O Sol da Manhã...Memórias de minha família
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O Sol da Manhã...Memórias de minha família
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O Sol da Manhã...Memórias de minha família
José Eugenio Guisard Ferraz
Editora Recanto das Letras
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© José Eugenio Guisard Ferraz
Editora Executiva: Cassia OliveiraRevisão: Lucia Armenio LealProjeto gráfico: Estúdio CavernaImpressão: Forma Certa
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP) ANGÉLICA ILACQUA CRB-8/7057
Ferraz, José Eugenio Guisard O sol da manhã... : memórias de minha família / José Eugenio Guisard Ferraz.
– Sorocaba : Recanto das Letras, 2018.
232 p. : il., color.
Bibliografia ISBN: 978-85-7142-003-8
1. Guisard, Família - História 2. Mallet Caillaud, Família - História 3. Genealogia 4. França - História 5. Brasil - História 6. Taubaté, SP - História I. Título
18-1802 CDD 929.2
Índices para catálogo sistemático:1. Genealogia
EDITORA RECANTO DAS LETRASeditorarecantodasletras.com.breditora@recantodasletras.com.br
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou trans-mitida por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita do autor.
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Dedicatória
Dedico este livro à minha mãe, Ivonne, exemplo de dignidade e honradez
que procurei seguir em minha vida e, também, para Manuela, minha neta
que, vindo ao mundo, deu-me a motivação necessária para escrevê-lo.
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Agradecimentos
Primeiramente, agradeço a paciência e o apoio de minha esposa
Mireille, que permaneceu a meu lado durante as muitas horas que
dediquei a esse livro.Quero agradecer especialmente o auxílio inestimável de José
Carlos Sebe Bom Meihy, que não só leu e comentou meu manuscrito,
mas também me incentivou a produzir um texto bem melhor do que eu
tinha imaginado ser capaz.
Muitas pessoas me ajudaram na colheita de informações e imagens,
entre elas devo destacar Maria Cecília Guisard Audrá, autora do livro “Felix Guisard — Olhando o Passado”; “in memoriam” Oswaldo Barbosa
Guisard, com seu livro “Taubaté no Aflorar do Século”; meus primos Isa Barros, Sonia Guisard, Eduardo Guisard Aguiar e Angela Brun; a família
Sales, Sylvio e Dulce Mraz, Elena e Eda, Ivan, Eliana, Patrícia, Marina, Licínia, Ila, Renato, Cláudio de Biasi e muitos outros. Agradeço, muito
especialmente, à minha irmã Maria Silvia.
Destaco também a participação de Shirley Aparecida Santos, do Museu da Imagem e do Som de Taubaté — MISTAU, da Área de Museus,
Patrimônio e Arquivo Histórico da Prefeitura Municipal de Taubaté, por
sua atenção e valioso auxílio com as fotografias. Particular atenção
também para os sites que ajudam a manter viva a memória de Taubaté,
como o “Resgatando Taubaté. Ontem, Hoje e Sempre” com Luiz Issa e
Adriano Araujo; “Taubaté das Antigas” com Flávio Marques Silva e
outros; e os editores do “Almanaque Urupês”. Finalmente, meu agradecimento a Cássia Oliveira e à equipe da
Editora Recanto das Letras, pelo seu profissionalismo e cordialidade.
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Sumário
DEDICATÓRIA ..................................................................................................5
AGRADECIMENTOS ...........................................................................................7
PREFÁCIO .......................................................................................................13
INTRODUÇÃO .................................................................................................17
PARTE 1 – FRANÇA ............................................................................ 19
O SOL DA MANHÃ ...........................................................................................21
A REGIÃO DE AUXERRE ..................................................................................22
PRIMÓRDIOS DE AUXERRE .............................................................................25
A ORIGEM DO NOME GUISARD .......................................................................27
A CISÃO NO CRISTIANISMO — O PROTESTANTISMO........................................29
A FAMÍLIA GUISE — DEFENSORA DO CATOLICISMO ........................................30
DUAS RUAS FRANCESAS .................................................................................31
OS PARENTES PRÓXIMOS DE JEAN LOUIS GUISARD ........................................33
O DISTANTE BRASIL ........................................................................................35
A FRANÇA EM MEADOS DO SÉCULO XIX ........................................................37
A JUVENTUDE DE LOUIS FELIX .......................................................................39
A AVENTURA NOS TRÓPICOS — A GRANDE VIAGEM .......................................41
A FRANÇA EM EBULIÇÃO — OS VENTOS DA POLÍTICA ....................................42
O DOMÍNIO DE LUÍS NAPOLEÃO — O NAPOLEÃO III .......................................45
A AVENTURA DA FAMÍLIA CAILLAUD ..............................................................49
A ORIGEM NOBRE DOS MALLET .....................................................................50
UMA BREVE PASSAGEM PELA ORIGEM DA EUROPA .........................................51
O DOMÍNIO DOS FRANCOS .............................................................................54
QUANDO OS VIKINGS ENTRAM EM CENA ........................................................56
A INVASÃO DA GRÃ BRETANHA ......................................................................60
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GUILLAUME DE MALLET — UM NOBRE DE DOIS PAÍSES ..................................61
DE COMO VICTOR HUGO ENTROU EM NOSSA HISTÓRIA .................................62
A FUGA DA FAMÍLIA CAILLAUD .......................................................................64
PARTE 2 – BRASIL: RIO DE JANEIRO E MINAS GERAIS ......................... 67
O PROJETO DE COLONIZAÇÃO DO VALE DO RIO MUCURI ...............................69
LOUIS FELIX PROSSEGUE PARA O RIO DE JANEIRO.........................................72
O BRASIL NA CHEGADA DE LOUIS FELIX ........................................................73
O REINADO DE DOM PEDRO II ........................................................................77
A PROSPERIDADE E O DECLÍNIO DE DOM PEDRO II ........................................79
O EXÍLIO DA FAMÍLIA IMPERIAL .....................................................................83
RIO DE JANEIRO E A RUA DO OUVIDOR .........................................................85
A REVOLUÇÃO FRANCESA ..............................................................................87
NAPOLEÃO BONAPARTE .................................................................................90
A BEM SUCEDIDA INVASÃO FRANCESA ...........................................................93
LOUIS FELIX PARTE PARA AS MINAS GERAIS...................................................95
A FAMÍLIA FELÍCIO DOS SANTOS .....................................................................96
REENCONTRO .................................................................................................96
OS TRABALHOS DA FAMÍLIA EM TERRAS MINEIRAS ........................................97
A UNIÃO DE LOUIS FELIX COM AMELIE ..........................................................99
O DESTINO MUDANDO OS RUMOS DA FAMÍLIA .............................................100
UMA NOVA ÁREA DE TRABALHO — A TECELAGEM ....................................... 101
O ENCONTRO COM UMA NOVA FAMÍLIA DE FRANCESES ...............................103
A UNIÃO DE FELIX GUISARD COM JEANNE ROSAND .....................................104
PARTE 3 – BRASIL: TAUBATÉ ..............................................................107
O EMPRESÁRIO FELIX E A MUDANÇA PARA TAUBATÉ ...................................109
AS FERROVIAS NO EIXO RIO DE JANEIRO — SÃO PAULO .............................. 110
TAUBATÉ NO FINAL DO SÉCULO XIX ............................................................. 113
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A FERROVIA DE UBATUBA E O BANCO POPULAR DE TAUBATÉ ...................... 119
A FUNDAÇÃO DA COMPANHIA TAUBATÉ INDUSTRIAL ...................................121
OS IRMÃOS DE FELIX ....................................................................................124
O INÍCIO DA COMPANHIA TAUBATÉ INDUSTRIAL ..........................................128
OS PRIMEIROS PASSOS DA MONTAGEM DA FÁBRICA .....................................130
A PARTICIPAÇÃO DOS INGLESES NO CAPITAL DA C.T.I. ..................................132
A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL ....................................................................134
A CHEGADA DE GETÚLIO VARGAS AO PODER ...............................................137
A TRAJETÓRIA DO JOVEM EUGENIO ..............................................................139
A FAMÍLIA NOGUEIRA BARBOSA ...................................................................142
OS TEMPOS DE PERSEGUIÇÃO RELIGIOSA .....................................................144
A FUNDAÇÃO DO ESPORTE CLUBE TAUBATÉ .................................................148
A FAMÍLIA QUERIDO .....................................................................................151
AS TENDÊNCIAS POLÍTICAS DE EUGENIO ......................................................159
A SEPARAÇÃO ENTRE EUGENIO E SEU IRMÃO FELIX.....................................161
A VOLTA DE EUGENIO E FAMÍLIA PARA TAUBATÉ ..........................................161
OS FILHOS DE EUGENIO ...............................................................................164
VICTOR BARBOSA GUISARD ..........................................................................165
OSWALDO BARBOSA GUISARD ......................................................................167
JAURÉS BARBOSA GUISARD ..........................................................................170
OLAVO BARBOSA GUISARD ...........................................................................173
AS FILHAS DE EUGENIO GUISARD .................................................................176
IVONNE E DARCY VIEIRA FERRAZ .................................................................181
O CENTRO CULTURAL BRASIL — ESTADOS UNIDOS ......................................190
A MATURIDADE DA C.T.I. E AS AÇÕES DE FELIX ............................................193
A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL ....................................................................199
AS CONTAS DA C.T.I. AO FINAL DE 1941 ........................................................201
O FALECIMENTO DE FELIX GUISARD .............................................................203
OS ÚLTIMOS DIAS DE EUGENIO .....................................................................205
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CONCLUSÃO .................................................................................................208
ANEXO – ÁRVORES GENEALÓGICAS.............................................................. 211
BIBLIOGRAFIA E REFERÊNCIAS .....................................................................227
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O Sol da Manhã...
Prefácio
Todo livro merece ser celebrado como bênção de um belo Sol da
Manhã. Este, contudo, além da luz matinal, deve ser percebido também
nas noites que guardam sonhos bons. Entre o brilho do dia e a escuridão
noturna, o que se tem é uma vontade de histórias que não podem mais
ficar presas nas conversas de encontros saudosos, encerradas no círculo
doméstico. É verdade que o tema é íntimo, mas trata também daquelas
falas que deixam de ser caseiras, ganham sentido coletivo e esparramam-
-se pela coletividade. E não se trata de qualquer história, mas sim de um
enredo escrito pelo afeto de quem se prontificou a respirar o passado da
própria família, e presenteá-lo aos leitores, principalmente para aqueles
que se veem provocados pelo entendimento do meio que nos implica.
O autor, por ofício, não é do ramo da escrita afeita ao pretérito.
Homem de números e exatidões científicas, José Eugênio Guisard Ferraz,
com audaciosa sensibilidade, conduz-nos a uma legenda que só ele po-
deria decodificar. Vendo-se como resultado de uma trama espetacular, re-
traçando caminhos atropelados pelo direito a um lugar social desejável,
articulando detalhes surdos, o amigo Zé Eugênio perfez um mapa incrível.
Juntou dados, encontrou imagens alusivas a fatos, depurou passagens pou-
co conhecidas e amarrou tudo em um livro que não é biografia, não é His-
tória no sentido convencional e, ao mesmo tempo, é um libelo explicativo
de um momento na trajetória de uma família que nos explica, enquanto
tecido social de uma cidade, que, por sua vez, constela todo o Vale do Pa-
raíba. Há algo de épico no esforço narrativo incontido e envolvente.
Este é um livro de desejo, não de técnica ou manejo profissional
da História. Talvez aí, diga-se, resida a maior virtude do empenho que
faz brilhar O Sol da Manhã. Não se encontram aqui laivos metodológicos,
periodizações explicativas de momentos capitais da História do Mundo,
seriações documentais rigorosas, nem mesmo hipóteses de trabalho que
conduzam a conclusões mirabolantes. No lugar, sobram buscas resolvi-
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das no encadeamento de lances pinçados de diferentes fontes, referen-
ciados ao sabor das possibilidades, sempre filtradas pelo olhar guia de
quem se autoriza contador. A fome de saber dos roteiros retraçados é
saciada por mágica poção que sustenta uma narrativa clara e enxuta,
que produz a roupagem familiar que vestiu gerações em lugares, países,
continentes. E que chegou imponente a um espaço de onde quer e pode
ser vista.
O interesse pela origem remota da própria família Guisard faz supor
uma contextura de alternativas que se perderia na distância, não fosse o
tino autoral de quem se viu capaz de juntar detalhes soltos. Uma bússola
marcadora da chegada fez vigorar o sentido do presente em uma cidade
empobrecida do som de suas muito ricas histórias. E tudo alinhavado por
situações intrigantes, pormenores atraentes, informações curiosas. Sem
faltar respeito às imposições econômicas ou aos motivos comerciais que
moviam os imigrantes, as forjas amorosas são moldadas de maneira a
esculpir um espectro humanizado e idílico, repontado de afetos, paixões,
unidade familiar.
Por traz de tudo, um magnífico e inexorável projeto familiar. Trans-
mitido de geração a geração, nos furos dos pactos estabelecidos no mun-
do das palavras interditas, no território da memória subjetiva e invisível,
o que se estabelecia era uma certeza de metas nem sempre apreciadas
no nível da consciência. A família Guisard mostra-se sim como um con-
junto de vencedores, mas isso fica muito longe da facilidade da conquista.
Muitos meandros foram contornados, mais do que se pode medir pelos
resultados hoje ostentados em nomes de ruas, monumentos, escolas. Co-
nhecer tais andanças implica trocar a metáfora da raiz que se afunda no
chão, pela do rizoma que se multiplica alhures, visitando outros territórios.
A raiz fixa. O rizoma alastra-se. Alastra-se e, na surdina do solo progride
em plantas, flores e frutos. Conquista, no silêncio de sinas surdas.
Há outra metáfora que serve de filtro para essa aventura: a viagem.
A nascente da família Guisard, suas metamorfoses, explicadas na peri-
pécia e no afeto conjunto, dão sentido a uma legenda que trança risco,
coragem, determinação. Sobretudo determinação. E andanças também.
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O Sol da Manhã...
Certamente, apenas alguém que entendeu a necessidade do movimento
imigratório pode navegar na vastidão do tempo, atravessar mares e fazer
lugares buscados em sonhos. Diria que o presente texto tem três mo-
mentos de respiração: as nascentes familiares, a definição brasileira do
périplo parental e a realização em Taubaté. Pois sim, Taubaté, mas não a
velha urbe, a renovada, modernizada exatamente pela ação intrépida do
grupo que a recolocou diferente, pioneira mesmo, no circuito de um Brasil
pós-colonial.
Pelas linhas propostas pelo autor, depreende-se o sentido da luta da
família Guisard. Destacada na região do Vale do Paraíba Paulista, fica evi-
dente o papel diferenciador que assumiu, na surdina de quantos tinham
noção do que faziam. Situada em área agrícola, por séculos cafeeira e
escravocrata, os locais foram sutilmente se estabelecendo em meio aos
valores tradicionais do cosmo fazendário. Ao longo do século XIX, Taubaté
era mero vilarejo de passagem, cidade sem função outra que não fosse a
religiosa ou de trocas miúdas, entreposto de trocas, quase escambo. As
poucas — pouquíssimas — casas abastadas, propriedade de fazendeiros,
está longe de corresponder ao lustro pretendido por uma historiografia
fantasiosa, cabocla e falsa. Fartas eram as fazendas, e dinâmicas as tro-
pas que ligavam os polos de produção aos portos. A alegoria expressa
por Monteiro Lobato, sobre as “cidades mortas”, é ilusória e arremedada,
historicamente pífia. É exatamente, no desfazer dessas interpretações vai-
dosas que a família Guisard serve de motivo.
De costas para um mundinho apregoador de pobrezas e dependên-
cias de cheiros avassalados, um grupo de feições ousadas, de respiros in-
dustriais, ousava pensar um Brasil coerente com os avanços resultantes da
longa Revolução Industrial. E a cidade precisava, para tanto, se fazer cena
e cenário. E como foi minucioso, no meio do nada, inventar uma classe
trabalhadora, pensar vilas operárias, imaginar educação escolar para fi-
lhos de tecelões... E tudo tinha cheiro de novidade, de inspiração idílica
de quantos sonharam não mais um vilarejo calcado nos moldes quintais
lusitanos, e sim na plantação de cidades vivas, fermentadas por operários,
assistência humanitária do trabalho e, enfim, vida...
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Definidos como imigrantes franceses, a atuação daquele punhado
de valentes vindos para o Brasil se inscrevia em uma proposta diferen-
ciada da agrícola ou camponesa. Guardando o prestígio de Paris como
emblema de uma cultura de vocação urbana, os Guisard atuaram na
nascente indústria têxtil nacional. Sobretudo, intrépidos foram artífices
de um campo novo da vida econômica do país, em particular no período
pós-escravista, depois da Proclamação da República, na década de 1890.
Foi quando Taubaté mostrou-se lócus aberto a empreendimentos ousa-
dos, município capaz de oferecer numerosa mão de obra disponível. Foi
esse arrojo modernizador, industrial, que deu aos Guisard garantia de
destaque.
É lógico que a coleção de atos decorrentes desse projeto custou
muito, e não apenas no setor comercial, superando crises. A adaptação do
clã ao meio conferiu hostilidades, em particular no âmbito religioso, pois
o ambiente católico impunha rejeições às práticas espiritualistas. Visto
como mais que simples detalhe, tal entrave exercitava estratégias de uma
família que soube reagir e que, com artifícios sábios, propôs a naturalida-
de de casamentos entre si. Há todo um ritual constituído na surdina dos
dias que, por fim, foram se tornando mais porosos, permitindo a redefini-
ção da saga como um todo.
Minhas palavras finais são de gratidão. Ter acompanhado a redação
final deste trabalho foi-me presente fino, brinde que divido com os leitores
que, certamente, comigo abraçarão o amigo e sua família toda. Que brilhe
o Sol da Manhã...
José Carlos Sebe Bom Meihy
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O Sol da Manhã...
Introdução
Devo avisar a todos, logo de início, que escrevi este texto para mi-
nha própria satisfação. Meu interesse é deixar registrado o que aprendi
sobre a história de minha família, dentro do contexto histórico e geográ-
fico dos dois países da nossa trajetória — França e Brasil. Um aprendiza-
do que teve como início as conversas que mantive com meus familiares,
acrescido pelo estudo das condições em que meus antepassados viveram
no velho e no novo mundo.
Minha expectativa inicial com esse trabalho era singela; simples-
mente não queria que esta coletânea de informações, alinhadas pelo fio
condutor de minha memória sobre a família, ficasse perdida numa gaveta
qualquer. Agora, editado e publicado, espero que meus amigos e minha
família, particularmente meus filhos e minha neta, venham a lê-lo. Se ou-
tros leitores houver, muito melhor.
A ideia de produzir este escrito nasceu numa daquelas tardes de
domingo em que não se tem muito a fazer, na espera da segunda-feira.
Aqueles momentos lentos e sonolentos, de uma inércia melancólica, ge-
raram ideias. Nasceu, assim, de repente, sem que eu tivesse me prepa-
rado, sequer almejado, ser escritor. Escrevi, no entanto, provavelmente
sem talento para tal, e a redação obedeceu a impulsos, tanto é que devo
ter falhado em dar crédito a todas as fontes que me inspiraram e de onde
tirei informações e imagens. No mais, que tudo o que existir de errado
seja visto como uma licença poética ao autor, ou como simplesmente um
fruto das minhas limitações.
Amém...
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Parte 1França
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Parte 1França
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O Sol da Manhã...
O SOL DA MANHÃ
O sol da manhã, neste 30 de março, uma segunda feira no come-
ço de primavera, começava a clarear o caminho de terra no vilarejo de
Cheny, nos arredores da cidade de Auxerre, região da Bourgogne, no co-
ração da França. Depois de uma fria noite, como era costume na região,
os raios fortes do sol traziam calor e a promessa de um dia com tempo
claro e firme.
A Bourgogne no coração da França.
O ano era o de 1834 e Jean Louis Guisard, então com cinquenta
e dois anos, caminhava com o passo firme em direção ao cartório para
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registrar uma nova adição à família, um menino nascido no dia anterior,
domingo, filho de sua esposa Colombe Buzenet de trinta e oito anos, e
cujo nome seria Louis Felix Guisard. O processo junto ao Juiz de Paz foi
rápido, e o ato lavrado à mão pelo notário não teve a sua assinatura, pois
declarou não saber nem ler nem escrever. Mas teve a assinatura de seus
amigos Pierre Garnier, tecelão, e Jean François Mathey, professor, que ser-
viram de testemunhas nesse ato.
A volta, pelo mesmo caminho, foi mais tranquila e Jean Louis pode
assim apreciar os vinhedos que brotavam na Bourgogne. As parreiras
eram entremeadas por uma ou outra plantação de trigo e de beterraba,
que ladeavam cada margem da estrada. O sol daquela manhã já ia alto,
quase à pino, diminuindo as sombras do caminho e trazendo a energia
que daria vigor ao recém-nascido Louis Felix e seus descendentes, em dois
continentes.
A REGIÃO DE AUXERRE
Essa região, onde a família Guisard vivia, no departamento de Yon-
ne, tornou-se famosa pela origem do vinho Chablis, um dos primeiros
brancos produzidos no mundo. As vinhas mais cultivadas são da cepa
Chardonnay, o ponto forte da região até hoje. Mais ao sul de Auxerre, já
perto de Dijon, encontramos os extensos terrenos de Pinot Noir, variedade
de uva que produz os bons vinhos tintos da Bourgogne, sendo o Irancy
considerado o melhor deles. Além desses, um bom espumante ali produ-
zido é o Cremant de Bourgogne.
Dijon é também famosa pela produção de mostarda e de cassis,
frutinha que podemos chamar de groselha negra, base do conhecido licor.
Lá nasceu o drink denominado Kir, inventado por um antigo prefeito de
Dijon, o Padre Felix Kir (1876-1968), interessante personagem com uma
rica história de vida. Durante a ocupação nazista ele foi ativo membro da
Resistência Francesa, “le maquis”. Após o fim da Segunda Grande Guerra
foi eleito prefeito de Dijon, cargo que ocupou até seu falecimento. Padre
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Kir costumava receber seus visitantes, na Prefeitura, oferecendo um drink
preparado com o vinho branco feito com a uva Aligoté, menos nobre que
a Chardonnay, mas que, misturado com o licor ou o creme de cassis, ad-
quire um sabor bem peculiar. Há também o Kir Royale, quando o vinho
branco é substituído por champanhe ou qualquer outro espumante. Uma
cereja na taça é também bem-vinda.
Vinhedos de Chablis, perto de Auxerre, na região da Bourgogne.
Cheny é um pequeno vilarejo, na época com pouco mais de oitocen-
tos moradores, hoje com cerca de dois mil e quinhentos habitantes. Fica
situado entre três rios, o principal é o Yonne, que dá nome ao Departa-
mento, com o Serein ao norte e o Armançon a leste. O Armançon, do qual
a tradição local diz “Mauvaise riviére, bons poissons” é um rio com uma
forte correnteza, às vezes até indomável, mas com bons peixes, e é aquele
que melhor caracteriza o povoado. O clima da região é muito duro, com
intensos invernos, primaveras ainda muito frias e curtos verões, fazendo
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com que cada safra de uvas venha com muita incerteza. Apesar de todas
essas dificuldades seus habitantes conseguem produzir com regularidade
os seus famosos vinhos.
Auxerre, o centro econômico e político do Departamento de Yonne,
fica entre Paris, ao norte, e Dijon, ao sul, a cerca de cento e sessenta e
cinco quilômetros de cada uma dessas cidades. É uma cidade repleta de
monumentos históricos. Uma personalidade da Matemática e da Física,
que lá nasceu, foi Jean-Baptiste Joseph Fourier (1768-1830), criador de
inúmeras fórmulas, teoremas e ferramentas matemáticas.
Auxerre e o rio Yonne.
Na imagem vemos os dois edifícios mais representativos da cidade,
em primeiro plano a Catedral de Saint-Étienne, cuja origem data do século
XI e, mais à direita, a Abadia e Museu de Saint Germain d’Auxerre. Essa
abadia foi fundada por Saint Germain, bispo de Auxerre, (378-448) e tor-
nou-se um importante Monastério Beneditino.
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O Sol da Manhã...
O rio Yonne, chamado de Icauna à época galo-romana, um dos mais
importantes da França, segue seu curso pelo centro do país, do sul para
o norte, onde se torna um dos principais afluentes do rio Sena. Por inter-
médio de um longo canal, chamado de Nivernais, com cento e setenta e
quatro quilômetros, o Yonne é conectado com o rio Loire. A construção
desse canal iniciou-se em 1784 e foi completada em 1841. Atualmente é
utilizado como uma rota turística, por barcaças transformadas em hotéis,
parando em cada ponto do percurso para degustações de vinhos e visitas
às vilas e castelos da região.
PRIMÓRDIOS DE AUXERRE
Ao pesquisar a origem de Auxerre, encontram-se muitos vestígios da
Idade do Bronze em diversas escavações feitas em suas terras e arredores.
Alguns dos mais célebres exemplos de arte rupestre em todo o mundo,
e objetos antigos, foram encontrados não muito longe dessa região, mais
precisamente no vale do Vézère e na caverna de Lascaux, entre Lyon e
Bordeaux.
Entre os séculos VII e V antes de Cristo, a região foi ocupada pelos
Celtas, particularmente por um ramo chamado de Sênones, que no local
estabeleceram uma povoação denominada Autricus. Essa terra dos anti-
gos habitantes gauleses foi dominada pelos romanos, quando eles fizeram
a conquista da Gália, tendo seu nome modificado para Autessiodurum.
Infelizmente a história dos gauleses não se passou como Albert Uderzo e
René Goscinny imaginaram e projetaram em seus desenhos, nas aventu-
ras dos invencíveis Asterix e Obelix. A resistência dos Gauleses às tropas
romanas foi em vão.
A batalha de Alesia, o encontro final entre as tropas romanas de
Júlio Cesar e os gauleses liderados por Vercingetorix, aconteceu no ano
52 a.C., no local onde hoje encontra-se a cidade de Alise-Sainte-Reine, a
pouco mais de oitenta quilômetros de Auxerre, na direção de Dijon.
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Vercingetorix rende-se a Júlio César em Alesia. Pintura de Lionel Royer,
no Musée Crozatier em Le Puy-en-Velay, (Domínio Público)
via Wikimedia Commons.
Durante o período galo-romano, até por volta de 250 d.C., Auxerre
teve um grande desenvolvimento como um dos entrepostos comerciais
do sistema de estradas desenvolvido por Marcus Agrippa (64 a.C. — 12
a.C.), para fazer as comunicações na Gália Romana. Conta-se que Agrippa
foi um excelente militar, político e arquiteto, tendo sido também gover-
nador da Gália Transalpina. Por Auxerre passava a via Agrippa, que ligava
Lyon (Lugdunum) com Boulogne-sur-Mer (Bononia), no canal da Mancha.
A tranquilidade sob a paz romana terminou com a invasão dos Francos
por volta de 275 d.C., obrigando a população a construir muralhas e for-
talezas. Isso, contudo, não impediu novas invasões — os Germanos em
407 d.C., os Hunos em 451 d.C., os Normandos por volta de 900 d.C., e
os Ingleses em 1358, na guerra dos 100 anos, em uma sequência de ocu-
pações e liberações.
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Incêndios também eram frequentes, e mesmo violentas disputas inter-
nas, como a que aconteceu por volta de 1590 entre os católicos e os protes-
tantes; e também em outras épocas, entre facções de nobres franceses dis-
putando o poder na região. Mais tarde sofreu a invasão austríaca em 1814 ao
final da era napoleônica, e a dos alemães durante a Segunda Guerra Mundial.
A história de Auxerre indica que seus habitantes aprenderam, à for-
ça, como resistir às asperezas da natureza local e aos percalços de povos
invasores. Forjados nesse ambiente, seus descendentes têm a resiliência
dos sobreviventes de uma epopeia. Hoje em dia, Auxerre tem uma popu-
lação de cerca de trinta e seis mil habitantes, enquanto por volta de 1850
contava com apenas quinze mil.
A ORIGEM DO NOME GUISARD
O nome Guisard é associado a uma importante família de nobres
franceses, a casa de Guise, não como parentes, mas sim como partidários
de suas ideias, ou até mesmo como simples moradores de uma de suas
inúmeras propriedades. Devemos registrar que encontramos, na literatura
em português, o uso comum do nome casa de Guisa e do Duque de Gui-
sa, em lugar do francês — Guise. Nos registros históricos, várias grafias
podem ser encontradas, variantes da palavra Guisard, como Guizard ou
Guisarde.
Guise, uma pequena cidade do norte da França, com pouco mais de
cinco mil habitantes, quase na fronteira com a atual Bélgica, teve sua ori-
gem em uma fortaleza construída no século X, a fim de dominar a navega-
ção no rio Oise que, nascendo na Bélgica, desce na direção Sul até se tornar
um afluente do rio Sena, perto de Paris. Muito apropriadamente uma pessoa
natural dessa localidade é chamado de um guisard. Guise foi alçada ao nível
de Condado no século XIII, e promovida a Ducado em 1528. Sua impor-
tância na política da França não é devida à extensão territorial, que, aliás,
é pequena, mas sim a dois outros fatores. O primeiro é a sua posição es-
tratégica na fronteira e o segundo é o grande relacionamento familiar com
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José Eugenio Guisard Ferraz
várias Casas Reais da Europa. Seus senhores, inicialmente Condes de Guise,
e posteriormente Duques de Guise, eram filhos cadetes da casa de Lorraine.
Como a tradição vigente na época era de que o filho primogênito herdava o
título e as propriedades principais da família, os demais filhos, credenciados
como cadetes, recebiam títulos e propriedades menores.
Essa Casa era chefiada pelo citado Duque de Guise, o primeiro deles
tendo sido Claude de Lorraine (1496-1550), irmão mais jovem de Antônio,
Duque de Lorena. Ainda com o título de Conde, Claude participou de diver-
sas batalhas em defesa da França e foi nomeado Governador das regiões
de Champagne e de Bourgogne. Seus feitos justificaram o Rei da França a
elevar, em 1528, o Condado ao nível de Ducado, passando a considerá-lo
um Par da França, ou seja, um nobre com posição de relevo na corte real.
Torre da fortaleza em Guise no norte da França. Por Clubduvieuxmanoir,
[CC BY 3.0] via Wikimedia Commons.
Sua filha Maria de Guise casou-se com o Rei Jaime V da Escócia e
foi mãe de Maria Stuart (1542-1587), rainha da Escócia e pretendente ao
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trono da Inglaterra. Católica fervorosa, Maria Stuart tornou-se uma líder,
um dos símbolos dos movimentos católicos revoltados contra o reinado de
Elisabeth I da Inglaterra, sua meia-irmã. Elisabeth I (1533-1603) era filha
de Henrique VIII e de Ana Bolena, uma de suas seis esposas, e, estrate-
gicamente, apesar de Anglicana, adotou um relacionamento de convívio
pacífico com os católicos. Seu reinado foi um dos mais longos da história
desse país, indo de 1558 até sua morte em 1603.
A CISÃO NO CRISTIANISMO — O PROTESTANTISMO
É bom recordar que, no início do século XVI, dois teólogos, Lutero
(1483-1546) e Calvino (1509-1564), iniciaram o movimento reformista
do Cristianismo, dando origem ao Protestantismo, na França, Alemanha
e Suíça. Esses movimentos logo se espalharam pela Europa toda, provo-
cando enorme reação por parte do Papa e de todo o seu clero. Foi a partir
dessa cisão que a igreja, obediente ao Papa, passou a ser conhecida como
Católica Apostólica Romana.
A disseminação das ideias de Lutero e Calvino explica-se como re-
sultado da utilização da imprensa, pois a invenção de Gutenberg (1400-
1468) permitiu a multiplicação dos seus folhetos e, principalmente, da
Bíblia traduzida para o alemão. O controle da Igreja Católica sobre a inter-
pretação da Bíblia estava irremediavelmente quebrado.
Calvino, Henrique VIII, e Martinho Lutero.
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José Eugenio Guisard Ferraz
Na Grã-Bretanha, Henrique VIII (1491-1547) já tinha iniciado um
continuado litigio com a autoridade papal durante seu reinado. Diversas
leis por ele promulgadas, tais como a sua autoridade na nomeação de
bispos, a aplicação de impostos sobre as atividades das igrejas, a anexa-
ção de suas propriedades, e as decisões sobre os seus seis casamentos
e muitos divórcios preparavam a chegada da Igreja Anglicana. Seu filho,
Eduardo VI, que o sucedeu, foi o primeiro Rei da Inglaterra educado no
protestantismo. Reinou de 1547 a 1553, ainda jovem e sem grande poder
de mando. Foi sucedido pelo curto e tumultuado reinado de sua meia-irmã
Mary I que, católica e casada com o rei da Espanha, perseguiu a comuni-
dade protestante. Mary I reinou de 1553 a 1558. A seguir tivemos o longo
reinado de sua meia-irmã Elisabeth I (1533-1603), que seguiu a religião
anglicana fundada por seu pai.
A FAMÍLIA GUISE — DEFENSORA DO CATOLICISMO
Quando Claude faleceu, o título de Duque de Guise passou para seu
filho primogênito, François de Lorraine, chamado de Balafré (1519-1563),
que foi um dos mais famosos dessa
linhagem. A palavra Balafré significa
“marcado” e remete a uma cicatriz
na face de François, adquirida em
uma de suas múltiplas participações
em batalhas.
François I de Lorraine, duc de Guise,
Le Balafré. Obra de François Clouet no
Museu do Louvre, (Domínio Público)
via Wikimedia Commons.
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Militar e político, François foi o principal líder católico na grande
e sangrenta disputa com os protestantes, chamados de hughenotes na
França, no século XVI. Após sua morte, assumiu o Ducado seu filho Hen-
ri (1550-1588), que prosseguiu na liderança dos movimentos católicos,
sendo considerado o mentor da chacina da Noite de São Bartolomeu, em
1572, na qual milhares de protestantes foram assassinados.
Henri instituiu a Liga Católica, também denominada Santa Liga, em
1576, para opor-se aos protestantes e combatê-los. A Liga tinha entre seus
componentes o Papa Sisto V, a rainha da França Catarina de Médici, o Rei
Felipe II da Espanha e várias outras organizações religiosas da Igreja Cató-
lica. Alexandre Dumas recriou esse período ao escrever, em 1845, um de
seus mais importantes romances, “La Reine Margot”. A novela começa em
1572, com o casamento de Marguerite de Valois, Margot, católica, filha do
rei da França Henri II e da rainha Catarina de Medici, com Henri de Bour-
bon, protestante, rei de Navarra, na linha sucessória do trono francês. A
trama envolve Henri, Duque de Guise e os combates religiosos, incluindo
a terrível noite de São Bartolomeu.
Henri, Duque de Guise, assumiu tanto poder que acabou sendo as-
sassinado na presença do rei Henri IV da França, nos próprios aposentos
reais. Nesse mesmo período também seu irmão Luís, cardeal de Guise,
foi morto. Durante todo esse período, o Cardeal Arcebispo de Reims per-
tencia sempre à família dos Guise, normalmente um dos irmãos do Du-
que. Essa associação entre o espírito guerreiro da família e a igreja é uma
constante em toda a história dessa Casa.
DUAS RUAS FRANCESAS
Em andanças por Paris, encontramos a Rue Guisarde, no Sixième
Arrondissement, perto da Igreja de Saint-Sulpice. Segundo consta nos
relatos históricos sobre a Cidade Luz, esse nome advém exatamente da
existência de partidários e apoiadores do Duque de Guise, que se reu-
niam ou moravam nessa rua e arredores, sendo citadas a mansão de
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Jeanne de Navarre e a de Anne Marie d’Orleans, a Duquesa de Montpen-
sier, que, entre outros títulos, era também a Condessa d’Eu e a Princesa
de Joinville.
Rue Guisarde, em Paris.
Acervo da família.
Continuando nossas pesquisas, encontramos outra rua, na França,
com o nome de nossa família. Curiosamente, no campo das coincidên-
cias improváveis, a bisavó de Mireille, minha esposa, tinha um Bureau de
Tabac, com um pequeno bazar anexo, na pequena cidade de Espalion,
no Departamento de Aveyron, sul da França. Esse Bureau de Tabac de
Marie Baduel, viúva de Jean Mirabel — chamada de bisavó Merotte pela
família — estava situado em uma rua denominada Boulevard de Guizard,
bem no centro de Espalion. Ainda hoje existe a tabacaria no mesmo local.
Esclarecemos que, na França, esse tipo de comércio é regulado pelo go-
verno, sendo uma concessão estatal com condições de operação definidas
incluindo a sua localização.
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Bureau de Tabac no Boulevard de Guizard, em Espalion.
Imagem do Google Maps — Street View — Copyright 2018 Google.
OS PARENTES PRÓXIMOS DE JEAN LOUIS GUISARD
Jean Louis, viúvo de Rose Madeleine Cumont, com quem se casara
em 1819, falecida em fevereiro de 1827, era natural de Saint-Maurice-
-Thizouaille tendo nascido em 22 de dezembro de 1776. Saint Maurice
é um pequeno vilarejo, hoje com pouco mais de duzentos e sessenta
habitantes, entre Cheny e Auxerre. Ele se casou com Colombe, em se-
gundas núpcias, em 24 de outubro de 1827, em Brienon l’Archevêque,
localidade que logo mudaria o nome para Brienon-sur-Armançon, onde
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a família Buzenet morava. Vale notar que, nesse tempo, era muito co-
mum os viúvos e viúvas casarem novamente em pouco tempo após a
morte do cônjuge anterior.
Seu pai Charles Joseph Guisard (1753-1838) estava com setenta e
quatro anos à época do segundo casamento de Jean Louis. Charles era um
agricultor — o que significava que provavelmente possuía algumas terras,
morador de Poilly sur Tollon, tendo se casado com Reine Vaudenet (ou
Vaudeney), em 1776. Reine nasceu em 1751 em Brienon e faleceu em
1818 em Gurgy, também no Departamento de Yonne. Gurgy, bem como
Poilly sur Tollon, são pequenos vilarejos próximos de Cheny.
Alguns estudos da “Société Généalogique de l’Yonne”, registram que
os pais de Charles Joseph foram Pierre Claude Charles François Guisard
(1731-1755) e Geneviève Brigitte Fagotat (1728-1781) que, por sua vez,
casaram-se em 1752. O mesmo documento registra que Pierre Claude era
filho de Pierre Guisard (1669-1736) e Marie Dubois (1695-1760), que se
uniram em matrimônio em 1730. E o último registro disponível é do casa-
mento dos pais de Pierre, em primeiro de março de 1666, sendo seu pai
também chamado Pierre Guisard e sua mãe Edmée Leurat. Todos esses
registros referem-se a Poilly, que cremos ser a mesma Poilly sur Tholon.
Por sua vez, Colombe Buzenet nascera em 9 termidor, ano 4 da Revo-
lução Francesa, que corresponde ao dia 27 de julho de 1796 no calendário
gregoriano, natural de Brienon-sur-Armançon, também no Departamento
de Yonne. Tinha trinta e um anos na época de seu casamento com Jean
Louis Guisard; era filha de Jean Baptiste Buzenet, falecido em Samoine, De-
partamento do Marne, em 1816 e de Marie Magdeleine Comble, falecida em
Brienon, em 21 de abril de 1814. Em seu casamento, Colombe compareceu
junto com dois irmãos, Jean Baptiste François Buzenet, de trinta e sete anos,
e Louis Buzenet, de vinte e dois, ambos qualificados como jardineiros.
Brienon, uma localidade um pouco maior que Cheny, esteve sob o do-
mínio dos Arcebispos de Sens por muitos séculos. Sabemos que a arquidio-
cese de Sens foi, até 1622, a principal sede católica da França, controlando
as dioceses de Paris, Chartres, Auxerre, Orleans e várias outras. Notamos
que em 1561 o arcebispo de Sens era o Cardeal Louis I, da família dos Guise.
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E também que o massacre dos huguenotes, em Sens, em abril de 1564, foi
um dos mais violentos de toda a França. A floresta ao lado da pequena cida-
de foi explorada por décadas, para a retirada de madeira, que era enviada
para Paris pelo rio Yonne e pelos canais do Nivernais. Brienon, além disso,
era um centro de tecelagem de cânhamo, de veludo, tinha vários moinhos
usados para a moenda do trigo e outros negócios de menor monta.
Brienon era, como Cheny, um vilarejo gravitando em torno de Au-
xerre. Um pouco maior que Cheny, tinha na época cerca de dois mil e
seiscentos moradores, e pouco deve ter mudado, pois hoje em dia está
apenas com três mil e cem habitantes.
O DISTANTE BRASIL
Jean Louis e Colombe certamente não teriam em casa o primeiro tomo
do livro do pintor Jean Baptiste Debret (1798-1848), “Voyage Pittoresque
et Historique au Brésil” que, diga-se, acabara de ser publicado na França,
nesse mesmo ano de 1834. O segundo e o terceiro tomos sairiam em
sequência, em 1835 e 1839. Debret fizera uma longa viagem pelo Brasil,
de 1815 a 1831, registrando cenas da vida cotidiana. Também nesse
período, o cientista e botânico Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853) visitou
as nossas terras, de 1816 a 1822, e publicou, em oito volumes, sua “Voyage
dans l’intérieur du Brésil”, entre 1830 e 1851. Outro viajante francês, o
historiador Ferdinand Denis (1798-1890), esteve por aqui de 1816 a 1819 e,
em 1822 publicou na França o livro “Le Brésil, ou Histoire, moeurs, usages
et coutumes des habitants de ce royaume”. Por sua vez, na Inglaterra, era
publicado, em 1839, o relatório da viagem do HMS Beagle, que de 1831 a
1836 transportou Charles Darwin (1809-1882) numa viagem científica pela
América do Sul. Neste documento o jovem Darwin descreve seus achados
e suas impressões incluindo sua estada no Brasil por mais de quatro meses
em 1832 quando visitou Salvador, Abrolhos, Rio de Janeiro e Cabo Frio.
Todos esses livros e publicações, e a intensificação das relações comerciais
certamente deram projeção para essa terra tão interessante e tão distante.
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Autorretrato de Jean-
Baptiste Debret na
edição original de
“Voyage Pittoresque
et Historique au
Brésil” em 1834,
(Domínio Público) via
Wikimedia Commons.
Também não devem ter lido nos jornais que, nesse mesmo ano de
1834, falecia em Portugal o Imperador do Brasil, Dom Pedro I, que em
Portugal tinha o título de Dom Pedro IV. Ele abdicara ao trono do Brasil em
1831, para voltar a Portugal, com o intuito de intervir na disputa entre sua
filha Dona Maria II (1819-1853), ainda infante, e seu irmão Dom Miguel I
que, por meio de um golpe, passara de Regente a Rei, assumindo assim o
poder em terras lusitanas. Após longa guerra civil, de 1832 a 1834, com
Dom Miguel derrotado e exilado de Portugal, Dom Pedro restabeleceu o
poder e entregou o trono a Dona Maria II. Ao renunciar ao posto no Brasil,
Dom Pedro I deixara seu herdeiro, ainda infante, com apenas cinco anos,
Pedro (1825-1891), sendo José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838)
nomeado seu Tutor. Alguns anos depois, em 1841, ele seria coroado Dom
Pedro II, Imperador do Brasil.
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A FRANÇA EM MEADOS DO SÉCULO XIX
A França era então governada por Louis Philippe I (1773-1850), o
Duque de Orleans, que reinou de 1830 a 1848. Louis Philippe, na sua ju-
ventude, apoiou a Revolução Francesa de 1789, tendo aderido às ideias
liberais dos revolucionários.
Louis Philippe I, Rei da
França e Duque de Orleans.
No início de seu governo, adotando o regime de Monarquia Cons-
titucional, com participação da Assembleia Nacional e a atuação de um
Primeiro Ministro, foi apoiado pela burguesia enriquecida, mas com ideias
liberais. Importante lembrar que a Europa sofria intensa modificação em
sua estrutura econômica, com a disseminação dos efeitos da Revolução
Industrial iniciada na Inglaterra. Houve então um acentuado crescimento
urbano, com aumento das viagens exploratórias e as de fins comerciais.
Além da produção do campo, a produção econômica, que antes era
primordialmente manual, com a utilização da energia natural dos ventos,
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dos rios e de alguns poucos animais, para movimentarem pesados moi-
nhos, tinha em algumas décadas mudado substancialmente sua estrutura.
Com a invenção das máquinas a vapor, usando principalmente o carvão
como combustível, primeiramente de uma forma fixa e, logo a seguir, em
forma móvel, o desenvolvimento acelerou-se enormemente. Uma das pri-
meiras industrias a serem significativamente modificadas com essa nova
tecnologia foi a tecelagem. A fabricação de fios e tecidos passou, de teares
manuais ou com pouquíssima mecanização, para fábricas com centenas
de teares mecanizados e movidos com o auxílio de máquinas a vapor.
Os teares mecânicos aparecem na Inglaterra. Por Clem Rutter de Rochester,
Kent (CC BY 3.0) via Wikimedia Commons.
As tecelagens logo se tornaram comuns pela Europa Ocidental,
juntamente com as ferrovias, onde os trens, movidos a vapor, transpor-
tavam a crescente produção industrial e de produtos alimentícios, estes
últimos agora produzidos no campo também com o auxílio de máqui-
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nas cada vez mais sofisticadas. Com a produção passando de pequenos
artesãos para grandes industrias, tornaram-se comuns as reuniões de
operários, principalmente nas maiores cidades. Operários que ficavam
dependentes do capital dominado por burgueses que se enriqueciam
com a exploração da mão de obra, sem nenhum direito assegurado e
sempre vulnerável a perda de seus postos, no caso de um aumento da
automação da produção. Em consequência da organização trabalhista,
novas facções políticas foram se formando, com a participação crescen-
te e atuante da classe operária.
Por esse tempo, as ideias de Karl Marx (1818-1883) estavam em
franca disseminação nos meios políticos e entre os trabalhadores. No ano
crítico de 1848 foi publicada uma de suas obras mais importantes, “O
Manifesto Comunista”, escrito juntamente com Friedrich Engels. Sob o
impacto dos avanços trabalhistas, aos poucos Louis Philippe foi modifican-
do seu governo, que deixava de ser liberal para tornar-se cada vez mais
conservador, não conseguindo manter o apoio das camadas dirigentes. Di-
versas revoltas, quase sempre com os insurgentes fazendo barricadas nas
ruas de Paris, ocorreram nos seus últimos anos, com tentativas de derru-
bá-lo, até que, em 1848, a oposição teve sucesso. Louis Philippe foi, então,
forçado a renunciar e, nesse momento, tentou deixar como sucessor seu
neto, também chamado Louis Philippe, conde de Paris, e refugiou-se na
Inglaterra, onde veio a falecer em 1850.
A JUVENTUDE DE LOUIS FELIX
Na província, longe das movimentações em Paris, Jean Louis Gui-
sard trabalhava muito para dar aos filhos, Louis Felix e Henriette Hortense
(nascida em 18 de agosto de 1831) a melhor educação possível nas con-
dições permitidas por suas posses. Pouco conhecemos da vida de Jean
Louis, constando somente que teria trabalhado no reparo e na constru-
ção de carruagens, tendo falecido entre 1850 e 1855. Há evidências que
permitem crer que, durante uma parte de sua juventude, Louis Felix viveu
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José Eugenio Guisard Ferraz
com seus tios maternos Suzanne e Darde Lejeune, em Auxerre, onde fez
seus estudos principais.
Nesse período, entre 1850 e 1855, a família mudou-se para Paris,
segundo as anotações familiares, para habitar no número vinte e um da
Rua Marie Stuart. Louis Felix, além de aprender o ofício de seu pai, de
marceneiro e escultor em madeira, continuou seus estudos, seja em Au-
xerre, seja em Paris, conseguindo adquirir uma formação na área de cons-
trução e de montagem de estruturas, que equivaleria a de um engenheiro
ou de um técnico de alto nível. Infelizmente nossa busca de informação
nos dados disponíveis das grandes escolas, que nesse período começaram
a formatar a disciplina e o ensino da engenharia, como a École Royale des
Ponts et Chaussées, de 1747, a École Polytechnique de 1794, e a École
Centrale des Arts et Manufactures, de 1829, foi infrutífera. Os documentos
familiares confirmam que ele fez também uma viagem pela França, como
era tradicional na formação de um jovem daquela época. Nesse período,
com a família em Paris, e já sem a presença do pai, que tinha falecido,
sua irmã Henriette casou-se com Edmé Hunot (1828-1859) e passou a
trabalhar com uma boulangerie (loja de doces). Com Edmé ela teve os
filhos Angeline (1853-1886), Jules (1856-1900) e Edmé (1859-1891). Após
a morte do marido, Henriette casou-se com Bernard Semmartin, também
boulanger, em 14 de setembro de 1872. Ela faleceu no Hospital de la Sal-
pêtrière, em Paris, em 2 de outubro de 1892. Louis Felix, nesse período,
sofreu uma grande decepção, quando, jovem e ambicioso, pretendeu se-guir uma carreira militar e isso lhe foi negado pela Escola Militar de
Saint-Cyr, por ser o único filho homem de uma viúva, arrimo de
família, em carta recebida do Exército Nacional em dezembro de 1855.
Neste mesmo ano, Paris sediava uma grande Exposição Universal, com
mais de vinte mil expositores de trinta e quatro países, com cinco
milhões de visitantes. A exuberância dessa Feira e o desgosto pela
recusa de Saint-Cyr devem tê-lo direcionado para uma nova
oportunidade, um desafio internacional. Nesse momento tirou seu
passaporte e abriu um novo horizonte para seus sonhos de realização
pessoal.
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A AVENTURA NOS TRÓPICOS — A GRANDE VIAGEM
O certo é que, naquele ano de 1856, estando a mãe morando em
Paris com sua irmã Henriette Hortense, Louis Felix foi convidado a traba-
lhar para uma empresa que pretendia montar uma loja, uma joalheria, na
longínqua América do Sul, mais precisamente na cidade do Rio de Janeiro,
no Brasil.
A sua curiosidade, e talvez as imagens de Debret, devem ter des-
pertado nele o desejo de viajar e conhecer esse novo mundo, seus na-
tivos, a crescente sociedade que nascia voltada ao modelo europeu e
suas riquezas. Sim, esses devem ter sido motivos suficientes para fazê-lo
aceitar o desafio e preparar suas malas e ferramentas. Consta, nas reme-
morações de minha família, que partiu no navio Winslow, em 1856, do
porto de Marseille, com destino aos trópicos. Era então um jovem com
apenas vinte e dois anos. Curioso saber que, apesar da valentia própria
da juventude, ele vinha com a volta prevista para daí há um ano. Há notí-
cia no periódico “Courrier du Brèsil”, editado no Rio de Janeiro, dizendo
que o Winslow era um navio de registro Francês, um veleiro com três
mastros, proveniente do porto de Le Havre. No “Jornal do Commercio”
dessa época, o Winslow foi reportado como uma galera, ou seja, além
dos três mastros com velas, havia também a possibilidade de ser movi-
mentado com remos, no caso de ter de enfrentar uma calmaria durante
a longa travessia, evento que não era incomum nesse trajeto.
Desses relatos resta, portanto, a dúvida: se realmente saíram de
Marseille, como se conta na família, ou se diretamente de Le Havre,
porto muito mais próximo de Paris e, portanto, muito mais conveniente
para um morador da capital da França. Porém, mais que a determinação
exata do porto de origem na França, o importante é constatar a coragem
e o arrojo de um jovem, aventurando-se em uma longa e arriscada viagem
em busca de uma realização pessoal.
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“Bateaux quittant le port du Havre”. Fotografia de Gustave Le Gray (1820-
1884) de 1856/1857, (Domínio Público) via Wikimedia Commons.
A FRANÇA EM EBULIÇÃO — OS VENTOS DA POLÍTICA
Nesse mesmo tempo, a situação política em Paris estava em ebuli-
ção, extremamente agitada. Com a queda do prestígio de Louis Philippe
I, o Imperador Burguês, como era conhecido, houve uma grande disputa
entre as alas dos comerciantes, a dos liberais moderados e a dos socialis-
tas/trabalhadores, todos em busca de redefinição de seus papéis no poder.
No final de fevereiro de 1848, o Imperador, abdicando ao trono, indicou
seu neto, Conde de Paris, como novo governante. A Assembleia Nacional
recusou-se a legitimar o indicado e estabeleceu uma Junta Provisória, com
personalidades políticas da época — Lamartine, Arago, Marie, de l’Eure,
Ledru-Rollin e Garnier-Pagès, entre outros.
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O Sol da Manhã...
Dupont de l’Eure e Arago, chefes do Conselho de Ministros.
A chefia do Conselho de Ministros neste período, em 1848, cargo
que correspondia ao de Primeiro Ministro, foi ocupada por Jacques Charles
Dupont de l’Eure de fevereiro a maio, e por François Jean Dominique
Arago de maio a junho.
O primeiro ato do Conselho foi proclamar a República. O grande
número de desempregados, com a pressão dos socialistas/trabalhadores,
levara à criação das Oficinas Nacionais, um grande projeto de trabalho
para todos, utilizando as principais obras do governo onde se abririam
postos de serviços para essa parcela da população. Nesse movimento, mi-
lhares de operários sem trabalho afluíram para Paris. Os deputados tam-
bém aprovaram a liberdade de imprensa e direito de reunião. No mesmo
conjunto, validou-se o voto universal, ainda que com algumas restrições
econômicas e somente para os homens. Em tal contexto foi marcada uma
eleição geral para formar uma nova Assembleia Constituinte.
Apesar de os socialistas/trabalhadores fazerem inúmeras manifestações
contrárias à eleição, por entenderem que ela estaria polarizada contra eles,
o pleito aconteceu em abril de 1848, com a vitória dos liberais moderados.
Nessa disputa, o pequeno Partido Bonapartista elegeu Charles-Louis Napoléon
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Bonaparte (1808-1873), sobrinho do falecido imperador Napoleão Bonaparte,
para uma cadeira de Constituinte. Com a perda da disputa pelo poder, os so-
cialistas saíram às ruas, lutando por um governo trabalhista. Em 15 de maio o
prédio da Assembleia foi invadido pela multidão, porém a revolta foi contida
rapidamente. Seus chefes foram presos e muitos condenados à morte.
Barricadas na Rua Saint-Maur, Paris, em junho de 1848. Daguerreotipo,
Thibault (1830-1927). Original no Musée d’Orsay, Paris. Por Thibault
(L’Histoire par l’image) (Domínio Público) via Wikimedia Commons.
Em junho as oficinas nacionais foram dissolvidas, fato que provocou
nova insurreição dos operários desempregados, em Paris. A reação do go-
verno liberal burguês foi colocar o poder nas mãos do General Cavaignac,
que lançou o exército para debelar essa revolta nas ruas da capital. Louis
Eugène Cavaignac (1802-1857) foi Presidente do Conselho de Ministros,
nomeado pela Assembleia, de junho a dezembro de 1848.
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O Sol da Manhã...
O General Cavaignac,
Presidente do Conselho de
Ministros.
Nesse período, de poucos dias, os direitos individuais foram sus-
pensos, mais de três mil pessoas foram fuziladas e cerca de quinze mil
deportadas para as colônias. Em novembro, a conservadora Assembleia
Nacional aprovava uma nova Constituição e, sob esse novo regime, a fun-
ção executiva da nação ficava nas mãos de um Presidente, a ser eleito por
sufrágio universal. Naquela época o sufrágio universal estava restrito aos
homens, particularmente aos homens que tivessem certo nível econômi-
co e destaque social. O universal não era mesmo para todos...
O DOMÍNIO DE LUÍS NAPOLEÃO — O NAPOLEÃO III
Em dezembro de 1848, a eleição aconteceu e Luís Napoleão, sobri-
nho de Napoleão Bonaparte, foi eleito Presidente da França com um man-
dato de 4 anos, sem direito à reeleição, com mais de 70% dos votos da
população. Seu adversário, amplamente derrotado, foi o General Cavaig-
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nac. Nos primeiros três anos de seu mandato, Luís Napoleão dividiu seu
governo com vários primeiros ministros nomeados pela Assembleia. Ao
final de seu terceiro ano de mandato, carregando a bandeira da Glória Na-
poleônica, ele manobrava para aprovar uma emenda constitucional para
permitir sua reeleição, mas a Assembleia recusou. Assim, em outubro de
1851, Luís Napoleão dissolveu-a e, num golpe de estado, assumiu o poder
absoluto do governo. Ao final de 1852, em novembro, ele convocou um
plebiscito, que o elegeu Imperador com 95% dos votos da população. Foi
então coroado com o nome de Napoleão III.
Napoleão III.
Napoleão III manteve-se como Imperador dos franceses até setembro
de 1870, um dos reinados mais longos e produtivos da história da França.
Foi um período com política de incentivos à indústria e à agricultura, com a
execução de inúmeras obras públicas no país. Mestre da propaganda, abai-
xou o preço do pão e ganhou inicialmente um prestígio muito grande. Com
a colaboração do Barão Haussmann remodelou a cidade de Paris, urbani-
zando-a e abrindo grandes e largas avenidas. Também modernizou o siste-
ma bancário e o setor agrícola do país. Implementou enorme crescimento
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O Sol da Manhã...
de estradas de ferro. Sob tal influência, a cultura francesa se impunha ao
mundo levando avante um projeto de dominação artística, intelectual e de
grande prestígio. Era nesse contexto que a França mostrava-se como mode-
lo e os franceses como representantes de uma civilização exemplar.
Essa pintura de Camille Pissarro mostra os grandes espaços cheios de luz
pedidos por Napoleão III ao Barão Haussmann. É a Avenue de l’Opera.
Musee des Beaux-Arts, Reims. Por Camille Pissarro (Domínio Público) via
Wikimedia Commons.
No campo internacional promoveu a importante e inovadora constru-
ção do Canal de Suez, inaugurado ao final de 1869. Ainda no âmbito das
políticas externas, praticamente dobrou o número de colônias francesas no
resto do mundo, confirmando a vocação imperial francesa daquela época.
Participou ainda da Guerra da Criméia, de 1854 a 1856, em que foi ven-
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cedor juntamente com a Inglaterra, de quem se tornou importante aliado
na busca da hegemonia na Europa, contra o Império Russo. Com o passar
dos anos, porém, a economia interna da França começou a fraquejar, o que
levou à construção de uma forte aliança de opositores formada pela classe
média, os trabalhadores e até católicos.
Napoleão III procurou conceder mais benefícios ao povo, buscando
controlar a situação, mas essas tentativas tiveram pouco resultado. Se-
guindo no campo internacional, com o aumento do poder de uma Prússia
unificada, sob o comando do Primeiro Ministro Otto von Bismarck (1815-
1898), Napoleão III acabou entrando sozinho, sem a companhia de qual-
quer país aliado, num novo conflito, a Guerra Franco-Prussiana, em 1870.
Disso resultou um desastre total para ele pessoalmente, e para a França,
pois o Exército francês foi rapidamente derrotado, e Napoleão III foi cap-
turado na derradeira batalha em Sedan, no dia 1 de setembro de 1870.
Preso, foi deportado para a Inglaterra, onde faleceu em 1873.
Bismarck escolta o derrotado Napoleão III em Sedan. — Pintura de Wilhelm
Camphausen, Deutsches Historisches Museum, Berlin. Em domínio público
via Wikimedia Commons.
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O Sol da Manhã...
A AVENTURA DA FAMÍLIA CAILLAUD
No início daquele agitado período, mais precisamente em 1848,
uma jovem professora, Elisabeth Mallet, assumiu uma posição de chefia
na gestão das Oficinas Nacionais — foi nomeada delegada dos operários
em uma das regiões de Paris. Exatamente nessas Oficinas Nacionais, que
haviam sido fechadas, e com tantas pessoas punidas pelo governo. Tam-
bém nesse período, François Caillaud, seu marido, envolveu-se em inten-
sas discussões políticas opondo-se a Napoleão III.
No navio que o trouxe para o Brasil, Louis Felix Guisard encontrou
uma família francesa, com quem fez amizade, e que tornou a longa via-
gem mais agradável para todos. Eram os Caillaud fugindo da França. Fran-
çois Caillaud (1804-1879) o chefe dessa família, sua esposa Elisabeth Mal-
let (1804-1861), seus filhos Manoel, Gustave, George, Leonie, Marie, Celine
e Amelie e seu pai, Joseph Caillaud, já com avançada idade. Em particular
causou-lhe grande impressão a jovem Amelie Anaïs Emma (14 de setem-
bro de 1842 — 4 de fevereiro de 1933), a filha caçula, nascida em Nantes.
Conta-se que um dia, no navio, a família Caillaud ficou desesperada, pois
Amelie tinha desaparecido. Buscas foram feitas em toda a embarcação
e, após um angustiante tempo, ela foi encontrada exatamente por Louis
Felix.
As viagens transoceânicas naquela época, apesar do uso recente de
embarcações a vapor a partir de 1851, podiam demorar cerca de sessenta
dias se fossem feitas com navio à vela, dependendo das paradas interme-
diárias e de possíveis períodos de calmaria. Sabemos que o Winslow era
à vela, ou seja, houve tempo suficiente para se conhecerem muito bem.
Mais tarde Louis Felix os encontraria no Brasil em outras, e precárias cir-
cunstancias.
A família Caillaud estava procurando alternativa para a turbulenta
situação política da França. François Caillaud e sua esposa Elisabeth Mallet
passaram por problemas com os novos governantes, quando os ventos
da política mudaram de direção. E, nesse período de transição, os ventos
sopraram muito fortes.
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A ORIGEM NOBRE DOS MALLET
Ficou registrado, nas memórias dos nossos antepassados, que Eli-
sabeth Mallet acreditava ter uma descendência nobre, condição sempre
afirmada por sua filha, minha bisavó Amelie Mallet Caillaud. Os Mallet
possivelmente retraçam suas origens desde Guillaume de Mallet, um Ba-
rão normando, Sire de Graville, uma localidade hoje distrito da cidade de
Le Havre, famosa pela presença imponente da Abadia de Sainte-Honorine
de Graville, construída pelos monges beneditinos no século XI. Mallet foi
companheiro de Guilherme, o Conquistador, na invasão da Grã-Bretanha,
por volta de 1100. Esclarecemos que a grafia desse nome é Guilherme em
Português, William em Inglês e Guillaume em Francês, dependendo da
fonte que pesquisamos.
Brasão dos Cury Mallet, na Igreja de St. James na pequena vila de Iddesleigh,
em Devon, England. Por Richard Mallett e Nigel Barker
no site www.mallettfamilyhistory.org.
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O Sol da Manhã...
Em termos da Heráldica, este brasão é descrito em francês como
“des gueules aux trois fermaux d’or”, que traduzimos para “num campo
vermelho com três fivelas em ouro”. As cores vermelho e ouro eram restri-
tas aos símbolos dos nobres mais poderosos e grandes guerreiros, os Sires
ou Príncipes. As fivelas aparecem porque eram usadas para prender, ao
peito do cavaleiro, o seu manto cerimonial.
Na história da França encontramos, constantemente, um Sire de
Graville (também grafado Granville) participando em batalhas ou atuando
em outras áreas relevantes, sempre com destaque, até mesmo ao lado de
Jeanne d’Arc, em 1429, no cerco e liberação da cidade de Orleans. Volte-
mos contudo no tempo, para incluirmos um pouco mais da história da
França e, assim, localizarmos melhor a história dos Mallet.
UMA BREVE PASSAGEM PELA ORIGEM DA EUROPA
Acredita-se que por volta de 2000 a 1200 anos a.C., vindos da Ásia,
ocorreu uma grande migração, para a Europa, de tribos de um povo com
algumas características comuns, principalmente linguagens similares, os
chamados Indo-Europeus. Esses compreendem os Gregos ou Helenos na
Grécia e na região do Egeu; os Germanos, na Dinamarca e no sul da Su-
écia; os Bálticos nas costas do Mar Báltico; os que desceram para a Pe-
nínsula Itálica; os Celtas que, no centro da Europa, estavam movendo-se
lentamente e ocuparam a região onde atualmente temos a Alemanha, a
França, o norte da Espanha e a Bretanha.
Essas tribos de Celtas foram se estabelecendo pelo território, to-
mando, na França, o nome de Gauleses e, na Grã-Bretanha e no oeste da
França, de Bretões, sem formar um governo central, mantendo uma inde-
pendência entre as tribos, com cultura própria e, frequentemente, guerre-
ando entre si.
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José Eugenio Guisard Ferraz
Os povos Celtas na Europa cerca de 270 a.C.
Como se sabe, existem fortes vínculos históricos entre a atual Ingla-
terra e a França, começando pela origem céltica de ambas as populações.
E também temos em comum, nessas duas regiões, as invasões pelo Ro-
manos, ao tempo de Júlio Cesar e Claudio, entre 60 a 40 a.C. Os principais
povoados dessas regiões foram fundados nessa época de domínio roma-
no. As mais importantes estradas também foram traçadas e construídas
pelas tropas de ocupação. Juntamente com as estradas inúmeras pontes
foram construídas, e também grandes aquedutos, muitos dos quais ainda
hoje podem ser vistos, marcando firmemente aqueles tempos. Muitas des-
sas estradas romanas passavam por Lugudunum, o principal centro da Gá-
lia Romana, que hoje é a grande cidade de Lyon. Aliando-se ao complexo
de vias terrestres, a existência no território da Gália de uma notável rede
de rios navegáveis, tinha-se assim um completo sistema de transporte na
região.
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O Sol da Manhã...
O Império Romano cerca de 120 d.C.
A Gália Romana ia da margem ocidental do rio Reno até os Alpes e
os Pirineus, quase que exatamente o território da França de nossos dias.
Essa ocupação persistiu até o colapso de Roma e seu Império, por volta do
século V depois de Cristo; mais precisamente em 406 d.C., quando os po-
vos germanos, compostos por tribos de Vândalos, Visigodos, Burgúndios
e Francos, atravessaram o rio Reno e invadiram o território. E logo atrás
desses vieram os Hunos de Atila, e outros mais...
Finalmente Roma foi invadida e saqueada em 476 d.C. pelo líder
germano Odoacro, marcando o encerramento de seu domínio na região
ocidental. Permaneceu ainda, por mais mil anos, o Império Romano do
Oriente, também denominado Império Bizantino, com sede em Bizâncio,
que depois passou a chamar-se Constantinopla e é, hoje, a cidade de
Istambul.
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José Eugenio Guisard Ferraz
A Europa por volta de 500 d.C. com os povos germanos.
Com isso a Pax Romana na Gália, que durara mais de quatrocentos
anos, chegava ao fim, logo substituída pelo domínio de um desses grupos,
os Francos.
O DOMÍNIO DOS FRANCOS
Conseguindo montar uma estrutura de comando, os Francos obtive-
ram a supremacia na região continental. Eles estabeleceram uma dinastia de
Reis, denominada Merovíngia, em homenagem ao primeiro líder dessa fa-
mília, Meroveu. Seu principal líder foi Clóvis I, que em 486 conseguiu vencer
não só os Romanos, mas também os Germanos e os Visigodos. Formou assim
um império na Gália, em um território que hoje corresponde à Alemanha e
à França, incluindo parte da Península Ibérica. A dinastia dos Merovíngios
permaneceu no poder até 750, quando Carlos Magno (742-814) conseguiu
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O Sol da Manhã...
dominar todo o território e expandiu-o ainda mais. Ele, aliás, unificou a Euro-
pa e foi coroado Imperador pelo Papa Leão III em Roma.
Carlos Magno (742-813) Rei dos Francos. Sendo coroado no dia de Natal
de 800, em Roma, pelo Papa Leão III. Obra de Friedrich Kaulbach no
Maximilianeum, Munique. Em domínio público via Wikimedia Commons.
Essa nova dinastia, chamada de Carolíngia, estendeu-se até 987.
Seu primeiro líder foi Carlos Martel, que era o Mordomo do último Rei
Merovíngio. Importante esclarecer que a posição de Mordomo do Rei, na-
quele tempo, correspondia a algo próximo do que seria hoje um Primeiro
Ministro, respondendo por toda a parte executiva do governo real, portan-
to com grande poder de ação.
O feito mais relevante de Carlos Martel foi vencer a batalha de Poi-
tiers, em Tours, no ano de 732, quando derrotou o Exército muçulmano e
acabou definitivamente com as suas invasões na Europa. Por esse período
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ocorreram também as invasões dos povos germânicos na Grã-Bretanha
— os saxões, os anglos e os jutos — todos da região norte e noroeste da
Alemanha e da atual Dinamarca. Diversas batalhas ocorreram entre os
celtas britânicos e os anglo-saxões, com estes levando vantagem. Nos sé-
culos seguintes, a atual Inglaterra se viu dividida em um grande número
de reinos anglo-saxões, sem supremacia de nenhum deles.
QUANDO OS VIKINGS ENTRAM EM CENA
Um novo grupo entrou em cena a partir do final do século VIII, tanto
na Ilhas Britânicas quanto na França: os Vikings. Por essa época, ocorre-
ram invasões desses homens do Norte, denominados Nordmans ou Vi-
kings, vindos da Noruega e da Dinamarca. Eles chegavam em suas longas
embarcações com carrancas na proa, os drakkars, pilhando e saqueando.
Drakkar, a temível embarcação viking.
Em pouco tempo, não satisfeitos com simples excursões guerreiras,
de pouca duração, passaram a colonizar as regiões dominadas.
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As invasões dos vikings e seus territórios.
Na Grã-Bretanha, rapidamente dominaram quase todos os reinos a
partir do norte da ilha, até as fronteiras do reino de Wessex, onde o Rei
saxão Alfred, o Grande (849-899), montou formidável barreira defensiva.
Na França, conquistaram diversas cidades na Normandia — que recebeu
esse nome exatamente pela invasão dos Homens do Norte. Dessa posição
passaram a avançar pelo rio Sena, com seus drakkars, para o interior da
França, prosseguindo na direção de Paris. Acuado, o Rei franco, da dinastia
Carolingia, Carlos III, dito O Simples (879-929), negociou um acordo com
o líder dos vikings invasores, Rollo, também grafado como Rollon (846-
930), nome que corresponderia também a Rolf nas terras nórdicas. Em
troca de parar com essa invasão e impedir futuras incursões vikings,
Rollon passava a ser reconhecido como Duque e Senhor da Normandia
e convertia-se ao Cristianismo. Com grande incerteza histórica, alguns
cronistas da época adicionam um compromisso de casamento de Rollon
com Gisele, uma possível filha de Carlos III. Esse tratado ficou conhecido
como de Saint-Clair-sur-Epte, assinado em meados de 911.
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Estátua de Rollon, primeiro duque da Normandia,
por Frédéric Bisson, em Rouen, France.
Assim ao final do século X, os vikings dominavam boa parte do oes-
te europeu. Sueno I era rei da Dinamarca e de parte da atual Inglaterra.
Seu filho Canuto, o Grande, anexou também a Noruega a esse domínio.
Na França, o viking Rollon, seguido por seu filho, William Longsword, era
o soberano da Normandia.
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O Sol da Manhã...
Monumento a
Guilherme o
Conquistador —
Falaise, France.
Em Falaise, pequena cidade a quarenta quilômetros de Caen, e pouco
distante de Rouen, Le Havre e Bayeux, encontra-se o castelo no qual teria nas-
cido Guilherme, o Conquistador. Essa bela construção abriga também as es-
tátuas de seis Duques da Normandia, incluindo a de Rollon, o primeiro deles.
Na Grã-Bretanha a turbulência imperava, com o Rei Eduardo de
Wessex, com o apoio da linhagem normanda, em constante disputa com
a linhagem escandinava de Canuto. Quando Eduardo de Wessex, dito o
Confessor, faleceu em 1066 sem herdeiro direto, seu sucessor, por ele
nomeado em seus últimos dias de vida, foi Harold Godwinson. Indicação
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essa que foi imediatamente contestada por Guilherme II da Normandia,
Harald Hardrada da Noruega e Sueno II da Dinamarca, todos achando que
tinham direito ao trono.
A INVASÃO DA GRÃ BRETANHA
Decidido a fazer valer seu direito na sucessão do trono de Wessex, Ha-
rald, Rei nórdico, da atual Noruega, invade o norte da ilha em 8 de setembro
de 1066, tendo como aliado Tostig, irmão de Harold Godwinson. Por sua
vez Harold arregimentou seus soldados e foi ao encontro da força invasora.
No embate dos dois Exércitos, na Batalha de Stamford Bridge, em 25 de
setembro, Harold obteve uma marcante vitória. Harald Hardrada e Tostig
Godwinson, derrotados, foram mortos naquela ocasião. Quase ao mesmo
tempo, Guilherme II da Normandia, invadia a Grã-Bretanha pelo Sul, de-
sembarcando com seu Exército em 28 de setembro na região de Sussex.
Imediatamente pôs-se em marcha para o encontro do Exército de Harold,
aproveitando-se do elemento surpresa, não o deixando recuperar suas for-
ças. A batalha decisiva aconteceu no dia 14 de outubro, em Hastings, com a
derrota de Harold Godwinson, que foi morto no decorrer do combate.
A famosa tapeçaria em Bayeux.
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A famosa tapeçaria Bayeux mostra a conquista normanda da Ingla-
terra por William, o Conquistador. Essa tapeçaria, com setenta metros de
comprimento por meio metro de largura, foi feita no século XI e é conser-
vada na cidade de Bayeux, na Normandia. É considerada pela UNESCO
como parte do projeto Memória do Mundo.
William, Guillaume, ou Guilherme, que passou a ser chamado de
Conquistador, foi coroado no dia de Natal daquele mesmo ano, 1066.
Após um período de quase cinco anos de disputas e batalhas, ele conso-
lidava seu poder, criando uma “Inglaterra Normanda”. Seu longo reinado
fez com que a supremacia normanda se estabelecesse, na língua, na cultu-
ra e na propriedade dos principais condados da atual Inglaterra.
GUILLAUME DE MALLET — UM NOBRE DE DOIS PAÍSES
Foi exatamente nessa grande disputa, ao lado de Guilherme, o Con-
quistador, que estava Guillaume de Mallet, o normando que, salvo melhor
juízo, é o nosso ancestral nobre, Sire de Graville na França e Visconde de
Eye na Inglaterra. Um nobre de dois países. Consta em crônica da época
que foi ele incumbido, por William, o Conquistador, da tarefa de realizar o
funeral do derrotado Rei Harold Godwinson.
Na França, o castelo Mallet, em Graville-Sainte-Honorine, ficava estrate-
gicamente posicionado na foz do rio Sena. A antiga abadia de Graville-Sainte-
-Honorine faz parte atualmente da cidade de Le Havre, e nela estão enterrados
alguns dos membros mais antigos dessa família. Na Grã-Bretanha, Guillaume
detinha a propriedade de muitas terras em Suffolk e Norfolk e também em
Lincolnshire e Yorkshire. A localidade de Eye, em Suffolk, provavelmente foi o
ponto principal de seus domínios naquela região. Devemos destacar seus dois
filhos, Robert e Gilbert, que provavelmente o acompanharam na batalha de
Hastings. Consta que um deles ficou na Grã-Bretanha e o outro voltou para a
França, dando origem, assim, a dois ramos distintos da família Mallet.
Com uma origem tão longínqua é natural que encontremos, nos
tempos atuais, um grande número de pessoas com o sobrenome Mallet,
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ou Malet. Consta que quando um Mallet, que havia emigrado para os Es-
tados Unidos, faleceu, em 1888, deixando uma enorme fortuna, foi feito
um chamado de possíveis herdeiros e apareceram dois mil seiscentos e
setenta e três pretendentes ao espólio. Aqui no Brasil também encontra-
mos muitas pessoas com igual nome de família, porém não pudemos
comprovar um relacionamento direto entre nossa bisavó Amelie e eles.
Devemos realçar um deles que é herói nacional. Trata-se do Marechal Emi-
le Louis Mallet (1801-1886), nascido na França e que chegou ao Brasil com
dezessete anos, acompanhando sua família, que também atravessou o
Atlântico para escapar de perseguições políticas. Aos vinte e um, com a in-
dependência do Brasil, ingressou no Exército do Imperador fazendo uma
brilhante e heroica carreira no ramo da Artilharia, tendo sido agraciado
por Dom Pedro II com o título de Barão de Itapevi. O Marechal Mallet é o
Patrono da Artilharia do Exército Brasileiro, com o dia da Artilharia sendo
comemorado anualmente na data de seu nascimento, 10 de junho.
DE COMO VICTOR HUGO ENTROU EM NOSSA HISTÓRIA
Voltemos, contudo, ao nosso objetivo principal para, assim, esclare-
cer os motivos dessa viagem da família Caillaud, recorrendo à história de
um dos mestres da literatura francesa — Victor Hugo (1802-1885).
Na sua juventude, Victor Hugo foi um admirador dos nobres, e da
monarquia como forma de governo, vivendo sob o reinado de Luís Felipe
I. Foi nesse período que escreveu um de seus livros mais conhecidos, “O
Corcunda de Notre Dame”, em 1831. Entrando para a política, foi nome-
ado, por Luís Felipe I, um nobre da França, com assento no Senado do
Império. Aos poucos foi se tornando defensor dos pobres, contrário às
leis monárquicas que oprimiam a população, declarando-se republicano
apaixonado. Em 1848 foi eleito para a Assembleia Nacional pelo Partido
Conservador.
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Victor Hugo.
Estátua na Villa
Borghese em Roma.
Nas eleições para a Presidência da França, ele apoiou abertamente
a candidatura de Louis Napoléon Bonaparte, tendo inclusive criado um
jornal, em agosto de 1848, denominado “L’Événement”, um periódico de
Paris voltado para esse apoio. Logo no ano seguinte rompeu com esse gru-
po político e passou a defender temas como a abolição da pena de morte,
o combate à pobreza e à miséria, o sufrágio universal e a educação para
todos. Quando ocorreu o golpe de estado de Louis Napoléon, em 1851,
Victor Hugo abertamente declarou-o um traidor. A reação do Imperador
foi imediata e violenta. Com os poderes ditatoriais por ele assumidos, o
jornal “L’Événement” teve suas portas fechadas.
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Sem mudar de opinião, não restou a Victor Hugo nenhuma alter-
nativa a não ser fugir da França, indo primeiramente para Bruxelas, na
Bélgica e, algum tempo depois, atravessando o canal da Mancha para a
Grã-Bretanha, onde ficou até 1870. Do exílio ele prosseguiu atacando o
agora Imperador Napoleão III, sem deixar de continuar escrevendo obras
primas como “Les Miserables” que apareceu em 1862. Traduzido para
centenas de idiomas, um enorme sucesso nos palcos de Londres, onde
foi inicialmente encenado, faz sucesso também na Broadway e em todo o
mundo até hoje.
Depois de manter postura ditatorial, no início de seu reinado, quan-
do de 1852 até 1859 impôs medidas repressivas drásticas, incluindo a
censura em todos os aspectos, o Imperador emitiu uma Anistia em 1859,
relaxando essa pressão, e partiu para uma gestão mais liberal e aberta.
Victor Hugo recusou a anistia, pois continuava a combater, com seus tex-
tos, aquele a quem tinha rotulado como traidor. Somente voltou à sua
amada França quando da derrota de Napoleão III, em 1870. Em sua terra
natal foi eleito para a Assembleia Nacional e para o Senado da nova re-
pública. Quando morreu, em 1885, apesar de pedir em testamento um
enterro simples, junto ao povo que sempre defendera, foi homenageado
com um funeral com honras nacionais. Seu corpo foi trasladado para o
Panthéon, o monumento nacional devotado a honrar os grandes perso-
nagens da História da França, onde permanece ao lado dos túmulos de
Alexandre Dumas, Emile Zola, Voltaire, Jean Jaurés, o casal Curie e muitos
outros notáveis franceses.
A FUGA DA FAMÍLIA CAILLAUD
Pois bem, François Caillaud era amigo íntimo de Victor Hugo, e foi
seu revisor de textos durante muitos anos. Em nossa família conta-se que
os manuscritos eram levados e trazidos entre os dois amigos por Ame-
lie, uma jovem menina, naquele tempo. Quando François foi descoberto
pelas tropas do Imperador Napoleão III, participando de reuniões polí-
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ticas contrárias ao regime, viu-se forçado a fugir da França e, tal como
Victor Hugo, também foi para Bruxelas, em 1856, levando sua família.
Lá François vendeu seus bens e, com toda a família disfarçada, iniciou a
longa viagem para o Brasil, local escolhido para sua migração, exatamente
no veleiro Winslow.
Seu objetivo era estabelecer-se nas Minas Gerais e aproveitar as
oportunidades na área de mineração, negociando com os mineiros e in-
termediando suas descobertas de pedras preciosas. Por isso, desembarca-
ram num porto do Espírito Santo, de onde, seguindo o rio Mucuri, pros-
seguiram até chegar à região mineira da atual cidade de Teófilo Otoni.
Vale realçar que o pai de François, o velho Joseph Caillaud, era parente
de Frederic Caillaud, formado em Mineralogia, que ganhou renome como
explorador das origens do Rio Nilo. Talvez daí tenha vindo esse foco em
Minas Gerais e em suas pedras preciosas.
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Parte 2Brasil
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RIO DE JANEIRO E MINAS GERAIS
Parte 2Brasil
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O Sol da Manhã...
O PROJETO DE COLONIZAÇÃO DO VALE DO RIO MUCURI
Em minhas leituras acerca dos acontecimentos desses anos, passan-
do pela história de um notável mineiro, Teófilo Benedito Ottoni, foi pos-
sível encontrar uma diferente explicação para essa destinação da família
Caillaud. Teófilo Benedito Ottoni (1807-1869) foi um jornalista, político e
empresário na região do atual estado de Minas Gerais, deputado e senador
do império, amigo e sócio do Visconde de Mauá. Ottoni propôs o projeto
de colonização do vale do rio Mucuri, para criar uma nova região econômi-
ca no nordeste mineiro e dar a seu estado uma saída para o mar.
Assim, planejou estabelecer uma via de comunicação, fluvial e ro-
doviária, entre o nordeste de Minas Gerais (principalmente entre as cida-
des de Serro, Minas Novas e Jequitinhonha) e o porto de Mucuri (na época
chamado de vila de São José do Porto Alegre) e daí para o Rio de Janeiro e
para Salvador por via marítima. Conseguindo a aprovação do projeto pelo
Governo Imperial e pelo Governo da Província de Minas, em 1851, fundou
a Companhia de Comércio, Navegação e Colonização do Mucuri.
Os trabalhos começaram com o estabelecimento da rota fluvial no
rio Mucuri, do mar até o povoado de Santa Clara, hoje a cidade de Nanu-
que — nome oriundo dos índios que ali habitavam. Em prosseguimento,
já que a partir desse ponto o rio deixava de ser navegável por passar por
um lugar mais montanhoso, abriu-se então um caminho por terra, atra-
vés da densa mata que ali existia. Prosseguiram nessa rota terrestre até
uma clareira onde iniciaram um povoado que denominaram de Philadel-
phia, inaugurado em 7 de setembro de 1853 como centro das colônias do
Mucuri. Ottoni escolheu esse nome em homenagem à cidade do estado
de Pennsylvania, uma das treze colônias originais dos Estados Unidos da
América, local onde foi assinada a Declaração da Independência e a Cons-
tituição dos Estados Unidos da América. Em Philadelphia construíram
grandes armazéns e estabeleceram a base desse projeto de colonização
da região.
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Carta Topographica do Mucury. Por Herculano V. Ferreira Pena (1811-1867)
publicado no Correio Mercantil, em 12 de setembro de 1859.
Original na Biblioteca Nacional.
Como parte essencial do projeto, a vinda de colonos europeus foi
incrementada, por meio de representantes enviados para vários países da
Europa, e de campanhas de publicidade em diversos jornais do chamado
“velho continente”. Áreas de quinze alqueires cada (cerca de duzentos e
vinte metros de frente para a estrada recém construída, ou a ser feita, por
três mil metros de fundos) eram ofertadas a preços baixíssimos e finan-
ciadas a longo prazo, mas com o compromisso de serem utilizadas para a
exploração agrícola.
Um expressivo número de famílias estrangeiras, europeias em par-
ticular, chegou ao Brasil como colonos, a partir de meados de 1856,
muitos da ilha da Madeira, outros da Suíça, um grande contingente de
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alemães, e também belgas e franceses. O porto de Mucuri passou a ter
importância relevante no cenário do Brasil, tendo navios a vapor para
o porto do Rio de Janeiro e, também, linhas subindo o Mucuri até Santa
Clara, hoje Nanuque. Cremos que foi nesse local que os Caillaud desem-
barcaram, no então porto de São José de Porto Alegre, tomando a via
fluvial em direção ao sertão de Minas Gerais, provavelmente sob a orien-
tação da Companhia fundada por Teófilo Ottoni. A família, recém-che-
gada, deve ter sido parte integrante do esforço de colonização da região
desenvolvido pela empresa, juntamente com europeus de diversas na-
cionalidades, que aqui aportaram com promessas de terras e incentivos
para cultivá-las. O relacionamento com a Companhia do Mucuri, e seu
suporte, seria essencial para a sobrevivência naquela região. Essas supo-
sições levam-me a crer que eles efetivamente fizeram parte do programa
de colonização, pois seria muito difícil a família Caillaud enfrentar, sem
apoio, as agruras de uma região ainda não cultivada, com a presença
de índios — os temíveis botocudos — animais selvagens e as terríveis
doenças tropicais, com pouca, ou melhor, nenhuma experiência com tal
tipo de aventura.
A estrada de Santa Clara, até o povoado de Philadelphia, fundado
por Teófilo Ottoni e que atualmente é uma cidade, hoje com o nome de
seu criador, foi uma das primeiras estradas do interior do Brasil. Sua inau-
guração ocorreu em agosto de 1857, com uma extensão de perto de cento
e setenta quilômetros. Às suas margens foram estabelecidos os colonos do
projeto e, por ela, logo passaram a trafegar as carroças, carros de bois e
os tropeiros com seus cavalos e mulas — os meios de transporte daquela
época. Aos colonos alemães foram destinadas as terras adjacentes aos
córregos de São Benedito e São Jacinto, onde até hoje estão radicados
muitos dos seus descendentes. Aos suíços e alsacianos foram cedidas as
terras ao longo do rio Santo Antônio e, aos holandeses, franceses e belgas
lotes nas margens do rio Urucu. Esse deve ter sido o destino dos Caillaud
durante o tempo em que viveram nessa região.
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José Eugenio Guisard Ferraz
LOUIS FELIX PROSSEGUE PARA O RIO DE JANEIRO
Durante a longa viagem de navio, Louis Felix estava com vinte e
dois anos e Amelie com quinze. De Louis Felix não conservamos nenhuma
imagem, porém de Amelie, que teve uma longa vida, vindo a falecer com
90 anos em 1933, foram conservadas algumas fotografias.
Minha bisavó Amelie. Acervo da família e
do MISTAU (Museu da Imagem e do Som de
Taubaté).
Amelie na
simplicidade com tia
Zizinha. Acervo de
Sonia Guisard.
Louis Felix continuou no Winslow até o Rio de Janeiro, onde seu
trabalho o aguardava, mas combinou com os Caillaud vir a encontrá-los
assim que seu compromisso terminasse. Seu navio chegou ao porto do
Rio de Janeiro em primeiro de abril de 1856.
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Registro da chegada do Winslow no porto do Rio de Janeiro em 1 de abril de
1856 — jornal “Courrier du Brésil” edição de 6 de abril de 1856.
Por esse periódico, editado no Rio de Janeiro em língua francesa,
verificamos a partida do Winslow, de volta para a França, no dia 12 de
maio desse mesmo ano.
O BRASIL NA CHEGADA DE LOUIS FELIX
Em 1856, o Brasil vivia seu segundo reinado com Dom Pedro II,
monarca culto e educado, apreciador tanto das belas artes quanto da na-
tureza e também das inovações tecnológicas. Seu governo, longo e muito
produtivo, conduziu o Brasil a um desenvolvimento acentuado em várias
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José Eugenio Guisard Ferraz
áreas. E o Rio de Janeiro era a sua capital, localidade onde o progresso
mais se expressava. São desse período os escritos de Varnhagen (1816-
1878), famoso pela sua História Geral do Brasil. Na literatura tínhamos
Gonçalves Dias (1823-1864), José de Alencar (1829-1877), Castro Alves
(1847-1871) e Machado de Assis (1839-1908) entre muitos outros.
José de Alencar. Por Alberto
Henschel em domínio público via
Wikimedia Commons.
Machado de Assis. Por autor
desconhecido em domínio público
via Wikimedia Commons.
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Na pintura, os nomes expressivos eram Pedro Américo (1843-
1905) e Vitor Meireles (1832-1903), ambos pintores neoclássicos, bol-
sistas no exterior sob a proteção do Imperador e da Academia Imperial
de Belas-Artes.
A Primeira Missa no Brasil, famosa obra de Victor Meirelles, mantida no
Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro. Em domínio público via
Wikimedia Commons.
Na música erudita destacava-se, principalmente, Antônio Carlos Go-
mes (1836-1896), com suas óperas A Fosca e O Guarani e, no nível mais
popular, Francisca Edwiges Neves Gonzaga, mais conhecida como Chi-
quinha Gonzaga (1847-1935), compositora e pianista, que revolucionou
o cenário artístico brasileiro, não só por ser mulher, mas também por ter
introduzido nos salões da sociedade carioca, com suas músicas, um rit-
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mo vibrante e contagioso. Filha de um general do Exército Imperial, sua
mãe era uma mulata de origem humilde e teve como padrinho o próprio
Duque de Caxias, patrono do Exército. Sua vida foi plena de atitudes arro-
jadas, para a época, com vários romances e separações.
Chiquinha Gonzaga. Por autor desconhecido
em domínio público via Wikimedia
Commons.
No setor industrial, o principal empresário da época, apesar da
velada rejeição de Dom Pedro II que, segundo alguns historiadores, não
aceitava tranquilamente a busca do lucro como motivador da economia,
foi o Visconde de Mauá, Irineu Evangelista de Souza (1812-1889).
Irineu Evangelista de Souza — Visconde
de Mauá. Obra de Édouard Viénot em
coleção particular. Em domínio público
via Wikimedia Commons.
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As empresas criadas por Mauá inovaram o setor industrial que, no
auge, chegou a ter cerca de dezessete empresas compreendendo ban-
cos, estradas de ferro, uma fundição, uma companhia de navegação,
empresas de comércio exterior, mineradoras e outras mais. Quando, em
1867, Mauá reuniu todas num conglomerado, seu patrimônio chegou
a cento e quinze mil contos de réis, valor superior ao do orçamento do
Império para aquele ano. Mas, do ponto de vista econômico, o café era
o rei, o principal produto de nossas exportações, cerca de 50% do va-
lor enviado para o exterior. Nesse período o Brasil foi responsável por
metade de toda a produção mundial. Os poderosos do Brasil, naqueles
dias, eram os grandes produtores de café, por sinal também os grandes
proprietários de terras e de escravos. Por outro lado, essa enorme depen-
dência de um só produto causaria, logo a seguir, um grande solavanco
na nossa economia.
O REINADO DE DOM PEDRO II
O reinado de Dom Pedro II mostrou-se com várias fases distintas,
apesar de, em várias, podermos realçar a figura digna e bem-intencio-
nada do Imperador. Seus primeiros anos, ainda infante, foram marcados
pelos regentes e por muita discussão política juntamente com várias
revoltas motivadas pela busca de maior autonomia em algumas regiões
do país. Entre os regentes encontramos o General Lima e Silva, pai do
futuro Duque de Caxias e muitos políticos. Dois partidos disputaram o
poder por grande parte do reinado de Dom Pedro II. Eram o Partido Con-
servador, batalhando por um governo imperial forte e centralizador, e o
Partido Liberal, com a bandeira da descentralização, dando mais autono-
mia às Províncias. Ambos ficaram alternando no comando do governo.
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Dom Pedro II — Imperador do Brasil — 1841 a 1889. Por Mathew Brady
(Domínio Público) via Wikimedia Commons.
Ao assumir o trono, em 1841, o jovem monarca, com apenas qua-
torze anos, passou por um período de aprendizado político, em que foi
muito influenciado pelos frequentadores do Palácio Imperial. Como de
praxe, teve um casamento precoce, politicamente arranjado, em 1843,
com Teresa Cristina, da Casa de Bourbon, filha de Don Francesco I, Rei
das Duas Sicílias, e neta de Don Carlos IV, Rei da Espanha. Esposa que ele
tratou com consideração, apesar de sua história incluir, tal como seu pai
Pedro I, alguns casos extraconjugais dos quais o mais famoso foi com a
Condessa de Barral.
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A PROSPERIDADE E O DECLÍNIO DE DOM PEDRO II
A partir de 1850, o país entrou num tempo de estabilidade e prospe-
ridade. Tempo esse que prosseguiu até quase o final de seu reinado. Seu
fim, e o término da Monarquia no Brasil, com a Proclamação da República
em 1889, adveio de alguns fatores negativos que convergiram sem que
Pedro II apresentasse reação contrária capaz. A Escravatura e a Abolição
foram alguns desses fatores. Dom Pedro, pessoalmente, era contrário à
escravidão, nunca tendo possuído um escravo em toda sua vida. Por outro
lado, a economia cafeeira dos grandes e pequenos produtores era franca-
mente dependente deles, até a possibilidade de vinda efetiva de grupos
de imigrantes. Por volta de 1850, sob pressão da Inglaterra, que se decla-
rara contra a escravidão africana, Dom Pedro conseguiu aprovar uma Lei
proibindo o tráfico de escravos (Lei Eusébio de Queiros). A Lei do Ventre
Livre, que aconteceu em 1871, estabelecendo a liberdade de todos os no-
vos filhos de escravos, aumentou a pressão política. Quase todo o mundo
ocidental já tinha declarado o fim da escravidão — os Estados Unidos, por
exemplo, em 1863 com a ação emanada da política de Abraham Lincoln.
No caso brasileiro, apenas em 1888 deu-se a libertação definitiva dos es-
cravos.
A forma de governo existente no Brasil Imperial, desde 1823, era
Monarquia Constitucionalista, ficando o Poder Legislativo nas mãos do
Congresso Nacional. Dom Pedro II não atuava de forma contundente nes-
se processo e passou a depender do Congresso, no qual os grandes pro-
prietários e fazendeiros poderosos predominavam. Foram muitas as fortu-
nas e títulos de nobreza conseguidos por meio da exploração da mão de
obra escrava no Brasil.
Também nesse período ocorreu a Guerra do Paraguai, com a forma-
ção da Tríplice Aliança, composta pelo Brasil, Argentina e Uruguai, reuni-
dos contra o ditador paraguaio Francisco Solano Lopes, que alimentava
pretensões de obter uma saída para o Atlântico. Iniciada no final de 1864,
a Guerra só foi concluída após terríveis e cruéis batalhas, com um Paraguai
arrasado e Solano Lopes morto, em 1870.
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Desse evento, politicamente, resultaram dois pontos importantes. O
primeiro foi o surgimento do Exército Brasileiro, como uma força agrega-
dora de aspirações a serem consideradas daí para a frente. O segundo foi
o papel do Conde d’Eu que, ao final desse período, atuou como Coman-
dante-Chefe das forças militares no conflito, exatamente no momento da
caçada a Solano Lopez.
Dom Pedro II na Guerra do Paraguai com seus genros — o Duque de Saxe e o
Conde d’Eu. Litogravura de Ange Louis Janet a partir de desenho de Máximo
Alves, no “L’illustration”, Vol. XLVL, nº 1.186, em 1865. Em domínio público
via Wikimedia Commons.
Para complicar a situação governamental de Dom Pedro II, agravou-
-se um conflito latente com a Igreja Católica. Nesse tempo, houve uma
interferência e um relacionamento bem instável entre a Monarquia e a
Igreja. Apesar do poder da Igreja Católica Apostólica Romana no Brasil, o
Imperador detinha, constitucionalmente, autoridade para aceitar ou recu-
sar as normas emitidas pelo Papa, além de forte ingerência na nomeação
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de bispos e prelados no país. Esse episódio da nossa história, ocorrido
entre 1872 e 1875, durante o pontificado do Papa Pio IX, ficou conhecido
sob o nome de Questão Religiosa.
O pontificado do Papa Pio IX (1792-1878), um dos mais longos
da história da Igreja Católica (1846-1878), liberal no início, foi pouco a
pouco se mostrando extremamente conservador, centrado em princípios
derivados das propostas de São Tomás de Aquino, combatendo acirrada-
mente todos os movimentos sociais fora da Igreja, como o Socialismo,
a Franco-Maçonaria, e até o Judaísmo. Assim, em 1872, obedecendo às
orientações papais, o Bispo de Olinda entrou numa disputa com membros
das Lojas Maçônicas em seu estado, ameaçando-os de excomunhão. No
mesmo período, o Bispo de Belém atuava de forma análoga. Os maçons
perseguidos apelaram para a Corte e Dom Pedro II foi obrigado a intervir.
Em um processo instaurado no Rio de Janeiro contra os eclesiásticos, em
1874, os dois Bispos foram condenados a quatro anos de detenção, com
trabalhos forçados. O confronto foi resolvido em 1875, de forma política,
com Dom Pedro II anistiando os Bispos e o Papa Pio IX suspendendo as
punições feitas aos mações de Olinda e Belém. Porém o estrago estava
feito nas relações do Imperador com a Igreja.
Em meio a essas crises entra em cena o Conde d’Eu. Nosso Impe-
rador, já chegando a uma idade mais avançada, não tinha um herdeiro
homem, sendo que seus dois filhos do sexo masculino tinham falecido
na infância, restando as duas meninas, Isabel, nascida em 1846, e Le-
opoldina em 1847. Isabel seria a Princesa Herdeira do trono, de acordo
com as Leis, porém ela era julgada pela população, pelos políticos, e até
por Dom Pedro, como despreparada para ocupar a posição maior na Mo-
narquia Brasileira. Tida como exageradamente devota da Igreja Católica,
Isabel ostentava dependência imprópria para uma soberana. Mesmo seu
casamento com o Conde d’Eu fora motivo de repúdio e de chacota nos
jornais da época. Um dos argumentos vigentes propalava que ele sequer
era brasileiro. Nascido na França, em 1842, Louis Philippe Gaston de Or-
leans era um nobre francês, neto do rei Louis Philippe I. Sua atuação na
Guerra do Paraguai foi motivo de controvérsias, descrito por alguns cronis-
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tas como um excelente estrategista militar, por outros como sanguinário e
cruel. Sobretudo, como estrangeiro e falando nossa língua com um forte
sotaque, era suspeito de passar a ter influência em nosso destino, se sua
esposa viesse a ser Imperatriz, tornar-se-ia mais um ponto crítico para a
continuidade da Monarquia Brasileira.
A princesa Isabel. Por Joaquim Insley Pacheco (ca. 1830 — 1912) em
domínio público via Wikimedia Commons.
Assim, com Dom Pedro II enfraquecido pela idade, com saúde pre-
cária, sem um herdeiro adequado, sem o apoio dos grandes fazendeiros,
que em troca do fim da escravidão clamavam por um ressarcimento finan-
ceiro, com disputas com o clero católico e o movimento contrário de uma
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parcela do Exército, parcela essa influenciada pelo Positivismo de Comte,
pouco restou a fazer ao Imperador, quando foi confrontado com a ordem
de destituição do trono e do exílio imediato.
A proclamação da república foi um episódio bem controvertido, en-
volvendo um velho e muito doente Marechal, Deodoro da Fonseca, alguns
poucos políticos radicais e militares descontentes. Uma ação que tinha
de início apenas o objetivo de substituir o corpo de ministros nomeado
por Dom Pedro II, acabou por extinguir a Monarquia. Com o termo da
Monarquia no dia 15 de novembro de 1889, ao final desse conturbado
dia, o Rei teria dito, resignado, “Trabalhei demais e estou cansado. Agora
vou descansar”. Logo a seguir partiu para a França com toda sua família...
O EXÍLIO DA FAMÍLIA IMPERIAL
Com a participação de um Mallet, o tenente coronel João Nepomu-
ceno de Medeiros Mallet, que acompanhou a deposta Família Imperial, na
madrugada do dia 17 de novembro, para o embarque em direção à Euro-
pa, Dom Pedro II, sua família e alguns amigos íntimos, seguiram viagem
nesse mesmo dia pelo vapor “Alagoas”, desembarcando em Lisboa no
dia 7 de dezembro de 1889. Amargurada pelo exílio, a Imperatriz Teresa
Cristina faleceu, na cidade do Porto, em 28 de dezembro, vítima de um
enfarte — com muita certeza consequência de sua frágil saúde agravada
pela tristeza daquele momento.
Dom Pedro, praticamente sem recursos — já que recusara a pensão
oferecida pelo governo brasileiro — foi em seguida viver em Paris, em um
singelo hotel. Sofrendo de uma saudade imensa do Brasil, conta-se que
guardava consigo um travesseiro contendo terra do solo brasileiro. O Rei
afastado não viveu muito mais, falecendo, vítima de uma pneumonia, em
Paris, em 5 de dezembro de 1891, onde, no seu funeral, recebeu honras
de chefe de estado na famosa Igreja de La Madeleine, apesar da reação
negativa do governo republicano do Brasil. Essa cerimônia contou com
a presença de uma enorme multidão, realçando-se o grande número de
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cientistas, artistas e políticos. Da Madeleine, em um grande e imponente
cortejo, seu corpo foi levado até a estação ferroviária de Montparnasse, de
onde partiu, dando início a um longo e demorado retorno para sua terra
natal. Inicialmente para Lisboa, onde foi sepultado no mausoléu dos Bra-
gança, onde já estava o corpo de Teresa Cristina.
O cortejo fúnebre de Dom Pedro II em Paris — honras de soberano.
Reportagem no Suplemento Ilustrado do Le Petit Journal, ano II, nº 57,
de sábado, 26 de dezembro de 1891. Por autor desconhecido em domínio
público via Wikipedia Commons.
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Tempos depois seus restos mortais foram trasladados para o Brasil,
a terra que ele tanto amou, tendo chegado, em janeiro de 1921, à Catedral
Metropolitana do Rio de Janeiro. Em 1939, o corpo de Dom Pedro II fez
sua última viagem, indo para um mausoléu especial, na Catedral de Pe-
trópolis, onde hoje repousa, juntamente com sua esposa Teresa Cristina, a
filha, Princesa Isabel, falecida em 1921 e o Conde d’Eu, falecido em 1922.
RIO DE JANEIRO E A RUA DO OUVIDOR
Exatamente no Rio de Janeiro estava Louis Felix, em 1856, que ti-
nha sido contratado para fazer as obras e as vitrines de uma joalheria na
famosa Rua do Ouvidor, o coração elegante da cidade. Segundo conta Ma-
ria Cecília Guisard Audrá em seu livro “Felix Guisard. Olhando o Passado”,
seria a Joalheria Luiz de Resende, no Palais Royal.
Panorama da Cidade do Rio de Janeiro em meados do século XIX. Desenho de L. Desmons, transformado em Litogravura por L. Aubrun. Por Lluchar
Desmons (Scan de catálogo de MCB/Safra) em domínio público via Wikimedia Commons.
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A Rua do Ouvidor era a mais exuberante da cidade, com muitas
lojas e galerias, como a loja Palais Royal, centro das novidades da moda
vindas de Paris, perfumarias, cabeleireiros, floristas, livrarias, joalherias,
confeitarias e cafés elegantes, onde circulava a elite da nobreza e dos no-
vos ricos do Brasil, no reinado de Dom Pedro II. Era também o ponto de
encontro dos literatos e jornalistas, pois todo jornal de prestígio tinha sua
sede nessa rua. Entre barões e viscondes, poder-se-ia cruzar, na rua, com
Carlos Gomes, Machado de Assis e José de Alencar.
A Rua do Ouvidor em 1890, em imagem de Marc Ferrez, Coleção Gilberto
Ferrez, em Acervo Fotográfico do Instituto Moreira Salles.
Domínio Público.
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A Rua do Ouvidor foi tema de um livro de crônicas, “Memórias da
Rua do Ouvidor”, do célebre Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882),
autor do famoso romance “A Moreninha”. Seu trabalho foi publicado, ini-
cialmente, como era comum no tempo, sob a forma de folhetins no Jornal
do Commércio em 1878. No livro Macedo descreveu, em um detalhado
passeio, os estabelecimentos e os personagens mais famosos dessa rua.
Contava também a sua história e a de seus protagonistas que, a princípio,
com a vinda da corte portuguesa para o Brasil, em 1806, e a Abertura dos
Portos para o Livre Comércio, sob influência da Inglaterra, tinha tido uma
preponderância de lojas de origem britânica, principalmente de louças, te-
cidos, etc. Nessa época, os franceses eram odiados pelos nobres da corte
portuguesa, desterrada para o Brasil por força da invasão das tropas na-
poleônicas em Portugal. Porém, em 1815, a paz foi decretada na Europa,
com a assinatura do Tratado de Paz de Paris, e a chegada de missões de
artistas e comerciantes franceses ao Rio de Janeiro foi bem-vinda.
A REVOLUÇÃO FRANCESA
Já se aproximando do final do século XVIII, a França sob a monar-
quia absolutista de Louis XVI, da casa de Bourbon, entrou em terrível tur-
bulência política. Com uma economia fracassada e sob a influência de
pensadores liberais, a grande insatisfação da população explode numa
revolta nas ruas de Paris, em 14 de julho de 1789, quando o povo invade
e provoca a Queda da Bastilha, símbolo da Monarquia. A Assembleia
Nacional, autonomeando-se Constituinte, assume o poder e, seguindo o
modelo estabelecido pelos Estados Unidos da América, em 1776, pro-
mulga a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Luís XVI, acu-
sado de traição por supostamente fazer acordos com outras monarquias
europeias para recuperar o poder na França, foi julgado e guilhotinado
em 21 de janeiro de 1793. Sua esposa, Maria Antonieta, seguiu idêntico
caminho, meses depois, tendo sido guilhotinada em 16 de outubro do
mesmo ano.
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Louis XVI, rei da França e de Navarra.
Em pouco tempo o controle da Assembleia passou a ser disputado
por vários grupos políticos, entre esses o grupo dos chamados Jacobinos,
constituído pela baixa burguesia, que apoiava uma maior participação
popular nas decisões nacionais e era também mais radical nas suas
atitudes; os principais nomes eram Robespierre, Saint-Just, Danton e
Marat. E os Girondinos — que congregavam o pessoal mais conservador,
da alta burguesia. Enquanto isso, na frente internacional, os demais países
europeus — Áustria, Prússia, Holanda, Espanha, Inglaterra e alguns reinos
na Itália — todos formados por monarquias absolutistas, temerosos de
uma possível propagação das ideias reformistas das novas forças políticas
francesas, formaram uma coalizão para tentar restabelecer o poder real
na França. Em consequência a Assembleia declara guerra, inicialmente a
um desses países, a Áustria.
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Maximilien François Marie Isidore de Robespierre (1758-1794). Musée
Carnavalet, Paris, em domínio público via Wikimedia Commons.
A Assembleia passa a ser dominada por Robespierre, através de um
Comitê de Salvação Pública, órgão executivo da Convenção, comandando
o Exército e as finanças. Inicia-se um período de terror, com Robespierre
eliminando toda e qualquer oposição. São mortos, na temível guilhoti-
na, Brissot, Condorcet, Danton, e muitos outros. Os representantes mais
moderados reagiram ao seu posicionamento autoritário e sanguinário e,
em 27 de julho de 1794, conseguiram aprovar a destituição do Comitê
e a condenação e a execução do próprio Robespierre. Este evento ficou
conhecido como o Golpe de 9 Termidor, pois este era exatamente o dia 9
do mês de Termidor do ano II da revolução, conforme o calendário estabe-
lecido pela Assembleia. No lado internacional, a Guerra contra as demais
monarquias da Europa intensifica-se.
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A Assembleia, agora sob a coordenação de delegados mais modera-
dos, proclama uma nova Constituição e uma nova Declaração de Direitos
do Homem. Por esse regime, o órgão máximo do governo passou a ser um
Diretório, constituído por cinco representantes eleitos pela Assembleia e
incumbidos de conduzir os rumos da nação.
NAPOLEÃO BONAPARTE
A essa altura dos acontecimentos, em paralelo, o exército francês
continuava guerreando os demais países europeus e suas monarquias. E
conseguindo inúmeras e surpreendentes vitórias contra a Espanha, Ho-
landa, Prússia e Itália. Nesse período, um jovem general apareceu como
grande estrategista e comandante, Napoleão Bonaparte (1769-1821). Seu
prestígio foi crescendo a cada batalha que ele vencia, a cada terreno que
ele conquistava.
Napoleão foi um jovem extremamente inteligente, precoce, tendo
tido uma excelente formação no Colégio Militar de Brienne, estudando
entre outras matérias, Matemática, Geometria, Trigonometria e História.
Cursou a Escola Real Militar de Paris na arma de Artilharia. Foi nessa arma
que teve sua grande chance já em 1793, quando, em uma revolta contra a
República, na cidade de Toulon, o Exército teve o comandante da artilha-
ria ferido e Napoleão foi indicado para assumir seu posto. Rapidamente
armou e executou uma ousada estratégia que levou as forças francesas
a uma consagradora vitória contra os revoltosos. Em decorrência desse
episódio foi designado general de brigada, com apenas vinte e quatro
anos. Sua carreira acelerou-se com novas batalhas e vitórias, com seguidas
promoções na hierarquia militar, até chegar a comandante do Exército
francês.
Na Assembleia, os burgueses dominantes continuavam tendo di-
ficuldades, enfrentando, do lado interno, os remanescentes jacobinos
com o apoio de classes mais populares e, do lado externo, a pressão
dos monarquistas europeus. Napoleão voltou a Paris e, nesse cenário,
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conseguiu o apoio de membros do Diretório e da grande burguesia para
instaurar um novo regime no país, em 9 de novembro de 1799. Sob
essa nova forma de governo foi criado um Consulado, formado por três
pessoas; uma delas, representando o Exército, era o próprio Napoleão.
Desse ponto até se declarar Imperador bastou pouco. Primeiro ele foi
designado como Primeiro Cônsul e, logo depois, em 1802, tornou-se
Cônsul Vitalício. Em 1804 uma nova monarquia foi estabelecida na Fran-
ça, definida através de um Plebiscito Nacional. A casa dos Bonaparte
reinava inconteste. Napoleão I passou a ser Imperador da França a partir
de 18 de maio desse ano.
Napoleão Bonaparte em São Bernardo. Obra de Jacques Louis David
(1800). Kunsthistorisches Museum, Viena, Austria. Em domínio público via
Wikimedia Commons.
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A cerimônia da Coroação de Napoleão aconteceu, com toda a sole-
nidade possível, em 2 de dezembro de 1804, na Catedral de Notre Dame,
com a presença do Papa Pio VII. Apesar dessa data marcar uma concilia-
ção com a Igreja Católica, extremamente castigada pela Revolução Fran-
cesa, Napoleão definitivamente marcou a supremacia do poder reinante
sobre a igreja, pois colocou, ele mesmo, a coroa na Imperatriz Josefina
e em si próprio. O Papa foi mero espectador. As guerras continuaram —
incluindo a invasão de Portugal o que ocasionou a fuga da corte de Dom
João VI para o Brasil — enquanto Napoleão estabelecia uma série de avan-
ços administrativos na França.
A enorme pintura de Jacques Louis David pertencente ao museu do
Louvre — “A coroação de Napoleão”. Em domínio público via Wikimedia
Commons.
Entre suas grandes realizações constaram o novo Código Civil, dito
Napoleônico, em 1804, onde se protegem os interesses burgueses (pro-
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priedade, liberdade e igualdade de direitos), a criação do Banco da França,
regularizando a emissão de moeda e dominando a inflação, o acordo com
o Papa Pio VII estabelecendo as bases do relacionamento entre o Estado
e a Igreja Católica, e a reorganização do sistema educacional. No campo
militar, depois de uma sequência de vitórias, finalmente Napoleão viu seu
Exército enfraquecido pela desastrosa campanha na Rússia, em 1812. Em
seguida, em 1814, aconteceu sua derrota contra as forças aliadas e sua pri-
meira queda do trono. A casa de Bourbon voltou ao poder com Luís XVIII,
irmão de Luís XVI que fora executado na guilhotina.
Napoleão foi exilado na Ilha de Elba, a pouco mais de cinquenta
quilômetros da costa italiana, de onde fugiu em março de 1815. Mas essa
tentativa de retornar ao poder foi encerrada com uma nova derrota em
junho desse mesmo ano, quando ele saiu completamente de cena. A ba-
talha definitiva ocorreu em Waterloo, com as forças inglesas do Duque de
Wellington aliadas aos prussianos comandados por von Blucher, vencendo
a disputa. O tratado de Paris, assinado em 20 de novembro de 1815, en-
cerrou o período de guerra e estabeleceu as condições da paz. Inglaterra,
Prússia, Rússia e Áustria assinaram esse documento.
Napoleão faleceu em 5 de maio de 1821, isolado e solitário, na ilha
britânica de Santa Helena, um pequeno ponto perdido no meio do Oceano
Atlântico, a meio caminho entre a costa da Bahia, no Brasil e a costa de Ango-
la, na África. Dessa vez tinha sido desterrado para bem longe, a quase sete mil
quilômetros da França. Curiosamente, nesse mesmo mês, Dom João VI, com
grande parte da corte portuguesa, estava velejando de volta para Portugal.
A BEM SUCEDIDA INVASÃO FRANCESA
Com a paz alcançada na Europa, os franceses passaram a ser ben-
quistos nas terras de além mar. Cientistas e pesquisadores foram convida-
dos para estudar e explorar a nossa terra, como comprovam as inúmeras
obras sobre nosso país, publicadas na Europa na primeira metade do sé-
culo XIX. A mais importante destas viagens foi a Missão Artística Francesa
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de 1816 que, com o apoio de Dom João VI, ajudou a fundar a Escola Real
de Ciências, Artes e Ofícios no Rio de Janeiro. Na empreitada vieram o
pintor Debret, o arquiteto Montigny, a família Taunay e vários outros, sob
a coordenação de Joachim Lebreton — mais tarde incluindo a família Fer-
rez. Foram eles que estabeleceram os currículos para os cursos da Escola
Real, a qual tornou-se, em 1826, a Academia Imperial de Belas Artes de
Dom Pedro I, e que mais recentemente passou a ser a Escola Nacional de
Belas Artes, hoje parte da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
A partir de 1818, foram as modistas francesas que chegaram e ocu-
param a Rua do Ouvidor. E com elas logo vieram as lojas de tecidos, ob-
jetos de moda, perfumarias e cabeleireiros. Paris tornou-se o modelo de
elegância para a elite brasileira. A Rua do Ouvidor impôs-se, com suas
grandes vitrines expondo as mercadorias para os olhos ávidos das damas
da sociedade carioca. Tudo isso acontecia em uma época em que o Rio
de Janeiro era uma cidade insalubre, com frequentes epidemias de febre
amarela e cólera. Se por um lado, nos salões elegantes, se trocavam ideias
sobre as novidades vindas da Europa, de outro lado, nos bairros pobres, a
tragédia marcava uma presença constante.
Não fosse o aparecimento de um jovem e brilhante médico, no virar do
século, a situação teria sido muito pior — seu nome era Oswaldo Gonçalves
Cruz (1872-1917), paulista de São Luís do Paraitinga, formado na Escola de
Medicina do Rio de Janeiro, com um longo estágio no Instituto Pasteur, em Pa-
ris. Muito jovem, foi nomeado Diretor Geral da Saúde Pública, e coordenou as
campanhas contra a febre amarela e a varíola no Rio de Janeiro. Foi o funda-
dor do Instituto Soroterápico, hoje a FIOCRUZ — Fundação Instituto Oswaldo
Cruz, de renome internacional. Como responsável pela campanha de vaci-
nação obrigatória, sofreu intensa campanha difamatória, sendo chamado de
“inimigo do povo” nos jornais e nos discursos na Câmara e no Senado.
Esse epíteto levou-me aos tempos em que fui Presidente da Empre-
sa Brasileira de Telecomunicações S.A. — a Embratel — quando, durante
uma greve dos empregados, fui homenageado com uma faixa, com as
mesmas palavras, içada pelo sindicato e pela CUT, na Avenida Presidente
Vargas, bem no centro do Rio de Janeiro.
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Oswaldo Cruz fez parte, no final do século XIX e início de século XX,
de um grupo de médicos sanitaristas a quem a nossa nação muito deve.
Entre eles podemos incluir Vital Brazil (1865-1950), Adolfo Lutz (1855-
1940), Carlos Chagas (1879-1934) e Emílio Ribas (1862-1925).
LOUIS FELIX PARTE PARA AS MINAS GERAIS
Depois de completar o projeto para o qual viera ao Brasil, o que
levou praticamente um ano, Louis Felix foi contratado pela recentemente
criada Diocese de Diamantina, para ajudar a construir um passadiço entre
dois de seus prédios, obra ainda hoje existente e considerada um dos mar-
cos históricos e turísticos da cidade. O passadiço em que ele trabalhou é,
atualmente, parte integrante do Instituto Casa da Gloria, unidade da Uni-
versidade Federal de Minas Gerais, a UFMG. Nessa obra ele permaneceu
por três anos, de 1858 até 1861.
O Passadiço da Casa da Gloria — Diamantina. Por Leandro Neumann Ciuffo
(CC BY 2.0) em Wikimedia Commons.
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A FAMÍLIA FELÍCIO DOS SANTOS
O bispo de Diamantina, nesse período de trabalhos de Louis Felix,
era o Monsenhor João Antônio Felício dos Santos (1818-1905), com quem
ele construiu uma forte amizade e um duradouro relacionamento. É im-
portante abrir um parêntesis para falar da família Felício dos Santos, pois
há tangências com o eixo da saga em questão. O tronco original da família
é Antônio José dos Santos, que do seu casamento com Maria Jesuína de
Luz, teve seis filhos, três dos quais são relevantes para nossa história. O
bispo Dom João Antônio Felício dos Santos (1818-1905) era um desses
filhos. Foi o primeiro bispo diocesano de Diamantina tendo permanecido
nessa posição de 1863 a 1905. Um outro filho foi o Major Antônio Felí-
cio dos Santos (1815-1897), negociante de diamantes, fazendeiro, casado
com Mariana Fernandes dos Santos. Dois de seus filhos foram o doutor
Antônio Felício dos Santos Filho (1843-1931), médico de renome no Rio
de Janeiro, membro da Academia Nacional de Medicina, e outro o Capitão
João Felício dos Santos.
Mais um filho, que aparecerá em nossa história, foi Joaquim Felício
dos Santos (1828-1895), nascido no Serro e falecido em Diamantina. Foi
jornalista, escritor, político, jurista e professor. Fundador e redator do jor-
nal “O Jequitinhonha” que usou intensamente nas suas campanhas polí-
ticas. Suas crônicas nesse jornal foram publicadas em 1868 na coletânea
“Memórias do Distrito Diamantino”. Quando da fundação, por seu irmão
Dom João, do Seminário Episcopal em Diamantina, participou do primei-
ro contingente de professores como lente de Português e de Francês.
REENCONTRO
Louis Felix permanecia com o intuito de reencontrar a família
Caillaud e em particular a jovem Amelie, que tanto o encantou durante a
longa travessia do Oceano Atlântico. Assim sendo, aceitou trabalhar em
um novo projeto, a construção de uma ponte no Rio Mucuri, na região
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da Mata do Mucuri, nas proximidades de Teófilo Otoni, que era o destino
original dos Caillaud.
Numa de suas paradas, a caminho de seu projeto, já em 1861, em
um pequeno comércio de beira de estrada, ouviu de uns tropeiros que
uma família de língua enrolada estava passando por necessidades ali por
perto. Estavam sendo chamados pelo povo como a família “jenecepas”,
pois era tudo que conseguiam dizer. Um deles mostrou uma pequena joia,
um camafeu, que teria comprado dessa família. Imediatamente Louis Fe-
lix reconheceu como sendo de seus companheiros de viagem. Com as in-
dicações obtidas com os tropeiros, Louis Felix saiu a sua procura e, depois
de muitas horas, acabou encontrando, já tarde da noite, a família Caillaud
em situação de penúria e muito mal de saúde. Notem que já fazia cinco
anos que eles estavam nas terras do projeto de colonização do Mucuri. Ti-
nham tido sua colheita de milho roubada pelos indígenas que trabalhavam
para eles e, para sobreviver, sem dinheiro, acabaram por ingerir uns frutos
das árvores nativas que os deixaram bem doentes.
OS TRABALHOS DA FAMÍLIA EM TERRAS MINEIRAS
Com a sua ajuda, os Caillaud recuperaram-se e aceitaram a proposta de
trabalho feita por Louis Felix, que precisava de ajudantes para o projeto — a
ponte sobre o rio Mucuri — em Teófilo Otoni. Após terminar essa ponte, eles
conseguiram trabalho na construção de igrejas, incluindo altares, em novas
pontes e outros projetos. Nestas empreitadas, toda a família Caillaud ajudava
e, assim, ganhavam seu sustento. Trabalharam em Lagoa Seca, no Rio Jequi-
tinhonha, perto de Simão Vieira (latitude 16º43’), onde construíram cinco
pontes. Essa região atualmente fica na microrregião do município de Minas
Novas, MG, provavelmente perto da atual cidade de Coronel Murta.
O Seminário Sagrado Coração de Jesus, em Diamantina, foi cons-
truído entre janeiro de 1865 e julho de 1867, sob a direção de Louis Felix
Guisard. O seminário foi fundado pelo primeiro Bispo da Diocese, Dom
João Antônio Felício dos Santos, que adquiriu o terreno no chamado Largo
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do Curral, nome mudado posteriormente para Largo Dom João. O início
dessa construção, comemorada com fogos de artifício e música, contou
com a presença de várias autoridades locais, estando entre elas o Doutor
Joaquim Felício dos Santos. O padre Bartholomeu Sipolis foi o primeiro
Superior do Seminário.
A igreja do Divino, em Datas, próximo de Diamantina, foi por eles
construída entre 1866 e 1870, tendo sido inaugurada em 25 de agosto de
1870. Participaram além de Louis Felix, os Caillaud: Manoel, Gustave e Ge-
orge. A decoração fina, com entalhes de florões no teto e especialmente o
púlpito, em forma de cálice, foi feita pelas mulheres, Marie, Celine e Leonie.
Igreja do Divino Espirito Santo em Datas, MG. Por Josue Marinho (CC BY 3.0)
em Wikimedia Commons.
O site www.institutoestradareal.com.br descreve essa obra da se-
guinte maneira: “Belo conjunto de talha neoclássica de excelente padrão
artístico, único exemplar identificado até agora no acervo de arte colonial
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mineira. A obra é, provavelmente, de autoria do mesmo arquiteto responsável
pelo projeto da igreja, o francês (Louis) Felix Guisard”.
Entre outros trabalhos, Louis Felix construiu altares para a Igreja de
São Francisco, em Diamantina — provavelmente os dois altares laterais com
douramento datado entre 1874 e 1880 — e também projetou e construiu di-
versas fábricas de lapidação de pedras preciosas. Participou da construção da
fábrica de tecidos de Biribiri — de propriedade da Santos & Cia, da família do
Bispo Dom João Antônio Felício dos Santos e da ponte do Paraim de Calhau.
Louis Felix, inteligente e conhecedor do valor das pedras preciosas —
no que foi beneficiado pela convivência com a família Caillaud, começou a
negociar com os garimpeiros de Minas Gerais, transformando, assim, sua
poupança em gemas, guardadas para o futuro, incluindo uma caneca que
ficou famosa na família, e foco de grandes discussões entre seus filhos Felix
e Eugenio. A viagem de Louis Felix ao Brasil, que deveria ser curta, em torno
de um ano, acabou prolongando-se, já que os Caillaud ainda não podiam
voltar para a França, seja pelo prolongado reinado de Napoleão III, como
pela falta de recursos para o translado de toda a numerosa família.
A UNIÃO DE LOUIS FELIX COM AMELIE
Assim a vida seguiu seu curso e Louis Felix e Amelie, logo após o seu
reencontro, vieram a se casar, na cidade de Teófilo Otoni, em Minas Gerais,
em 1861; ele com vinte e sete anos e Amelie com vinte. Nesse mesmo ano
Elisabeth Mallet, a mãe de Amelie faleceu aos cinquenta e sete anos de idade.
Os trabalhos nas obras prosseguiram, bem como na família Guisard.
Os filhos foram nascendo — o primeiro foi Felix já em 1862 em Teófilo
Otoni, seguido por Marie em 1864, que teve uma vida muito curta. Felix
foi batizado em Diamantina por Dom João Antônio Felício dos Santos, bis-
po de Diamantina. Seguiram-se Jean Baptiste em 1868, Victor em 1870,
Marie Nazareth em 1872, Theophile em 1874, Emile em 1876, todos nas-
cidos em Diamantina. Finalmente o último, Eugenio, em 1878, o caçula
e também o mais rebelde de todos, que nasceu já em São José da Lagoa,
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hoje a cidade de Nova Era, onde construíram sua última obra, uma ponte
com 135 metros de largura, sobre o rio Piracicaba.
Conta-se que Felix chegou a estudar no famoso Colégio do Caraça,
em Diamantina, apesar de não conseguirmos comprovação desse perío-
do, e lá teria desenvolvido boas amizades com os colegas e com os padres
superiores do Seminário. Só achamos o registro da matrícula (1878) de
Rodrigo Nazareth de Souza Reis, amigo de Felix e que teve papel relevante
no desdobramento da história da família. Aos quarenta e quatro anos, e
tendo conseguido economizar uma boa quantia, Louis Felix tinha decidido
voltar para a França, por isso dirigiu-se com toda a família para o Rio de Ja-
neiro. O perigo representado pelo Imperador Napoleão III estava afastado,
com a sua deposição em 1870, seguida de sua morte no exílio em 1873,
terminando a perseguição aos Caillaud.
O DESTINO MUDANDO OS RUMOS DA FAMÍLIA
Porém o destino da família Guisard era outro. Após um acidente,
queda de uma das estruturas que estava a construir — outros dizem que
foi uma queda de um cavalo, o meio de transporte da época — Louis Felix,
também sofrendo de uma úlcera estomacal, não conseguiu se recuperar
e acabou por falecer em 1879, já na cidade de Rio de Janeiro, para onde
tinha se deslocado, na planejada volta para a França. Durante sua hos-
pitalização na capital do Império, Louis Felix foi assistido pelo eminente
médico Doutor Antônio Felício dos Santos (1843-1931), sobrinho do Bispo
de Diamantina, seu amigo Dom João Antônio dos Santos. Nesse momen-
to estariam com ele sua esposa Amelie, seus filhos Felix, Jean Baptiste,
Victor, Marie Nazareth, Theophile, Eugenio e Emilio que, aliás, também
faleceu nesse período, com apenas três anos de idade. Ainda o acompa-
nhavam Leonie e Marie, apelidada de Mémé. Os demais Caillaud tinham
ficado em terras mineiras, ou já haviam falecido.
Os planos do retorno foram postergados e, na realidade, cancelados
para sempre. O filho mais velho, Felix, como era costume na época, as-
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sumiu as rédeas da família, com seus dezessete anos, tomando posse das
poupanças, bastante reduzidas pelo custoso tratamento médico de Louis
Felix, e orientando as decisões dali em diante. Eugenio, a essa época es-
tava com apenas um ano de vida. O trabalho nas estruturas dependia de
Louis Felix e, sem ele, essa opção não mais existia.
UMA NOVA ÁREA DE TRABALHO — A TECELAGEM
Em busca de ganha-pão, a alternativa encontrada foi colocar toda
a família para trabalhar numa tecelagem existente nas proximidades do
Rio de Janeiro, postos para os quais foram indicados pelo Doutor Antô-
nio Felício dos Santos, médico que tratara de Louis Felix e que era um
dos proprietários do empreendimento. Lembremos que esse médico e
político era também sobrinho do Bispo de Diamantina, grande amigo da
família.
Anúncio da Tecelagem Pau Grande no Almanak Administrativo,
Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro – Almanak Laemmert, ano 1884,
edição A00041, página 1976 na Biblioteca Nacional.
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Na raiz da serra de Petrópolis, no então distrito de Pau Grande,
que, mais tarde, teve seu nome mudado para Estrela, em Magé, Rio de
Janeiro, bem perto dos trilhos da Estrada de Ferro Mauá, encontrava-se
a tecelagem Companhia de Tecidos Pau Grande, que teve seu início de
operação em 1875, tendo logo alterado o seu nome legal para Santos,
Peixoto e Cia, em 1878, e depois para Felício dos Santos, Peixoto e Lobo.
Em dezembro de 1881, a tecelagem de Pau Grande apresentou seus
tecidos na Exposição da Industria Nacional, no Rio de Janeiro, ganhan-
do o Diploma de Progresso. Nesse momento a fábrica, que ainda não
dispunha de fiação, tinha cento e dez operários; um motor hidráulico de
cinquenta cavalos movia sessenta teares e mil e duzentos fusos. Fazia
também excelentes sacos de juta, muito utilizados para ensacar a pro-
dução de café. Felix fez seu aprendizado diretamente na fábrica. Inteira-
mente dedicado ao trabalho e, dotado de uma excepcional inteligência,
logo chegou à gerência da tecelagem.
A família Guisard em Pau Grande, em 1886.
Acervo da família e também do MISTAU.
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Na imagem acima estão, numerados da esquerda para a direita: 1.
Felix (então com vinte e quatro anos) — 2. J. Baptiste — 3. Victor — 4.
Theophile — 5. Mémé — 6. Amelie — 7. Eugenio (então com oito anos) —
8. Marie Nazareth. Os demais eram o médico, Doutor Eustachio Soledade
e família, de quem pouco sabemos.
O ENCONTRO COM UMA NOVA FAMÍLIA DE FRANCESES
Mais ou menos nesse mesmo tempo, e também em consequência
de atos de Napoleão III, uma outra família de franceses tinha feito a longa
travessia do Atlântico e, mais uma vez, num lento barco a vela. A família
Rosand, comandada por Jacques Rosand (1850 — 1888) e sua esposa
Jeanne, donos de uma tecelagem em Die, na região de Drôme, na França,
tinha sofrido uma grande perda. Sua tecelagem, na verdade um lanifício,
fabricava, entre outras coisas, uniformes militares para vários Exércitos
europeus. E essa foi a causa do seu infortúnio. Na derradeira guerra em
que Napoleão III envolveu-se, guerra franco prussiana de 1870, na qual
ele foi derrotado, a tragédia também alcançou os Rosand. A tecelagem da
família foi confiscada pelos prussianos como presa de guerra. Aos Rosand
restou somente um pequeno vinhedo pertencente a Jeanne.
Com a França parcialmente ocupada pelos invasores, por um período
que segundo o Acordo de Armistício deveria ser de 5 anos, a família decidiu
vender o vinhedo e, com o dinheiro obtido, custear a viagem de navio para
o Brasil. Dizem, em nossa família, que só sobrou dinheiro para comprar uma
garrafa de vinho, que tomaram na última noite na França, antes de embarcar...
Jacques e Jeanne tinham quatro filhos quando saíram da França:
Pierre, o mais novo, com sete anos (que, infelizmente, morreu de febre
tifoide contraída durante a longa viagem), Jeanne, Julian e Marguerite. A
família desembarcou no porto do Rio de Janeiro, em 6 de Janeiro de 1874,
tendo feito a penosa travessia no veleiro “La Belle Étoile”. Com a experiên-
cia que tinha na indústria de tecelagem, logo Jacques conseguiu emprego
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nessa área, passando por várias empresas, nas quais conseguiu relativo
sucesso. Também a família cresceu, com o nascimento de Rita, sua filha
caçula, aqui no Rio de Janeiro. De emprego em emprego, Jacques Rosand
foi parar, em 1884, exatamente na tecelagem de Pau Grande, onde conhe-
ceram Felix Guisard, agora já gerente de setor.
A UNIÃO DE FELIX GUISARD COM JEANNE ROSAND
Em pouco tempo Felix e a jovem Jeanne afeiçoaram-se e, em 1888,
pouco depois do falecimento de Jacques Rosand, eles se casaram na Igreja de
São José, uma das principais do Rio de Janeiro. Felix com vinte e seis anos e
Jeanne com dezoito. Consta que, nesse tempo, a família Guisard estava mo-
rando no centro do Rio de Janeiro, mais precisamente na Rua das Marrecas,
pequena rua que ligava a Rua dos Barbonos, assim chamada pelos frades
capuchinhos que ali moravam (hoje é a Evaristo da Veiga), com o Passeio Pú-
blico. Seu nome veio de um chafariz que ali existiu, feito por Mestre Valentim,
ornamentado com pequenas aves de bronze por onde a água jorrava.
Casamento de Felix Guisard e Jeanne Rosand — 27/09/1888.
Acervo Maria Cecília.
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Sabe-se que, em lua de mel, os noivos fizeram uma viagem à Fran-
ça, em 1888/1889, tendo Felix também aproveitado para comprar o
novo maquinário da tecelagem de Pau Grande, voltado para a fabricação
de meias e camisetas. Durante a viagem deve ter havido tempo de visitar
sua tia Henriette em Paris, irmã de seu falecido pai Louis Felix, e seus
primos. Em Paris também pode ter visto a Torre Eiffel, sendo construída
ou já pronta, como parte da grande Exposição Universal realizada em
1889.
Felix e Jeanne tiveram um longo e feliz casamento, com sete filhos.
Felix Guisard, sua esposa Jeanne Rosand e seus sete filhos. Imagem de 1910
— Acervo Maria Cecília e do MISTAU.
O primogênito foi Felix Guisard Filho, nascido em Magé, no Rio
de Janeiro, em 1890. Felix Filho formou-se em medicina e manteve um
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amplo espectro de interesses durante sua vida — foi Vereador e Prefeito
de Taubaté e grande historiador, distinguido em temas locais. Casou-se
com Maria Eulália Monteiro e tiveram quatro filhos, entre os quais temos
Maria Cecília, que muito me ajudou nas pesquisas para este trabalho.
Todos os demais filhos de Felix nasceram já na cidade de Taubaté,
para onde ele levou sua família, como vamos descrever nos próximos
capítulos. Foram eles: Alberto, em 1891, tendo se casado com Mercedes
Marcondes de Mattos; Violeta, em 1893, casada com Gontran Reis; Olga,
em 1895, que se casou com Francisco de Mattos; Raul, em 1897, casado
com Célia Carvalho de Brito; Octávio, em 1899, que se casou com Acyr
Barros; Hilda, em 1901, casada com seu primo Carlos Guisard Aguiar
(filho de Marie Nazareth).Parte 3
Brasil
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TAUBATÉ
Parte 3Brasil
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O Sol da Manhã...
O EMPRESÁRIO FELIX E A MUDANÇA PARA TAUBATÉ
Em 1891, a empresa de Pau Grande abriu seu capital com o
nome social de Companhia América Fabril, com dois acionistas ingleses
— George e Henry Whittaker. Convidado a participar dessa nova
empresa, Felix declinou do convite, pois tinha decidido abrir seu próprio
negócio. Sua opção foi de construir uma nova tecelagem e, para tanto,
primeiramente pensou em localizá-la em Petrópolis; porém, depois de
um encontro fortuito com um antigo colega de bancos escolares, que se
tornou banqueiro, Rodrigo Nazareth de Souza Reis, à época Presidente
do Banco Popular de Taubaté, mudou os planos e deslocou-se com toda
a família e todos os seus sonhos para a cidade de Taubaté, no vale do rio
Paraíba do Sul, no estado de São Paulo. Taubaté foi um povoado iniciado
por Jacques Felix, sendo elevado à categoria de vila em 1645, nas terras
da Capitania pertencente à Condessa de Vimieiro, Dona Mariana de Sousa
da Guerra, neta de Martim Afonso de Sousa. Situada entre a capital, Rio de
Janeiro e São Paulo, já dispunha de transporte por via férrea, um notável
condicionante para o crescimento econômico de uma localidade naqueles
tempos.
A vila de Taubaté em 1827. Imagem de Debret.
Museu Castro Maya, Rio de Janeiro. Em domínio público.
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AS FERROVIAS NO EIXO RIO DE JANEIRO — SÃO PAULO
Graças ao afã empresarial de Mauá, a primeira via férrea do Brasil
foi inaugurada em 1854, ligando o Porto de Mauá com a localidade de Raiz
da Serra, em Magé, pretendendo chegar a Petrópolis, adentrar o estado de
Minas Gerais e, possivelmente, seguir na direção de São Paulo. A ferrovia
ficou conhecida como a Estrada de Ferro Mauá. A segunda a ser inaugu-
rada foi a São Paulo Railway — SPR — que, em 1867, concluiu os cento e
cinquenta e nove quilômetros — ligando o porto de Santos, passando por
São Paulo, com a cidade de Jundiaí.
Em 1855, o Governo Imperial iniciou a construção da Estrada de
Ferro de Dom Pedro II, sob a direção de Christiano Benedicto Ottoni (1811-
1896), natural de Minas Gerais e irmão de Teófilo Ottoni, o idealizador
do Projeto de Colonização do Mucuri, já descrito anteriormente. De ori-
gem militar da marinha, foi engenheiro, professor, e político, tendo atuado
como senador tanto no tempo do Império quanto na República. Por seu
trabalho neste projeto, Christiano Ottoni é hoje considerado o Pai das fer-
rovias brasileiras.
Partindo da Corte, no Rio de Janeiro, seguiu até Japeri, no sopé da
Serra do Mar, subindo então para alcançar Barra do Piraí, onde chegou em
1864. Nessa cidade a ferrovia bifurcava-se. Na direção leste seguiu a linha
tronco, denominada Linha do Centro, passando por Sapucaia e chegando
em Três Rios; na direção oeste tínhamos o chamado Ramal de São Paulo,
passando por Barra Mansa, Resende e Queluz, até chegar, em 20 de julho
de 1875, a Cachoeira Paulista. É importante realçar que, nessa época, a
província mais importante, economicamente e em termos populacionais,
era Minas Gerais, com o ouro, os diamantes e a sua produção agrícola. A
província de São Paulo começava então a crescer e a aparecer no cenário
nacional, graças ao café do Vale do Paraiba.
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Traçado da estrada de Ferro de Dom Pedro Il. Imagem na revista francesa
“L’Illustration”, vol.41 de 13/06/1863. Em domínio público.
Partindo de S. Paulo, foi construída a Estrada de Ferro São Paulo —
Rio, por iniciativa de empresários paulistas que queriam acelerar a ligação
férrea entre a sua cidade e a capital do Império. Em 8 de julho de 1877,
ela também chegou a Cachoeira Paulista, completando, assim, o trecho
entre as duas principais cidades brasileiras. Nas primeiras viagens entre as
duas capitais, os passageiros e as cargas tinham de atravessar o rio Paraí-
ba, naquela localidade, em balsas, pois a ponte só foi construída em 1879;
mesmo depois, a transição ainda era lenta, pois havia a necessidade de
uma baldeação, já que as bitolas eram diferentes, a estrada de Dom Pedro
II tinha bitola de um metro e sessenta centímetros, enquanto a da estrada
paulista era de um metro. Avalia-se que uma ponte realmente eficiente e
compatível só foi construída em 1888.
Com a queda da monarquia, a estrada no trecho carioca passou a
ser chamada de Estrada de Ferro Central do Brasil e, com esse nome, veio
a anexar o trecho paulista, unificando a ferrovia em 1890/1891. E levaram
mais um bom tempo para unificar as bitolas. Em 1901 a unificação em bi-
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tola larga (um metro e sessenta centímetros) chegou até Taubaté, que ficou
sendo o ponto de baldeação em lugar de Cachoeira Paulista. Somente em
1908 a unificação completou toda a rota até S. Paulo.
Através da imagem do folheto da estrada de ferro, a seguir, pode-
mos verificar o tempo de percurso entre as paradas no trecho paulista, e
também o horário final de chegada ao Rio de Janeiro. Da saída em São
Paulo até Cachoeira Paulista, o tempo projetado era de cerca de seis horas,
enquanto o percurso de Cachoeira até a Corte, no Rio de Janeiro, era de
aproximadamente sete horas, dando um total no trajeto completo de treze
horas.
Horário dos trens da Estrada de Ferro de S. Paulo e Rio de Janeiro.
Postagem de Adriano Araújo no Facebook.
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TAUBATÉ NO FINAL DO SÉCULO XIX
Em uma primeira avaliação, Taubaté, no último quartel do século
dezenove, apresentava-se, pelos números encontrados nas estatísticas ofi-
ciais do Império, como uma rica e próspera região, com economia forte
na plantação de café, tornando-a uma das principais cidades do interior
paulista. No auge da produção cafeeira, chegou a ter a quarta maior renda
do estado, perdendo somente para a capital São Paulo, Campinas e San-
tos. Renda essa que estava extremamente mal distribuída, pela concentra-
ção da riqueza com os poucos proprietários dos cafezais e uma população
que, pelos censos da época, tinha cerca de 20% de escravos em vias de
serem libertados, totalmente sem recursos.
A análise da situação de Taubaté, no contexto do final do século XIX,
não é uma tarefa fácil, pois, apesar de ser um dos Municípios que produzia
maior volume de café, ao mesmo tempo apresentava evidentes sinais de
declínio. O escritor Monteiro Lobato chegou a inscrevê-la como uma das
“Cidades Mortas” do Vale do Paraíba. Essa ambiguidade explica-se pela
separação entre as grandes unidades fazendárias e os núcleos urbanos
com simples funções administrativas, festivas e protocolares, sem eficien-
tes unidades produtivas capazes de substituir economicamente o declínio
dos cafezais.
Apesar disso, Taubaté dispunha de iluminação a gás de xisto betu-
minoso, e até linhas de bondes. A Companhia de Gás e Óleos Minerais,
instalada na cidade, produzia o gás a partir das jazidas de xisto betumino-
so existentes em Tremembé e o distribuía através de uma extensa rede de
canos instalada na cidade.
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A Companhia de Gás e Óleos Minerais — o popular gasômetro.
Acervo do MISTAU.
Um total de cento e sessenta e nove postes iluminavam as principais
ruas da cidade, além da iluminação das residências. Essa empresa, criada
em 1883, iniciou suas operações em 1884 e permaneceu em funciona-
mento até 1913, quando a energia elétrica ficou disponível.
Seu proprietário era José Francisco Monteiro (1830-1911), Visconde
de Tremembé, personagem de grande relevo na história da cidade. Ele
também era um dos acionistas da Companhia de Bondes a Vapor que fa-
zia o transporte de passageiros e principalmente o de xisto betuminoso de
seu local de extração em Tremembé para a sua utilização na Companhia
de Gás em Taubaté.
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A tradicional Rua das Palmeiras, hoje a Rua Conselheiro Moreira de Barros
— década de 1880, com um dos postes a gás à esquerda e os trilhos da
empresa de bondes. Acervo do MISTAU.
A companhia de bondes de Taubaté, em 1890, usava carros puxados
por animais, sobre trilhos colocados em diversas ruas da cidade. Saía da
Praça da Estação, indo pela Rua das Palmeiras até chegar à Praça Dom
Epaminondas. Seguia então pela Rua Duque de Caxias e outras até chegar
ao Largo do Mercado, de onde dirigia-se para o Largo do Rosário e, seguin-
do pela Rua Doutor Emilio Winther, ia até o Largo do Bom Conselho, onde
fazia seu retorno.
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O transporte com bondes sobre trilhos puxados por animais.
Imagem postada por Carlos Gouvêa no site Taubaté das Antigas.
Taubaté também foi precursora em telefonia, havendo registros nos
anais públicos da cidade desde 1884, poucos anos após Dom Pedro II ter
encontrado e prestigiado Graham Bell, na grande Philadelphia Centennial
Exposition, realizada no ano de 1876. Naquele ano foi autorizada a ins-
talação de uma linha particular entre Taubaté e São Luís do Paraitinga, e
também um serviço público de telefonia na cidade. Em 1893 foi instalado
o Serviço Municipal de Telefones Automáticos, iniciativa de Joviano No-
gueira Barbosa e Arthur Nogueira Barbosa, através da empresa Barbosa
& Barbosa. Tinha no início somente oito linhas dos seguintes usuários:
Joviano Barbosa, Convento de Santa Clara, Hospital Santa Isabel, Catedral,
Coronel José Benedito Marcondes de Mattos, Doutor Aristides Monteiro e
dois outros, cujos nomes perderam-se no tempo. Com a vinda para Tauba-
té da C.T.B. — Companhia Telefônica Brasileira — em 1917, a iniciativa
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dos Barbosa foi por ela absorvida, passando a ter nesse momento vinte
usuários.Em 1881 entrou em funcionamento a Companhia Norte Paulista
de Águas e Esgotos, do engenheiro Fernando de Mattos e de Luís Itálico Bocco. Nesse sistema, além do atendimento a residências, havia a dis-tribuição de água para a população através de chafarizes em seis pontos da cidade. Alguns deles tinham uma adaptação permitindo a lavagem de roupas pelo povo.
O café, entretanto, estava passando por uma mudança radical. O seu plantio e beneficiamento eram feitos de forma intensa e continua, sem nenhuma tecnologia agrícola, por exemplo, nenhuma forma de adu-bo era utilizada e o plantio era em linha reta, em direção ao topo dos morros, e não em curvas de nível. Dessa forma, os grandes fazendeiros estavam exaurindo os terrenos do Vale do Paraíba. Por isso os investidores e cafeicultores estavam buscando novas terras, movimentando-se na dire-ção oeste, para os lados de Campinas, Ribeirão Preto e mais além.
A presença crescente dos imigrantes, contando com novas práticas de cultivo agrícola, colocava em questão a necessidade de escravos que, além de custosos, fugiam, rebelavam-se e passavam a ser protegidos por leis que zelariam por sua condição. Em nível local há registros de que, em 1890, um pouco mais de uma centena de famílias de italianos — com cer-ca de quatrocentas pessoas — vieram para Taubaté. Eles estabeleceram-se na colônia localizada numa fazenda, na área onde hoje é o distrito de Qui-ririm. Esses colonos concentraram-se na produção de arroz de várzeas, já que o terreno em que estavam era rotineiramente alagado pelas águas do Rio Paraíba e do Rio Quiririm, seu afluente. Também nesse terreno, alguns imigrantes perceberam a oportunidade de coletar a matéria para produzir tijolos, e estabeleceram-se com olarias, fornecendo telhas e tijolos para as diversas construções de Taubaté.
Um aparte importante diz respeito ao transporte da produção do Vale do Paraíba e do sul de Minas Gerais. No período áureo da produção do café vale-paraibano, mais ou menos entre 1840 e 1875, a safra era trans-portada para os portos exportadores por tropas de mulas — os tropeiros com seus grandes cestos de cada lado dos animais.
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Monumento ao Tropeiro, Lapa, Paraná. Por Deyvid Aleksandr Raffo Setti em
domínio público via Wikimedia Commons.
Assim a produção da região descia a Serra do Mar em direção de
Ubatuba, o mais próximo porto disponível, pelas velhas trilhas de índios
que ficavam, na época do transporte da safra, bem congestionadas. Uba-
tuba era, nesse período, uma das mais importantes referências da região,
exportando a produção não só do café, mas também do algodão, do fumo
e da cana de açúcar, e importando os bens necessários para a população.
Um bom exemplo da prosperidade e riqueza de Ubatuba, naquele tempo,
ainda hoje existente, é o Sobradão do Porto, construído pelo rico comer-
ciante, fazendeiro e armador português Manoel Balthasar da Cunha Fortes
(1791-1874), no ano de 1846.
O panorama mudou substancialmente com a chegada, em
1875/1877, da ferrovia no Vale. Com isso, Ubatuba perdeu essa condição
de porto de preferência, que passaram a ser o porto de Santos do lado
paulista e o porto do Rio de Janeiro do lado fluminense. Ubatuba entrou
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numa depressão econômica intensa. Ao final do século, vislumbrou-se
uma alternativa para alterar de forma significativa o contexto econômico
da região vale-paraibana e de Ubatuba.
A FERROVIA DE UBATUBA E O BANCO POPULAR DE TAUBATÉ
Tanto assim que, em setembro de 1890, foi organizada uma compa-
nhia, a Estrada de Ferro Norte de São Paulo, para melhorar o transporte da
safra de Taubaté que, em lugar da longa viagem para Santos, poderia ir, e
em menor tempo, para Ubatuba, que assim voltaria a ser uma alternativa
portuária entre Santos e o Rio de Janeiro. Em seu planejamento, essa fer-
rovia continuaria na direção de Minas Gerais, chegando até Paraisópolis.
Lembremos que não havia, até então, estrada de rodagem entre Rio e São
Paulo. Na época, o transporte no Brasil era feito em caminhos de carroças
e em trilhas de cavalos ou tropas de burros de carga. Somente em 1860
foi construída a primeira estrada de rodagem digna desse nome, ainda
que de terra batida sobre leito de pedras britadas, entre o Rio de Janeiro e
Juiz de Fora, em Minas Gerais. Foi inaugurada por Dom Pedro II, em 23 de
junho de 1861, e tinha cento e quarenta e quatro quilômetros.
Entre Rio e São Paulo somente tivemos a primeira estrada comple-
tada em 1928, também de terra batida sobre brita; era a antiga Rio — São
Paulo. Uma nova estrada entre as duas capitais, com um novo traçado, asfal-
tada, foi inaugurada em 1951. Ela foi denominada rodovia Presidente Dutra
e reduziu o percurso entre as duas cidades em cento e onze quilômetros.
Para ter-se ideia da dificuldade de transporte, encontramos no site www.
motoonline.com.br, anotações de que, em 1908, um motorista conseguiu
ir do Rio a São Paulo, em um veículo a motor, daquela época, seguindo os
caminhos das carroças e das tropas de burros, em cerca de oitocentas e
setenta e seis horas. Em 1928, com a antiga Rio — São Paulo, o tempo de
viagem caiu para dez horas, em média e, com a chegada da nova estrada, a
Rodovia Presidente Dutra, em 1951, o tempo foi reduzido para seis...
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A almejada ferrovia para Ubatuba teve sua primeira diretoria sob a
Presidência do Conselheiro João Alfredo Côrrea de Oliveira; os diretores
foram: Jerônimo Roberto Mesquita, o Barão de Mesquita, Doutor Honório
Augusto Ribeiro e os engenheiros ingleses Horace Boardman Cox e Ro-
bert Normathon. Esses empresários planejavam trazer capital Inglês para
essa obra, porém acabaram por transferir o projeto para dois taubateanos,
Francisco Moura Escobar e Victoriano Marcondes Varella, que fizeram a
incorporação da empresa e associaram-na ao Banco Popular de Taubaté,
criado para o levantamento de capital para a ferrovia. Tais empreendedo-
res conseguiram um suporte financeiro importante do governo imperial,
através do Decreto nº 10.150, de 5 de janeiro de 1889, que deu garantia
de juros de 6% ao ano para quem investisse na ferrovia.
As obras começaram tanto em Ubatuba quanto em Taubaté, com tri-
lhos sendo lançados a partir do local onde hoje é a Praça Felix Guisard, em
direção a Ubatuba, passando pelos bairros do Cataguá, Registro e a fazenda
Fortaleza. A construção avançou por cerca de três anos, quando, com o
fim do Império, a nascente República, reorganizando a economia nacional,
cortou os subsídios dados para a Companhia Estrada de Ferro Norte de São
Paulo — a EFNSP. Essa época da política econômica do Brasil é conhecida
como o Encilhamento, no qual, para proporcionar o desenvolvimento eco-
nômico, o governo central incentivou a tomada de empréstimos, criando
muitos projetos financiados pelos bancos estatais. Sem o devido lastro, seja
em ouro, moeda forte ou aumento no setor produtivo, esse afluxo de finan-
ciamentos acabou por causar, logo no começo da Republica, uma intensa
crise financeira. O Ministro das Finanças, na época, era o famoso Ruy Bar-
bosa. Esse período de intensa euforia financeira, seguido por um verdadeiro
desastre generalizado na economia do país, durou de novembro de 1889 a
julho de 1891. Assim, em agosto de 1893, o Banco Popular de Taubaté, com
sérias dificuldades financeiras, parou de operar absorvido por outro peque-
no Banco de Guaratinguetá. Em sequência, a EFNSP decretou falência. O
Banco Popular de Taubaté foi finalmente liquidado em 1899.
Da estrada de ferro ainda se aproveitaram, nos anos seguintes, os
trilhos já assentados ou deixados nos depósitos da empresa falida. Várias
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pontes e prédios de Ubatuba foram construídos com eles. Foram também
aproveitados em outras ferrovias, que estavam sendo feitas no Brasil, e até
mesmo a C.T.I. utilizou-os para fazer a linha de transmissão elétrica de sua
usina no alto da serra.
A FUNDAÇÃO DA COMPANHIA TAUBATÉ INDUSTRIAL
Sem antever percalços, Felix visualizara em Taubaté uma perspec-
tiva promissora. Sua localização estratégica entre Rio de Janeiro e São
Paulo, dispondo da ferrovia para esses dois grandes centros, uma fonte
de energia advinda do xisto betuminoso, a disponibilidade de grandes
terrenos a preços acessíveis, bem como o apoio de banqueiros e outros
investidores locais, formavam uma combinação de fatores extremamente
atraente. Também não seria desprezível a consideração da disponibilidade
de mão-de-obra barata.
Taubaté nos idos de 1900, vista do Convento. Acervo do MISTAU.
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Assim, em maio de 1891 nasceu a C.T.I. — Companhia Taubaté
Industrial, com capital de quinhentos contos de réis (500:000$000), com
investidores do Rio de Janeiro, empresários de Taubaté e a poupança
da família Guisard. Felix, no capital inicial, detinha 12,84%, sendo que
seus irmãos também participavam: Victor com 0,80%, Jean Baptiste com
0,60%, Marie Nazareth com 0,32%, Eugenio com 0,32% e Theophile
com 0,32, além de sua esposa Jeanne com 0,60% e sua cunhada Marie
Caillaud, irmã de Amelie, com 0,20%. Entre os demais acionistas,
destacavam-se a participação do Banco Popular de Taubaté com 12,20%
e Rodrigo Nascimento de Souza Reis, diretor-presidente desse banco, com
11,20%. O principal acionista era Arthur Ferreira Torres com 20%, um
puro investidor financeiro que logo se afastou do negócio.
O engenheiro Fernando de Mattos (1884-1931), que construiu os
primeiros imóveis da fábrica, recebeu o pagamento dessa obra em ações
da empresa. Sobre Fernando de Mattos, sobrinho do Visconde de Tre-
membé, há que se adicionar que era engenheiro formado pela École Cen-
trale des Arts et Manufactures, atual École Centrale de Paris; foi também
responsável pelo Serviço de Abastecimento de Água e pela Rede Coletora
de Esgotos da cidade, além da construção do primeiro estádio de futebol
do Esporte Clube Taubaté, em 1915. Por outro lado, os tijolos para a pri-
meira fábrica, e também para sua expansão, foram fornecidos pela Olaria
Zanini, pertencente a um dos colonos italianos de Quiririm.
A primeira diretoria da C.T.I. ficou então constituída por três exe-
cutivos: o Dr. Rodrigo Nazareth de Souza Reis, maior acionista da em-
presa, nomeado Presidente; Felix Guisard designado Diretor Gerente,
responsável por toda a operação da empresa, e tendo como Diretor Co-
mercial encarregado das vendas da nascente indústria, o Sr. Waldemar
Bertelsen, amigo de Felix e também acionista com 12% das ações. Ber-
telsen, de origem dinamarquesa, era apropriadamente um experiente
comerciante de tecidos no Rio de Janeiro.
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Primeira Diretoria da C.T.I. em 1891. Acervo de Maria Cecília.
Podemos estimar qual seria, a preços de hoje, o valor do capital
inicial da C.T.I. Devemos, porém, ressalvar que o cálculo do valor atual de
uma quantia mensurada numa moeda antiga é uma tarefa extremamente
difícil, e não tem uma única solução. A correção histórica pode ser feita
tomando por base diversas unidades econômicas, como a inflação de um
pacote de bens, ou do poder aquisitivo da população, ou até uma avalia-
ção do Produto Nacional Bruto.
Utilizando dados do site www.ocaixa.com.br para converter as quan-
tias de mil réis para dólares e, em seguida, baseando-nos no site www.me-
asuringworth.com para adicionar a inflação do próprio dólar e escolhendo,
entre as diversas alternativas de correção, a variação do CPI — Consumer
Price Index, chegamos ao valor equivalente do capital inicial desse empre-
endimento, nos dias atuais, a cerca de quatro milhões de dólares. Para dar
uma ideia da incerteza envolvendo esses cálculos, se utilizássemos a va-
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riação do preço do ouro, o valor passaria para cerca de dezoito milhões de
dólares... A parcela da família Guisard, 16%, considerando o cálculo pelo
CPI era, portanto, de aproximadamente seiscentos e cinquenta mil dólares.
OS IRMÃOS DE FELIX
Nesse ponto de nossa história cabe refletir sobre os irmãos de Felix,
que participavam do capital inicial da C.T.I. Fora Marie e Emile, que falece-
ram ainda infantes, cinco eram os demais filhos de Louis Felix e Amelie,
além do primogênito Felix. Quatro homens e uma mulher.
Jean Baptiste nasceu em Diamantina, em 1868, e faleceu em Tauba-
té, em 1927. Ele casou-se com Alcina de Oliveira, de Magé, e tiveram três
filhos: Lafayette (1895-1934), Victor, chamado carinhosamente de Vitão
(1900-1939) e Lucy (1907-1946). Agradeço a sua neta, Sonia Guisard, pe-
las informações. Lembro com carinho de tia Zizinha, Luzia Rabello Gui-
sard, esposa de Vitão, que conheci no Grupo Escolar da C.T.I. e do qual
falaremos mais adiante. Vitão era um grande companheiro de meus tios
Oswaldo e Victor quando jovens.
Jean Baptiste e sua esposa Alcina. Acervo de Sonia Guisard.
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De todos os irmãos de Felix, aquele do qual menos temos infor-
mações é Victor. Nascido em Diamantina, em 1870, ele morreu muito
jovem, em 1896, com apenas vinte e seis anos, ao que se sabe de febre
amarela, contraída no município de Magé, no estado do Rio de Janeiro.
Isso aconteceu logo após a criação da C.T.I., portanto pouco conviveu com
o seu desenvolvimento. De seu casamento com Eugenia, nasceram Victor,
Aracy e Genny.
Victor Guisard (1870-1896).
Acervo de Maria Cecília.
A única filha viva de Louis Felix, na época da formação da C.T.I.,
era Marie Nazareth que não foi para Taubaté quando da mudança da fa-
mília. Nascida também em Diamantina, em 1872, ela casou-se, no Rio
de Janeiro, com Virgílio de Souza Aguiar, que trabalhava na tecelagem de
Pau Grande e fixou residência na capital federal, onde faleceu em 1932.
Consta que Virgílio também teve uma tecelagem, na cidade de Petrópolis.
Tiveram quatro filhos: Carlos, Blondine, Clotilde e Carmem.
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Marie Nazareth com 3 de seus filhos: Carlos, Blondine e Clotilde. Sua quarta
filha, Carmem, faleceu com 25 anos. Imagem enviada por Eduardo Guisard
Aguiar, meu primo, bisneto de Marie Nazareth.
Interessante registrar que Amelie, já viúva de Louis Felix, casou-se
novamente, em Magé, no ano de 1903, com o irmão de Virgílio, marido
de Marie Nazareth. Seu nome era João de Souza Aguiar e faleceu pouco
tempo após o casamento. Não bastasse esse episódio de casamento em
família, temos também o fato de que Carlos Souza Aguiar, filho de Marie
Nazareth, casou-se com sua prima Hilda, a filha caçula de Felix. Carlos e
Hilda acabaram por se separar, tendo Carlos ficado em São Paulo, onde
cuidava do setor comercial da C.T.I., enquanto que Hilda fixou residência
no Rio de Janeiro.
Theophile, nascido em 1874, casou-se com Amélia Pereira Lopes e tiveram seis filhos. Graças a Angela Brun, sua bisneta, temos algumas
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excelentes imagens de Theophile, com o comentário de que ele era extre-
mamente benquisto por todos que o conheciam, tendo sido o padrinho de
inúmeros filhos e filhas de amigos e colegas de trabalho. Meu avô Eugenio
considerava-o uma ótima pessoa e prezava imensamente sua amizade.
Theophile era o Mestre Geral das fábricas da C.T.I. e faleceu em Taubaté,
em 1941.
A família de Theophile Albert Guisard, na década de 1920, recebendo um
dos sócios ingleses da C.T.I. Acervo Angela Brun.
Na imagem acima estão, sentados, Theophile e sua esposa Amélia,
o convidado e sua filha mais nova, Amelinha. Em pé os demais filhos:
Rodolpho, Maria Augusta, Maria Adélia, Julieta e Teófilo Filho.
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José Eugenio Guisard Ferraz
Aqui vemos Theophile no centro da imagem, numa das seções da C.T.I.
Acervo Angela Brun.
O irmão caçula, Eugenio, nascido em 1878, tem um papel de des-
taque em nossa história, assim ele terá uma participação realçada em
momento apropriado de nossa narrativa.
O INÍCIO DA COMPANHIA TAUBATÉ INDUSTRIAL
A primeira fábrica da C.T.I. foi construída num terreno bem no fi-
nal da Rua Quatro de Março, perto da estrada de ferro, para abrigar uma
tecelagem de meias e camisetas de algodão. Na primeira etapa, a C.T.I.
importava o fio de algodão vindo da Inglaterra, com o qual fazia os teci-
dos nos seus teares e transformava-os em meias e camisas. O trabalho de
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construção do prédio e o recrutamento e treinamento dos empregados
levou um bom tempo, assim a produção só começou efetivamente em
janeiro de 1893.
A primeira fábrica da C.T.I. na Rua Quatro de Março. Acervo do MISTAU,
publicado em História de Taubaté através de Textos de A. C. A. Andrade e
M. M. Abreu. Prefeitura Municipal de Taubaté.
A Rua Quatro de Março, na época um local distante do centro da
cidade, foi assim nomeada para marcar a data em que Taubaté declarou
extinta a prática da escravatura no município, adiantando-se, por alguns
meses, à proclamação da Princesa Isabel que aboliu a escravidão no Bra-
sil, em 13 de maio de 1888. Registramos que, no censo realizado em
1872, a população de escravos da cidade era de aproximadamente quatro
mil indivíduos, praticamente um quinto da população. Essa mesma rua
tinha em seu início um cemitério, o da Santa Cruz, e algumas poucas
casas do lado direito de quem vai do cemitério para os lados da estrada
de ferro, que passa em seu final. Do lado esquerdo, depois do cemitério,
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havia algumas chácaras, onde se estabeleceu o velódromo da cidade. O
ciclismo foi um popular esporte naquela época. A grande área interna do
velódromo era aproveitada para a prática de futebol, que estava chegando
à cidade. Era a sede do Clube Sportivo Taubateense, fundado em 1904, um
dos primeiros clubes dedicados ao futebol no Brasil.
OS PRIMEIROS PASSOS DA MONTAGEM DA FÁBRICA
Felix adquiriu uma enorme área, de vinte e cinco alqueires, indo da
estrada de ferro, na altura da Rua Quatro de Março, até onde hoje temos
o bairro da Independência. Podemos visualizar uma área quase retangular,
formada pela Rua Quatro de Março de um lado e a atual Avenida Itália do
outro, limitada ao norte pela estrada de ferro, a antiga Estrada de Ferro
Central do Brasil e, ao sul, pelas atuais Avenida Independência e Rua Doutor
Emilio Winther. Pelo traçado previsto para a ferrovia para Ubatuba, ela pas-
saria por esse terreno, sendo que a estação principal ficaria no local onde
hoje está a Praça Felix Guisard. Felix separou uma parte do terreno para
a expansão da fábrica e, no restante, ele fez sua residência e plantou um
grande laranjal. A plantação acabou por torná-lo um dos maiores produtores
dessa fruta no estado de São Paulo, tendo inclusive grande participação nas
associações de classe. Essa diversificação de atividades deu-lhe, certamente,
uma vantagem econômica, quando a fábrica passou por dificuldades.
A C.T.I. conseguiu prosperar apesar dos acidentes de percurso. Uma
primeira grande crise aconteceu logo no início da produção, entre 1893
e 1895, consequência do caos econômico provocado pelo Encilhamento.
Por uma política financeira infeliz, conduzida pelo ministro da fazenda,
Ruy Barbosa, o país teve sua moeda fortemente desvalorizada, o que redu-
ziu o nível da economia, encarecendo todos os artigos importados, entre
eles o precioso fio de algodão, matéria prima da C.T.I.
Para superar a crise, o caminho escolhido foi o de investir em
máquinas, para fazer na própria fábrica todo o processo de fiação, utili-
zando o algodão bruto produzido aqui mesmo no Brasil — como se diz
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em economia, uma verticalização da atividade. Um grande empréstimo
foi conseguido com o Banco do Brasil (R$ 160.000:000) permitindo que
a C.T.I. importasse as máquinas que foram compradas na Inglaterra —
cardas, passadeiras, maçaroqueiras, fiandeiras, etc. Novos prédios foram
construídos para abrigar essa atividade.
No início de 1897 a firma Joseph Levy et Frères, do Rio de Janeiro,
passou a distribuir a produção da fábrica, com ótimos resultados. Com
cento e setenta empregados, a C.T.I. produzia cem dúzias de camisas por
dia. O desenvolvimento da empresa avançou, mas não sem percalços, e
dos grandes. Um incêndio de enormes proporções, em março de 1898,
quase levou a jovem empresa à bancarrota. Uma catástrofe da qual Felix
Guisard só escapou com a ajuda prestimosa de Dom José, vigário colado
de Taubaté — mais uma vez o relacionamento com a Igreja Católica vem
em seu auxílio. Explica-se: ao saber do ocorrido e preocupado com o gran-
de número de empregados da C.T.I. que perderiam seus empregos, o vi-
gário de Taubaté, Dom José Pereira da Silva Barros (1835-1898) chamou-o
para uma conversa.
Monsenhor Silva Barros.
Acervo do MISTAU.
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Dom José, fundador do Colégio do Bom Conselho, um dos mais
ilustres filhos de Taubaté, tornou-se bispo de Olinda entre 1881 e 1891, e
bispo do Rio de Janeiro de 1891 a 1893. Foi também nomeado Camarei-
ro do Papa Pio IX e, por breve período, foi arcebispo de Dámis, no Egito
(1893). Por ocasião da assinatura da Lei Áurea, foi agraciado por Dom Pe-
dro II e pela Princesa Isabel com o título de Conde de Santo Agostinho, um
dos pouquíssimos clérigos que foram prestigiados com títulos de nobreza.
Dom José detinha elevado prestígio na casa imperial de Dom Pedro II e da
princesa Isabel, tendo sido seu Capelão-Mor e Conselheiro.
Dom José, depois de ouvir de Felix que o principal problema era
o pagamento do grande empréstimo que tinha com o Banco do Brasil,
decidiu escrever um cartão de apresentação para o Ministro da Fazenda
da época, Bernardino de Campos, pedindo sua ajuda. Felix viajou ime-
diatamente para a capital federal, onde foi recebido pelo ministro no dia
seguinte e encaminhado ao Presidente do Banco do Brasil, Affonso Pen-
na que, depois de ouvir seu relato, atendeu seu pleito autorizando uma
postergação, por dois anos, das parcelas da dívida da C.T.I. com o banco.
Além disso, Affonso Penna encaminhou-o para um setor do Banco que
estava encarregado da liquidação de uma tecelagem, recentemente falida,
onde Felix conseguiu comprar várias máquinas e equipamentos, neces-
sários para reestabelecer a operação da C.T.I., por um preço realmente
baixo. Affonso Augusto Moreira Penna viria a ser Presidente da República
no período de 1906 a 1909.
A PARTICIPAÇÃO DOS INGLESES NO CAPITAL DA C.T.I.
De qualquer modo, a turbulência econômica e administrativa ainda
não tinha passado, pois logo no ano seguinte, 1899, a dívida da empresa
chegou a níveis não mais administráveis nos modos convencionais. A so-
lução dessa vez veio dos ingleses, que propuseram um grande aumento
de capital da empresa. Após negociações, a dívida com os ingleses forne-
cedores de fios de algodão e de maquinário, no valor de R$ 200.000:000
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foi transformada em ações, fazendo com que o grupo inglês se tornasse
o sócio majoritário, com 50% do capital social e outros privilégios na
administração da companhia. Na época, a firma franco-brasileira de dis-
tribuição foi trocada pela Edward Ashworth & Co., de capital inglês com
uma filial no Rio de Janeiro.
Felizmente, nesse mesmo ano de 1899, a C.T.I. conquistou uma
grande vitória, ao ganhar a concorrência para o fornecimento de camisas
para a Marinha Brasileira. E as coisas tranquilizaram-se. A empresa am-
pliou primeiramente a fiação, em 1902, e a tecelagem em 1903, quando
começou a produzir o morim Ave Maria e toalhas felpudas. Foram mais
duzentos e vinte e quatro teares funcionando na fábrica.
Em 1906, aconteceu em Taubaté a assinatura do Convênio do Café,
um acordo feito pelos governadores dos estados do Rio de Janeiro, São
Paulo e Minas Gerais, com o objetivo de controlar o volume de produção e
o preço desse produto. Para isso os Governos desses estados compraram
café suficiente para montar estoques reguladores, o que exigiu alto volu-
me de recursos públicos onerando sobremaneira as finanças estaduais.
Com isso a economia nacional tomou mais um impulso e também a C.T.I.
A demanda pelos seus produtos cresceu e, em 1910, o representante da
Edward Ashworth & Co., Senhor George Herbert Craig propôs uma nova
ampliação, também suportada por mais uma injeção de capital inglês, o
que elevou a participação dos ingleses no capital social para 70%. Essa
ampliação transformou a C.T.I., que passou de uma área de 3.000 m² para
8.000 m². A C.T.I. tinha então mais de mil teares, chegando a seiscentos
empregados. Isso permitiu, sob orientação dos ingleses, a produção de
cretones e lençóis — os famosos lençóis Canário — logo em 1912. Infe-
lizmente, essa nova fase não foi vista por um dos fundadores, Rodrigo
Nazareth de Souza Reis, que faleceu no ano anterior. Nesse período, o
inglês George H. Craig passou a participar da diretoria, assumindo a Presi-
dência, após a morte de Rodrigo Reis. A nova fábrica, para o cretone e os
lençóis, contava com oitocentos e sessenta e oito teares. O total de teares
em 1913/1914 era de mil e noventa e duas unidades.
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Etiqueta do Morim Ave Maria.
Acervo Maria Cecília.
Propaganda do Lençol Canário.
Em jornal da época.
A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL
A Primeira Guerra Mundial, entre 1914 e 1918, do ponto de vista
econômico, pouco prejudicou a empresa, pois já estava saneada finan-
ceiramente e independente de importações. Pelo contrário, ela expandiu
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suas vendas e prosperou. Seu faturamento anual bateu recordes. Mais em-
pregados foram contratados e o problema maior passou a ser o da falta de
energia elétrica, a fim de mover máquinas e teares, energia elétrica que
chegara em Taubaté em 1913 e logo se mostrou insuficiente para atender
toda a demanda da população e das indústrias da cidade.
Lembremos que, nessa guerra, a participação do Brasil foi muito
pequena. Alguns poucos barcos foram avariados, quando transportavam
carga em mares da Europa; apesar da declaração de guerra decidida pelo
Presidente Venceslau Brás, em 26 de outubro de 1917, a pequena frota
de combatentes, com sete ou oito navios, só chegou ao palco principal
dos combates a poucos dias da declaração de paz. A maior parte dos óbi-
tos foi em consequência da gripe espanhola que atacou a tripulação, na
sua parada em Dacar, na África, e de alguns outros acidentes fortuitos.
Essa doença, que também chegou a Taubaté em 1918, causou um eleva-
do número de mortos na cidade, incluindo uma parcela de empregados
da C.T.I. Consciente da sua responsabilidade, Felix implementou uma
força-tarefa na empresa, com farmacêuticos e enfermeiras que com-
batessem essa moléstia, conseguindo excelentes resultados e salvando
muitas vidas.
Logo a seguir, o empreendedorismo de Felix Guisard novamen-
te apareceu com seu pleno potencial, continuando com o processo de
verticalização da C.T.I., ao projetar e construir uma usina própria para
geração de energia elétrica, no Rio das Pedras, que foi inaugurada em
Redenção da Serra, em 1927. O grande atraso na execução do projeto
foi por conta dos fornecedores do maquinário da usina, a empresa ale-
mã Siemens que, em decorrência da guerra, teve a sua produção pre-
judicada por longos anos. Nesse ano, 1927, a C.T.I. contava com mil e
setecentos operários e, além de suprir a energia para eles trabalharem, a
usina forneceu energia elétrica, por mais vinte e cinco anos, para as ci-
dades vizinhas de Natividade da Serra, Redenção, São Luís do Paraitinga
e Ubatuba. No local hoje encontra-se uma enorme represa da Compa-
nhia Energética de São Paulo — CESP.
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Usina Felix Guisard. Imagem do acervo de Maria Cecília.
Foi também instalada, nas dependências da C.T.I. em Taubaté, um
grupo motor-gerador a diesel de alta potência, para garantir a contínua
operação dos seus teares, mesmo em caso de falha na usina. E, assim, a
empresa continuou sua jornada, compartilhando o trabalho de Felix Gui-
sard com os demais habitantes da cidade, já que ele foi eleito e Prefeito
de Taubaté e administrou o município de 21 de janeiro de 1926 a 18 de
setembro de 1930, derrotando o continuado domínio da família Oliveira
Costa, contrapondo, ao domínio dos herdeiros da riqueza do café, a
esperança dos benefícios advindos da industrialização na cidade. Um de
seus primeiros atos foi abdicar de sua remuneração como prefeito, que foi
direcionada para a manutenção do Asilo de Mendigos. Após um governo
pleno de realizações no município, deixou o posto maior da cidade com a
chegada de Getúlio Vargas ao poder que, em seus primeiros atos, destituiu
os governantes eleitos em todas as administrações públicas do país, em
todos os níveis, substituindo-os por interventores.
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O Sol da Manhã...
A CHEGADA DE GETÚLIO VARGAS AO PODER
No longo período entre 1889 e 1929, o Brasil passou pelo início
claudicante da Republica. Um fato importante, e que deu uma certa
estabilidade, foi o acordo elaborado pelos líderes políticos de Minas
Gerais e de São Paulo, em 1898, e que foi chamado de “política do café
com leite”, através do qual os Presidentes da República alternavam-se
entre representantes de São Paulo e de Minas Gerais. Em 1926, um
fato relevante foi o surgimento de Getúlio Vargas no cenário nacional,
primeiramente como Deputado Federal pelo Rio Grande do Sul e, logo
a seguir, como Ministro da Fazenda do Presidente Washington Luiz.
Cargo que, pouco depois, trocou pelo de Presidente do estado do Rio
Grande do Sul.
Mais uma vez, em 1930, a política passou por uma fase conturbada.
O indicado por Washington Luiz para concorrer à Presidência da Repúbli-
ca foi Júlio Prestes, Presidente do estado de São Paulo, numa continuação
da “política do café com leite”, indicação muito contestada pelos políticos
mineiros, que afirmavam ser a vez de um candidato de seu estado. Contra
essa candidatura foi formada a Aliança Liberal com políticos do Rio Gran-
de do Sul, Paraíba e os dissidentes de Minas Gerais. Eles lançaram Getúlio
Vargas, então Governador do Rio Grande do Sul, e João Pessoa Cavalcante
de Albuquerque (1878-1930), o Governador da Paraíba, candidatos a Pre-
sidente e Vice-Presidente, respectivamente. João Pessoa era sobrinho do
ex-Presidente da República, Epitácio Pessoa, e mantinha elevado prestígio
no mundo político.
Na eleição que ocorreu em primeiro de março de 1930, sendo
que a votação não era secreta e abrangia como eleitores somente cinco
por cento da população, sob acusações mútuas de fraudes, venceu Júlio
Prestes, obtendo pouco mais de um milhão de votos, com Getúlio Var-
gas tendo um pouco menos de setecentos mil votos. A transferência de
presidência, entretanto, prevista para 15 de novembro desse ano, não
aconteceu, devido a intensas manobras políticas e militares. Em julho
aconteceu o assassinato de João Pessoa, e em outubro desse mesmo
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ano, uma revolução teve início efetivo e a oposição assumiu o controle
do governo federal com o apoio dos militares.
Os protagonistas da crise de 1930. Getúlio Vargas, Washington Luiz e Júlio
Prestes. Por Governo do Brasil (Galeria de Presidentes) e Agência Estado
(Domínio Público) via Wikimedia Commons.
Demonstrando a tomada do poder de forma simbólica, as forças re-
volucionárias, vindas do Rio Grande do Sul, ao chegarem no Rio de Janei-
ro, amarraram seus cavalos no Obelisco existente na Avenida Rio Branco.
Em decorrência dessa revolta, em novembro de 1930 tivemos a deposição
de Washington Luiz e a dissolução do Congresso Nacional, das Assem-
bleias Estaduais e das Câmaras Municipais em todo o País. Interventores
foram nomeados em todas as instâncias e Getúlio Vargas assumiu a Pre-
sidência do País. Nesse período também, no lado econômico, tivemos a
chegada ao Brasil das consequências da grande queda da bolsa de valores
de Wall Street em Nova York, causando, num efeito dominó, a quebra de
um grande número de empresas em todo o mundo, e que teve uma im-
portante repercussão na administração da C.T.I.
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Jornais brasileiros reportaram a queda e o pânico da bolsa em Nova York.
A Gazeta de São Paulo de 25 de outubro de 1929.
A TRAJETÓRIA DO JOVEM EUGENIO
O jovem Eugenio, que na fundação da C.T.I. tinha treze anos, iniciou
sua formação técnica na própria fábrica da família, onde praticamente
todos os parentes trabalhavam. Theophile era mestre de fábrica, cuidando
de todos os equipamentos de produção; Jean Baptiste cuidava da seleção
e pesquisa de matéria-prima e outros insumos; Eugenio inicialmente tra-
balhou nos escritórios da empresa, ao lado de Felix e, depois, sendo muito
chegado aos tios Theophile e Jean Baptiste, mostrou-se também extrema-
mente interessado na montagem e na manutenção das diversas máquinas
encontradas nas linhas de produção.
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Como era comum naquela época, trabalhar era uma atividade que
se fazia desde criança e, na C.T.I. não era diferente. Talvez um terço dos
seus empregados fossem menores de idade. Como exemplo, temos os
dados de quando a fábrica tinha duzentos e oito empregados, por volta de
1908, dos quais vinte e dois eram homens, sessenta e nove eram crian-
ças e cento e dezessete eram mulheres. Junto com a formação técnica na
C.T.I., Eugenio frequentou, em Taubaté, o Colégio Americano, do pastor
Mr. Kennedy, onde foi contemporâneo de Monteiro Lobato (1882-1948),
neto do Visconde de Tremembé. Entre ambos encontramos como traço
comum o espírito irrequieto e a disposição para enfrentar a ordem estabe-
lecida, sem medo de iniciar um dialético debate. Depois de algum tempo,
já com dezoito anos, foi mandado para a Europa, a fim de aprender as
novas técnicas de montagem e o uso e manutenção de máquinas de tece-
lagem, passando algum tempo em Lisboa, em 1896.
O jovem Eugenio na época de sua
viagem à Europa.
Acervo da família.
Moço, ativo, na Europa Eugenio viu, por algum tempo, a família per-
der seu contato, ficando por longo período sem informações a seu respei-
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to. Depois de meses, amigos brasileiros, em passagem por Paris, enviaram
notícias. Tinham encontrado o jovem Eugenio, nos braços de algumas co-
ristas dos famosos cabarés parisienses, o Folie-Bergère e o Moulin Rouge.
Para dar um cenário adequado do jovem brasileiro em Paris, lembramos
que uma opereta de Offenbach chamada “La Vie Parisienne”, tinha sido
um enorme sucesso nesse final de século dezenove. Sua estreia aconte-
cera em fins de 1866, mas era constantemente reapresentada. Um dos
personagens principais era exatamente um jovem brasileiro, retornando a
Paris, rico e alegre, como dizia a letra de sua canção tema:
“Je suis Brésilien, j’ai de l’or,
Et j’arrive de Rio-Janeire;
Plus riche aujourd’hui que naguère,
Paris, je te reviens encore!”
Numa livre tradução:
“Eu sou Brasileiro, eu tenho ouro,
E estou chegando do Rio de Janeiro;
Mais rico hoje que antigamente,
Paris, eu volto a ti novamente!”
Com ordem de voltar imediatamente ao Brasil, Eugenio prontamen-
te retornou, mas provavelmente muito a contragosto. Essa passagem por
Paris marcou muito sua vida, pois, dizem certas lendas familiares, algumas
de suas filhas e netas ganharam nomes das coristas parisienses. Por ou-
tro lado, conviveu com muitos escritores políticos franceses e certamente
leu-os; na época, os mais expressivos eram notadamente os pensadores
socialistas. Retornando ao trabalho na fábrica, dedicou-se com afinco e
logo se tornou um perito no maquinário fabril.
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Eugenio Guisard em 1900, aos vinte e dois anos de idade,
em imagem de G. Falco. Acervo da família.
A FAMÍLIA NOGUEIRA BARBOSA
Em outubro de 1900, Eugenio casou-se, em Taubaté, com a jovem
Zília de Alcântara Nogueira Barbosa, nascida em 1880, filha do Doutor
Francisco de Paula Pereira Barbosa (1838-1918) e de Iria de Nogueira de
Vasconcellos Barbosa (1848-1916), tradicional família local com uma ca-
racterística importante para a época — eram espíritas praticantes.
Cabe aqui um adendo sobre a família de vovó Zília, os Nogueira Bar-
bosa. Francisco de Paula Pereira Barbosa era advogado formado em 1862,
na prestigiosa Faculdade de Direito de São Paulo; tinha sido Delegado de
Polícia em Campinas e, em seguida, Juiz em Silveiras. Casou-se com Iria
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O Sol da Manhã...
Nogueira de Vasconcellos Barbosa, de tradicional família de fazendeiros
de Taubaté, no ano de 1865, em cerimônia celebrada pelo vigário da Paró-
quia de São Francisco das Chagas em Taubaté, Dom José Pereira da Silva
Barros, e tiveram, como era costume na época, muitos filhos — quatorze
no total...
Francisco de Paula Pereira Barbosa. Acervo da família.
Para registro aqui estão os nomes de todos eles: Arthur (1867),
Evaristo (1869, que faleceu jovem), Juvênia (1871, que faleceu na
infância), Joviano (1872-1947), Brunhildes (1873-1938), Névio (1875-
1938), Plautila (1877), Licínia (1879-1958), Zília (1880-1949), Zeno
(1882-1955), Átila (1884-1968), Corina (1886-1927), Lavínia (1888-
1975) e Irito (1891-1955). Os primeiros filhos nasceram em Silveiras e
os demais em Taubaté.
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Nessa bela imagem de 16/05/1943 temos alguns dos irmãos Nogueira Barbosa
— Irito, Lavínia, Átila, Zília e Zeno em pé e, sentados, Licínia, Joviano e
Brunhildes (que preferia o apelido de Sinhá). Acervo da família.
OS TEMPOS DE PERSEGUIÇÃO RELIGIOSA
Minha bisavó Iria era uma médium psicógrafa, e meu bisavô Fran-
cisco, além de espírita era também um abolicionista convicto — ambos
sofreram críticas e ataques da tradicional sociedade taubateana por essas
preferências. Juntos conseguiram, pouco a pouco, sobrepujar tais reações
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e passaram a se destacar no ambiente da cidade. Dona Iria teve suas pri-
meiras manifestações de cunho espiritual em Silveiras, por volta de 1865,
como conta nosso tio Jair Borges Barbosa, filho de tio Átila, em interessan-
te relato sobre sua vida. Note-se que, nesse início, as ideias de Hippolyte
Léon Denizard Rivail (1804-1869), natural de Lyon, França, mais conheci-
do pelo pseudônimo de Allan Kardec, bem como os estudos de Madame
Helena Blavatsky (1831-1891) criadora da Teosofia, estavam ainda recém-
-publicadas e não tinham sido amplamente divulgadas no Brasil. Amigos
vindos da Europa trouxeram alguns dos trabalhos de Kardec, que foram
avidamente estudados por Iria e ajudaram-na a entender os eventos que
estava vivendo pessoalmente.
Dona Iria de Alcantara Nogueira Barbosa. Acervo da família.
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Já em Taubaté, sob críticas vindas do alto do púlpito da Igreja Ma-
triz da cidade, Dona Iria passou vários anos sem sair à rua, sem mesmo
aparecer na janela de sua casa. Mas não deixou de lado sua crença no
espiritismo, agora já solidificada pela leitura dos textos de Kardec. Conti-
nuou com suas sessões espíritas todas as sextas-feiras. Meu tio Jair Borges
Barbosa relata também um episódio que abalou a cidade de Taubaté, e
que aconteceu em 1883, quando, na sessão semanal, Dona Iria anunciou
que no domingo seguinte teriam todos uma grande lição. Assim, quando
chegou o dia previsto, pela manhã, reunidos no salão da grande casa da
Rua São José, os espíritos chegaram e todos foram possuídos pela fé e pe-
los fenômenos que a ciência falha em explicar. Crianças levitando, adultos
em profundo transe, móveis movendo-se, o piano tocando sozinho, em
um episódio que perdurou, segundo o relato familiar, por três dias. Foi
quando o alto clero de Taubaté clamou violentamente contra a heresia em
andamento, quase uma guerra santa sendo atiçada por essa afronta. Pes-
soas mais exaltadas chegaram a quebrar a calçada em frente à residência,
com picaretas, para que ninguém passasse diante da casa onde estava o
demônio.
A essa altura dos acontecimentos, o Juiz de Direito da cidade, acio-
nado por cidadãos de índole mais tranquila e menos preconceituosos,
decidiu acionar o Delegado de Polícia, para conter a multidão e levar a
família Barbosa para a Cadeia Pública, onde estariam seguros até que os
ânimos da população fossem acalmados. Quando chegaram ao casarão
dos Barbosa, Dona Nogueira já os esperava na porta e todos foram para
a Cadeia. E lá passaram três dias, porém, como Dona Iria fez questão
de dizer, não como prisioneiros, mas de uma forma voluntária, como
proteção física; tanto foi assim que, segundo o relato de tio Jair, as portas
das celas não foram fechadas; mesmo quando os carcereiros tentaram
trancar os cadeados, eles abriam-se sem que ninguém os tocassem. A
Igreja Católica registra o episódio como um caso de loucura coletiva,
segundo consta em livro do Padre J. Castro Nery. O movimento espírita
brasileiro, por sua vez, a considera uma mártir por ter passado por essa
perseguição.
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Casarão dos Nogueira, na esquina da Rua São José com a Rua do
Sacramento, por volta de 1884. Imagem do acervo da família.
Dona Nogueira, mulher de espírito forte e enormes qualidades afe-
tivas, resistiu a todas essas pressões e acabou por transformar sua grande
casa, no centro da cidade, em um verdadeiro clube comunitário, com um
vasto salão que chegou a abrigar três pianos, e uma atividade social e
musical das mais intensas. Minha bisavó Iria faleceu em 1916, tendo tido
a oportunidade de, em 1903, ser uma das fundadoras do Centro Espírita
União e Caridade, entidade ainda hoje atuando na cidade.
O espiritismo, que teve suas primeiras manifestações nos Estados
Unidos em 1848, e na Europa em 1850, foi sistematizado numa série de
cinco livros escritos por Allan Kardek, em Paris — o primeiro denominado
“O Livro dos Espíritos” de 1857, e os demais vindo a público entre 1861 e
1868. O primeiro trabalho de Kardec traduzido para o português foi um fo-
lheto “O Espiritismo na sua mais simples expressão”, editado em Paris em
1862, posteriormente em São Paulo em 1866. Na Bahia, o Grupo Familiar
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do Espiritismo iniciou a publicação de uma revista “O Écho d’Além Tumu-
lo”, em 1869. Por sua vez a Associação Espírita Brasileira foi fundada em
1873, também na Bahia. Helena Blavatsky, criadora da Teosofia, grande
pesquisadora das crenças esotéricas e defensora da existência de espíri-
tos superiores no universo, publicou seu primeiro livro “Ísis sem Véu” em
1877, nos Estados Unidos.
Logo de início, a crença e seus seguidores no Brasil foram contes-
tados e mesmo atacados pela conservadora sociedade católica. As cartas
pastorais dos bispos e os poderes competentes do Império iniciaram
uma sistemática obstrução das suas reuniões, associações e publicações.
Indo diretamente ao Imperador, Dom Pedro II, os líderes do movimento
espírita conseguiram dele uma atitude tolerante, o que os ajudou a rea-
lizar o primeiro Congresso Espírita em 1881 e a fundação da Federação
Espírita Brasileira em 1884. Entretanto, com a proclamação da Repú-
blica, foi aprovado o primeiro Código Penal do Brasil criminalizando o
Espiritismo. Apesar de um tratamento leniente, esse Código só foi refor-
mado em 1940. A título de curiosidade podemos citar como espírita a
esposa de Monteiro Lobato, Dona Purezinha. Livros e estudos sobre o
espiritismo informam que o Brasil tem em torno de quatro milhões de
seguidores, o que o coloca entre os principais países do mundo onde
essa crença é praticada.
A FUNDAÇÃO DO ESPORTE CLUBE TAUBATÉ
A família Barbosa residiu em outra casa, também no centro da cida-
de, na Rua Visconde do Rio Branco, perto da Rua Jacques Felix. Um dado
curioso sobre essa residência é que, logo após uma divergência interna
no Club Sportivo Taubateense, o primeiro clube de futebol da cidade, um
grupo de dissidentes reuniu-se nesse casarão, em uma iniciativa de Irito
Nogueira Barbosa, que lançou a ideia de fundar um outro clube de futebol
na cidade.
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O Sol da Manhã...
Casarão dos Barbosa, por volta de 1914, na Rua Visconde do Rio Branco,
perto da Rua Jacques Felix. Imagem no acervo do MISTAU.
Assim, na casa do Doutor Francisco de Paula Pereira Barbosa, em
primeiro de novembro de 1914, reuniram-se cerca de quarenta entusias-
mados torcedores e jogadores de futebol e fizeram a primeira reunião
para a fundação desse novo clube que, por proposta de Synésio Barbosa,
levou o nome de Sport Clube Taubaté, hoje mais conhecido pelo nome de
Esporte, ou o Alviazul “Burro da Central”. Da nossa família participaram
desse evento: Irito, Zeno, Synésio e Bernardino Querido.
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José Eugenio Guisard Ferraz
Nova reunião foi marcada para o dia 14 de novembro desse mesmo
ano, no mesmo local, quando foi realizada, formalmente, a primeira Assem-
bleia Geral para a constituição da nova entidade, ocorrendo também a elei-
ção da sua primeira diretoria. Foi eleito como Presidente Gastão Aldano Vaz
Lobo da Câmara Leal, na época Prefeito de Taubaté, ficando tio Irito como
segundo secretário. Com a habilidade política de Câmara Leal, o objetivo
principal de ter um novo campo de futebol foi alcançado com impressio-
nante rapidez. A inauguração, ainda que de uma forma precária – sem estar
murado – do campo do Esporte na Praça Monsenhor Silva Barros, aconteceu
em 25 de dezembro de 1914, o antigo campo do bosque. Nessa data foi rea-
lizado um jogo com a Associação Atlética das Palmeiras, time da capital que
foi campeão paulista do ano seguinte. (Não confundir com o atual Palmeiras
Futebol Clube, que é originário do Palestra Itália daquela época). Apesar da
derrota nesse jogo inicial, por 6 a 1 para o time visitante, a jovem agremia-
ção prosseguiu seu desenvolvimento chegando a conquistar diversas glórias
e troféus, tanto jogando como entidade amadora quanto, mais tarde, como
profissional. As datas dessas duas reuniões iniciais podem ser diferentes,
pois há fontes que as registram em 25 de outubro e 01 de novembro, respec-
tivamente. Utilizei na descrição acima a abordagem apresentada por meu tio
Oswaldo, em seu valioso livro “Taubaté no Aflorar do Século”.
O atual escudo do Esporte Clube Taubaté.
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O Sol da Manhã...
Primeiro campo do Esporte Clube Taubaté, por volta de 1920.
Imagem do MISTAU.
A FAMÍLIA QUERIDO
Não há como falar da família Nogueira Barbosa sem incluir outra
importante linhagem tradicional de Taubaté — a família Querido. Em nos-
sa história, ela chegou com Bernardino Augusto Pereira Querido (1872-
1955), professor, jornalista e poeta, nascido em Cunha, de uma família de
fazendeiros de café bem relacionada com Dom Pedro II. Foi educado no
Rio de Janeiro, para uma vida próxima da Corte Imperial, porém com o
advento da República outros planos tiveram de ser implementados. Vol-
tou-se para as letras e para o magistério. No Rio de Janeiro trabalhou em
vários jornais, entre eles no importante Jornal do Comércio. Em pouco
tempo decidiu-se por uma vida menos agitada, no interior, e mudou-se
para Taubaté, onde prosseguiu sua carreira de professor, jornalista e poeta.
Casou-se, em 1898, com Licínia Nogueira Barbosa (1879–1959). Foram,
por toda a vida, espiritualistas convictos e atuantes.
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Bernardino e Licínia tiveram treze filhos. Foram eles: Jarbas (1899–
1900), José Augusto (1900–1979), Dalila (1901–1996), Dinorah (1907–
1990), Andrieux (1908–xx), Guajira (1910-2000), Lycurgo (1912–1982),
Magdalena (1914–1956), Mary (1916-1941), Guiomar (1918-1918), Arthur
(1920-1957), Francisco (1923–2007) e Zélia, nascida em 1925.
Família Barbosa Querido em 1932. Acervo da família.
Na imagem vemos o casal Bernardino e Licínia com seus filhos.
Em pé, na parte de trás do grupo estão quatro filhos com o uniforme
dos revolucionários paulistas de 32 — José Augusto, Andrieux, Guajira e
Lycurgo. Na frente deles, em pé, da esquerda para a direita, estão Magda-
lena, Dinorah, Mary e Arthur. Sentados da esquerda para a direita estão
Dalila, Francisco, tia-avó Licínia e tio-avô Bernardino, com a jovem Zélia
entre eles. Minha prima Isa Barros, que me forneceu várias imagens da
família, é filha de tia Mary que, infelizmente, nos deixou muito jovem,
com apenas 25 anos.
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Famílias Querido e Guisard em Ubatuba — 1940.
Acervo da família.
Na imagem acima, provavelmente tirada na praia do Perequê,
em Ubatuba, podemos identificar, da esquerda para a direita: Jaurés e
Magdalena, Inês e Olavo, Licínia, Ivonne, Zélia, Zília, Iria, Odette, Riveta e
Guajira. Atrás temos Arthur com mais dois colegas.
A união dessas famílias, Nogueira Barbosa, Querido e Guisard, cons-
truiu ativo grupo social em Taubaté. Dotados de extrema musicalidade,
eram famosos os saraus que realizavam e as inúmeras músicas que com-
puseram. Eles marcaram para sempre a história da cidade.
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Quando Zília e Licínia reuniam as famílias, logo apareciam os instrumentos
musicais. Acervo da família.
Novamente as famílias, provavelmente em 1937. Acervo da família.
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O Sol da Manhã...
O relacionamento entre os Querido e os Guisard foi tão forte que
basta dizer que quatro dos filhos de Zília e Eugenio casaram-se com quatro
dos filhos de Licínia e Bernardino. Victor casou com Dalila, Oswaldo com
Dinorah, Jaurés com Magdalena e Riveta com Guajira.
Naquela época, o fato de as duas famílias serem espíritas provocou,
durante muitos anos, uma rejeição por parte da tradicional família católica
de Taubaté. E com isso o convívio dos primos, num círculo relativamente
fechado, levou a essa situação. Com o passar do tempo, graças à persona-
lidade aberta e franca da família, o gelo foi sendo quebrado e a interação
com a sociedade taubateana foi se normalizando. Assim sendo, os filhos
mais jovens da família puderam ter casamentos mais diversificados.
Linda imagem das quatro irmãs Querido (Dinorah, Magdalena, Dalila e Zélia)
e seus maridos, dos quais três Guisard (Oswaldo, Jaurés e Victor)
e por último tio Messias Salles. Acervo da família.
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Minha tia-avó Licínia tinha um expressivo pendor artístico. Era uma
pianista de primeira linha, trabalhando profissionalmente no tempo do
cinema mudo, nas orquestras que sonorizavam as sessões. Trabalhou na
orquestra do Cinema Rio, que iniciou sua operação em 1910 e continuou
até 1919. Em 1919 nasceu o cine Politeama, hoje o Metrópole. Lembre-
mos que o cinema falado surgiu em 1929, encerrando esse ciclo. Seu
companheiro de música, ao violino, era Fêgo Camargo, pai da famosa
Hebe Camargo. Fêgo, cujo nome de batismo era Segesfredo, nasceu em
Taubaté em 1888, filho do maestro Francisco Camargo, e cresceu ouvindo
e fazendo música. Faleceu em 1971, depois de uma longa carreira nas
orquestras de Taubaté e de São Paulo, onde também morou.
As irmãs Nogueira Barbosa, Licínia e Zília. Acervo da família.
Por sua vez, tio-avô Bernardino demonstrava constantemente sua
habilidade com as letras. No concurso de frases sobre Santos Dumont,
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feito anualmente pelo Touring Club e pelo Aero Club do Brasil, no Rio de
Janeiro, ele ganhou o primeiro lugar em dezembro de 1944. Sua frase foi
gravada no saguão principal do aeroporto nos painéis que, infelizmente,
não resistiram ao grande incêndio que, em 1998, praticamente destruiu o
prédio central. A frase era “Quando Santos Dumont contornou a Torre Eif-
fel, o nome do Brasil deu a volta ao mundo”. Além do prestígio nos meios
literários, ele ganhou também Cr$ 500,00 de prêmio — o que em moeda
corrente atual corresponderia a cerca de R$ 1.000,00. Nada mal...
Recorte do jornal “A Noite”, do Rio de Janeiro, de 23 de dezembro de 1944.
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Tios-avós Bernardino Querido e Licínia Barbosa Querido nas suas bodas de
ouro, em 1948. Acervo da família.
Cabe encerrar o capítulo colocando um pequeno trecho da obra de
meu tio-avô Bernardino, tirado de um de seus livros, “Rimas na Prosa”,
que assinou com um dos seus pseudônimos favoritos — Joel.
“Tempo Antigo”
“Mesmo que você não creia, nem lhe passe pela ideia, esta verdade eu
digo: — já fui moço em minha vida; já tive a idade florida, porém... foi no
tempo antigo.
Já tive amores; e as flores, eram também meus amores, que andavam
sempre comigo. Por onde eu andava, é certo, tinha a todas, sempre perto;
porém... foi no tempo antigo.
...
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O Sol da Manhã...
Agora, velho e alquebrado, tudo isso ponho de lado; porque o lembrar, é
castigo. Vale mais viver agora, sem lembrar tempos de outrora; sem lembrar
o tempo antigo.
Aquelas moças de outrora, se me encontrarem agora, dirão talvez: que
castigo! Todas nós envelhecemos, mas ele, que conhecemos... é o mesmo do
tempo antigo. E eu também reconheço; pois sei que nunca envelheço, e a
mocidade eis comigo; porque a alma me convida, para amar, por toda a vida,
como amei... no tempo antigo!”
AS TENDÊNCIAS POLÍTICAS DE EUGENIO
Eugenio, da família que era dona da C.T.I., e também um de seus acio-
nistas minoritários, decidiu propagar as ideias socialistas em Taubaté, e para
tal criou o jornal “O Operário”, no ano de 1900. Em seu primeiro número,
em primeiro de fevereiro, explicitou em editorial sua missão principal:
“Ensinar e doutrinar o rude operário colocando-se ao seu lado para a
defesa de seus direitos é o fim principal da missão que nos foi confiada. O
modesto Operário que vem de sair a lume, vestindo-se com a roupagem de
gala como se fosse um fidalgo, porém trajando nossa jaqueta de cidadão, é
uma folha de combate em cujas arenas pugnamos pelos interesses da classe
operária digna sob todos os aspectos de nossa maior estima!”
Logo fundiu esse jornal com a “Tribuna Popular”, criando a “Tribuna
Operária”. Autodidata no assunto, leitor ávido dos textos socialistas desde
os tempos de Paris, buscou auxiliar a classe operária que, na época, não
tinha nenhum amparo legal em seus empregos. Eugenio também fundou
o “Centro dos Operários Livres”, tendo sido eleito seu primeiro Presidente
em 24 de dezembro de 1901. Essa atividade logo chegou aos ouvidos da
igreja local, e Eugenio teve uma difícil conversa com o vigário sobre os ob-
jetivos dessa nova associação. Sua atividade política, como Presidente do
Centro dos Operários Livres, levou-o a enfrentar o poderoso Visconde de
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Tremembé, José Francisco Monteiro (1830-1911), por volta de 1902, num
rumoroso caso em que o Visconde tinha dado um tiro num trabalhador de
nome Augusto Kreye, associado do Centro dos Operários Livres.
Kreye, que era funcionário da estação da estrada de ferro, tinha uma
criação de cabras, e um desses animais, desgarrado, teria sido mutilado
em terras do Visconde. Uns dias depois, Kreye, avistando o nobre em seu
passeio a cavalo pelas ruas da cidade, interrompeu-o e questionou sobre
seu animal. O visconde, sem hesitar, tirou sua arma e atirou em sua dire-
ção, felizmente acertando somente o seu chapéu. Esse incidente deu ori-
gem a um processo de Kreye contra o aristocrata. Apesar de já estarmos
na República, o poder econômico e político do Visconde, avô de Monteiro
Lobato, decretou um julgamento totalmente favorável ao nobre, e o pobre
operário saiu sem nenhuma compensação do episódio.
Em consequência, Eugenio, que ampla e abertamente o defendeu,
tendo inclusive custeado a vinda de um advogado de São Paulo para sua
defesa, através do Centro dos Operários Livres, ficou bastante chamusca-
do com o episódio. Sua formação consciente de uma atuação em favor
dos indefesos trabalhadores, nas contendas contra os poderosos, mar-
cou muito sua vida. Temos conhecimento de sua ficha nos serviços de
inteligência do governo paulista, já no ano de 1943, onde consta como
comunista. Devemos notar que, naqueles tempos, como em outros que
se repetiram mais tarde, muita gente era fichada. Bastava uma simples
delação, mesmo sem provas, para abrir um processo. Entre os fichados
encontramos Monteiro Lobato, Jaurés Guisard, e até Hebe Camargo... Um
outro exemplo é Raquel de Queiróz, que foi inclusive presa como comu-
nista em Fortaleza, em 1938.
Casado com uma representante de uma família espírita e socialista
atuante, líder operário, Eugenio logo se viu em choque com o irmão mais
velho, Felix, que, por sua vez, era um convicto católico e adepto de uma fi-
losofia empresarial voltada para uma fábrica cristã, assistencialista, porém
dominante sobre o operariado. Além disso, Felix tinha um relacionamento
político importantíssimo com a alta sociedade de Taubaté, aí incluindo o
Bispo e o Visconde.
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O Sol da Manhã...
A SEPARAÇÃO ENTRE EUGENIO E SEU IRMÃO FELIX
Em pouco tempo Eugenio buscou outros ares, afastando-se da fá-
brica, arranjando trabalho na montagem e manutenção de máquinas de
tecelagem em várias cidades do interior. Assim, em setembro de 1903
mudou-se para Petrópolis. Em seguida a família passou por Ponta Grossa,
no Paraná, em 1905. Mudaram-se em 1906 para Tatuí, no estado de São
Paulo. E ainda passaram por São Carlos do Pinhal, hoje simplesmente São
Carlos, a progressista cidade do interior paulista, em 1907. Nos projetos,
Eugenio conseguia uma boa remuneração, o que era importante, pois a
família foi aumentando, com um novo filho a cada dois anos... Victor, o
primeiro filho, nasceu em Taubaté em 1901, Oswaldo também em Tauba-
té em 1903, bem como Jaurés em 1905, Helena em Tatuí em 1907, Riva-
dávia em 1909, vindo a falecer muito jovem; os demais, todos nasceram
em Taubaté, Riveta em 1911, Odette em 1913, Olavo em 1917, Ivonne em
1920 e Iria em 1922.
Depois de alguns anos nessa jornada itinerante, com os trabalhos
rareando e com a vontade de Dona Zília de estabelecer um pouso para a
família, a alternativa que acharam foi a de retornar a Taubaté. Voltaram
para ficar próximos do núcleo dos Nogueira Barbosa — família de Zília;
e também da família Guisard, pois, apesar de ainda existir um distancia-
mento em relação a Felix, Eugenio tinha excelente relacionamento com
seus irmãos Theophile e Jean Baptiste.
A VOLTA DE EUGENIO E FAMÍLIA PARA TAUBATÉ
Chegando em Taubaté, foram morar na Chácara dos Nogueira, no
bairro do Areão, bem afastado do centro da cidade, onde Eugenio con-
tinuou a fazer projetos e mais projetos, alguns dos quais nada ou quase
nada renderam. Seu sustento básico vinha do emprego que voltara a ter
na C.T.I. onde chegou a ser o Mestre Geral da fábrica de cretones. Abriu
uma pequena venda na beira da estrada que pouco tempo durou. Dona
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Zília pôs-se a cozinhar bolos e outros quitutes para serem vendidos na
porta da C.T.I. Explorou a turfa, que achou nos terrenos da propriedade,
vendendo esse produto para a fábrica da C.T.I., onde alimentava as suas
caldeiras. Passou a fornecer areia para as obras da cidade, retiradas da
beira do rio Paraíba. Uma criação de porcos também dava sustento adi-
cional à família. Iniciou uma pequena fábrica de farinha de mandioca em
sua casa, onde quem mais trabalhava era Dona Zília. Colocou os meninos
maiores para cortarem bambu, também para vender para as caldeiras da
C.T.I. Um curtume em Tremembé foi parte de seus trabalhos por algum
tempo, lembrando que algumas das peças dos teares da fábrica tinham
partes feitas de couro.
Com o advento da Primeira Guerra Mundial, em 1914, há alterações
na situação econômica do Brasil. As máquinas passaram a não ter peças
de manutenção, que normalmente vinham da Europa e Eugenio, usando
seus conhecimentos de mecânica, vislumbrou uma oportunidade de ne-
gócio. Passou a correr atrás de máquinas quebradas, ferro velho em geral,
para montar novas máquinas ou consertar as que quebravam. Trabalhava
principalmente fazendo caldeiras e locomóveis — motores a vapor que
podiam ser deslocados de lugar um lugar para outro, pois tinham rodas
não motrizes.
Os tempos foram difíceis e serviram para separar ainda mais
a distância entre Felix, o irmão mais velho, dono de uma fortuna
enorme, e o rebelde Eugenio, o caçula, tendo de batalhar a cada dia
para o sustento de sua família. Quando sobrou um pouco de dinheiro,
chegou a comprar um grande terreno, ao lado da chácara da família,
que loteou, vendendo os pequenos lotes a preços populares. As duas
grandes ruas que precisou fazer para viabilizar o loteamento foram por
ele denominadas Avenida Doutor Pereira Barbosa — em homenagem
a seu sogro, e Avenida Doutor Cesar Costa — que fora prefeito de
Taubaté, seu amigo e grande adversário político de Felix Guisard e de
Felix Guisard Filho.
Somente em 1918 conseguiu realizar o sonho da família de morar
na cidade, quando comprou uma casa na Praça Doutor Monteiro (antigo
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Largo do Teatro). Minha mãe conta que nasceu nessa casa, em 1920.
Mais tarde mudaram para uma nova casa na praça da estação — Pra-
ça Doutor Barbosa de Oliveira. Conseguindo uma melhor estabilidade
econômica, foi eleito vereador em Taubaté, apresentando-se como re-
presentante da classe operária, e destacou-se pela continuada defesa
dos trabalhadores, como o caso dos empregados no comércio para os
quais propôs, em 1937, o descanso dominical. Com grande experiência
na instalação e manutenção de teares mecânicos, ganhou merecido re-
nome no setor e acabou por estabelecer, com seu filho Victor, a indús-
tria Holdez, de implementos para empresas de tecelagem, sediada em
Tremembé. Seu conhecimento na área lhe permitiu escrever um livro
técnico com cálculos e normas sobre a fiação de algodão, que se tornou
um dos manuais essenciais dos trabalhadores nesse setor.
Propaganda das Indústrias HOLDEZ, fabrica de acessórios para tecelagem,
instalada em Tremembé. Acervo da família.
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OS FILHOS DE EUGENIO
Consciente da necessidade de educar seus filhos, Eugenio foi, nesse
aspecto, muito rígido com eles. Os filhos mais velhos, Victor e Oswaldo
com dezesseis anos de idade e treze e meio, respectivamente, foram man-
dados estudar farmácia na Faculdade de Farmácia e Odontologia, em Pin-
damonhangaba, a única alternativa de escola de nível superior existente
nas redondezas de Taubaté. Falamos do ano de 1917, tendo essa escola
superior existido de 1913 a 1929.
Meu tio Oswaldo contava que, como a idade mínima para matricular-
-se era dezesseis anos, lá foi Eugenio visitar um amigo, dono do cartório de
Tremembé, de onde saiu com uma nova certidão de nascimento para ele,
tendo Oswaldo renascido, desse modo, com a idade correta para a faculda-
de, de um dia para outro. Também contava tio Oswaldo que nem sempre
Eugenio tinha os dois mil réis diários, necessários para a passagem de ida
e volta de trem, de Taubaté até Pindamonhangaba, mais um pão com café
que seria o almoço de cada um dos filhos. Usando o mesmo método de
conversão de moeda que utilizamos para calcular o valor atual do capital
inicial da C.T.I., esses dois mil réis equivaleriam a cerca de trinta reais hoje.
Nesses dias, a solução era Dona Zília acordá-los às três e meia da
madrugada, para a longa caminhada de dezesseis quilômetros, grande
parte no escuro, da casa no bairro do Areão em Taubaté até a Faculdade
em Pindamonhangaba, onde as aulas começavam às sete em ponto. E
sem esquecer a volta que, nesses dias, também eram feitas a pé... Algu-
mas vezes tinham companheiros para tais caminhadas: o primo Vitão,
filho de Jean Baptiste, e o primo José Augusto, filho de Licínia, ambos
colegas da Faculdade.
Eugenio e Zília tiveram 10 filhos, sendo que a penúltima, Ivonne,
nascida em 1920, é minha mãe. Na agrura daqueles tempos, todos apren-
deram a sustentar-se; formaram-se nas escolas existentes na região e cria-
ram famílias dignas e importantes na sociedade taubateana. Quase todos
os seus filhos trabalharam, durante grande parte de suas vidas, na C.T.I.
Foram eles: 1. Victor Barbosa Guisard, casado com Dalila Barbosa Querido
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Guisard; 2. Oswaldo Barbosa Guisard, casado com Dinorah Carmez Bar-
bosa Querido Guisard; 3. Jaurés Barbosa Guisard, casado com Magdalena
Barbosa Querido Guisard; 4. Helena Barbosa Guisard Leal Ferreira, casa-
da com Newton Leal Ferreira; 5. Rivadavia Barbosa Guisard, que faleceu
quando jovem; 6. Riveta Barbosa Guisard Querido, casada com Guajira
Barbosa Querido; 7. Odette Barbosa Guisard Miranda, casada com José
Leite Miranda; 8. Olavo Barbosa Guisard, casado com Ignez Banhara Gui-
sard; 9. Ivonne Barbosa Guisard Ferraz, casada com Darcy Vieira Ferraz;
10. Iria Barbosa Guisard Romeiro, casada com José Lopes Romeiro.
VICTOR BARBOSA GUISARD
Victor (1901-1955) o filho mais velho, formado em Farmácia, mas
sem nunca ter praticado essa profissão, graduou-se também em Contabili-
dade e teve uma carreira longa e vitoriosa no setor administrativo da pró-
pria C.T.I. Depois disso dedicou-se a diversas oportunidades de negócios,
sempre desenvolvendo um trabalho intenso e inteligente. Vale notar que
Victor possuía também um profundo senso artístico, tendo um conjunto
de jazz que se apresentava nos primórdios da radio difusão no Brasil, na
Rádio Bandeirante de Taubaté — PRD-3. Essa emissora pioneira nasceu
no começo de 1931, no quintal da residência de Alberto Guisard, com a
participação decisiva de Emilio Amadei Beringhs. Esse empreendimento
durou pouco, encerrando suas atividades em 1934. Lembremos que as
primeiras emissoras brasileiras apareceram no Rio de Janeiro, em 1923,
com a rádio Roquette Pinto e a rádio Sociedade do Rio de Janeiro. Emilio
e Alberto continuaram a radiodifusão em Taubaté ao criarem, em 1941, a
Rádio Difusora — ZYA-8, ainda hoje em funcionamento. Participou tam-
bém ativamente da criação do Taubaté Country Club, o T.C.C. Esse último
evento aconteceu em 16 de junho de 1936, em assembleia com a parti-
cipação de inúmeros moradores da cidade, incluindo Eugenio Guisard e
seus filhos Victor, Oswaldo, Jaurés e Olavo. Ao final da assembleia, Victor
foi eleito Diretor Geral, e Raul Guisard o Presidente.
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Victor e sua esposa, tia Dalila — 1947. Acervo da família.
Também esteve presente e atuante na formação do Banco do Vale
do Paraíba S.A., fundado a partir da Casa Bancária Alberto Guisard. Cabe
registrar a assembleia de constituição desse banco, realizada em abril de
1941, no salão principal do T.C.C., quando seus estatutos foram aprovados
e foi eleita a primeira diretoria, sendo Presidente Felix Guisard, Diretor Su-
perintendente Alberto Guisard e Diretor Gerente Victor Barbosa Guisard.
O Banco do Vale do Paraíba existiu até 1958, quando foi incorporado ao
Banco Novo Mundo. Meu pai, Darcy, chegou a trabalhar lá, por algum
tempo. Em 21 de agosto de 1943 participou da fundação do Rotary Club
de Taubaté, compondo a seguinte diretoria: Presidente — Victor Barbosa
Guisard, Vice-Presidente — Benedito Salles, 1º Secretário — Nélson Freire
Campello, e outros.
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Lembro-me bem dos saraus que realizava em sua casa, na esquina
da Avenida Nove de Julho com a Rua Quatro de Março, com a declamação
de poemas e muita música. A linda valsa “Dalila”, que tio Victor compôs
em homenagem à sua esposa, era constantemente solicitada por todos e
sempre algum dos muitos pianistas presentes a tocava, para deleite ge-
ral. Ouça tia Zélia tocando essa obra prima ao piano em linda postagem
que a prima Hebe colocou no Facebook, no seguinte endereço eletrônico:
https://www.facebook.com/hebe.nobrega/videos/463926283689667/?no-
tif_id=1516570297877613¬if_t=feedback_reaC.T.I.on_generic. Para
mim o ponto alto era sempre a apresentação dos Jograis quando declama-
vam poemas como “E agora José? ”, e “No meio do caminho tinha uma
pedra...” de Carlos Drummond de Andrade.
A festa de meu casamento, em 14 de dezembro de 1968, foi realiza-
da em sua casa, a poucos metros de onde a primeira fábrica da C.T.I. foi
construída. Infelizmente, tio Victor já não estava entre nós, mas lembro-
-me perfeitamente de tia Dalila nos recebendo maravilhosamente bem.
Tio Victor e tia Dalila tiveram quatro filhos — Victor, Abigail, Dalila
e Sílvio.
OSWALDO BARBOSA GUISARD
Oswaldo (1903- 1982) formou-se farmacêutico ao final de 1919,
com apenas dezesseis anos. E exerceu essa profissão por algum tempo
em São Pedro do Turvo, no oeste do estado de São Paulo e na cidade de
Cambará, no norte do Paraná. Nessa última cidade permaneceu por um
longo período, com intensa atividade profissional e política — naquele
sertão em vias de ser desbravado. Conta-se em minha família que ele vol-
tou para Taubaté após ter sido baleado numa tocaia de fundo político. Para
dar uma ideia do clima violento que enfrentou, basta dizer que quando
seu irmão Jaurés por lá aportou, em busca de trabalho, deu-lhe de presen-
te, logo na sua chegada à cidade, um 38, dizendo ser o presente mais útil
que poderia lhe dar.
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Tio Oswaldo em Cambará em 01/07/1933. Acervo da família.
Em Taubaté foi vereador (1956-1959) e ganhou merecido prestígio
como grande orador e um dos mais destacados jornalistas da cidade. Foi
Inspetor do Trabalho, Presidente do Rotary, Diretor do Ginásio Taubatea-
no, entre muitas atividades importantes no município. Foi criador, junto
com outros intelectuais da cidade, como Gentil de Camargo e Cesídio Am-
brogi, da “Semana Monteiro Lobato”, em 1953, alguns poucos anos após
a morte do grande escritor taubateano, em 1948. Foi, enquanto viveu,
com certeza o maior incentivador e organizador dessa comemoração. A
sua dedicação à memória do grande escritor foi reconhecida pelo governo
estadual. Para ir de carro de Taubaté até a cidade de Monteiro Lobato, você
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pode seguir no caminho de Campos do Jordão até encontrar a SP-046,
a estrada denominada Rodovia Oswaldo Barbosa Guisard. Seguindo por
essa via por cerca de quinze quilômetros, chega-se ao cruzamento com a
SP-050, a Rodovia Monteiro Lobato, que leva diretamente ao município de
Monteiro Lobato. Dessa forma, os nomes desses dois importantes perso-
nagens da história de Taubaté encontram-se perpetuados no cruzamento
dessas duas estradas, a poucos quilômetros de nossa cidade.
A Rodovia Oswaldo Barbosa Guisard, que a oeste encontra-se com
a Rodovia Monteiro Lobato. Acervo da família.
Tio Oswaldo foi fundador e Redator-Chefe do C.T.I. Jornal, criado
em 1937 por Felix Guisard, para transmitir aos operários da C.T.I. infor-
mações de cunho cultural, social e educativo, dentro de uma política de
relacionamento cristão entre patrão e empregados. O C.T.I. Jornal existiu
até 20 de dezembro de 1946 quando foi descontinuado com o declínio da
C.T.I., alguns anos após a morte de Felix Guisard, em 1942.
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Oswaldo Barbosa Guisard. Acervo da família.
Eu tive a satisfação de ter sua presença, junto com minha mãe, na
solenidade de minha formatura como Engenheiro de Eletrônica, no Ins-
tituto Tecnológico de Aeronáutica, o ITA, em dezembro de 1967. Ele fez
questão de ir, pois eu tive a grande honra de ser o orador da nossa turma.
Tio Oswaldo casou-se com Dinorah Carmez Querido, e tiveram dois
filhos: Bolivar e Patrícia.
JAURÉS BARBOSA GUISARD
Seu nome, significativamente, foi-lhe dado por meu avô Eugenio, para
homenagear Jean Jaurés, líder socialista francês, defensor de Dreyfus, fun-
dador do jornal socialista L’Humanité. Um revolucionário social que sem-
pre manteve atitude moderada, contrária à luta armada como pregada por
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O Sol da Manhã...
muitos marxistas. Jaurés (1905-1978) no início de sua vida fez de tudo um
pouco. Foi guarda de presídio no famoso Carandiru, em São Paulo, e guarda
de hospício em Juqueri. Foi ajudante de eletricista e escriturário da Leopol-
dina no Rio de Janeiro. Foi também locutor esportivo, talvez o primeiro a
narrar um jogo de futebol em Taubaté, e teve muitas outras atividades. Aca-
bou entrando para trabalhar na C.T.I., onde progrediu e foi, durante muito
tempo, sub-Diretor de confiança de Felix Guisard. Posteriormente abraçou
a carreira política, tendo sido prefeito de Taubaté por três vezes. A primeira
vez indicado por Adhemar de Barros como interventor, entre abril e maio de
1947 e, depois, eleito pelo Partido Trabalhista Brasileiro, o PTB, entre 1956
e 1959 e entre 1964 e 1969. Foi também Deputado Estadual na década de
1950, período em que se destacou pelo combate constante à penetração,
sem controle, do capital estrangeiro na economia brasileira, além de conse-
guir diversos benefícios para Taubaté.
Jaurés Guisard —
imagem do acervo do Mistau e da Prefeitura Municipal de Taubaté.
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Somente conquistou seu diploma de nível superior após ter sido um
dos maiores batalhadores pela abertura das diversas faculdades na cidade,
inclusive ajudando a formar a Universidade de Taubaté, onde veio a estu-
dar. Ela foi a primeira e talvez ainda seja a única Universidade sustentada
por um município no Brasil. Ele ingressou na Faculdade de Direito com
sessenta e um anos, onde se formou.
Lembro bem de meu tio Jaurés contando, lá em minha casa, o epi-
sódio famoso da visita de Getúlio Vargas a Taubaté, e do seu discurso,
interrompido pela falta de luz na cidade e por alguns tiros disparados para
o alto, na escuridão. Isso aconteceu em primeiro de novembro de 1947,
quando Getúlio estava apoiando um candidato a vice-governador paulista,
adversário do governador Adhemar de Barros. Naquele ano, as eleições
para governador e vice-governador foram em datas diferentes. Esclare-
cendo o cenário, Adhemar de Barros já tinha sido eleito governador do
estado de São Paulo, exercia seu mandato desde 14 de março de 1947, e
conhecia tio Jaurés, que tinha sido Interventor em Taubaté por um breve
período em 1947 — de 7 de abril a 26 de maio. Na escuridão e com os
disparos de arma de fogo, não restou outra alternativa a Getúlio Vargas
senão ir embora. Escoltado por Gregório Fortunato, seu guarda costas, e
com toda sua comitiva, correram para seus carros e fugiram em disparada
para longe de Taubaté.
Maiores detalhes da operação, incluindo o telefonema trocado entre
tio Jaurés e Adhemar, na manhã seguinte, somente em particular, ou como
diria um jornalista, em off. Como na política não há verdade absoluta nem
duradoura, pouco tempo depois Jaurés foi apoiado por Getúlio e ingressou
no PTB. Nessas andanças políticas, Jaurés e seu irmão Oswaldo vieram a
ser adversários do primo Felix Guisard Filho pela Prefeitura de Taubaté,
nas eleições de 1951. Relembrando, de uma certa forma a disputa entre
os irmãos Felix e Eugenio cinquenta anos antes — o conhecido enfrenta-
mento entre o líder empresarial católico tradicional e o liberal trabalhador
modificador dos costumes. Em 1951, com tio Jaurés atuando como depu-
tado estadual pelo PTB, tio Oswaldo foi o candidato da oposição contra
Felix Guisard Filho, perdendo a eleição. Em 1956 o candidato foi o próprio
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tio Jaurés, que conseguiu eleger-se Prefeito, cargo que ocuparia mais uma
vez entre janeiro de 1964 e janeiro de 1969.
Não há como se falar de tio Jaurés sem mencionar seu casamen-
to com Magdalena Barbosa Querido, com quem teve cinco filhos: Zília,
Celso, Dila, Edna e Régis. Tia Magdalena, filha de Bernardino Querido, um
poeta, e de Licínia Barbosa, uma senhora pianista, precocemente mostrou
seus pendores artísticos. Dona de um ouvido naturalmente musical, já
aos quatro anos repetia as músicas que sua mãe Licínia tocava ao piano.
Pianista, acordeonista e compositora, ela chegou a participar e vencer no
famoso programa de calouros do grande Ary Barroso, na Rádio Nacio-
nal, no Rio de Janeiro. Tia Magdalena, infelizmente, conviveu bem pouco
tempo conosco. Tendo nascido em 26 de novembro de 1914, deixou-nos
em 13 de maio de 1956, com apenas 41 anos. Ouça-a tocando ao piano
uma de suas composições favoritas, “Sonhando Contigo”, em https://you-
tu.be/AXWb8dM7OEE, com agradecimentos a Dimas de Oliveira Junior
que colocou essa joia na internet. Aliás, para comprovar a atuação do tio
Jaurés nos primórdios da locução esportiva, no início do Esporte Clube
Taubaté, veja a gravação em https://youtu.be/dp94Uv91U6I, em que ele
mesmo descreve esse episódio, acessando através do site do Almanaque
Urupês no endereço http://almanaqueurupes.com.br/. Meus primos Sheila
e André são também filhos de tio Jaurés, nascidos em 1962 e 1965, res-
pectivamente.
OLAVO BARBOSA GUISARD
Olavo também trabalhou na C.T.I. por um bom período de sua vida,
depois foi trabalhar numa tecelagem, a Valpartex, com seu irmão Victor,
em Caçapava; em seguida passou pelo Grupo Chammas e, finalmente na
Willys Overland do Brasil, quando se aposentou. Logo depois de aposen-
tado, assumiu a gerência geral de uma grande metalúrgica em São Paulo
para onde se mudou. Quando estudante, em São Paulo, sendo excelente
atleta, de quando em quando participava de competições de natação e de
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José Eugenio Guisard Ferraz
remo, na época realizadas nas águas límpidas do rio Tietê. Volta e meia
ganhava uma prova, tendo sido campeão estadual nessas duas modalida-
des, e seu nome aparecia nos jornais. Isso causava um alvoroço enorme
na família Guisard, pois os irmãos e irmãs corriam para esconder as no-
tícias de Eugenio que, extremamente rígido na educação dos filhos, não
toleraria qualquer outra prioridade a não ser estudar e trabalhar. Tio Olavo
foi casado com tia Inês Castelli Banhara, famosa pelos bolos que fazia e
decorava de maneira primorosa, uma verdadeira artista, reconhecida em
toda a região. Foi ela que fez o bolo de meu casamento, e também o pre-
miado bolo que foi apresentado em programa de televisão, representando
a nossa famosa igreja de Santa Terezinha. Tio Olavo e tia Inês tiveram dois
filhos, Eliana e Walter.
Tio Olavo em sua formatura. Acervo da família.
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O Sol da Manhã...
Eugenio e Zília, morando perto do rio Paraíba, fizeram questão de
ensinar todos os filhos a nadar, inclusive as meninas, naquela época algo
bastante inusitado. Provavelmente atraíam a atenção de curiosos que pas-
savam pela ponte sobre o Paraíba, e que paravam para olhar. Acho que
também essa motivação para nadar eu herdei deles, com muito orgulho.
Mais tarde chegaram a montar uma estrutura de madeira que, ancorada
na margem do rio, servia como uma piscina protegendo os nadadores —
chamavam-na de cocho.
Cena do rio Paraíba, em Tremembé, com o cocho na sua margem,
onde os jovens da família aprendiam a nadar. Pintura de Messias Salles.
Acervo família Salles.
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Seja no rio Paraíba, seja na praia em Ubatuba, a família toda, aí
incluindo Guisard, Barbosa e Querido, estava sempre pronta para um
mergulho.
A imagem é da praia em Ubatuba, provavelmente em 1937, com os primos e
primas. Acervo da família.
Minha mãe Ivonne conta que nas suas primeiras idas para Ubatuba,
ainda menina, o transporte era em grandes jacás, um de cada lado de uma
mula. Sua companheira nestas viagens era sua prima Climene, que ia no
outro jacá...
AS FILHAS DE EUGENIO GUISARD
Quase todas as filhas de Eugenio — Riveta, Odette, Ivonne e Iria —
foram excelentes professoras, também tendo iniciado suas carreiras no
Grupo Escolar da C.T.I.
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O Sol da Manhã...
Bela imagem das irmãs Ivonne, Helena e Iria com vovó Zília.
Acervo da família.
Helena, a irmã mais velha, foi a única a não ser professora. Como
Victor e Oswaldo, ela também se formou farmacêutica na Faculdade de
Farmácia e Odontologia de PIndamonhangaba. Trabalhou na farmácia da
C.T.I. e em seguida no Instituto Adolfo Lutz de Taubaté onde destacou-se
como uma profissional extremamente competente até sua aposentadoria.
De extrema delicadeza no trato, viveu até os 102 anos. Como era bem mais
velha que minha mãe, foi ela quem, au-
xiliando vovó Zília, tomou conta das ir-
mãs mais novas, Iria e Ivonne.
Linda imagem de tia Helena.
Acervo família.
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José Eugenio Guisard Ferraz
Tia Helena casou-se com Newton Leal Ferreira e tiveram dois filhos
— Alice e Olavo.
Riveta, grande professora, casou-se com o primo Guajira Querido.
Ele trabalhou no setor administrativo da C.T.I. e também no C.T.I. Jornal.
Foi empresário no comércio em Taubaté e empregado na fábrica da Ford/
Willys durante muito tempo, até se aposentar. Riveta e Guajira tiveram
cinco filhos: Licínia, Sidney (que faleceu pequeno), Neide, Marina e Cid.
Eu nasci em 15 de janeiro de 1945, na casa em que eles moravam na
Rua Silva Jardim, bem perto da Praça Felix Guisard. Por outro lado, quando
tio Guajira teve problemas financeiros, foram eles que vieram passar uns
tempos em nossa casa, na Rua Quatro de Março. São exemplos da solida-
riedade entre os irmãos e primos do clã dos Barbosa Guisard e Querido.
Tia Riveta e tio Guajira comemorando 60 anos de matrimônio.
Acervo da família.
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O Sol da Manhã...
Tia Odette também trabalhou no Grupo Escolar da C.T.I., mas
fez concurso para Diretora de instituições de Ensino e logo passou a
dirigir escolas em várias cidades do vale do Paraíba. Inicialmente foi
diretora em Juquiá, em 1952, passando depois por Rancho Grande, em
Bananal, até regressar a Taubaté em 1960, para dirigir o Grupo Escolar
Bernardino Querido, onde se aposentou. Lembro-me bem de que, em
todas as festas da família, tia Odette estava sempre com tio Oswal-
do, conversando sobre política e políticos. Casou-se com José Leite
Miranda, motorista profissional, que também exerceu essa profissão
na C.T.I., conduzindo Felix Guisard em seus deslocamentos. Quando
a família toda ia de férias para Ubatuba, viajávamos na carroceria de
um caminhão cheio de colchões e mantimentos, e tio José Leite era o
motorista. Depois da C.T.I., ele trabalhou também para a Secretaria da
Fazenda até sua aposentadoria.
Eles tiveram três filhos: Elena, Eugenio e Eda.
Tia Odete. Acervo da família.
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Iria (1922-2009), grande companheira de minha mãe Ivonne, pro-
fessora, casou-se, em 1943, com um dos maiores atletas do interior do
estado de São Paulo, naquela época — José Lopes Romeiro (1916-2011),
natural de Guaratinguetá e campeão em vários esportes. Tio José Lopes
teve realce maior no basquete e foi tetracampeão do interior do estado:
em 1940, jogando pela equipe de Guaratinguetá e, em sequência, tendo
mudado para Taubaté em 1941, por mais três vezes defendendo nossa
cidade. Tia Iria e tio Lopes formaram-se em História, na Faculdade de Fi-
losofia, Ciências e Letras de Taubaté.
Tio Lopes e tia Iria no aniversário de 80 anos de minha mãe.
Acervo da família.
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O Sol da Manhã...
O casal liderou várias iniciativas nos esportes da cidade, sendo tia
Iria reconhecida como a idealizadora dos Jogos Abertos do Vale do Para-
íba. Tio Lopes também foi empresário no setor de móveis, proprietário
da fábrica Móveis Liete, produzindo principalmente camas. Lembro-me,
muito bem, do triste episódio, em janeiro de 1966, quando uma terrível
tempestade caiu sobre a cidade e derrubou o telhado do prédio, causando
uma grande destruição na fábrica.
Tia Iria e tio José Lopes tiveram quatro filhos — Ivan, Liete, Rui e Anete.
IVONNE E DARCY VIEIRA FERRAZ
Minha mãe, Ivonne, casou-se em 15 de janeiro de 1944 com meu
pai, Darcy Vieira Ferraz, de uma família de Pindamonhangaba, e tiveram
dois filhos — eu e minha irmã Maria Silvia. Minha mãe contou me que
o casal enfrentou muita dificuldade no momento de marcar a cerimônia
religiosa, necessária, pois a família de meu pai era muito católica, já que a
rejeição ao lado dedicado ao espiritismo de minha avó Zília ainda era mui-
to forte na cidade. Mas conseguiram, afinal, uma boa acolhida no Santu-
ário do Senhor Bom Jesus, em Tremembé, onde realizaram o sacramento
do matrimônio com todos os familiares presentes.
Basílica do Senhor Bom
Jesus em Tremembé.
Acervo da família
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José Eugenio Guisard Ferraz
Na imagem vemos vovô Eugenio e vovó Zília, em 1944, com minha mãe
Ivonne e com meu pai Darcy, recém-casados, em frente à casa de Tremembé,
na Praça Padre Luiz Balmez, 140. Na imagem estão também tia Iria e, ainda
meninas, as primas Licínia e Neide, filhas de tia Riveta.
Acervo da família.
Meu avô paterno, Capitão José Martiniano Vieira Ferraz (1874-
1945), originário de Cunha, veio para Pindamonhangaba com pouco
mais de quatorze anos, em 1889, para ser um simples balconista no
armazém da cidade. Por seu esforço e capacidade, chegou a proprietário
do estabelecimento, tornando-se um bem-sucedido comerciante e figura
pública do município. Foi Provedor da Santa Casa de Misericórdia de
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O Sol da Manhã...
Pindamonhangaba entre 1932 e 1945, e também Prefeito da cidade no
período de 1937 a 1942. Nessa fase, como Prefeito e membro do Partido
Republicano Paulista — PRP, tornou-se muito amigo e correligionário de
Adhemar de Barros, governador interventor no estado de São Paulo na
mesma época.
Meu avô Vieira Ferraz com o governador Adhemar de Barros. 06/04/1940.
Acervo da família.
Esse meu avô faleceu com setenta e um anos, no dia 7 de maio de
1945, alguns poucos meses após o meu nascimento. Quando meus pais
quiseram homenageá-lo dizendo que meu nome seria José Martiniano
Vieira Ferraz Neto, ele recusou. Disse ele que o menino, recém-nascido,
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tinha dois avós e, assim, deveria ter o nome dos dois — daí surgiu meu
nome, José Eugenio Guisard Ferraz. Teve 3 irmãos: Agripina e Elmira,
que faleceram solteiras e João Lellis Vieira (1880-1949) que teve longa
e interessante existência, deixando uma grande descendência em São
Paulo. Lellis Vieira foi Juiz de Paz, Diretor do Arquivo Público do Estado e
do Departamento Municipal de Cultura. Grande jornalista, trabalhou em
vários jornais paulistanos. Como redator das “Folhas” e encarregado da
seção de tópicos políticos, foi o idealizador do personagem “Juca Pato”,
imortalizado pelo ilustrador e chargista Benedito Carneiro Bastos Barre-
to, conhecido pelo pseudônimo de Belmonte (1896-1947). O “Juca Pato”
deu o nome para um dos mais importantes prêmios literários do país,
patrocinado pela União Brasileira de Escritores — UBE, entregue anual-
mente, desde 1962 até os dias atuais. Lellis era um grande orador, assim,
nas solenidades a que meu avô comparecia, como Prefeito de Pindamo-
nhangaba, ele sempre o convidava para discursar em seu nome.
Bodas de prata de João Lellis Vieira e Ernestina — 02/05/1933.
Acervo da família.
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O Sol da Manhã...
Nessa significativa imagem vemos à direita, em pé, meu avô Vieira
Ferraz e, na extrema esquerda, seu irmão João Lellis Vieira. Meu pai,
Darcy, é o menino, na época com treze anos, sentado no braço do banco,
de óculos, entre Lellis e Ernestina, sua esposa. Meu pai chegou a estudar
no Colégio Rio Branco, em São Paulo e, nesse tempo, morava na casa de
seu tio Lellis, na Rua Bela Cintra.
Durante o período em que meu avô esteve gravemente doente, os
seus remédios vinham de São Paulo para Pindamonhangaba, tendo o
Doutor Adhemar de Barros interferido diretamente para que eles chegas-
sem às mãos de nossa família, mesmo que, para isso, tivessem que parar
o trem expresso da Central do Brasil. Meu pai ficou eternamente grato por
essa demonstração de amizade e apoio, em um momento tão difícil para
a família.
Meu pai, após o falecimento de meu avô, continuou a apoiar
Adhemar em suas campanhas políticas, que foram inúmeras. Em
nossa casa tínhamos sempre folhetos, botons e outros materiais de
propaganda. Toda vez que chegava ao vale do Paraíba, para fazer seus
discursos, ele o acompanhava, e eu ia junto, nas caravanas de carros
que, por estradas empoeiradas, iam de cidade em cidade, subindo em
palanques nas praças públicas, escutando seus discursos... E foram
muitas as campanhas de Adhemar Pereira de Barros (1901-1969),
médico de formação, empresário e principalmente político, e que em
sua vida pública foi prefeito da cidade de São Paulo, Interventor Federal
(1938-1941) e Governador do estado de São Paulo por duas vezes (1947-
1951 e 1963-1966), e candidato à Presidência da República por mais
duas vezes, em 1955 e 1960. Encerrou melancolicamente sua carreira
política no exílio, ao ser cassado, em 1966. Adhemar veio a falecer em
Paris, França, em 1969.
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Bilhete de Adhemar de Barros para meu pai, felicitando-o pelo meu
nascimento — 14/02/1945. Acervo da família.
Meu pai herdou de meu avô o jornal “A Tribuna do Norte”, um dos
mais antigos periódicos do Brasil, ainda hoje em circulação. Fontes con-
sultadas afirmam ser ele, certamente, o mais antigo do interior do Brasil.
O periódico foi fundado em 1882 e pertenceu a meu avô e meu pai de
1942 a 1962, quando foi doado para a Prefeitura de Pindamonhangaba.
Quando íamos visitar o jornal, lembro-me de ficar brincando com os tipos
de chumbo, que um a um eram usados, num trabalho lento e difícil, para
compor cada uma das páginas do noticiário.
Durante muitos anos, levado pelo meu interesse na natação, meu
pai foi o Diretor de Natação do Taubaté Country Club. Batalhava por
verbas para esse esporte e chefiava as delegações, que iam disputar tor-
neios em várias cidades do Vale do Paraíba e em todo o estado de São
Paulo. Cuidadoso com o gasto do dinheiro durante as viagens, ganhou
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O Sol da Manhã...
o apelido de “Tio Patinhas”, dado pelos nadadores, que sempre o trata-
ram com muito carinho e consideração. Foi também o Delegado para
a 6ª Região (abrangendo o Vale do Paraíba paulista), nomeado pela Fe-
deração Paulista de Natação. Apesar de todo o envolvimento com esse
esporte, confesso que nunca o vi dentro da piscina, só na borda, pois
ele não sabia nadar! Darcy também ajudou a fundar o Clube de Xadrez
de Taubaté e teve participação na Liga Municipal de futebol da cidade,
atuando na sua Junta Disciplinar.
Equipe de natação do T.C.C. representando Taubaté —
provavelmente em 1960. Acervo da família.
Na imagem acima vemos em pé o professor Nilo Patrício, Lauro
Fernandes Filho, Luiz Gonzaga Malaman, José Gabriel Vilela, José Marcio
Carvalho, José Carlos Cunha Ferraz, meu pai Darcy Vieira Ferraz e, ao seu
lado, o radialista Fausto Garcez. Abaixados estão Dino Querido, Antonio
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Dauro Mazanti Camilher, Luiz Fernando Carvalho, eu e o Senhor Luiz Oli-
veira, antigo funcionário do T.C.C.
Tenho uma lembrança marcante de meu pai. Quando recebi, sem
estar esperando, um telegrama com a mensagem que tinha passado
no dificílimo vestibular para ingresso no Instituto Tecnológico de Aero-
náutica, o ITA, eu não acreditei, achei que era um trote e joguei o tele-
grama no lixo. Se não fosse a insistência de meu pai, que me mandou
telefonar para lá, eu teria perdido o prazo para a inscrição. Graças a
Deus, quando eu mesmo tinha desistido, ele permaneceu acreditando
em mim.
Meu pai Darcy, em 1964, recebendo um troféu conquistado pela equipe
de natação das mãos do então Prefeito de Taubaté,
meu tio Jaurés Guisard.
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O Sol da Manhã...
Minha mãe, Ivonne, formada pela Escola Normal de Taubaté, por
um longo tempo foi professora primária, porém, determinada a com-
pletar seus estudos em nível superior, ingressou, como “aluna-ouvin-
te”, na recém fundada Faculdade de Filosofia de Taubaté, em 1957, seu
primeiro ano de operação. No ano seguinte passou a aluna efetiva do
curso de Letras — Português e Inglês, graduando-se ao final de 1961,
já com quarenta e um anos de idade. Em seguida, ela fez cursos de
especialização em nível de pós-graduação em linguística e em litera-
tura inglesa, na Universidade de São Paulo. Ela, com meu pai ao seu
lado, ia para as aulas na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da
Universidade de São Paulo, na Rua Maria Antônia, na capital paulista,
com muito receio, já que, naqueles anos – por volta de 1968, a agita-
ção entre os estudantes estava realmente acirrada. De um lado da rua
estavam os da esquerda da escola de Filosofia, do outro os da direita da
Universidade Presbiteriana Mackenzie. Meu pai contava que as pedra-
das vinham de todas as partes, terminando sempre com o avanço dos
policiais montados em seus cavalos, para separar os estudantes. E, no
meio dessa confusão, na famosa Batalha da Rua Maria Antônia, esta-
vam eles. Lembremos que este evento, que chegou a ter um estudante
morto, foi um dos motivos utilizados pelo regime vigente para justificar
a edição do Ato Institucional Nº 5.
Minha mãe foi uma grande professora, no sentido maior dessa
palavra tão importante na formação de qualquer grupo social. Dos seus
dezoito anos de idade até mais de oitenta, lecionou em praticamen-
te todos os níveis encontrados no magistério. Foram cerca de seten-
ta anos dedicados a formar cidadãos para a nossa sociedade, isso por-
que, não só ensinou desde as primeiras letras até os fundamentos da
literatura inglesa e americana, mas também em todos os momentos deu
o exemplo de uma retidão moral, de um comportamento digno e nobre.
Seria difícil calcular o número de alunos que ela teve nesse longo tempo
de dedicação ao ensino, certamente milhares de jovens taubateanos, de
todas as idades.
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Dona Ivonne numa nova função, a de bisavó.
Aqui, brincando com a bisneta Manuela. Acervo da família.
O CENTRO CULTURAL BRASIL — ESTADOS UNIDOS
Ivonne, com a ajuda de sua irmã Riveta, fundou em julho de 1964
o Centro Cultural Brasil — Estados Unidos de Taubaté, incentivada pela
vinda da fábrica de motores da Willys Overland do Brasil S.A. para o mu-
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O Sol da Manhã...
nicípio. No final da década de 50, início de 60, essa indústria foi instalada
na estrada entre Taubaté e Quiririm; sendo de origem americana, seus di-
retores tinham problemas de comunicação com os operários contratados
localmente.
Todos os manuais e as orientações básicas para o trabalho eram em
inglês, e, assim, foi logo constatada a necessidade de ensinar a língua in-
glesa, a fim de facilitar a interação entre os diversos níveis de empregados
na fábrica. Algumas reuniões foram feitas entre o pessoal da Willys, lidera-
dos pelo Senhor Norman, um de seus diretores, e professores de inglês da
cidade. O interesse despertado foi pequeno e somente Dona Ivonne deu
os passos necessários para abrir uma escola de línguas. Um contato feito
em São Paulo com a União Cultural Brasil — Estados Unidos, a UCBEU,
estabeleceu a conexão necessária para a implementação da escola. A me-
todologia e os livros vieram da UCBEU e, assim, nasceu o Centro Cultural
Brasil — Estados Unidos de Taubaté, o CCBEU. Eu estava em São José dos
Campos, cursando o ITA, mas lembro-me de ter passado algumas horas,
nos finais de semana, entregando os folhetos anunciando a abertura das
inscrições dos cursos do CCBEU de porta em porta, nos estabelecimentos
comerciais, além de colar muitos deles nos postes da cidade. Apesar das
dificuldades de iniciar qualquer tipo de empreendimento, a escola prospe-
rou, contando com a ajuda de tia Riveta nas aulas, meu pai na secretaria e
um pequeno grupo de dedicados professores.
De um ponto de vista mais amplo, a criação de uma escola voltada
para o ensino da língua inglesa, representou um esforço de adaptação a
um novo projeto de economia nacional, com a industrialização crescente
requisitando a preparação de pessoal apto para essas novas exigências.
Contrastando com a origem francesa da família, contribuía-se para o de-
senvolvimento de uma multinacional com matriz norte-americana.
Atualmente, o C.C.B.E.U de Taubaté oferece cursos de Inglês em di-
versos níveis: Crianças, Básico, Intermediário, Avançado, e Terceira Idade,
além de preparação especial para os testes Cambridge e Michigan. Conta
também com cursos de Espanhol, Francês, Italiano e Alemão. O arrojado
sonho de D. Ivonne transformado em realidade.
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Uma das primeiras casas onde funcionou o CCBEU-TTE, e a solenidade de
entrega dos primeiros diplomas do curso, em julho de 1967.
Acervo da família.
Essa escola de línguas permanece até hoje mantendo a qualidade de
ensino definida pela sua fundadora, agora sob a direção de minha irmã,
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O Sol da Manhã...
Maria Silvia, que viveu e estudou na Inglaterra. Maria Silvia deixou para
segundo plano seu desejo de viajar pelo mundo, após também ter se for-
mado na Faculdade de Turismo em São Paulo, e ter trabalhado por algum
tempo na empresa aérea TAM, hoje parte da LATAM.
Maria Silvia, minha irmã, na comemoração de 50 anos de fundação do
Centro Cultural Brasil-Estados Unidos de Taubaté. Acervo da família.
A MATURIDADE DA C.T.I. E AS AÇÕES DE FELIX
Com o correr do tempo e pela competência conquistada no merca-
do, Felix levou a C.T.I. à condição de maior empresa do Vale do Paraíba e
uma das mais importantes do estado de São Paulo, exemplo de organiza-
ção industrial. O prestígio empresarial conquistado justificou-se, inclusi-
ve, pela sua eleição para a Presidência do Sindicato Patronal da Indústria
Têxtil.
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Felix Guisard. Imagem do acervo de Maria Cecília.
Com a quebra da Bolsa de Valores de Wall Street, nos Estados
Unidos, a inglesa E. Ashworth, acionista e controladora da C.T.I., de-
cretou sua falência em 1929. Esse fato implicou enorme perturbação
nas finanças da fábrica, pois a C.T.I. era coavalista de títulos da em-
presa inglesa. Para resolver a pendência, a C.T.I. lançou debentures no
mercado em 12 de abril de 1930 e também abriu o seu capital. Felix
aproveitou essa situação e comprou ações suficientes para passar a
controlar a C.T.I. pela primeira vez, desde sua criação. Assumiu en-
tão, efetivamente, a Presidência da empresa. Outro dado interessante,
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195
O Sol da Manhã...
constando no edital de lançamento das debentures, mostrou a C.T.I.
com mil duzentos e oitenta e oito teares, quarenta e um mil trezentos
e quatro fusos, e uma produção de onze milhões de metros de tecidos
de fio fino por ano. Felix, agora com o controle geral da C.T.I., passou
a implementar algumas ideias que sempre tivera para as atividades
sociais da empresa e de seus trabalhadores.
Anteriormente, ele já tinha estimulado a criação do Círculo Operário
Católico, baseado nos moldes da encíclica “Rerum Novarum”. A encíclica,
cujo nome em latim significa “Das Coisas Novas” em português, foi publi-
cada, em 15 de maio de 1891, pelo Papa Leão XIII, Vincenzo Gioacchino
Pecci (1810-1903), curiosamente no mesmo mês da fundação da C.T.I.
Seu tema básico é a condição dos operários, abalada pelas inovações ad-
vindas da revolução industrial, do domínio do capital e dos escritos dos
pensadores socialistas, como Marx e Engels. Leão XIII, que foi um dos pa-
pas mais longevos da história da Igreja Católica, de 1878 a 1903, estabele-
ceu nessa obra os princípios para um bom relacionamento entre o capital
e o trabalho, que são considerados como a base da Democracia Cristã em
oposição ao Comunismo.
Assim Felix seguiu implementando sua visão de uma fábrica cristã,
em que o patrão deve atentar para as necessidades dos trabalhadores,
direcionando parte dos lucros para ações sociais, tais como proporcio-
nar a aquisição de casa própria por todos os seus operários. Acreditava
que, dessa forma, não haveria incentivo para o corpo de empregados
entrar em conflitos e greves contra a gerência. Consta que, de fato, nos
cinquenta anos da C.T.I., desde a sua fundação até a morte de Felix, não
aconteceu nenhuma greve. A partir de uma viagem para Ubatuba, em
1933, teve a ideia de promover férias coletivas para os empregados. Ele
comprou, em 1934, o famoso Sobradão do Porto, feito pelo português
Balthasar Fortes e mandou construir nos arredores diversas casas de
menor porte. Assim ocorreram as primeiras férias coletivas da C.T.I., em
1936.
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Antigo Sobradão do Porto, em Ubatuba, hoje sede da FundArt — Fundação
de Arte e Cultura de Ubatuba. Nesse mesmo casarão Felix recebia seus
amigos, entre eles Monteiro Lobato, um dos seus últimos visitantes.
Acervo de Maria Cecília.
Em 1937 foram instaladas creches para as crianças e teve início
a circulação do C.T.I. Jornal. Felix Guisard criou também uma coopera-
tiva para a venda de mantimentos e outros produtos para os funcioná-
rios. Fundou várias escolas, que a fábrica sustentava, incluindo a Esco-
la Técnica, hoje o SENAI de Taubaté, que leva seu nome, e uma escola
primária para os filhos dos empregados, o Grupo Escolar da C.T.I., que
foi fundado em 1941. A C.T.I. que, no início, empregava crianças na
sua força de trabalho, agora dava a elas, gratuitamente, o ensino funda-
mental e o técnico, incluindo alimentação, uniformes e até tratamento
dentário.
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O Sol da Manhã...
Grupo Escolar da C.T.I., provavelmente em 1945. Acervo da família.
Ampliação da imagem anterior mostrando as professoras e autoridades.
Acervo da família.
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Podemos ver, ao centro, Jeanne Guisard e Felix Guisard Filho, e os
irmãos Alberto e Raul. No lado direito está tio Oswaldo, provavelmente
cobrindo o evento para fazer um artigo para o C.T.I. Jornal. Entre as pro-
fessoras a tia Iria, minha mãe Ivonne, tia Riveta, e tia Zizinha que era a
diretora. Para não cair no esquecimento, listo aqui as professoras e fun-
cionárias dessa querida escola. Abigail Rossi, as irmãs Ivonne, Riveta, Iria
e Odete Guisard, tia Zizinha (Luzia Rabelo Guisard), e, ainda, Aparecida
Nascimento, Leila Behring e Inês. Sem esquecer de Dona Brandina na
cozinha, do “seu” Zé Guidão e de Dona Margarida tentando controlar os
alunos no recreio. Nessa instituição eu fiz meus primeiros quatro anos de
estudo formal, de 1951 a 1954. Ao final do curso, em nossa formatura,
acabei sendo escolhido orador da turma, sendo paraninfo meu tio Alberto
Guisard.
Convite de minha formatura
no Grupo Escolar da C.T.I. —
1954.
Acervo da família.
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O Sol da Manhã...
Simultaneamente com as suas ações no ambiente da C.T.I., Felix e
seus filhos, principalmente Alberto (1891-1969) e Raul (1896-1985), apro-
veitando a boa fase econômica da empresa, diversificavam seus interesses e
investimentos. Entre esses, temos a participação da família na Produtos Ali-
mentícios Embaré, com Carlos Herculano Inglês de Souza, na Auto Comer-
cial Taubaté, na Companhia Predial de Taubaté, na Companhia de Cinemas
do Vale do Paraíba, na Distribuidora de Filmes Cruzeiro, na Companhia de
Cinemas Sul Mineira, na Casa Bancária Alberto Guisard (que logo se trans-
formou no Banco do Vale do Paraiba S.A.), nos Supermercados Vale do Pa-
raíba e na Rádio Difusora de Taubaté, com Emílio Amadei Behrings. Otávio
por sua vez construiu, em 1935, um aeroporto na cidade, popularmente
chamado de Aeroporto do Tavico, onde fundou um movimentado aeroclube
que, após seu precoce falecimento, foi administrado por seu irmão Raul.
A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL
Ainda sob sua gestão, a C.T.I. viu o Brasil, sob o comando de Vargas,
passar pelos percalços da Segunda Guerra Mundial. Desde 1920, quando
funda o Partido Nacional-Socialista, e 1925, quando publica suas ideias
em seu livro “Mein Kampf”, Adolf Hitler, auxiliado pelo deplorável estado
da economia na Alemanha agravado pela grande crise de 1929, consegue
imenso prestígio com posições nacionalistas radicais e militaristas,
atacando os comunistas e conseguindo o apoio das grandes indústrias
germânicas. Em 1933 Hitler é nomeado Chanceler e dá início ao III Reich,
insuflando as massas com posições extremadas, como a superioridade da
raça ariana e a necessidade de se buscar um hipotético Espaço Vital para
a Alemanha. E o país efetivamente prosperou. A indústria foi renovada,
principalmente a bélica. A aliança com Benito Mussolini, ditador da Itália,
aconteceu em 1938. Seguem-se a invasão da Polônia em 1939, a tomada
de Paris em 1940 e o primeiro ataque a uma embarcação cargueira
Brasileira, o “Taubaté”, metralhado por um avião do III Reich no mar
Mediterrâneo, em março de 1941.
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O Globo de 26/03/1941 com a manchete sobre o ataque ao navio “Taubaté”.
Em 7 de dezembro de 1941, o Japão atacou Pearl Harbour, forçando
assim a entrada dos Estados Unidos nos combates, iniciando a guerra no
Pacífico. Os Estados Unidos declararam guerra ao Japão no dia seguinte.
Três dias depois, em 11 de dezembro, a Alemanha declarou guerra aos Es-
tados Unidos, movimento seguido algumas horas depois pelo Congresso
Americano que, no mesmo dia, declarou guerra à Alemanha. Estava for-
mado o elenco principal da guerra, o Eixo com a Alemanha, Itália e Japão
contra os Aliados compostos principalmente pela Grã-Bretanha, França,
Rússia e os Estados Unidos.
Um dos grandes cenários dessa guerra teve como fundo o Oceano
Atlântico, onde ocorreram os bloqueios dos transportes marítimos de
soldados, armamentos e víveres entre as Américas e a Europa ocupa-
da. O Brasil, tendo muitos navios cargueiros torpedeados pelos subma-
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O Sol da Manhã...
rinos alemães e italianos, no Atlântico Sul, veio a ter ativa participação
nessa Guerra. Em ação conjugada com as forças armadas americanas,
a partir de 1942, estabeleceram-se bases aéreas e navais em Recife
(que era o quartel general), em Natal e diversos outros portos além de
Fernando de Noronha. Em agosto de 1942, o Brasil formalmente de-
clarou-se em estado de guerra contra o Eixo. O esforço de guerra cul-
minou com o envio de tropas da Força Expedicionária Brasileira para a
retomada da Itália, lado a lado com os aliados americanos, em 1944 e
1945. O relacionamento político e econômico do Brasil com os Estados
Unidos foi intensificado por esse compartilhamento militar. A história
mostra que quatrocentos e treze brasileiros morreram na Itália e, junto
com os marinheiros e civis torpedeados no Atlântico, a nossa perda foi
de quase duas mil pessoas.
Durante os anos de Guerra e nos seguintes, ao seu final, diversos
empreendimentos no Brasil tiveram a ajuda americana. Basta citar a cria-
ção da Companhia Siderúrgica Nacional — CSN e da Companhia Vale do
Rio Doce. E também a criação do ITA — Instituto Tecnológico de Aeronáu-
tica, seguindo o modelo e a orientação do famoso MIT — Massachussets
Institute of Technology de Boston, exemplo de excelência na formação de
engenheiros. Escola que tive a honra de cursar e onde graduei-me como
Engenheiro de Eletrônica em 1967.
AS CONTAS DA C.T.I. AO FINAL DE 1941
Sob a Presidência de Felix, em pouco mais de dez anos, entre
1930/1931 e o final de 1941, ao lado do grande avanço do ponto de
vista social, também vimos a C.T.I. alcançando resultados impressio-
nantes no aspecto econômico e financeiro. O capital da empresa foi
aumentado na última assembleia geral realizada com a participação
de Felix Guisard, em 20 de novembro de 1941, poucos meses antes de
sua morte. Naquele momento, das vinte e cinco mil ações da C.T.I.,
Felix detinha cinco mil e cinco, sua esposa Jeanne tinha mil trezentas
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e quinze. Seus três filhos homens — Felix Filho, Alberto e Raul — que
com ele formavam o núcleo central de comando da empresa, tinham
seis mil quinhentas e vinte e cinco ações. Os cinco eram donos de
doze mil oitocentas e quarenta e cinco ações, ou seja, 51,38% do total,
proporcionando um controle absoluto nas decisões. Nessa data o capi-
tal da empresa passou de cinco mil contos de réis para dez mil contos
de réis.
Temos também o balanço da empresa, relativo a 31 de dezem-
bro de 1941, em que verificamos sua excelente condição econômica e
financeira. De uma maneira simplificada, o ano de 1941 mostrou uma
receita bruta da ordem de oito mil contos de réis, com despesas ope-
racionais da ordem de quatro mil e trezentos contos, dando um lucro
operacional da ordem de três mil e setecentos contos. O lucro foi então
distribuído para fundos diversos (oitocentos contos), para dividendos
aos acionistas (um mil e seiscentos contos) e bônus para a diretoria
(setecentos contos). O lucro líquido final foi então da ordem de qua-
trocentos contos de réis. O saldo de lucros retidos de anos anteriores,
que era de cinco mil e trezentos contos de réis, mais o do ano de 1941,
foram destinados a aumento de capital no valor de cinco mil contos de
réis, mantendo-se setecentos contos de réis como lucros retidos para
os exercícios futuros.
O patrimônio da C.T.I. apresentava-se com um total de vinte e um
mil contos de réis — compreendendo terrenos, edifícios, maquinários,
a usina elétrica, caixa e estoques. Esse valor, a preços atuais, corres-
ponderia a cerca de vinte e um milhões de dólares. Por outro lado, não
demonstrava dívidas de longo prazo, ou seja, seu nível de capitalização
era quase total. Tinha um capital de dez mil contos, mais cerca de oito
mil contos de reservas e lucros retidos, resultando em somente três mil
contos de réis como contas a pagar. Resultados excelentes partindo de
uma posição financeiramente muito ruim de dez anos antes.
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O Sol da Manhã...
O FALECIMENTO DE FELIX GUISARD
Essa Assembleia de Acionistas foi a última atividade de Felix como
gestor maior da C.T.I. Consta que, logo após esse evento, ele desceu a serra
do Mar para aproveitar os últimos dias de verão, em seu casarão em Uba-
tuba, onde teve como convidado Monteiro Lobato, seu amigo. Foi quando
passou mal e viu-se obrigado a retornar rapidamente para Taubaté. Eram
seus últimos dias. Debilitado pela diabetes e com o coração enfraquecido,
não se recuperou, vindo a falecer em 29 de março de 1942. Seu enterro
foi, talvez, o mais impressionante de toda a história da cidade. Dizem os
jornais da época que uma enorme multidão, mais de vinte mil pessoas,
numa população total de cerca de quarenta e cinco mil, acompanhou o
cortejo, que teve, como último pedido do velho chefe, uma passagem por
todas as seções da C.T.I. antes de seguir para sua última morada.
Foi enterrado num imponen-
te mausoléu na entrada do cemi-
tério da Venerável Ordem III, ao
lado do centenário Convento de
Santa Clara, no centro da cidade de
Taubaté. Mausoléu para o qual Fe-
lix tinha trazido muitos dos restos
mortais da família, vindos da Fran-
ça e de outros locais do Brasil. Ali
ele repousa ao lado dos túmulos das
mais tradicionais famílias taubatea-
nas, incluindo os nobres do Império
como o Visconde de Tremembé e o
Visconde de Mossoró.
Mausoléu de Felix Guisard, na
entrada do Cemitério da Venerável
Ordem Terceira. Acervo da família.
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José Eugenio Guisard Ferraz
A C.T.I. prosseguiu suas operações, agora sob a Presidência de Fe-
lix Guisard Filho, que terminou em 1945 a construção de sua sede, com
seu famoso relógio, um dos símbolos da cidade de Taubaté. A C.T.I., por
sua estrutura fabril e sua organização, chegou a ser visitada por alunos
da Escola Superior de Guerra, tomada como exemplo de uma excelente
administração empresarial.
O complexo industrial da C.T.I. em 1951, com suas várias fábricas.
Acervo do MISTAU publicado na História de Taubaté através de Textos.
Depois de alguns anos, mais precisamente em 1953, sem a presen-
ça marcante de seu fundador, a empresa foi vendida para terceiros — o
grupo Veloso Borges, do Rio de Janeiro. Alguns anos mais tarde, em 1970,
ela foi revendida para a Companhia de Tecidos Nova América, também
do Rio de Janeiro. Nesse último período a C.T.I. deixou de fazer o produto
final, ficando somente na produção de fios e tecidos brutos, que eram for-
necidos para as demais fábricas do grupo. O número de empregados foi
enormemente reduzido. Em 1983, ocorreu a falência da Nova América e
a C.T.I. foi paralisada definitivamente.
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O Sol da Manhã...
OS ÚLTIMOS DIAS DE EUGENIO
Por sua vez, depois do falecimento de vovó Zília, no dia 11 de janeiro
de 1949, passado algum tempo meu avô Eugenio, já com mais de setenta
anos de idade, resolveu casar-se novamente. Assim pensando e logo agin-
do, saiu em busca de uma companheira, para os anos que lhe restassem.
Lembro de minha mãe e minhas tias comentando as qualidades das can-
didatas que ele trazia para o julgamento da família. Depois de algumas
tentativas frustradas, vovô Eugenio foi levado por um amigo ao encontro
de uma senhora, na realidade uma freira que, por motivos de saúde, esta-
va passando uns tempos com sua família, fora do convento. E não é que
ele se encantou pela Dona Laura Felice, a freira de férias...
Meu avô Eugenio com tia Laura, em 1966. Imagem enviada por
Cláudio de Biasi.
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Dessa vez a família aplaudiu a escolha e logo tivemos no nosso
convívio uma nova pessoa, a quem chamávamos carinhosamente de Tia
Laura. Excelente pianista, ela deu aulas para muitos netos de Eugenio,
eu inclusive. Lembro-me de que, no fim do ano, no almoço de Natal no
casarão em Tremembé, tive de tocar “Pour Elise” para toda a família escu-
tar. Meu sofrimento foi atroz, mas cheguei ao fim da música sem maiores
problemas, e saí aplaudido da sala, vermelho como um pimentão. Tia
Laura, que no seu casamento com vovô Eugenio, em 1950, tinha quarenta
e cinco anos, foi sua companheira por dezoito anos, sempre cuidadosa e
atenciosa para com todos.
Encontro da família ao redor de vovô Eugenio — 1966.
Acervo da família.
Eugenio viveu tranquilamente seus dias de velhice cercado por
dezenas de netos e bisnetos, e com o carinho de todos. Frequentemente
íamos almoçar no casarão,na praça da igreja em Tremembé, sempre aos
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O Sol da Manhã...
domingos, passando um bom tempo brincando na sombra das grandes
árvores centenárias, velhas figueiras, que ali ainda hoje permanecem.
Vovô Eugenio faleceu em 24 de maio de 1968, um pouco antes de
completar noventa anos de idade, com um sorriso nos lábios, ainda
úmidos das gotas do conhaque que um de seus filhos lhe tinha levado,
sorrateiramente, ao Hospital Santa Isabel em Taubaté.
Seu velório, que aconteceu em minha casa, na Rua Quatro de
Março, foi também muito concorrido. Seu corpo seguiu para o cemitério
Municipal, subindo a rua Humaitá, até chegar à Travessa da Saudade,
bem no alto do morro, do outro lado da via Dutra, onde o aguardava
um simples túmulo, sem grandes enfeites, mas, como disse minha mãe
Ivonne, com uma linda vista para a cidade e para as montanhas.
Eugenio viveu o suficiente para ver, em 1964, um de seus netos,
eu, ficar noivo de uma jovem francesa, Mireille Marguerite Henriette,
a filha mais velha da família de André e Simone Nouailhetas. Eu me
recordo, com carinho, do jantar no sítio da família Nouailhetas, em
Quiririm, quando ficamos oficialmente comprometidos, e que contou
com a presença de vovô Eugenio, conversando em francês, alegre e feliz.
André chegou ao Brasil em 1949, a serviço do banco francês Crédit
Lyonnais. Vendo as possibilidades econômicas do país, principalmente
quando comparadas com a penúria do pós-guerra europeu, logo chamou
toda a família. Sua esposa Simone e seus quatro filhos: Mireille, Yannick,
Hervé e Brigitte. que chegaram em 1950 a bordo do transatlântico
Provence, tendo levado somente quatorze dias para fazer a travessia de
Marseille ao Rio de Janeiro. Sua quinta filha, Viviane, nasceria poucos
meses depois, já em terras brasileiras.
Reeditando o passado, uma família de franceses que veio
para o Novo Mundo, dessa vez logo após o final da Segunda Guerra
Mundial, cheia de esperanças, à procura de trabalho e oportunidades de
desenvolvimento.
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Casamento unindo as famílias Guisard Ferraz e Nouailhetas —
dezembro 1968. Acervo da família.
Mas essa é uma outra história, que fica para uma outra vez...
CONCLUSÃO
A história que acabamos de contar não é a vida de nenhuma
pessoa em particular, mas sim a trajetória de várias famílias que se
cruzaram em um espaço de quase duzentos anos, em dois continentes.
Quero deixar evidente que cada uma dessas dezenas de pessoas, de
quem falamos, teve seu lugar e seu valor nesse complexo conjunto de
relações humanas. Alguns com maior destaque, por sua competência e
seu arrojo, outros aparecendo menos, talvez por sua própria opção de
vida. Mas todos com igual importância no contexto da minha origem
— Mallet, Caillaud, Guisard, Vieira Ferraz, Nogueira Barbosa e Querido.
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O Sol da Manhã...
Um conjunto de pessoas que deixou suas marcas em muitas cidades de
nossa terra, principalmente em Taubaté, onde essa presença foi fator
importante na grande passagem de uma era já declinante, do domínio
dos campos pelos grandes senhores dos cafezais para uma nova so-
ciedade mais urbana, em que a industrialização passava a ser o ponto
focal. Uma mudança marcada por uma maior abertura de alternativas
sociais em diversos aspectos, com o aparecimento de novas crenças
religiosas, novas ideologias, novas escolas e até mesmo novos esportes
e movimentos artísticos e culturais. Uma mudança para uma sociedade
mais plural, mais participativa e criativa, em certos momentos difícil
de ser administrada, mas certamente com mais opções de vida e mais
liberdade de escolha.
Somando detalhes da longa trajetória de minha família, pontos
se realçam por seus valores humanos. O passado francês, que mereceu
um destaque especial, trouxe à tona a evidência de um objetivo desbra-
vador para essa aventura dos Guisard. A vinda da França para o Brasil,
na sua essência, representou a nossa participação no amplo processo
de imigração estrangeira para o “Novo Mundo”. Vale notar esse ímpeto
empreendedor que nos fez desbravar um oceano, e que no Brasil movi-
mentou-se para encontrar um lugar ideal para florescer.
A nossa família, de geração a geração, foi combinando a sua estru-
tura interna com os interesses e oportunidades que aconteceram ao seu
redor. Porém sem nunca perder o sentido de construir um legado valioso
e nobre, uma pequena epopeia que, de certa forma, justifica a elaboração
deste trabalho de memória. Meu casamento com uma jovem francesa dá
uma continuidade e demonstra um respeito pela história de uma família
que tem aprendido a conviver com a realidade brasileira e, ao mesmo
tempo, enfrentar desafios. O Sol da Manhã, em uma forma singela, bus-
cou iluminar um passado que me enobrece e, ao mesmo tempo, há de
iluminar dias futuros.
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AnexoÁRvores Genealógicas
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AnexoÁRvores Genealógicas
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Este livro foi impresso pela gráfica Forma Certapara Editora Recanto das Letras
em novembro de 2018
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