O metabolismo caiçara é uma operação urbana na cidade de Peruíbe / SP que interpreta o Rio Preto como eixo indutor do binário infraestrutura-paisagem.
O trabalho começa pela assimilação do território caiçara a partir do método da deriva, à caiaque, para reconhecimento das margens do Rio Preto.
Na escala do planejamento urbano, o metabolismo caiçara se fundamenta no paradigma do metabolismo circular (ecologia), considerando os horizontes possíveis de fluxos de matéria, água, energia e pessoas circulando pelo território.
Na escala do desenho urbano, o metabolismo caiçara se projeta como cidade-parque-fluvial,
permeando o tecido da cidade, drenando, servindo paisagem ao território e atuando como arquitetura de resiliência, promovendo uma barreira entre o tecido urbano e as enchentes do rio.
Na escala do projeto arquitetônico, o metabolismo caiçara se fundamenta nos princípios da arquitetura do metabolismo japonês no que tange ao crescimento orgânico e regeneração do território, desenhando esquematicamente uma hipótese de sistema de margens, abrigando os programas de habitação em frentes de água. Por fim, também é desenvolvida a hipótese de um projeto para um condensador socioambiental (terminal intermodal e centro cultural), ponto nodal do metabolismo caiçara.
metabolismo caiçara
brasil são paulo região metropolitana da baixada santista (RMBS)
peruíbe rio preto
16kmoperação urbana em peruíbe
matéria água energia pessoas
1|8
A palavra caiçara tem origem no termo indígena “kaai’sa” e se refere ao abrigo tosco ou palhoça, geralmente na beira da praia ou do rio, para guardar embarcações, jangadas, redes e materiais de pescadores, assim como à armadilha para apanhar peixes, mas também se refere ao nativo ou habitante do litoral, em especial pescador.
O povo caiçara é originário da miscigenação entre índios, negros africanos e portugueses que ocuparam o espaço litorâneo dos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná desde os primórdios da colonização do Brasil.
Estudar o processo da urbanização de Peruíbe remete à sua origem como vila fundada pelos Jesuítas no século XVI. Mas foi o vetor econômico do turismo balneário que condicionou o crescimento e expansão da cidade ao longo da segunda metade do século XX e início do século XXI.
Um processo de segregação socioespacial foi se conformando no tecido urbano de Peruíbe quando a população flutuante, de maior renda, na procura de segunda residência, induziu a população fixa, de menor renda, para os setores mais afastados da orla marítima. Foi nos bairros “depois da linha”, “da ponte pra lá”, nas várzeas do Rio Preto e nos mangues que a população fixa se estabeleceu.
Durante as derivas, foi possível observar a riqueza daquelas relações entre sociedade e água nas margens dos rios, como as pequenas situações de apropriação das margens pelas crianças que brincam e senhoras que pescam do quintal. Mas, durante os percursos, essas relações se mostraram presentes apenas nos quintais das casas na imediata orla fluvial e nas pequenas e precárias pracinhas de frente para o mangue. Contraditoriamente, as relações de apropriação e uso das margens eram acompanhadas do despejo de esgoto diretamente sobre o leito do rio.
Ou seja, grande parte da população dos bairros próximos aos rios não desfruta diretamente da oferta desses espaços, já que se configuram territórios privados, e o Rio Preto se torna presente na rotina das pessoas apenas nos momentos de transposição e de enchentes.
Foi o urbanismo rodoviarista e mercantilista o principal fator que configurou o território na maioria das cidades brasileiras, onde projetos de loteamentos ignoraram os rios, urbanizando suas várzeas e deixando para o esquecimento as orlas fluviais, agora nas bordas da cidade. Hoje, a frente de água é fundo dos lotes.
A partir da deriva à caiaque foi possível perceber que Peruíbe está em um território que possui todas as virtudes para se desenvolver social e economicamente de modo sustentável, mas se encontra carente, fragmentada e estigmatizada. Nesse sentido, Guy Debord coloca que a deriva desconstrói um território e desnuda uma cidade. Assim, onde havia um conjunto de lembranças fragmentadas no meio de uma grande amnésia urbana, constrói-se uma nova ideia de lugar.
Nesse contexto, o Rio Preto surge como fio condutor de uma narrativa possível
_diagrama: série histórica do processo de ocupação do rio preto
_diagrama: estágios de volume d’água no rio preto
_deriva noterritório caiçara
1. ecossistema primitivo
até século XVI
1. estiagem
2. comunidade caiçara
tradicional
até início do século XX
2. nível médio
3. loteamentos no leito maior
do rio preto
séculos XX e XXI
3. cheia
4. assentamentos
precários nas margens
últimas décadas do
séc. XX até hoje
4. enchente
2|8
A zona urbanizada do município de Peruíbe se encontra delimitada entre a Serra do Itatins e a Serra do Mar. O Rio Preto percorre a cidade transversalmente traçando um percurso a partir de sua nascente, na zona rural, até sua foz, no Oceano Atlântico.
O mangue foi suprimido pelo processo de urbanização desde a metade do século XX. Tanto o loteamento das várzeas do Rio Preto quanto a sua retilinização foram responsáveis pela supressão desse ecossistema. A consequência desse processo foi a diminuição da oferta de pesca e a maior ocorrência de enchentes.
A ocorrência de assentamentos precários está localizada, principalmente, nas margens e várzeas do Rio Preto, assim como as áreas de maior densidade demográfica.
As ZEIS são demarcadas em bairros populares com terras de menor valor venal, grande parte está próxima às várzeas dos rios.
Do déficit habitacional de Peruíbe, no que tange aos assentamentos não-consolidáveis, 964 famílias vivem em áreas de proteção ambiental e 400 famílias vivem em parcelamentos clandestinos, necessitando de HIS.
As áreas de maior produção de viagens diárias coincidem com os bairros populares da periferia. A área de principal destino das viagens diárias é o centro da cidade, que abriga a maior oferta de empregos formais, assim como de equipamentos urbanos.
É possível notar a carência de espaços livres de uso público nos bairros mais periféricos, assim como de equipamentos culturais.
Essa configuração territorial faz com que a população tenha que se deslocar por grandes percursos para satisfazer suas necessidades diárias de trabalho, estudo, lazer e consumo. Os principais modais utilizados são a pé (37% das viagens diárias), bicicleta (28%) e ônibus (18%), apesar da fragmentação do território e da carência de ciclovias no município.
As áreas com maior ocorrência de enchentes estão localizadas nos bairros de população fixa de menor renda e maior densidade e o setor onde há ausência de rede de coleta de esgoto coincide com os bairros depois da linha férrea.
O resultado da deficiência de infraestrutura urbana nesses lugares reflete na maneira como a sociedade se relaciona com o ambiente: esgoto à céu aberto e despejado no leito do rio é recorrente nesses assentamentos, como visto em levantamento fotográfico.
Nesse contexto, a bacia hidrográfica do Rio Preto poderia ser interpretada como máquina hidráulica necessária à cidade, para reorganizar a drenagem e requalificar suas margens como um sistema público de paisagem e infraestrutura.
_diagnóstico urbano: emergências e
potencialidades
possbilidade: rede de fluxos [matéria, água, energia e pessoas] configura o sistema do metabolismo caiçara
ocorrência de enchentes com menor frequência (a cada 3
anos)ausência de rede de coleta
de esgoto
aterro sanitário
ocorrência de enchentes com maior frequência (anuais)
maior produção de viagens diárias
maior destino de viagens diárias
ciclovias
educação
saúde
cultura
praça
itinerários de ônibus
renda familiar até 1 s.m.
zeis
ocorrência de assentamentos precários
densidade > 250 hab/ha
área com potencial de produção agrícola
1980
1992
2017
1962
terminal intermodalfluvial-ferroviário
produção aprox. = 1,75kg / hab. / diapopulação: 66.575 hab.
> 1,75 kg X 66.575 hab = 117t / dia
fluxo total de matéria = 227t / dia
capacidade de produção = 5t / ha / anoestimativa de área: 750 ha5t / ha X 750ha = 10t / dia
fluxos de matéria_
capacidade de produção = 15t / ha/ anoestimativa de área: 2.000 ha
> 15t / ha / ano X 2.000 ha = 100t / dia
aquicultura
resíduos sólidos
agricultura urbana e rural
infiltração:drenagem + paisagem
área de mangue suprimido + assentamentos precários não-consolidáveis = 2.700 hade novas áreas alagáveis e frentes deágua para regeneração do território
lagos de retenção à montante:superfície total = 1.000 ha
profundidade máxima = 2,00 mcapacidade total de retenção = 2.000.000 m³
implantação de sistema de drenagem + abertura de canais de drenagem como sistemas de paisagem e espaço público
regeneração de frentes de água
fluxos de água_
energia solar
1 aerogerador em região com ventos médios de 7m/s produz 500 MW / dia;
trecho de 20 km entre Peruíbe eItariri comporta:
40 aerogeradores = 20 GW / dia(30% consumo da cidade)
se até 30% dos domicílios de peruíbe forem abastecidos por energia solar, haverá
economia de 20 GW, e a população flutuante pode distribuir a energia excedente nos
meses de baixa temporada
aprox. 50% dos resíduos sólidos são matéria orgânica, ou seja: 58,5t / dia de matéria orgânica podem ser transformadas em
adubo e energia
biodigestor
energia eólica
fluxos de energia_
déficit habitacional (assentamentos não consolidáveis) = 964 famílias em áreas
de proteção ambiental e 400 famílias em parcelamentos clandestinos
> habitações + frentes de água = modo de vida caiçara
transposições a cada 500mpara maior conectividade entre bairros e
estimular os modais não-motorizadostransposições físicas
produção de habitaçãono parque fluvial
fluxos de pessoas_
3|8
1:15.000
13 4
6
6
7
8
9
10
10
11
12
12
12
13
14
15
16
2
5
6
6
6
7
8
8
8
9
9
11
12
13
IMPLANTAÇÃO | METABOLISMO CAIÇARA1:15.000
terminal intermodal fluvial-ferroviárioterminal intermodal fluvial-rodoviário e cooperativa agrícolafábrica de cidades (pré-fabricados para regeneração e desenvolvimento do metabolismo)estaleiro e cooperativa de pesca
cooperativa de reciclagemunidade de vizinhança caiçaracondensador social (equipamento comunitário)aquiculturaagricultura urbana
frentes de água parque de preservação parque de recreação parque híbridoinfiltração (abertura de canais)
aerogeradoresmarina e porto de ecoturismomirante e observatório
12
3
4
5
67
89
1011
12
13
14
15
16
pontos nodais(edifícios e atividades)
sistema de margens(boulevard fluvial)
sistema de infiltrações(hidrografia e alagamentos)
tecido urbano etopografia
+
>
=hidrografia
corte esquemático transversal: situação corte esquemático transversal: proposta
dique: contenção das enchentes + boulevard fluvial
mangue suprimido metabolismo caiçara comosistema cidade-parque-fluvial
A somatória da hidrografia existente com as áreas de mangue suprimido e áreas de assentamentos precários não-consolidáveis gera o redesenho da hidrografia, onde são resgatadas as áreas de drenagem e mata ciliar, configurando uma nova geografia para a cidade de Peruíbe.
4|8
diagrama 1 _ rio preto em
trecho rural: habitações de
baixa densidade e agricultura
familiar
diagrama 2 _ rio preto em
trecho rural: lago à para
contenção de águas do
sistema de macrodrenagem e
aquicultura
diagrama 3 _ rio preto em
trecho urbano: sistema de
diques, boulevard fluvial e
travessias
diagrama 4 _ rio preto em
trecho urbano: alargamentos
da hidrovia, ponte-
equipamento comunitário e
aquicultura
diagrama 5 _ rio preto
em trecho urbano: horta
urbana e sistema de
habitação incremental em
assentamentos informais
consolidados
diagrama 6 _ rio preto em
trecho urbano: sistema de
vizinhança de alta densidade
para o metabolismo caiçara
ipê-amarelo(Tabebuia vellosoi)
heliconia(Heliconia psittacorum)
pau-brasil(Caesalpinia peltophoroides)
íris-amarelo(Neomarica longifolia)
pau-jacaré(Piptadenia gonoacantha)
heliconia(Heliconia bihai)
araçá-piranga(Eugenia leitonii)
caetê(Calathea albertii)
samambaia do brejo(Acrostichum danaeifolium)
maracá(Canna glauca)
bromélia(Aechmeae blanchetiana)
CORTE | DIQUE DO BOULEVARD FLUVIAL | 1:100>>
ARQUITETURA DE RESILIÊNCIA | VISTAS DO BOULEVARD FLUVIAL EM SITUAÇÕES DE ESTIAGEM E CHEIA
5|8
_sistema de margensdo metabolismo caiçara
3 4
5
3 4
5
2
3
2
2
2
3
3
4
4
5
5
1
1
1
1
2 4
53
6|8 nível +6,00
nível +18,00
nível +22,00
nível +30,00
0 5 20
0 5 20
0 5 20
0 5 20
1 terminal de passageiros (trem regional)2 terminal de cargas (trem)3 temrinal tático de ônibus municipal
4 apoio terminal de cargas | funcionários5 comércio
1 rua elevada2 administração3 auditório
4 foyer5 salas multiuso | escola
1 rua elevada2 midiateca3 auditório
4 exposição5 quadra de esportes
1 rua elevada2 hortas3 piscina pública
_condensador socioambiental: terminal intermodal
Com o cenário do metabolismo caiçara desenhado (território regenerado, produtivo e acolhedor das atividades humanas, de lazer e de trabalho, coexistindo com os ecossistemas naturais), é possível imaginar o Rio Preto funcionando como hidrovia.
Para que a produção agrícola escoe para outras regiões, assim como para o transporte de passageiros, se faz necessária uma interface entre rio e trem. Nesse contexto, surge a necessidade do projeto de um terminal intermodal fluvial-ferroviário.
A função principal deste edifício é a de receber e armazenar as cargas recebidas pela hidrovia (produção agrícola do território do metabolismo caiçara) e distribuir para as outras regiões de Peruíbe e da rede urbana conectada pela ferrovia Santos-Juquiá.
Para aproveitar esta característica de convergencia de fluxos, o equipamento também apresenta programas culturais e de observatório ecológico, que
podem servir à população de Peruíbe e região.
Um auditório, centro administrativo, mediateca, quadra de esportes, escola técnica, área de exposições, piscina e hortas públicas compõe o complexo cultural do condensador socioambiental.
Estes usos são colocados logo acima da plataforma que serve de cobertura para o terminal e serve a cidade com uma grande praça elevada, reproduzindo o ecossistema da mata atlântica.
Os dispositivos de circulação vertical se concentram junto às plataformas de circulação horizontal que distribuem os pedestres ao longo dos endereços dos diversos programas.
Uma envoltória têxtil translúcia encerra a forma do edifício.
corte A-A | escala 1:500 0 5 20
a
0 5 20
7|8
corte B-B | escala 1:500 corte C-C | escala 1:500
b c d
corte D-D | escala 1:5000 5 200 5 20
b c d
8|8