros estados como Pará e Maranhão, aprenderam a
conviver com diferentes costumes e tradições. Importante para isso foi a dinâmica
política de organização do MST, que busca fortalecer o ideal de luta contra os
latifúndios e contra outras estruturas de poder contrárias à Reforma Agrária.
Passado o período vivido no acampamento, a Fazenda Jatobá, após longo
processo, foi desapropriada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (INCRA), abrindo espaço para as famílias se instalarem.
Assim, após portaria de 30 de maio de 2005, em junho desse mesmo ano, foi
efetuada a transferência das famílias para as terras da antiga Fazenda Jatobá. No
momento da transferência, o acampamento era composto por 161 famílias. Para a
área que se denominou Pe. Josimo I seguiram 102 famílias e para a Pe. Josimo II,
59 famílias. Essa divisão interna das famílias existe desde o período do
acampamento. Isso porque o segundo grupo de famílias se juntou ao acampamento
num momento posterior ao início da ocupação. Daí a explicação para a
nomenclatura do assentamento: Pe. Josimo I e II.
Durante a pesquisa de campo, percebemos também que as famílias do Pe.
Josimo I têm ligação política com o MST. Já as famílias do Pe. Josimo II guardam
maior ligação e referência com o trabalho e a vida no campo, por já terem tido, em
sua maioria, experiência com a terra.
Na transferência para a antiga fazenda, as famílias permaneceram em
68
68
estrutura de agrovila até 29 de agosto de 2007. Nessa data, foi realizado o sorteio
dos lotes individuais, divididos e distribuídos numa área total de 8.146,0683 ha. Além
dos lotes havia, também, espaços a serem destinados à implantação de estruturas
coletivas do assentamento como escolas, posto de saúde, dentre outros; além de
áreas de reserva e preservação ambiental. A totalidade do espaço, com suas
subdivisões em lotes, pode ser visualizada na planta do assentamento, ANEXO A
desse trabalho.
Hoje, cada família reside em seu lote e participa ativamente das diversas
ações coletivas e sociais do assentamento. Elas mantêm a organicidade trazida do
acampamento, de que são exemplos os núcleos de famílias. Os assentados ainda
se vêem e se entendem como “sem-terra”, a fim de ainda persistirem nos ideais
iniciais e de auxiliarem as famílias que ainda estão no início do processo de luta pela
terra.
A respeito da realidade que estudamos sobre assentamentos e os impactos
socioterritoriais que causam, e em concordância com Fernandes e Leal (2002, p.8),
entendemos que “as ocupações de terra são os principais elementos geradores
desses impactos.” Entendemos também que, em seguida, são os assentamentos
que passarão a imprimir potencialidades políticas, econômicas e sociais aos
impactos, pois são “os assentamentos rurais que provocam a ressocialização das
famílias através do acesso à educação, da produção agropecuária, da
transformação de áreas de pastagens em áreas cultiváveis, em áreas de
preservação ambiental, etc” (FERNANDES; LEAL, 2002, p. 8).
Na verdade, com a implantação e a consolidação do assentamento e com as
mudanças – concentração fundiária e organização territorial - e demandas dele
decorrentes - saúde, educação, transporte, moradia - é que se inaugura esse
processo. É essa nova etapa que passaremos a analisar através das dimensões
(social, política e econômica) e dos indicadores (saúde, educação, transporte,
moradia, cultura, poder local, participação política, políticas públicas, organização
territorial, organização do trabalho e da produção, fontes de renda) apresentados
anteriormente.
Assim, quando falamos na dimensão política dos impactos socioterritoriais,
destacamos o conteúdo político das ocupações de terra, que leva a mudanças
fundiárias decorrentes da territorialização dos assentamentos. Falamos, ainda, na
69
69
ressocialização sociopolítica e econômica a partir de sua consolidação.
4.2. DIMENSÃO POLÍTICA: DE TERRITÓRIO DO LATIFÚNDIO A
TERRITÓRIO CAMPONÊS
4.2.1. Concentração Fundiária, Organização Territorial e Social
O processo de investigação desse trabalho nos permite afirmar que o primeiro
impacto socioterritorial vivido por um município, com a implantação de um
assentamento, é a substituição dos latifúndios pelas pequenas propriedades
familiares. Nesse aspecto, a estrutura fundiária de um estado pode dar pistas do
grau de concentração de suas terras.
No Tocantins, historicamente, nenhuma frente de ocupação gerou
sustentabilidade econômica ou ambiental. Normalmente, a abertura de novas áreas
e o conseqüente desenvolvimento das diferentes atividades econômicas culminaram
numa rede urbana, composta por pequenas cidades, pouco integradas, com infra-
estrutura e indicadores sociais e ambientais bastante precários.
Analisando a estrutura fundiária do estado, verificamos que, durante a década
de 1960, houve o avanço da fronteira agrícola, incentivada pela rodovia Belém-
Brasília (BR 153), que alterou ainda mais a já frágil estrutura sócio-econômica
vigente. Ela deslocou definitivamente o desenvolvimento e a ocupação do antigo
norte goiano para as áreas de melhor acesso, próximas à rodovia. Tal fato fez com
que muitas cidades fossem criadas e investimentos redirecionados para essas
regiões.
As terras do estado se tornaram mais concentradas a partir de então,
favorecendo a valorização daquelas próximas à rodovia, já que ela facilitava o
70
70
acesso aos grandes mercados e centros urbanos. A Belém-Brasília representou
fator imprescindível, portanto, para a expansão agropecuária e a concentração
fundiária de norte a sul do estado.
Além da concentração fundiária, muito comum no “novo” estado do Tocantins,
também costumeiro é o processo de “grilagem de terras”1, do qual, atualmente, as
grandes propriedades e os grandes projetos agroindustriais no estado são resultado.
Por outro lado, esse processo é também determinante para a ocorrência de grandes
conflitos agrários, bastante habituais na região do Bico do Papagaio, no norte do
estado.
Com a criação do Estado do Tocantins, em 1988, houve uma significativa
melhora nas atividades relacionadas ao campo: surgimento de novas rodovias,
pavimentação e melhoria das antigas, além do desenvolvimento dos meios de
comunicação e da eletrificação rural. Criou-se uma melhor integração entre as
cidades e entre elas e a nova capital do estado, Palmas. Esta, por sua
especificidade, inaugurou novos eixos de integração regional, principalmente com o
oeste Baiano, o Distrito Federal, o sul do Maranhão, o sul do Pará, o oeste do Mato
Grosso e com o próprio estado de Goiás.
Tal integração, combinada com as baixas densidades demográficas e com o
baixo valor das terras, contribuiu para atrair investidores e promover a transição de
uma agricultura tradicional para uma agricultura em processo de modernização,
acompanhada pelo desenvolvimento e a expansão do agronegócio e suas diferentes
linhas de cadeias produtivas.
Com base no exposto, e sob a visão dos impactos socioterritoriais, podemos
afirmar que o primeiro impacto sobre o município de Cristalândia foi a substituição
do latifúndio – a Fazenda Jatobá – pela territorialização do assentamento rural Pe.
Josimo I e II. Ação essa empreendida pelos sem-terra, com a atuação do MST, o
que dá ao processo um forte cunho político.
A fim de analisarmos mais detalhadamente esse impacto, convém
observarmos alguns dados referentes à estrutura fundiária do município de
Cristalândia no ano de 2004, ano anterior à transferência das famílias. De acordo
1 A grilagem de terras é um termo utilizado para a posse ilegal de terras através da falsificação dos títulos de propriedade de terras públicas e alheias. Fonte: http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues. Acesso em: 18 mar. 2009.
71
71
com o INCRA (2004), a estrutura fundiária do município de Cristalândia (TABELA 4)
era constituída por 248 imóveis rurais com área de até 320 ha. Eram pequenas
propriedades que corresponderiam a até 04 módulos fiscais 2, representando 14,3%
das terras do município. E, em outro extremo, o município contava com 50 imóveis
rurais com áreas acima de 1.200 ha, correspondendo a 43,7% de suas terras.
TABELA 4 - Estrutura fundiária do município de Cristalândia em 2004
Fonte: INCRA (2004). Organizado pela autora.
Essa situação ilustra a grande concentração fundiária comum ao estado do
Tocantins e, nesse caso, também ao município de Cristalândia. Neste, apenas 50
imóveis rurais concentravam quase a metade das terras do município, com
população de 6.520 habitantes (IBGE, 2004). Apenas 14,3% da área total era
dividida em pequenas propriedades, caracterizadas, principalmente, pela produção
familiar e de subsistência.
Em contraponto a essa realidade, é criado o assentamento Pe. Josimo I e II,
que possui uma área de 8.146,0683 ha, compreendendo 35% do total da área para
Reserva Legal e para área de Preservação Permanente3. Essas duas áreas, num
total de 682,0166 ha, foram destinadas conforme legislação ambiental.
No parcelamento, o assentamento foi dividido em 162 lotes. Cada um possui
uma média de 50,32 ha, nos quais cada família reside, não existindo, portanto,
agrovilas no assentamento. Isso representa o aumento no número de propriedades
com área de 50 a menos de 100 ha, significando que a territorialização do
2 O módulo fiscal serve de parâmetro para a classificação fundiária do imóvel rural, fixada para cada município, quanto a sua dimensão em hectares (no Tocantins mede entre 80 e 100 ha), de acordo com o Art. 4º. da Lei 8.629/93. Sendo que o minifúndio corresponde a 01 módulo fiscal; a pequena propriedade entre 01 e 04 módulos fiscais; a média propriedade entre 04 e 15 módulos fiscais e a grande propriedade, acima de 15 módulos fiscais. Fonte: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8629.htm. Acesso em: 18 mar. 2009. 3 As áreas de reserva e preservação do assentamento Pe. Josimo I e II estão todas na forma de condomínio, não existindo áreas de reserva e preservação individuais em cada lote.
Classe de área (ha) Total de Imóveis Área total (ha)
De 0 a 320 248 40.492,2 De 320 a 640 124 55.620,8 De 640 a 1.200 72 62.773,0 Acima de 1.200 50 123. 676,0
TOTAL 494 282.562,0
72
72
assentamento acarreta mudanças para a estrutura fundiária do município. Se não
são mudanças significativas, representam, certamente, a mostra de que o “território
do latifúndio” vem sendo, aos poucos, substituído pela territorialização dos
assentamentos rurais.
É claro que não podemos desconhecer a complexidade do processo, que
envolve interesses político-institucionais pela desapropriação de terras, má
localização destas, superfaturamentos, dentre outros fatores. Porém, devemos
entender que a política de desapropriação da terra para a Reforma Agrária é
resultado da pressão popular, organizada e atribuída aos diversos setores de
atuação dos movimentos sociais ligados a questões agrárias no país.
Dessa forma, o agora “território dos assentados” do Pe. Josimo I e II passa
por nova dinâmica de ocupação espacial, com características econômicas distintas
da antiga propriedade. São alterações na conformação do espaço, nas relações
sociais e no sistema produtivo, a fim de viabilizarem a implantação e a consolidação
do assentamento.
Quanto à organização territorial das estruturas existentes, e das que estão em
construção, de acordo com o Plano de Desenvolvimento do Assentamento4
(PDA/2008) e pesquisas de campo, destacamos as alterações apontadas a seguir.
As vias principais (eixões) e estradas vicinais foram abertas no ano de 2007
através de convênio firmado entre o INCRA e a Prefeitura Municipal de Nova
Rosalândia. Soma-se um total de 6,5 km de estradas, além da construção de pontes
de madeira e bueiros. Foram feitas aberturas de estradas em quase todo o
assentamento para facilitar o acesso e o deslocamento das famílias. As vias
principais são alimentadas por estradas vicinais, que dão acesso a cada um dos
lotes.
Atualmente, a casa sede da antiga fazenda (FOTO 1), que se encontra em
estado de deterioração e necessitando de reformas, é utilizada pelas 59 famílias do
Pe. Josimo II como espaço coletivo do assentamento. Nela são realizadas várias
atividades dentre assembléias, cursos, lazer, encontros e reuniões. A antiga sede
4 O Plano de Desenvolvimento do Assentamento (PDA) é um estudo coordenado pelo INCRA, que mostra a realidade do assentamento e serve como fonte de informação, a fim nortear ações do INCRA, Prefeituras, NATURATINS, RURALTINS e outras esferas do governo para implementação de políticas públicas na comunidade. Fonte: http://www.mda.gov.br/portal/index/show/index/cod/142. Acesso em 18 mar. 2009.
73
73
funciona, também, como alojamento para trabalhadores da empresa (Prestobem
Comércio de Materiais Elétricos / Paraíso-TO) responsável pela eletrificação do
assentamento. Nos arredores da casa existem estruturas que eram utilizadas como
depósito, paiol, chiqueiro e casa de vaqueiro.
FOTO 1 - Sede da antiga fazenda
Fonte: Pesquisa de campo.
O espaço que era utilizado como curral está em bom estado de conservação
e é uma estrutura coletiva do assentamento, onde são realizadas práticas de manejo
do gado existente. Está localizado próximo à casa sede da antiga fazenda.
Um poço artesiano foi construído por meio de recursos do INCRA. Localiza-se
na área coletiva do assentamento, onde foi também instalada uma caixa d´água.
Ambos se encontram desativados devido à falta de eletrificação rural, que se
encontra em fase de implantação, em cumprimento ao programa federal Luz para
Todos5.
A construção de habitações, que está sendo realizada com recursos do
5 Programa Nacional de Universalização do Acesso e Uso da Energia Elétrica – Luz para Todos. Foi
iniciado em 2004 pelo Governo Federal, coordenado pelo Ministério das Minas e Energia, objetivando levar energia elétrica para a população do meio rural, a fim de que as comunidades a utilizem como vetor de desenvolvimento social e econômico. Fonte: http://www.mme.gov.br. Acesso em 18 mar. de 2009
74
74
INCRA e também do Crédito Habitação, intenciona atender à totalidade das famílias
assentadas. Através do apoio das Prefeituras de Nova Rosalândia e de Oliveira de
Fátima, foi construído um campo de futebol que, até o momento, é um dos únicos
espaços internos de lazer para as famílias assentadas.
Os estudantes do assentamento são levados por transporte escolar para o
município de Nova Rosalândia. A prefeitura dessa cidade disponibiliza 02 vans (com
16 assentos cada) e 01 ônibus (45 assentos) para esse transporte.
O deslocamento dessas famílias, do assentamento até os municípios
vizinhos, é feito principalmente através de animais, bicicletas, motos e poucos
veículos particulares. Na maioria das vezes, é realizado através de caronas cedidas
pelo transporte escolar.
Muitas das estruturas básicas de um local de habitação ainda não existem.
Escolas, posto de saúde, energia elétrica, barracão da associação, igrejas, praças,
mercadinho, açougue, tudo tem sido planejado para implementação pelas famílias
assentadas.
Outra dinâmica implementada pelo “território dos assentados” é a da
organização social, assunto do próximo item.
4.2.2. Poder Local, Participação Política e Políticas Públicas
Atualmente, existem 161 famílias no assentamento em questão, sendo 102 no
Pe. Josimo I e 59 no Pe. Josimo II. Muitas dessas famílias participaram da luta
desde o início do acampamento (83,2%), permanecendo nele durante os, cerca de,
23 meses de sua duração; outras se juntaram ao grupo no momento anterior à
transferência para a terra desapropriada para instalação do assentamento. (16,8%).
(GRÁFICO 1).
75
75
GRAFICO 1 - Formas de aquisição do lote
16,8%
0%
83,2%
0,0% 20,0% 40,0% 60,0% 80,0% 100,0%
Outros
Comprado
Acampado
Acampado
Comprado
Outros
Fonte: PDA (2008). Adaptado pela autora.
A população do assentamento Pe. Josimo I e II é, segundo dados do
PDA/2008, de 497 pessoas. As crianças de 0 a 10 anos correspondem a 22,13% do
total da população; os adolescentes de 11 a 15 anos somam 13,85%; os jovens de
16 a 24 anos representam 22,54%; a população de 25 a 60 anos constitui 39,04% e
as pessoas acima de 60 anos, 03,22 %. (TABELA 5).
TABELA 5 - Distribuição da população do assentamento por faixa etária e gênero
Gênero Faixa Etária
Feminino Masculino Sub - Total (%)
Até 6 34 32 66 13,28 7 a 10 26 18 44 8,85 11 a 15 35 30 65 13,08 16 a 18 20 28 48 9,66 19 a 24 27 37 64 12,88 25 a 40 53 53 106 21,33 40 a 60 43 45 88 17,71
>60 5 11 16 3,22 Sub Total 243 254 497 100,0
TOTAL 497
Fonte: PDA, 2008. Adaptado pela autora.
Ainda de acordo com o levantamento realizado na elaboração do PDA/2008,
76
76
constatou-se que - quanto à relação de gênero - 51,1% da população do
assentamento corresponde ao sexo masculino, num total de 254 pessoas; e 49,9%
dos moradores representam o feminino, somando 243 pessoas.
Quanto à origem das famílias assentadas, há uma variedade de cidades de
Tocantins e de outros estados. Identificou-se que 37% das famílias são do próprio
estado do Tocantins, de cidades próximas: Nova Rosalândia, Porto Nacional e
Palmas, e de cidades mais distantes como Araguaína e Miranorte. Há, ainda, 36%
da população oriunda do Maranhão, 09% do estado de Goiás, 07% do Ceará. Pará,
Bahia e Rio Grande do Norte representam 01% cada. Minas Gerais e Piauí somam
02% e 06% respectivamente. Essa distribuição pode ser observada no GRÁFICO 2:
GRÁFICO 2 - Estados de origem das famílias assentadas
37%
36%
9%
7%
6%
2%1% 1%
1%
Tocantins
Maranhão
Goiás
Ceará
Piauí
Minas Gerais
Bahia
Pará
Rio Grande do Norte
Fonte: PDA (2008). Adaptado pela autora.
Antes de ir para o assentamento, os homens exerciam, principalmente, as
atividades de lavrador e pedreiro. As mulheres, na sua maioria, trabalhavam como
agricultoras e costureiras; em menor número, elas exerciam atividades como
merendeira, serviços gerais e professora (PDA/2008).
Em se tratando da documentação pessoal das famílias assentadas, foi
possível identificar (PDA/2008) que, das 497 pessoas residentes no Assentamento
77
77
Pe. Josimo I e II, 96,4% possuem Certidão de Nascimento; 65% apresentam
Carteira de Identidade; 60,2% têm CPF e 57,9% possuem Título Eleitoral. É o que
pode ser observado na TABELA 6, a seguir:
TABELA 6 – Documentação por faixa etária
Documentação
CN RG CPF Titulo de Eleitor
Geral Faixa Etária
Quant. (%) Quant. (%) Quant. (%) Quant. (%) Até 06 58 87,9 1 1,5 - - - - 66 7 a 10 44 100,0 2 4,5 - - - - 44 11 a 15 63 96,9 17 26,2 8 12,3 - - 65 15 a 18 47 97,9 41 85,4 35 72,9 30 62,5 48 19 a 24 63 98,4 59 92,2 56 87,5 59 92,2 64 25 a 40 104 98,1 103 97,2 100 94,3 100 94,3 106 40 a 60 84 95,5 84 95,5 84 95,5 83 94,3 88
Mais de 60 16 100,0 16 100,0 16 100,0 16 100,0 16 TOTAL 497 96,4 323 65,0 299 60,2 288 57,9 497
Fonte: PDA (2008). Adaptado pela autora.
Cabe, ainda, apresentar a organicidade do assentamento. Este é organizado
internamente através de 11 núcleos de famílias, sendo que todas essas famílias
pertencem ao MST e acompanham sua organização política. A Coordenação
Política do assentamento é composta, atualmente, por 22 coordenadores. A eles
cabe organizar, discutir, debater, analisar, estudar, conduzir e encaminhar as
demandas no que diz respeito aos aspectos sociais, políticos e econômicos do
assentamento.
Ainda no Pe. Josimo I, existe a Associação Firmino Prudêncio, que representa
juridicamente todas as 161 famílias assentadas. A associação, que indica outra
forma de organização no assentamento, tem o papel de atender às demandas de
ordem jurídica e burocrática junto ao INCRA e a outros órgãos públicos e privados,
relacionados a convênios, projetos e outras ações de interesse das famílias
assentadas.
Também na parcela denominada Pe. Josimo II há a organização das famílias
através de uma associação, a Associação Manoel Tadeu.
Além da implantação dessas associações, a organicidade adotada pelo MST,
presente no Pe. Josimo I e II, apresenta: os núcleos de famílias; setores como
educação, saúde e produção; além da coordenação política do assentamento, a fim
78
78
de estabelecer políticas internas e externas ao lugar.
Com o intuito de identificar e entender a dinâmica organizativa do
assentamento, a partir das relações internas e externas com outros atores sociais
envolvidos direta e indiretamente com o universo do assentamento, utilizamos dados
do PDA/2008, confirmados pela pesquisa de campo. Através deles, foi possível
reconhecer os atores (entidades ou agentes) externos e internos que possuem
relação direta ou indireta com o assentamento.
Vejamo-los por ordem de importância. Tanto a Associação Firmino Prudêncio
quanto a Associação Manoel Tadeu são relevantes por representarem os interesses
dos assentados. No entanto, a primeira se destaca por representar juridicamente
todas as famílias assentadas. É através dela que se buscam projetos e benefícios
para o assentamento. Com o pagamento de mensalidades, ela acumula recursos
financeiros para realizar algumas demandas coletivas como viagens e atividades do
movimento.
O MST, por sua vez, contribuiu desde o período de organização do
acampamento até a consolidação do assentamento. Auxiliou no desenvolvimento
pessoal das famílias assentadas através dos espaços de luta e de formação, de
viagens, ocupações, cursos de formação, encontros. Possibilitou, a todos que
participam do movimento de forma geral, um grande aprendizado coletivo em
diversas áreas do conhecimento.
Os núcleos de base, no assentamento, têm como uma de suas referências
organizativas os núcleos de família. Estes promovem melhor funcionamento das
reuniões, debates coletivos e até mesmo estudos para as coordenações de núcleos
e a coordenação da Associação Firmino Prudêncio.
Já as Igrejas Católica e Evangélica, ou outras formas religiosas, não
acompanham diretamente as famílias, mas têm se organizado para funcionamento
permanente no assentamento.
A Associação Estadual de Cooperação Agrícola (AESCA) também contribuiu
com o assentamento, principalmente no auxílio da criação da Associação Firmino
Prudêncio. A AESCA apresenta um trabalho qualificado. No entanto, existe, por
parte dos assentados, alguma resistência quanto à falta de responsabilidade e
pontualidade da associação na realização das atividades das quais foi incumbida. A
79
79
elaboração do PDA/2008, por exemplo, é uma dessas atividades.
A Prefeitura Municipal de Nova Rosalândia tem auxiliado as famílias,
principalmente no que diz respeito ao transporte das pessoas do assentamento.
Essa prefeitura, como já mencionamos, ajuda no transporte dos alunos, além de
disponibilizar transporte geral em dia determinado. Auxiliou também na construção
das estradas. No entanto, as famílias assentadas apontam que ela deveria ser mais
ágil quanto aos programas assistenciais. A Secretaria de Educação dessa cidade
tem uma boa relação com as famílias do assentamento. Isso porque o transporte
escolar, apresentando um bom planejamento semanal, corresponde às expectativas
das famílias e dos alunos.
Também a Prefeitura Municipal de Oliveira de Fátima; entretanto, não está
ligada diretamente ao assentamento. Sua Secretaria de Educação se relaciona
positivamente com as famílias assentadas. Todavia, o transporte escolar não
corresponde às expectativas dos alunos. A má conservação dos veículos ocasionou
a perda de aulas para muitas crianças que estudam no município.
Por sua vez, a Secretaria de Saúde de Nova Rosalândia disponibiliza o
serviço de agentes de saúde no interior do assentamento. Esses agentes moram
junto aos assentados, criando um elo dos moradores com o sistema de saúde do
município de Nova Rosalândia. Entretanto, tal prefeitura não auxilia no transporte
para realizar o acompanhamento médico das famílias nem realiza consultas e
diagnósticos no assentamento periodicamente. Então, as 161 famílias contam
apenas com a assistência de dois agentes de saúde. A fim de serem atendidas na
cidade vizinha, elas precisam realizar deslocamento próprio.
Em relação ao INCRA, segundo os assentados, é constante a necessidade de
cobranças por parte da associação para que suas reivindicações e demandas sejam
atendidas. Inclusive para a solicitação da presença de técnicos para o atendimento
dessas demandas e a solução de questões.
Quanto ao Conselho Tutelar, ainda segundo os assentados, não tem atuação
diretamente no local. Quando solicitado, porém, tem agido de acordo com as
reivindicações do assentamento.
O Instituto Natureza do Tocantins (NATURATINS), embora haja uma grande
necessidade de sua proximidade com o assentamento, não tem desenvolvido
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80
trabalhos de benefícios para as famílias assentadas. Há muitas dúvidas por parte
delas quanto às áreas de reserva legal dos rios, que é uma preservação
permanente, e o manejo dentro das unidades de produção.
O comércio existente na região não tem influência permanente no
assentamento, mas de forma alternada, na época de extrativismo do cerrado. As
famílias assentadas têm uma pequena renda familiar no período de recolher os
frutos de extrativismo, entregando-os direto ao atravessador. Elas contam, ainda,
com o auxílio do Crédito Fomento, que se destina à compra de alimentos e insumos.
As relações mais próximas com os comerciantes da região são para compra
de alimentos. Nesses momentos, os comerciantes têm oferecido crédito aos
assentados, possibilitando-lhes alimentação. Há, portanto, a construção de uma
relação de confiança para com as famílias do assentamento.
Quanto à filiação a partidos políticos, averiguamos que, dos 38
representantes de famílias entrevistados (23,6% das famílias residentes no
assentamento), 23 não são filiados a partidos políticos, 15 são filiados a partidos -
são eles PFL, PV e PT. Nenhum dos entrevistados vota em Cristalândia. Eles têm
seus títulos nos domicílios eleitorais de Nova Rosalândia (16 entrevistados), Oliveira
de Fátima (08 entrevistados) e Porto Nacional (06 entrevistados).
Tais dados deixam clara a fraca identificação política dos assentados com o
município de Cristalândia, diferente do que é observado em relação a Nova
Rosalândia. Vale ressaltar, ainda, a força da aliança dos moradores do Pe. Josimo I
com o MST, o que não foi verificado entre os entrevistados do Pe. Josimo II.
Segundo a coordenação geral de Pe. Josimo I e II, as relações do
assentamento com os governos municipais, estadual e federal e com os órgãos com
ligação direta ao assentamento, como o INCRA e o NATURATINS são marcadas por
constante negociação e cobrança.
Esse parecer caracteriza bem as relações dos movimentos socioterritoriais
envolvidos na luta pela terra com o poderes públicos; são relações marcadas por
constantes reivindicações por melhores infra-estrutura e melhores programas para o
desenvolvimento das famílias assentadas.
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81
4.3. MUDANÇAS SOCIAIS COMO RESULTADO DA
IMPLANTAÇÃO/CONSOLIDAÇÃO DO ASSENTAMENTO
4.3.1. Educação
Após a instalação dos assentamentos, a educação se constitui como uma
importante demanda e também como foco para a análise dos impactos
socioterritoriais. Internamente, ela causa impacto na vida dos assentados, já que é
ferramenta essencial para a ressocialização das famílias; é, também, um meio de
conscientização e de ação coletiva. Externamente, a educação apresenta impacto
junto aos poderes públicos, tanto municipal quanto estadual, ao atenderem essa
demanda.
Nos assentamentos ligados ao MST, como é o caso do Pe. Josimo I e II, além
da preocupação a respeito da luta pela terra e da Reforma Agrária, há também uma
preocupação quanto à educação voltada para os moradores do campo. Assim, não
apenas se busca a implantação de escolas públicas nos assentamentos, mas
também o acesso a escolas que sejam construídas e preparadas para atender à
realidade desses moradores.
No entanto, sabemos que a realidade da educação brasileira, incluindo a
educação no campo, apresenta um hiato entre seus projetos e a prática vivenciada.
E isso fica marcante quando salientamos a importância de uma educação no campo
que seja específica e diferenciada, voltada para a formação humana, emancipadora,
criativa e coerente com a identidade do camponês. Tarefa essa dificultada, entre
outros fatores, pelo fato de as ações concretas, voltadas à educação, serem
desenvolvidas e pensadas tendo a cidade como referencial. Elas não incorporam a
visão dos que vivem no campo, havendo ausência de uma análise mais rigorosa do
que seja essa realidade.
Consta, nas diretrizes do MST, uma grande preocupação relacionada a uma
educação voltada para a problemática atual do campo como acesso e permanência
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em escolas de qualidade, em todas as áreas de acampamentos e assentamentos.
Como se encontra em fase de implantação, o Pe. Josimo I e II ainda não
possui escolas nas modalidades de educação regular. É, portanto, assistido,
principalmente, pelos municípios de Nova Rosalândia e Oliveira de Fátima. No
entanto, já funciona no assentamento uma turma de alfabetização na Modalidade
EJA (Educação de Jovens e Adultos) através do programa federal “Saberes da
Terra”6.
A fim de estudar os impactos referentes à educação, procuramos relacionar,
conforme apresentamos anteriormente, os impactos internos e externos ao
assentamento. Para isso, os indicadores eleitos para a análise foram: grau de
escolaridade, qualidade do ensino, práticas educativas e adequações para atender
aos alunos.
No Pe. Josimo I e II, segundo dados do PDA/2008 (TABELA 7), existem 66
crianças com idade até 06 anos, das quais apenas 26 estudam. Há 109 crianças e
adolescentes na faixa de 07 a 15 anos que estão estudando; apenas 01, nessa
idade, não freqüenta a escola. Com idade entre 16 a 18 anos, existem 48 jovens,
dos quais 32 estão estudando e 14 não estudam. Já na faixa etária de 19 a 24, há
64 pessoas, sendo que apenas 22 delas estudam. De 25 a 40 anos, somam 106
pessoas: apenas 18 estudam, as demais 88 não freqüentam escola. Das 88 pessoas
cuja idade se encontra entre 40 e 60 anos, 10 estudam e 77 não. Acima de 60 anos,
há 16 pessoas, das quais somente duas estudam.
6 O programa Saberes da Terra para Jovens e Adultos do Campo foi lançado com o objetivo de
oferecer formação equivalente ao ensino fundamental com qualificação profissional a jovens e adultos
agricultores que estejam fora da escola. Fonte:
portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=9531&catid=222. Acesso em: 26
abr. 2009.
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83
TABELA 7 - Distribuição da população com relação aos estudos Estuda Não estuda Não responderam Geral
Faixa Etária Quant. % Quant. % Quant. % %
Até 6 26 39,4 35 53,0 5 7,6 66 7 a 10 44 100,0 44 11 a 15 64 98,5 1 1,5 65 16 a 18 32 66,7 14 29,2 2 4,2 48 19 a 24 22 34,4 42 65,6 64 25 a 40 18 17,0 88 83,0 106 40 a 60 10 11,4 77 87,5 1 1,1 88
>60 2 12,5 14 87,5 16 Sub Total 218 43,9 271 54,5 8 1,6 497
TOTAL 497
FONTE: PDA (2008). Adaptado pela autora.
De acordo com a tabela anterior, podemos constatar que 271 pessoas do
assentamento não estudam e/ou não freqüentam a escola, correspondendo a 54,5%
do total da população. 218 pessoas freqüentam a escola, correspondendo a 43,9%
do total da população do assentamento. Esta última parcela da população está
matriculada, em sua maioria, nos municípios de Nova Rosalândia e Oliveira de
Fátima e, em menor número, em Cristalândia.
Quanto à distribuição dos estudantes entre as escolas dessas cidades,
segundo dados fornecidos pela Secretaria de Educação da prefeitura de Nova
Rosalândia, há um total de 88 alunos matriculados distribuídos entre as escolas:
Escola Municipal Abrão José Melo (15 alunos), Escola Estadual Regina Siqueira
Campos (22) e a Escola Estadual Vereador Pedro Xavier Teixeira (51). As
secretarias de educação dos municípios de Cristalândia e Oliveira de Fátima
informaram não haver levantamento do número de alunos em suas escolas que
sejam oriundos do assentamento.
Os alunos que freqüentam as escolas em Nova Rosalândia estão
matriculados, em sua maioria, no Ensino Fundamental II (6º. ao 9º. ano). Os demais,
distribuídos entre o Ensino Médio e o EJA. Já em Oliveira de Fátima a maioria está
matriculada no Ensino Fundamental I e, em Cristalândia, no Ensino Fundamental I e
II.
Buscando aprofundar o entendimento sobre os dados a respeito da opção
feita pelos assentados, ao procurar estudo para seus filhos nessas cidades,
observamos que a maioria das famílias se sente mais à vontade em buscar o
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atendimento para suas necessidades sociais básicas - educação, saúde e bens de
consumo - no município de Nova Rosalândia. Os assentados alegam ser uma
relação que se iniciou desde a fase do acampamento na rodovia Belém-Brasília,
próximo a essa cidade. Relação tal que tem sido correspondida pelo governo de
Nova Rosalândia ao atender algumas das demandas do assentamento como a
construção de estradas - em parceria com o INCRA - e a disponibilização de
transporte escolar. A disponibilidade diária desse transporte, que também é usado
pelas famílias para sair e entrar do/no assentamento, é outro fator que facilita e
incentiva as relações dos assentados com o município mencionado.
É também a proximidade do antigo acampamento com Oliveira de Fátima que
faz com que haja convergência de algumas famílias para esse município. Há entre
os assentados e esse município os mesmos contatos que existem em relação a
Nova Rosalândia, porém, com menos intensidade.
Em entrevista, os Secretários de Educação de Nova Rosalândia e Oliveira de
Fátima, (Marcos Antônio Barbosa Faria e Margarete Fernandes Gama,
respectivamente) afirmaram que não foram feitas grandes alterações ou adaptações
nas escolas para atender aos alunos provenientes do assentamento Pe. Josimo I e
II. Reconheceram que algumas turmas ficam com um pouco mais de alunos do que
o planejado; fato que, entretanto, não tem prejudicado significativamente as
atividades pedagógicas das escolas. Elas destacaram, ainda, que todos, sem
distinção, recebem material e merenda escolar.
A Secretária de Educação de Nova Rosalândia afirmou que, como medida
para melhor receber esses alunos, foi feita a compra de mais carteiras para a Escola
Municipal Abrão José de Melo. Já na Escola Estadual Regina Siqueira Campos,
para satisfazer a demanda, uma turma nova foi aberta exclusivamente para os
alunos do assentamento.
As duas afirmaram, também, que, quanto ao conteúdo das aulas, não são
feitas adequações à realidade dos alunos do campo - tanto da zona rural quanto do
assentamento. Elas deixaram claro que – incluímos aqui também a Secretária de
Cristalândia - não são especificamente responsáveis por satisfazer as demandas
surgidas no assentamento.
A Secretária de Educação de Cristalândia (Maria Irani Almeida Gomes)
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afirmou não fazer nenhum levantamento de dados de alunos provenientes do
assentamento. Como a maioria dos alunos dele advindos é matriculada nos
municípios de Nova Rosalândia e de Oliveira de Fátima, fato que se dá pela
proximidade e pela facilidade de acesso das famílias a esses municípios, em
Cristalândia esses alunos aparecem em número bastante reduzido. Daí a falta de
preocupação, nessa cidade, em relação a dados relacionados a eles.
Os três Secretários entrevistados concordaram entre si ao apontar que o ideal
para o atendimento das necessidades voltadas à educação do assentamento seria a
construção de escolas em seu interior. Essa ação facilitaria o acesso dos alunos à
educação e aproveitaria o trabalho de assentados que possuem qualificação para o
ensino.
Os dados apresentados até aqui são indicativos importantes para
entendermos os impactos socioterritoriais do assentamento Pe. Josimo I e II. Tais
dados apontam, claramente, que a educação é considerada, pelos próprios
assentados, como principal elemento de ressocialização e de reconstrução da
identidade camponesa.
Fica evidente que as condições atuais para uma política educacional
específica ainda são muito precárias. No entanto, a própria instalação do
assentamento e agora seu processo de consolidação enfatizam uma importante e
nova demanda social para os municípios vizinhos e para o estado. A exemplo do
que vem acontecendo com outros assentamentos pelo país, as demandas surgidas
produzem, mesmo que ainda insatisfatoriamente, ações que viabilizam escolas para
esse público, preferencialmente, no interior do assentamento.
Isso significa que esta população, que estava à margem da sociedade, acaba
tendo a possibilidade de se ressocializar por meio de suas bandeiras de luta e de
reivindicações por políticas públicas voltadas para suas necessidades básicas. A
educação é, sem dúvida, um fator importante, de impacto substancial na vida dentro
e fora do assentamento, podendo ultrapassar a escala local.
Na área de maior abrangência do assentamento Pe. Josimo I e II, segundo
dados do IBGE/Censo Escolar 2007, existe a disponibilidade de 41 escolas públicas
– entre municipais e estaduais. No município de Cristalândia há 08 escolas, sendo
04 de Ensino Fundamental Estadual, 01 de Ensino Fundamental Municipal, 02 de
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Ensino Pré-escolar Municipal e 01 de Ensino Médio Estadual.
Em Nova Rosalândia, consta que o município também conta com 03 escolas.
Destas, 01 de Ensino Fundamental Estadual, 01 de Ensino Pré-escolar Municipal e
01 de Ensino Médio Estadual.
Já em Oliveira de Fátima existem 02 escolas: 01 de Ensino Fundamental e
Médio Estadual, e 01 de Ensino Fundamental Municipal.
Outros municípios que estão na área de abrangência do assentamento
também oferecem possibilidades de oferta de ensino. É o que está exposto,
juntamente com os dados das três cidades mencionadas, na TABELA 8, a seguir:
TABELA 8 - Número de estabelecimentos de ensino na região de influência do assentamento
Estabelecimentos de ensino quanto à estrutura administrativa Municípios
Estadual Municipal Privada Total Cristalândia 5 3 - 8 Nova Rosalândia 2 1 - 3 Lagoa da Confusão 7 7 1 15 Oliveira de Fátima 1 1 - 2
Fátima 3 3 - 6
Fonte: IBGE/Censo Escolar (2007). Adaptado pela autora.
As famílias contam, ainda, com a proximidade do assentamento com cidades
maiores. Paraíso do Tocantins, Porto Nacional, Gurupi e Palmas são os maiores
centros urbanos da região com capacidade e estrutura para oferecerem Ensino
Superior à população. Há instituições públicas de ensino como a Universidade
Federal do Tocantins (UFT), com campi principais nas cidades de Palmas e Porto
Nacional; a Fundação Universidade do Tocantins (UNITINS), em Palmas; o Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IF-TO), com campi universitários nas
cidades supracitadas.
Há, ainda, diversas instituições particulares: a Universidade Luterana do
Brasil (ULBRA) e a Universidade Católica do Tocantins (UCT), em Palmas; a
Fundação Universidade Regional de Gurupi (UNIRG), em Gurupi; a União
Educacional de Ensino Superior do Médio Tocantins (UNEST), em Paraíso do
Tocantins; o Instituto de Ensino Professor Antônio Carlos (ITEPAC), em Porto
Nacional; dentre outras.
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Entretanto, não é apenas a oferta de vagas que garante uma educação de
qualidade para esses alunos. Quando falamos em qualidade na educação
procuramos ir além da análise do acesso a materiais didáticos, a professores com
formação específica ou a uma infra-estrutura adequada. Estamos nos referindo à
adequação dos conteúdos à realidade dos assentados e às suas reais necessidades
de aprendizado para a vida e o trabalho no campo. Referimo-nos, também, à
preocupação que os professores venham a apresentar para compreender a luta, o
trabalho e a vida desses alunos, sejam eles crianças, jovens ou adultos. E é para
isso que faz parte da proposta do MST priorizar a formação de educadores que
valorizem a Reforma Agrária e a transformação social.
Quanto às ações relacionadas à educação, então, resumimos que os três
municípios oferecem, indiscriminadamente, transporte, merenda, alguns materiais
escolares, além de turma especial. Atende aos ensinos Fundamental I e II, Médio e
Educação de Jovens e Adultos (EJA). No entanto, não se assumem como
responsáveis por atender às demandas na educação dos assentados. Afirmam, sim,
estarem cumprindo ações assistenciais quando contribuem com atitudes referentes
à educação e à saúde, por exemplo.
Com base no exposto, podemos afirmar que a política de assentamentos
rurais implantada pelo Estado tem forte caráter assistencialista, interessada em
resolver apenas conflitos locais. Observamos isso em relação ao assentamento Pe.
Josimo I e II, mas é uma constatação que pode ser expandida para a escala regional
e nacional. Isso porque os governos - federal, estadual e municipal - não têm
considerado a Reforma Agrária como fundamental para o projeto de
desenvolvimento regional, permanecendo, então, a lógica do apaziguamento de
conflitos pontuais.
Percebemos, ainda, que essa política gera impacto para o poder público
municipal, visto que a demanda por serviços básicos sociais recaem primeiramente
sobre sua administração. O Estado não cria, em quantidade e tempo adequados,
recursos financeiros para que as necessidades de infra-estrutura sejam resolvidas
satisfatoriamente à medida que surgem.
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4.3.2. Transporte
Em visita ao assentamento, é possível notar o início de uma estruturação
viária. Em 2007, através de convênio firmado entre o INCRA e a Prefeitura Municipal
de Nova Rosalândia, foi aberto um total de 6,5 km de estradas, entre vias principais
(eixões) e estradas vicinais. Os eixões são alimentados pelas estradas vicinais, que
dão acesso a cada um dos lotes. As estradas são amplas, cascalhadas, mas, em
decorrência do desgaste natural, principalmente com as chuvas, apresentam pontos
com profundas erosões.
O indicador transporte está diretamente ligado ao indicador educação, pois o
único transporte regular disponível para os assentados é, justamente, o escolar.
Essa é uma grande dificuldade enfrentada pelos assentados para seu deslocamento
interno e para o acesso às cidades vizinhas. Eles costumam utilizar alguns meios
próprios de transporte como bicicletas e motos, em sua maioria, e alguns poucos
automóveis.
Das 13 famílias entrevistas, na parcela do assentamento Pe. Josimo II, 05
possuem moto como meio de transporte para a família. Entretanto, todas as 13
famílias se utilizam do transporte escolar, a fim de terem acesso a Nova Rosalândia
- não só para freqüentarem a escola, mas também para consultas médicas,
compras, dentre outras necessidades.
De modo geral, os assentados se utilizam do próprio transporte escolar, nos
horários em que estes estão servindo aos estudantes. Isso acarreta uma
superlotação do transporte (FOTO 2), aumentando o desconforto e os riscos para os
usuários. Existe, por parte da Prefeitura de Nova Rosalândia, pela iniciativa da
Secretária de Assistência Social, (Claudinéia Melo) a disponibilização de um horário
alternativo do transporte escolar, às terças-feiras, a fim de atender à população que
tenha outros interesses na cidade, que não sejam os voltados para a educação.
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FOTO 2 - Alta ocupação do transporte escolar
Fonte: pesquisa de campo.
O mal estado de conservação do ônibus é uma reclamação freqüente por
parte dos estudantes e das famílias. Além dos defeitos, que às vezes acarretam o
atraso ou o não-comparecimento dos alunos às escolas, há também a falta de vidros
em algumas janelas e de estofamento em alguns bancos (FOTO 3), o que
potencializa riscos para os alunos.
FOTO 3 – Interior do transporte escolar em condições precárias
Fonte: Pesquisa de campo.
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O transporte escolar oferecido pela Prefeitura de Nova Rosalândia é realizado
através de 01 ônibus e de 02 vans (FOTO 4). Estas últimas cobrem alguns pontos
determinados dentro do assentamento, recolhendo os estudantes e levando-os até
os pontos em que têm acesso ao ônibus destinado à cidade em questão.
FOTO 4 – Van que transporta os estudantes
Fonte: Pesquisa de campo.
As famílias assentadas, além de não contarem com o transporte regular de
passageiros, não são atendidas com transporte médico regular, nem com veículo
destinado ao transporte dos produtos cultivados pelos assentados. O transporte de
produção ainda está em fase de planejamento, pois a produção agropecuária das
famílias é destinada, principalmente, à subsistência. Há, portanto, uma quantidade
reduzida de mercadorias para a comercialização.
É importante frisar que os demais municípios próximos ao assentamento –
Cristalândia e Oliveira de Fátima – não disponibilizam transportes regulares para
essa comunidade. Vale também destacar que a comunicação do assentamento com
as cidades vizinhas é dificultada pela inexistência de telefones públicos e pelo
péssimo funcionamento de celulares em seu interior, que só funcionam em pontos
escassos e esparsos – o que dificulta, inclusive, a solicitação de transportes em
casos de emergência.
A implantação de todas essas modalidades de transporte exige, além de
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planos de atendimento diferenciados, a criação de estruturas básicas como, por
exemplo, a construção de abrigos nos pontos dos ônibus.
A fim de solucionar ou mesmo minimizar as carências na questão do
transporte, faz-se necessária uma ação conjunta envolvendo diferentes atores -
associações dos assentados, assistência técnica, assentados, coordenação do
assentamento, setores de produção, educação, saúde, secretarias municipais,
INCRA, dentre outros.
A resposta a essas necessidades do assentamento voltadas ao transporte
pode forçar a criação e/ou a ampliação dos serviços de transporte nas cidades de
sua área de abrangência, principalmente em Cristalândia, Nova Rosalândia e
Oliveira de Fátima. A satisfação das demandas dos assentados chama a atenção da
população dos municípios e leva a questionamentos e solicitações dessa população
para o atendimento de suas próprias necessidades. Pelos benefícios que podem ser
alcançados, tal atitude representa, portanto, um importante impacto, tanto para
população interna quanto para a externa ao assentamento. Também um impacto
acontecerá para o setor público ao buscar atender a essas novas demandas.
4.3.3. Saúde
Quando falamos em saúde, queremos nos referir não só à ausência de
doenças, mas, também, à qualidade de vida de modo geral. Vemos a saúde como
uma questão ampla à qual incluímos o acesso ao transporte, à alimentação
adequada, à habitação, ao lazer, ao saneamento e a boas condições de trabalho
das famílias assentadas.
Em entrevista com o Secretário de Saúde de Cristalândia, (Regina Souza),
foi-nos informado que a população proveniente do assentamento Pe. Josimo I e II
realiza a maioria de seus atendimentos médicos e odontológicos nesse município,
através do Programa de Saúde da Família (PSF).
No entanto, esse dado foi contrariado pelas informações recolhidas das
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entrevistas realizadas com famílias assentadas. Segundo elas, há uma prioridade
dos assentados por serem atendidos nas unidades locais dos municípios de Nova
Rosalândia e Oliveira de Fátima, que também atendem à população pelo PSF,
programa vinculado ao Sistema Único de Saúde (SUS). Nesses municípios, o
atendimento é de melhor qualidade, não só quanto às especialidades médicas, mas
também quanto ao relacionamento interpessoal.
Os moradores do assentamento afirmam, ainda, que, quando essas unidades
não apresentam capacidade para o atendimento da população com serviços como
cirurgia, maternidade e Unidade de Terapia Intensiva (UTI), os pacientes são, em
sua maioria, encaminhados ao Hospital Regional de Paraíso do Tocantins.
As Secretárias de Saúde de Cristalândia, de Nova Rosalândia e de Oliveira
de Fátima afirmaram que as famílias do assentamento não estão cadastradas pelo
SUS em seus municípios. Portanto, as prefeituras não recebem verbas do governo
referente a essas pessoas, não havendo, então, ajuda de custo para pagamento de
profissionais relacionados à saúde - médicos, enfermeiros, dentistas, auxiliares de
enfermagem e agentes.
Desse modo, nas unidades que fazem atendimentos mais intensificados às
famílias assentadas, como as de Nova Rosalândia e Oliveira de Fátima, existe
dificuldade na administração das verbas para gastos com remédios, transporte de
pacientes e transporte da equipe médica. Isso nos faz perceber que a demanda que
o assentamento Pe. Josimo I e II criou com sua instalação, também propicia conflito
entre o Estado e os municípios, já que parte significativa dessas despesas recai
sobre as prefeituras.
Na prática, não há atendimento médico dentro do assentamento. O único
serviço de saúde realizado em seu interior é o acompanhamento feito por dois
agentes de saúde, que atendem as famílias através do PSF. Ambos os agentes, que
são moradores do próprio assentamento, estão a serviço da Secretaria de Saúde de
Nova Rosalândia.
O trabalho dos agentes de saúde no Pe. Josimo I e II consiste em identificar
as doenças e orientar os pacientes para que procurem tratamento médico nas
unidades de saúde externas ao assentamento. Outras atribuições desses agentes
são: agendamento de consultas, entrega de medicamentos, verificação do peso das
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crianças e acompanhamento de pessoas com problemas de hipertensão, que na
maioria dos casos são idosos.
Segundo as famílias entrevistadas, o atendimento dos agentes de saúde é
prejudicado pelas condições de trabalho oferecidas pela Prefeitura de Nova
Rosalândia. Além de o número de agentes ser ínfimo para atender ao grande
número de famílias, falta-lhes transporte para as visitas, que, geralmente são
realizadas de bicicleta ou até mesmo a pé. Inclusive, um dos agentes de saúde, em
entrevista, afirmou que uma das maiores dificuldades no atendimento às famílias no
assentamento é a grande distância entre os lotes e a inexistência de transporte
próprio para esse fim.
As famílias afirmaram que as causas que mais os levam aos consultórios
médicos são febre, dor de cabeça, gripe, tontura, verminose, sarna e diarréia
(PDA/2008).
Outro fator importante relacionado à saúde das famílias diz respeito ao
abastecimento de água. No Pe. Josimo I e II, os assentados utilizam água
proveniente dos poços artesianos localizados ao lado de suas casas. Não há, ainda,
o oferecimento de água encanada, já que a eletrificação do assentamento ainda está
em processo de instalação. Em termos de tratamento da água não existe controle,
nem mesmo é feita a adição de cloro ou realizada análise de impurezas.
A questão da saúde nos assentamentos, então, está estreitamente ligada aos
impactos socioterritoriais. Esse indicativo social representa mudanças internas no
processo de ressocialização vivido pelas famílias, que, antes do assentamento,
muitas vezes não participavam, nem mesmo de forma precária, de qualquer tipo de
programa de saúde pública. Por outro lado, há o impacto gerado pelo aumento de
demanda por serviços de saúde na região do assentamento. A soma de todas essas
implicações gera, mais uma vez, conflitos políticos entre os poderes públicos
municipais e o estadual. Também a política do Governo Federal para atender aos
assentamentos é insuficiente, não oferecendo condições satisfatórias de
atendimento médico às famílias assentadas.
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4.3.4. Cultura e Lazer
A cultura constitui outro indicador importante para o entendimento dos
impactos socioterritoriais. Sua construção nos assentamentos está ligada, de modo
direto, ao processo de ressocialização desses sujeitos sociais. E ainda,
o modo como são expressos os valores culturais depende dos indivíduos e dos lugares, ou seja, cada grupo manifesta sua utopia, tem seu jeito próprio de expressar. Portanto, a cultura permite a comunicação humana e a própria educação por meio das linguagens, dos costumes, das tradições, das artes, dos rituais, das religiosidades, dos saberes, dos comportamentos, das normas, enfim do jeito de se relacionar com as outras pessoas do cotidiano. (RAMALHO, 2002, p. 106).
Os assentamentos, nesse sentido, costumam ser espaços para uma
infinidade de expressões culturais, mas também para choques de interesses. O Pe.
Josimo I e II é composto por famílias oriundas de diversas cidades do estado, mas
recebe também pessoas advindas de outras regiões: Maranhão, Goiás, Ceará, Pará,
Bahia, Rio Grande do Norte, Minas Gerais e Piauí, o que favorece o diálogo entre
diferentes expressões e interesses culturais.
Verificou-se, por meio da pesquisa de campo, que há uma tendência de
distanciamento das famílias, no momento de transição da participação coletiva do
acampamento para a ocupação individual e definitiva das glebas no assentamento.
Além disso, percebemos que as formas de lazer são mínimas. Das 13 famílias
entrevistadas no Pe. Josimo II, 10 afirmaram que não há boas condições de lazer no
assentamento. Apontaram apenas a cachoeira do Rio Urubu, situada em terras do
assentamento, e as partidas de futebol, na sede da antiga fazenda, como formas de
divertimento para as famílias.
A cachoeira mencionada, localizada em área de preservação permanente
(FOTO 5), acaba funcionando como atração turística para a população externa ao
assentamento. O fluxo de pessoas nos finais de semana e feriados é grande, sendo
maior por parte da população de cidades vizinhas ao assentamento do que por parte
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das famílias assentadas. Já o campo de futebol costuma atrair, principalmente, o
público jovem do assentamento.
FOTO 5 – Cachoeira localizada no assentamento
Fonte: PDA (2008). Reproduzido pela autora
Quanto às atividades religiosas dessas famílias, das 13 entrevistadas (Pe.
Josimo II), 06 afirmaram freqüentar alguma prática religiosa. Raramente as famílias
se deslocam para as cidades vizinhas, a fim de participar de tais práticas. Por não
existirem igrejas ou outros espaços de encontros religiosos ecumênicos dentro do
assentamento, as famílias, freqüentemente, organizam reuniões em suas
residências para momentos religiosos e para a prática de leitura da Bíblia.
Nesse contexto, é visível a necessidade de criação de alternativas de lazer no
interior do assentamento como a construção de centro comunitário, de campo de
futebol, salão de festas e outros espaços para atividades lúdicas e de expressão
religiosa.
A questão que envolve lazer e cultura é fator importante para a permanência,
principalmente dos jovens, no campo. A atuação do Estado nesse setor é essencial,
à medida que proporcione infra-estrutura para que os assentamentos prosperem.
Importante, também, ressaltar que “as ações, representações e expressões criadas
e recriadas pelos assentados a partir da vivência cotidiana nos demonstram uma
dimensão importante dos impactos socioterritoriais resultantes da instalação e
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consolidação dos assentamentos. Essa dimensão dos impactos também passa pela
subjetividade coletiva dos assentados” (RAMALHO, 2002, p. 107).
Frente ao exposto, pudemos perceber que cultura e lazer formam outro
indicador importante para o entendimento dos impactos socioterritoriais. Sua
rearticulação, possibilitando novas formas de sociabilidade e de novas relações
identitárias no assentamento, como o que acontece no caso do Pe. Josimo I e II,
está diretamente vinculada ao processo de ressocialização desses atores sociais,
fixado no processo de reterritorialização dos mesmos.
4.3.5. Moradia
No planejamento de um assentamento, para a definição das formas e
modelos de parcelamento de sua área, são considerados os aspectos produtivos e o
uso dos recursos naturais existentes. O planejamento do espaço agrícola nos
assentamentos se encontra relacionado à formação da unidade produtiva. Existem
diferentes formas de exploração da terra, tanto coletivas quanto individuais. No caso
brasileiro, o Estatuto da Terra estabelece duas formas para as unidades produtivas
de terras desapropriadas: a propriedade familiar, conhecida como lote individual, e a
associação de agricultores em cooperativas ou grupos coletivos.
O parcelamento do assentamento envolve o zoneamento e a delimitação de
uma reserva permanente, uma reserva legal e lotes. A área destinada aos lotes,
considerando-se o número de famílias e a medida do módulo rural, é definida com o
que sobra da parcela extraída para as reservas e que é aproveitável para a
agricultura e a pecuária.
A construção das moradias pode se configurar como agrovilas ou, conforme é
o caso do Pe. Josimo I e II, como lotes individuais. As casas são construídas em
lotes quadrados ou retangulares, este último constituindo o modelo adotado no
assentamento em estudo. Em relação à organização da moradia, as famílias que
optam por produzir em lotes familiares, optam, também, por morar no mesmo lote.
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No entanto, o sistema de localização das moradias não está diretamente ligado ao
modo de produção.
Em regiões onde há altas temperaturas ou mesmo carência de água,
independente do modelo produtivo, as famílias constroem suas casas de modo a
aproveitar as fontes de água corrente e também as áreas com possibilidade de
abertura de poços artesianos. Essa opção está bem clara na construção das
moradias do Pe. Josimo I e II, pois as famílias identificaram os pontos mais próximos
de água corrente e de disponibilidade de lençóis freáticos para a abertura de seus
poços.
O assentamento pôde contar com o Crédito Habitação, de R$ 7.000,00 para
cada família, para a construção das moradias. Construídas em alvenaria, com
cobertura de telhas e contrapiso, as casas seguem planta elaborada pelo INCRA e
são compostas por 05 cômodos: sala, cozinha, banheiro e 02 quartos (FOTO 6).
Elas ainda não contam com energia elétrica, em fase de finalização da instalação, e,
por isso, ainda não possuem água encanada - sem a energia não há como levar
água dos poços aos encanamentos. Não há sistema sanitário instalado, são usadas
fossas sépticas para recolher os dejetos sanitários.
FOTO 6 - Casa construída com recurso do crédito habitação
Fonte: PDA/2008. Reproduzido pela autora.
Após serem entregues às famílias, as atuais moradias, estruturalmente muito
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diferentes das anteriores, que eram construídas com madeira, palha de babaçu e
barro (FOTO 7), passarão para uma nova etapa, qual seja, a de acabamento. Para
tanto, será utilizado parte do “Crédito Habitação”.
FOTO 7 - Casa comum ao período de organização em agrovila
Fonte: Pesquisa de campo.
O crédito liberado pelo Governo Federal para a construção das casas é o
“crédito Habitação” (R$ 7.000,00), de cuja soma já está previsto o gasto de 15%
para o pagamento de mão-de-obra. Após pesquisa de preço, realizada pela
associação dos assentados, é decidida, em assembléia, a melhor opção para essa
construção.
No caso do assentamento Pe. Josimo I e II, houve discordância entre as duas
associações. A Associação Firmino Prudêncio, representante da parcela Pe. Josimo
I, optou por receber o material de construção e pagar a mão-de-obra com nota fiscal
avulsa a pedreiros que são também moradores do assentamento. Desse modo,
além de aproveitar o trabalho interno, gerando oportunidades de renda para alguns
moradores, também foi possível maior fiscalização e controle dos assentados. Essa
decisão resultou em economia suficiente para a compra de 02 portas a mais para
cada casa e para a construção da caixa d’água que, quando em pleno
funcionamento, servirá às famílias dessa parcela.
Já a Associação Manoel Tadeu, da parcela Pe. Josimo II, preferiu deixar a
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construção das casas a cargo da empresa fornecedora dos materiais de construção,
funcionando como empreiteira das obras.
A moradia, em seu sentido lato, é uma das dimensões dos impactos
socioterritoriais e está diretamente relacionada à organização das famílias no
assentamento. Assim, a partir da organização dos lotes, e conforme decisão dos
moradores, as casas são construídas individualmente ou de forma aglomerada.
É necessária, também, uma infra-estrutura social que proporcione a
aproximação das pessoas como, por exemplo, a construção de um local para
reuniões e encontros, um centro recreativo, dentre outros. A população assentada
requer outras estruturas que proporcionem uma melhor qualidade de vida. Energia
elétrica, água de boa qualidade, posto de saúde, ambulância, boas estradas e posto
telefônico são exemplos de necessidades que precisam ser satisfeitas (RAMALHO,
2002, p.104).
Sobre a questão da moradia no assentamento Pe. Josimo I e II, podemos
afirmar que há muito ainda a ser melhorado, especialmente quanto à disponibilidade
de infra-estrutura social básica. A instalação do assentamento e seu significativo
impacto socioterritorial acabam gerando um conjunto de reivindicações junto ao
poder público dos municípios de Cristalândia, Nova Rosalândia e Oliveira de Fátima
e aos governos Estadual e Federal.
O indicador moradia é um importante aspecto dos impactos socioterritoriais.
Revela, ainda, segundo afirmamos em outros momentos, o processo de
ressocialização dos assentados. “Esses sujeitos estavam totalmente marginalizados
e excluídos da sociedade, o fato de estar no assentamento cria para estes a
possibilidade de ter uma casa com uma mínima infra-estrutura. Esse dado também
revela um elemento importante para se pensar os impactos socioterritoriais”
(RAMALHO, 2002, p.105).
Pelo que vimos, apesar de os assentamentos do MST apresentarem o
processo de transformação social como seu foco principal, há uma forte relação
entre a moradia e a produção. A organização para a produção e para o trabalho e
as fontes de renda são indicadores a serem abordados no próximo item, no qual
analisamos os impactos socioterritoriais do assentamento Pe. Josimo I e II sob a
dimensão econômica.
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4.4. OS IMPACTOS DO ASSENTAMENTO SOB A PERSPECTIVA
ECONÔMICA
Ainda em momento de consolidação, em Pe. Josimo I e II, podemos destacar
a questão da organização do trabalho e da produção nos lotes, também da renda e
do consumo dos assentados. São questões relacionadas ao processo de
ressocialização das famílias, o qual abrange os âmbitos organizativo, sociopolítico e
econômico.
Este item pretende: analisar de que modo as famílias se organizam para o
trabalho, seja este individual ou coletivo; identificar o tratamento dado à produção e
como se caracterizam seus modos de consumo.
Primeiramente, destacamos que ainda não estão presentes no assentamento
formas coletivas de trabalho e produção. Isto é, ainda não se pode identificar – de
modo marcante – ações de ajuda mútua ou de troca de serviços como a participação
em associações ou cooperativas de produção, de comercialização, crédito ou renda.
Em razão da fase inicial em que se encontram as primeiras tentativas produtivas, e
por não haver ainda o fortalecimento de laços de coletividade, no que se refere a
esses aspectos econômicos, as dificuldades de relacionamento, confiança e
conhecimento técnico pesam muito como impeditivas de uma cooperação.
Analisando os processos produtivos presentes, podemos concluir que ainda
não está consolidada a produção agropecuária no assentamento. É recente a
ocupação da terra pelas famílias e também são poucos os investimentos do governo
para o suporte estrutural, social e técnico. A produção hoje desenvolvida é muito
pequena. Não chega, inclusive, a garantir a segurança alimentar e a geração de
renda para as famílias assentadas.
As principais atividades desenvolvidas no assentamento são a pecuária, a
agricultura de subsistência e o extrativismo. O sistema produtivo do assentamento
se caracteriza pela diversificação da produção e criação de animais. Há um
aproveitamento dos recursos naturais através do extrativismo e da utilização de
poucos insumos agrícolas.
Das dificuldades enfrentadas pelas famílias assentadas para o
desenvolvimento da agropecuária, que geralmente é realizada de forma individual,
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nos lotes de cada família, destaca-se a falta de recursos e investimentos para
alavancar a produção. Até o momento, as famílias tiveram acesso somente à 1ª
parcela do Crédito Fomento, com o qual são adquiridos alimentação, ferramentas e
insumos para contribuir nas atividades agrícolas manuais no assentamento.
As famílias iniciaram suas atividades agrícolas em quintais e pequenas roças,
utilizando técnicas de gradagem do solo7. Com pouca mecanização, baixo uso de
insumos, forte degradação nos ambientes de cerrado, baixa fertilidade e mesmo
ausência de adubação, obtiveram poucos resultados de produção.
Na safra 2006/2007 foram cultivados: mandioca, feijão, milho, fava, abóbora,
banana e hortaliças - quiabo, maxixe, coentro, alface, cebolinha, jiló, couve, dentre
outras culturas. Já para a safra 2008/2009, as famílias estão trabalhando de forma
planejada e procuram desenvolver a produção, nas áreas de cultura, por serem
terras de boa fertilidade, através das técnicas manuais das roças de toco8.
(PDA/2008).
As sementes utilizadas para os plantios nas roças provêm de sementes
crioulas, que são armazenadas como prática tradicional de alguns agricultores, os
quais, às vezes, promovem, entre si, a troca de alguns tipos. No entanto, a maioria
das famílias compra sementes híbridas nas casas agropecuárias da região, com
recursos do Crédito Fomento.
Há, ainda, nos quintais das famílias, canteiros de hortaliças como: alface,
couve, cebolinha, coentro, quiabo, maxixe, alface, cebolinha, jiló, berinjela. Produção
essa feita sem o uso de venenos e adubos químicos, com adubação à base de
estercos de bovinos e de aves do próprio assentamento. Podemos encontrar,
também nos quintais, muitas árvores frutíferas em fase inicial de crescimento,
principalmente: laranja, limão, goiaba, coco, acerola e banana.
Vejamos a respeito da criação da pecuária. Algumas das famílias assentadas
possuem gado e produzem uma quantidade pequena de leite, suficiente apenas
para o consumo próprio. (FOTO 8).
7 Uso de grades nas entrelinhas de plantio. 8 Consiste na derrubada e queima da mata para utilizar o terreno para cultivo, seguindo um período de “descanso” da terra.
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FOTO 8 - Bovinos criados no assentamento
Fonte: PDA (2008). Reproduzido pela autora.
Além da criação de bovinos, há, também, a criação de pequenos animais
como porcos e aves caipiras. Estas, em sua maioria, são criadas soltas e
alimentadas com milho e restos de alimentos. Já os porcos são criados presos, em
áreas de pastagem implantadas pelo antigo proprietário da fazenda, e alimentados
com restos de alimentos, mandioca e milho.
Toda a criação dentro do assentamento é destinada à produção de carne,
leite e ovos para o próprio sustento das famílias que praticam a atividade. Somente
em alguns poucos casos há a comercialização de tais produtos.
O extrativismo, por sua vez, é uma atividade de grande potencial no
assentamento. Através dele as famílias fazem o aproveitamento sustentável,
transformando esse potencial em fonte de alimentação e geração de renda, por meio
da comercialização de produtos na região.
Dos recursos naturais do extrativismo no assentamento destacam-se as frutas
nativas do cerrado como pequi, cajuí, mangaba, puçá, bruto, buriti, murici, dentre
outras. Dessa diversidade de frutas nativas, o pequi é a que possui maior relevância
no local. Primeiro, por ser uma das principais fontes de alimentação das famílias no
período da safra, que compreende os meses de setembro a dezembro. Segundo,
pelo fato de a produção no assentamento ser de alta escala, proporcionando uma
importante geração de renda para as famílias que desenvolvem tal prática
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extrativista.
Por não existir, no assentamento, nenhuma forma organizada de
industrialização e comercialização coletiva do fruto do pequi (FOTO 9), toda a
produção é comercializada de forma individual. Atravessadores da região compram
os produtos e os transportam para grandes centros consumidores, como é o caso de
Goiânia-GO, onde revendem o fruto nos mercados e supermercados das cidades. A
forma de compra do pequi no assentamento se faz através de caixas de 30 kg, e o
preço pago por caixa na região chegou a atingir, na safra 2007/2008, um valor médio
de R$ 5,00/caixa (PDA/2008).
FOTO 9 - Pequizeiro (Caryocar brasiliense Camb.)
Fonte: PDA (2008). Reproduzido pela autora.
Devido ao fruto do pequi entrar, no período de safra, na lógica do mercado na
região, e o preço pago pelo produto ser considerável, ocorre uma prática negativa do
ponto de vista ambiental. Os frutos acabam sendo retirados da planta antes de seu
amadurecimento e queda natural.
Segundo depoimento de alguns moradores, essa é uma prática comum na
região, apesar de todos saberem que tal atitude prejudica a planta, fazendo cair, em
muito, a produção dos anos seguintes. Algumas famílias também comercializam o
pequi nas feiras dos municípios vizinhos e em grandes centros urbanos da região -
na capital, por exemplo.
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A produção agropecuária demanda por serviços de apoio acessíveis ao
assentamento. Existem nos municípios de Cristalândia e Nova Rosalândia estruturas
públicas que prestam serviços de apoio à produção. São os escritórios da Agência
de Defesa Agropecuária do Estado do Tocantins (ADAPEC) em Cristalândia, as
Secretarias Municipais de Agricultura dos dois municípios mencionados e o Instituto
de Desenvolvimento Rural do Tocantins (RURALTINS), com escritório em
Cristalândia. Há, ainda, nos municípios de Paraíso do Tocantins e Gurupi, sedes do
Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), que também
presta serviços de apoio à produção na região.
Os municípios de Cristalândia e Nova Rosalândia possuem profissionais
capacitados, que prestam serviços públicos nas Prefeituras Municipais, Secretarias
de Agricultura, ADAPEC, RURALTINS, com condições de oferecer cursos de
capacitação para os agricultores familiares do assentamento. Existe, também, com
sede em Cristalândia, o Centro de Direitos Humanos – CDH, que já ofereceu cursos
de capacitação na área de Direitos Humanos e que tem condições para continuar
oferecendo cursos para os agricultores no assentamento.
Muitas pessoas do assentamento já participaram de inúmeras atividades de
capacitação técnica, promovidas pela AESCA, e de formação política do MST:
encontros, oficinas, cursos, seminários e congressos a nível estadual e nacional.
A assistência técnica é fundamental, principalmente no momento de
consolidação dos assentamentos, pois, através de capacitações, formações e
incentivos, permite a ampliação e a comercialização local e regional. No
assentamento Pe. Josimo I e II, há assistência técnica apenas do INCRA.
Quanto às agências capazes de financiar e beneficiar a produção do
assentamento, como as linhas de crédito do Programa Nacional de Agricultura
Familiar (PRONAF), podem ser encontradas em Cristalândia - através das agências
do Banco do Brasil - e nos municípios de Paraíso do Tocantins e Gurupi - através
das agências do Banco da Amazônia (BASA).
O crédito agrícola para a pequena agricultura é fruto de luta e reivindicação
dos próprios agricultores. É, também, uma das questões fundamentais para o
assentamento no sentido de garantir uma produção agropecuária satisfatória. Com
os investimentos através do crédito agrícola, os agricultores passam a fazer parte da
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dinâmica local da produção, com a criação de cadeias produtivas e a organização
das já existentes e de grande potencial na região. Os agricultores conseguem dar
respostas através da produção agropecuária, fortalecendo e aquecendo a economia
dos municípios e da região.
Para a pequena agricultura, a política de crédito agrícola tem uma função
essencial. Ela é a garantia da segurança alimentar das famílias assentadas e da
melhoria na qualidade de vida.
Na TABELA 9, estão os dados referentes às modalidades de créditos que já
foram disponibilizados às famílias assentadas:
TABELA 9 - Créditos disponibilizados às famílias assentadas
Crédito Valor/família
INSTALAÇÃO/FOMENTO (1ª parcela) 2.400,00
HABITAÇÃO 7.000,00
Fonte: PDA (2008). Adaptado pela autora.
As famílias do Pe. Josimo I e II acessaram, até o momento, o Crédito
Fomento (1ª parcela) e o Habitação, que está em fase de aplicação. A soma dos
recursos de fomento é igual a R$ 288.800,00 e de habitação R$ 1.127.000,00. Ainda
não houve acesso à 2ª parcela do Crédito Instalação/Fomento nem ao Crédito
PRONAF – A9.
Pudemos observar que as famílias ainda são bastante dependentes do
Crédito Fomento para a compra de boa parte de seus alimentos e de alguns
insumos e ferramentas nos municípios vizinhos. São produtos adquiridos, em grande
parte, no município de Nova Rosalândia, principalmente porque, como vimos, os
assentados contam com transporte coletivo oferecido todas as terças-feiras pela
prefeitura desse município.
9 Do ponto de vista operacional possui quatro linhas de atuação: custeio e investimento às atividades
produtivas; financiamento de infraestrutura e serviços; capacitação e profissionalização de
agricultores; e o financiamento de pesquisa e extensão rural. Fonte:
www.mda.gov.br/saf/arquivos/1501919371. Acesso em: 18 out. 2008.
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Muito embora as famílias busquem formas de subsistência e mesmo de
comercialização através da agropecuária em pequena escala, e com baixíssimo
emprego de mecanização e de insumos, é ainda marcante a produção individual nos
lotes, visto que o emprego de práticas coletivas de produção e comercialização é
bastante incipiente.
Assim, cabe lembrar que o comércio existente na região não tem influência
permanente no assentamento, somente de forma alternada, na época de
extrativismo. As famílias assentadas têm uma pequena renda familiar no período em
que recolhem os frutos de extrativismo, entregando-os direto ao atravessador.
Contam, ainda, com o auxílio do Crédito Fomento, que se destina à compra de
alimentos e insumos.
4.5. OS IMPACTOS SOCIOTERRITORIAIS E A CONSTRUÇÃO DE NOVAS
TERRITORIALIDADES
Os assentamentos se caracterizam por contribuir para a transformação da
paisagem das regiões às quais fazem parte. Onde antes prevaleciam monoculturas
ou ainda havia áreas improdutivas, começam a surgir agriculturas camponesas e,
junto a elas, transformações políticas, sociais, econômicas e culturais. Essas novas
possibilidades de organização e produção promovem novas territorialidades,
resultado de uma intervenção na paisagem e na organização das relações de
trabalho existentes até então.
Mesmo que não altere de modo radical a concentração fundiária de um
estado, podemos verificar que os assentamentos implicam uma redistribuição
fundiária e a viabilização do acesso à terra a uma população de trabalhadores. No
conjunto de transformações ocorridas com o assentamento, percebemos, ainda,
que, em busca da contraditória construção de relações não-capitalistas de produção,
as famílias assentadas imprimem relações sociais próprias, diferentes das antes
existentes.
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Assim, após nossa análise, pudemos identificar impactos socioterritoriais
resultados da implantação do assentamento Pe. Josimo I e II em diversas
dimensões. Os impactos, que resultam de um conflito social significativo (nesse
caso, a implantação do assentamento), se revelam mais fortemente a partir do
rompimento do território do latifúndio, que dá lugar ao território do assentamento.
Como conseqüência, a instalação e a consolidação do assentamento produzem
necessidades e reivindicações as quais abrangem a área da saúde, da educação,
das moradias etc. Todas envolvendo a ressocialização das famílias assentadas.
No entanto, a nova dinâmica territorial no campo deixa à mostra os grandes
desafios quanto à melhoria de vida das famílias assentadas. As dificuldades não
terminam com a distribuição das terras. Começa, na verdade, o desafio do
desenvolvimento local.
Nesse viés, ressaltamos que a discussão dos impactos socioterritoriais deve
estar relacionada diretamente ao desenvolvimento local e regional, que requer um
planejamento territorial e não estritamente social ou econômico. A discussão e
execução de tal planejamento pode ter abrangência municipal, mas, em virtude de
suas influências, pode ter a discussão expandida, reforçando, assim, a necessidade
de as autoridades locais proporem discussões ativas com os governos Estadual e
Federal.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesta dissertação, analisamos algumas características dos impactos
socioterritoriais provocados por um assentamento em sua própria localidade e em
seu entorno. Para contextualizar os impactos, procuramos identificar as principais
mudanças ocorridas com a implantação dos assentamentos rurais. Assim,
identificamos que a principal abordagem dos impactos pode ser compreendida a
partir das mudanças ocorridas nas vidas das famílias sem-terra.
Nesta perspectiva de estudo nos propusemos a compreender esse processo
de mudanças, contextualizando alguns indicadores como educação, saúde, cultura,
organização do trabalho e da produção, renda, organização política, dentre outros.
Tendo o assentamento Pe. Josimo I e II, em Cristalândia-TO, como objeto de
estudo, constatamos que as mudanças resultantes dos processos de conquista e de
permanência na terra ocorreram numa área de abrangência que compreendeu três
municípios de acordo com relações sociais, culturais, políticas e econômicas entre
as famílias assentadas e esses municípios.
Neste caminho, procuramos averiguar variáveis, buscando traçar um paralelo
entre dados estatísticos e informações reveladas em entrevistas. Variáveis essas
classificadas em três dimensões (social, política e econômica), as quais tratamos
sob uma visão indissociável e complementar. Este exercício nos proporcionou
perceber que as mudanças ocorridas com a implantação do assentamento são
bastante variadas em função do contexto que foi gerado, das trajetórias dos
assentados e da diversidade de políticas públicas.
Foi possível perceber também que a criação do assentamento implicou em
certa redistribuição fundiária e viabilizou o acesso à terra a uma população de
trabalhadores. Não chegou a alterar o quadro de concentração fundiária, comum ao
estado, mas implicou numa ressocialização das famílias e na implantação de novas
dinâmicas de organização social, bem como numa nova organização para o trabalho
e para as relações políticas.
A condição de assentado possibilitou direitos antes inalcançáveis para muitos,
(como direito à posse da terra e ao crédito), como possibilitou também o resgate da
dignidade de uma população historicamente excluída.
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Desse modo, os impactos socioterritorias, no contexto dos assentamentos,
podem ser compreendidos, primeiramente, como as transformações sofridas pelas
famílias durante o processo de luta, nos acampamentos, ocupações e demais
manifestações públicas. Em seguida, a partir da implantação e consolidação dos
assentamentos; momento ainda com grandes dificuldades, mas que, conforme
confirmaram todos os assentados entrevistados nesta pesquisa, acarretou uma
melhora nas condições gerais de vida quando comparada à situação vivida antes de
ingressarem no movimento.
Os impactos referem-se também, como constatamos nesse caso, às
transformações estabelecidas na relação do assentamento com os municípios em
seu entorno. A existência do assentamento criou demandas por políticas públicas, o
que passou a criar relações – conflitos e parcerias – com os governos municipais,
estadual e federal. A presença do assentamento também causou mudanças
econômicas – principalmente comerciais – nos municípios.
Este conjunto de elementos nos permite compreender que os assentamentos
são viáveis social, econômica e politicamente desde que inseridos numa política
agrária pautada na melhoria da qualidade de vida.
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Anexo A – Planta do assentamento Pe. Josimo I e II
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