Anais do III Encontro de Pesquisas Históricas - PPGH/PUCRS.
Porto Alegre, 2016. p.473-484. <www.ephispucrs.com.br>.
OS GRUPOS DOS ONZE DA BRIGADA MILITAR
– A AMEAÇA A UNIDADE POLÍTICA
THE GROUPS OF ELEVEN OF THE MILITARY POLICE BRIGADE
– THE THREAT TO THE UNIT POLICY
Kelvin Emmanuel Pereira da Silva
Graduando/UFRGS
RESUMO Este trabalho tem por objetivo compreender a atuação do que pode ser considerado como os “Grupos dos Onze
da Brigada Militar”, enquanto construtores de um projeto político, o qual, na instauração da Ditadura Militar de
1964, colidiu com outro projeto que foi daqueles militares legitimadores do golpe. Nesse sentido, partimos de
uma percepção, onde passamos a entender o Golpe de 1964 como resultado de uma efervescência de disputas no
meio militar. Assim, tal momento poderia ser interpretado como um conflito político mediado por militares (e
também por civis), cujos resultados das perspectivas de implementação de um novo tipo de Estado dependeram
dos mecanismos disponíveis de cada grupo. Não iremos nesse trabalho criar tipos de grupos, onde cada um deles
pudesse ter um projeto ideológico, procuraremos sim entender a atuação, pois é esse horizonte de práticas que
poderá direcionar nosso entendimento para os acontecimentos relacionados aos “Onze da Brigada Militar”. Além
disso, procuraremos discutir a ideia de que as Forças Armadas estiveram, em dado momento, preocupados com a
manutenção de sua unidade institucional, quando em nossa visão ocorreu a preocupação com a unidade de um
projeto político.
Palavras-chave: Grupo dos Onze da Brigada Militar. Ditadura Civil-Militar de 1964. Práticas políticas. III
Exército. PTB.
ABSTRACT This study aims to understand the agency of what can be considered as the "Groups of Eleven of the Military
Police Brigade" as builders of a political project, which, in the establishment of the military dictatorship in 1964,
collided with another project of those military ones that legitimized the coup. In this sense, we start from a
perception where we understand the Coup of 1964 as a result of effervescence disputes in the military area. So,
that time could be interpreted as a political conflict mediated by the military (and civilian), which results of the
implementation prospects of a new type of state depended on the mechanisms available for each group. We will
not in this work create types of groups, each of which could have an ideological project, but try to understand the
agency, because it is this horizon of practices that can direct our understanding to the events related to the
"Eleven of the Military Police Brigade." Also, we try to discuss the idea that the armed forces were, at one point,
concerned with maintaining its institutional unit, when in our view occurred the concern with the unity of a
political project.
Keywords: Groups of Eleven of the Military Police Brigada. 1964 Military-Civilian Dictatorship . Political
practices. III Army. PTB.
Introdução
No período de instituição do Golpe Civil-Militar de 1964, uma das formas e um dos
meios para se tentar manter João Goulart como Presidente da República foi a articulação de
militares pertencentes à Polícia Militar do Rio Grande do Sul (Brigada Militar) com o então
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Deputado Federal da Guanabara, Leonel Brizola e com o então Comandante do III Exército,
General Ladário Pereira Telles. Nessa articulação, o objetivo de garantia do cargo de Goulart
ocorreu, dessa forma, principalmente por militares, o que resultou em repressão a eles por
parte da Brigada Militar. Após a ação, esses militares foram acusados principalmente de
atentarem contra a ordem, a partir de ações subversivas.
Além de Brizola, esses militares tiveram o apoio de políticos como o então Prefeito e o
Vice-Prefeito de Porto Alegre. Uma das principais questões que pesou no processo de
acusação foi a ligação direta (através de filiação) e indireta com o Partido Trabalhista
Brasileiro. Na verdade, o elemento de partidarização e mesmo politização de militares com as
perspectivas de apoio, por exemplo, às Reformas de Base, pretendidas por João Goulart
contribuiu em demasia para a legitimação da ideia de que os quartéis estavam se tornando
subversivos. Soma-se a isso a Revolta dos Marinheiros de março de 1964, que ocorreu às
vésperas do Golpe e ressaltou ainda mais os princípios políticos de alguns militares.
Nesse sentido, os policiais militares da Brigada se tornam objeto do presente estudo,
que visa principalmente a tentar esclarecer a relação política desses com outros militares e
mesmo políticos apoiadores da deposição de João Goulart. Assim, a partir de uma perspectiva
que entende principalmente sobre a diversidade política nos quartéis, estabelecemos questões
a serem trabalhadas no sentido de interpretar esse processo de ação desses policiais militares
num momento em que se tentava manter também na caserna a unidade política de apoio à
deposição do Presidente da República.
III Exército requisita a Brigada Militar
A 1º de abril de 1964, quando do início do Golpe Civil-Militar, o então recém-
nomeado Comandante do III Exército1, General Ladário Pereira Telles, requisita ao
Governador do Estado do Rio Grande do Sul, Ildo Meneghetti, a disposição das tropas da
Brigada Militar. Meneghetti nega tal requisição e através do Comandante da Brigada Militar,
Coronel2 Otávio Frota, o General é informado do parecer do pedido. Além disso, o Coronel
1 O III Exército constituía uma das divisões do Exército Brasileiro. Em 15 de outubro de 1985, o decreto
presidencial nº 91.778, extinguiu essa divisão e criou os Comandos Militares de Área. No lugar do III Exército,
criou-se o atual Comando Militar do Sul, cuja sede continua até o momento sendo em Porto Alegre. Disponível
em <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1980-1987/decreto-91778-15-outubro-1985-441824-
publicacaooriginal-1-pe.html> 2 Todos os postos e graduações dos militares descritos nesse trabalho se remetem à época do ocorrido,
em 1964. Dessa forma, muitos dos militares aqui indicados podem ter ascendido a outros graus hierárquicos,
mas aqui são mantidos os graus que os mesmos possuíam outrora.
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informa ainda que só colocaria à disposição as tropas da Brigada caso houvesse um decreto
presidencial.3
O Coronel Otávio Frota ainda informa a seus subordinados da decisão de não dispor
de suas tropas ao Exército, porém alguns policiais militares decidem se apresentar no Quartel
General do III Exército.(PROCESSO BNM 284) Um desses militares foi o então Tenente
Coronel Daisson Gomes da Silva. O General Ladário Pereira Telles designa o Tenente
Coronel Daisson para assumir o Comando da Brigada Militar. O Tenente Coronel Daisson
teria entrado em contato com o Coronel Heraclides Tarragô, Comandante do Regimento
Bento Gonçalves, para que esse o reconhecesse como Comandante da Brigada e dispusesse
seu regimento como sede. Dispondo das forças do III Exército, o Tenente Coronel Daisson
tentaria forçar a rendição do Coronel Frota, a fim de que esse lhe entregasse o Comando da
Brigada.
Ainda na tarde do dia 1º de abril, o Tenente Coronel Daisson repassou a seguinte
mensagem pela Cadeia da Legalidade4: “O Ten Cel Daisson Gomes da Silva, novo
Comandante Geral da Brigada Militar, convoca os elementos da reserva para uma reunião às
18 horas, nos fundos da Prefeitura Municipal, onde está instalado o ‘QG da Legalidade’”.
(PROCESSO BNM 284, pg. 14) O Coronel Frota se direcionou ao gabinete do General
Ladário e manifestou a insatisfação com as mensagens da Cadeia da Legalidade, o que teria
feito com que o Comandante o III Exército também não se satisfizesse com as mensagens. O
General Ladário teria providenciado “contra tal irradiação”. (Ibid)5
Apesar dessa movimentação do Tenente Coronel Daisson, o Coronel Frota foi mantido
em seu cargo no comando, tendo em vista que um grupo de oficiais da Brigada se reuniu com
alguns políticos com o objetivo de garantir a manutenção do cargo de Comandante.
3 A descrição desse acontecimento foi retirada do Jornal Folha da Tarde de 14 de agosto de 1969, do
verbete biográfico do General Ladário Pereira Telles no sítio eletrônico da Fundação Getúlio Vargas, disponível
em <http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/ladario-pereira-teles> e do processo 284
disponível no portal digital do Brasil Nunca Mais <http://bnmdigital.mpf.mp.br/sumarios/300/284.html> 4 A segunda Cadeia da Legalidade se inicia em 1º de abril. Para mais detalhes: KLÖCKNER, Luciano.
Segunda Cadeia da Legalidade – a resistência ao golpe de 1964 que não passou para a história. Disponível em
<http://www.ufrgs.br/alcar/encontros-nacionais-1/encontros-nacionais/7o-encontro-2009-
1/Segunda%20Cadeia%20da%20Legalidade.pdf>
5 Conforme relatado pelo radialista e jornalista Sérgio Stosch: “Tomei conhecimento dentro da rádio que
quatro ou cinco soldados entraram no prédio no dia dois ou três de abril, acredito que numa mescla de Brigada
com Exército, e queriam as fitas gravadas. [...]. E eles queriam estas fitas. [...]. O camarada do Exército, com
uma arma, dizia para o operador: ‘eu quero estas fitas’”. Klöckner, 2009, pg 11. Essa ação dos militares pode
estar relacionada com a providência do General Ladário contra a irradiação.
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A Formação dos Grupos dos Onze
Diversos outros policiais militares, os quais foram acusados pela ação penal 11/65
(PROCESSO BNM 284) dos seguintes crimes: “tentativa de subversão, associação prejudicial
à segurança nacional, propaganda subversiva, incitação a crime contra a segurança nacional,
motim e revolta, aliciação e incitamento, usurpação, excesso ou abuso de autoridade,
abandono de posto e desobediência” estiveram se apresentando no Quartel General do III
Exército. Entre eles o Coronel da reserva Dirceu de Assis Canabarro Trois e o Coronel
também da reserva Octacílio Barbosa da Silva. Esses dois coronéis foram respectivamente o
presidente e o secretário geral do Diretório General Ernesto Dorneles6, filiado ao Partido
Trabalhista Brasileiro.
Esses dois militares teriam incentivado a formação dos grupos dos onze. O Coronel
reformado Venâncio Baptista seria um dos que tentou articular com o Coronel Frota para que
esse passasse o Comando da Brigada Militar ao Tenente Coronel Daisson.O Tenente Coronel
Emílio João Pedro Neme, então Diretor do Serviço Nacional de Municípios (SENAM), foi
acusado também de incentivar a organização dos Grupos dos Onze. O Tenente Coronel Neme
parece ter sido um dos militares mais influentes nesse processo de formação de um grupo de
policiais militares que se colocaria contra o Golpe de 1964. Ao analisar o processo
indenizatório do próprio Tenente Coronel Neme, percebemos logo sua proximidade com os
políticos gaúchos. A começar com o governo de Ernesto Dorneles, onde foi Tenente Ajudante
de Ordens. (PROCESSO INDENIZATÓRIO 6229-1200/98-2, APERS)7
No governo de Leonel Brizola foi Ajudante de Ordens da Casa Militar, ombudsman
do governo, chefe das viagens do Governador no Estado e no Brasil. Na Campanha da
Legalidade de 1961 atuou ao lado do Governador Brizola. No regime parlamentarista foi
enviado para Brasília para intermediar o contato entre o Presidente Goulart e o Governador
Brizola. Comandou o escritório da campanha a Deputado Federal de Brizola pelo Estado da
Guanabara e quando esse assume o cargo, o Tenente Coronel Neme é designado para chefiar
o gabinete político brizolista no Rio Grande do Sul. Além disso, organizou a Associação dos
Chefes de Serviço Federal, com o intuito de tornar uníssono o trabalho dos órgãos do
6 “O Diretório General Ernesto Dornelles constituía-se essencialmente de integrantes da Brigada Militar
do estado gaúcho. Sua capacidade organizativa chama a atenção, uma vez que mantinha a produção de boletins
informativos, manifestava-se politicamente, escrevia para políticos e chegou mesmo a montar um esquema para
a eventualidade de um golpe contra as forças populares”. Chagas, 2011, pg 174.
7 Esse processo indenizatório, assim como outros, passam a ser constituídos a partir da Lei 11.042 de 18
de novembro de 1997, onde o Estado do Rio Grande do Sul passa a reconhecer a responsabilidade sobre as
consequências psicológicas e físicas ocorridas por motivos políticos e passa a instruir sobre os procedimentos de
indenização.
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Governo de Goulart. A 28 de março de 1964, o então Deputado Brizola convida o Tenente
Coronel Neme a chefiar os grupos dos onze em Rio Grande.
A proximidade do Tenente Coronel Neme com Brizola e Goulart, além de sua filiação
ao PTB, faz com que seja vigiado constantemente. Por outro lado, Neme também possuía
informações sobre a construção do golpe e em dado momento solicita que o Presidente João
Goulart receba o Coronel Prado8, para que esse lhe entregasse um relatório sobre o
encaminhamento da ação golpista, com claras articulações do Marechal Nelson de Melo9.
Ao receber a notícia do início do Golpe, Neme entra em contato com Brizola e o então
Prefeito de Porto Alegre Sereno Chaise. Para esse último, Neme solicita que coloque a Polícia
Municipal de prontidão. Além disso, convoca os Chefes de Serviços Federal, e para uma
reunião convoca mais de 30 oficias da reserva da Brigada Militar “leais ao Presidente João
Goulart e Leonel Brizola”. (PROCESSO INDENIZATÓRIO 6229-1200/98-2, pg. 27)10 Neme
em contato com Leonel Brizola na residência deste recebe instruções do que deveria fazer.
Brizola, por sua vez, em conversa com o General Assis Brasil11, solicita que o General
Ladário trouxesse a requisição da Brigada pelo III Exército assinada pelo Presidente. Brizola
acompanhado de Neme comunica o General Ladário que assumiria a resistência política ao
Golpe e apresenta o Tenente Coronel Neme para ficar à disposição do General Ladário e
realizar a interlocução entre este e Brizola. Ladário então coloca Neme em seu gabinete,
juntamente com o vice-prefeito de Porto Alegre, Ajadil de Lemos.
O General Assis Brasil não entrega a convocação da Brigada assinada pelo Presidente,
o que faz o General Ladário solicitar ao Tenente Coronel Neme que esse entre em contato
com o Comandante da Brigada, Coronel Frota, convidando-o para uma reunião. Tal convite é
aceito e já no III Exército, Ladário solicita a Brigada à sua disposição, o que Coronel Frota
nega e afirma só ser possível com a aprovação do Governador. Porém as tentativas de
8 Não possuímos maiores informações sobre esse Coronel. 9 No governo de João Goulart, Nelson de Melo foi Comandante do II Exército e Ministro de Guerra.
Logo após ser transferido para a reserva no posto de Marechal, integrou a Marcha da Família com Deus pela
Liberdade. Informações disponíveis em
<http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas2/biografias/nelson_de_melo>.
10 Esses mais de 30 oficiais da Brigada, ao que tudo indica, são os mesmos que acusados pela ação penal
11/65 do processo BNM 284. Conforme indicado no processo 284, BNM: “Nos últimos meses que antecederam
a recente crise política-militar que abalou o nosso País e, em particular, o nosso Estado, os Oficiais, ora
denunciados, em serviço ativo e da reserva, da Brigada Militar, filiados ao diretório político ‘Gen Ernesto
Dorneles’, do P.T.B., ao Clube Farrapos ou seguindo a liderança do ex-deputado Leonel de Moura Brizola,
vinham pregando abertamente a subversão da ordem política e social vigente, proclamando a urgência das
reformas de base, a mudança radical do regime, a necessidade da formação dos “grupos dos onze” e outras teses
da doutrina marxista”. Pg. 11. 11 O General Assis Brasil esteve próximo de João Goulart, até mesmo no Uruguai, quando esse solicita o
asilo político. Disponível em <cpdoc.fgv.br/producao/dossies/Jango/biografias/assis_brasil>.
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construir a resistência permanecem e os mais de 30 oficiais tentam articular com a Brigada a
disposição da instituição ao III Exército.
Para tal articulação resolvem escolher Neme para comandar, o que é vetado por
Brizola que o queria ao lado do General Ladário. Para o comando, escolhe o Tenente Coronel
Daisson, que foi acusado como também um dos principais organizadores dos grupos dos onze
na Brigada Militar. Já em posse de seu cargo de Comandante escolhido por Brizola e
ratificado por Ladário, Daisson inicia suas ações de coação na tentativa de receber de fato o
Comando da Brigada do Coronel Frota.
Outros dois militares, Coronel Mauro Pereira Caloy e Coronel da reserva Militão da
Silva Netto, pertencentes ao Diretório General Ernesto Dorneles, apresentam-se ao Tenente
Coronel Daisson. Outros militares que também se apresentaram: Coronel da reserva Arduino
de Vargas Zamo, Tenente Coronel Solon Pelanda Franco, Major Walter Emilio Nique, Major
Jacques da Rocha Motta, Capitão Edy da Silva Cardoso, 1º Tenente Ruy Martins Coimbra,
Capitão reformado Rosalino dos Santos Dutra, Capitão Lauro Lelis da Rosa, Major reformado
Oceano Alves de Mello, Capitão João Nunes de Castilhos, Capitão Maildes de Alves de
Mello, Capitão reformado Dorival Divino de Campos, Major Viriato Natividade Duarte, 1º
Tenente Plínio Ivar da Rosa, 1º Tenente Hélvio Rodrigues Ribas, 2º Tenente Igor Antônio
Gomes Moreira e o 1º Tenente Miguel Archanjo de FariaS.
No total, esses 39 oficiais, todos acusados num mesmo processo teriam constituído os
Grupos dos Onze na Brigada Militar.12
Aos poucos, foram-se formando os “grupos dos onze” na Brigada Militar e os
líderes de grupos dentro das Unidades visavam a organização de núcleos de
resistência contra as ordens emanadas dos Comandantes. A ordem para a execução
do plano subversivo dependia apenas de uma “notícia” em código a ser transmitida
pelo rádio e pelos jornais. A esse sinal, elementos já instruídos, reunir-se-iam em um
local já determinado, onde dispunham de armas e estariam prontos para entrar em
ação. (PROCESSO BNM, pg. 11-12)
Ao analisarmos as ações desses militares, ficou-nos a dúvida a respeito da vinculação
político-partidária de muitos deles, além da clara ação de apoio ao governo de João Goulart.
Não pretendemos aqui os classificar como legalistas, pois esta seria uma análise muito
superficial sobre a relação entre os militares e a política. Acreditamos que as posições desses
oficiais estejam num quadro mais complexo que nos leva a indagar justamente sobre as
12 Os grupos de Onze Companheiros, Grupos dos Onze, Gr-11 ou ainda Comandos Nacionalistas
existiram em quase todo o Brasil, idealizados por Leonel Brizola. Mais informações a respeito, Ferreira; Aarão,
2007.
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escolhas políticas de militares no Brasil. Hoje em dia, a noção de que militares não fazem
política é muito difundida, apesar de que um olhar criterioso sobre as escolhas dos mais altos
cargos das Forças Armadas estejam sob a decisão da Presidência da República. Além disso,
uma vez que outra, vemos alguns militares se manifestarem publicamente sobre seus
pensamentos políticos.13 De fato, as manifestações públicas de militares sobre política são
escassas, mas nada impede que dentro da caserna esses continuem a pensar e discutir sobre o
assunto. A partir disso, fica-nos evidente que os militares estiveram e estão na política.
Porém, nessa permanência, fica-nos também o questionamento sobre suas posições
ideológicas: sendo os militares constantemente enaltecedores do grau de união institucional
existente, em algum momento não poderia haver algum tipo de desunião, devido a possíveis
divergências políticos? Nossa hipótese é que existe uma considerável heterogeneidade política
na caserna, refletida principalmente no nosso caso, na atuação dos Grupos dos Onze da
Brigada Militar e do General Ladário Pereira Telles. Porém existem tantos outros que durante
a Ditadura Civil-Militar foram expurgados, perseguidos e/ou torturados por suas divergências.
Heterogeneidade política – divergências e convergências
A perspectiva da heterogeneidade advém do trabalho de João Roberto Martins Martins
Filho. (MARTINS FILHO, 1995) Nele, Martins Filho faz ressalvas e críticas a diversas
análises de autores que por muito tempo passaram a interpretar a Ditadura Civil-Militar no
Brasil a partir de “[...] teses elitistas burocráticas – cuja ênfase recai na homogeneidade [...]”.
Para Martins Filho, o problema desse tipo de análise é a valorização em demasia do aspecto
ideológico e discursivo dos militares, quando para ele deveria se valorizar as ações e as
práticas. Essa perspectiva do autor concentra uma forte crítica ao aspecto de certa passividade
dos militares em relação aos civis. Por exemplo: no autoritarismo burocrático14, a existência
de uma Ditadura Civil-Militar no Brasil ocorre muito por causa da burocratização do Estado,
onde tanto a elite civil quanto militar representariam os interesses articulados de um
desenvolvimento capitalista. Esse aspecto explicaria o aprofundamento da modernização no
Brasil após o Golpe de 1964, o que seria característico do burocratismo15. Ou seja, a aliança
13 A exemplo do que ocorreu com o então Comandante Militar do Sul, General Mourão, em 2016, que
após declarações polêmicas em que pedia um “despertar de luta patriótica”, foi exonerado de seu cargo para
assumir outra função em Brasília. Disponível em <http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,comandante-do-
exercito-demite-general-que-pediu-despertar-de-luta-patriotica,10000000900> 14 Aqui Martins Filho faz críticas ao argentino Guillermo O’Donnell. 15 Martins Filho aponta que o burocratismo é diferente de burocracia. Esse último se caracterizaria por
um elemento no Estado que administraria, já o primeiro o autor citando Nicos Poulantzas seria “um sistema
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entre civis e militares estaria muito mais relacionada a interesses capitalista de
desenvolvimento. Na perspectiva da teoria das elites16, a Ditadura instaurada no Brasil seria
resultado de “[...] uma aliança entre a burocracia civil (tecnocracia) e a burocracia militar
[...]”. (MARTINS FILHO, 2005, p. 21-22) Ao perceber a fuga ao elemento militar desse
regime, Martins Filho cita Fernando Henrique Cardoso que destaca “o fato decisivo da
militarização do Estado”. (CARDOSO apud MARTINS FILHO, 2005, pg 23)
De fato, a perspectiva de Martins Filho pretende mostrar o aspecto militar das
burocracias militares. Mas para isso, o autor faz referência e apontamentos à obra de Alfred
Stepan. (STEPAN, 1975) Esse último foi o construtor da hipótese do “padrão moderador”,
onde nessa lógica, a relação entre civis e militares, no Brasil, poderia ser explicada a partir da
constante tentativa de cooptação dos últimos pelos primeiros. Além disso, nessa ação de
interesse dos civis em controlar os militares, existiria o interesse de legitimar um papel
moderador das Forças Armadas, quando os conflitos entre as elites civis não se resolviam em
sua própria esfera. Stepan explica ainda que as elites civis vão variar conforme os períodos de
intervenção militar na história do Brasil, a saber, 1889 (instauração da República), 1922
(Movimento Tenentista), 1930 (Revolução de 1930), 1937 (Estado Novo), 1954 (Suicídio de
Getúlio Vargas), 1955 (Movimento Contra-Golpe a favor de Juscelino Kubitscheck e João
Goulart, respectivamente Presidente e Vice-Presidente recém-eleitos), 1961 (Tentativa de
impedir posse de João Goulart como Presidente) e 1964 (Golpe Civil-Militar de 1964), tendo
em vista que por elites se entende principalmente o governo que varia no decorrer do tempo e
consequentemente a elite interessada em depor ou manter dado governo.
A crítica de Martins Filho a Stepan recai sobre a possível passividade das Forças
Armadas nesses contextos, onde sempre dependeriam da atuação das elites civis. Além disso,
Martins Filho critica a suposta falta de ideologia militar intervencionista, que só se
manifestaria de fato no advento da Ditadura de 1964. Porém, o que queremos extrair das
análises de Martins Filho e Stepan são dois pontos para a sustentação de nossa hipótese de
que os Grupos dos Onze da Brigada Militar representam um aspecto da heterogeneidade
política na caserna e sua atuação significa uma ameaça à unidade política que um grupo de
militares queria manter.
Em primeiro lugar, em relação à heterogeneidade que Martins Filho procura
demonstrar em sua obra, essa se refere ao aspecto das constantes crises que intervém ao longo
específico de organização e de funcionamento interno do aparelho de Estado”. Ocorre que o burocratismo, na
perspectiva weberiana seria um elemento de caracterização do capitalismo e na perspectiva marxista seria um
elemento de caracterização do aparelho de Estado capitalista. 16 Aqui Martins Filho faz críticas ao brasileiro Cândido Mendes.
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da condução da Ditadura. Através de diversas fontes, o autor mostra como houve divergências
em relação à sucessão dos Generais no poder, bem como o encaminhamento de linhas
“moderadas” e “radicais” na caserna. Ou seja, Martins Filho tenta desconstruir a ideia que
após a instauração da Ditadura, os militares estiveram sempre homogêneos em suas decisões
políticas. Todavia, acreditamos que a ideia da não homogeneidade entre aqueles que
consolidaram o Golpe também possa ser aplicada entre aqueles que não concordaram com a
ruptura democrática. Novamente ressaltamos que esses últimos não serão aqui identificados
como legalistas, mas sim como militares que estiveram alinhados a outro projeto político
proposto, que no caso dos Onze da Brigada Militar, tangenciava o trabalhismo de Brizola.
Em segundo lugar, buscamos na obra de Stepan um elemento para fazer ressalvas. O
autor escreve que no “padrão moderador”, os militares são politicamente heterogêneos, porém
estão de muitas formas procurando certo nível de unidade institucional. (STEPAN, 1975, pg.
50-51) Essa característica da unidade institucional foi também apontada por Martins Filho,
mas não com ressalvas. (MARTINS FILHO, 1995, pg. 30-33) A ressalva que fazemos é
primeiramente indagando se de fato os militares estão preocupados com essa unidade
institucional ou com unidade política. Em nossa interpretação, de 1961 a 1964 estava
ocorrendo a consolidação na caserna de um pensamento político específico, muito
influenciado pelo contexto de bipolaridade do mundo, onde quaisquer traços de comunismo
ou socialismo indicariam a subversão da ordem. Assim, no caso dos Onze da Brigada Militar,
suas ligações com o PTB, Brizola e mesmo João Goulart, indicam essa incitação a desordem e
mais ainda quando resolvem não concordar com o Golpe se encaminhando.
A liderança do ex-deputado Leonel Brizola e sua constante pregação revolucionária
levou este Oficial [Coronel da Reserva Venâncio Baptista ] e os Coronéis Dirceu de
Assis Canabarro Trois, Octacílio Barbosa da Silva, Ten. Cel. Emílio João Pedro
Meme, Ten. Cel. Daisson Gomes da Silva, Cel. Mauro Pereira Caloy e o Cel, da
Res. Militão da Silva Netto a pregarem a subversão da ordem pública, representando
eles às eminências do movimento subversivo. Levou, também, Oficiais, como os
Coronéis Max Herbert Hancke, Wolmy das Missões Bocorny e os Tenentes
Coronéis Pedroso Marcelino Alves de Oliveira e Rivadavia da Cunha a acorrerem ao
QG do III Exército, pondo-se à disposição de uma mobilização ilegal, solidarizando-
se, dessa forma, com o movimento subversivo. Também foi essa liderança que levou
Oficiais, como os Majores Jacques da Rocha Motta, Idiomar de Oliveira Martins,
Capitães Fernando Farias da Rosa, Maildes Alves de Mello, Helion Teixeira de
Azevedo, Ary Vieira Lemos, Walter Ferraz Denz, Walter Ferreira da Silva, Ary
Guedes de Mello e os Primeiros Tenentes Antônio Maria Borraz de Abreu e Hélio
Luiz Bernau e assinaram uma mensagem social de Boas Festas ao deputado Leonel
Brizola, na qual se intitularam “Os Onze da Brigada Militar” e apresentaram ao
chefe da subversão uma solidariedade política incondicional, como os companheiros
de todas as horas. (PROCESSO BNM 284, pg. 12-13)
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Assim, caso existisse a preocupação com a unidade institucional, essa não seria de
forma alguma preservada, tendo em vista as constantes divergências políticas, tanto no pré-
Golpe quando no decorrer da Ditadura. Pensamos que a aliança entre civis e militares ocorreu
entre grupos específicos. Assim, o grupo que se aliou aos civis e agiram para a consolidação
do Golpe conseguiu se significar como representante da instituição, mediante os mecanismos
de perseguição e expurgos para com aqueles que não concordavam com tal momento. Esse
mesmo grupo também possuía posicionamento político econômico, haja vista os aspectos da
burocracia militar que nos referimos antes na perspectiva de Martins Filho.
Conclusão
A compreensão sobre o papel dos militares na Ditadura de 1964 no Brasil tende
muitas vezes a evidenciar os inúmeros casos de legitimação do Regime instaurado na opinião
e na ação de oficiais que conduziam o processo. Essa perspectiva poderia indicar certa
homogeneidade nos princípios políticos da caserna, os quais seriam caracterizados como
intervencionistas. Porém, numa análise mais detalhada sobre o período, percebemos
primeiramente que os militares não estiveram sozinhos nessa condução e logo depois
percebemos que muitos foram os militares que se opuseram. Além disso, muitos desses
militares que não concordaram com o Golpe de 1964, estiveram não só nessa posição por
considerarem o caráter ilegal, mas também porque possuíam filiação ao projeto político então
existente, a do Presidente João Goulart. Nessa perspectiva, já passamos a desconsiderar
qualquer resquício de apolitização dos militares, isto é, seu ideal de não intervenção na
política. Por muito tempo e até hoje esse ideal é reproduzido, com base em argumentos de que
as Forças Armadas atuam sempre em prol do Brasil e na garantia da lei e da ordem.
Dessa forma, nossa hipótese trabalhada nesse artigo se direciona para a avaliação de
que o Golpe de 1964 pode ser entendido como resultado de uma crise, sendo esta construída a
partir de uma efervescência de disputas. Para nossa análise, temos que considerar dois eixos
dessa crise, a primeira dos militares e a segunda dos civis.
Entre os militares era mais difícil a demonstração da existência de uma crise, tendo em
vista que por muito tempo as instituições das Forças Armadas, sempre deram a entender que
sua unidade era algo que estava em seu ethos. Porém, com a revelação de diversos
documentos e depoimentos que apontaram para os inúmeros casos de expurgos, perseguições,
torturas etc ocorrida com os militares, esse ethos foi desconstruído. Por muito tempo, as
Forças Armadas legitimaram os casos de perseguição a militares com base no princípio de
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Anais do III Encontro de Pesquisas Históricas - PPGH/PUCRS.
Porto Alegre, 2016. p.473-484. <www.ephispucrs.com.br>.
que esses teriam de alguma forma indicado atos subversivos, contra ordens de superiores,
contra os ideais da instituição. Para o caso dos Grupos dos Onze da Brigada Militar, fica-nos a
interpretação de escolha de alinhamento político, assim como outros militares a favor do
Golpe também mantinham outro alinhamento político. Esse alinhamento político, por sua vez,
indica que os militares a favor do Golpe queriam manter sua unidade política na prática, tendo
o princípio da unidade institucional apenas como teoria e não prática.
Referências
Livros
MARTINS FILHO, João Roberto. O Palácio e a Caserna – a dinâmica militar das crises
políticas na ditadura (1964-1969). EDUFSCar Ed.: São Carlos, 1995.
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Artenova Ed: Rio de Janeiro, 1975.
Revistas ou Periódicos
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Disponível em: <https://locus.ufjf.emnuvens.com.br/locus/article/viewFile/1688/1182>
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KLÖCKNER, Luciano. Segunda Cadeia da Legalidade – a resistência ao golpe de 1964 que
não passou para a história. Encontro Nacional de História da Mídia. 7. 2009. Fortaleza.
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Disponível em http://www.ufrgs.br/alcar/encontros-nacionais-1/encontros-nacionais/7o-
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Sites
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Acesso em: 25 JUN 2016.
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