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DANIELA DO NASCIMENTO CARDOSO
OS ENUNCIADOS CIBERNÉTICOS SEGUNDO A ÓTICA DA
GRAMÁTICA DE CASOS
CANOAS, 2007
DANIELA DO NASCIMENTO CARDOSO
OS ENUNCIADOS CIBERNÉTICOS SEGUNDO A ÓTICA DA
GRAMÁTICA DE CASOS
Esse trabalho de conclusão de curso é requisito parcial para a obtenção de título em Licenciatura em Letras, apresentada ao Centro Universitário La Salle, Departamento de Letras, sob orientação da profª. mestre Cristine Ferreira Costa.
CANOAS, 2007
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Agradecimentos
Agradeço primeiramente a Jeová Deus, porque Ele é quem tornou possível
chegar até aqui. Em segundo lugar, agradeço a minha mãe, Ermandina Machado do
Nascimento, por me dar a vida, e por estar sempre ao meu lado, apoiando-me nos
momentos mais difíceis de minha vida. Obrigada mãe, por ter acreditado em mim,
apesar das minhas próprias dúvidas e incertezas. Gostaria de agradecer também a
minha irmã e amiga, Gislaine Cardoso.
Agradeço também aos professores, os quais me ajudaram a trilhar esta fase de
minha vida, oferecendo-me conhecimento, apoio e amizade. Agradeço,
especialmente, ao professor doutor Apóstolo Theodoro Nicolacópulos, da
Universidade Federal de Santa Catarina, pela gentileza em retornar o contato
referente às questões enviadas, pertinentes às suas obras.
Agradeço à minha colega e amiga Deisiane de Oliveira Gomes, pelas palavras
de incentivo e pela ajuda nos momentos de aflição, além da companhia para boas
risadas.
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RESUMO
Este trabalho versa sobre os enunciados cibernéticos sob a ótica da gramática de casos. Utiliza-se como foco os diálogos produzidos nas salas de MSN ou Chat da Internet, enunciados estes analisados a partir da teoria de casos, subsumida pela semântica relacional. Este empreendimento efetiva-se como uma aplicação do modelo casual da UFSC, proposto por NICOLACÓPULOS (1992). Esta proposta possui sua diferença marcada pela dimensão pragmática discursiva. Esta pesquisa ancora-se em alguns teóricos lingüísticos para que se possa analisar os enunciados cibernéticos, verificando-se os efeitos de sentidos dos predicadores envolvidos no contexto de analise dos dados, os quais se configuram como motivações dessa pesquisa. É por meio da questão incitada de teoria e objeto que procedeu à analise de alguns enunciados num corpus de 16 enunciados instanciados como diálogos, no qual 16 predicadores foram submetidos á analise sobre a aplicação da Gramática de casos. Conclui-se que os investimentos metafóricos, que analisam a transposição de campo semântico, são bastante recorrentes, dadas à natureza dos diálogos em que estão em constante mutuação. Exigem-se outros recursos lingüísticos para análise que comportem os enunciados abordados pelos internautas em seu dia a dia. Esta pesquisa utiliza-se da Gramática de casos, a qual fornece o suporte necessário. Palavras-chave: Enunciados cibernéticos. Lingüística. Gramática de casos.
ABSTRACT
This work is about the cybernetic statements under the case grammar view. It uses the dialogues produced in MSN rooms or chats from Internet. These statements are analysed from the case grammar aspects, which is perceived by relational semanthic. This enterprise turns itself effective as a application of the UFSC casual paradigm, which was proposed by Nicolacópulos (1992). This propposal has its difference marked by the pragmatical discourse dimension. This research is based in some linguistic theorists to turns possible to analyse the cybernetic statements, verifying the meaning effects of the predicators that are envolved in the data’s analysis context, which is considered the motivation of this research. The analisys of some statements is about a corpus of 16 statements inserted in dialogues, which 16 predicators that were submitted to case grammar application analysis. This analysis is based on theory and object that preceeded it. It is possible to conclude that the metaphorical investments, which analysis the transposition of semantic area, are widely recurring, considering the dialogues’ nature that are constantly mutual. Other resources are required to the analysis that are based on statements used by the internet users in their day-by-day. This reasearch uses the case grammar as the needed support for that analysis. Key words: Cybernetic statements. Linguistic. Case grammar.
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................................6 2 A PRAGMÁTICA E OS ATOS DE FALA: BREVE HISTÓRICO .................................8
2.1 A noção de pragmática ...........................................................................................11 2.2 A noção de atos de fala ...........................................................................................13 2.3 A importância da metáfora nos atos de fala ......................................................14
3 TEORIA DOS ATOS DE FALA - PERFOMATIVOS E CONSTATA TIVOS.............16 4 ATOS DE FALA II ..............................................................................................................22 5 GRAMÁTICA DE CASOS ................................................................................................28 6 METODOLOGIA .................................................................................................................32
6.1 Processos de análise dos Atos de Fala ..............................................................32 6.2 As salas de bate-papo .............................................................................................35 6.3 As salas de Chat e MSN ..........................................................................................36 6.4 Os enunciados cibernéticos e a seleção desses e nunciados ......................37
7 O PROCESSO DE ANÁLISE DE ALGUNS VERBOS ................................................40 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................48 8 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................51 ANEXOS .................................................................................................................................52
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1 INTRODUÇÃO
Buscamos, de maneira geral, teorizar a função lingüística como campo de
estudo da linguagem humana. Com esta pesquisa, buscamos contribuir para os
estudos da língua portuguesa a partir dos Enunciados Cibernéticos, respeitando o
sujeito e a situação, o contexto social e cultural no qual está inserido.
Por meio de nossas pesquisas bibliográficas e de campo, procuraremos
compreender os enunciados cibernéticos em relação ao comportamento do falante e
do ouvinte em uma comunicação interpessoal; conceituaremos termos usados na
lingüística, fundamentais para o acontecimento da atividade comunicativa. Assim o
presente trabalho instaura-se como uma proposta a reflexão da linguagem a partir
da reflexão dos sentidos na língua em uso, focalizado no processo de interação e no
intuito de comunicar. Ou seja, pretendemos projetar o falante no que é dito,
permitindo-lhe adentrar nas possibilidades de significação suscitada pelo contexto
de uso. Esse é o desafio que proponho nesta investigação.
Para esta pesquisa de campo aqui proposta, as salas de CHAT ou MSN da
Internet constituem-se, então como dispositivos comunicacionais que selecionam os
elementos da comunicação entre si. Ao questionar qual modelo seria mais adequado
na execução desta pesquisa da gramática de casos que privilegiasse a língua em
uso, tivemos a idéia de trabalhar com o modelo pragmático-discursivo casual da
UFSC. Este modelo nos auxiliou neste empreendimento. Por meio do modelo casual
da UFSC, analisamos os enunciados e suas mudanças de sentido.
Também constituiu-se como hipóteses para esta pesquisa as seguintes
questões, os diálogos de MSN podem ser interpretados a partir de uma teoria de
casos? E qual modelo casual é adequado para interpretar os enunciados do MSN? e
estas questões serão tratadas no decorrer deste trabalho.
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Este estudo está organizado da seguinte maneira: no capitulo 1, apresentamos
a organização do nosso trabalho. O capitulo 2 traz um breve histórico sobre as
teorias que abordam a questões da enunciação. Nele trataremos das noções de
pragmática e dos atos de fala e da importância da metáfora. Pretendemos, com isso,
preparar o terreno para a compreensão desses estudos na área da lingüística. Nos
capítulos 3 e 4 apresentaremos a Teoria dos atos de fala. Para tanto, resenharemos
os trabalhos de Austin e Searle. Trataremos da Gramática de casos no capitulo 5. É
importante salientar que neste capitulo utilizaremos como ponto de partida para
nossa pesquisa de campo o modelo casual da UFSC ponto este central de nossa
pesquisa. O capitulo 6 se destinará a abordar a metodologia e a coleta de dados de
nossa pesquisa de campo. No capitulo 7, estaremos voltados à analise de alguns
verbos. Nosso trabalho encerra no capitulo 8 com considerações finais e referenciais
teóricos utilizados para a sua elaboração.
Outrossim, o que pretendemos neste trabalho é discutir, refletir e instigar o leitor,
discutir sobre a aplicação da língua e sua viabilidade e coerência dentro de um
contexto social e cultural e refletir sobre este processo de uso da língua, instigar a
busca pelo desconhecido.
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2 A PRAGMÁTICA E OS ATOS DE FALA: BREVE HISTÓRICO
O objetivo deste capítulo é apresentar, em linhas gerais, a primeira fase da
lingüística que se concentrará na consideração da Sintaxe e da Semântica da
Linguagem, preparando assim o terreno para a compreensão futura da radicalização
da reviravolta lingüística que ocorrerá com a Pragmática.
A lingüística estrutural – voltada para a gramática e desprovida de qualquer
visão científica e desinteressada da própria língua – se preocupava com as formas
corretas X formas incorretas, com a disciplina normativa, afastada da observação.
Foi a lingüística estrutural, desde Saussure, que se colocou explicitamente contra a
tradição anterior, que dava grande peso à história e à dimensão temporal. A
lingüística deste nosso século é marcada por uma forte dicotomização. O informal, o
prescritivo, o valorativo, o emotivo, o temporal e tudo aquilo que tem a ver com a
produção espaço-temporal de fragmentos de língua acaba relegado ao domínio
residual.
Bastou que a oposição língua-fala fosse postulada para que dela decorressem
todas as demais “teses” dessa teoria. As exclusões constitutivas do objeto “língua” (o
referente, a situação, o sujeito falante, etc.) instauram a possibilidade de uma
“semântica” propriamente lingüística, onde puderam aparecer, por exemplo,
questões levantadas por essa categoria de signos presentes em todas as línguas. O
termo “Pragmática” é utilizado por um conjunto de disciplinas tradicionalmente
delimitadas, como a Filosofia da Linguagem, a Lógica, a Psicologia, a Lingüística, a
Sociologia e a Semiótica.
A linguagem relacionada à Filosofia é considerada pela Antropologia como um
produto específico do ser humano. Oliveira, na obra Reviravolta Lingüística
Pragmática diz que:
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Antropologia vai considerar a linguagem como produto específico do ser humano e tematizar a corelação entre forma da linguagem e visão do mundo; a ética, questionada em relação a sua racionalidade, vai partir da distinção fundamental entre sentenças declarativas e normativas” (1996, p. 11).
Como exemplo de estudos da Filosofia da Linguagem, o corpus é um dos
diálogos de Platão: Crátilo. No qual temos a filosofia da linguagem e suas
expectativas, tratando, assim, de aspectos referentes à linguagem.
Nesse diálogo justifica-se a escolha de Crátilo, visto que aí está a linguagem
posta em questão. Platão examina a adequação do que se diz com a coisa dita, o
que, por si, é um marco fundamental para as reflexões sobre a linguagem.
Estabelecendo as bases do raciocínio moderno, os gregos forneceram também os
princípios fundamentais, segundo os quais a linguagem foi trabalhada até nossos
dias. Afinal, durante muitos séculos, os princípios aperfeiçoados pelos gregos
conduziram as teorias e as sistematizações lingüísticas na Europa.
Crátilo, texto que se apresenta em forma de um diálogo, é um dos textos
básicos da filosofia helênica sobre a linguagem e que traz grandes questões
lingüísticas e filosóficas. A filosofia grega se inicia precisamente com o
conhecimento de que a palavra é apenas nome e, por isso, não representa o
verdadeiro ser. A questão é a seguinte: qual é a relação entre a palavra e a coisa?
Crátilo – o filósofo – procura resolver esse problema, mas o diálogo não chega a
uma conclusão a respeito da diferença entre a linguagem e a realidade. Todavia
essa falta de solução no diálogo Crátilo não é uma deficiência. A ausência de uma
resposta explícita decorre das dificuldades naturais que o paradigma racional de
Platão encontra ao investigar a realidade empírica.
Hoje, uma das questões básicas é a da linguagem. Habermas1 poderia dar
igual testemunho. Aliás, nos últimos cinqüenta anos, diversas vertentes das ciências
têm versado sobre a linguagem: a fonologia e as teorias lingüísticas, os problemas
da comunicação e a cibernética, as matemáticas modernas e a informática, os
computadores e suas linguagens, os problemas de tradução das linguagens e a
busca de compatibilidade entre linguagens-máquina, os problemas de memorização
e os bancos de dados.
1 Jürgen Habermas (1930 - ) tem sido considerado a figura exponencial da filosofia européia da segunda metade do século XX. Sua mais notável contribuição é talvez a elaboração do que ele chamou de uma Pragmática universal – uma construção essencialmente ligada à teoria dos atos de fala.
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A pesquisa da linguagem é multi, inter e transdisciplinar: lingüística, semântica,
pragmática, semiótica, histórica, sociolingüística, psicológica, antropológica, etc. A
própria filosofia, que se manifesta nos estudos da linguagem em Crátilo, revela
múltiplos enfoques: lógico, histórico, lingüístico, ontológico, epistemológico, ético. Na
verdade, vivemos um momento de valorização temática da linguagem. Então do que
realmente tratam os estudos pragmáticos que pertencem à área da pragmática ou
assim estão denominados?. Podemos, então, tentar compreender alguns aspectos
referentes à pragmática, por compreender a sua história e sua constituição,
procurando, no mesmo tempo, evidenciar o que torna possíveis certos tipos de
estudos lingüísticos e a sua diversidade.
A preocupação da pragmática é a análise, de um certo modo, do uso concreto
da linguagem na prática lingüística, com vista em seus usuários e, de outro lado,
com o estudo das condições que governam esta prática, sendo a pragmática a
ciência do uso lingüístico. Ao contrário da lingüística Saussureana, que tem como
base a língua que seria objeto da lingüística é a linguagem menos fala, defendida
por Saussure com a idéia estruturalista de língua mais fala; por Jakobson, na
Lingüística e por Strauss, na Antropologia. Foi a partir de Kant2 que “os estudos
filosóficos passaram a serem entendidos como um conjunto de critérios para avaliar
a maneira pela qual a mente é capaz de construir representações” (MUSSALIM,
2001, p. 49), e passaram a defender que a representação á antes lingüística do que
mental.
Tendo a visão de que uma análise pragmática de um diálogo deve considerar
tanto aspectos da própria língua como aspectos relacionados aos usuários
(situações que ele vive), passou-se a se preocupar com os efeitos e funcionamentos
de atos de fala. Atos de fala é um conceito proposto pelo filósofo J. L. Austin3 com o
objetivo de debater a realidade de ação da fala, a relação entre o que se diz e o que
se fala.
Analisando os atos de fala de um usuário, voltamos à teoria de William James,
que elaborou a definição de verdade. Desde Platão a questão de verdadeiro ou falso
vem sendo constantemente levantada. Já em Crátilo, Platão tinha defendido verdade 2 Inmanuel Kant foi um filósofo alemão que viveu entre 1724 – 1804. Exerceu grande influência no pensamento ocidental, procurando caracterizar os limites, o alcance e o valor da razão. 3 John Langshaw Austin (1911 – 1960) foi um filósofo da linguagem britânica que desenvolveu uma grande parte da atual teoria dos atos de discurso. Austin elaborou um estudo em cima de conceitos sobre a verdade e a falsidade qualificando os atos de fala como sendo verdadeiros ou falsos dependentemente da descrição que é feita.
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como aquilo que está fora das pessoas, pois o que é verdadeiro estaria sempre em
conformidade com o mundo.
Levantamos aqui a questão de verdadeiro ou falso analisado os atos de fala
criados por Austin para teorizar e exemplificar a teoria a que nos dispomos a analisar
com este trabalho. Os atos de fala, analisando a linguagem como fonte de solução
para os problemas específicos, está voltada para a materialidade e historicidade das
palavras. Austin se ocupou de uma teoria que explicasse questões, explicações e
sentenças que expressam comandos, desejos e concepções. Com isso, criou a
teoria dos atos de fala, que tem como base uma atividade construída pelos
interlocutores, ou seja, impossível discutir linguagem sem o ato de estar falando em
si. A linguagem não é descrição, mas ação.
Para melhor entender a teoria dos atos de fala, abordarmos a questão dos
enunciados performativos e constatativos defendidos por Austin, patrono da teoria
dos atos de fala que, após sua morte, teve seus estudos continuados por John
Searle, um de seus alunos e adepto de sua teoria, que veio mais tarde aprofundá-la.
Com isso, teorizaremos e exemplificaremos os atos de fala a partir da pesquisa de
campo a realizar-se-á com estudos feitos por meio desta pesquisa, utilizando
diálogos extraídos de sites de bate-papo.
Porém, é de suma importância conhecer os fatores envolvidos nos estudos
lingüísticos (noção de pragmática e seu breve histórico) para favorecer uma futura
compreensão da Teoria dos Atos de Fala e, com isso, podermos realizar análises de
questões lingüísticas existentes em uma comunidade social.
2.1 A noção de pragmática
Por meio deste estudo, procuraremos entender um pouco da história da
pragmática e seu contexto universal, bem como a relação do falante diante dos fatos
ali apresentados. Com isso, a pragmática é a ciência que analisa, de um lado, o uso
concreto da linguagem, com vista em seus usuários na prática lingüística, e, de outro
lado, estuda as condições que permeiam esta prática. Sendo assim, a pragmática é
apontada como a ciência do uso lingüístico.
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Através da pragmática estudamos a relação entre a linguagem e o mundo
realizada por meio do caráter designativo da língua, pois as palavras são
significativas na mesma medida que designam objetos, os temas aqui explorados
pela pragmática se ocupam necessariamente com o usuário (falantes).
A pragmática se encarrega da análise do dito pelo não dito, ou seja, expõe a
dimensão da ética da linguagem, o funcionamento da realidade social e a relação
dos signos com a prática da linguagem para evidenciar o processo inovador da
conversação humana. Desenvolve um quadro de pesquisa sobre, para e com os
sujeitos sociais
um quadro metodológico que permita aos pesquisadores e pesquisadoras interagirem integralmente com seus informantes e suas informantes, discutir com elas e eles seus interesses e avaliar a repercussão de afirmações conclusivas do trabalho teórico (MUSSALIM & BENTES, 2000, p. 65).
Sendo impossível descrever e/ou prever todas as estruturas e combinações
existentes numa língua, a pragmática se preocupa com o papel da linguagem na
formação do sujeito, com a imprevisibilidade e a criatividade como propriedades
lingüísticas, como o signo mantém a sua unicidade, sendo o mesmo através de
repetições tão diferentes.
É definidor perguntar-se o que é identidade lingüística, e como ela se produz, tendo em vista que, ao contrário do que muitos/as lingüistas pensam, a linguagem não reflete o lugar social de quem fala, mas faz parte desse lugar social (MUSSALIM & BENTES, 2000, p. 66).
O uso da linguagem é a única forma de se pensar nos fenômenos lingüísticos,
pois a prática social da linguagem é indissociável de sus conseqüências éticas,
sociais, econômicas e culturais. Filosoficamente, podemos dizer que a Teoria dos
Atos de Fala não deixa de acompanhar e aprofundar todas as implicações teóricas
do fato de que as manifestações e os empregos da linguagem são dependentes e
resistentes às usuárias e aos usuários. Por meio da pragmática, o falante é o
reprodutor do processo da vida social que coordena essa ação.
Com isso, a pragmática é a disciplina lingüística que estuda o uso da linguagem
junto àquele que a usa e ao ser humano individual, social, histórico e cultural. Nossa
preocupação, com o desenvolvimento deste trabalho, está voltada para a interação
verbal, em que ouvintes/falantes realizam ações individuais, coordenadas entre si. É
esta prática social a primeira forma de interação a que estamos expostos; é a
conversação caracterizando todas as formas de interação verbal, que será exposta e
analisada no final deste trabalho. Como podemos observar no gráfico abaixo:
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Rebustiana é uma flor
Sujeito Verbo Não está no mesmo campo
semântico
2.2 A noção de atos de fala
Para Austin, um ato de fala qualquer é uma realidade complexa, ou seja, antes
de analisar uma ação lingüística precisamos analisar suas diferentes dimensões.
Isso seria a preocupação com o uso da linguagem compreensível por todos aqueles
que pertencem a uma comunidade lingüística.
Defendendo a Teoria dos atos de fala, J. Austin considera a linguagem humana
uma forma de atividade social. Para ele, falar a linguagem é falar da práxis simbólica
que direciona sociabilidade.
A Teoria dos atos de fala está voltada para a explicação de como expressões
lingüísticas provocam certos efeitos nos sentimentos, pensamentos e nas ações das
pessoas. Austin afirma que quando examinamos a linguagem e o uso de
determinadas expressões, não estamos meramente examinando palavras ou
sentenças e seus significados, mas a realidade sobre a qual falamos e na qual
agimos. Não podemos falar de linguagem sem levar em consideração a situação na
qual o sujeito está inserido.
A tese de Austin é fundamentalmente a de Wittgenstein4, ou seja, a linguagem é essencialmente uma ação social: linguagem e sociabilidade se imbricam mutuamente de tal modo que a linguagem forma o horizonte a partir de onde os indivíduos exprimem a realidade (OLIVEIRA, 1996, p. 165).
É a tese que defende a tematização da subjetividade anônima como fonte de
constituição de todo o sentido. É considerar a linguagem normal como aquela que
contém as diferenciações e as conexões que os homens de gerações anteriores
estipularam e que hoje constituem nosso vocabulário comum.
Ora, para Austin o sentido se constitui num contexto situacional, em que faz sentido determinadas expressões ou não. Quer dizer: investigar a
4 Defendeu a filosofia da linguagem ordinária que vai tratar da teoria semântica, que mais tarde Austin vai aprofundá-la por meio da teoria dos atos de fala.
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linguagem significa tematizar o contexto de sociabilidade, ou seja, o contexto sociocultural, onde ela se insere. [...] O sentido ao mais se constitui na interioridade de uma consciência transcendental, mas num contexto de regras e convenções de um contexto social determinado. [...] Portanto, sua linguagem só se compreende a partir da organização institucional da forma da sociabilidade na qual ele está situado, que é a raiz de seu comportamento no mundo (Idem, ibidem, p. 166).
Segundo Searle5, quando descrevo a linguagem, o que faço é tematizar
aspectos de meu próprio domínio de uma capacidade dirigida por regras.
[...] todo falante tem um conhecimento intuitivo das regras de seu falar, e o analista da linguagem apenas explicita essas regras, que já foram internalizadas pelo próprio processo de aprendizagem da língua (Idem, ibidem, p. 166).
Aí é que entra a filosofia da linguagem, pressuposto no qual firmamos o
alicerce para seguir nossos estudos. A filosofia da linguagem tenta compreender a
linguagem a partir do contexto sócio-histórico, que gera os pressupostos
possibilitadores dos atos de fala. Na obra Filosofía del lenguaje II: Pragmática, de
Michel Le Guern,
[...] lo cuestionable es que la reflexión filosófica sobre el lenguaje se centre exclusivamente en las enunciaciones que “describen” algún estado de cosas o “enuncian” algún hecho con verdad o falsedad; [...] tendencia a visualizar la doctrina de los actos de habla como una investigación psicológica o sociológica acerca del lenguaje (1999, p. 56).
2.3 A importância da metáfora nos atos de fala
A metáfora é o “emprego de palavras fora do seu sentido normal, por analogia.
É um tipo de comparação implícita, sem termo comparativo”.6 Para Aristóteles, a
metáfora liga-se à palavra e não ao discurso, o que evidencia uma visão
reducionista, pois ela se constrói em torno do componente lexical, mas os efeitos de
sentido constituem-se no âmbito do discurso, ou seja, a metáfora é intrínseca ao
contexto, e não um fenômeno pontual, i. e, de cunho lexical, de forma a adquirir
status interpretativo.
Eduardo Guadaño, colaborador da obra Filosofía del linguaje II: Pragmática,
traz a base fundamental para a compreensão de metáfora:
5 Aluno de Austin, John Searle propagou as teorias de seu professor pela América do Norte. Searle, com sua obra Speech Acts Theory (1969), leva ao conhecimento americano as filosofias austinianas e propaga ainda mais o nome desse grande estudioso da linguagem pelo mundo. 6 Disponível em: www.graudez.com.br/literatura
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La idea fundamental, en la que se basa la autonomía de las disciplinas semántica y pragmática, es que existe una separación entre lo que es el significado lingüístico, en cuanto determinado por el sistema de la lengua, y el significado comunicativo, en cuanto determinado por el contexto en que se hace utilización de ese sistema y por las reglas que permiten coordinar las acciones lingüísticas en el seno de la sociedad. El primero queda determinado por las reglas de la gramática y la semántica, y constituye un nucleo relativamente fijo de convenciones lingüísticas. El segundo, en cambio, está limitado de una forma menos rigurosa por un conjunto de principios que regulan la interación comunicativa racional (1999, p. 106).
A metáfora exerce um papel fundamental, pois ela é agente dos interlocutores.
É o comum a uma comunidade, como algo que se institucionalizou com o uso em
determinada formação discursiva. Para Michel Le Guern, em sua obra La metáfora y
la metonímia, a metáfora “[...] se trata de la sustituición del término propio por una
palabra diferente, sin que ello la interpretación del texto resulte netamente distinta
[...]”. (1973, p. 26)
Vimos que a metáfora é um instrumento psicológico central mediante o qual se
amplia e estrutura nosso conhecimento do mundo. A metáfora pode ser cognitiva –
fenômeno mental básico nos processos cognitivos, como a conceituação ou a
representação –, ou lingüística – fenômeno léxico, oracional ou textual.
La comprensión de la metáfora requiere, pues, otros mecanismos – como la comprensión de las intenciones de quien la utiliza –. La apelación a la comprensión de las intenciones del hablante como elemento necesario en la comprensión de la metáfora caracteriza a las explicaciones de índole pragmática [...] (p. 101).
La noción central que examina la pragmática es la de significación del hablante, el significado que el hablante confiere a sus expresiones lingüísticas concretas en circunstancias articulares de uso (GUERN, 1999, p. 106).
Na página 107 da citada obra, Guadaño faz uso de uma passagem de John
Searle, encontrada na obra Metaphor (1979), e aqui a trazemos para instigar ainda
mais nosso interesse pelas pesquisas sobre os atos de fala e continuar, no decorrer
dos outros capítulos, tratando a respeito de semântica, pragmática e metáfora,
termos muito utilizados ao longo deste trabalho.
Para distinguir brevemente lo que un hablante significa al proferir palabras, oraciones y expresiones, por un parte, y lo que las palabras, oraciones y expresiones significan, por otra, denominaré a lo primero el significado proferencial del hablante y a lo segundo el significado oracional o léxico. El significado metafórico siempre es significado proferencial del hablante (Searle, 1979, p. 77).
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3 TEORIA DOS ATOS DE FALA - PERFOMATIVOS E CONSTATA TIVOS
A diversidade de nossas opiniões não se origina do fato de que alguns são mais racionais que outros, mas somente pelo fato de dirigirmos nossos pensamentos por caminhos diferentes e não consideramos as mesmas coisas (DESCARTES7, p. 13).
Tendo em vista o filósofo e físico francês Descartes, sobre a diversidade de
nossas opiniões e como interagimos com o meio (contexto), precisamos estudar os
atos de fala, e para tal análise, é indispensável conhecer sua origem, pois essa
teoria já vem sendo exposta desde o princípio da criação humana. Deus, ao criar o
mundo, denomina as coisas, e com a expulsão do homem do paraíso terrestre este
é inserido na história, pois é dentro destas visões e concepções da linguagem que
abordaremos as pesquisas de Austin que constituem um verdadeiro marco dos
estudos lingüísticos, inaugurando, assim, uma nova era para a filosofia da
linguagem, era esta que teve sua continuidade com o filósofo John Searle.
A Teoria dos atos de fala apareceu no cenário mundial nos anos sessenta e
tem sido posteriormente adaptada pela pragmática. Filósofos da Escola Analítica em
Oxford, com o pioneiro John Austin (1911-1960), seguido mais tarde por John Searle
a outros, entendiam a linguagem como forma de ação na qual passaram a
desenvolver os Atos de fala. Com base nesses estudos, abordaremos,
primeiramente, a Teoria dos atos de fala segundo Austin e, posteriormente, segundo
Searle.
Até então, os filósofos e lingüistas pensaram que as afirmações serviam
apenas para descrever um estado de coisas, sendo assim verdadeiro ou falso.
Porém, Austin põe à discussão essa visão descritiva da língua, mostrando que
7 Filósofo, físico e matemático. Além das obras que escreveu, fez diversas descobertas científicas.
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certas afirmações servem para realizar ações, tratando, com isso, do critério de
sentido do uso. O que significa dizer ser o uso que determina o sentido das
palavras? Com essa nova visão que se faz necessário o estudo dos enunciados
constatativos e performativos.
Para Austin se faz necessário o estudo de enunciados8. Com isso, Austin faz
uma distinção importante, a qual ele chama de “enunciados constatativos” e não
“descritivos”, pois a descrição é apenas uma das funções deste.
Por meio dos estudos de Austin teve-se a idéia de sentença9, pois para os
filósofos o papel de uma declaração era somente o de descrever coisas ou declarar
fatos, e este deveria ser feito de um modo verdadeiro ou falso, conforme as partes
envolvidas no ato. Porém, os gramáticos indicaram um novo caminho, o qual diz que
nem todas as sentenças são usadas para fazer declarações, havendo, com isso,
além das declarações dos gramáticos, perguntas, exclamações e sentenças que
expressam ordens, desejos ou concessões.
Os filósofos, sem dúvida, não pretendem negar tal fato. Contudo, sabemos que
tanto para filósofos como para os gramáticos não é fácil distinguir uma pergunta ou
uma ordem de uma declaração, usando alguns critérios gramaticais disponíveis
como a ordem de palavras. Até mesmo os estudiosos percebem que não é fácil
determinar a ordem de palavras na sentença.
Pseudodeclarações mostraram, em um primeiro momento, o que o filósofo
Kant sustentou, de maneira sistemática, que eram sem sentidos, apesar de sua
forma claramente gramatical. Nem todas as declarações verdadeiras ou falsas são
descrições. Pois por essa razão Austin utiliza o termo “constatativas” para a análise
de enunciados.
Observe as sentenças que seguem:
a) Batizo este navio com o nome de Rebustiana (quando profiro ao quebrar uma
garrafa contra o casco de um navio).
b) Aposto cem reais como Raimundo vai passar na prova de literatura do
professor Cícero (não executam o ato, mas fazem parte da ação).
8 Termo utilizado para fazer referência a uma extensão da fala. Não há suposições em termos de teoria lingüística. É a leitura física de uma sentença, ou seja, é a ocorrência de uma sentença. 9 Sentença é a maior unidade estrutural em termos da qual está organizada a gramática de uma língua. Várias definições a partir da influência do lingüista Leonardo Bloomfield, que assinalou a autonomia estrutural, ou independência, da noção de sentença.
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Proferir uma dessas sentenças não seria descrever o ato e nem praticar ao
dizer, mas é fazê-lo. Com isso, não sendo nenhum dos proferimentos aqui citados
verdadeiro ou falso, tendo como similaridade para tal expressão a sentença “poxa!”.
Para sentenças desta natureza damos o nome de “proferimento performativos”
ou “sentença performativa”, ou de maneira abreviada “performativo10”, o qual
trataremos no decorrer deste trabalho. As sentenças aqui estudadas não nos dão
condições de perguntar a respeito de sua veracidade, mas sim as condições que
permeiam a ação em questão, que se realiza ou não na circunstância na qual se diz
o ato.
Tendo em vista o estudo realizado até o momento, cabe nos perguntar, então,
se podemos fazer afirmações tais como:
“Casar seria dizer algumas palavras”, ou “apostar é simplesmente dizer algo”?
Primeira observação seria a seguinte: é possível realizar um ato como o
relatado anteriormente sem proferir uma única palavra, levando em consideração
determinadas circunstâncias tais como casamento por coabitação11, ou apostar em
uma máquina, na qual apenas inserimos uma moeda de um determinado valor já
estipulado no equipamento.
Tais observações, em um primeiro momento, parecem ser perigosas pelo fato
de que “o proferimento de certas palavras é uma das ocorrências, senão a principal
ocorrência, na realização de um ato, cuja realização é também o alvo do
proferimento” (AUSTIN, 1990, p. 26). Porém, para isso se faz necessário que as
circunstâncias que as palavras foram proferidas sejam de algum modo apropriadas.
Como, por exemplo, no caso do casamento é necessário que os fatores
apresentados obtenham a legitimidade para tal ato. Contudo, é necessário que as
partes também obtenham a legitimidade12 (ligado diretamente ao proferimento).
Também cabe analisar as palavras que determinados proferimentos executam
como, por exemplo, “prometo”. É bem verdade que tais palavras devem ser levadas
em consideração, porém isso parece ser um pouco vago. Contudo, o proferimento
exteriorizado pode ser verdadeiro ou falso dependendo da ocorrência de um ato
10 O termo “performativo” aqui considerado é preferível por ser o mais próximo em português ao termo “realizativo”. 11 Que explicação teríamos para o casamento de um presidiário, por exemplo? Casamento por coabitação é a necessidade de convivência recíproca entre marido e mulher, consubstanciando no dever de viverem juntos, no mesmo lar. 12 O juiz de paz está legalmente autorizado para a realização de cerimônias de casamento conforme os poderes que a lei lhe atribue, assim dando a legitimidade ao proferimento.
19
interno. A expressão clássica dessa idéia encontra-se em Hipólito, no qual diz
“minha língua jurou, mas meu coração não o faz”13. Com essa declaração mostra o
ato interior e espiritual envolvendo o proferimento. Porém, com isso, não queremos
dizer que o proferimento “prometer” é falso, pois pode se ter a intenção de cumpri-lo,
pois a idéia de dizermos algo, pelo menos nos casos dignos para tal, é sempre
realizar algo.
Importante relatar que para Austin os atos constatativos podem ser verdadeiros
ou falsos, conforme as correspondências. Já os atos performativos, por sua vez,
podem ser felizes ou infelizes, na medida em que as condições para sua realização
são cumpridas ou não. Para Austin14 a linguagem humana está situada no seu
processo comunicativo. Sendo assim, os atos que executamos por meio dos
enunciados performativos executam ações convencionais, ou seja, são executados
na medida em que realizamos ações pré-estabelecidas.
Austin chega à conclusão que não há critério absoluto e nem possível, pois, em
muitos casos, pode-se usar os procedimentos como constatativos e, às vezes, como
performativos. Permanece, portanto, a pergunta: que significa dizer que dizer algo é
fazer algo? Pois a linguagem é um tipo de ação humana. Porém é por meio de
experiências fracassadas entre procedimentos constatativos e performativos que se
busca compreender a ação lingüística.
Para tal consideração da teoria dos atos de fala se faz necessário a pergunta: o
que é um ato de fala? Um ato de fala contém muitas dimensões como, por exemplo,
quando alguém diz: “este leão é perigoso”, primeiramente executamos um ato de
fala. Ele faz certo ruído que são foneticamente pesquisáveis, pronuncia uma frase a
princípio compreensível por todos os falantes daquela comunidade lingüística e, com
isso, se faz uma afirmação a determinado animal. Austin determina como “ato
locucionário”15 à totalidade da ação lingüística em todas as suas dimensões. Cada
procedimento lingüístico é, pois, um tipo de ação humana, isto é, um “ato
locucionário”.
13 Hipólito, tragédia grega clássica de autoria de Eurípedes. 14 Para Austin, um ato de fala qualquer, mesmo o mais simples, considera-se uma realidade complexa, pois contém muitas dimensões. Para ele, um ato de fala é convencional e, portanto, só determinável em seu sentido a partir da intenção social que o gerou. Segundo Austin, devemos considerar toda situação na qual está inserida a expressão lingüística. 15 Termo utilizado na teoria dos atos de fala por Austin para designar o ato de produção de um enunciado. Searle rejeita, no entanto, esta classificação, distinguindo ato de enunciação de ato proposicional, por considerar que enunciação de palavras não veicula necessariamente uma proposição.
20
Precisamos entender os seguintes atos para que possamos analisar os
demais, pois temos aqui ato fático, que consiste na execução de certos sons
vocábulos, isto é, ruídos. O ato rético é o mais importante, pois consiste em usar
palavras para falar sobre algo ou dizer algo. Considerando o próprio ato locucionário
Austin vai descobrir um outro ato de fala que ele denomina como “ato
ilocucionário”16. No ato de dizer algo também executamos algo, pois o ato
ilocucionário é a expressão de determinada função. Portanto, ato ilocucionário é
aquele em que na medida em que dizemos algo executamos algo, pois o ato
ilocucionário acompanha o ato locucionário.
Executando tais atos podemos executar outra ação, na qual Austin denomina
como “ato perlocucionário”. Tal ato tem a intenção de agir diretamente no
pensamento e sentimentos das pessoas, pois quando falamos que o leão é perigoso
podemos ter a intenção de convencer nossos ouvintes de que não devem
aproximar-se do leão, assim não obtendo o contato (com tal ato obtemos a influência
necessária que é de convencer, levar a uma decisão).
Usando a mesma sentença executamos os três atos “locucionário, ilocucionário
e perlocucionário”, pois Rebustiana diz a senteça: “o leão é perigoso” é um ato
locucionário, que, por meio dessa expressão, Rebustiana faz uma advertência, isso
é, um ato ilocucionário, e, por meio dessa expressão, ainda conseguimos afastar
alguém do leão. Com isso, temos o terceiro ato, o perlocucionário, que trata de
aspectos e dimensões do mesmo ato de fala.
No gráfico a seguir podemos entender os atos de fala:
ATOS DE FALA
Ato ilocucionário ato perlocucionário
Ameaçar convencer
O indivíduo dotado de capacidades da fala e de atitudes só se entende a partir
de um processo social que emerge como condição de possibilidade de suas ações
simbólicas. Portanto, sua linguagem só se compreende a partir da organização
16 Um dos quatro tipos de atos que, segundo Searle, são realizados num ato de fala. É a ação realizada por locutor com um enunciado: prometer, ameaçar, convidar, etc. O conceito foi introduzido por Austin, mas é Searle que se deve a atual classificação destes atos em seis categorias: assertivos, compromissos, diretivos, expressivos, declarativos e declarativos assertivos.
21
institucional da forma de sociabilidade na qual ele está situado, que é a raiz de seu
comportamento no mundo.
[...] todo falante tem um conhecimento intuitivo das regras de seu falar, e o analista da linguagem apenas explicita essas regras, que já foram internalizadas pelopróprio processo de aprendizagem da língua. Como vai dizer posteriormente Searle, quando descrevo a linguagem, o que faço é tematizar aspectos de meu próprio domínio de uma capacidade dirigida por regras.[...] (OLIVEIRA, 1996, p. 166).
“[...] A linguagem é um meio heurístico indispensável para nosso conhecimento
da realidade: por essa razão é necessário rigor e também muito empenho para
melhorar esse instrumento.” (p. 168)
Com isso, percebemos a importância da necessidade de rigor e empenho para
melhorar a linguagem, já que esse instrumento é um meio heurístico indispensável
para nosso conhecimento. Por isso que John Searle vai dar continuidade aos
estudos de Austin, considerando a teoria dos atos de fala como uma seção da
ciência da linguagem, a qual será abordada no capítulo quatro, pois a teoria dos atos
de fala só pode ser considerada se for capaz de estabelecer, com suficiente clareza,
seu “status teórico” próprio. Primeiramente, devemos considerar que o campo de
trabalho é o método a seguir, no qual estabelecemos o objetivo da filosofia da
linguagem, a importância entre as palavras e o mundo.
A filosofia não produz um conhecimento sobre particularidade, mas antes se
situa a priori no espaço interno devagueia entre as teias da existência pré-humana,
concebendo ao ser humano o ato de pensar enquanto ser.
22
4 ATOS DE FALA II
Para Searle, o estudo dos atos de fala é o estudo do uso da linguagem, e
essencial para a lingüística e para o filósofo da linguagem. Para melhor
compreendermos o que é a linguagem e como ela funciona, precisamos analisar a
unidade fundamental do significado e o que o falante quer dizer ao produzir um
enunciado. Nesta unidade fundamental estão os enunciados significativos que são
os atos de fala, já mencionados no capítulo dedicado a Austin, quem teve sua teoria
aprofundada pelo filósofo John Searle.
Foi Searle quem fez a distinção entre filosofia da linguagem e filosofia
lingüística. A filosofia lingüística trata de solucionar determinados problemas
filosóficos atendendo o uso ordinário de palavras, enquanto a filosofia da linguagem
pretende esclarecer características relacionadas a determinadas características
universais da linguagem, como, por exemplo, referência, verdade, significação, etc.
Searle situa seu trabalho nesta nova perspectiva. Os dados da filosofia da
linguagem provêm da linguagem natural, mas na medida que seu raciocínio está
correto devem valer para toda e qualquer linguagem. Segundo Searle, “a expressão
– filosofia lingüística – designa um método, enquanto filosofia da linguagem
caracteriza um objeto específico” (Oliveira, p. 178).
Em seu trabalho, Searle destaca duas grandes classes de observação. A
primeira classe dá o nome de “caracterização lingüística”, que são as constatações
de elemento lingüístico como, por exemplo, certas afirmações, tais como: tal ou qual
expressão é usada para indicar algo. Trata-se de fatos lingüísticos já existentes. A
segunda classe de afirmação é o que Searle vai denominar como “explicações
lingüísticas”, ou seja, a tentativa de articulação das regras que irá fundamentar os
fatores lingüísticos. Searle parte do princípio que qualquer falante conhece as regras
23
gramaticais de sua língua, mesmo que seu uso esteja em condições de estabelecer
critério para seu uso.
Para o filósofo, em sua tese básica, prender uma língua e dominá-la significa
aprender e dominar as regras desse tipo de comportamento (pensamento). Então,
quando alguém tenta articular as regras de sua língua, em última análise está
descrevendo aspectos de seu domínio de uma competência lingüística adquirida.
Para ele, tudo que se pode pensar pode-se dizer. Esse princípio é considerado por
ele verdadeiro.
As próprias manifestações lingüísticas são uma impressão do domínio que todo
falante tem de suas regras lingüísticas pela qual ele interage com o meio. Porém,
como estabelecer regras lingüísticas e articular estas regras que implicam esses
fatos?
De acordo com Searle, o falante de uma determinada língua tem o domínio de
um sistema de regras subjacentes ao uso dos elementos em questão. Todo e
qualquer falante que domina uma língua tem um saber implícito, inconsciente do
sistema de regras. Por meio do conhecimento desta língua é que podemos analisar
os fatores envolvidos na caracterização lingüística. Searle não considera o uso da
língua em situações específicas, mas antes constrói o uso ideal. Para ele, falar uma
língua significa realizar alguns atos de fala de tal modo que se possa dizer que são
os atos de fala as unidades fundamentais da comunicação lingüística, pois a teoria
da linguagem se manifesta como parte de uma teoria da ação humana. Searle
considera os atos de fala isoladamente e não como unidade inserida em um
processo complexo de interações.
Segundo ele, não se deve separar a semântica da pragmática, pois se opõem
à significação da frase e à exceção dos atos de fala. Para tal análise, vamos
considerar certas situações de fala como, por exemplo:
• Rebustiana bebe costumeiramente?
• Rebustiana bebe costumeiramente.
• Rebustiana bebe muito costumeiramente.
• Oh, Rebustiana, bebesse muito costumeiramente!
Por meio desses enunciados, temos o quadro que segue, o qual Searle
considera importante esta relação dentro do enunciado.
24
Sintaxe Semântica Pragmática
Sentença Proposição Enunciado
Formato Conteúdo Uso
Condições de verdade Condições de adequação
Em primeiro lugar, devemos considerar que estamos diante de uma expressão
da língua portuguesa. Ao expressar essas frases os usuários dizem alguma coisa
com elas. Sendo assim, no primeiro caso ele faz uma afirmação. No segundo,
levanta uma pergunta, e no terceiro dá uma ordem. No quarto exprime um desejo,
pois em cada uma delas o locutor se refere ao mesmo objeto, “Rebustiana”, e
predica sobre ele. Em todas as situações temos a mesma referência e predicação,
porém ao exprimir uma dessas considerações executamos três atos diferentes, os
quais Searle denomina como:
1. Expressar palavras
2. Referência e predicação
3. Afirmar, perguntar, ordenar, etc.
Nesses diferentes atos de fala temos três diferentes ações:
1. Execução de atos de expressão (atos de enunciação)
2. Atos proposicionais (referir e predicar)
3. Atos ilocucionários (afirmar, perguntar, ordenar, etc.)
Sendo assim, temos três momentos realizados nos atos de fala.
O próprio Searle é consciente do caráter formal de sua pesquisa e para exprimir isso, ele usa o modo de falar do estruturalismo. Assim, por exemplo, ele afirma logo a princípio que não se interessa por línguas singulares e, mais adiante, afirma que uma pesquisa adequada dos atos de fala de uma pesquisa sobre a ‘língua’ [...] (OLIVEIRA, 1996, p. 176).
Os atos ilocucionários e proposicionais têm como características o fato de que
palavras são proferidas em determinados contextos sob determinadas condições e
com intenções determinadas. Fazendo uma relação com Austin, o qual diz que o ato
perlocucionário é determinado pelos efeitos causados no ouvinte, enquanto atos
proposicionais e ilocucionários são intimamente ligados a determinados tipos de
expressão e de forma gramatical. Sendo assim, os atos proposicionais não existem
25
sem atos ilocucionários, pois a referência e a predicação só são possíveis como
partes integrantes de um ato ilocucionário. Para tal análise Searle passa a fazer
algumas distinções entre referência e predicação.
Para Searle a referência17 trata, em primeiro lugar, em identificar as expressões
indicativas como, por exemplo: Tu, Rebustiana fumante, etc. Nessa expressão,
estamos identificando nosso objeto. A proposição é um reconhecimento de verdade.
A expressão de uma proposição é exatamente um ato proposicional. Essas
expressões referem-se a individuais e não universais. Segundo Searle, a linguagem
é um comportamento regrado, no qual podemos distinguir dois tipos de regras, as
quais são regulativas e constitutivas. As regras regulativas são regras de
comportamento que existem independentemente delas. Já as constitutivas são
aquelas que penetram na própria constituição desses comportamentos (como
exemplo as regras de futebol: sem elas não há jogo que não é caso das regras de
boa educação).
Nas regras regulativas, sua existência não depende delas, enquanto nas
constitutivas dizem a respeito delas, pois as regras dependem delas. Por este motivo
classificamos as regras regulativas como forma de imperativo, enquanto as
constitutivas são Tautológicas.
Segundo Searle, reconhecer a existência dessas regras é de vital importância,
pois é por meio delas que o comportamento pode ser descrito como é no caso das
regras regulativas, pois já com as regras constitutivas o comportamento não pode
ser descrito, pois tais regras estão ligadas aos atos ilocucionários, pois o maior
exemplo de regra se dá com a estrutura semântica de uma língua, a qual temos a
realização de uma série de regras constitutivas que se fundamentam em
convenções. Os atos de fala se caracterizam por se realizarem de acordo com essas
regras, pois todo falante de uma determinada língua precisa internalizar um sistema
de regras, no qual possibilitará ao usuário sua comunicação, mesmo que nem
sempre o usuário da língua seja capaz de exprimi-las e, até mesmo, não tendo
consciência delas.
Outro fator importante para Searle é a significação e o enunciado com a
intenção de produzir certo efeito no ouvinte. Para ele, a significação está ligada ao
ato. Assim:
17 Referência é uma realidade. A linguagem é aquilo que, em si mesmo, se estuda fora do enunciado, mas que mantém como linguagem. Ex.: A lua é bonita – referência está fora do texto (da linguagem).
26
Significado idéia que o significante te dará
Significante físico e o conjunto de sons
Mesa Significante
Signo
Significação
Toda vez que alguém exprime um enunciado consiste em querer dizer alguma
coisa, e a compreensão é um ato correlativo a esse querer dizer.
É importantíssimo tratar neste trabalho da referência como ato de fala.
Qualquer ato lingüístico é uma realidade complexa que implicará em três momentos
ou em três atos, os quais são: atos de expressão, atos proposicionais e atos
ilocucionários.
Qualquer ato lingüístico é uma realidade complexa que implicará em três
momentos ou em três atos, os quais são: atos de expressão, atos proposicionais e
atos ilocucionários. Estas três partes distintas se ligam no mesmo ato de fala. Após
Searle examinar a estruturas dos atos ilocucionários, examina a estrutura dos atos
proposicionais, isto é, o de referência. Porém, aqui trataremos da referência singular
que irá, mais tarde, abrir espaço aos outros tipos de referência. Com a referência
singular iremos nos deparar com expressões indicativas já abordadas anteriormente.
Os exemplos mais claros dessa expressão são os nomes próprios.
Desde Platão, o qual tratou do caso da referência existem dois axiomas ligados
à referência, os quais são: axioma da existência: tudo que for indicado deve existir e
o axioma da identidade: se um predicado aplica a um objeto, então se aplica a tudo
o que é idêntico.
Conforme Searle, ambos os axiomas não passam de vícios de linguagem, pois
a referência consiste no fato de o locutor conhecer os fatos que dizem respeito
somente ao objeto em questão, na qual vai se realizar o ato de referência na medida
em que o locutor mostra estes fatos.
Voltados à Predicação, tratamos gora dos atos proposicionais. O ato
proposicional é o próprio ato de predicação. Searle aborda esta questão trazendo ao
debate a teoria de Frege sobre a Teoria dos predicados. Para Searle, Frege
relaciona o predicado no mesmo campo de estudo do sujeito, porém vai mostrar que
a teoria de Frege é insuficiente.
27
Segundo Searle, a função do predicado no enunciado é que tanto o sujeito
como o predicado identificam entidades não lingüísticas ou termos, pois eles são
ligados entre si por meio de uma associação não relacional, na qual Searle
denomina que o predicado não é uma expressão indicativa, mas antes atributiva, e é
a partir desta concepção que trataremos da questão dos universais e a discussão
com o nominalismo. Para que isso ocorra precisamos entender melhor o que
significa os universais e o nominalismo e como se dá no enunciado. Por exemplo,
quando digo: Raimundo é calvo. Isso significa reconhecer algo que Raimundo é e
daí concluir que existe uma qualidade: a calvície. O universal “calvície” existe, pois a
mesma conseqüência poderia ser retirada do enunciado. Raimundo não é calvo.
Portanto, se conclui que a existência do universal correspondente é plena de sentido
e a partir destas tautologias pode-se concluir a existência de um universal. Portanto,
as afirmações de certos predicados existem, mas não exigem de nós mais do que
aceitação de que determinados predicados têm sentido.
A relação existente entre predicados e universais está na questão da
derivação, ou seja, os universais são derivados das expressões predicativas e, com
isso, muitos problemas filosóficos desaparecem. Além disso, para Searle somente
os universais podem ser predicados.
A predicação não é um ato lingüístico independente, da referência e dos
diversos atos ilocucionários. Assim, a referência é sempre independente da força
ilocucionária. Portanto, será o indicador do ato ilocucionário que determinará a forma
em que o predicado se refere ao sujeito. Então, a predicação é um momento do ato
ilocucionário, e a referência é uma abstração. O conceito de predicação pretende
exprimir exatamente o conteúdo proposicional de um ato ilocucionário. Por esse
motivo que a determinação das regras da predicação não pode ser algo
independente das determinações das regras do ato ilocucionário, mas antes um
exame do próprio ato ilocucionário.
Então, a distinção entre sujeito e predicado da frase é de ordem funcional, pois
o sujeito serve para identificação do objeto o predicado, de acordo com o ato
ilocucionário para descrever ou caracterizar o objeto identificado.
Foi por meio das considerações do filósofo John Searle que se fez da Teoria
dos Atos de Fala um instrumento indispensável para a análise da linguagem, que
abre um horizonte muito importante para um novo paradigma da filosofia que vai se
cristalizar com outros pesquisadores da linguagem.
28
5 GRAMÁTICA DE CASOS
O presente trabalho instaura-se no domínio da Semântica Relacional, como
proposta à perspectiva dos enunciados cibernéticos por meio da Teoria dos atos de
fala, com vista a interpretá-los a partir da noção de enunciados. Como essa pesquisa
necessita de um suporte discursivo e pragmático, devido à natureza do corpus
(diálogos de sala de conversação da Internet) a ser analisado pelo modelo escolhido
(modelo casual da UFSC) trataremos, neste capítulo, primeiramente, as perspectivas
não localistas representadas por Nicolacópulos (2002, pág. 44). Também, por
fazerem parte do percurso evolutivo da teoria de casos, contribuem com seu
aprimoramento.
Em meados do século XX, Nicolacópulos propõe um modelo casual baseado
nos postulados do modelo Maticial de Cook, modelo este que foi posteriormente
adotado pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), o qual utilizaremos
neste trabalho.
A primeira apresentação da Gramática de Casos ao público ocorreu em 1968
com a publicação do artigo “The case for case”, escrito por Charles Fillmore, o qual
considerou-se um avanço nos estudos lingüísticos.
O modelo Matricial de Cook teve suas raízes nos modelos anteriores a Fillmore
e outros, modelo este que posteriormente adotado pela UFSC, a qual permaneceu
em uma linha localista, porém como algumas alterações como podemos analisar no
gráfico que segue: Rebustiana corta a árvore com o machado.
29
O
SN SV SP
SN1
N V det N prep SN2 Rebustiana corta a árvore com det N o machado SN: Sintagma Nominal
SP: Sintagma Preposicionado
Prep: preposição
Det: determinante
V: verbo
A estrutura profunda, como podemos observar no gráfico anterior, é de ordem
semântica, sintática, os casos são paralelos às funções sintáticas.
Na semântica, o sujeito é o nosso agente facilitando o uso dos termos ali
apresentados. O termo universal aqui utilizado não pode ser visto como um fato do
mundo, mas algo da linguagem e, por esse motivo, tais termos não podem ser
identificados como outros teóricos supõem que sejam. Estes termos devem ser
identificados por meio das expressões que possuem significações relevantes para os
universais.
Voltando ao sistema casual da UFSC, vemos que ele é formado por oito casos,
denominados como: caso A (agente) – expressa ação; caso E (experienciador) –
expressa a sensação, emoção, cognição, comunicação; caso B (benefativo) –
denota poder, posse, liderança, ganho ou perda, benefício ou malefício,
transferência de poder ou propriedade; caso O (objeto) – expressa o que está sendo
descrito com verbos de estado. É aquilo que sofre mudanças de estado com os
verbos processuais; caso L (locativo) – exprime locação; caso T (tempo) – refere-se
30
ao tempo cronológico; caso C (comitativo) – denota companhia; caso H (holístico) –
expressa totalidade, o todo.
Os verbos, no Modelo Casual da UFSC são experimentativos, benefactivos,
locativos, temporais são considerados básicos. Como exemplo de predicações
experimentativas não voluntárias temos o verbo “ofender” (VT), “irritar” (VT),
“aguardar” (VT), etc.
É importante salientar que o modelo casual da UFSC admite a possibilidade de
ocorrerem casos considerados mutuamente excludentes, embora esta ocorrência
seja para, como exemplo, o verbo “passar”, que permite os casos Locativo e de
Tempo (L) + (T), ambos proposicionais. Para melhor salientar, observe o seguinte
enunciado:
“Rebustiana passou o sábado à tarde no shopping.”
O Modelo Casual da UFSC admite a possibilidade de ocorrência, embora rara,
de outros casos, que não o objeto (O), mais de uma vez em uma mesma proposição.
Permite, com isso, mais de três casos em uma mesma proposição, como no
exemplo que segue, com o verbo “passar”.
Nesta perspectiva, os casos são apresentados ao leitor em uma relação de
associação e não de dependência em relação ao predicador de modo que o verbo
reflete a soma dessa interação e da significação espraiado pelo enunciado
produzido em contexto. Sendo assim, o verbo é uma espécie de síntese enunciativa.
O Modelo Casual da UFSC surge com o intuito de atribuir à Gramática de
Casos uma aplicação mais ampla para que ela possa, de fato, abrigar as mudanças
de sentido que se apresentam no contexto da língua em uso, tendo em vista os
usuários, principalmente o processo da metaforização, o qual é o grande
responsável pela evolução da língua a partir das inovações de seus usuários. Assim,
Nicolacópulos propõe um aprimoramento à teoria – já que esta é inserida na
dimensão pragmática – discursiva, nas análises e nas interpretações de enunciados,
o qual se faz possível por meio dos estudos inovadores de Nicolacópulos e outros
pesquisadores.
Conforme já abordado anteriormente, Nicolacópulos baseia-se no Modelo
Matricial de Cook na formulação do Modelo Casual da UFSC e empreendendo, com
isso, novos conceitos: o caso Objeto (O) e o caso Holístico (H).
A seguir, segue uma tabela para melhor compreensão da teoria:
31
CASOS NUANÇA DE SENTIDO
ASSUMIDA NO CONTEXTO
EXEMPLO
Agente Ação Raimundo mata duas baratas
em ação anti- baratas
Experienciador Sensação, emoção,
cognição, percepção,
ouvinte da comunicação.
Rebustiana tem interesse em
cavalos.
Benefactivo Posse, poder, liderança,
ganho ou perda,
benefício/malefício,
transferência de propriedade
ou poder.
Rebustiana ganha o prêmio
Nobel de literatura.
Objeto O que é descrito (verbo de
estado), sofre mudanças de
estado (verbo de processo),
vinculação (verbo de ação).
Granitos atingem 1000
residências no sul do País.
Locativo Localização Judoca do Brasil, Rebustiana
Silva chegou, ontem em Anta
Gorda para disputar o
campeonato Estadual.
Tempo Tempo cronológico Processo Judicial pode levar
anos.
Comitativo Companhia Presidente Luis Inácio da Lula
encontra-se com o Presidente
George Bush.
Holístico Totalidade, todo. Hoje a Alça é formado pelos
países Europeus.
Esta tabela mostra os oito casos que o modelo casual de UFSC abriga, A, E,
B, O, L, T, C, H, e as possibilidades de manifestação no enunciado em determinado
contexto, o qual dará visibilidade às nuanças de sentido, implicadas em cada
enunciado, proporcionando, assim, a compreensão dos enunciados extraídos de
salas de bate-papo.
32
6 METODOLOGIA
Por meio dos critérios e limites aqui explicitados, serão abordados aspectos de
pesquisa de campo e as linhas teóricas utilizadas, pois agora é o momento de fazer
a verificação do que de fato foi viável dentro das pesquisas até aqui realizadas.
Também organizamos os percursos seguidos na elaboração dos temas aqui
apresentados.
Faz-se necessário, portanto, a descrição dos aspectos que compõem o corpus
deste trabalho da forma mais clara possível, de modo que a leitura da metodologia
propicie mais esclarecimentos.
Perante este fato, estabelecem-se diretrizes que nortearam a pesquisa e
direcionaram o campo de pesquisa no qual foi trilhado este estudo.
6.1 Processos de análise dos Atos de Fala
Para a pesquisa do processo do desenvolvimento lingüístico é necessário o
amparo teórico por tratar-se de aspectos diversificados, no qual está envolvida a
evolução lingüística. No entanto, trabalhar com está evolução pode nos proporcionar
grandes surpresas, pois trabalhamos com o sentido destes enunciados por ser
dinâmico e interagir com os locutores e com a realidade, revelando aspectos
desconhecidos e que são expostos somente pelo uso.
Nesse sentido, a busca do entendimento da língua em uso incentiva-nos a
entrar no campo da semântica, analisando o processo do funcionamento da
33
significação lingüística exteriorizada em seu contexto de origem, por meio da
gramática de casos.
Diante do fato de trabalharmos com a língua em uso, ou seja, com uma
reprodução fiel de sua origem preservando todos os elementos envolvidos,
precisávamos de um reverencial teórico que abrigasse esta perspectiva. A gramática
de casos – que é subsumida pela semântica relacional, a qual cumpre este papel
com eficácia já que admite a pragmática como suporte – oferece uma abrangência
de maneira a deixar-nos à vontade para explorar os casos metafóricos dos
enunciados extraídos da Internet.
O método que nos permite esse trânsito é o modelo casual da UFSC, que se
concentra na proposta da língua em uso. Este modelo tem como prioridade
descrever quantitativa e qualitativamente os efeitos de sentidos pertinentes extraídos
dos enunciados, o que torna a interpretação mais completa. Seu princípio
fundamenta-se em oito casos, cuja interpretação revela os papéis temáticos e
semânticos envolvidos no verbo. Vários são os modelos existentes, porém o modelo
casual da UFSC abarca as diferentes nuanças de sentido que a língua em uso
contempla, em especial a metáfora, conforme já abordado.
A noção de cenas é, contudo, o ponto central desta pesquisa, na qual
subsidiam as noções casuais, pragmáticas, discursivas e que detém eventos, –
situações na qual a comunicação se estabelece para que o significado seja
percebido em toda a sua abrangência no contexto em que ocorre. A interpretação
dos enunciados submetidos à analise é possível porque delimitamos o escopo em
que os falantes atuam por meio das noções dos mini-diálogo, recorte da cena,
analisando os aspectos envolvidos na pergunta e resposta. Para melhor
entendimento dos termos aqui explicitados que compõem o corpus deste trabalho,
serão apresentados a seguir, os termos utilizados a serem listados em ordem
alfabética:
• Cena: define-se como cena o evento / situação em que determinado
enunciado é produzido. No âmbito desta pesquisa, serão adotados dois
critérios de cena: o primeiro caracteriza e o segundo delimita. Só
constituirá cena, o enunciado que contiver ao menos um predicador, e
denominaremos o conjunto de diálogos, que inclui perguntas e respostas
trocados entre dois interlocutores, como hiper-diálogo; cada diálogo, como
pergunta ou resposta, será definido como mini-diálogo;
34
• Contexto: o contexto é a situação de emprego de vocábulos, dos
enunciados e de um texto, pois é por meio dele que se pode atribui um
significado concreto a um signo, de modo a ampliar sua significação, pois
ultrapassa o limite do que é dito ou escrito. Com isso, o contexto está
intimamente ligado ao aspecto prático e usual da língua dentro de uma
sociedade;
• Diálogo: neste estudo o dialogo é considerado a comunicação mediada
pelo computador, sendo assim a conversa entre interlocutores em uma
sala de Chat ou MSN, que é caracterizado por perguntas e resposta;
• Enunciado cibernético: são todo e qualquer enunciado que se dá por
meio da Internet. Neste trabalho, serão denominados como enunciado
cibernético os diálogos produzidos por internautas nas salas de Chat ou
MSN;
• Internauta: sujeito que se conecta a Internet com a finalidade de
navegar na rede, e que possui essa prática como habitual, utilizando os
serviços que ela oferece;
• Linguagem: aqui é vista em seu caráter mais dinâmico, o da
comunicação enquanto interação conversacional, que embora seja
efetivada verbalmente por meio da escrita, obtém característica da
oralidade, pois as descrições lingüísticas são consideradas sempre em
relação ao uso e ao contexto;
• Metáfora: a metáfora serve como fonte infinita de expressividade,
caracterizando-se pelo deslocamento do efeito de sentido por ela
produzido;
• Pragmática: nesta abordagem, a pragmática é responsável pelas
imbricações contextuais relativas às cenas, de modo a abarcar as
condições de produção em toda a sua amplitude, bem como as condições
de uso, assumindo, portanto um caráter enunciativo;
• Semântica: este trabalho tem como suporte teórico a semântica
relacional, que subsume a gramática de casos e compreende a noção de
cenas. Por este motivo, à semântica recebe aqui tratamento relacional;
• Significação: a significação está intimamente ligada ao contexto, e por
se tratar de um problema de cada falante, relativo ao seu grau de
35
conhecimento, está no domínio da fala. Lyon (1979) afirma que nossa
significação deve ser identificada como a aceitabilidade de enunciados,
mediante determinados contextos, e que esta visão tradicional, em termos
de compatibilidade, tem uma base segura. Então se percebe que a
significação lingüística não é suficiente, é necessária a contextual, que
abrange todo o aparato sócio-cultural ideológico, de forma que sejam
trabalhados os usos de entidades lexicais e gramaticais com vistas à
formação e expansão das competências lingüísticas e comunicativas.
Embora este trabalho comporte três diferentes áreas: semântica, pragmática e
os atos de fala, tendo como base os enunciados extraídos das salas de bate-papo
da Internet, ele se instaura no domínio da semântica relacional, já que necessitamos
das noções de pragmática e de atos de fala, noções essas que atuam como
elemento subsidiário nessa pesquisa. Sendo assim, a prioridade é conferida à
semântica relacional aqui traduzida pela gramática de casos, que contempla a noção
de cenas e noção de pragmática.
Perante o fato de que essa pesquisa é dedicada ao processo de interação,
visando compreender a competência comunicativa como habilidades de interpretar o
instrumento de ação social, utiliza-se como referencial a compreensão do sistema e,
sobretudo, que estes são argumentos para derivar o processo de análise.
6.2 As salas de bate-papo
Ao iniciar-se a presente pesquisa, procurou-se um objeto que estivesse muito
próximo da fala, que é o expoente Máximo da língua em uso, para que pudesse
captar os sentidos envolvidos numa reprodução lingüística de tamanha
espontaneidade. Por meio desta busca, surgiu a idéia de analisar enunciados
produzidos nas salas de Chat e MSN.
A Internet tem sua origem datada bem antes de o computador tornar-se
popular. Meados da década de 60, a Arpa, responsável pelo desenvolvimento da
tecnologia militar nos Estados Unidos, elaborou um estudo que objetivava a criação
de uma rede competitiva de computadores interligados simultaneamente e que,
36
posteriormente, teria as suas sedes que serviriam para manter a comunicação entre
bases militares, inclusive sob ataques nuclear da extinta URSS. Primeiramente, esta
rede ficou conhecida como Arpanet e a partir dos anos 80, surge a Internet. O fato
mais interessante em seu histórico é a maneira como a Internet foi disseminada, pois
em cerca de cinco anos alcançou 50 milhões de usuários, superando assim outros
veículos de comunicação.
Ligada à Internet está a globalização. Aliadas, formam um conjunto de
segmentos indissociáveis, necessário à modernidade da atividade humana. A
Internet se caracteriza como um dos meios de comunicação que garante a
integração do mundo, que faz com que tenhamos acesso a diferentes culturas,
permite a inter-relação imediata e sem restrições com quem se quer, dentro de uma
grande aldeia global. Um dos meios de interação via rede se dá por meio do MSN,
cujas particularidades serão vistas na seqüência deste trabalho.
6.3 As salas de Chat e MSN
Como já abordado, a Internet desempenha hoje as mais variadas funções na
vida de seus usuários, pois por meio dela temos diferentes opções de
entretenimento e pesquisa em tempo hábil. Esta comunicação é mediada pela troca
de e-mail e pelas conversas, orais ou escritas. A conversa oral é pouco utilizada,
pois necessita de equipamentos mais sofisticados, porém, a conversa escrita,
utilizada nas salas de Chat ou MSN parece ter virado mania entre seus usuários,
pois atualmente milhares de pessoas pelo mundo a fora estão conectadas umas
com as outras pela rede.
É importante salientar que nestas salas de bate-papo os internautas trocam
mensagens uns com os outros em tempo real, pois não há tempo de uma
elaboração prévia do que vai ser dito. O dialogo está atrelado à situação de fala
como se os interlocutores estivessem frente a frente.
Estas salas de bate-papo são utilizadas como instrumento de comunicação nas
quais seus internautas estão ligados. Em 2001, inicia-se uma campanha de
marketing com o objetivo de promover o serviço do MSN (Messenger) e, devido ao
sucesso desta campanha a sigla MSN é a mais utilizada pelos internautas, sendo
37
até mesmo utilizada em grandes empresas para comunicação com os seus
fornecedores, clientes e equipe funcional, como será analisado no decorrer deste
trabalho. As mensagens aqui analisadas foram extraídas de empresas que utilizam
este recurso da Internet. Sabemos, porém, que hoje temos disponíveis, por meio da
Internet, diferentes salas de bate-papo, mas nossa pesquisa irá deter-se apenas no
MSN, que foi elaborado em base destas salas já existentes.
A Internet é um veículo de comunicação que possibilita as mais diversificadas
formas de expressão de seus usuários, nunca antes utilizadas, pois por meio destas
salas os internautas expressam todos os seus sentimentos como: angustia, raiva,
felicidade, amor, brigas, ou seja, é um espaço de experimentação e fantasia. Um
ponto importante a salientar a respeito destes usuários é que são todos adultos e
com um bom nível cultural. De posse desta informação, surge a questão de como
pessoas adultas e com um bom nível cultural produzem enunciados, que em grande
parte não condizem com sua posição, seja pelo teor anárquico ou pejorativo dos
termos utilizados. A provável resposta para esta questão talvez seja o anonimato
que a Internet proporciona aos seus usuários, configurando-se como o lugar em que
os sentimentos e emoções mais íntimos podem ser expressos sem que haja
represália por isso, enfim, é o lugar de dizer dos interlocutores que provoca um efeito
de catarse.
Assim estes enunciados encontrados nas salas de MSN caracterizam-se
essencialmente pela informalidade, fuga de normas rígidas, despreocupação
gramatical etc.
6.4 Os enunciados cibernéticos e a seleção desses e nunciados
Entende-se como discurso os enunciados lingüísticos os quais envolvem
interlocutores que durante a comunicação estabelecem relações de sentido e que
para existirem devem pertencer a um mesmo constituinte ideológico.
Nesse incontestável elo linguagem/sociedade, uma liga-se a outra pelo fator
ideológico, ou seja, todo grupo é formado por indivíduos que se ligam em torno de
um pensamento, que denominamos como ideologia. Considerando-se o exposto,
vale ressaltar que tratamos diariamente com o convencionalismo e, por meio desta
38
particularidade, as pessoas terão um modo particular de se relacionar ou se
expressar que as identificará ou diferenciará de outros grupos.
Em relação à comunicação, tais diferenças acarretam mudanças de sentidos
em seus enunciados, alterando o seu campo semântico, já que fora do contexto ou
situação os enunciados nada significam de maneira precisa, o que é claramente
exposto no corpus deste trabalho.
Dessa forma, os enunciados das salas de MSN podem ser considerados
lúdicos pelo motivo de romperem com padrões pré-estipulados e, ao mesmo tempo,
adotarem uma postura nova diante deste novo veículo de comunicação o qual se dá
em tempo real, e também por tratar-se de algo inteiramente novo (experienciador).
Faz-se necessária pesquisa dentro desta área para talvez compor um novo cenário
na linguagem diária da Internet.
Diante do universo de possibilidades para esta pesquisa, utilizou-se como meio
de estudo os enunciados extraídos dos MSN, a partir de exemplares autênticos da
língua em uso.
Outro critério importante é que estes dados foram coletados no período de
março a abril de 2007, em horário comercial, tendo assim um bom material para
pesquisa e análise mais possivelmente fidedigna de dados.
Para melhor entendimento desta pesquisa, considera-se importante explicitar
etapas que se seguirão para que os objetivos propostos sejam alcançados.
Em um primeiro momento, selecionaremos, do grande volume de dados, os
enunciados que poderiam ser submetidos à analise em que dois critérios foram
considerados.
a) Constituir uma cena
b) Ter no mínimo um verbo/ predicador.
A cena foi delimitada a partir do diálogo de cada interlocutor. Também é
importante salientar ao leitor que o processo interativo desta pesquisa se dará por
meio dos dados do conteúdo proposicional dos enunciados.
Depois desta etapa minuciosa, serão abordados os sentidos destes
enunciados, os quais são produzidos pelos verbos – o sentido básico, metafórico e
semântico. Estabelecendo o quadro de classificação de cada verbo dentro do
enunciado, partirá para a aplicação da gramática de casos, trabalhando com o
modelo casual da UFSC, e com auxilio de suas ferramentas indispensáveis, o
Dicionário Aurélio – que dá o sentido básico dos predicadores e o Dicionário de
39
Verbos de Francisco Borba – que abarca as diferentes nuanças de sentido que os
verbos podem assumir em um contexto diverso.
Estipularemos um número de 17 predicadores para serem submetidos a
análise, dentre os quais procuraremos evidenciar em primeira estância os que se
manifestam como exemplos metafóricos, os quais tem o seu uso como novos
possíveis neologias de sentido, bem como predicadores do tipo dar, ser, que são
empregados como auxiliares, e estão dentre os verbos mais metafóricos da língua
portuguesa.
Para realizar esta pesquisa foram necessárias varias pesquisas teóricas, bem
como contatos que fornecessem o material necessário sem que tivessem
participação direta do pesquisador durante estes diálogos, para que este fosse o
mais exato possível.
A partir deste trabalho substituímos o termo “eu tenho uma coisa para te
ensinar” pela nova atitude de “nós temos algo para aprenderem juntos”, pois a
linguagem é algo inovador o qual está em contínua evolução.
40
7 O PROCESSO DE ANÁLISE DE ALGUNS VERBOS
O procedimento adotado para seleção destes enunciados cibernéticos da sala
de MSN visou o estudo da evolução lingüística e, pensando em resultados
consistentes, trabalhou-se apenas com o MSN.
O MSN é hoje dos meios de comunicação mais utilizados pelos internautas,
expandindo o seu uso para o campo profissional, como salientado anteriormente
neste trabalho, algumas empresas utilizam-se deste recurso para entrar em contato
com seus fornecedores. O MSN é hoje um dos meios de encontros para bate-papo
mais utilizados entre os internautas em geral, pois estes adicionam em suas listas de
contato pessoas já conhecidas ou de alguma forma que já tiveram algum tipo de
contato em outros locais de conversação diante destas possibilidades de pesquisa
optemos pelo MSN, no qual analisamos conversas no local de trabalho entre clientes
e colegas de trabalho.
O capítulo de análise e a parte mais importante em um trabalho científico, pois
nele se localiza a contribuição do pesquisador para a área em que se instaura sua
pesquisa. Também é importante salientar que cada componente do trabalho é
indispensável em sua integralização, pois todas as partes são vitais para elaboração
desta pesquisa, sendo assim, as partes teóricas configuram-se como âncora, a qual
vai proporcionar a credibilidade científica ao trabalho.
Para chegar à análise dos enunciados extraídos do MSN, procurou-se um
caminho teórico-metodológico o qual teve amparo na gramática de casos, e para
este empreendimento utilizou-se o modelo casual da UFSC, desenvolvido por
Nicolacópulos. Esta escolha se deu pelo fato de ser o modelo semântico de casos
que abrange as dimensões pragmático-discursivas, isto é, permite que se trabalhe
com enunciados da língua em uso, e seus efeitos de sentido sejam captados no
decorrer do contexto.
41
Os capítulos anteriores que tratam dos atos de fala, pragmática e metáfora,
foram indispensáveis na escolha da gramática de casos, pois precisou-se chegar à
intenção do sujeito que enuncia, instanciando o seu espaço de dizer, mostrando sua
orientação ideológica e, ocasionalmente, o seu ponto de vista, e por estes motivos a
noção de pragmática se faz necessária à medida que abarca conceitos
determinantes para o andamento de um trabalho que focaliza a língua em uso, em
especial a definição de um contexto.
É importante ressaltar ainda que os enunciados que compõem o corpus deste
trabalho e que foram selecionados para análise, serão produzidos na íntegra, isto
equivale a dizer que apareceram erros ortográficos e outros.
Os modelos que serão explicitados a partir deste momento apresentam o que
de certa maneira já foi dito no decorrer deste trabalho, pois partirá primeiramente
para pesquisa dos enunciados segundo o dicionário de verbo do autor Borba e
posteriormente partiremos para gramática de casos:
a) Enunciado Número 1
Estou engolindo ele = suportar (metafórico)
Segundo o Dicionário Gramatical de Verbos do escritor Francisco da Silva
Borba a expressão acima significa, aturar, conviver com, agüentar, pois o sujeito e
experimentador com complemento expresso por nome animado: neste sentido
também utilizamos como complemento expresso por nome abstrato, oração infinitiva
/ conjuncional, significa agüentar , aceitar.
Ex.: Já não suporto mais a situação.
[*E]m18
b) Enunciado Número 2
caiu a ficha = entender (metafórico)
“O predicador ‘cair’, na cena acima, cujo sentido básico remete a movimento
para baixo, queda” pertence ao campo semântico locativo, onde sua valência
18 Experienciador: neste enunciado temos a sensação (sentimentos) para o ouvinte.
42
semântica seleciona um agente (A) e um locativo (L). Nesse contexto, ‘cair’ significa
‘entender’, sendo transportado para o campo experienciador.
Indica processo, com sujeito experimentador e com complemento expresso por
nome abstrato / oração conjuncional interrogativa indireta (significa perceber, passar
a ter compreensão).
Objeto (verbo de processo) entender.
[*E]m
c) Enunciado Número 3
“dá vontade de encher eles de caroço” – encher
O predicador encher, na cena acima, cujo o sentido básico remete ao processo
experienciador “E”, sensação, emoção, vontade.
Sem complemento, significa perder completamente a paciência ou a tolerância, ficar
saturado, cansar-se. Ex.: Rebustiana se enchera.
Agente (ação) encher eles de caroço.
[*E]19
d) Enunciado Número 4
correndo atrás = agente = ação
O enunciado acima seleciona o processo, agente segundo o modelo do UFSC
= ação de correr atrás.
Correr indica ação – processo com sujeito agente. Significa examinar, verificar parte
por parte.
[*A]20
e) Enunciado Número 5
trancar-se com ele = conversa privada = ação, seleciona o processo agente.
19 O enunciado acima seleciona um experienciador E. 20 O enunciado acima seleciona um agente A.
43
Ele se trancou com ele = indica ação – processo com sujeito agente e com
complemento expresso por nome humano. Significa procurar, conquistar,
argumentar, tentando persuadir.
[*A]
f) Enunciado Número 6
Arregam = voltar atrás = ação = agente
Seleciona o agente (A) assume o sentido no contexto de ação.
Na forma pronominal com complemento da forma contra + nome / abstrato significa
revoltar-se. É auxiliar, precedendo a + infinitivo para indicar reiteração e a expressão
voltar atrás = retroceder.
Ex.: o juiz voltou atrás depois que viu o abaixo-assinado.
Agente (ação) voltar atrás.
[*A]
g) Enunciado Número 7
Informar = ele botou
O predicador informa acima, seleciona um agente, uma ação.
Indica ação. Processo 1º com sujeito agente / causativo e com dois complementos
apagáveis.
Ação (informar). Nuanças de sentido assumido no contexto
botar = botou (ação, processo no sentido de informar)
[*A]
h) Enunciado Número 8
Abrir a boca = no sentido de conversar - Agente / ação (Metafórico)
Expressões: abrir o bico, falar, confessar um segredo.
Ex.: Rebustiana abriu o bico.
[*A]m21
21 O enunciado acima seleciona um agente A, metafórico.
44
i) Enunciado Número 9
dar nos dedos = complemento, nome, abstrato: causar, provocar (metafórico)
Benefactivo. Ex.: Isso vai dar bode.
O enunciado acima focaliza a cena que perspectiva o verbo dar, que em seu
sentido básico denota a nuança benefactiva, enfatizando a noção de ganho,
benefício selecionando um A, B e O. No contexto em que ocorre, traz a idéia de
haver um problema, ocorrer, suceder, acontecer, indicando processo e selecionando
um objeto (O), expresso ‘por problema’.
O processo de metaforização ocorre do campo B para o O, resultando no esquema
de casos abaixo.
[*B]m22
j) Enunciado Número 10
colocar pilha = ação, nome humano dizer
Colocar mais palha na fogueira = acerrar uma discussão ou conflito. O
enunciado acima seleciona o agente (A) que denota ação.
[*A]
l) Enunciado Número 11
Amarando = amarrar [ação, processo] nome concreto
compl. 2: de lugar, 1º atar, prender
compl. 3: nome humano ou abstrato / dificultar, estorvar o desenvolvimento, a
expansão.
Ex.: Ele está amarrando todos os pedidos = demorando.
[*A]
m) Enunciado Número 12
der cacada = [ação, processo] doar, presentear
22 O enunciado acima seleciona um benefactivo B, metafórico.
45
causar, provocar (compl., nome, abstrato)
Ex.: Isso vai dar bode.
Agente “ação”.
[*A]
n) Enunciado Número 13
Engolir [ação, processo] com sujeito agente com complemento expresso por nome
abstrato indicativo de atividade / sentimento.
O enunciado acima seleciona o agente e assume no contexto o sentido de
experienciador.
Ex.: Rebustiana engoliu o seu ódio e sorriu ao marido infiel.
[*E]
o) Enunciado Número 14
Ele vai tentar falar = experienciador23
O enunciado acima seleciona um experienciador (E).
[*E]
p) Enunciado Número 15
ficar dormindo: não fez nada [ação, processo]
Modalizador [+ por + verbo no infinitivo] indica uma negação ou não
cumprimento do que expressa ficar dormindo.
[*M]24
q) Enunciado Número 16
colocar pilha = indica ação, processo com sujeito agente (metafórico)
23 O enunciado acima não está contextualizado ainda no dicionário de usos do escritor Francisco Borba. 24 O enunciado acima seleciona um modalizador M.
46
Colocar mais palha na fogueira = acerrar uma discussão.
Este enunciado seleciona o agente (A) ação de colocar pilha.
[*A]m
r) Enunciado Número 17
não tirou o pedido = fazer [ação, processo] compl.
Nome 2 de origem – fazer sair, retirar-se.
O enunciado acima seleciona o processo (A) agente o qual assume o sentido de
ação.
[*A]
46%
12%
12%
18%
6%6%
Agente [*A]
Agente metafórico[*A]m
Experienciadormetafórico [*E]m
Experienciador [*E]
Benefactivo metafórico[*B]m
Modalizador [*M]
Agente [*A] 8 Agente metafórico [*A]m 2 Experienciador metafórico [*E]m 2 Experienciador [*E] 3 Benefactivo metafórico [*B]m 1 Modalizador [*M] 1 Total 17
O gráfico acima apresenta a análise de diálogo de sala de bate-papo do MSN.
Nele, podemos verificar maior incidência de agente (A), com 46% de aplicação na
comunicação escrita informal apresentada; seguido de experienciador (E), com 18%;
47
experienciador metafórico e agente metafórico, ambos com 12%; e, por fim,
benefactivo metafórico e modalizador, ambos com 6% de aplicabilidade.
48
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pós-modernidade caracteriza-se como uma sociedade individualista,
consumista, e com conhecimentos especializados e principalmente valores valáveis
e por tratar-se de uma sociedade cada vez mais individualista seus indivíduos
escolhem interagir com as demais pessoas pela Internet para que assim não
obtivessem compromissos com o que foi dito e mantivesse suas individualidade.
Pela busca de um conhecimento mais complexo desta comunidade que se
apresenta hoje em dia, a nossa pesquisa se concentrou no campo da linguagem
motivando-nos neste empreendimento que tem como primazia analisar a função da
linguagem e refletir acerca de seus efeitos.
Durante a execução deste trabalho, nosso objetivo foi de responder algumas
questões referentes à linguagem e deixar um campo de pesquisa aberto para mais
analise posteriormente.
Constituíram-se como questões:
a) Os diálogos de MSN podem ser interpretados a partir de uma teoria de
casos?
b) Que modelo casual é adequado para interpretar os enunciados do MSN?
Constituíram-se como hipóteses:
A teoria de casos é adequada para interpretar diálogos, pois seus primitivos
são predicadores que se constituem como núcleos proposicionais. São vários os
efeitos de sentido que poderão ser encontrados em um enunciado de MSN, porem o
efeito metaforizado deverá aparecer em grande escala, tendo em vista que uma da
característica evidente destes enunciados é a criatividade com que são empregados
para execução deste trabalho utilizamos como modelo de analise a gramática de
49
casos não-localista, com vista a ampliar as possibilidades interpretativas dos
diálogos e por tratar-se de um corpus que privilegia a língua em uso, o modelo
casual da UFSC que é o adequado já que abarca as dimensões pragmático-
discursivas.
Partindo dos propósitos dos capítulos anteriores já mencionados neste trabalho
e na intenção de explicitá-los dentro desta pesquisa, delineamos um percurso
teórico-metodológico que abrigasse essa perspectiva. Dessa forma o primeiro
capitulo foi elaborado com a finalidade de explicitar a evolução lingüística, neste
capitulo tratamos de questões importantes para definição deste trabalho como,
enunciado, metáfora e pragmática, nos capítulos posteriores tratamos dos atos de
fala e sua relação com a gramática de casos, ao longo desta pesquisa procuramos
apresentar de uma forma clara alguns aspectos que consideramos mais relevantes.
No capitulo anterior executamos a analise propriamente dita, que aplica o
modelo casual da UFSC dos enunciados extraídos do MSN, inicialmente analisamos
os verbos segundo o dicionário de usos do Borba, posteriormente partimos para a
gramática de casos.
Com esta pesquisa podemos comprovar que os diálogos produzidos no MSN
podem ser analisados pela gramática de casos e o modelo casual da UFSC foi
importante na pesquisa por abarcar os oito casos localistas.
Assim o empreendimento deste trabalho inscreve seu caráter inovador no
corpus cibernético da teoria de casos. Esta pesquisa nos permitiu trabalhar de uma
forma tão exata que nos fascinou, pois atingiu seu objetivo dentro da analise dos
enunciados abrindo com isso novos caminhos a serem trilhados proporcionando um
constante desvendar da magia que se apresenta por meio da fala produzida na
Internet. Acreditamos também que este seja o momento de mostrarmos que a
pesquisa sugere continuidade, pois à medida que foi sendo explicitada a gramática
de casos com o modelo casual da UFSC, seria interessante um empreendimento
que lhe atribuísse maior atenção, sendo importante salientar que estas pesquisas
viciam.
Mas o estudo da linguagem em uso abarca todas estas questões, pois quanto
mais usamos esta nova maneira de se comunicar da sociedade moderna mais
teremos campo de pesquisa. A língua está em constante evolução e seus usuários
que denominam seu uso. Cabe a nos pesquisadores e demais interessados nesta
nova perspectiva evoluirmos juntos estudando este cenário, isto é evoluindo com o
50
sistema lingüístico para melhor interpretar o indivíduo dentro de seu sistema. Sem
dúvida, a língua é o nosso domínio sobre o mundo.
51
8 REFERÊNCIAS
AUSTIN, J. L. Quando dizer é fazer: palavras e ação. Trad. Danilo Marcondes de Souza Filho. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.
BONUMÁ, Adriana Silveira. Perspectivização de enunciados cibernéticos pela gramática de casos. 2002. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Curso de Pós-Graduação em Letras.
DESCARTES, René. Discurso do Método . São Paulo: Escala, [s/d].
FERNANDES, Francisco. Dicionário de sinônimos e antônimos. 2. ed. Porto Alegre: Globo, 1967.
FILIPAK, Francisco. Teoria da metáfora. Curitiba: HDV, 1983.
MUSSANLIM, Fernanda; BENTES, Anna Christina (Org.). Introdução à Lingüística: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez, 2000. v. 2.
OLIVEIRA, Manfredo de Araújo. Reviravolta lingüístico: Pragmática na Filosofia Contemporânea. São Paulo: Loyola, 1996.
PIZZI, Jovino. Ética do discurso: a racionalidade ético-comunicativa. Porto Alegre: Edipucrs, 1994.
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de lingüística gera l. 9. ed. São Paulo: Cultrix, [s/d].
SCHMIDT, S. J. Lingüística e teoria de texto . Trad. Ernst F. Schurmann. São Paulo: Pioneira, 1978.
SEARLE, John R. Os actos de fala: Um ensaio de filosofia da linguagem. Coimbra: Livraria Almedina, 1981.
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