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FACULDADE DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS VIANNA JUNIOR
OS DIREITOS FUNDAMENTAIS E SUA EFICÁCIA HORIZONTAL ENFOQUE NO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA MORADIA
DIREITO LOCADOR X DIREITO FIADOR
MARIANA COUTO GUERRA1
RESUMO
O presente trabalho visa estudar a eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre particulares, enfocando o princípio constitucional à moradia e a discussão a respeito da Emenda Constitucional nº 26, que acrescentou ao art. 6º da Constituição Federal a moradia como direito fundamental de todo cidadão. Com isso, surgiu um questionamento sobre a inconstitucionalidade da penhora do único bem imóvel do fiador, porém pacificada, visto que as decisões do Supremo Tribunal Federal, são proferidas na sua grande maioria, à favor da penhora, protegendo desta forma o crédito e a segurança jurídica. A Emenda porém, vem sendo interpretada por uma corrente minoritária como uma forma de garantir a dignidade humana através da proteção à moradia de todo cidadão, em casos como este, essa visão social apesar de muito reverenciada, encontra-se distante da realidade atual, impossibilitando sua aplicação.
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OS DIREITOS FUNDAMENTAIS E SUA EFICÁCIA HORIZONTAL ENFOQUE NO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA MORADIA
INTRODUÇÃO
Direitos fundamentais são todos os direitos necessários ao homem que devem
ser protegidos pelo Estado, para que possa ter uma vida fundada na liberdade e dignidade
humana.
Os direitos humanos fundamentais estão devidamente previstos na ordem
constitucional, em suas mais diversas manifestações, porém, o grande problema não é a falta
de previsão constitucional, mas sim a falta de efetivação no direito brasileiro; Ou seja, para
Norberto Bobbio, "o problema que temos diante de nós não é filosófico, mas jurídico e, num
sentido mais amplo, político. Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é a
sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos,
mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes
declarações, eles sejam continuamente violados" 2
O artigo 5º da Constituição de 1988, já em seu caput, prescreve que "todos são
iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade", nos termos estabelecidos, agora, após a Emenda Constitucional
nº45/04, pelos seus setenta e oito incisos.
É importante ressaltar, que a Constituição de 1988 possui em seu art. 60,§ 4º,
IV a proteção expressa aos direitos fundamentais, impossibilitando a sua retirada do texto
2 Norberto Bobbio – A Era dos Direitos – Ed. Campus , Rio de Janeiro, 1992, p 25-26
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constitucional. Vejamos: "não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a
abolir os direitos e garantias individuais".
Ou seja, qualquer norma anterior, ou posterior que esteja em desacordo com os
direitos e garantias individuais não será forte o suficiente para abolir os direitos fundamentais.
Isto não quer dizer, que toda e qualquer norma que esteja em disparidade seja inicialmente
declarada inconstitucional, sem antes ser realizada uma análise do caso concreto interligado
com o contexto social, político e econômico do País.
Para Canotilho3: "as expressões ‘direitos do homem’ e ‘direitos
fundamentais’ são frequentemente utilizadas como sinônimas. Segundo a sua origem e
significado poderíamos distingui-las da seguinte maneira: direitos do homem são direitos
válidos para todos os povos e em todos os tempos (dimensão jusnaturalista-universalista);
direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e
limitados espaço-temporalmente. Os direitos do homem arrancariam da própria natureza
humana e daí o seu caráter inviolável, intemporal e universal; os direitos fundamentais seriam
os direitos objetivamente vigentes numa ordem jurídica concreta"
O grande problema da eficácia horizontal é que normalmente há no mínimo
dois titulares de direitos fundamentais, discutindo sobre a dimensão objetiva e subjetiva dos
direitos individuais. Um sobrepondo o seu direito sobre o outro, criando uma grande colisão
de direitos.
No caso em tela, abordando o tema sobre direito à moradia, o problema surge
quando dois titulares de direitos conflitam na esfera dos contratos imobiliários. Discute-se
então, se o imóvel dado à penhora pelo fiador é penhorável ou não, quando este é o seu único
e exclusivo bem para residência de sua família. Estando no lado diametralmente oposto, o
Locador do imóvel, que valeu-se da legislação vigente, e da confiabilidade das garantias
contratuais que existiam para realizar a presente locação.
3 Norberto Bobbio- A Era dos Direitos, 10 ed., Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 369
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1. DIREITOS FUNDAMENTAIS
Para o professor José Afonso da Silva, Direitos fundamentais :
“são aquelas prerrogativas e instituições que o Direito Positivo
concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de
todas as pessoas”.
No dizer de Canotilho, os direitos fundamentais cumprem:
“ a função de direito de defesa dos cidadãos sob uma dupla
perspectiva (1) constituem, num plano jurídico-objectivo, normas de
competência negativa para os poderes públicos, proibindo
fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica individual;
(2) implicam, num plano jurídico-subjectivo, o poder de exercer
positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir
omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por
parte dos mesmos (liberdade negativa)”.4
4 Alexandre de Mores, Direito Constitucional, ed. Atlas, p.24
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A Constituição confere dignidade e proteção especiais aos direitos
fundamentais, conforme podemos observar através do art. 5º, §1o da CF, com sua aplicação
imediata e também pelo art. 60 da Carta Magna, por integrarem o rol das denominadas
cláusulas pétreas, protegidas assim, contra o poder constituinte reformador.
Importante ressaltar, que como direitos fundamentais foram sendo
reconhecidos pelos textos constitucionais e ordenamento jurídico dos países de forma
gradativa e histórica, os autores começaram a reconhecer em forma de gerações. Segundo
Paulo Bonavides "todo o conteúdo possível dos direitos fundamentais, profetizando até
mesmo a seqüência histórica de sua gradativa institucionalização”5, ou seja três gerações de
direitos fundamentais, representadas pelos direitos da liberdade (de primeira geração), da
igualdade (referente à segunda) e da fraternidade (terceira geração), seguindo o lema
revolucionário francês de liberdade, igualdade e fraternidade.
Na visão de Uyára Schiefer os direitos fundamentais são subdivididos em
quatro gerações e são assim definidas:
Direitos de primeira geração: são os direitos da liberdade, os primeiros a
constarem do instrumento normativo constitucional, a saber, os direitos civis e políticos.
Direitos de segunda geração: São os direitos sociais, culturais e econômicos, bem como os
direitos coletivos ou de coletividades. Com a introdução dos direitos fundamentais da segunda
geração, cresceu o juízo de que esses direitos representam, de certo modo, uma ordem de
valores Direitos de terceira geração: dotados de altíssimo teor de humanismo e
universalidade, tendem a cristalizar-se neste fim de século enquanto direitos que não se
destinam especificamente à proteção dos interesses dos indivíduos, de um grupo ou de um
momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade
concreta. Direitos de quarta geração o direito à democracia, o direito à informação e o
direito ao pluralismo.Deles depende a concretização da sociedade aberta do futuro, em sua
dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de
5 Paulo Bonavides. Curso de Direito Constitucional, 6ª edição, São Paulo, Malheiros, 1996. pág 516
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todas as relações de convivência.6
No presente trabalho, a abordagem refere-se aos direitos de segunda geração,
enquadrados no rol dos direitos sociais, visto ser a moradia um direito de extrema importância
e relevância para todos os cidadãos.
No Brasil, a Constituição Federal, no seu artigo 1º, inciso III, apresenta, como
um dos fundamentos constitucionais, “a dignidade da pessoa humana”. No caso, ter
conseguido uma morada própria, ou não, ou não morar em lugar alheio, faz parte, também, de
um elenco de outras necessidades básicas que dão dignidade ao ser humano.
2. DIREITO À MORADIA
2.1. Considerações preliminares
O legislador sempre se preocupou com a proteção à moradia de todos os
cidadãos, e não foi apenas com a emenda constitucional nº 26 que essa questão veio a ser
discutida, ao contrário, além de vários textos expressos sobre o tema e toda legislação
ordinária de tutela à moradia, esse direito já se encontrava previsto na Constituição Federal
desde 05 de outubro de 1988, em seu art. 23, IX:
6 Uyára Schiefer Vide jus navigandi artigo: Sobre os direitos fundamentais da pessoa humana . Disponível em: http://www.revistapersona.com.ar/Persona28/28Schiefer.htm
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“É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios:
IX- promover programas de construção de moradias e a melhoria das
condições habitacionais e de saneamento básico;”
Bem como no art. 7º, IV da Carta Magna, que diz:
“São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à
melhoria de sua condição social:
IV- salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender
a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia,
alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e
previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder
aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;” (grifo nosso)
Desta forma, vislumbra-se que o direito à moradia é um direito básico
fundamental de todo ser humano, protegido pela Constituição Federal desde sua promulgação,
tendo conseguido maior destaque com a Emenda Constitucional nº26.
O direito à moradia não pode ser analisado apenas como um bem material, pois
assim só poderia ser visualizado no direito de propriedade, ao contrário, vendo-o como valor
desvinculado de uma coisa, pode ser observado em qualquer relação, qual seja, propriedade,
locação, comodato, posse, ocupação, etc.
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Cabe destacar a explicação da Deputada Almerinda de Carvalho, relatora da
comissão nº 601-A, citada pela doutrinadora Eliane Maria barreiros Aina7:
Aliás, como bem explicita a Deputada Almerinda de Carvalho, relatora da
Comissão nº 601-A, de 1998, que altera a redação do artigo 6º da
Constituição Federal, a qual resultou na emenda 26, a moradia é um conceito
muito mais amplo e complexo do que o conceito de casa própria. A falta de
casa própria, inclusive, tecnicamente só é computada para efeito de déficit
habitacional na medida que o aluguel passe a constituir um ônus excessivo
para as famílias. A atuação governamental e da sociedade derivada da
explicitação da moradia como um direito social envolve serviços básicos, a
criação de mecanismos financeiros capazes de atender setores hoje excluídos,
a revisão da legislação em vigor e a concepção de novos conceitos jurídicos.
O direito à moradia constitui-se em um direito social, estando localizado no
ordenamento jurídico no plano hierarquicamente superior dos direitos fundamentais, ou seja,
no ápice do sistema. Pois, a moradia é uma necessidade básica de todo ser humano, sendo de
suma importância a sua proteção e preservação.
Desta forma, além do direito à moradia já existir como direito implícito,
podemos afirmar que já estava presente no rol de direitos fundamentais, assegurado em
tratado internacional, conforme art. 5º, §2º, da Constituição Federal.8
Observando o art. 6º da Constituição Federal, percebemos que o direito à
moradia realmente constitui-se em um direito subjetivo de todos os cidadãos, sujeitos ao
7 Eliane Maria Barreiros Aina, apud Proposta de Emenda à Constituição nº 601-B, de 1998, do Senado Federal, PEC 28/96-SF, O fiador e o Direito à Moradia, p.86,
8 Eliane Maria Barreiros Aina, O fiador e o Direito à Moradia, p.87
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ordenamento jurídico brasileiro, mas que apesar de bem empregados na Constituição Federal,
não possuem condições reais de serem exigidos, o que faz com que sejam inaplicáveis e
vislumbrados apenas como uma expectativa de realização, porém, impossível nos dias atuais.
Como bem utilizado por Jorge Miranda9:
... não consentem que os cidadãos ou quaisquer cidadãos as invoquem já (ou
imediatamente após a entrada em vigor da Constituição), pedindo aos
tribunais o seu cumprimento só por si, pelo que haver quem afirme que os
direitos delas constam, máxime os direitos sociais, tem mais natureza de
expectativas que de verdadeiros direitos subjetivos...
Sem adentrarmos na questão levantada por Jorge Miranda, nos parece
irretorquível a impossibilidade de se impor ao Estado, imediatamente, a efetividade desta
inovação constitucional.
2.2. Emenda Constitucional nº 26
Em 15 de fevereiro de 2000 foi publicada a Emenda Constitucional nº26, que
acrescenta ao art. 6º da Carta Magna o direito à moradia como direito fundamental de todo
cidadão.
Desta forma o art. 6º da C.F. passou a ter a seguinte redação:
9 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional
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“São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a
segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a
assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” (grifo nosso)
Com a publicação da emenda, várias implicações surgiram no âmbito do
direito locatício, visto que de acordo com o entendimento de alguns doutrinadores defensores
da impenhorabilidade do bem de família do fiador, a norma que permite a penhora deste bem
é incompatível com a proteção aos direitos fundamentais do cidadão, sendo contrária à
Constituição Federal e por isso, inválida. Essa incompatibilidade se deu no momento em que
entrou em vigor a Lei Federal nº 8.245/91, que alterou a Lei 8.009/90, permitindo que o bem
de família do fiador se tornasse penhorável, vindo contra a Carta Magna que implicitamente já
garantia o direito à moradia no ordenamento brasileiro. Contrariamente, se for adotado o
entendimento que a proteção jurídica à moradia só passou a vigorar com a emenda
Constitucional nº 26, que elevou o direito à moradia ao rol dos direitos primordiais do
cidadão, surge, então, a incompatibilidade entre a lei e a garantia Constitucional neste
momento 10.
Muito embora a constitucionalidade da exceção prevista para os casos
decorrentes de fiança locatícia já tivesse sido objeto de discussão nas mais diversas instâncias
judiciais, é certo que a Emenda Constitucional 26/00, ao considerar a moradia como um
direito social, promoveu uma relevante modificação neste quadro, provocando diversos e
acalorados debates doutrinários e jurisprudenciais.
2.3. Inconstitucionalidade da penhora
10 Eliane Maria Barreiros Aina, O fiador e o Direito à Moradia, p.123/124.
11
O legislador, com base no princípio da isonomia e até mesmo na dignidade da
pessoa humana reconheceu o direito à moradia, com isso surgiu uma corrente minoritária, mas
de força crescente na atualidade, que defende a inconstitucionalidade da penhora do bem de
família do fiador.
Alguns magistrados, também com base no artigo 6º da Carta Magna,
manifestaram-se pela impossibilidade da penhora, sobrepondo-se à redação trazida pelo artigo
3º, inciso VII da Lei nº 8.009/90 “Bem de Família na Execução da Fiança”- Clito Fornaciari
Júnior “ïn” Tribuna do Direito- Dezembro de 2001; em decisão proferida pelo E. Tribunal de
Justiça do Distrito Federal in verbis:
“PROCESSUAL CIVIL - CIVIL - CONSTITUCIONAL - AÇÃO DE
EXECUÇÃO - PENHORA - FIADOR - DESCONSTITUIÇÃO DA
CONSTRIÇÃO JUDICIAL DOS BENS - IMPENHORABILIDADE DO
BEM DE FAMÍLIA - EXCEÇÃO PREVISTA NO ART. 3º, VII, DA LEI Nº
8.009/90, ACRESCIDO PELO ART. 82 DA LEI Nº 8.245/91 - NORMA
NÃO RECEPCIONADA PELA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº
26/2000 - ELEVAÇÃO DA MORADIA COMO DIREITO SOCIAL -
AGRAVO IMPROVIDO - MAIORIA. A NOVA ORDEM
CONSTITUCIONAL, EMANADA PELA EMENDA Nº 26/2000,
MERECE A REFLEXÃO DADA PELO IL. MAGISTRADO A QUO, AO
CONSIDERAR COMO NÃO RECEPCIONADOS OS PRECEITOS
INFRACONSTITUCIONAIS QUE CUIDAM SOBRE A EXCLUSÃO DO
BENEFÍCIO DA IMPENHORABILIDADE DO IMÓVEL RESIDENCIAL
DO FIADOR E DOS BENS QUE GUARNECEM A CASA. COM EFEITO,
AO ALÇAR A MORADIA A DIREITO SOCIAL DO CIDADÃO,
CONSIDEROU O LEGISLADOR CONSTITUINTE AS ATUAIS
CONDIÇÕES DE MORADIA DE MILHÕES DE BRASILEIROS, QUE
VIVEM EM SITUAÇÃO DEPRIMENTE E QUE CONFIGURAM
VERDADEIRA "CHAGA SOCIAL" PARA GRANDE PARTE DAS
METRÓPOLES DO PAÍS”. (Grifo nosso).
12
Decisão
NEGAR PROVIMENTO. MAIORIA.
(AI 20000020030532 AGI DF- Relator LECIR MANOEL DA LUZ- 4ª
Turma Cível- 13/11/2000.)
CONSTITUCIONAL.CIVIL.FIADOR: BEM DE FAMÍLIA; IMÓVEL
RESIDENCIAL DO CASAL OU DE ENTIDADE FAMILIAR:
IMPENHORÁBILIDADE. Lei nº 8009/90, arts. 1º e 3º . Lei 8.245 de
1991, que acrescentou o inciso VII, ao art. 3º , ressalvando a penhora “ por
obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação”: sua
não-recepção pelo art. 6º, C.F., com a redação da EC 26/2000. aplicabilidade
do princípio isonômico e do princípio de hermenêutica: ubi eadem ratio, ibi
eadem legis dispositio: onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a
mesma regra de Direito. (Recurso Extraordinário 352.940-4/SP –julgado
em 25/04/2005)
EMBARGOS DO DEVEDOR - EXECUÇÃO DE SENTENÇA -
PENHORA DE IMÓVEL DO FIADOR - BEM DE FAMÍLIA -
DIREITO FUNDAMENTAL GARANTIDO PELA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL - DESCONSTITUIÇÃO DA PENHORA. Conforme
entendimento jurisprudencial atual, tendo a CF/88 conferido ao direito de
moradia o status de direito fundamental, não pode prevalecer a regra
constante do art.3º, inciso VII da Lei 8.009/90, que permite a penhora do
bem residencial do fiador.A penhora do único imóvel residencial do fiador,
em razão de dívida oriunda de contrato locatício, configura ofensa ao
princípio da isonomia, porquanto não se permite a penhora do bem
pertencente ao locatário, devedor principal (Processo: 1.0024.05.813335-
6/001 – Relator: D. Viçoso Rodrigues – Julgado em 17/04/2007 )
13
Alguns doutrinadores entendem que há a possibilidade de se argüir a
inconstitucionalidade da penhora do bem de família do fiador em razão de obrigação derivada
de contrato de locação, por violação ao princípio da isonomia, na medida em que trata de
forma desigual o locatário e o fiador, embora as obrigações de ambos tenham a mesma base
jurídica, que é o contrato de locação11.
Esta via "não-exegeta" e humanitária, adotada por alguns aplicadores do
direito, tem uma importância para além do caso concreto em juízo, pois a reiteração das
decisões neste sentido acaba por influenciar, de certa forma, no entendimento social da lei por
parte dos demais aplicadores do direito12.
Uma grande defensora da tese da impenhorabilidade do bem de família do
fiador, a doutrinadora Eliane Maria Barreiros Aina, apresenta em seu livro “O Fiador e o
Direito à Moradia” a sua conclusão:
A conclusão que chegamos, no sentido da inconstitucionalidade do
dispositivo que permite a penhora do bem de família do fiador, soa-nos a
mais coerente com os ditames de justiça social – estes, infelizmente, tão
intensamente proclamados, quanto violados – ao partir da premissa da
inviolabilidade do mínimo vital. A nosso ver, se pretendemos realizar os
programas constitucionais de justiça social e erradicação da miséria, para
construirmos uma sociedade livre, justa e solidária faz-se necessário que
passemos a buscar os meios eficientes de alcançar esse resultado e não
ficarmos impassíveis diante de injustiças históricas. (Aina, O Fiador e o
Direito à Moradia, 2002, pág. 129)
11 Danilo Ferreira Andrade Vide jus navigandi artigo: O fiador e o seu bem de família em face da lei do inquilinato. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br /doutrina/texto.asp?id=4055, 12 Idem citação 10
14
Um dos mais importantes defensores da inconstitucionalidade da norma
jurídica discutida é, sem dúvida, o ministro Carlos Velloso, o qual ao analisar o tema na
decisão monocrática (RE 352.940), invocou o princípio constitucional da isonomia para
concluir ao final pela impossibilidade da penhora do bem de família do fiador. Visto que,
tendo sido reconhecido pela Constituição Federal que a moradia é um direito social, esta
deve sobrepor-se aos termos da legislação infraconstitucional, como já defendeu o professor
Clito Forniciari Júnior.
2.4. Constitucionalidade da penhora
No que infere ao princípio constitucional da moradia, argumentam os
contrários à tese de inconstitucionalidade que a incidência do direito social de moradia agora
previsto no artigo 6º da Constituição Federal, trataria-se de norma programática, carecendo,
portanto, de regulamentação, sem a qual não possuiria eficácia plena.
Desta maneira, apesar de existir um precedente para debater o assunto, o que
hoje em dia é suficiente para a defesa do particular, a inteligência pretoriana dominante é da
possibilidade da penhora do bem de família do fiador em contrato de locação pelas alterações
que a nova Lei de Locações (L. 8.245/91) trouxe à Lei do Bem de Família (L. 8.009/90), em
dispositivo de redação bastante explícita, e que a aplicação nos Tribunais pode ser vista nos
seguintes julgados13:
APELAÇÃO CÍVEL - EMBARGOS À EXECUÇÃO - PENHORA -
DÍVIDA DECORRENTE DE FIANÇA PRESTADA EM CONTRATO
13 Fabiano Tacachi Matte vide Vigilantibus artigo: A impenhorabilidade do bem de família do fiador em contrato de locação – Reflexões. Disponível no site http://jusvi.com/artigos/19142
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DE LOCAÇÃO - BEM DE FAMÍLIA - PENHORABILIDADE. O art. 6º
da Constituição Federal ao dispor sobre o direito de moradia como direito
social fundamental, não regula situações e relações individuais, muito menos
as relativas à locação, garantias locatícias e impenhorabilidade de bens do
devedor e fiador. O inc. VII do art. 3º da Lei nº 8.009/90, introduzido pela
Lei nº 8.245/91, veda a oposição da impenhorabilidade do bem de família em
processo movido por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato
de locação. O fiador, sendo demandado pelo locador por dívidas do locatário,
poderá ter seu bem de família penhorado para satisfazer o débito, ainda que
seja o único imóvel de sua propriedade e que nele resida com sua família.
Súmula: DERAM PROVIMENTO AO RECURSO, VENCIDA A
REVISORA (processo nº 1.0702.01.014110-0/001- relator: Adilson
Lamounier- Julgado em 19/04/2007)
EMBARGOS À EXECUÇÃO - FIADORES - PENHORA DE IMÓVEL
RESIDENCIAL - BEM DE FAMÍLIA - BENEFÍCIO QUE NÃO
ALCANÇA OS FIADORES NA LOCAÇÃO - LEI 8.009/90 - VOTO
VENCIDO. A impenhorabilidade do bem de família não alcança os
fiadores em contrato de locação, respondendo o imóvel destinado à
residência destes pelos débitos dos afiançados, segundo se infere da Lei n.
8.009/90 (Art. 3º, VII). V.v.: É igualmente impenhorável o imóvel, bem de
família, do fiador, por ofender o direito, constitucionalmente protegido, à
moradia. Devem ser tratadas com as mesmas normas jurídicas, situações
onde exista a mesma razão fundamental, em observância ao princípio da
isonomia. Súmula: DERAM PARCIAL PROVIMENTO, VENCIDA A
RELATORA (processo: 2.0000.00.519739-5/0001 – Relator: Albergaria
Costa – Julgado em 31/08/2005)
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Inclusive, recentemente, o Supremo Tribunal Federal decidiu por maioria de
votos nos autos do Recurso Extraordinário 407.688, em que foi relator o ministro Cezar
Peluso, pela possibilidade de penhora do único bem de família do fiador no contrato de
locação. Defendeu-se ainda o posicionamento de que o direito à moradia não estaria sendo
afrontado com a penhora, eis que, ao garantir a lei do inquilinato, esta exceção à regra de
impenhorabilidade dos bens de família, aumentou-se as garantias locatícias, trazendo menos
risco a essa modalidade de contrato e, portanto, menores preços aplicados no mercado, o que,
na prática refletiria até mesmo em maior garantia de acesso ao direito de moradia.
Com relação à alegação de violação ao princípio da isonomia, os
defensores da constitucionalidade da penhora alegam que não se poderia confundir as
figuras do locatário e do fiador, por terem esses naturezas jurídicas diversas, sendo
que apesar do gravame maior recair sobre o fiador, tal fato, por si só, não
representaria uma ofensa ao princípio da isonomia. Ao contrário, com o
reconhecimento da inconstitucionalidade da norma, haveria um benefício exclusivo
paro o fiador tratando as partes de maneira desigual, aí sim ferindo o princípio
constitucional.
3. BEM DE FAMÍLIA – LEI 8.009/90
3.1. Histórico
A origem da proteção ao Bem de Família veio dos Estados Unidos da América,
do Estado do Texas no início do século XIX. Isso ocorreu em virtude de uma grave crise
econômica que assolou no Estado, e para proteger as famílias que viviam da agricultura foi
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criada uma medida que tornava impenhorável a pequena propriedade familiar do agricultor,
além dos instrumentos de trabalho nela encontrados. Assim, sua família ficava protegida no
caso de um desastre econômico. O instituto ficou conhecido como homestad (lugar do lar),
que garantia a posse do território colonizado, ao mesmo tempo em que evitava uma crise
emergente, objetivando o desenvolvimento de uma civilização, cujos cidadãos tivessem o
mínimo necessário a uma vida decente e humana.14
No Brasil, o Código Civil de 1916, tentou fornecer amparo legal ao bem de
família disciplinando a matéria em seus arts. 70 a 73, reconhecendo uma impenhorabilidade
limitada e uma inalienabilidade relativa, por meio da inscrição do imóvel no Registro
Imobiliário.
Porém, transferindo para o chefe de família a incumbência de gravar no
Registro Imobiliário a condição de seu imóvel como bem de família, dificultou o acesso a
esse benefício, concluindo-se que o Código Civil de 1916 não havia conseguido atingir sua
finalidade, qual seja, fornecer maior proteção ao imóvel residencial do casal ou entidade
familiar.
Com isso, e principalmente pela necessidade de regulamentar a proteção
constitucional à família (art. 226 CF), e o respeito à dignidade da pessoa humana (art. 1º III,
CF), criou-se por meio da Medida Provisória 143/90 a Lei 8009/90.
A Lei do Bem de Família foi criada com a finalidade de proteger a família,
com o intuito de dar segurança jurídica , garantindo que nenhuma dívida de natureza civil,
comercial, fiscal, previdenciária ou de qualquer natureza recaia sobre o imóvel residencial
da família, salvo nas hipóteses previstas na Lei.
3.2. Noções Preliminares
14 João Hora Neto Vide jus navigandi artigo: O bem de família, a fiança locatícia e o direito à moradia. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10149
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Reza o art. 1 inciso VII da lei 8.009/90 que:
"O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é
impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial,
fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou
pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas
hipóteses previstas nesta lei. Parágrafo único - A impenhorabilidade
compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações,
as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os
de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa deste, desde que
quitados"
A Lei nº 8.009/90 tornou impenhorável o único imóvel da família, não
respondendo este por dívidas contraídas pelos cônjuges, pelos pais e filhos que sejam seus
proprietários e nele residam, salvo as exceções expressamente previstas pela própria lei. Este
dispositivo veio a atender uma crescente necessidade social de regulamentação da proteção
constitucional à família e à dignidade da pessoa humana.
Com a Medida Provisória 143/90, convertida na Lei n° 8009/90, extinguiu-se a
exigência de registro para instituição do bem de família, fornecendo maior proteção ao imóvel
e à família.
Entende-se como bem de família o imóvel residencial próprio do casal ou da
entidade familiar, abrangendo a união estável entre homem e mulher e qualquer relação dos
pais com seus descendentes.
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3.3 Proteção da Lei 8.009/90 estendida aos solteiros
Após acirrados debates sobre à penhorabilidade do bem de família do
devedor, chegou à compreensão de que os benefícios desta Lei também dão respaldo aos
solteiros, já que sua principal função é a proteção de um direito fundamental, qual seja, o
direito à moradia. Esse entendimento não se tornou pacífico conjuntamente com a chegada
da Lei 8009/90, mas atualmente os Tribunais parecem ter firmado um único entendimento a
favor da impenhorabilidade quando o devedor possui apenas um único imóvel, a sua
residência. Devemos concordar que há uma grande lógica em proteger o bem de família de
um indivíduo solteiro, já que o que se busca com a Lei é a proteção da dignidade humana,
fundamentada pelo direito da pessoa possuir uma moradia garantida constitucionalmente.
IMPENHORABILIDADE. DEVEDOR. SOLTEIRO.
SOLITÁRIO. A interpretação teleológica do art. 1º da Lei n.
8.009/1990 revela que a norma não se limita ao resguardo da família.
Seu escopo definitivo é a proteção de um direito fundamental da
pessoa humana: o direito à moradia. Se assim ocorre, não faz sentido
proteger quem vive em grupo e abandonar o indivíduo que sofre o
mais doloroso dos sentimentos: a solidão. É impenhorável, por efeito
do preceituado no art. 1º da Lei n. 8.009/1990, o imóvel em que
reside, sozinho, o devedor celibatário. ( Precedente citado: EREsp
182.223-SP, DJ 7/4/2003. REsp 450.989-RJ, Rel. Min. Humberto
Gomes de Barros, julgado em 13/4/2004.)
20
BEM DE FAMÍLIA. PESSOA SOLTEIRA. EXTENSÃO DA
PROTEÇÃO.A lei n. 8.099/90, artigo 1º precisa ser interpretada
consoante o sentido social do texto. Estabelece limitação à regra
draconiana de que o patrimônio do devedor responde por suas
obrigações patrimoniais. O incentivo à casa própria busca proteger as
pessoas, garantindo-lhes o lugar para morar. Família, no contexto,
significa instituição social de pessoas que se agrupam, normalmente
por laços de casamento, união estável ou descendência. Não se
olvidem ainda os ascendentes. Seja o parentesco civil ou natural.
Compreende ainda a família substitutiva. Nessa linha, conservada a
teleologia da norma, o solteiro deve receber o mesmo tratamento.
Também o celibatário é digno dessa proteção. E mais. Também o
viúvo, ainda que seus descendentes hajam constituído outras famílias,
e como, normalmente acontece, passam a residir em outras casas.
Data venia, A Lei n. 8.009/90 não está dirigida a número de pessoas.
Ao contrário – à pessoa. Solteira, casada, viúva, desquitada,
divorciada, pouco importa. O sentido social da norma busca garantir
um teto para cada pessoa. Só essa finalidade, data venia, põe sobre a
mesa a exata extensão da Lei. Caso contrário, sacrificar-se-á a
interpretação teleológica para prevalecer a insuficiente interpretação
literal. (Precedente citado: STJ Ac. Um. 6ª t. 20.09.99. Resp.
182.223-SP rel. Min. Vicente Cercchiaro. Adv. 91024)
EXECUÇÃO. BEM DE FAMÍLIA. Ao imóvel que serve de morada
às embargantes, irmãs e solteiras, estende-se a impenhorabilidade de
que trata a Lei 8.009/90. (REsp. nº 57.606-7/MG - Decisão unânime
em 11/04/1995 - DJ de 15/05/1995, p. 13.410)
21
Desta forma, o instituto do Bem de Família é extensivo ao indivíduo sozinho,
seja ele solteiro, viúvo, divorciado, casado, ou seja, independente de seu estado civil, pois o
sentido da norma visa a proteção da moradia e consecutivamente da dignidade de cada
pessoa.
A corrente minoritária, já pacificada, tinha como base principalmente no
nome do instituto, qual seja, a Lei do Bem de Família, que visa a proteção do bem “de
família”, e não do único bem de um indivíduo. Pois, a intenção desta Lei no momento de sua
criação foi a proteção da família e não da pessoa em si.
Portanto, essa extensão aos solteiros não era apreciada de forma igualitária,
possuindo defensores como Álvaro Villaça Azevedo e Carlos Gonçalves, que defendiam a
penhorabilidade visto que a compreensão desta norma legal exclui a pessoa solteira, sob o
argumento geral de que a regra não a privilegiou.
IMPENHORABILIDADE. LEI Nº 8.009, DE 29.3.90.
EXECUTADO SOLTEIRO QUE MORA SOZINHO. A Lei
n.8.009/90 destina-se a proteger, não o devedor, mas a sua família;
assim, a impenhorabilidade nela prevista abrange o imóvel
residencial do casal ou da entidade familiar, não alcançando o
devedor solteiro, que reside solitário.(REsp. nº 67.112/RJ – 4ª
Turma, julg. 29/8/95 - DJ de 23/10/95, p. 35681 - in RT 726/203)
Após vários debates, foi necessário apreciar a questão com maior
flexibilidade, vez que nos dias de hoje muitas pessoas vivem sua vida toda sozinhas, não
chegando a formar uma família, além da ocorrência dos milhares de divórcios, separações,
uniões estáveis, união de pessoas do mesmo sexo, e, com isso, o Direito tem que acompanhar
a evolução da sociedade e adequar suas normas à realidade.
22
3.4. O questionamento da inconstitucionalidade da Lei 8.009/90
O fundamento principiológico desta Lei parte da idéia de que é essencial a
preservação do direito a moradia contra a expropriação patrimonial por dívidas, protegendo
assim, a dignidade do indivíduo e sua família.
Porém, logo com a edição desta Lei, houve o questionamento de sua
constitucionalidade, pois traria ao credor um grande prejuízo de ver seu direito desprotegido
em função da garantia da impenhorabilidade instituída. Assim expõe sua posição Carlos
Callage15: “torna inócuo o princípio universal da sujeição do patrimônio às dívidas, acolhido pela
Constituição brasileira (art. 5º, incs. LXVII, LIV) e atinge o próprio regime econômico básico
adotado pela Carta que pressupõe relações obrigacionais das mais diferentes espécies, suprimindo
as garantias e a eficácia coetiva do direito de crédito”.
Em resposta a este questionamento sobre a inconstitucionalidade exposta por
alguns autores, dentre eles Carlos Callage, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por
sua 11ª Câmara Civil, em 24.09.1992, por votação unânime, sendo Relator o Dês. Itamar
Gaino16, expõe: ”Não é considerada inconstitucional a ampliação do instituto do bem de família
pela Lei Federal 8.009, de 1990, uma vez que objetiva garantir um abrigo para família, em
condições de habitabilidade”.
Desta forma, a questão sobre a inconstitucionalidade da Lei 8.009/90 tornou-
se pacífica no mundo jurídico, pois vislumbrou-se que esta não viola o princípio da sujeição
do patrimônio do devedor ao pagamento de seus débitos, somente resguarda a este devedor a
garantia da impenhorabilidade sobre um de seus bens, qual seja, o de sua moradia. Desta
15Carlos Callage, Inconstitucionalidade da Lei 8.009, de 29.03.1990 (Impenhorabilidade do imóvel
residencial)RT 662/58-63, especialmente p.63 apud Álvaro Villaça de Azevedo, Bem de Famíla p.157 16 JTJ Lex 141/246. apud Álvaro Villaça de Azevedo, Bem de Famíla p.157
23
forma, os débitos que uma pessoa possuir só poderão ensejar execução sobre os seus outros
bens, mas nunca sobre seu bem de família.
3.5. Bem de família do fiador - uma exceção à Lei 8.009/90
Como toda regra possui exceção, nem todos estão protegidos pelos benefícios
da Lei 8.009/90, o que está muito bem explicitado em seu art. 3º.
Em 1991 houve a introdução do inciso VII no artigo 3º da referida lei por
força do artigo 82 da lei 8.245/91 (Lei de Locação) que diz:“O art. 3º da Lei 8009, de 29 de
marco de 1990, passa a vigorar acrescido do seguinte inciso VII: por obrigação decorrente
de fiança concedida em contrato de locação.”
Ou seja, a partir da introdução do inciso VII no art. 3º da Lei 8.009/90, foi
acrescida mais uma exceção à alegação de impenhorabilidade do bem familiar, qual seja, a
obrigação advinda de fiança locatícia, podendo, portanto, o imóvel dado como garantia no
contrato de locação ser penhorado caso o locatário não pague o aluguel.
Desde então, nossos Tribunais reconhecem e debatem a validade da penhora
do único bem do fiador, quando esta resultar de obrigação originada em contrato de locação;
conforme decisões a seguir:
EMENTA: Penhora: bem de família do fiador de contrato de locação:
inexistência de violação ao artigo 6º da Constituição Federal, com a
24
redação dada pela EC 26/2000. Precedente (RE 407.688, Plenário,
08.02.2006, Cezar Peluso, DJ 06.10.2006).
EMENTA: RECURSO. Extraordinário. Inadmissibilidade. Fiador.
Locação. Responsabilidade solidária pelos débitos do afiançado.
Penhora de seu imóvel residencial. Bem de família. Admissibilidade.
Inexistência de afronta ao direito de moradia, previsto no art. 6º da CF.
Constitucionalidade do art. 3º, inc. VII, da Lei nº 8.009/90, com a redação da
Lei nº 8.245/91. Jurisprudência assente. Ausência de razões consistentes.
Decisão mantida. Agravo regimental improvido. Nega-se provimento a
agravo regimental tendente a impugnar, sem razões consistentes, decisão
fundada em jurisprudência assente na Corte. (AI-Ag R 496823/ SP - SÃO
PAULO AG.REG.NO AGRAVO DE INSTRUMENTO Relator(a):
Min.CEZAR PELUSO Julgamento: 18/12/2007- Órgão Julgador:
Segunda Turma)
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO
EXTRAORDINÁRIO. PENHORA. FIADOR. BEM DE FAMÍLIA.
LEGITIMIDADE. 1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o
RE n. 407.688, decidiu pela possibilidade de penhora do bem de família de
fiador, sem violação do art. 6º da Constituição do Brasil. Agravo regimental
a que se nega provimento. (RE-AgR 477953 / SP - SÃO PAULO
AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Relator(a): Min.
EROS GRAU Julgamento: 28/11/2006 Órgão Julgador: Segunda
Turma)
25
Perante os Tribunais brasileiros vislumbra-se a drástica situação dos fiadores
que muitas vezes são condenados a pagar quantias altíssimas em prol dos verdadeiros
inadimplentes, os locatários.
Geralmente perdem seu único imóvel residencial para honrar a dívida
contraída pelos locatários, vez que, a impenhorabilidade do bem de família nem sempre é
oponível em processo de execução, quando a obrigação decorre de fiança locatícia.
Desta forma, o fiador, sendo demandado pelo locador, por dívidas assumidas
pelo locatário, acaba vendo seu único bem de família penhorado para satisfazer o débito.
A professora Maria Helena Diniz ensina que:
“Perante esta disposição normativa, o fiador de contrato de locação
não poderá opor a impenhorabilidade do imóvel que lhe serve de
moradia, no processo de execução contra ele movido, em razão de
fiança prestada (AASP, 1.810:6, 1.733:3). Se o inquilino não cumprir
seus deveres locatícios, abrir-se-á execução contra o seu fiador, e o
seu imóvel onde este reside não estará coberto pela garantia de
insuscetibilidade de penhora”.
3.6. A situação do locatário possuidor de um imóvel
Ocorrem casos de o Locatário possuir um imóvel próprio e mesmo assim o
Locador ao realizar o contrato de locação exigir deste, como garantia contratual, um fiador
26
possuidor de no mínimo um imóvel, porque o Locatário, mesmo sendo proprietário de um
bem, ao contrário do fiador, encontra-se protegido pela Lei 8009/90. Ou seja, o locador pode
executar o fiador e penhorar seu “bem de família” , porém, não pode executar o locatário
possuidor de um único imóvel.
Desta forma, podemos notar a violabilidade do princípio da igualdade, vez que
trata de forma diversa indivíduos que se encontram na mesma situação, ou seja, o fiador e o
locatário. Pois quando o fiador assume a qualidade de devedor solidário com renúncia ao
benefício de ordem, ele é tratado como se fosse o devedor originário.
Por isso o questionamento, porque o bem do fiador é penhorável e do locatário
é impenhorável, se ambos são devedores solidários?
A resposta para essa questão encontra-se na própria Lei 8.009/90, que é
taxativa, expressa e muito clara em seu art. 3º, inc. VII, no sentido de que apenas o fiador
encontra-se no rol das exceções ao benefício da impenhorabilidade do bem de família no caso
de obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.
Desta forma, apesar de não haver qualquer fundamentação jurídica, e muito
menos lógica, temos que aceitar que o princípio da igualdade está sendo violado
simplesmente porque a Lei 8.009/90 não faz nenhuma menção ao locatário nas exceções ao
benefício à Lei do Bem de Família, resguardando ao mesmo seu direito à moradia.
Portanto, a situação do locatário é diferente da realidade do fiador por mera
disposição legal, não sendo possível fazer uma interpretação extensiva no caso do locatário
possuidor de um imóvel, porque estaria prejudicando uma parte para beneficiar outra.
3.7. A impenhorabilidade do bem de família do Locatário pelo Locador
27
Na ação de despejo cumulada com cobrança, geralmente o credor cobra o
crédito exclusivamente do fiador, sem nem ao menos tentar receber a dívida ou parte dela, do
devedor principal. Isto se deve ao fato de estar o Locatário protegido pela Lei 8009/90,
incluído no rol das exceções ao benefício da impenhorabilidade.
É importante salientar que a Ação de Despejo por falta de Pagamento de
aluguéis e encargos locatícios cumulada com Ação de Cobrança, art. 62 da Lei 8.245/91 ou
91, tem duplo fundamento, pois o pedido baseia-se na rescisão da locação e no pagamento do
débito. Portanto, ao propor a ação, deve ser pedida a citação do locatário para quitar o débito,
e no caso de não pagamento, que seja devolvido o imóvel para prosseguir a cobrança face ao
fiador, que será intimado para ter ciência da ação de despejo e citado para responder pela ação
de execução.
Muitos contratos de locação possuem uma cláusula que fazem com que o
fiador renuncie ao seu direito de ordem: “... que neste ato, renuncia expressamente ao
direito do artigo 827 do Código Civil Brasileiro...”
Art. 827 do CC: “ O fiador demandado pelo pagamento da dívida tem
direito a exigir, até a contestação da lide, que sejam primeiro
executados os bens do devedor.”
Desta forma, renunciando o fiador ao seu direito de ser executado
posteriormente ao locatário, fica vulnerável às pretensões do credor, que com certeza prefere
executar primeiramente o fiador, poupando tempo, já que contra o locatário provavelmente
não encontrará bens que satisfaçam a obrigação, ou, havendo apenas um único bem, encontra-
se este protegido contra a penhora.
28
Devendo ser observado que ao celebrar o contrato de locação nos termos do
art. 818 do Código Civil, o fiador fica responsável pelo cumprimento do avençado, o que
torna o instituto da fiança como uma das garantias contratuais mais respeitadas.
Há, porém, a possibilidade de o fiador em ação regressiva executar o locatário,
para ser ressarcido dos prejuízos sofridos.
3.8. A penhora do bem de família do locatário em ação regressiva movida
por seu fiador
De acordo com a interpretação de alguns doutrinadores, o Locatário não pode
mais ser apenas beneficiado com a Lei 8009/90, podendo ser demandado em ação regressiva
pelo seu fiador.
Art. 349 do Novo Código Civil :
“A sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações,
privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida, contra o devedor
principal e os fiadores.”
29
Esta teoria se deve ao fato de que se tratando de direito de regresso do fiador, a
situação não é idêntica àquela na qual o locador é o exeqüente, pois a ação é movida em razão
de obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação, estando, desta forma,
enquadrado na hipótese do inciso VII do art. 3º da Lei 8009/90.
Sendo assim, o fiador ao pagar a dívida do locatário se sub-roga nos direitos de
credor, de acordo com o art. 349 do C.C., e a exceção prevista no inc. VII do art. 3º da Lei
8009/90 também lhe beneficia, não podendo o devedor principal argüir a impenhorabilidade
do bem de família.
Alguns Tribunais tem firmado entendimento jurisprudencial neste sentido:
EXECUÇÃO - PENHORA - BEM DE FAMÍLIA - FIADOR - SUB-
ROGAÇÃO NO DIREITO DO CREDOR - IMPENHORABILIDADE
DO BEM DO DEVEDOR AFASTADA - CABIMENTO - EXEGESE
DO ARTIGO 3º, VII, DA LEI 8009/90 E ARTIGO 988, DO CÓDIGO
CIVIL
“O fiador que paga a dívida locatícia do afiançado se sub-roga nos direitos
do credor principal, mercê do que, na ação regressiva contra o afiançado,
este não poderá invocar a impenhorabilidade do bem de família prevista na
Lei 8009/90, uma vez que se trata de obrigação decorrente da fiança.
Interpretação que ensejasse ao afiançado livrar-se do pagamento regressivo
ao seu fiador, sob o escudo da impenhorabilidade do bem de família,
afrontaria o conceito de justiça e vulneraria o princípio da razoabilidade”.E.
2TAC São Paulo - AI 701.575-00/1 - 5ª Câm. - Rel. Juiz PEREIRA
CALÇAS - J. 27.6.2001
30
Desta forma, o fiador tem o ressarcimento dos seus prejuízos podendo
penhorar o bem imóvel do Locatário, se possuir, bem como os bens que guarnecem sua
residência, como televisores, vídeos e etc.
Silvio Rodrigues nos ensina que:
“Como o inadimplemento das obrigações representa elemento de
desequilíbrio na harmonia social, o ordenamento jurídico almeja, e
por isso anima, o seu cumprimento. Proporcionando ao terceiro que
paga dívida alheia maiores garantias de reembolso, a lei decerto o
anima a resgatá-las”.
Neste sentido, já nos deparamos com julgados que garantem, portanto,
em caso de ação regressiva contra o locatário, que este não se possa valer do
benefício da impenhorabilidade, eis que esta se trata de uma obrigação decorrente da
fiança.
Nem todos pensam desta forma, muitos entendem que o imóvel do Locatário
está totalmente protegido pela Lei 8009/90, já que a Lei é clara ao dizer quais são as exceções
aos benefícios da mesma e principalmente por não haver qualquer menção ao imóvel do
Locatário.
Vejamos a jurisprudência a seguir :
31
"LOCAÇÃO. FIADOR QUE PAGA A DÍVIDA AO LOCADOR. SUB-
ROGAÇÃO LEGAL. EXECUÇÃO CONTRA O LOCATÁRIO-
AFIANÇADO. BEM DE FAMÍLIA. PENHORA. IMPOSSIBILIDADE
LEGAL. 1. A impenhorabilidade do bem de família é regra, somente
cabendo a exceções legalmente previstas. Nos termos da Lei nº 8.009/90, art.
3º, VII (incluído pela Lei nº 8.245/91, art. 82), é possível a penhora do bem
de família como garantia de obrigação decorrente de fiança concedida em
contrato de locação. 2. O fiador que paga integralmente a dívida a qual se
obrigou, fica sub-rogado nos direitos e garantias do locador-credor.
Entretanto, não há como estender-lhe o privilégio da penhorabilidade do bem
de família em relação ao locatário-afiançado, taxativamente previsto no
dispositivo mencionado, visto que nem mesmo o locador o dispunha. 3.
Recurso conhecido e provido." (RESP n. 255.663-SP, Quinta Turma, Relator
Ministro Edson Vidigal, DJ de 28-8-2000)
32
CONCLUSÃO
Quando houver conflito entre dois ou mais direitos fundamentais, o intérprete
deve valer-se da idéia de harmonização, para evitar o sacrifício total de uns em detrimento de
outros. No caso, se formos analisar o direito à impenhorabilidade do imóvel do fiador como
um direito fundamental, protegido pela carta Magna em seu art. 6º , estaríamos focando
apenas a situação particular daquele contrato onde ocorreu o descumprimento da obrigação
pelo inquilino e o fiador foi acionado, e se formos vislumbrar a questão com maior
abrangência, veremos que o impacto na sociedade seria muito maior se os contratos
perdessem sua garantia, tornando assim, a locação um negócio de alto risco para os
locadores, e talvez até inviável.
Portanto, se esta corrente minoritária liderada pelo Ministro Carlos Velloso
ganhar mais adeptos, corremos um enorme risco de aumento do déficit de moradia no país,
além de vários problemas e injustiças indiretas.
Pois apesar de serem os argumentos do ministro utopicamente motivadores,
acredito que, efetivamente, o inciso VII do artigo 3º da Lei nº 8.009/90 não fere a Constituição
Federal, visto ser o direito social da moradia uma norma pragmática a ser cumprida pelo
poder público, como os demais direitos sociais estabelecidos no artigo 6º da Constituição de
1988.
Senão, existiriam defensores não apenas do inciso VII do artigo 3º da Lei
8009/90, mas de todos os incisos deste artigo, pois todos são exceções à impenhorabilidade do
bem de família do devedor.
Desta forma, vislumbrando o direito fundamental à moradia, do ponto de vista
da função social do contrato na relação locatícia, podemos perceber que de nada resolveria
estender ao fiador os benefícios da impenhorabilidade de seu único bem, ao contrário, geraria
à sociedade problemas indubitavelmente maiores, restringindo o acesso à moradia para um
33
grupo inferior de pessoas, qual seja, apenas aquelas que possuírem fiadores proprietários de
dois ou mais imóveis.
Sendo assim, resta demonstrado que apesar de trágica a situação do fiador,
no momento que é exposto à penhora de seu único bem, não há como tentar buscar a solução
no princípio constitucional do direito à moradia, pois estaria analisando de forma individual
somente o direito das partes no litígio, prejudicando toda uma sociedade.
Por todo o exposto, apesar de haverem algumas decisões judiciais no sentido
da impenhorabilidade, em respeito aos princípios da isonomia, moradia e dignidade da pessoa
humana, deve-se ressaltar a necessidade de preservar a segurança jurídica, através de sua
imposição ao cumprimento dos contratos firmados entre os particulares pois graças a ela é
que o Estado de Democrático de Direito subsiste, preservando e dando eficácia
(principalmente social) a outros direitos.
Então deve insurgir a validade da penhora frente ao bem do fiador quando este
advir de obrigação contraída através do instrumento de contrato de locação assumindo este,
responsabilidade solidária com o locatário quanto ao adimplemento da obrigação com base no
princípio da especialidade da lei, e da exceção legal prevista pela Lei nº 8.009/90.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Inquilinato. Jus Navigandi, Teresina,a.7 n. 65, maio 2003. Disponível em:
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BOBBIO, Norberto , A era dos Direitos, editora : campus, 1992, RJ
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35
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SCHIEFER, Uyára. : Sobre os direitos fundamentais da pessoa humana .Jus
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SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. Ed Malheiros, São
Paulo, 15ª Ed., 1998
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