Matemática e Arte: Desenhos digitais por meio de funções matemáticas
Fernando Rocha Pinto1
"La gente olvidará lo que dijiste y lo que hiciste, pero nunca cómo los hiciste sentir". (Gandhi)
Se conhecer bem a Matemática já é considerado como algo desejável para qualquer
aluno, dominar com segurança essa disciplina passa a ser um objetivo a ser
alcançado por estudantes que desejam se inserir no mundo do trabalho,
especialmente porque o mercado, a cada ano, torna-se mais competitivo. Nessa
perspectiva, seria interessante que as escolas se posicionassem no sentido de
oferecer cursos direcionados à área empresarial, o que poderia fazer com que
crescessem os desafios para os professores de Matemática que, assim, precisariam
direcionar seus esforços para atender tal demanda. Quando se entende o quão
fundamental é a formação de mão de obra qualificada para ocupar os diversos
cargos em empresas e, além disso, quando se deseja formar cidadãos conscientes,
tornem-se estes, empreendedores ou não e, portanto, pessoas mais críticas com
relação aos problemas comuns à sociedade, percebe-se a importância de que essas
pessoas conheçam algo de Matemática. Tal necessidade irá gerar, então, a urgência
de um repensar a respeito do ensino dessa disciplina, posto que será a Matemática
que se transformará em uma ferramenta bastante útil na resolução dos desafios que
se imporão ao longo da vida laboral de qualquer pessoa.
Aceita-se que o desenvolvimento integral de um aluno passa, obrigatoriamente, pela
aprendizagem da Matemática, a disciplina do currículo que possui a característica de
ser uma componente fundamental do processo de desenvolvimento educacional de
um indivíduo, portanto, de caráter formador. Nessa ótica, é desejável que se
conheça, ao mesmo de maneira razoável, algo de Matemática para que se possa
enfrentar os desafios, tanto do dia a dia quanto do mundo empresarial oriundo da
prática em algum setor de uma organização. E será a Matemática que, com a sua
clareza, a sua frieza lógica, auxiliará a pessoa – em qualquer grau de complexidade
– a resolver suas tarefas, fornecendo o suporte para qualquer tipo de análise que
venha a ser necessária. O indivíduo, então, munido de um conjunto apropriado de
1 Professor de Matemática e Estatística da Faculdade SENAC Minas – Contagem – MG Email: [email protected] ou [email protected]
ferramentas matemáticas, conseguirá atuar na resolução dos problemas, porém,
agora de uma maneira consciente. O poder conferido pela Matemática permitirá que
sejam tomadas decisões sustentadas na análise fria dos dados numéricos. Entende-
se, portanto, ser desejável que os estudantes tenham conhecimentos matemáticos.
Possuir um conhecimento no mínimo bom da Matemática passa a ser um diferencial
requerido pelas empresas para que uma pessoa possa desempenhar qualquer
função no mundo do trabalho, e tal sugere que os setores responsáveis pelo ensino
dessa disciplina – cursos de licenciatura, departamentos de ciências exatas,
faculdades, escolas em geral – discutam os temas relacionados aos processos de
ensino e aprendizagem da Matemática, assim como o planejamento e o
investimento no seu ensino. Como uma conseqüência de todo esse esforço novas
propostas metodológicas – que pretendam melhorar o entendimento da Matemática
– precisam produzir ecos nas diversas camadas da sociedade, bem como nos
setores produtivos.
Dentre a diversidade de metodologias atualmente em prática nas escolas do Brasil e
do mundo, a que propõe trabalhar a Matemática a partir da Arte e, portanto,
utilizando técnicas de visualização, tem tido, da parte dos estudantes, uma boa
aceitação, especialmente porque o campo da Arte é bastante vasto e a imagem
ocupa um papel central nesse universo. Então, por que não estudar a Matemática
por meio de desenhos, pinturas, etc., objetos comuns à Arte?
Há mais de 15 anos venho desenvolvendo essa proposta em escolas mineiras de
ensino superior. O objetivo principal desse tipo de trabalho é fazer com que os
alunos consigam apreender os conceitos matemáticos de uma maneira mais eficaz.
Como a Arte possui a capacidade de sensibilizar as pessoas é que surgiu a ideia de
utilizá-la para apresentar a Matemática, por meio de elementos imagéticos. E, dada
a diversidade de objetos existentes nas manifestações artísticas, torna-se possível
utilizar qualquer modalidade de arte, no sentido de favorecer que os estudantes
apreendam os conceitos matemáticos, em especial, aqueles nos quais a imagem
possui uma posição central.
Tal abordagem iniciou-se em 1994/5, quando criei o Projeto Fotografando a
Matemática, atualmente uma atividade que se tornou comum em diversas escolas
mineiras e em outros estados também. Inicialmente, a ideia básica desse projeto era
apenas identificar os conceitos matemáticos presentes nas imagens fotográficas.
Essa primeira fase evoluiu e atualmente os conceitos matemáticos são analisados
em uma perspectiva empresarial, na qual eles passam a ser relacionados às
diversas situações comuns do mundo das empresas, tais como: oferta, demanda,
custo, receita, lucro, ponto de equilíbrio. Isso faz com que essa proposta possa se
adequar à gestão de processos e situações inerentes às organizações.
Algum tempo depois, no início do ano 2000, iniciei experiências com os desenhos
digitais, construídos a partir da utilização de funções matemáticas. A ideia dessa
nova proposta é utilizar as mesmas funções que, sob a ótica da metodologia
tradicional, são normalmente entendidas como motivos para o pânico por parte dos
alunos. Entretanto, quando se ensina o conceito matemático de função a partir de
uma abordagem ligada aos aspectos artísticos, percebe-se que os alunos
conseguem aprendê-lo com mais facilidade. Essa aprendizagem é que permite que
os estudantes criem as suas próprias imagens, assim, passam a fruir os seus novos
objetos matemáticos: os desenhos digitais.
Uma característica que mais tem chamado a atenção ao longo dos anos em que
essa proposta de trabalho vem sendo desenvolvida é que um aluno, que dela
participa, deixa para trás a sua antiga situação de medo e de fracasso, para
ingressar em uma nova etapa, na qual ele se sente mais seguro e mais receptivo
com relação às ideias da Matemática, pois percebe que conseguiu compreender o
conceito de função e que essa compreensão será capaz de levá-lo a entender
outros conceitos matemáticos. E isso acontece porque o tema função tem a
propriedade de ser um elemento integrador de vários outros assuntos da
Matemática, portanto, é um conceito que possui grande utilidade, especialmente nos
casos em que o aluno precise modelar matematicamente as diversas situações do
seu dia a dia, dentre elas, a sua própria atuação no cotidiano de uma empresa.
Para ensinar aos estudantes como criar os seus próprios desenhos digitais, são
ministradas duas aulas no Laboratório de Informática, cada uma delas com duração
de 100 minutos, assim eles ficam conhecendo as funcionalidades de dois
programas: o Graphmatica, que permite traçar gráficos de funções no plano, e o
Paint, um aplicativo do Windows capaz de conferir cores às imagens criadas.
Na 1ª aula os alunos realizam algumas experiências com as funções que já lhes são
familiares, especialmente aquelas que são representadas por polinômios
elementares, momento em que podem observar
os traçados básicos, tais como as retas –
inclinadas ou não – e também as curvas como
as parábolas e as cúbicas. Também são
apresentadas outras funções e curvas que
povoam o universo matemático – tanto no
ensino médio quanto no ensino superior – de naturezas diversas, tais como:
trigonométrica, modular, racional, potência, além de composições destas. Esse
trabalho inicial é mais voltado para a apreensão de conceitos inerentes à própria
matemática, portanto os estudantes são apresentados aos procedimentos básicos
que lhes permitirão criar alguns desenhos digitais mais básicos (um triângulo, um
quadrado, etc.).
Na 2ª aula os estudantes, trabalhando de maneira individual ou em grupos, usam
boa parte do tempo da aula para iniciar o processo de criação dos seus desenhos
digitais. Dessa maneira, apoiados no paradigma do Construcionismo de Seymour
Papert2, tomam as rédeas do processo criativo e
desenvolvem esboços bastante interessantes, sempre
discutindo os conceitos matemáticos presentes em suas
imagens. Quando sentem que necessitam de uma linha
não usual, são orientados
pelo professor a buscar tal conhecimento em livros
mais avançados de Matemática, o que faz com que o
seu interesse e conhecimento da disciplina aumentem
consideravelmente.
(Alunos: Pablo Monteiro e Daniela Lemos, respectivamente)
2 Pesquisador do Massachusetts Institut of Technology (MIT).
Então, a partir das técnicas de visualização aplicadas em um ambiente informatizado
torna-se possível a criação de desenhos digitais que, além de serem objetos
matemáticos, podem ser apreciados de um ponto de vista estético. Em especial,
quando os alunos se interessam por incluir cores em suas criações, o fazem por
apelos estéticos que lhes são mais agradáveis ao olhar.
A proposta de se criar desenhos digitais, a partir da utilização de funções
matemáticas, foi defendida por mim, em uma dissertação de mestrado, no Programa
de Pós-Graduação em Educação Tecnológica do CEFET/MG e já foi apresentada
em eventos da área de Educação Matemática, no Brasil e também no exterior.
Como fruto de meus estudos e também de minha prática diária em sala de aula,
venho proponho que estudos relacionados à imagética sejam incluídos nos
currículos das licenciaturas em Matemática. Tal proposta encontra apoio em vários
autores, dentre eles, Grau (2007), que sustenta a teoria de que
nunca o mundo de imagens ao nosso redor mudou tão rapidamente como nos últimos anos, nunca fomos expostos a tantos mundos de imagens diferentes, e nunca o modo como as imagens são produzidas mudou de forma tão essencial. (...) A invasão recente e atual da mídia e da tecnologia no local de trabalho e nos processos de trabalho é uma revolução muito maior que qualquer outra já presenciada e, obviamente, também afetou muitas áreas da arte (GRAU, 2007, p. 15).
Dessa maneira, apoiado em estudos já realizados e também em meu próprio fazer
docente, aventurei-me em apresentar exposições de imagens matemáticas –
fotografias, desenhos digitais – com o objetivo de sensibilizar as pessoas, dentre
elas as que têm a árdua tarefa de construir os currículos, especialmente os das
diversas modalidades de licenciatura em Matemática. E será a partir de uma visita a
uma exposição de fotografias matemáticas e de desenhos digitais criados por
funções, que um observador ampliará a sua percepção, não somente com relação
às imagens que olha e frui, mas também da sua própria concepção do sentido e da
natureza daquele tipo de arte digital, do que ela representa, para ele, de maneira
particular e, para a sociedade, de uma maneira geral. O espaço da exposição é que
propiciará a apreciação das imagens em exibição sob um ponto de vista artístico,
favorecendo um constante ir e vir do olhar e do pensamento, gerando o que ficou
conhecido como o “prazer estético da ilusão” (Neumayer, 1964, p. 13 apud Grau,
2007, p. 35). E tal fruição pode ser comprovada a partir da ótica de Sobanski (2002),
que defende a ideia de que 75% do aprendizado do ser humano acontece por meio
da visão, e tal afirmação talvez pudesse comprovar que a apreensão de conceitos, e
a conseqüente aquisição do conhecimento, se daria a partir da interação do ser
humano com o meio no qual ele vive.
REFERÊNCIAS
GRAU, Olivier. Arte visual: da ilusão à imersão. São Paulo: Editora UNESP, Editora Senac São Paulo: 2007.
NEUMAYER, A. Der Blick aus dem Bilde. Berlim: Gebr. Mann, 1964. In: GRAU, Olivier. Arte visual: da ilusão à imersão. São Paulo: Editora UNESP: Editora Senac São Paulo, 2007.
PIERMATEI, Cristina; GOTELI, Sonia. Artemática. Buenos Aires: Editorial Dunken, 2004.
PINTO, Fernando Rocha. O ensino do conceito matemático de função por meio de softwares gráfico-visuais: criação de desenhos digitais por alunos iniciantes do curso de Administração. Dissertação de mestrado, CEFET/MG, Belo Horizonte: 2009.
SOBANSKI, Jessika. Visual math: see how math makes sense. New York: Learning Express, LLC, 2002.